UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
ANDRESSA LEMOS FERNANDES
EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL:
SENTIDOS PRODUZIDOS NO COTIDIANO
VITÓRIA
2007
ANDRESSA LEMOS FERNANDES
EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL:
SENTIDOS PRODUZIDOS NO COTIDIANO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre em Educação. Orientadora: Profª. Drª. Martha Tristão.
VITÓRIA
2007
Ficha Catalográfica
F363e Fernandes, Andressa Lemos. Educação Ambiental na Educação Infantil: sentidos produzidos no cotidiano / Fernandes, Andressa Lemos. - Vitória, 2007. 141 folhas : il. Orientadora: Martha Tristão Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Educação 1. Educação Ambiental. 2. Educação Infantil. I. Tristão, Martha. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Educação. III. Título CDU 37:504(815.2)
ANDRESSA LEMOS FERNANDES
EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL:
SENTIDOS PRODUZIDOS NO COTIDIANO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre em Educação.
Aprovada em 3 de dezembro de 2007.
COMISSÃO EXAMINADORA
____________________________________ Profª. Drª. Martha Tristão
Universidade Federal do Espírito Santo Orientadora
__________________________________________ Prof. Dr. Mauro Guimarães
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
__________________________________________ Profª. Drª. Vania Carvalho de Araújo
Universidade Federal do Espírito Santo
__________________________________________ Prof. Dr. Carlos Eduardo Ferraço
Universidade Federal do Espírito Santo
__________________________________________ Prof. Dr. Hiran Pinel
Universidade Federal do Espírito Santo
AGRADECIMENTOS
A Deus e à sua Sagrada Família que me protegem e abençoam desde sempre, que permitiram minha vinda neste espaçotempo, nesta família, com estes amigos e com a missão de “cuidar da vida” pela Educação Ambiental. À minha família pelo amor que nos constitui, que nos une e que nos fortalece. Em especial, aos meus pais, Dalton e Marly, ao meu esposo, Iran, e aos meus filhos, Gabriel e André. À Martha Tristão meu especial agradecimento por ter sido muito mais que uma orientadora, cujos ensinamentos, incentivo e carinho foram fundamentais para a realização deste trabalho. Aos professores do Mestrado em Educação da UFES pela possibilidade de ampliar minha “rede de saberes”. Com um carinho especial a Janete Carvalho pelas “lições filosóficas”; a Hiran Pinel por “ser sendo” um sensível educa(dor) do outro; a Carlos Eduardo Ferraço por me apresentar a pesquisa “com” o cotidiano; e a Vania Araújo por me apontar uma outra forma de “ver” as crianças e a Educação Infantil. A Mauro Guimarães por fazer parte da minha trajetória na Educação Ambiental, desde o início até este importante momento. A todos os profissionais e crianças do CMEI Ana Maria Chaves Colares a às protagonistas desta história: Alessandra, Aparecida, Cidinéia, Cleide, Elair, Eliã, Elizabeth, Eronilde, Graciela, Isabel, Jane, Kezia, Lilamar, Lizandre, Marlene, Tereza, Valéria e Viviane por me aceitarem como “legítimo outro na (con)vivência”. À compreensão e apoio dos anteriores (Cidinha e Claudino) e atuais (Priscila e Sthael) gestores da Gerência de Educação Ambiental da SEMMAM. À Walquiria pelo exemplo de vida, mulher guerreira que sofre e sorri, sem perder a ternura. À amiga-irmã Penny por tudo que vivemos juntas nesta caminhada com a Educação Ambiental. E às companheiras Ana, Flavia e Roberta, do Grupo de Pesquisa em Educação Ambiental, por compartilharmos conhecimentos, alegrias, danças e músicas.
RESUMO
A pesquisa “Educação Ambiental na Educação Infantil: sentidos produzidos no
cotidiano” foi realizada em um Centro de Educação Infantil do município de Vitória –
ES, no período de setembro de 2005 a julho de 2006. O objetivo central desta
investigação foi compreender que sentidos vêm sendo atribuídos à Educação
Ambiental ao se entrelaçar às redes de saberesfazeres tecidas no cotidiano de um
Centro de Educação Infantil. As orientações teórico-metodológicas deste trabalho
estão fundamentadas na pesquisa com o cotidiano, na teoria da complexidade e nos
pressupostos da Educação Ambiental e da Educação Infantil. Os acontecimentos
que emergiram no cotidiano foram registrados no diário de campo e por meio de
fotografias. As narrativas das professoras, protagonistas deste estudo, captadas nas
conversas gravadas, foram privilegiadas na análise da realidade vivenciada. A
pesquisa apontou que há carência de políticas públicas, em âmbito federal e
municipal, que contemplem a Educação Ambiental na Educação Infantil, mas na
escola pesquisada, a Educação Ambiental é um processo contínuo, sendo
desenvolvida em projetos e ações cotidianas por professoras engajadas e
comprometidas com o “cuidado” com as crianças e com a vida. Considerou ser
importante dar uma maior “potência de ação” a essas professoras, investindo em
processos de formação continuada para um aprofundamento e internalização dos
conhecimentos (emancipatórios) pertinentes ao campo da Educação Ambiental.
Palavras-chave: Educação ambiental. Educação infantil. Cotidiano. Narrativas.
ABSTRACT
The investigation: “Environment Education on Childish Education: meaning produced
on quotidian” was realized in an Childish Education Center localized in the city of
Vitoria – ES, during from 2005 September till 2006 July. The investigation central
objective was understand which senses have been attributed to Environment
Education when it entwines to the traps of knowledge-makes weaved on a Childish
Education Center’s quotidian. The theoryc- methodologyc orientations from this work
are established into quotidian investigation, complexity theory, on Environment and
Childish Education presuppositions. The events that appeared on everyday were
registered in a field diary and through pictures. The teacher’s narratives, protagonists
from this study, captured in engraved talks, were privilegized on analysis of lived
reality. The investigation pointed out that exists a public polities lack in sphere of
action federal and municipal district that contemplate the Environmental Education on
Childish Education. Perhaps, in this studied school the Environment Education has
been continuous process, being developed in every days projects and actions, by
engaged and committed oneself teachers with the “care” of children and life.
Considered that is important to give a larger “potency of action” to this teachers,
investing in process of continuous formation in order to deepen and internalized
emancipated knowledge relevant to Environment Education area.
Palavras-chave: Environment education. Childish educations. Quotidian. Narratives.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Espaços de convivência..............................................................................80
Figura 2: Portfólios com projetos da escola...............................................................85
Figura 3: Atividades culturais com participação das famílias.....................................89
Figura 4: Projetos desenvolvidos pelas turmas de Pré..............................................92
Figura 5: Mostra cultural do CMEI em 2005..............................................................93
Figura 6: Convivência com as crianças nas oficinas educativas.............................104
LISTA DE SIGLAS
CMEI – Centro Municipal de Educação Infantil
CST – Companhia Siderúrgica Tubarão
EMEF – Escola Municipal de Ensino Fundamental
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação
MEC – Ministério da Educação
MMA – Ministério do Meio Ambiente
PMV – Prefeitura Municipal de Vitória
PNUMA – Programa das Nações Unidas Para o Meio Ambiente
RCNEI – Referencial Nacional Para a Educação Infantil
SEME – Secretaria Municipal de Educação
SEMMAM – Secretaria Municipal de Meio Ambiente
UERJ – Universidade Estadual do Rio de Janeiro
UFES – Universidade Federal do Espírito Santo
UFF – Universidade Federal Fluminense
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNESCO – Organização das Nações Unidas Para Educação, Ciência e Cultura
UNICAMP – Universidade de Campinas
SUMÁRIO
1 O COMEÇO DA CAMINHADA.......................................................................11
1.1 PRIMEIROS PASSOS: CAMINHO DE ENCONTROS E
ENCANTAMENTOS......................................................................................11
1.2 PASSOS RUMO À ESCOLA........................................................................13
2 BUSCANDO PISTAS PARA SEGUIR A CAMINHADA................................18
2.1 PESQUISAR O COTIDIANO COM O COTIDIANO......................................18
2.2 NARRATIVAS: AS VOZES DA VIDA COTIDIANA.......................................23
3 SEGUINDO ALGUMAS PEGADAS...............................................................29
3.1 NA TRILHA DA EDUCAÇÃO INFANTIL.......................................................29
3.1.1 A Educação Infantil em Vitória – ES......................................................32
3.2 REDE DE IDÉIAS E DE CONCEITOS NO EMBALO
DA EDUCAÇÃO INFANTIL...........................................................................35
3.2.1 Corporeidade: o corpo aprende e ensina..............................................36
3.2.2 Brinquedos e brincadeiras......................................................................39
3.2.3 Cuidando para educar.............................................................................46
4 OS CONTEXTOS HÍBRIDOS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL.......................52
4.1 ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE.............................................................52
4.2 EDUCAÇÃO AMBIENTAL: DO PASSADO AO PRESENTE........................56
4.3 CONTEXTOS DE FORMAÇÃO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL......................64
4.4 DESAFIOS DO/A EDUCADOR/A AMBIENTAL
NA CONTEMPORANEIDADE.......................................................................72
5 ESPAÇOSTEMPOS DE (CON)VIVÊNCIAS NA ESCOLA............................78
5.1 IMAGENS DO ESPAÇOTEMPO ESCOLAR................................................78
5.2 SABERESFAZERES NA/DA ESCOLA: A EDUCAÇÃO
AMBIENTAL EM FOCO.................................................................................82
5.3 ACONTECIMENTOS VIVIDOS DENTRO E FORA DA ESCOLA................96
5.3.1 O menino que catava pedrinhas.............................................................97
5.3.2 Colo no planetário...................................................................................98
5.3.3 Da utilidade dos animais.......................................................................101
5.3.4 É o bicho.................................................................................................103
5.3.5 Cuidando dos pintinhos e aprendendo com eles...............................106
6 IDENTIDADES DE PROFESSORAS E IDENTIFICAÇÕES COM
A EDUCAÇÃO INFANTIL E COM A EDUCAÇÃO AMBIENTAL..................110
6.1 O ENCONTRO COM A EDUCAÇÃO INFANTIL.........................................113
6.2 MOTIV(AÇÃO) E ENVOLVIMENTO COM A EDUCAÇÃO AMBIENTAL....118
6.3 HISTÓRIAS DE PROFESSORAS: ENTRELAÇANDO
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL À EDUCAÇÃO INFANTIL..............................121
6.3.1 Entrelaçamentos cotidianos.................................................................122
6.3.2 Fazendo o caminho ao caminhar.........................................................125
7 CONSIDERAÇÃOES FINAIS......................................................................132 7.1 CAMINHANDO E SEGUINDO EM FRENTE..............................................134 8 REFERÊNCIAS.............................
11
1 O COMEÇO DA CAMINHADA
1.1 PRIMEIROS PASSOS: CAMINHO DE ENCONTROS E ENCANTAMENTOS
Para começar a escrever sobre minha trajetória de pesquisa, considerei interessante
recordar momentos do passado que contribuíram para minha constituição como
educadora ambiental pesquisadora. Inicio, então, relatando alguns fatos que
marcaram minha vida profissional e acadêmica até aqui.
O primeiro acontecimento relevante e que viria a determinar minha vida profissional
ocorreu em 1994, quando, por um telefonema do setor de Recursos Humanos da
Prefeitura Municipal de Vitória (PMV), fui convidada a trabalhar por contrato
temporário no Departamento de Educação Ambiental da Secretaria de Meio
Ambiente (Semmam). Eu havia feito inscrição para trabalhar como professora de
Ciências na Rede Municipal de Educação, mas, por obra do destino ou divina, me
chamaram para atuar na Semmam. A partir de então, por contratos temporários e,
posteriormente, como funcionária efetiva da municipalidade, não saí mais de lá,
exceto no período de dois anos em que estive de licença para cursar o mestrado.
No início das atividades nem sabia ao certo o que era a Educação Ambiental,
porém, ao longo do tempo, fui me envolvendo intensamente, me enredando a fios
afetivos, cognitivos, ideológicos e a pessoas, ações e intenções, como a de
mergulhar cada vez mais fundo nesse campo de atuação. Desse modo, durante todo
esse tempo, procurei participar de vários cursos de formação continuada e de
eventos de Educação Ambiental. Atualmente sou convidada para ministrar cursos,
palestras e oficinas educativas em vários espaços de formação.
Dentre as muitas experiências vividas no Departamento de Educação Ambiental,
uma em especial merece destaque, foi quando, em 1999, o “Projeto Educação
Ambiental nas Escolas”, desenvolvido em parceria entre as Secretarias de Meio
Ambiente e Educação de Vitória, passou a contemplar a Educação Infantil, pois até
então só participavam dele professores de Ensino Fundamental. Como integrante da
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equipe do referido projeto, conheci algumas experiências de profissionais da
Educação Infantil e, enquanto crescia meu encantamento, crescia também minha
curiosidade em conhecer mais profundamente o que acontece no cotidiano dessas
escolas e como se entrelaçam os saberes e fazeres da Educação Infantil e da
Educação Ambiental nesses espaçostempos1 escolares.
Uma grande influência na definição da pesquisa aconteceu recentemente, quando já
era aluna do Mestrado em Educação, na Universidade Federal do Espírito Santo
(UFES). No meio de uma avalanche de novos conhecimentos, deparei-me com uma
nova possibilidade de realizar pesquisa, a pesquisa no/do/com o cotidiano, uma
possibilidade que me permitiria conviver e me envolver com os participantes, ao
invés do distanciamento, que muitos tipos de pesquisa sugerem. Percebi que há
uma sintonia entre essa forma de pesquisar e os princípios de participação,
corporeidade e sensibilidade inerentes à Educação Ambiental.
Outro fator de destaque, durante meu percurso no mestrado, foram os encontros de
estudos com minha orientadora e nosso grupo de pesquisa, que me apontaram
caminhos possíveis para a jornada na pesquisa, além de muito incentivo nos
momentos de desânimo.
Assim, decidi seguir rumo ao cotidiano de um Centro de Educação Infantil, com o
objetivo de investigar, além de outras questões que emergiram: que sentidos vêm
sendo atribuídos à Educação Ambiental ao se entrelaçar às redes afetivascognitivas
nesse espaçotempo escolar? Como a formação inicial e continuada das professoras2
se articulam às suas vivências cotidianas? O que as motiva a desenvolverem a
Educação Ambiental? Que valores e significados vêm dando sentido às suas
práticas pedagógicas?
1 Essa forma da escrita é proposta por Nilda Alves e compartilhada por Ferraço (2005), além de
outros autores que trabalham com o cotidiano, na tentativa de ao unir palavras, ampliar seu sentido e inventar outros. 2 Tendo em vista as questões de gênero, usarei sempre o feminino quando me referir às professoras
da escola pesquisada.
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1.2 PASSOS RUMO À ESCOLA
Desde 1994, quando iniciei minhas atividades na Semmam, atuei no “Projeto
Educação Ambiental nas Escolas”. Esse projeto, que foi realizado de 1992 a 2004,
previa a formação continuada de professores e o acompanhamento técnico de
projetos de Educação Ambiental desenvolvidos pelas escolas. Durante esse
período, o projeto foi sofrendo adequações metodológicas, acompanhando o
movimento da Educação Ambiental no Brasil. Em 1999, o projeto, que, até então,
era voltado para o Ensino Fundamental, passou a atender também as escolas de
Educação Infantil.
A partir de então, acompanhei projetos de Educação Ambiental de alguns Centros
Municipais de Educação Infantil (CMEIs) e, durante essas vivências, muitas coisas
me chamaram a atenção e despertaram minha curiosidade em compreender como a
Educação Ambiental vem acontecendo no cotidiano dessas escolas.
Conforme apontam os relatórios do “Projeto Educação Ambiental nas Escolas”, de
2001 a 2004, dos 42 CMEIs, 41 participaram, de alguma forma, do projeto,
realizando ações ou projetos educativo-ambientais. Em algumas escolas, houve o
envolvimento de alguns profissionais; em outras, toda a escola foi envolvida; e em
outras conseguiram envolver a comunidade na qual a escola está inserida, o que
sugere que estão em consonância com os objetivos e princípios da Educação
Ambiental.
Nesse período, o “Projeto Escola”, como era chamado pelos técnicos, contou com a
parceria da empresa Corpus Saneamento e Obras Ltda., além das já citadas
Secretarias de Meio Ambiente e Educação. Com a chegada da “Corpus”, foram
integradas ao projeto algumas escolas particulares do município, que já eram
atendidas no Projeto de Educação Ambiental desenvolvido pela empresa. Foi uma
época de intensos trabalhos, tanto por parte da equipe técnica quanto por parte das
escolas participantes.
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Marcando essa nova parceria, foi lançado, em 2001, o livro “Nem tudo que é lixo é
lixo: noções de saneamento ambiental”, um material de apoio didático aos
educadores, elaborado com o intuito de subsidiá-los na realização de atividades e/ou
projetos com o tema resíduos sólidos. Cabe destacar que, nessa época, a empresa
“Corpus” era a responsável pela coleta de lixo no município e que Vitória estava em
processo de implantação de um sistema de coleta seletiva, com a instalação de
postos de entrega voluntária (PEVs), que foram colocados também nas escolas
participantes do “Projeto Escola”.
Como fruto do esforço de todos os atores envolvidos no projeto, foi lançado, em
2003, o segundo livro do projeto, intitulado “Experiências bem sucedidas: um projeto
inovador”, no qual estão registrados, sucintamente, os projetos de Educação
Ambiental realizados no período de 2001 a 2002 por 36 escolas, sendo: 20 CMEIs,
11 EMEFs e cinco escolas particulares de Ensino Fundamental.
Em 2004, foi lançado o terceiro livro do Projeto: “Recontando o passado, encantando
o presente”. Esse livro traz uma importante contribuição, na medida em que conta,
em seu primeiro capitulo, a trajetória da Educação Ambiental na Secretaria de Meio
Ambiente de Vitória, desde seu início, em 1986, com depoimentos de pessoas que
vivenciaram essa história. O livro também apresenta dados quantitativos, como o
número de escolas e de professores participantes das várias etapas do projeto de
2002 a 2004. Nesse período, participaram 54 escolas da Rede Municipal de Ensino
(36 CMEIs e 18 EMEFs) e 22 escolas da Rede Particular. Desse total, 19 escolas (6
particulares, 1 EMEF e 12 CMEIs), dentre elas o CMEI Ana Maria Chaves Colares,
responderam ao convite e inscreveram seus projetos para a edição do livro.
Essa história e esses dados revelam que os Centros de Educação Infantil se
destacaram pela intensa participação no “Projeto Escola”. O que se evidencia
também nos relatórios e nas falas dos técnicos que acompanhavam essas escolas.
Para nós, era (e ainda é) muito gratificante trabalhar com professores
comprometidos e engajados, além de contar com a alegria e o carinho das crianças.
Foi por meio do “Projeto Escola” que conheci o CMEI Ana Maria Chaves Colares, no
ano de 2004, e me identifiquei com o trabalho realizado pela escola. Mas escolher a
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escola a ser pesquisada não foi tarefa fácil, visto que, em Vitória, quase todos os
CMEIs desenvolvem a Educação Ambiental, seja de forma pontual, seja de forma
processual. Em muitos casos, a Educação Ambiental está contemplada no Projeto
Pedagógico da Escola, como acontece com o CMEI Ana Maria.
Precisava escolher um CMEI num universo de 42 (em 2005), tendo em vista que
meu objetivo era a imersão no cotidiano de uma escola para compreender mais
profundamente como se tece a Educação Ambiental nesse espaçotempo escolar.
Para esta escolha analisei relatórios do projeto, conversei com técnicos que
acompanhavam as escolas e realizei visitas a alguns Centros de Educação Infantil.
O próximo passo foi solicitar oficialmente à Secretaria Municipal de Educação
autorização para realizar a pesquisa na escola. Para tal, escrevi uma carta de
intenções especificando o objetivo da pesquisa e minha disponibilidade em colaborar
com a escola.
De março a setembro de 2005, realizei quatro visitas à escola, sempre conversando
com a diretora. Pretendia apresentar minha proposta às professoras e perguntar se
aceitariam ser os sujeitos da pesquisa. Porém a diretora considerou que seria
melhor que ela levasse a proposta para que os professores não ficassem
constrangidos em caso de negativa.
Felizmente, a resposta foi positiva e, depois de superadas as formalidades, no dia
26 de setembro de 2005, iniciei efetivamente meu percurso para investigar como se
dá a Educação Ambiental no cotidiano da Educação Infantil.
Durante a pesquisa, não adotei uma postura de distanciamento, ao contrário,
integrei-me ao grupo de professoras, convivendo com elas e, querendo ou não,
deixei as marcas de minha presença e das experiências conjuntas que vivemos. Por
isso, as professoras são por mim consideradas não como objetos da pesquisa, mas
como colaboradoras.
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E assim (con)vivi, 3 de setembro de 2005 a julho de 2006, com toda a comunidade
escolar do CMEI Ana Maria Chaves Colares. Em 2005, só participava da escola no
turno da tarde e, em 2006, visando a intensificar minhas relações com a escola,
optei por me envolver nos dois turnos, com uma média de duas visitas semanais em
cada turno.
Esta pesquisa é o resultado do entrelaçamento da minha vida com a das
educadoras e crianças com quem (com)partilhei situações cotidianas que me
apontaram algumas questões que serão tratadas neste estudo, outras, porém, não
conseguirei abordar em função da minha impossibilidade atual em compreendê-las
ou transformá-las em uma linguagem escrita, pois trata-se de uma multiplicidade de
sentidos e emoções.
As observações, percepções, sensações e interações cotidianas foram registradas
em um diário de campo. Muitos acontecimentos e momentos especiais foram
documentados em fotografias. Além disso, ao final da pesquisa, gravei quatro
conversas4 com educadoras que, com suas diferentes histórias de vida e
experiências vividas no CMEI, muito contribuíram para a compreensão da
unidademúltipla que é a escola, pois a escola, como sistema complexo, se
apresenta como unitas multiplex (MORIN, 2003), ou seja, sob o ângulo do todo, ela
é uma e homogênea; sob o ângulo dos constituintes, ela é diversa e heterogênea.
O nome da escola, bem como o das professoras que estão citados no texto são
verídicos. Fiz essa opção, pois meu intuito é dar visibilidade e voz a esses sujeitos
que tecem lindamente o cotidiano pesquisado. Com isso, tento superar a perspectiva
conceitual da modernidade, muito comum em pesquisas acadêmicas, que ocultam
nomes e distanciam sujeitos e pesquisadores da realidade analisada. Ao contrário,
trabalho na perspectiva de sujeitos encarnados, conforme propõe Najmanovich
(2001), que identifica como ponto de partida a especificação do lugar de onde se
fala.
3 Estou propondo essa grafia diferente, em algumas palavras, para marcar o prefixo “com”, no sentido de “tecer junto” e não como forma de ruptura ou fragmentação da palavra. 4 De acordo com Menegon (2000), as conversas são expressões vivas de contextos inter-
relacionados do dia-a-dia e apresentam menor grau de formalidade que as entrevistas.
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Além da especificação de nomes e fatos, darei voz a esses sujeitos encarnados,
uma vez que as vivências cotidianas das professoras são apresentadas neste
trabalho nas narrativas das próprias professoras.
A opção em usar os nomes reais das professoras foi apresentada e aceita por todo o
grupo; nenhuma delas se opôs. Também o uso das imagens das crianças foi
autorizado por escrito pelos pais e responsáveis.
Esclareço, ainda, que, em nenhum momento desta pesquisa são evidenciadas
situações que possam constranger qualquer dos envolvidos, ao contrário, serão
apresentados fatos, que, em meu entendimento, evidenciam aspectos positivos da
realidade pesquisada. Com isso, não tenho o intuito de passar uma visão idealizada
da escola, mas dar visibilidade ao que realmente vivi e que considero importante
para retratar essa experiência.
Para viver esta experiência única, optei por uma metodologia que permitisse uma
imersão no cotidiano de uma escola, onde eu pudesse interagir com os sujeitos da
pesquisa, partilhando emoções, saberes e fazeres. Encontrei essa possibilidade na
pesquisa no/do/com o cotidiano, que abordarei nas próximas páginas.
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2 BUSCANDO PISTAS PARA SEGUIR A CAMINHADA
2.1 PESQUISAR O COTIDIANO COM O COTIDIANO
A opção pela pesquisa no/do/com o cotidiano deveu-se ao fato da minha
identificação com as idéias de Certeau (1994) em “A invenção do Cotidiano” e com a
proposta de pesquisadores brasileiros, como Alves, Garcia, Ferraço e Oliveira.
Esses pesquisadores, atualmente conhecidos como “cotidianistas”, percebem o
cotidiano numa perspectiva teórico-político-epistemológico-metodológica de
compreensão do mundo e da escola.
Além disso, estabeleço fortes relações entre essa perspectiva de pesquisa e os
fundamentos da teoria da complexidade e da Educação Ambiental que são, também,
meus referenciais teoricometodológicos. Nessa articulação, reporto-me a Morin,
Tristão, Guimarães e Carvalho, dentre outros autores.
Conforme aponta Oliveira (2007), as pesquisas no/do/com o cotidiano tiveram início,
no Brasil, no começo da década de 90, com as professoras Nilda Alves e Regina
Leite Garcia, na UFF, e com a professora Corinta Geraldi, na Unicamp. Com o
passar dos anos, esses estudos que têm o cotidiano como espaço privilegiado de
pesquisa foram ganhando novos adeptos e aprofundamentos que favoreceram a
constituição desse campo de pesquisa. A autora identifica grupos de pesquisadores
“cotidianistas” nas universidades do Rio de Janeiro (UFF e UERJ), São Paulo
(UNICAMP) e Espírito Santo (UFES).
Para esses pesquisadores, a vida cotidiana não é apenas lugar de repetição e de
reprodução de algo abstrato que, além de explicar toda a realidade, a determina. Ela
se desenvolve em circunstâncias, ocasiões, momentos que definem o modo de usar
as coisas e/ou as palavras pelos sujeitos que fazem parte desse cotidiano.
19
Certeau (1997, p. 31) identifica o cotidiano como:
[...] aquilo que nos prende intimamente a partir do interior. É uma história a meio caminho de nós mesmos, quase em retirada, às vezes velada [...]. É um mundo que amamos profundamente, memória olfativa, memória dos lugares da infância, memória do corpo, dos gestos da infância, dos prazeres [...]. O que interessa ao historiador do cotidiano é o invisível, não tão invisível assim.
Pesquisar no/do/com o cotidiano pressupõe aguçar todos os sentidos e desvelar o
que não está explicito ou o que, à primeira vista, nos parece banal. Mas como
pesquisar o cotidiano de um sistema complexo como a escola?
Considero a escola como um sistema complexo, pois a enxergo como um tecido
interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto de conhecimento e o seu
contexto, as partes e o todo e as partes entre si. A complexidade é a união entre a
unidade e a multiplicidade de diferentes e inseparáveis elementos constitutivos do
todo (MORIN, 1996).
Entendo que o cotidiano de um Centro de Educação Infantil é complexo, exigindo
ações complexas e um pensar complexo para compreendê-lo. De acordo com Morin
(1999, p. 24), o pensamento complexo é:
[...] um modo de pensamento capaz de respeitar a multidimensionalidade, a riqueza, o mistério do real; e de saber que as determinações cerebral, cultural, social, histórica que se impõem a todo pensamento co-determinam sempre o objeto de conhecimento.
O pensamento complexo amplia o saber e nos conduz a um maior entendimento
sobre os problemas essenciais, contextualizando-os, conectando-os, contribuindo,
assim, para a compreensão de um sistema complexo como a escola.
Buscando articular a complexidade à pesquisa com o cotidiano, encontrei pistas em
Oliveira (2001, p. 50) que afirma que “[...] esta metodologia de pesquisa pretende
assumir a complexidade das práticas com suas trajetórias, ações, corpo e alma,
redes de fazeres em permanente movimento [...]”. A mesma autora acrescenta:
20
Pensar o cotidiano e erguê-lo à condição de espaço e tempo privilegiado de produção da existência e dos conhecimentos, crenças e valores que a ela dão sentido e direção, considerando-o de modo complexo e composto de elementos sempre e necessariamente articulados, implica em não poder dissociar a metodologia em si das situações estudadas por seu intermédio (p. 41).
A autora argumenta, ainda, que as pesquisas com o cotidiano não consideram como
partes distintas diversas dimensões vistas como antagônicas nas pesquisas
clássicas, como: a teoria e a prática; os saberes formais e os saberes cotidianos; o
modelo social e a realidade social; o pesquisador e os pesquisados; o conteúdo e a
forma; etc. Ao contrário, as pesquisas com o cotidiano consideram o caráter
multifacetado e as complexidades e articulações das redes sociais nele presentes,
respeitando a importância de cada ator social inserido nele. Considerações estas
que também permeiam os processos de Educação Ambiental fundamentados no
pensamento complexo.
Para entender melhor como se dá a pesquisa com o cotidiano, busquei pistas,
também, em Ferraço (2001, p. 93), que, ao comentar sobre sua tese de doutorado,
esclarece que:
[...] a metodologia assumida considerou o cotidiano como um espaço/tempo de produções/enredamentos de saberes, imaginações, táticas, criações, memórias, projetos, artimanhas, representações e significados. Um espaço/tempo de ações diversas no qual nós, pesquisadores, estabelecemos redes de relações com os que lá estão. Queiramos ou não, fazemos parte do cotidiano pesquisado e, por mais alheios e neutros que desejamos ser, sempre acabamos por alterá-lo.
O pesquisador ainda complementa dizendo que, nesse contexto de estudo, foi
incluindo sentimentos, atitudes e sentidos outros, como compartilhar, enredar,
ajudar, ouvir, tocar, degustar, cheirar, intervir, discutir.
Para Alves (2001), assim como a vida, o cotidiano é um objeto de estudo complexo,
que exige também métodos complexos para conhecê-lo. Para quem deseja
compreender essa complexidade, a autora aponta quatro aspectos que devem ser
considerados na pesquisa com o cotidiano.
21
O primeiro, intitulado o sentimento do mundo, caminha no sentido de estarmos
dispostos a ver além daquilo que os outros já viram, e que sejamos capazes de
“mergulhar” inteiramente numa dada realidade, buscando referências de sons,
gostos, cheiros e todo e qualquer elemento que nos indique mudanças e rotinas, a
fim de compreendermos como elas ocorrem, destacando que:
[...] ao contrário da formação aprendida e desenvolvida em tantas pesquisas do campo educacional, que [...] têm assumido uma forma de pensar que vem negando o cotidiano como espaço/tempo de saber e criação, vou reafirmá-lo como sendo de prazer, inteligência, imaginação, memória e solidariedade, precisando ser entendido, também e, sobretudo, como espaço/tempo de grande diversidade (ALVES, 2001, p.16).
O segundo aspecto, que a autora denomina virar de ponta cabeça ou, como dizem
os capixabas, virar de cabeça para baixo, implica compreender que trabalhar com o
cotidiano e com as redes de conhecimento que se tecem nele significa dispor de
vários referenciais teóricos, utilizando-os não somente como apoio, mas como limite,
pois cada teoria nos possibilitará caminhar até um certo ponto, sendo necessário,
estabelecer redes de múltiplas e complexas relações entre essas várias teorias e
traçando analogias que melhor permitam compreender o cotidiano estudado.
O terceiro aspecto, beber em todas as fontes, envolve a necessidade de incorporar
aos estudos a noção de complexidade, que amplia a discussão sobre os modos de
lidar com a diversidade e o heterogêneo, partes integrantes do cotidiano escolar. É
necessário, enfim, olhar/ver/sentir as diferentes expressões surgidas nas
inumeráveis ações das pessoas e pensar em diferentes formas de captá-las.
No quarto aspecto, narrar a vida e literatulizar à ciência, a autora propõe reaproximar
ciência e arte, valorizando as múltiplas linguagens, expressas em sons, imagens,
toques, cheiros e sabores, permitindo que a imaginação, a sensibilidade e a intuição
possam se manifestar.
Esses aspectos apontados por Alves (2001) também perpassam a Educação
Ambiental e a Educação Infantil, que consideram que o processo educativo envolve
a corporeidade e que, portanto, se faz necessário o uso de múltiplas linguagens
22
nesse processo. Além disso, consideram a complexidade das redes de
saberesfazeres e das redes sociais, tecidas e vividas no cotidiano.
As tessituras das redes de relações/interações dos praticantes, no espaçotempo
escolar, se dão como em outros espaçostempos, por meio do uso de “táticas” e de
“estratégias” que inserem criatividade e pluralidade à estrutura social.
Certeau (1994, p. 99) chama de estratégia:
[...] o cálculo (ou manipulação) das relações de forças que se torna possível a partir do momento em que o sujeito do querer e poder (uma empresa, um exército, uma cidade, uma instituição científica) pode ser isolado. A estratégia postula um lugar suscetível de ser circunscrito como algo próprio e ser a base de onde podem gerir as relações com uma exterioridade de alvos e ameaças [...].
As estratégias são, portanto, as ações e concepções próprias de um poder na
gestão das relações com seu outro, que, no caso das instituições educacionais,
estão situadas nas posições hierárquicas da gestão escolar. Já as “táticas” dão
origem a novas maneiras de utilizar ou burlar a ordem imposta. A tática é:
[...] a ação calculada que é determinada pela ausência de um próprio. Então nenhuma delimitação de fora lhe fornece a condição de autonomia. A tática não tem por lugar senão o do outro. [...] É o movimento dentro do campo de ação do inimigo [...] e no espaço por ele controlado. Ela não tem, portanto, a possibilidade de dar a si mesma um projeto global nem de totalizar o adversário num espaço distinto, visível e objetável. Ela opera golpe por golpe, lance por lance. Aproveita as ‘ocasiões’ e delas depende, sem base para estocar benefícios, aumentar a propriedade e prever saídas (CERTEAU, 1994, p. 100-101).
Tendo em vista as múltiplas, diversas e singulares práticas cotidianas, procurarei
evidenciar, mais adiante, algumas táticas das professoras percebidas nas
convivências cotidianas do Centro de Educação Infantil pesquisado.
Tristão (2004c) também captou algumas táticas e artimanhas dos professores nas
artes de fazer a Educação Ambiental, quando pesquisou sobre os “Saberes e
fazeres da Educação Ambiental no cotidiano escolar”. A autora considera o cotidiano
escolar como o “[...] espaço/tempo de produções/enredamento de saberes, fazeres,
23
imaginação, sentidos e representações, onde/quando estabelecemos/participamos
de uma rede de relações e de significados [...]” (p. 48). A pesquisa apontou que o
cotidiano escolar não é só lugar de repetição, mas de ressignificação, de
(re)invenção e de emergências e imposições.
De acordo com Morin (2003, p. 138), as emergências são propriedades de um
sistema complexo que emergem da organização e da unidade global. “A emergência
é produto da organização que, apesar de inseparável do sistema enquanto todo,
aparece não apenas no plano global, mas eventualmente no plano dos
componentes”. Na sociedade humana, por exemplo, com a constituição da cultura,
os indivíduos desenvolvem suas aptidões à linguagem, ao artesanato, à arte,
qualidades individuais que emergem no seio do sistema social.
Da mesma forma, nas interações sociais cotidianas, no sistema complexo da escola,
podem emergir qualidades novas individuais e coletivas. Por outro lado, os
dispositivos de subordinação, de regulação e de controle de um sistema se
traduzem, segundo Morin (2003), em imposições. As imposições do sistema sobre
as partes impõem restrições e sujeições, podendo inibir qualidades e possibilidades
de ação e de expressão das partes, ou, poderíamos dizer, dos indivíduos em dada
sociedade.
Também eu, considerando o cotidiano como espaço privilegiado de pesquisa,
busquei conhecer as “artes de fazer” a Educação Ambiental das professoras de
Educação Infantil e para isso me dispus a ouvir suas vozes na vida cotidiana.
2.2 NARRATIVAS: AS VOZES DA VIDA COTIDIANA
As “maneiras de dizer” das professoras permitem aos que ouvem e lêem ampliar a
compreensão de práticas cotidianas, não apenas singulares e heterogêneas, mas
como um conjunto de ações e de maneiras de serfazer e que se produz seguindo
24
uma lógica que é própria de cada instituição, principalmente aquela relacionada com
a infância, como é o caso desta pesquisa.
Para me auxiliar a compreender a realidade pesquisada, também considerei as
narrativas dessas professoras, entendendo que, conforme apontam Alves e Oliveira
(1998), nesses relatos ou histórias, “[...] estão presentes regras e lances, que são
memorizados como repertórios de esquemas de ação que ensinam táticas possíveis
em um sistema social dado”.
Para contar essas histórias, utilizei, como caminho metodológico, as narrativas,
compreendendo que:
Nossa própria existência não pode ser separada do modo pelo qual podemos nos dar conta de nós mesmos. É contando nossas próprias histórias que damos, a nós mesmos, uma identidade. Reconhecemo-nos, a nós mesmos, nas histórias que contamos sobre nós mesmos (RICOUER, apud LARROSA, 2003, p. 41).
As narrativas nos possibilitam conhecer nossas histórias e nos reconhecermos, ou
não, nas histórias dos outros. Nós, seres humanos, compreendemos o mundo
através das narrativas, são elas que fundamentam nossas idéias, crenças e valores.
Para Bruner (1997), a narrativa é um instrumento capaz de produzir e cristalizar
significados. Ela cria um espaço de diálogo intersubjetivo que permite às pessoas
negociarem significados em comum. Segundo o autor, existe na narrativa sempre a
possibilidade de negociação cultural, pois, diferentemente de argumentos, provas ou
proposições, nas narrativas, consentimos com certa facilidade versões concorrentes
de uma mesma história.
O mesmo autor vê a narrativa como um modo de pensamento que se apresenta
como princípio organizador da experiência humana no mundo social. Considera que
a narrativa é uma ferramenta importante na construção do significado em nossa
cultura, pois sempre expressa um saber.
Para compreender a complexidade das redes de saberes, poderes e fazeres que se
tecem no cotidiano escolar, é necessário compreender que esse cotidiano é caótico
25
e repleto de eventos imprevisíveis que ganham significado a partir da interpretação e
dos relatos dos sujeitos praticantes, conforme argumenta Pais (2003, p. 64-65):
Na massa caótica e indisciplinada dos fenômenos que compõem a realidade quotidiana, os eventos indeterminados e amorfos adquirem relevo, forma e significado, tornam-se inteligíveis e são interpretados mediante a configuração do relato, da vara mágica da língua [...]. Porque mais importante do que o mundo em si mesmo é a forma como ele é dito ou pensado. O mundo pensado e dito, o mundo relatado, é o mundo por excelência.
Na perspectiva da pesquisa com o cotidiano, interessa saber como os sujeitos
praticantes interpretam e reinventam o mundo. Para tal, o uso das narrativas é
importante na medida em que
[...] trabalhar com narrativas se coloca para nós como uma possibilidade de fazer valer as dimensões de autoria, autonomia, legitimidade, beleza e pluralidade de estéticas dos discursos dos sujeitos cotidianos. Trabalhar com histórias narradas se mostra como uma tentativa de dar visibilidade a esses sujeitos, afirmando-os como autores/autoras, também protagonistas dos nossos estudos (FERRAÇO, 2003, p. 171).
Assim, como os pesquisadores do cotidiano consideram a importância de dar voz
aos sujeitos da pesquisa, o uso das narrativas vem emergindo também como uma
metodologia em pesquisas em Educação Ambiental.
Hart, ao abordar as metodologias emergentes na pesquisa em Educação Ambiental,
relata a pesquisa sobre o trabalho de professores de Ensino Fundamental do
Canadá, quando utilizou a pesquisa narrativa. Hart (2005, P. 29) justifica que “[...]
focamos nas construções narrativas dos professores porque elas constituem formas
de explanação que fazem sentido para seus pares. Essas histórias na ação
comunicam as práticas e pensamentos de professores em meio à vida cotidiana”.
Para esse autor, a narrativa é tanto um caminho para nosso próprio conhecimento
como um caminho para organizar e comunicar as experiências dos outros. É uma
possibilidade de pesquisa que se abre para teorizar com histórias ao invés de
teorizar sobre elas. Esse é um dos pressupostos que orientam este estudo.
26
Assim como outras pesquisas qualitativas, as narrativas são alvo de críticas, pois
questiona-se a confiabilidade e a autenticidade dos relatos, conforme aponta Hart
(2005). Em meu entendimento, isto se deve ao fato de que alguns pesquisadores
não buscam conhecer, mais profundamente, a realidade vivida pelos sujeitos
pesquisados. Vão a um primeiro encontro e já realizam a entrevista. São dois
estranhos que podem, ou não, estabelecer um vínculo de confiança.
Como já relatado, convivi por um período de nove meses com toda a comunidade
escolar do CMEI pesquisado, especialmente as professoras que são minhas
principais interlocutoras. Por isso, tive a oportunidade de vivenciar ou, minimamente,
observar a grande maioria dos acontecimentos relatados pelas professoras em
nossas conversas.
As conversas permeiam nossa vida social, mas dificilmente as enxergamos como
instrumento de pesquisa, porém essa interação verbal é extremamente importante
para a compreensão da vida cotidiana. Em função do tipo de pesquisa que optei em
realizar, que me permitiu uma aproximação e envolvimento com as professoras,
considerei mais coerente o uso de conversas (na perspectiva de Menegon), ao invés
do caráter formal das entrevistas.
Para Menegon (2000, p. 216), “Conversar é uma das maneiras por meio dos quais
as pessoas produzem sentidos e se posicionam nas relações que estabelecem no
cotidiano [...]. As conversas são práticas discursivas, compreendidas como
linguagem em ação [...]”.
Para melhor compreender o que define Menegon, busco referência em Spink (2000,
p. 41) quando explicita que
O sentido é uma construção social, um empreendimento coletivo, mais precisamente interativo, por meio do qual as pessoas – na dinâmica das relações sociais historicamente datadas e culturalmente localizadas – constroem os termos a partir dos quais compreendem e lidam com as situações e fenômenos à sua volta.
Diante desse esclarecimento sobre o termo “sentido”, a autora acrescenta que a
“produção de sentido” não é uma atividade cognitiva intra-individual, nem pura e
27
simples reprodução de modelos predeterminados, mas é uma prática social e
dialógica.
Spink também trabalha com o conceito de “práticas discursivas”, compreendendo-o
como “linguagem em ação”, isto é, as maneiras a partir dos quais as pessoas
produzem sentidos e se posicionam em relações sociais cotidianas. “[...] Momentos
de ressignificações, de rupturas, de produção de sentidos, ou seja, corresponde aos
momentos ativos do uso da linguagem, nas quais convivem tanto a ordem como a
diversidade” (SPINK, 2000, p. 45).
Retomando Menegon (2000), vimos que, na conversa, a “voz” é o ponto de vista da
pessoa, resultante da significação e ressignificação de múltiplas vozes, e que, numa
relação face a face, temos a possibilidade de observar o impacto dessa “voz” nas
expressões verbais, corporais e nos silêncios dos participantes da conversa.
E foi justamente com o intuito de dar voz e vez às professoras de um Centro de
Educação Infantil, que fui ao encontro delas. Essas vozes, apesar de individuais, são
o reflexo das experiências vividas na coletividade e, portanto, nelas ecoam múltiplas
vozes.
Nas conversas aprendi, refleti, concordei, discordei, sofri e principalmente, sorri.
Especialmente nas conversas com as crianças. Não posso me esquecer delas,
apesar de não terem sido minhas principais interlocutoras. A interação com elas era
sempre um momento de prazer e alegria. Por tudo que vivi, produzi outros novos
sentidos à identidade de “ser sendo” pesquisadoraeducadoraambiental.
Considero que as experiências vividas neste estudo são similares com o resultado
da pesquisa de Menegon (2000, p. 241), em que
[...] as conversas mostraram que não estamos condenados ao uso circular dos sentidos já produzidos. Se registramos a repetição e a reafirmação de sentidos cristalizados, registramos também a existência de um processo dinâmico de ressignificação que possibilita a produção de sentidos singulares. Dessa forma, por permearem diferentes esferas de interação social, as conversas desempenham um papel importante na difusão, na manutenção e,
28
quiçá, na reinterpretação e produção de outros sentidos que possam levar a transformações sociais.
Posto isso na bagagem, como referências teórico-metodológicas, parto rumo aos
princípios e as referências em que se articulam a Educação Infantil e a Educação
Ambiental, imprescindíveis para viver o enorme desafio desta pesquisa “com” a
escola.
29
3 SEGUINDO ALGUMAS PEGADAS
3.1 NA TRILHA DA EDUCAÇÃO INFANTIL
Para entender o atual momento sócio-histórico em que se situa a Educação Infantil,
considero importante identificar alguns pontos que delinearam esta trajetória, no
Brasil e no município de Vitória.
Com a saída da mulher para o mercado de trabalho, decorrente do processo de
industrialização no Brasil, houve a necessidade de atendimento às mães
trabalhadoras e a seus filhos em espaços seguros e higiênicos. Assim teve início a
“Educação Infantil” marcada por uma perspectiva assistencialista, em que o objetivo
não era educar e sim “guardar” as crianças. O trabalho com as crianças se restringia
à higiene, alimentação e cuidados físicos.
Só nas ultimas décadas, houve uma expansão e redefinição da Educação Infantil no
Brasil. Segundo Arruda e Fortkamp (2003), destacam-se como fatores desta
expansão: a participação crescente da mulher no mercado de trabalho, as
modificações na organização da estrutura da família contemporânea, a crescente
urbanização das cidades, o reconhecimento por parte da sociedade do direito da
criança à educação em seus primeiros anos de vida, as reivindicações populares, a
transformação sobre as concepções de infância.
As discussões a respeito da função educativa das instituições de Ensino Infantil se
intensificaram desde a década de 70, originando várias tendências que influenciam
ainda hoje as concepções de Educação Infantil, conforme argumenta Siller (1999).
Mas foi só a partir da Constituição de 1988, que as creches e pré-escolas passaram
a ser incorporadas ao sistema educacional, reconhecido o direito de todas as
crianças a esse atendimento.
30
O Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, reafirma esse direito
constitucional a todas as crianças de zero a seis anos, reconhecendo a criança
como “sujeito de direitos” em desenvolvimento, com peculiaridades próprias da faixa
etária.
A partir da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº.
9.394, de 1996, a Educação Infantil passou a se constituir a primeira etapa da
educação básica, tendo como finalidade o desenvolvimento integral da criança, em
seus aspectos físicos, psicológicos, intelectual e social, complementando a ação da
família e da comunidade. Nesse sentido, a LDB indica que a Educação Infantil não é
substituta da educação familiar, nem um atendimento aos mais pobres, mas um
direito de todas as crianças.
Quanto às competências e responsabilidades das diferentes esferas
governamentais, do atendimento à demanda de crianças de zero a seis anos, tanto
a Constituição Federal quanto a LDB colocam na esfera municipal a prioridade da
responsabilidade pela oferta da Educação Infantil. Contudo diz o texto constitucional
que os programas educacionais devem ter cooperação técnica e financeira da União
e do Estado.
A partir da LDB, outras medidas, em nível nacional, foram tomadas visando a
regulamentar a Educação Infantil como nível de ensino, não devendo mais ser
relegada a segundo plano.
Dentre essas medidas, ocorre o lançamento, em 1998, do Referencial Curricular
Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) que se destina a orientar os professores,
apontando metas de qualidade que contribuam para que as crianças tenham um
desenvolvimento integral de suas identidades e possam crescer como cidadãos. O
documento também procura contribuir para que as instituições realizem o objetivo
socializador dessa etapa educacional em ambientes que propiciem o acesso e a
ampliação dos conhecimentos da realidade social e cultural.
Mesmo não sendo o objetivo desta pesquisa a análise crítica da legislação no que
tange à Educação Infantil, trago, para reflexão, a análise do RCNEI apresentada por
31
Siller (1999), ciente de que não é a única análise possível, mas uma possibilidade de
olhar crítico ao referido documento.
Segundo Siller (1999), 26 pareceristas que analisaram o RCNEI consideraram que é
um documento que trata a Educação Infantil como ensino, no sentido de orientar a
forma de trabalho do Ensino Fundamental. Sendo assim, privilegia mais o “sujeito
escolar” do que o “sujeito criança”, uma vez que os leva a tratar as crianças como
alunos que devem aprender determinados conteúdos a serem ensinados e itens de
avaliação. Para os pareceristas, no documento, o lúdico aparece de forma
didatizada, ou seja, a brincadeira, que deveria perpassar todo o documento, aparece
como área estanque. Também apresenta a língua oral e a escrita como áreas do
conhecimento, dicotomizando as duas linguagens e desconsiderando as outras
formas de comunicação da criança.
Para além das críticas, o que muito me importa é como esse e outros documentos
são ressignificados pelo/a professor/a e como eles interferem, positiva ou
negativamente, em suas práticas cotidianas.
O RCNEI é organizado em dois âmbitos de experiências: formação pessoal e social
e conhecimento do mundo. O âmbito de formação abarca o eixo de trabalho
denominado identidade e autonomia. No âmbito de conhecimento do mundo,
destacam-se os seguintes eixos de trabalho: movimento, artes visuais, música,
linguagem oral e escrita, matemática e natureza e sociedade.
O eixo de trabalho “Natureza e Sociedade” permite a inserção da Educação
Ambiental na proposta pedagógica dos docentes. Além disso, os fundamentos
norteadores da Educação Infantil são também princípios norteadores da Educação
Ambiental, favorecendo o entrelaçamento entre esses dois campos.
São fundamentos da Educação Infantil que devem nortear as propostas
pedagógicas das instituições, definidos nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil, instituída em 1999: a) princípios éticos da autonomia, da
solidariedade, da responsabilidade e do respeito ao bem comum; b) princípios
políticos dos direitos e deveres de cidadania, do exercício da criticidade e do
32
respeito à ordem democrática; c) princípios estéticos da sensibilidade, da
criatividade, da ludicidade e da diversidade de manifestações artísticas e culturais.
Pelo que se pode perceber, a Educação Infantil conquistou muitos avanços no que
se refere à legislação, porém, muito do que está prescrito nos documentos legais
ainda precisa ser sistematizado e implementado, para que a criança, como “sujeito
de direitos”, tenha realmente seus direitos assegurados.
Acredito que minha experiência de pesquisa se deu num espaçotempo privilegiado,
pois a cidade de Vitória, conforme abordarei abaixo, vêm implementando políticas
públicas que garantem boas condições para o desenvolvimento da Educação Infantil
no município.
3.1.1 A Educação Infantil em Vitória - ES
O atendimento às crianças de zero a seis anos, pela Prefeitura de Vitória,5 tem início
nos anos 1970, com as creches Casulo, vinculadas à Ação Social. Esse período é
marcado pelos debates e lutas das mães pelo direito ao atendimento de seus filhos.
Na década de 1980, houve uma ampliação no atendimento, passando de creche
Casulo para Unidade de Pré-Escola. Paralelamente, amplia-se o debate em relação
à função social dessa modalidade de educação.
Em 1992, o atendimento às crianças de zero a seis anos se transfere da Secretaria
de Assistência Social para a Secretaria de Educação. Nesse mesmo ano, teve início
a elaboração da Proposta Curricular Para a Educação Infantil.
A Educação Infantil em Vitória foi incorporada oficialmente ao Sistema Municipal de
Educação a partir da Lei nº. 4747 de 1998. Nessa lei, assim como na LDB, a
5 Baseado em texto apresentado no I Fórum Municipal de Educadores, pela Gerência de Educação
Infantil da SEME, em 2005.
33
Educação Infantil é tida como a primeira etapa da Educação Básica e tem por
finalidade o desenvolvimento integral da criança, envolvendo, de forma global, os
aspectos físicos, psicológicos, intelectuais e sociais, de modo a complementar a
ação desempenhada pela família e pela comunidade.
A referida lei estabelece que a Educação Infantil, na Rede Oficial Municipal, seja
oferecida nos Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI), dividida em dois
grupos: um grupo com atendimento a crianças até quatro anos incompletos e outro
grupo atendendo a crianças de quatro a seis anos. Essa divisão não deixa claro se
está se falando em creches e pré-escolas como em outros sistemas. Na prática, nos
CMEIs não se observa essa divisão.
Segundo pesquisa realizada por Drago (2007), tanto o RCNEI quanto a Proposta
Curricular da Educação Infantil do município eram considerados na construção dos
Projetos Político Pedagógicos e dos Planos de ação dos CMEIs.
De acordo com dados disponibilizados pela Secretaria de Educação, em 2005, o
município de Vitória contava com mais de 17.000 crianças matriculadas em 42
Centros Municipais de Educação Infantil.
Em 2001, a Secretaria de Educação de Vitória recebeu o Prêmio UNICEF de melhor
Capital do Brasil para crianças até seis anos e, em 2003, foi considerada, segundo
dados do Censo Educacional/IBGE, Capital líder em Educação Infantil (SEME,
2006).
Apesar desse reconhecimento em nível nacional, marcado pela grande oferta de
vagas, da qualidade das estruturas físicas das escolas e da implementação de
importantes projetos, que representam avanços significativos, há uma fragilidade no
que se refere à valorização e a interlocução com os/as profissionais da Educação
Infantil.
Foi também com essa preocupação que, a partir de 2004, teve início um grande
debate em âmbito municipal, envolvendo professores/as, pedagogos/as, diretores/as
familiares, crianças, merendeiras e auxiliares de serviços gerais, para a discussão e
34
definição de uma política pública para a Educação Infantil no município de Vitória
(SEME, 2006).
No início, a idéia era a reformulação da Proposta Curricular, mas, ao longo do
processo, optou-se pela elaboração de um documento que caracterizasse melhor a
identidade política e pedagógica que se desejava imprimir à Educação Infantil em
Vitória.
Assim, após dois anos de um processo democrático, a SEME lança “Educação
Infantil: Um Outro Olhar”.6 No documento, está relatada toda a trajetória de
construção, como os fóruns com representantes das diferentes categorias, o fórum
municipal e as reuniões com a equipe sistematizadora. O documento reafirma que a
criança é um “sujeito de direitos” e reconhece também os trabalhadores da
Educação Infantil como “sujeito de direitos”. Trata das políticas públicas e
especificidades da Educação Infantil, além dos princípios pedagógicos e dos núcleos
conceituais.
Esse documento merece, sem dúvida, muitos aplausos pela forma democrática de
sua construção e pelo modo como foi organizado. Contudo uma questão me causou
estranhamento: por que o tema meio ambiente e/ou a Educação Ambiental não
aparecem nesse documento? Pois, como atestam minha experiência na Semmam e
os dados dos relatórios e livros lançados pelo Projeto de Educação Ambiental nas
Escolas, a Educação Ambiental acontece em quase todos os espaços de Educação
Infantil municipais.
Um fator que pode ter contribuído para essa ausência foi o período de reclusão do
“Projeto de Educação Ambiental nas Escolas”,7 justamente de 2005 a 2006, quando
estava ocorrendo o processo de gestação desse documento. Nesse período, não
houve o acompanhamento técnico realizado pela Semmam nas unidades de ensino
participantes do projeto que, em 2004, correspondiam a 36 CMEIs num universo de
42. Esse acompanhamento era um dos pontos fortes do projeto, que objetivava
6 O processo de construção desse documento contou com a assessoria da Profª. Dª. Vania Carvalho
de Araújo, do Centro de Educação da UFES. 7 A partir de 2007, com uma nova metodologia, o projeto passa a ser denominado Parquescola.
35
motivar e impulsionar os projetos das escolas. Mesmo sem essa motivação, muitas
escolas continuaram a realizar seus projetos educativo-ambientais, inclusive o CMEI
onde desenvolvi esta pesquisa.
Mas será que o meio ambiente e/ou a Educação Ambiental não emergiram em
nenhum momento no democrático processo de construção desse documento? Será
que os educadores não conseguiram ver os inúmeros pontos de conexão entre a
Educação Ambiental que realizam em suas escolas e o que está colocado no
documento?
Outra possibilidade é a de que esse “outro olhar” não foi ampliado,
propositadamente, para outras temáticas, como a do meio ambiente. Se esse foi o
caso, considero um retrocesso, visto que o próprio Referencial Curricular Nacional
Para a Educação Infantil contempla a Educação Ambiental no eixo de trabalho
“Sociedade e Natureza”.
Como educadora ambiental, consigo perceber a Educação Ambiental transpassando
o documento em vários pontos. Espero que outros educadores também possam
enxergar essa possibilidade, mas fica a tristeza de não ver a Educação Ambiental
explicitamente colocada nesse importante documento da Educação Infantil em
Vitória.
3.2 REDE DE IDÉIAS E DE CONCEITOS NO EMBALO DA EDUCAÇÃO INFANTIL
Além do sucinto relato do processo histórico da Educação Infantil no Brasil e em
Vitória, entendo ser importante discorrer sobre alguns conceitos e idéias em que se
articulam a Educação Ambiental e a Educação Infantil e que estão presentes nos
saberesfazeres e nas narrativas das professoras.
Alguns desses temas são tratados em documentos e artigos sobre Educação
Infantil, como o educar, o brincar e o cuidar. Já a corporeidade não é abordada em
36
documentos, mas vivenciada fortemente nas práticas cotidianas da Educação
Infantil.
3.2.1 Corporeidade: o corpo aprende e ensina
O corpo é visto, pela ciência moderna, como parte pouco ou nada valorizada no
processo de aprendizagem, em que aprender é algo que cabe, fundamentalmente, à
mente, o que foi reforçado pelo paradigma simplificador que separou corpo e mente,
obrigando, assim, que o corpo ficasse estático, sentado em uma carteira, em fila,
com olhos e ouvidos atentos ao professor e a boca calada.
Nesse momento de transição paradigmática, em que esse modelo vem sendo
questionado e refutado, emerge o conceito de corporeidade, que visa a recuperar a
descorporeização produzida por Decartes.
Para Najmanovic (2001), o momento atual exige a construção de um novo espaço
cognitivo, em que corpo-mente, sujeito-objeto e matéria-energia sejam pares co-
relacionados e não oposição de termos independentes.
É nesse sentido que Assmann (1998) cunha o termo corporeidade, que pretende
expressar um conceito pós-dualista do organismo vivo, tentando superar as
polarizações semânticas contrapostas, como corpo/alma, matéria/espírito,
cérebro/mente.
Montagnoli (2005) também contribui para a compreensão das dimensões que
envolvem o conceito de corporeidade quando o define como uma linguagem que
constrói e produz cultura corporal, pois é nesse “corpo” que emerge nossa
experiência social e histórica.
37
A corporeidade é, enfim, um autofazer-se, um auto-organizar-se humano na sua
complexidade. A linguagem corporal, quando vivenciada na educação, pode abrir
perspectivas de construção e ressignificação nos processos de aprendizagem.
Nesse sentido, Assmann (1998, p. 150-151) alerta para a importância da corporeidade
na educação:
[...] A corporeidade não é fonte complementar de critérios educacionais, mas seu foco irradiante primeiro e principal. Sem uma filosofia do corpo, que perpasse tudo na educação, qualquer teoria da mente, da inteligência, do ser humano global, enfim, é falaciosa.
Na escola pesquisada, o conceito de corporeidade é amplamente vivido, tanto por
professoras como pelas crianças. As expressões corporais são parte integrante do
processo educativo, tanto nas atividades de sala como nas atividades de pátio. As
professoras utilizam músicas, danças, dramatizações e uma série de outros recursos
em que são explorados todos os sentidos das crianças.
A corporeidade também é vivida na expressão da afetividade entre as crianças e
destas com os adultos. Em vários momentos, ao me aproximar delas, era tocada,
beijada, acariciada. Essa troca de afetos, na qual construímos e fortalecemos
nossas relações, é vista e vivenciada sem preconceitos pelas crianças. Obviamente,
depende de como nós, adultos, recebemos e retribuímos esse afeto.
O depoimento da professora Cleide demonstra como essa questão acontece no
cotidiano da escola:
[...] a riqueza desse momento, da fala da criança, a expressão corporal presente, porque elas não registram, ainda não registram o texto, mas o corpo inteiro fala, ela desenha, ela se estica, se vai apresentar um teatro, ela se mostra toda. E quer fazer o carimbo da folha e quer provar o fruto. A experiência corporal é tão grande que com você também é. É o tempo todo encostando, o tempo todo você é tocado, o tempo todo você é solicitado e, no meio disso tudo, tem as cartinhas, tem os beijos, tem o choro, tem a pirraça [...].
O relato de Cleide demonstra claramente como as crianças se expressam com o
corpo, seja na interação com a professora, seja nas manifestações de satisfação e
38
insatisfação, seja no modo como aprendem e demonstram seu saber, pois, como
nos diz Cleide, essas crianças “ainda não registram”, quer dizer, elas ainda não se
expressam pela escrita, mas se expressam de inúmeras outras formas.
Para Assmann (1996), o corpo aprendente é a referência fundante de toda
aprendizagem, mas, pela minha experiência como professora, posso aferir que,
infelizmente, a corporeidade é pouco considerada no Ensino Fundamental e nos
demais níveis de ensino. Há uma grande ruptura nesse processo, quando a criança
sai do Ensino Infantil e egressa no Fundamental, quando seus corpos são
“aprisionados” nas carteiras em que ficam sentadas a maior parte do tempo.
Precisamos refletir profundamente essa questão, pois, conforme nos aponta
Assmann (1995, p. 75):
O assunto Corporeidade é tão agudamente relevante para a Educação em geral, para a vida humana e para um futuro humano neste planeta ameaçado, que urge alargar nossa visão para incluir necessidades ainda não suficientemente despertadas, mas que seguramente se manifestarão mais e mais ao ritmo da deterioração da Qualidade de Vida. Porque Qualidade de vida, mesmo no seu sentido mais espiritual, sempre significa Qualidade da Corporeidade vivenciada.
Pensar em qualidade de vida hoje significa considerar e reconectar todas as
dimensões do humano. Qualidade de vida pressupõe saúde (física, mental,
espiritual) pessoal, societária e planetária. Na complexa teia planetária em que
estamos ligados, as doenças causadas pelas desigualdades sociais e pela
degradação ambiental atingem a todos, mesmo com intensidades diferentes, no
entanto busca-se reverter esse quadro em que atuam os educadores ambientais.
Na tentativa de resgatar percepções e valores humanos que contribuam para
melhorar a qualidade de vida individual, social e planetária, muitos educadores
ambientais desenvolvem atividades corporais educativas, como dinâmicas de grupo,
oficinas educativas, vivências sensoriais e perceptivas, dentre outras. A
corporeidade e a ludicidade são importantes componentes educativo-ambientais,
especialmente em atividades com as crianças. Essas atividades podem ocorrer tanto
39
em escolas quanto em outros espaços de aprendizagem, por exemplo, em parques
naturais.
Acredito que todo o processo que se pretende educativo deve considerar a
corporeidade, que busca reconectar corpo e mente, razão e emoção, superando
uma racionalidade instrumental-reducionista por uma racionalidade estético-
expressiva, na qual todas as formas de expressão sejam consideradas e
valorizadas.
3.2.2 Brinquedos e brincadeiras
À primeira vista, ao entrar no Centro de Educação Infantil Ana Maria Chaves
Colares, um observador desatento pode pensar que está num parque de diversões.
Logo na entrada, um pátio de areia com balanços, escorregadores e outros
“equipamentos de brincar”. Seguindo em frente, encontrará um pátio coberto com
jogos de amarelinha pintados no chão e poderá ver algumas crianças andando de
velocípede ou jogando bola. Isso, se não encontrar as crianças brincando de roda
com a professora, cantando aquelas canções da infância que jamais esquecemos.
Se, ao entrar, esticar os olhos para dentro de alguma das salas, encontrará
bonecas, carrinhos, fantoches e inúmeros jogos educativos. Também é possível ver
brinquedos confeccionados com sucata (materiais reaproveitados).
Essa realidade, comum nos CMEIs em Vitória, demonstra o entendimento que se
tem da importância do brincar para a criança. Esse reconhecimento está posto,
inclusive, em documentos oficiais, como o RCNEI e no novo documento norteador
da Educação Infantil lançado pela Secretaria Municipal de Educação.
De acordo com esse documento, brincar “[...] é uma prática sócio-cultural que
possibilita a criança transpor dados da realidade à fantasia, estabelecer novas
40
interações com os objetos, com as pessoas e com o próprio corpo [...]”
(SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, 2006, p. 81).
O referido documento considera que, na brincadeira, a criança cria e recria a
realidade à sua maneira, reproduz práticas culturais e incorpora papéis sociais, a
partir de experiências vividas e observadas em seu cotidiano.
Nesse sentido, o RCNEI (BRASIL, 1998) afirma que é pela oportunidade de
vivenciar brincadeiras imaginativas, criadas por elas mesmas, que as crianças
podem acionar seus pensamentos para a resolução de problemas que lhes são
importantes e significativos.
Na brincadeira, cria-se um espaço no qual as crianças podem experimentar o mundo
e internalizar uma compreensão particular sobre as pessoas, os sentimentos e os
diversos conhecimentos. É na brincadeira que elas desenvolvem “[...] a capacidade
de desprenderem-se do concreto, da limitação do imediato e, através da função
simbólica, deslizar as significações de uma coisa a outra, inventar outros mundos,
alargar suas possibilidades de ação” (BARON, 2002, p. 75).
Sendo o brincar uma fonte de prazer, criação, alegria e descobertas para a criança,
é fundamental que ela perpasse por diferentes espaçostempos dos CMEIs, como
aponta o documento:
O Brincar deve ser expressão permanente das práticas vividas pelas crianças, seja ela dentro ou fora da sala de aula. A forma como se representa uma história, como se apropria das diferentes práticas de leitura e de escrita, as interações tecidas nos momentos de pátio e refeitório, tudo isso deve expressar um momento de prazer e de descoberta, características próprias da atividade lúdica, do brincar (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, 2006, p. 82).
Mas é preciso ter muita atenção para não transformar todo o momento da criança no
CMEI num momento pedagógico, digo, com intervenção da professora. As crianças
também devem ter o tempo para brincar livremente e interagir com os colegas que
escolherem e na brincadeira que desejam, momento em que, sem dúvida, estão
aprendendo. As crianças também gostam de brincar sozinhas. Às vezes, brincam de
41
coisas que só têm sentido para elas e qualquer intervenção de um adulto pode
quebrar o encanto daquele momento.
Durante minha convivência no CMEI, tive a oportunidade de observar vários desses
momentos, em que as crianças brincavam descontraidamente, com intervenção da
professora apenas nas situações em que não conseguiam resolver sozinhas os
conflitos gerados durante a brincadeira.
Segundo o RCNEI (BRASIL, 1998), o brincar se apresenta por meio de várias
categorias de experiências que são diferenciadas pelo uso do material ou dos
recursos predominantemente implicados. Essas categorias de experiências são
agrupadas em três modalidades básicas: brincar de faz-de-conta ou com papéis
(considerada como atividade fundamental da qual se originam todas as outras),
brincar com materiais e brincar com regras.
Buscando aprofundar um pouco a questão da brincadeira, trago algumas
contribuições de Pereira (2005), ao relatar uma brincadeira vivida por ele e uma
criança desconhecida durante um trajeto de ônibus.
O autor relata que, entre ele e a criança, se estabeleceu uma “relação de
ludicidade”, uma cumplicidade que favoreceu o surgimento de uma atmosfera, no
qual a imaginação pôde se manifestar. Pereira (2005, p. 18) adverte que “[...] a
imaginação não é mentira, ela é ‘de mentirinha’, de ‘faz-de-conta’, do ‘como se’, no
dizer das crianças. Nesse espaço, tudo vira de ponta-cabeça. É como se, com uma
varinha de condão, lançássemos um novo tempo/lugar no lugar onde estamos”.
A brincadeira é repleta de gestos e sons que se inter-relacionam, formando um
fenômeno que, movido pelo desejo e pela intencionalidade de quem brinca, deixa
entrar aquilo que é reconhecido sem falas, sem letras, talvez por qualquer ser
humano que se reconheça brincante. É a corporeidade vivificada, como diria
Assmann.
Ao articular brinquedo e brincadeira, Pereira nos mostra como os objetos ganham
sentido e são ressignificados pelas crianças no ato de brincar.
42
O brincar não acontece do nada. Antes de o cavalinho entrar em ação, eu me ‘tornei’ um cavaleiro. Da mesma maneira, a criança que pega um pano e o transforma em capa de super-herói se transforma, antes, em super-herói. O pano não foi um ‘material lúdico’, mas a relação que a criança estabeleceu com esse material é que foi lúdica. Então, não há como dizer que o cavalinho-de-pau seja um objeto lúdico. Ele o é a partir do momento em que alguém o ‘acorda’ e o faz viver na imaginação, preenchendo-o de faz-de-conta. Por isso é que, para a criança, qualquer objeto pode se tornar um brinquedo. Ela tem em si mesma um impulso que a faz querer brincar, que a faz dar novos significados às coisas materiais e imateriais. E uma das mais importantes maneiras que ela tem de se relacionar com o mundo para, assim, apreendê-lo e compreendê-lo [...] (PEREIRA, 2005, p. 19).
O fato de a criança poder transformar qualquer objeto em brinquedo não quer dizer
que ela brinca o tempo todo. A criança reconhece quando algo é brincadeira e
quando não é. Seria preocupante se a ela não soubesse sair desse universo
imaginário.
Mas a imaginação é muito bem-vinda, quando objetos se transformam em
brinquedos nas oficinas educativas de reaproveitamento de materiais realizadas em
processos de Educação Ambiental. Essa prática é comum em vários espaços de
Educação Ambiental, mas não deve ser uma atividade fim, ao contrário, deve estar
inserida em um contexto mais amplo onde se discuta, por exemplo, a questão do
consumismo e do desperdício.
Nesse sentido, é interessante destacar o projeto “Sábado Feliz” realizado no CMEI
Ana Maria Chaves Colares, relatado pela pedagoga Elair:
Nesse dia, os pais vêm à escola e participam de várias oficinas de confecção de brinquedos. É impressionante ver um pai, um avô com uma agulhinha na mão costurando uma bonequinha. Uma coisa interessante é que, enquanto os pais ficam preocupados em comprar brinquedos caros para as crianças, elas ficam felizes com aquilo que foi confeccionado, a bonequinha, a bruxinha, coisas simples, como o pára-quedas, tudo feito com material descartável [...]. As crianças levam aquilo para casa com o maior carinho.
É importante, para o adulto, a professora, a mãe, o pai ou os avós, vivenciar com as
crianças o processo de construção de brinquedos caseiros feitos por eles na infância
43
e discutir a lógica do modelo capitalista, em que o melhor brinquedo é aquele mais
caro, que aparece nos comerciais da TV e que a grande maioria das crianças
brasileiras não têm condição de comprar. É importante que a criança sinta a alegria
de brincar com uma boneca de pano ou um carrinho de lata feito por seus avós. E
mais importante, ainda, brincar com a criança, contar como brincava quando tinha a
sua idade e, assim, fortalecer os laços afetivos que os une.
Esse é também o objetivo do projeto “Confeccionando brinquedos”, realizado pela
professora Marlene com a turma do maternal (crianças de 3 anos). Nesse projeto, as
crianças devem construir brinquedos a partir de materiais reaproveitáveis, como
tarefa de casa, para que tenha a ajuda da família e, depois de brincar em casa, leva
para a escola para partilhar a vivência e o brinquedo com os colegas.
Ao brincar, a criança ensaia, treina, aprende, se alegra, se entristece, se constrói.
Ela afirma, assimila, reorganiza, descobre e inventa suas formas de enfrentar os
enigmas e os desafios que a vida lhe apresenta. E ela o faz desde os primeiros
meses de vida. Segundo Baron (2002), brincar é uma atividade que surge bem antes
da linguagem verbal, durante as primeiras atividades lúdicas, ocorridas por volta do
segundo semestre de vida a criança.
Mas a autora alerta que a brincadeira, o jogo, o lado lúdico das experiências da vida
não são exclusivos das crianças, ao contrário, estão presentes nas relações entre os
adultos, nas tramas de sentimentos e relacionamentos.
Baron (2002) cita Maturana ao enfatizar a importância dos processos de interação
constitutivos da relação da criança com o mundo, pelo sentimento de confiabilidade
estabelecido nos jogos e brincadeiras e ao explicitar que jogar não é um ensaio para
o futuro, já que importantes experiências estão se consolidando no próprio momento
do jogo. Jogar é aprender a ser.
Nesse “estado de brinquedo”, as coisas acontecem de modo diferente da realidade.
É uma outra realidade. A imaginação é marcada pela capacidade de conferir
diferentes significados a algo dado.
44
Segundo Roza (apud PEREIRA, 2005, p. 21):
Os jogos infantis são, em geral, roteiros compreensíveis, que possuem coerência e inteligibilidade, mesmo quando contêm elementos que se contrapõem à realidade material: voar, mudar de tamanho, possuir superpoderes etc. Esses elementos não constituem para a criança nenhum sentimento de estranheza, pois no brincar há uma consciência da irrealidade da trama, que é produzida intencionalmente, tal como nas novelas de ficção.
A intencionalidade é o sentido que o brincante dá à brincadeira. Brinca-se com um
determinado sentido, e somente quem está brincando sabe realmente sobre essa
intencionalidade. Quem está de fora pode fazer leituras desses sentidos, que podem
não ter os mesmos significados de quem está brincando.
Nas brincadeiras, a criança se encontra e delas se apropria para se constituir como
ser humano. São gestos, sons, expressões, inflexões, declarações e imagens que
se inter-relacionam, gerando um fenômeno complexo, imbricado nos modos mais
íntimos de “ser sendo” (PINEL, 2003) criança no mundo. Para Pereira (2005, p. 23),
[...] é nesse fenômeno que a criança encontra alimento para a sua condição humana e seu crescimento como sujeito de cultura, na busca de dar significado à sua vida e buscar novas maneiras de experiência-la [...]. Essa busca gera cultura, traduzida nas brincadeiras, nos brinquedos, nos jogos e em toda sorte de ações que alimentam a experiência humana. Dar significado é uma atividade genuinamente nossa, e ressignificar é a demonstração da mobilidade humana de reelaborar e estabelecer novas conexões entre as ações que fazemos. Daí surge aquilo que chamamos novo. Inauguramos, a todo instante, uma nova possibilidade. Cada ato, na esfera do brincar, é uma amostra de que a vida não é estática. É um constante movimento repleto de surpresas e dados (re)conhecidos que se expressam numa manifestação de cultura.
Diante do exposto, fica evidente a importância da brincadeira, do jogo, enfim, do
lúdico nos processos de aprendizagem. Precisamos reconhecer que já fomos
criança e relembrar como foi, e ainda é, importante brincar em nossa formação. É
preciso ver e escutar a criança que está diante de nós e perguntar: se eu fosse essa
criança, o que gostaria de fazer? Na relação educador/educando, é importante ver o
outro como a si mesmo, como integrante de uma proposta em que ambos possam
crescer mutuamente.
45
Nesse processo, é importante que o/a professor/a estabeleça uma diferença entre o
brincar como ferramenta e o brincar como expressão. Para Pereira (2005) quando
se usa o brincar como simples ferramenta de ensino, priva-se a criança do exercício
de reelaborar uma dada realidade e dar novos significados às coisas em sua volta.
Por outro lado, quando o brincar aparece como possibilidade de expressão,
reconhecendo-o como cultura, como forma de o ser humano tornar-se presente no
mundo com sua peculiaridade de indivíduo e de integrante de um grupo social, há
uma chance de o brincar se instalar como uma das ações de formação de identidade
da criança e aí, sim, exercer um papel importante na aprendizagem.
Na escola, a interação no brincar se dá com objetos, com os colegas e com a
professora, que pode atuar como observadora ou entrar na brincadeira, aceitando o
papel que as crianças lhe pedem para desempenhar. Nesses espaçostempos de
brincadeira, são fortalecidos os laços afetivos entre os participantes.
Contudo é importante estarmos atentos para que a brincadeira e o jogo não sejam
instrumentos de competição e, sim, de cooperação. Alguns autores, como Maturana
(2002) e Brandão (2005), criticam o jogo na medida em que estimulam a
competição. Para Maturana, a competição é a negação do outro como legítimo outro
na convivência, pois, para que um vença, é preciso que o outro seja derrotado,
inferiorizado. Ao contrário, quando estimulamos a cooperação, todos saem
vitoriosos. Sendo assim, a cooperação, como princípio da Educação Infantil e da
Educação Ambiental, deve ser o princípio norteador dessas atividades. Foi o que
observei no CMEI pesquisado, onde muitas atividades são coletivas e estimulam a
cooperação.
Guimarães (2003), em sua pesquisa de mestrado, aponta a brincadeira como um
momento propício para a articulação da Educação Ambiental na Educação Infantil. A
autora argumenta que, nas brincadeiras que emergem no cotidiano das crianças,
surgem temas ambientais relacionados com a realidade local ou com fatos que
viram na televisão. Por exemplo, quando elas brincavam de faz-de-conta,
representando os deslizamentos durante as chuvas que haviam visto na TV, e a
professora aproveitou a situação para conversar com as crianças sobre a
46
importância das árvores nas encostas, o lixo que entope os bueiros e vários outros
assuntos relacionados, estimulando, daí, várias atividades.
Para que o brincar e o lúdico possam perpassar os momentos de aprendizagem,
dentro ou fora da escola, é preciso que superemos o paradigma da modernidade
centrado na razão, que menospreza a possibilidade de aprender sorrindo e
desconhece que o conhecimento se instaura pela corporeidade vivificada.
Infelizmente, esse paradigma ainda é forte na concepção de muitos educadores. Um
exemplo disso é observado por mim quando, em processos de formação continuada
em Educação Ambiental, me deparo com professores que se negam ou dizem não
gostar das atividades lúdicas inseridas no contexto do curso. Percebo, nitidamente,
o desprezo pelo que consideram brincadeira, o que os impedem de vivenciar esse
momento de aprendizagem e, ainda, de utilizar essas atividades com seus alunos.
Esse fato é mais observado nos professores do Ensino Fundamental e Médio,
justamente quando o lúdico, na maioria das vezes, só é considerado nos momentos
de recreio, nas aulas de Artes e de Educação Física, não por acaso, os momentos
mais prazerosos para a grande maioria dos alunos.
Esse paradigma de fragmentação e supervalorização da razão também marcou o
início da Educação Infantil quando o educar e o cuidar eram considerados como
aspectos separados e independentes e não como aspectos interdependentes do
sistema complexo que é um Centro de Educação Infantil, conforme tratarei abaixo.
3.2.3 Cuidando para educar
Ao verificarmos a trajetória inicial da Educação Infantil, percebemos que os termos
“cuidar” e “educar” aparecem como antagônicos, pois educar era a função da pré-
escola, destinada às crianças de classes sociais mais privilegiadas, enquanto as
crianças menos favorecidas freqüentavam as creches, onde recebiam “cuidados”
47
como alimentação e higiene, já que o intuito dessas instituições era o
assistencialismo.
Gradativamente, em função dos inúmeros debates em torno dessa questão, o cuidar
e o educar passaram a constituírem-se princípios indissociáveis na práxis
pedagógica da Educação Infantil, reafirmados em documentos em escala federal
(RCNEI) e municipal (Educação Infantil: um outro olhar).
De acordo com o documento norteador da Secretaria de Educação (2006, p. 58):
Cuidar e educar, na perspectiva do reconhecimento da criança como sujeito de direitos, implica garantir a ela o direito de ampliar as suas experiências de maneira prazerosa, implica garantir atenção e afeto sobretudo nas situações que geram medo, insegurança e conflitos.
O documento reforça que a indissociabilidade entre cuidar e educar precisa
perpassar todo o Projeto Político Pedagógico dos CMEIs, levando em conta que as
diferentes experiências vividas pelas crianças no CMEI não podem ser distanciadas
da realidade familiar, social e cultural a qual a criança vive.
Nesse sentido, o RCNEI sugere que as instituições de Educação Infantil devem
tornar acessíveis às crianças elementos da cultura que enriqueçam o seu
desenvolvimento e a sua inserção social, cumprindo um papel socializador,
propiciando o desenvolvimento das crianças, por meio de aprendizagens
diversificadas, realizadas em situações de interação. E, ainda:
[...] propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural. Neste processo, a educação poderá auxiliar o desenvolvimento das capacidades de apropriação e conhecimento das potencialidades corporais, afetivas, emocionais, estéticas e éticas, na perspectiva de contribuir para a formação de crianças felizes e saudáveis (BRASIL, 1998, p. 23).
Desse modo, compreendo que o cuidado deve ser a base de qualquer relação
social, especialmente as tecidas na escola, mais ainda nas instituições de Educação
48
Infantil. Como nos diz Leonardo Boff (1999), é no cuidado que se encontra o ethos8
fundamental do humano, no qual identificamos os princípios, os valores e as atitudes
que fazem da vida um bem-viver.
O cuidado é uma atitude que envolve ocupação, preocupação, responsabilização e
relacionamento afetivo com o outro. Nós, seres humanos, precisamos de cuidado
desde a gestação até a nossa morte. O que somos é o reflexo do cuidado que
recebemos e do cuidado que damos aos outros durante nossa existência.
Mas, para cuidar, é preciso estar comprometido com o outro, com sua singularidade,
ser solidário com suas necessidades, confiando em suas capacidades, promovendo
um vínculo entre quem cuida e quem é cuidado.
A base do cuidado humano é compreender como ajudar o outro a se desenvolver como ser humano. Cuidar significa valorizar e ajudar a desenvolver capacidades. O cuidado é um ato em relação ao outro e a si próprio que possui uma dimensão expressiva e implica em procedimentos específicos (BRASIL, 1998, p. 24).
Para cuidar bem de “um outro”, é necessário inserir a afetividade nessa relação,
estabelecer laços de cumplicidade. Não basta gostar das crianças, é preciso
interagir com elas, orientá-las em suas necessidades, ser solidário em seus
momentos de conflitos, medos e inseguranças e respeitá-las como “sujeito de
direitos”.
Para tal, Baron (2000) indica o “caminho dos afetos”, onde as crianças e a
professora se tornam parceiras na produção de sentidos e de significações nas
vivências cotidianas. Nessa relação, cabe à professora (ou professor) entender a
realidade educacional do ponto de vista do inconsciente e do desejo, trazendo para
sua compreensão um saber sobre as articulações do individual com o coletivo, sobre
as relações entre desejo, prazer, vontade de saber, linguagem e construção de um
sujeito que se revelará como “sujeito de desejo”.
8 De acordo com Boff (2004, p. 195), “[...] ethos é o conjunto de princípios que regem,
transculturalmente, o comportamento humano para que seja realmente humano no sentido de ser consciente, livre e responsável”.
49
Infelizmente, o cuidado que é tão essencial para nossa constituição humana só
aparece como fundamental nos documentos de Educação Infantil, sendo
desconsiderado em documentos que tratam dos outros níveis de ensino, como se
não precisássemos de cuidados especiais por toda a vida, assim como precisam de
cuidados os outros seres que convivem conosco neste planeta.
Precisamos resgatar o “cuidar” em nossas relações sociais e com o meio ambiente.
Resgatar o afeto que Maturana (2002/2004) chama de “amor”, o amor como emoção
que especifica o domínio dos comportamentos, que constitui o outro como legítimo
outro em coexistência conosco, para que assim possamos, realmente, como propõe
o autor “respeitar o outro como legítimo outro na convivência” e, sem dúvida, se
conseguirmos essa conduta conseguiremos também reverter a exclusão social e a
degradação ambiental que ora vivemos.
Nesse sentido, Boff (1999, p. 190) argumenta:
É o cuidado que permite a revolução da ternura ao priorizar o social sobre o individual e ao orientar o desenvolvimento para a melhoria da qualidade de vida dos humanos e de outros organismos vivos. O cuidado faz surgir o ser humano complexo, sensível, solidário, cordial, e conectado com tudo e com todos no universo [...]. Hoje, na crise do projeto humano, sentimos a falta clamorosa de cuidado em toda parte. Suas ressonâncias negativas se mostram pela má qualidade de vida, pela penalização da maioria empobrecida da humanidade, pela degradação ecológica e pela exaltação exacerbada da violência.
Nós somos nossas emoções e essas emoções nos fundamentam e nos constituem
no domínio social. Mas, muitas vezes, temos sido incapazes de perceber que as
emoções, como o afeto e o amor, participam na geração das consciências individual,
social e de mundo, na criança em crescimento.
O sistema educacional atual, ainda bastante marcado pelo paradigma da
modernidade, supervaloriza a razão enquanto menospreza as emoções, o que nos
impede de ver o entrelaçamento cotidiano entre razão e emoção, que constitui nosso
viver humano.
50
Para Maturana (2004), é o amor a emoção que constitui esse nosso viver humano.
O amor é o fundamento do social, mas, segundo o autor, nem toda convivência é
social, pois, se não há a aceitação do outro na convivência, não há fenômeno social.
O autor vai mais longe ao afirmar:
[...] O amor é a emoção central na história evolutiva humana desde o início, e toda ela se dá como uma história de conservação de um modo de vida no qual o amor, a aceitação do outro como um legítimo outro na convivência, é uma condição necessária para o desenvolvimento físico, comportamental, psíquico, social e espiritual normal da criança, assim como para a conservação da saúde física, comportamental, psíquica, social e espiritual do adulto (MATURANA, 2004, p. 25).
Dessa forma, o amor nos origina, nos constitui e permite nosso desenvolvimento e
conservação como humanos. Sendo assim, a negação desse amor compromete a
saúde individual, em seu sentido mais amplo, e a saúde coletiva, na medida em que
nega a aceitação do outro na convivência.
Além de Leonardo Boff e de Humberto Maturana, Carlos Rodrigues Brandão
também entende o amor como o fundamento do humano. Para Brandão (2005), o
amor se ensina e se aprende e só pode ser aprendido como uma experiência que se
vive entre outros, antes de ser traduzida em palavras e teorias. Para o autor, “[...] a
educação humana não deve ser mais do que uma longa, gratuita, generosa e
infindável vivência de imagens e de idéias sentidas e significadas pelo amor e
através do amor [...]” (p. 27).
Todas essas questões levantadas acerca do amor e do cuidado são fundamentais
no processo educativo, incluindo os processos de Educação Ambiental, isto é, o
amor e o cuidado com nós mesmos, com os outros humanos e com todas as formas
de vida que convivem conosco neste planeta.
Também no CMEI pesquisado o cuidado é a base fundamental dos processos
educativos, inclusive o cuidado com o meio ambiente, conforme explicita o subtítulo
do projeto pedagógico da escola: “acreditando que olhando o mundo como nosso
nos relacionaremos com ele com mais cuidado”. Nesse projeto, as professoras, as
crianças e, em alguns casos, as famílias, têm a possibilidade de experienciar
51
práticas mais “cuidadosas” com o ambiente.
As práticas de cuidado da Educação Ambiental são marcadas por algumas
tendências em que alguns priorizam o cuidado com elementos da fauna ou da flora,
outros com os grupos humanos de determinada área e outros entendem que todos
os seres estão conectados em uma teia complexa da vida que deve ser cuidada
como um todo. Mas, independente da tendência que norteia as ações do/a
Educador/a Ambiental, esse trabalho é carregado de sentidos e sentimentos.
Para Brandão (2005), ao pensar o termo Educação Ambiental, o sentimento e a
palavra em que a imagem desse sentimento se transforma é o amor. E, ao pensar o
ser humano e sua formação, por meio do que chamamos Educação Ambiental, é
que se dá conta de que é do amor que se trata.
Para alguns, essas palavras podem parecer utópicas, mas é também como vejo a
Educação e, em especial, a Educação Ambiental. Considerar o amor e o cuidado
com o outro e com o planeta não é uma visão romântica; é, sim, uma possibilidade
concreta de lidar com os problemas socioambientais, pois esse amor de que falo nos
leva a conhecer, a agir, a interagir e a lutar por um mundo sustentável para todos os
seres.
52
4 OS CONTEXTOS HÍBRIDOS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
4.1 ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE
Para entender os caminhos híbridos em que transita a Educação Ambiental, é
necessário, primeiro, apontar algumas questões que contextualizem o atual
momento em que vivemos.
Para visualizar o reflexo desse momento, basta ler os jornais ou assistir à TV e
encontraremos inúmeros exemplos da degradação humana e ambiental que envolve
todo o planeta, ficando evidente que estamos mergulhados numa profunda crise
socioambiental.
Para Soffiati (2002), a crise atual tem uma singularidade, quando comparada com
todas as outras. Tal singularidade é exatamente pela combinação de seu caráter
antrópico com sua extensão planetária, pois, em vários períodos geológicos,
ocorreram crises planetárias que provocaram a extinção de muitas espécies. Tais
crises, provocadas por fenômenos astronômicos, climáticos e geológicos, foram
certamente desastrosas para o planeta, mas nenhuma delas obteve a proeza do
Homo sapiens sapiens, a de constituir modelos de produção capazes de produzir
mudanças ambientais profundas em nível planetário.
Essa crise da falta de cuidado consigo mesmo, com o outro e com o planeta é
decorrente de um longo e gradativo processo histórico que colocou a sociedade
humana e a natureza em lados opostos. Ao pensarmos na caminhada da
humanidade neste planeta, podemos identificar as causas dessa ruptura,
intensificada nos últimos séculos em decorrência do modelo econômico hegemônico
vigente.
Os primeiros grupos humanos viviam submetidos às forças naturais. Eram parte
integrante do todo natural. Além disso, viviam em função do coletivo, tudo era feito
com e pelo coletivo. Ao contrário, ás sociedades contemporâneas têm, como base,
53
uma visão liberal de mundo, em que a individualização chega ao extremo do
individualismo, do egoísmo, do cada um por si.
Dessa forma, os seres humanos sentem-se cada vez mais partes isoladas do todo e
rompem, entre outros, o elo de ligação com a natureza. Do sentimento de não
pertencimento à natureza emerge o desejo de dominação e exploração do que
passa a ser considerado como “recurso” natural.
Para Guimarães (2006), o que prevalecem, nesse modelo societário, são os
interesses individuais/particulares sobre as necessidades comuns, coletivas, do
conjunto. Essa prevalência se deve a essa postura individualista e antropocêntrica,
em que a humanidade se vê como o centro e tudo que está ao seu redor existe para
atender aos seus interesses. Essas posturas, somadas à competição exacerbada
entre indivíduos, classes sociais e nações, à acumulação privada de um bem público
que, é o meio ambiente, e à concentração da riqueza, entre outras, intensificaram
tremendamente a exploração do meio ambiente e o distanciamento entre os seres
humanos dessa sociedade urbano-industrial e a natureza, o que produz a
degradação de ambos.
Também Soffiati (2002) aponta, como causa dessa crise ambiental, a concepção
antropocêntrica e utilitarista da natureza, que teve forte influência da tradição
judaico-cristã, que constitui o substrato dos paradigmas humanista e mecanicista. O
autor afirma que, em cinco séculos de era planetária, tanto essa concepção como as
relações materiais por ela engendradas impregnaram inteiramente as sociedades
distribuídas pelo mundo.
Ao analisarmos tal crise, sob o enfoque da crise do pensamento moderno,
poderemos perceber que essa crise está vinculada ao excessivo foco na ciência
tecnológica. A racionalidade instrumental prejudicou a capacidade humana de
reflexão e de visão em longo prazo, pois reduziu, dissociou, fragmentou o
conhecimento.
A lógica instrumental desencadeou uma clara divisão entre a evolução cultural
humana e os processos naturais e ambientais, pautada na acumulação e na
54
exclusão. A mais grave conseqüência e prejuízo dessa racionalidade instrumental é
a degradação social e ambiental.
É nesse sentido que Lima (2002) nos propõe um olhar sobre o desenrolar da história
moderna, pontuando algumas passagens que marcaram a trajetória da cultura
ocidental em sua relação com o meio ambiente natural e construído. Tais como: a
Revolução Industrial, inspirada na ideologia do progresso; a Empresa Neoliberal,
que alimentou o projeto expansionista das nações industriais, e as duas Grandes
Guerras mundiais.
A somatória desses e de outros fatores fizeram com que, a partir dos anos 60, os
sinais de uma crise socioambiental se tornassem mais evidentes, caracterizando-se
como uma crise global, que atinge, embora de maneira desigual, todos os
continentes, sociedades e ecossistemas planetários, ressignificando fronteiras
geográficas, políticas e sociais.
Ao relacionar a crise socioambiental com o modelo econômico hegemônico,
devemos admitir que esta crise é o resultado do triunfo do capitalismo, e não de
suas falhas ou fracassos, pois, como aponta Rodrigues (1998), o esgotamento de
recursos está se dando justamente nos lugares onde o modelo de produção deu
mais “certo”, ou seja, onde ocorre a produção de mais e mais mercadorias é onde
mais se destrói a natureza, demonstrando, assim, a relação entre o atual modelo, de
pretensão industrial-econômico-expancionista e a crescente degradação dos
ecossistemas naturais e urbanos.
Tais questões conformam uma crise paradigmática dos valores que norteiam a
relação sociedade e natureza, demonstrando a incapacidade da racionalidade
hegemônica em resolver os problemas socioambientais provenientes de sua própria
lógica. Sendo assim, faz-se emergente o repensar da racionalidade capitalista e a
construção de uma nova racionalidade que busque compreender e os problemas
sociais e ambientais e a eles responder. Uma racionalidade que reconheça a vida
em primeiro plano e fomente um processo educativo que adjetive eticamente as
relações entre os seres humanos, e desses com a natureza, como propõe Morales e
Reis (2005).
55
Para compreender melhor esse contexto capitalista e consumista, recorro a Tristão
(2004), que aborda a concepção de “sociedade de risco”, cunhada por Beck. De
acordo com a autora, essa concepção tem uma relação direta com a crise ambiental,
ou seja, os procedimentos atuais vêm causando profundas transformações sociais e
políticas vinculadas às nossas raízes culturais, em um ritmo muito mais lento do que
os impactos das transformações tecnológicas. Dessa forma, o ritmo acelerado da
produção tecnológica não é acompanhado pela lenta transformação social e política
e muito menos pelo tempo necessário para a natureza processar os seus
fenômenos. Assim é reconhecida a irreversibilidade dos desequilíbrios naturais.
Segundo Jacobi (2004), Beck identifica que a “sociedade de risco” emerge com a
globalização, a individualização, a revolução de gênero, o subemprego e a difusão
dos riscos globais. Esses riscos se caracterizam por gerarem conseqüências graves,
desconhecidas em longo prazo e que não podem ser avaliadas com precisão, como
os riscos ecológicos, químicos, nucleares e genéticos.
A natureza é transformada em “recurso”, em produtos de consumo para alguns. No
entanto, todos, em maior ou menor escala, sofrerão as conseqüências dos danos
ambientais, ainda imprevisíveis, causados pela insustentável exploração dos bens
naturais.
Nesse sentido, Lima (2002, p. 137-138) argumenta:
A atual crise socioambiental é, na verdade, uma das expressões de uma crise civilizatória pluridimensional que revela, a todo instante, e de diversas maneiras, o esgotamento do projeto cultural iluminista inspirado na idéia de progresso, na razão instrumental e numa compreensão de mundo dualista. A promessa iluminista que via na expansão do conhecimento sobre os mundos natural e social a garantia de um maior controle sobre a realidade não se cumpriu [...]. Vivemos um momento sócio-histórico marcado por uma notável multiplicação de riscos naturais e tecnológicos e pela permanente sombra da incerteza [...]. Compreender um processo crítico dessa magnitude e reagir a ele requerem pensamento e sensibilidade complexos, bem como a rejeição de todas as formas de reducionismo.
56
Leff (apud TRISTÃO 2004b) aponta para uma racionalidade capaz de reverter esse
quadro. Uma racionalidade que se estabelece na compreensão dessa complexidade
que nos apresenta a contemporaneidade, aberta à imprevisibilidade e à
interdependência entre os processos. É a "racionalidade ambiental" que implica uma
nova teoria da produção, novos instrumentos de avaliação e tecnologias ecológicas
apropriáveis pelos próprios produtores. Além disso, incorpora novos valores que dão
sentido aos processos emancipatórios, redefinem a qualidade de vida das pessoas e
o significado da existência humana.
É na “racionalidade ambiental” que se insere a complexidade como uma nova
possibilidade de conhecimento do mundo, considerando novas abordagens que
permitam entender as articulações entre os processos, para além dos limites do
paradigma instrumental, incorporando os riscos e a incerteza.
É nesse cenário que emerge a Educação Ambiental como possibilidade de religar
saberes, de religar as relações humanas do cuidado e de religar, enfim, a sociedade
e a natureza.
4.2 EDUCAÇÃO AMBIENTAL: DO PASSADO AO PRESENTE
A Educação Ambiental emergiu do movimento ecologista que teve suas raízes nos
movimentos contraculturais da década de 60, como os movimentos hyppie,
feminista, racial e pacifista. Nessa época de protestos e denúncias, os ecologistas
contestavam o consumismo e o uso demasiado dos recursos naturais.
Esse movimento contracultural, em que o movimento ecologista estava inserido,
fazia oposição ao contexto da sociedade moderna, que usava a ciência como fonte
primária para suas descobertas e a indústria como ferramenta de produção em
massa. Além disso, os ecologistas acreditavam que uma outra sociedade, um outro
modo de viver era possível.
57
Cabe destacar que o movimento ecologista foi, posteriormente, denominado
ambientalista em virtude do processo histórico de ampliação das concepções e
saberes desse campo. No início, esse movimento era constituído, em sua maioria,
por biólogos e estudantes, expandido-se gradativamente, para todas as pessoas
sensíveis à causa ambiental. Infelizmente, ainda hoje, alguns confundem Educação
Ambiental com aulas de Ecologia.
No início da década de 1970, importantes conferências internacionais colocaram a
Educação Ambiental em foco, sendo apontada como uma possibilidade para reverter
o quadro social e ambiental destrutivo do modelo de desenvolvimento prevalecente.
Em junho de 1972, na Suécia, representantes de 113 países participaram da
Conferência de Estocolmo/Conferência da ONU sobre o Ambiente humano, quando
foi gerada a “Declaração Sobre o Ambiente Humano”, visando a atender à
necessidade de se estabelecer uma visão global e princípios comuns que servissem
de orientação e inspiração à humanidade, para a preservação e melhoria do
ambiente humano. Nessa Conferência, a Educação Ambiental surgiu como uma
necessidade de difundir uma abordagem abrangente do meio ambiente em sua
totalidade. Foi recomendado que a Educação Ambiental fosse reconhecida e
promovida em todos os países.
A primeira Conferência Intergovernamental dedicada especialmente à Educação
Ambiental ocorreu em Tbilisi, no ano de 1977. Foi organizada pela Organização das
Nações Unidas Para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em colaboração
com o Programa das Nações Unidas Para o Meio Ambiente (PNUMA). A
Conferência de Tbilisi foi o ponto culminante da primeira fase do Programa
Internacional de Educação Ambiental, iniciado em 1975, pela UNESCO/PNUMA.
Nessa conferência, foram definidos os objetivos, os princípios orientadores e as
estratégias para o desenvolvimento da Educação Ambiental, que foram adotados
pelos países participantes, inclusive o Brasil, e permanecem válidos, como pontos
de identidade internacional da Educação Ambiental.
Dentre os princípios que passaram a nortear as práticas dos educadores ambientais,
58
cabe destacar: que seja um processo contínuo e permanente; que ocorra em todos
os níveis de ensino formal e não-formal, numa abordagem interdisciplinar e,
portanto, que não se caracterize como uma disciplina; que considere o ambiente em
sua totalidade; que enfoque as questões ambientais locais e globais, concentrando-
se nas situações atuais, observando a perspectiva histórica; que considere a
complexidade dos problemas ambientais e a necessidade de desenvolver o senso
crítico e as habilidades necessárias para resolver tais problemas, promovendo
experiências pessoais que resultem em transformações nas esferas individuais e
coletivas.
De acordo com Tristão (2004), a Conferência de Tbilisi marca um avanço conceitual
na medida em que a Educação Ambiental deixa de ser vista como prática
descontextualizada e simplificadora e passa a ser considerada como processo
educativo problematizador. Além disso, passa a ser meta da Educação Ambiental a
formação de sujeitos para a apreensão da complexa dimensão da realidade
ambiental.
No Brasil, a partir de 1980, as instituições governamentais de meio ambiente
começaram a se estruturar para institucionalizar a gestão ambiental, da qual a
Educação Ambiental é um componente. Os Estados e municípios criaram suas
Secretarias de Meio Ambiente, que assumiram, entre outras funções, a de
desenvolver atividades de Educação Ambiental. Contudo, ainda hoje, muitos
municípios não têm estruturada uma Secretária de Meio Ambiente, como podemos
constatar aqui mesmo, no Espírito Santo. Em alguns casos, há um Departamento de
Meio Ambiente dentro de uma Secretaria, por exemplo, a de Agricultura. Em outros
casos, a Secretaria de Meio Ambiente é criada e, na administração seguinte, é
extinta, ou seja, o meio ambiente e a Educação Ambiental ficam a mercê dos
gestores públicos municipais.
Em função de sua origem no movimento ambientalista, a Educação Ambiental, no
Brasil, não foi incorporada oficialmente pelos sistemas de ensino como política
pública, da mesma forma que ocorreu no âmbito do Sistema Nacional de Meio
Ambiente. Só, posteriormente, os sistemas de ensino absorveram a Educação
Ambiental, muitas vezes em parceria com os órgãos governamentais e não-
59
governamentais dedicados ao meio ambiente, por meio de projetos pontuais e
temáticos. As organizações não-governamentais desempenharam, e ainda
desempenham, importante papel no processo de expansão e aprofundamento das
ações de Educação Ambiental nas escolas.
Em 1987, na Conferência Internacional Sobre Educação e Formação Ambiental,
realizada em Moscou, foi decidido incluir a Educação Ambiental nas políticas
educacionais dos países. Na Rio 92, a educação foi apontada como fator
fundamental para a promoção do desenvolvimento sustentável e de uma efetiva
participação na tomada de decisões.
Para a promoção do desenvolvimento sustentável, os 179 países participantes da
Rio-92 elaboraram um programa de ações conjuntas, conhecido como “Agenda 21”,
sendo recomendado aos países a construção de agendas nacionais.
Esse "Desenvolvimento sustentável", apontado como “solução” com a qual o sistema
mundial de convivência e de produção pretendia resolver os problemas que ele
mesmo criou, representa, para estudiosos, como Leonardo Boff, uma contradição e
um equívoco, na medida em que esses dois termos se rejeitam mutuamente. O
conceito de "desenvolvimento" provém da área da economia dominante, que
obedece à lógica da maximalização dos benefícios com a minimalização dos custos
e do tempo empregado, enquanto a "sustentabilidade" provém da Ecologia,
referindo-se à tendência dos ecossistemas ao equilíbrio dinâmico, considerando-se
as interdependências de todos os seres, garantindo a inclusão de cada ser nesse
sistema. A categoria mestra para reverter o atual quadro socioambiental deve ser a
sustentabilidade e não o desenvolvimento, que, na lógica capitalista vigente, jamais
será sustentável.
Embora o termo “desenvolvimento sustentável” seja controverso, é adotado no
discurso de instituições públicas e privadas, ressignificado de acordo com a
intencionalidade de quem o usa. Inclusive, há um movimento da UNESCO para
substituir a expressão “Educação Ambiental” para “Educação para o
desenvolvimento sustentável”, tendo tal instituição decretado a “década da educação
para o desenvolvimento sustentável” de 2005 a 2014. Essa questão tem sido alvo de
60
debates entre os estudiosos do campo da Educação Ambiental e muitos discordam
dessa mudança de nomenclatura, tanto pelas contradições inerentes ao termo
“desenvolvimento sustentável” quanto pelo fato de que a “Educação Ambiental” é
uma expressão carregada de História, de saberes acumulados e de afetos que
conferem uma identidade a esse campo.
Durante a Rio-92, ocorreu também o Fórum Global, em que participaram ONGs e
movimentos sociais de todo o mundo e, como resultado desse encontro, foi
produzido o “Tratado de Educação Ambiental Para Sociedades Sustentáveis e
Responsabilidade Global”, que considera “Sociedades sustentáveis” como aquelas
que são, ao mesmo tempo, ecologicamente prudentes, economicamente viáveis,
socialmente justas, culturalmente diversas, politicamente atuantes.
Os 16 princípios estabelecidos por esse tratado passaram a orientar muitos projetos
e ações de Educação Ambiental. No Brasil, inúmeras organizações governamentais
e não-governamentais, especialmente as redes de Educação Ambiental, têm como
propósito aplicar tais princípios que considera que: a Educação Ambiental é um ato
político; não é neutra e sim ideológica; estimula a solidariedade e a cooperação;
trata as questões ambientais numa perspectiva holística e sistêmica; busca formar
cidadãos críticos, com consciência local e planetária; respeita as diferentes formas
de conhecimento, bem como os diferentes povos e culturas; ajuda a desenvolver
uma consciência ética; integra conhecimentos, aptidões, valores, atitudes e ações.
O Fórum Global, ocorrido durante a Rio 92, contribuiu para o fortalecimento de um
movimento nacional de educadores/as ambientais, que estava em processo de
articulação nos de fóruns que ocorreram em São Paulo, nos anos de 1989 e 1991.
Do encontro e dos debates desse grupo surgiu a proposta de criação de uma Rede
de Educação Ambiental, promovendo uma potência de ação entre os educadores/as
ambientais brasileiros engajados e militantes nas questões ambientais emergentes.
O “Tratado de Educação Ambiental Para Sociedades Sustentáveis e
Responsabilidade Global” passou a ser referência para esses educadores/as
ambientais e carta de princípios para o padrão organizacional em rede. Essa forma
organizacional em rede emergiu como possibilidade inovadora no campo relacional,
61
político, operacional e como uma alternativa da sociedade organizada para enfrentar
situações complexas, em que ações isoladas não apresentavam os resultados
esperados.
De acordo com Amaral (2004), no III Fórum de Educação Ambiental, realizado em
São Paulo, no ano de 1994, onde estavam reunidos educadores/as ambientais do
Brasil inteiro, assumiu-se a nacionalização desses fóruns e a necessidade de
fomentar uma comunicação continuada entre os educadores/as presentes ou não
aos eventos. Foi definido, na ocasião, que os fóruns sucessores seriam organizados
pela Rede Brasileira de Educação Ambiental (REBEA) e que deveriam acontecer em
outros Estados brasileiros.
E, assim, o IV Fórum Brasileiro de Educação Ambiental e I Encontro da Rede
Brasileira de Educação Ambiental aconteceram em agosto de 1997, aqui, no Espírito
Santo, na cidade de Guarapari. Foi um momento importante para a consolidação da
Rede Brasileira e para o fortalecimento de metodologias e práticas voltadas para a
Educação Ambiental no País.
Nessa época, eu já atuava e me reconhecia com educadora ambiental. Tive a
oportunidade de participar ativamente do IV Fórum, inclusive apresentei o já
mencionado “Projeto de Educação Ambiental nas Escolas” no pré-fórum que ocorreu
meses antes em Santa Cruz – ES. Essa participação no pré e IV Fórum foram
importantes no meu processo de formação por ampliar a compreensão sobre o
campo da Educação Ambiental, além de apreender novas práticas e conhecer
pessoas da área. A partir de então, estou sempre participando de eventos, inclusive
ministrando minicursos e oficinas, como acorreu no V Fórum Brasileiro de Educação
Ambiental, realizado em Goiânia – GO, em novembro de 2004, quando ministrei a
oficina: “Educação Ambiental em áreas de Manguezal”.
Além da constituição de REBEA, várias redes estaduais de Educação Ambiental se
organizaram nesse período, dentre elas, a Rede de Educadores Ambientais do
Espírito Santo, criada no momento pós-Rio 92, mas que, na ocasião, não conseguiu
se sustentar. Só cerca de dez anos depois, a atualmente nomeada Rede Capixaba
62
de Educação Ambiental9 (RECEA) ressurge com a participação de antigos e novos
enredados, que se comunicam através de reuniões presenciais ocasionais e,
principalmente, em um grupo de discussão na internet. Além disso, nos últimos três
anos, a RECEA, a qual “pertenço”, promoveu dois Encontros Estaduais de
Educação Ambiental.
Após a Rio-92, a Educação Ambiental no Brasil, antes referendada em documentos
oficiais apenas pela Constituição Federal de 1988, obteve muitos avanços em nível
institucional com a produção de documentos e ações importantes, como: o
lançamento do Programa Nacional de Educação Ambiental em 1994; o lançamento
dos Parâmetros Curriculares Nacionais em 1997 e do Referencial Nacional para a
Educação Infantil em 1998 que inserem a temática ambiental, o primeiro como tema
transversal no currículo e o segundo como eixo de trabalho. O documento mais
significativo, a Lei nº. 9795, de abril de 1999, que institui a Política Nacional de
Educação Ambiental, define princípios, objetivos e o conceito oficial de Educação
Ambiental:
Art. 1º [...] entende-se por educação ambiental os processos por meio dos quais, o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltados para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.
Na Política Nacional de Educação Ambiental, a promoção da Educação Ambiental é
colocada pela primeira vez como obrigação legal, de responsabilidade de todos os
setores da sociedade. Em seu art. 2º, a lei dispõe que “A educação ambiental é um
componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente,
de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em
caráter formal e não-formal”.
Em 2004, o governo promoveu um amplo debate, envolvendo os ministérios da
Educação e do Meio Ambiente, e organizações da sociedade civil, para a definição
da 2ª versão do Programa Nacional de Educação Ambiental (Pronea). Para Loureiro
9 O fortalecimento da RECEA é um Projeto de Extensão da UFES e que integra as atividades do
Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Educação Ambiental (NIPEEA). Site: www.recea.Org..br.
63
(2004b), o Pronea permite que se retome o pressuposto da educação, em
consonância com perspectivas pedagógicas críticas e emancipatórias, que norteiam
o ato educativo para a superação das formas alienadas da existência e das
dicotomias entre sociedade/natureza, originadas no marco do capitalismo e
potencializadas em sua expressão globalizada.
Vivemos, na atualidade, um momento histórico importante para a Educação
Ambiental, quando a Diretoria de Educação Ambiental do Ministério de Meio
Ambiente e a Coordenação-Geral de Educação Ambiental do Ministério da
Educação formam o Órgão Gestor da Política Nacional de Educação Ambiental,
atuando de forma conjunta na promoção de vários processos para a consolidação e
enraizamento da Educação Ambiental em todo o Brasil, além do empoderamento da
sociedade civil para a atuação cidadã plena. Há apoio: às Redes de Educação
Ambiental; à formação de Coletivos Educadores; à organização de Coletivos Jovens;
à mobilização e envolvimento de professores e alunos do Ensino Fundamental por
meio das conferências infanto-juvenis de meio ambiente; à formação de com-vidas
nas escolas, dentre outros.
Infelizmente, nenhum dos programas atuais, no âmbito desses ministérios, é voltado
para a Educação Ambiental na Educação Infantil. Apenas o RCNEI, lançado em
1998, e o documento “Educação Infantil – Parâmetros em Ação”, de 1999, do
Programa de Desenvolvimento Continuado, que objetivava a disseminação do
RCNEI, contemplam a possibilidade de articulação da Educação Ambiental na
Educação Infantil no eixo/módulo: sociedade e natureza.
Por que as crianças de zero a seis anos não são consideradas nos atuais programas
de Educação Ambiental em âmbito Federal? Será que os atuais gestores ainda não
compreenderam plenamente o significado de ser criança “sujeito de direitos”, ente
político e social pleno, que tem os mesmos direitos e condições de participar de
programas de Educação Ambiental assim como as crianças maiores, adolescentes e
jovens?
É nesse sentido que Araújo (2005) nos adverte, pois a criança ainda não é
considerada, em nossa sociedade, como ente político, que, apesar de ter sua
64
cidadania legalmente reconhecida, não é vista como sujeito social e político pleno.
No imaginário social, a criança é percebida como um “sujeito de direitos” que vai
exercer sua cidadania a posteriori, já que o presente seria um “ensaio” para o futuro.
Assim como a autora, penso que é necessário construir outras bases de
reconhecimento e participação da criança como ente político para além das regras
culturais hierárquicas e autoritárias, pois é “[...] ao partilhar da mesma experiência
histórica e social com outras categorias de sujeitos que a criança se torna um ser
político na vida coletiva” (ARAÚJO, 2005, p.110), algo que se almeja na Educação
Ambiental.
Além disso, a própria legislação determina que a Educação Ambiental deve ocorrer
em todos os níveis de ensino e para isso cabe ao Poder Público promover
programas que viabilizem essa inserção sem priorizar qualquer modalidade de
ensino.
Por outro lado, para a efetivação da Educação Ambiental nas escolas, é preciso
considerar como está inserida, ou não, a Educação Ambiental nos vários contextos
de formação de professores/as, tendo em vista que é um campo híbrido onde se
articulam múltiplos saberes, pressupondo uma abordagem inter e transdisciplinar.
4.3 CONTEXTOS DE FORMAÇÃO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Ao iniciar esta reflexão sobre os contextos de formação em Educação Ambiental,
gostaria de esclarecer a amplitude que esse conceito tem para mim. Considero
espaçostempos de formação tanto o processo que constitui os sujeitos em sua
convivência familiar e social, na qual se insere a escola, quanto a formação
universitária, dita por muitos como inicial, e a formação continuada ou permanente,
na qual estão incluídos os cursos, os eventos e as redes de saberesfazeres tecidas
pelos sujeitos praticantes no cotidiano.
65
Entendo, como Pineau (2003), que o processo de formação se dá nos âmbitos:
individual, na interação social e na interação com o meio. Esse autor aborda a
formação em três movimentos envolvendo a personalização, a socialização e a
ecologização, num processo de formação permanente.
Pineau (2003) vê a formação como um devir dos protagonistas, em que a concepção
fixista do permanente é substituída por uma dialética permanente de mudança, pois,
na formação permanente, a mudança e o movimento contínuo é que são
permanentes.
De acordo com esse autor, o movimento de personalização está inserido no
processo de autoformação que está relacionado com a subjetivação,
individualização, autonomização dos protagonistas da formação. A heteroformação
está inserida no movimento da socialização em que há relações de trocas recíprocas
de saberes. E o terceiro movimento, a ecoformação, é o mais discreto e esquecido,
mas, segundo Pineau (2003, p. 158), a “[...] ecoformação assume importância com o
movimento ainda restrito de educação para o meio ambiente [...]. É só sabendo
como o meio ambiente nos forma, nos põe em forma, que saberemos como formar
um meio ambiente viável, suportável e vital”.
Esse último movimento tem como interesse a formação que cada um recebe de seu
meio ambiente, mas também vê que, entre o ser humano e sua relação com o meio
ambiente, há um campo de possibilidades para a tessitura de relações do sujeito
com o mundo.
Esses três movimentos de formação se entrelaçam durante toda a vida dos sujeitos
praticantes, e é nesse entrelaçamento que podem se constituir os/as educadores/as
ambientais. Quando digo “podem”, é porque a atuação, no campo da Educação
Ambiental, pressupõe um “despertar” anterior; é preciso “acender uma chama”,
conectar o cognitivo ao afetivo, em que a partir daquele momento, o/a professor/a se
sensibiliza e passa a se comprometer com a inserção da Educação Ambiental em
sua prática educativa.
66
Esse “despertar” pode ocorrer ainda no âmbito das relações familiares, como pude
constatar na pesquisa, com algumas professoras. Outras professoras foram tocadas
durante o curso de graduação. Para outras, aconteceu na interação com colegas e
alunos nas redes de saberesfazeres no cotidiano da escola. Outras ainda sentiram o
desejo de atuar a partir da participação em eventos ou cursos de formação
continuada.
Mas o desejo de promover a Educação Ambiental é apenas um primeiro passo. É
preciso que esse/a educador/a encontre espaços de formação que o/a leve a uma
compreensão dos pressupostos da Educação Ambiental, que orientem suas
práticas.
Ao pensar na formaçãoatuação docente, não podemos desconsiderar o contexto
sócio-histórico, econômico e cultural das condições de enfraquecimento e
desvalorização profissional dos professores e os crescentes problemas sociais dos
alunos, que ecoam no interior das escolas. Tendo essas questões em vista,
poderemos compreender de modo mais complexo e profundo os contextos
formativos desses/as profissionais. Sem esse olhar sobre a realidade cotidiana, a
análise é parcial, desestruturada, descontextualizada e não entra na essência dos
problemas.
A degradação humana e ambiental, gerada por uma crise de valores de um modelo
societário hegemônico insustentável, característica do tempo atual, se repercute na
escola e, portanto, é também a escola o espaço para refletir e agir no enfrentamento
dessa crise socioambiental. Mas, será que os processos formativos de professores
estão em consonância com as exigências desse tempo?
Apesar da legislação e das políticas públicas para a efetivação da Educação
Ambiental em todos os níveis de ensino, observa-se que as instituições
universitárias formadoras de professores da educação básica ainda estão omissas,
salvo algumas exceções, diante desse novo paradigma educacional. Se a Educação
Ambiental não acontece como deveria nas universidades, isso se reflete nos outros
níveis de ensino cujos professores são oriundos dessas instituições.
67
Mesmo ciente de que a formação universitária (graduação) não é terminal, é
inegável a importância desse espaçotempo privilegiado de conhecimento na
formação de professores. É preciso, portanto, que as universidades assumam suas
responsabilidades na implementação da Educação Ambiental.
Araújo (2004) alerta que esse chamamento não é para a introdução de uma
disciplina com conteúdos e metodologias de Educação Ambiental, até porque isso
feriria os próprios princípios da Educação Ambiental, mas para a incorporação da
dimensão ambiental no processo educativo, sendo incluída nos currículos das
licenciaturas e que, em conseqüência, chegue à educação básica.
Nesse sentido, Araújo (2004) pressupõe que esse processo de formação profissional
deve possibilitar aos professores a elaboração de um saber pedagógico, a partir da
interação entre o conhecimento específico, o pedagógico e o saber ambiental, que
problematizam o conhecimento fragmentado das disciplinas, para construir um
campo de conhecimentos teoricopráticos orientado para a rearticulação das relações
sociedade e natureza.
Para Tristão (2007), a questão da formação de professores afeta diretamente a
universidade, no que se refere tanto à crise de conhecimento ou de paradigmas,
como às dificuldades para a inserção da Educação Ambiental, visto que os
contextos formadores instituídos, como a universidade, ainda não atentaram para a
importância dos processos de grupos, para a formação de grupos de trabalho
permanentes, para a elaboração de projetos de ensino, visando a promover a
participação política e a reflexão coletiva.
Além da possibilidade do encontro do/a professor/a com a Educação Ambiental em
sua formação inicial, há inúmeras outras oportunidades desse encontro nos
contextos de formação continuada em espaços coletivos de convivência, como
encontros, congressos, fóruns e cursos de Educação Ambiental.
Aqui, no Espírito Santo, alguns cursos de Educação Ambiental, no contexto da
formação continuada, são oferecidos pelas Secretarias Municipais e Estaduais de
Educação e/ou Meio Ambiente, porém essas iniciativas esbarram em algumas
68
questões, como a falta de um processo que garanta esse continuum e a dificuldade
pela indisponibilidade de horários dos/as professores/as. Isso ocorre porque esses
profissionais têm que cumprir 200 dias letivos na escola e as Secretarias de
Educação não os liberam de suas funções em seu horário de trabalho. Assim,
oferecem cursos no horário oposto, esquecendo-se de que a grande maioria
trabalha em outras escolas, ou, então, esses cursos são oferecidos no sábado, dia
em que os/as professores/as têm para se dedicar às suas famílias e ao lazer.
Também é comum, no Estado, a realização de cursos de Educação Ambiental por
empresas, para professores que atuam em escolas que estão em seu entorno, em
função do cumprimento de condicionantes impostas pelo orgão licenciador estadual.
Mas, como essas empresas não têm essa função nem competência para atuação no
campo pedagógico, esses cursos são elaborados e executados por empresas de
consultoria na área ambiental ou por consultores autônomos contratados para tal.
A questão é que, embora os relatórios comprobatórios desses cursos sejam
encaminhados ao referido orgão, não há um acompanhamento e uma avaliação
desses trabalhos e, o que é pior, em muitos casos, as escolas são municipais e esse
processo acontece à revelia da municipalidade. Será possível que empresas, que
vivem sobre a égide do capitalismo “selvagem” invistam em uma Educação
Ambiental orientada para a emancipação do sujeito, para uma atuação cidadã
plena?
A possibilidade de uma Educação Ambiental crítica e emancipatória pode se
concretizar no âmbito de empresas e nas escolas, se os formadores (instrutores/
facilitadores) envolvidos nesses contextos forem comprometidos com essa
tendência de Educação Ambiental. O que se observa é que esses espaços de
formação estão à mercê das empresas ou de consultores autônomos contratados
para a elaboração e execução desses programas.
No que se refere à Educação Ambiental em empresas, considero importante
destacar o Programa de Comunicação Ambiental da CST (atualmente Arcelor Mittal
Tubarão) que, em 2007, completou dez anos. O programa oferece anualmente
vários cursos, que vão da introdução e planejamento em Educação Ambiental a
69
abordagem de temas que subsidiam os projetos desenvolvidos pelas escolas.
Infelizmente, esses cursos têm carga horária reduzida (8h) e não permitem um
aprofundamento maior das temáticas. Além desse programa, que contempla escolas
de Ensino Infantil e Fundamental de alguns municípios da Grande Vitória, a empresa
também desenvolve um programa específico para as instituições públicas e privadas
de ensino superior.
Para os/as professores/as que buscam um aprofundamento conceitual filosófico
metodológico da Educação Ambiental, existem os programas de pós-graduação.
Atualmente, há uma razoável oferta de cursos em nível de especialização, em
instituições públicas e privadas.
Sobre programas de Mestrado e Doutorado no Brasil, específico em Educação
Ambiental, só tenho informação do ofertado pela Fundação Universidade Federal do
Rio Grande. Em algumas universidades, o que ocorre é a Educação Ambiental ser
incluída em linhas de pesquisa de programas de Mestrado e Doutorado,
especialmente em Educação, como é o caso desta pesquisa, que faz parte da linha
de pesquisa em Educação Ambiental do Mestrado em Educação da UFES.
Também gostaria de me referir ao contexto de formação continuada que se constitui
na atuação profissional cotidiana. Para Leme (2006), os saberes produzidos durante
a prática profissional, os “conhecimentos práticos do professor”, vão sendo
produzidos gradativamente, podendo ser ressignificados ao longo do tempo, na
medida em que vão experienciando novas situações. Esse conhecimento é o
resultado de uma prática diária marcada pela subjetividade e pelas interações com
os/as alunos/as e outros/as professores/as.
A formação continuada pode ser pensada como o movimento de tessitura e
ampliação das redes de saberesfazeres dos/as educadores/as e, por conseqüência,
dos/as alunos/as, tendo como ponto de partida e de chegada o cotidiano vivido, que
deve ser assumido como espaçotempo de análise da complexidade da educação,
como nos sugere Ferraço (2005).
70
Para o autor, essas redes cotidianas de saberesfazeres extrapolam os muros da
escola, na medida em que os sujeitos que as tecem não se reduzem aos que lá
estão. Por isso, considera como sujeitos potenciais dos processos de formação
continuada todos aqueles que estão envolvidos na tessitura e partilha das redes e
que “[...] de modo visível ou mais sutil, deixam suas marcas, praticam o cotidiano
escolar e contribuem para a invenção, a cada dia, da escola pública” (FERRAÇO,
2005, p. 40).
Mas é importante destacar que essas práticas que se tecem no cotidiano devem
estar comprometidas com as transformações sociais. Precisamos estar atentos para
que nossas práticas, mesmo inocentes, não sirvam para reafirmar o atual quadro
socioambiental, mas, sim, procurem contribuir para reverter esse quadro. Para isso,
é necessário que conheçamos as bases que sustentam nossa prática pedagógica.
Alguns autores identificam e classificam as tendências que marcam as práticas de
Educação Ambiental. Como meu intuito não é aprofundar essa questão, pois não
pretendo classificar as práticas pesquisadas e, sim, compreendê-las, trago apenas a
contribuição de Lima (2002) que fez um esforço para agrupar as múltiplas propostas
teoricopráticas de Educação Ambiental em duas grandes concepções político-
culturais: a conservadora e a emancipatória. Trago essas concepções até para
deixar explícito o que quero dizer, quando me refiro a esses dois termos.
Para Lima (2002), uma “Educação Ambiental Conservadora” é aquela que contribui
para manter a atual estrutura social, com todas as suas características e valores
econômicos, políticos, éticos e culturais; enquanto uma “Educação Ambiental
Emancipatória” se define no compromisso de transformação da ordem social
vigente, de renovação plural da sociedade e de sua relação com o meio ambiente,
considerando a complexidade e a multidimensionalidade da questão ambiental e,
ainda, que o exercício da participação social e a defesa da cidadania são práticas
indispensáveis à democracia e à emancipação socioambiental.
Para Guimarães e Viégas (2004), a ação educativa que vem sendo desenvolvida em
muitas escolas, centrada no indivíduo e na transformação de seu comportamento,
71
não tem sido capaz de causar transformações significativas na realidade
socioambiental, ao contrário, tem contribuído para manter a realidade tal como está.
Os mesmos autores propõem que a Educação Ambiental adote uma perspectiva
mais crítica que contemple a realidade complexa, promovendo uma prática
educativa potencializadora do movimento coletivo capaz de intervir no processo de
transformação simultânea dos indivíduos e da realidade socioambiental e não se
limita a uma ação educativa focada apenas na mudança do comportamento do
indivíduo, esperando que a sociedade, automaticamente, se transforme.
A estas práticas conservadoras que inconscientemente reproduzem a realidade
estabelecida pela racionalidade dominante, geradas por “uma limitação
compreensiva e uma incapacidade discursiva” (VIÉGAS, 2004), é que Guimarães
(2004) se refere como “armadilhas paradigmáticas”.
Também Carvalho (2004) acredita no potencial emancipatório da Educação
Ambiental, quando se articulam as diferentes forças sociais em torno das questões
ambientais. A Educação Ambiental, como prática educativa reflexiva, abre aos
sujeitos um campo de novas possibilidades de compreensão e autocompreensão da
problemática ambiental. Dessa forma, Carvalho (2004, p. 106) acredita que “[...] a
contribuição da Educação Ambiental estaria no fortalecimento de uma ética que
articulasse as sensibilidades ecológicas e os valores emancipadores, contribuindo
para a construção de uma cidadania ambientalmente sustentável”.
É nesse sentido que Tristão defende a emergência de um novo paradigma, a que
Sousa Santos (2000) se refere como o paradigma de um “conhecimento prudente
para uma vida decente”, para uma formação crítica e emancipatória, mais expressiva
na atuação de professores/as em práticas educativas comprometidas com o meio
ambiente, “[...] com a sustentabilidade local e planetária, menos dogmática ao
analisar o meio ambiente e mais coletiva nas intervenções, desenvolvendo um
trabalho educativo para um saber solidário do conhecimento-emancipação”
(TRISTÃO, 2007, p.16).
72
Desse modo, acredito que os contextos formativos em Educação Ambiental
precisam incorporar as premissas desse novo paradigma, sendo capazes de
promover um “conhecimento prudente” que contribua para a conquista de uma “vida
decente” para nós, humanos, e para todas as formas de vida que co-habitam a
Terra.
4.4 DESAFIOS DO/A EDUCADOR/A AMBIENTAL NA CONTEMPORANEIDADE
O mundo contemporâneo nos desafia a cada dia em virtude do risco e da incerteza,
em frente ao agravamento dos problemas socioambientais. Essa realidade impõe a
nós, educadores/as ambientais, uma profunda reflexão sobre nossas práticas e
sobre os desafios que devemos enfrentar neste início de século.
A fim de problematizar alguns desses desafios que a Educação Ambiental e,
conseqüentemente, os/as educadores/as ambientais devem enfrentar na
contemporaneidade, recorro a Tristão (2002) que identifica como alguns desses
desafios: enfrentar a multiplicidade de visões, superar a visão do especialista;
superar a pedagogia das certezas; e superar a lógica da exclusão.
Para a autora, é preciso pensar na multiplicidade de visões como um desafio a ser
considerado, pois, ao se compreender a educação e a questão ambiental como
áreas de interseção entre múltiplos saberes, percebe-se que não é possível pensar
sobre esses problemas híbridos por meio da metáfora da árvore do conhecimento,
que hierarquiza e valoriza determinados saberes em relação a outros. Tristão (2002)
utiliza o conceito de “rizoma”,10 proposto por Deleuze e Guattari, para enfatizar que a
dimensão ambiental se apresenta como um problema híbrido que está associado a
10
Esse conceito proposto por Deleuze e Guattari, no livro “Mil Platôs” (1995), pretende caracterizar os requisitos de abertura e criatividade de uma nova maneira de aprender, pensar e “deixar soltas as pontas” dos conceitos e do conhecimento. O conceito de rizoma se contrapõe à imagem da “árvore do conhecimento” que se tornou símbolo de hierarquização, ramificação e hiperespecialização do conhecimento. Já o rizoma não remete a um centro dominante, mas a um processo mais aberto de enraizamento e ramificações, pois, diferente das árvores, o rizoma interliga um ponto qualquer com outro ponto. Não tem começo nem fim, mas sempre um meio pelo qual ele cresce e transborda.
73
todas as dimensões humanas. Os conceitos estão entrelaçados, interligados,
articulados, permitindo possíveis trânsitos de múltiplos saberes.
Desse modo a escola passaria a ser entendida não como instituição de transmissão
de conhecimento, mas como instituição dinâmica com capacidade de compreender e
articular os processos cognitivos com os contextos de vida.
Para Tristão (2002), um outro desafio seria superar a visão do especialista. Para
isso, propõe que quebremos a barreira entre o conhecimento alienante para
conseguir articular saber, viver, razão, emoção...
A especialização, que trouxe inúmeros avanços no campo do conhecimento, tem se
tornado insuficiente para responder aos complexos problemas do mundo atual,
dentre eles, os problemas socioambientais.
Morin (2002) alerta que a especialização nos leva à redução e a redução nos leva a
restringir o complexo ao simples, aplicando a lógica mecânica e determinista da
máquina artificial às complexidades vivas e humanas. A redução pode, também, nos
cegar e nos conduzir a excluir tudo aquilo que não seja quantificável e mensurável,
eliminando, dessa forma, o elemento humano, isto é, paixões, emoções, dores e
alegrias. Da mesma forma, quando obedece ao postulado determinista, o princípio
de redução oculta o imprevisto, o novo e a invenção.
A educação tradicional nos ensinou a separar os saberes. Aprendemos a
compartimentar e a isolar os conhecimentos, buscando a explicação do todo por
meio da constituição de suas partes, o que torna difícil a sua contextualização com a
realidade.
Mas, se vivemos numa sociedade complexa, devemos considerar que “[...] o todo
tem qualidades ou propriedades que não são encontradas nas partes, se estas
estiverem isoladas umas das outras, e certas qualidades ou propriedades das partes
podem ser inibidas pelas restrições provenientes do todo” (MORIN, 2002 p. 37).
74
Nesse sentido, a educação contemporânea deve integrar e articular os diversos
saberes, contextualizando-os, para que adquira sentido para o educando. O
pensamento disjuntivo, reduzido, impossibilita ao educando conceber a unidade
complexa do ser humano em suas relações e interações com seus semelhantes.
Visando a superar essa visão reducionista, alguns caminhos têm sido apontados
para aproximar os saberes, como a interdisciplinaridade, a multidisciplinaridade e a
transdisciplinaridade, bastante difundidas no campo da Educação Ambiental, como
propostas de interação, cooperação e inter-relacionamento entre disciplinas e
pessoas.
Esses termos são conceituados por vários autores. Trago aqui apenas uma
referência comparativa entre esses três termos sugeridos por Morin (2002). O autor
apresenta a interdisciplinaridade como uma possibilidade de reunião ou de troca e
cooperação entre diferentes disciplinas; a multidisciplinaridade como a associação
de disciplinas ao redor de um projeto ou de um objeto que lhes é comum; e a
transdisciplinaridade como esquemas cognitivos que atravessam as disciplinas.
Para Tristão (2004), esses conceitos não apresentam concepções antagônicas, nem
estágios mais avançados, apenas possuem conotações diferentes. Ela os considera
como concepções teórico-práticas complementares.
Ao abordar sobre a interdisciplinaridade na Educação Ambiental, Tristão (2004)
observa que, apesar ser uma recomendação para o desenvolvimento de projetos, a
interdisciplinaridade dificilmente se efetiva nas práticas pedagógicas do espaço
escolar, especialmente nas séries finais do Ensino Fundamental e níveis acima, em
que cada professor é detentor de uma disciplina. Para a autora, o que ocorre, em
alguns projetos escolares, é a multidisciplinaridade.
A transdisciplinaridade apresenta uma articulação mais intensa entre as áreas do
saber. De acordo com Nicolescu (1999, p. 51), a transdisciplinaridade “[...] diz
respeito àquilo ao que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das
diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina. Seu objetivo é a compreensão
do mundo presente, para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento”.
75
O mesmo autor apresenta como os três pilares que sustentam a
transdisciplinaridade: a complexidade, os vários níveis de realidade e a lógica do
terceiro incluído, que é a possibilidade de existência simultânea de fenômenos
antagônicos.
A transdisciplinaridade tem se configurado como um campo com bases
epistemológicas e metodológicas, contando com estudiosos em alguns países, entre
eles, o Brasil. Mello, Barros e Sommerman (2002, p. 9-10) explicitam a amplitude
com que vêem esse termo:
A Transdisciplinaridade é uma teoria do conhecimento, é uma compreensão de processos, é um diálogo entre diferentes áreas do saber e uma aventura do espírito. A Transdisciplinaridade é uma nova atitude, é a assimilação de uma cultura, é uma arte, no sentido da capacidade de articular a multirreferencialidade e a multidimensionalidade do ser humano e do mundo [...]. A transdisciplinaridade transforma nosso olhar sobre o individual, o cultural e o social, remetendo para a reflexão respeitosa e aberta sobre as culturas do presente e do passado, do Ocidente ao Oriente, buscando contribuir para a sustentabilidade do ser humano e da sociedade.
A transdisciplinaridade aproxima-se da idéia da transversalidade que, segundo
Assmann (1998), é um termo que se tornou uma metáfora para a não-linearidade,
uma lógica do transitar, transmigrar, um modo de pensar e agir segundo uma
racionalidade em trânsito. Esse conceito sugere romper com a hierarquia e a
linearidade dos saberes e possibilitar que seu fluxo tome qualquer direção,
eliminando as fronteiras entre as disciplinas.
Ao se pensar no conhecimento curricular, a transversalidade possibilitaria o
rompimento das fronteiras entre as disciplinas, que perderiam seu território e
permitiria o livre trânsito pelos diferentes saberes, bem como a busca de respostas
para assuntos complexos que hoje permeiam nossa realidade.
Cabe destacar que, apesar de o termo transversalidade ter penetrado no discurso
das reformas educacionais, inclusive brasileira, como os Temas Transversais dos
Parâmetros Curriculares Nacionais, há uma enorme diferença entre o conceito aqui
76
apresentado e o presente na proposta do MEC, em que os temas transversais se
resumem a uma tentativa de colocar em prática a idéia de multidisciplinaridade, em
que assuntos de interesse social são abordados por diferentes disciplinas, mas a
estrutura básica do currículo, em disciplinas, permanece a mesma, diferente do que
preconiza esse conceito que visa a romper com essas estruturas.
Outro desafio para os/as educadores/as apontado por Tristão (2002) seria superar a
pedagogia da certeza, sustentada pela racionalidade instrumental, inscrita no
paradigma da modernidade, no qual se acreditava que o conhecimento científico era
o provedor de verdades absolutas. É tempo de pensar uma teoria comunicativa,
interativa com as práticas sociais e assimilar a idéia de um conhecimento que se
tece em redes de saberesfazeres cotidianos.
Trazendo essa reflexão para a idéia da complexidade, preconizada por Morin, a
autora coloca que o desafio é estabelecer um diálogo entre a certeza e a incerteza.
Saber lidar com a incerteza do conhecimento, quer dizer, fomentar a capacidade de
ver o mundo como sistemas complexos, para compreender a indeterminação, a
interdependência e a causalidade múltipla entre os diferentes processos.
Diante da complexidade da sociedade contemporânea e diante do caráter integrador
do meio ambiente que permite estudar, conhecer e buscar alternativas em todas as
dimensões da sociedade, o último desafio que Tristão (2002) propõe é lutar contra a
lógica da exclusão, dentro de um contexto mais amplo, presente e localizado na
sociedade brasileira.
A sustentabilidade, princípio da Educação Ambiental, tem como fundamento superar
a exclusão, o que implica eliminação das desigualdades sociais, entre classes,
povos e nações, no sentido de abolir a pobreza e de garantir condições dignas para
todos, o que vem na contramão da globalização, que é centrada na economia,
enquanto a concepção da sustentabilidade supera em muito essa visão.
Os desafios aqui apresentados são apenas alguns dos inúmeros outros que instigam
a nós, educadores/as, não somente no campo da Educação Ambiental, mas na
Educação como um todo.
77
As discussões em torno dessas questões perpassam desde o discurso de teóricos
da educação aos “sujeitos praticantes encarnados” que vivem o cotidiano das
escolas, perpassando pelos espaços de formação de professore/as. É importante
que se promova uma aproximação entre os diferentes níveis de percepção e
realidade em que se situam esses sujeitos, para o enfrentamento desses desafios.
78
5 ESPAÇOSTEMPOS DE (CON)VIVÊNCIAS NA ESCOLA
Nos capítulos anteriores, tentei explicitar os fundamentos teoricopráticos e
metodológicos que se entrelaçam na tessitura desta pesquisa e, a partir dela, da
minha constituição como pesquisadoraeducadoraambiental. A partir desse ponto,
passo a focalizar as experiências vividas no cotidiano da pesquisa.
Para dar visibilidade a momentos significativos de (con)vivência na escola
pesquisada, privilegiarei as narrativas das professoras, as imagens captadas por
mim com a máquina fotográfica, as descritas no diário de campo e as que ficaram
registradas em minha memória. Algumas dessas imagens, capturadas em
fotografias, estão ilustrando os contextos narrados neste capítulo.
5.1 IMAGENS DO ESPAÇOTEMPO ESCOLAR
Nossa vida é marcada por múltiplas e variadas imagens cotidianas. Essas imagens,
que emergem do nosso cotidiano, convidam-nos a ver, ouvir, cheirar, provar, sentir.
Além disso, como afirma Alcântara (2001, p. 88) “[...] as imagens são detonadoras
de emoções, têm o poder de despertar a memória das experiências acumuladas
dentro de nós, trazendo à tona registros de lugares e tempos já vistos e vividos”.
Assim, ao fechar os olhos, minha memória traz imagens e emoções do lugar, das
pessoas e de situações vividas durante meu tempo de pesquisa na escola.
Descreverei algumas dessas imagens da escola, a começar pelo espaço físico.
O Centro Municipal de Educação Infantil “Ana Maria Chaves Colares”11 está
localizado no bairro Jardim Camburi, na Cidade de Vitória – ES. Apesar de o bairro
ser considerado de classe média, essa escola fica numa região mais periférica do
11
Em função de citar o nome da escola repetidas vezes, irei denominá-la simplesmente de CMEI Ana Maria.
79
bairro e recebe uma clientela bem heterogênea, no que se refere à classe social das
famílias.
Na ocasião da pesquisa, o CMEI Ana Maria ainda estava funcionando num espaço
alternativo, com parte da construção em madeira. Esses espaços alternativos para
os CMEIs eram comuns em anos passados, mas não são uma realidade atualmente,
pois a maioria dos CMEIs estão instalados em ótimos espaços físicos.
Elair, pedagoga do CMEI Ana Maria, conta um pouco dessa história:
[...] o espaço que ocupavam os CMEIs eram sempre espaços alternativos e alguns são ainda hoje. Eu estou há 16 anos na educação infantil e estou há 16 anos em espaço alternativo. Eu não sei se é ironia do destino, ou o que é, mas está bom, a gente faz desse alternativo um lugar prazeroso, onde as crianças estão felizes.
Elair descreve bem a proposta da escola em tornar o espaço alternativo um espaço
prazeroso, não só para as crianças, mas para toda a comunidade escolar e foi o que
percebi nos meses em que estive na escola. Apesar do espaço “alternativo”, a
escola é colorida, com árvores, plantas ornamentais, painéis pintados nas paredes,
em um clima de muito respeito e carinho entre as pessoas.
O CMEI Ana Maria funciona em dois turnos, matutino e vespertino, possui cinco
turmas em cada horário, assim denominadas: Berçário II (crianças com 2 anos),
Maternal (3 anos), Jardim I (4 anos), Jardim II (5 anos) e Pré (6 anos).
Cada turma possui 25 crianças. Nas turmas de berçário tem duas professoras, nas
turmas de maternal tem uma professora e uma estagiária e nas demais turmas
apenas uma professora. Integram-se a essa equipe a diretora, duas pedagogas e
duas professoras dinamizadoras, uma em cada turno. A escola conta também com
cozinheiras, auxiliares de serviços gerais e agentes de segurança. Todos interagem
com as crianças e participam do processo educativo.
80
Figura 1: Espaços de convivência
Entrada da escola
Atividade cultural no pátio interno
Crianças brincando no pátio externo
Sala do Berçário
Sala do Pré
Lanche coletivo no refeitório
81
Além das cinco salas, a escola possui um pátio interno coberto, um pátio ao ar livre
com areia e brinquedos, um refeitório, uma sala de informática, uma sala de vídeo,
uma sala de artes e uma quadra. Possui também banheiros, cozinha, sala das
professoras, pedagogas e sala da diretora.
Como toda escola, o CMEI Ana Maria tem uma rotina com horários estabelecidos.
Logo ao chegar, as crianças vão ao refeitório lanchar, uma turma de cada vez,
acompanhada pela professora, depois há momentos de sala, de pátio interno e de
pátio externo (se não estiver chovendo) e, no fim do período, fazem outra refeição
(almoço ou jantar).
Não sei se é só em função do tamanho dos ambientes, mas cada turma ocupa um
espaço por vez, por isso há pouco contato entre as turmas, exceto em algumas
atividades coletivas, nas atividades culturais e nos ensaios para esses eventos. Em
função disso, as crianças se relacionam basicamente com os colegas de sua faixa
etária, além dos adultos.
Também as professoras têm poucos momentos de interação. As segundas-feiras no
primeiro horário, que dura uma hora, é o momento destinado para estudo e
planejamento coletivo. Mas esse tempo é pouco e acaba sendo ocupado com
informes e discussões mais gerais em torno do planejamento que é detalhado,
posteriormente, entre cada professora e a pedagoga.
As professoras não se encontram nem no horário do lanche, porque cada uma tem
seu horário em separado, horário em que outra profissional da escola está com a
sua turma. Não há o momento coletivo do “recreio” nem entre as turmas, nem para
as professoras. Exceto uma vez por mês, às sextas-feiras, quando há o “lanche
coletivo”. Aliás, é só nessas ocasiões que as professoras podem comer com as
crianças, pois o alimento preparado diariamente na escola é, exclusivamente, para
as crianças. Ao que parecia não era uma decisão baseada na escassez de alimento,
apenas no cumprimento irrestrito da lei. Ocasionalmente, percebia algumas “burlas”
ao sistema, quando uma professora ou a pedagoga pegava um pedaço de bolo, por
exemplo.
82
No pátio interno, acontecem várias atividades, em alguns momentos mais
direcionadas e, em outros momentos, as crianças têm a liberdade de escolher as
próprias brincadeiras e o fazem em pequenos grupos. O pátio externo é sempre
para brincadeiras livres, onde as crianças usam a areia e o parquinho com toda a
imaginação, inventando e ressignificando brincadeiras, na verdade, elas o fazem
sempre que lhes permitem os adultos.
Além desses, há outros espaços pedagógicos, como as salas de vídeo, de artes e
de informática, que é pouco usada, porque a maioria das professoras não conhece
os programas educativos dos computadores adquiridos pela municipalidade, pois
não fizeram o curso de formação a esse respeito e não há nenhum profissional
especificamente responsável por esse espaço para orientar as professoras. A
orientação é dada pelas pedagogas com o que apreenderam na formação sobre o
uso dos softwares pedagógicos adquiridos pela SEME.
Cada turma tem uma sala, especialmente “decorada” pelas professoras, onde se
encontram brinquedos, livros e uma série de outros materiais pedagógicos, de
acordo com a faixa etária das crianças. No Berçário, por exemplo, grande parte do
espaço é coberto por um tapete de emborrachado onde as crianças realizam muitas
práticas. Já no Pré, encontramos carteiras organizadas em pequenos círculos onde
as crianças realizam as atividades individuais e coletivas.
5.2 SABERESFAZERES NA/DA ESCOLA: A EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM FOCO
Ao apresentar os saberesfazeres que se tecem e se entrelaçam à Educação
Ambiental no cotidiano da escola pesquisada, gostaria de esclarecer que meu intuito
não é classificá-los em uma ou outra tendência, mas dar visibilidade a essas
práticas, tentando compreender como acontecem e como são percebidas pelas
professoras que as realizam. Por isso, este tópico será apresentado por meio das
narrativas das professoras e de minhas considerações acerca do que está sendo por
elas narrado.
83
Como em outros centros de Educação Infantil, no CMEI Ana Maria, as atividades
são organizadas em de projetos. Há um Projeto Pedagógico principal de onde
derivam os demais projetos da escola e os projetos de cada turma, além do projeto
das professoras dinamizadoras.
Para contar como esses projetos acontecem e se articulam no cotidiano da escola,
utilizarei as narrativas de algumas das protagonistas dessa história. Suas falas
foram capturadas nas conversas gravadas com as educadoras. Tais relatos
demonstram como elas percebem as ações desenvolvidas e as intencionalidades ao
fazê-las.
Assim, convido Elair, que é a pedagoga do turno matutino e está nesse CMEI há
mais de 16 anos, e Alessandra, que atua como professora dinamizadora em um
turno e é professora do Berçário em outro turno, para nos contar sobre os projetos
da escola.
Logo ao iniciar, Elair nos diz:
O Projeto Pedagógico da escola é o projeto Se essa rua fosse minha, que é todo voltado para a Educação Ambiental. Nós trabalhamos sempre a questão ambiental aqui na escola, porque não tem como a gente desvincular a criança desse contexto. Então, nós escrevemos esse projeto, porque a gente entendeu que uma criança que está aqui, na escola, no trajeto de casa para a escola, ela caminha, ela vê coisas. Então, é importante que ela saiba cuidar desse espaço aqui e do espaço onde ela interage, porque, a partir do seu conhecimento, do lugar onde ela vive, que ela precisa começar a aprender a cuidar. Aprende a cuidar dela e a cuidar do espaço onde ela está.
No relato de Elair, fica claro que a Educação Ambiental é o foco central do projeto
pedagógico e não uma questão periférica, como é tratada em muitas escolas. Esse
projeto é o principal de onde derivam os demais. Desse modo, a Educação
Ambiental está entrelaçada a todo fazer cotidiano da escola e não é vista apenas
como uma atividade extra ou pontual de uma ou outra professora.
84
Reafirmando o que nos relatou Elair, a professora dinamizadora Alessandra conta
sobre seu envolvimento nesse projeto:
No segundo ano que eu estava aqui, fui convidada para ser professora de projeto, na época tinha essa denominação. Então, eu e a Clarisse começamos a desenvolver um projeto que a escola já tinha, que é o Projeto Pedagógico Se essa rua fosse minha, que trabalha com a questão do meio ambiente, até o subtítulo dele é Acreditando que olhando o mundo como nosso nos relacionaremos com ele com mais cuidado. Nós iniciamos o trabalho com as crianças e com as professoras em relação a essa conscientização com o meio ambiente, essa busca por uma melhoria de vida dentro e fora da escola, incluindo também as famílias. Isso foi em 2004.
Alessandra nos dá uma visão mais profunda do projeto, quando revela o seu
subtítulo, apontando a questão do “cuidado”, já discutido em páginas anteriores
deste estudo, como um dos princípios fundamentais da Educação Infantil e da
Educação Ambiental. O “cuidado” como essencial em nossa relação com o “outro” e
com o planeta, para a reversão da atual crise socioambiental.
Alessandra também menciona que o início do projeto foi anterior a 2004, o que
demonstra que não foi um projeto que norteou a CMEI em um dado momento ou
ano, mas um processo que vem se constituindo ao longo dos anos, com alguns
enfoques específicos em cada ano, como ela continua contando:
Em 2004, nós trabalhamos com a Agenda Ambiental e foi um ano muito proveitoso, onde tivemos a colaboração dos pais. Inclusive montamos uma equipe de pais para trabalhar com a gente e tínhamos o apoio também de uma equipe da Semmam trabalhando com a gente. Nós desenvolvemos vários projetos e saímos um pouco com esses projetos para fora da escola. Fizemos a Caminhada do Xô Cocô e a Caminhada do lixo separado. As crianças trabalharam muito com a gente e as famílias também. Foi um projeto muito legal!
Interessante constatar que o projeto conseguiu envolver as famílias e extrapolar os
muros da escola. As famílias, professoras e crianças atuaram juntas na resolução de
problemas ambientais da escola e da comunidade. Um processo educativo
integrando adultos e crianças no exercício da cidadania. Esse é um caminho
desejável para os projetos de Educação Ambiental.
85
“”
Figura 2: Portfólios com os projetos da escola
Apresentação teatral na Feira do Verde
Projeto “É tempo de pintar um mundo melhor”
Caminhada do Xô Cocô
Caminhada do lixo separado
Capa do portfólio do Projeto Institucional
Equipe da escola
86
Elair detalha uma dessas ações e fala do apoio recebido com uma parceria:
Já tivemos, dentro desse projeto, várias ações interessantes, como passeatas pelas ruas do bairro, como a do Xô Cocô, onde as crianças fizeram bandeirinhas com mensagens e fincavam a bandeirinha em todo o lugar que tinha cocô de cachorro na rua, foi muito bom. Esse projeto foi realizado com o pessoal da Semmam, que veio dar apoio aqui pra gente e em outros projetos também. Nós fizemos atividades nos parques de Vitória, visitamos hortas. Todos esses projetos, todos os projetos das salas, estão em torno desse maior, que é o Se essa rua fosse minha.
Elair e Alessandra lembram do apoio recebido pela equipe da Semmam. Essa
equipe de técnicos do Departamento (atualmente Gerência) de Educação Ambiental
atuava no já citado Projeto de Educação Ambiental nas Escolas. Acompanhavam os
projetos das escolas, planejando, disponibilizando materiais educativos e realizando
atividades em conjunto com as professoras. Essa experiência vivida pelo CMEI está
registrada no livro “Contando o passado, encantando o presente”, o último livro do
projeto, lançado pela Semmam no final de 2004, conforme relembra Elair:
Eles faziam visitas mensais à escola, nos forneciam vários materiais educativos e ofereciam cursos com relação a vários temas, como:: resíduos sólidos, meio ambiente. A Semmam lançou até um livro contando as experiências das escolas e o nosso projeto está nesse livro.
Infelizmente, em função das mudanças ocasionadas por uma nova gestão municipal,
em 2005, o projeto desenvolvido pela Semmam foi interrompido, o que não impediu
que o CMEI Ana Maria continuasse sua caminhada.
Alessandra segue seu relato sobre o trabalho realizado por ela e pelas outras
professoras dinamizadoras (de projeto) nos anos de 2005 e 2006:
Em 2005, trabalhei também como professora de projeto, com outra professora, que é a Graciela. Nós demos continuidade ao projeto, só que não trabalhamos com a Educação Ambiental fora da escola e, sim, dentro da escola. Nós montamos um projeto com quatro focos diferentes: música, pintura, artes cênicas e poesia. Primeiro trabalhamos com música Construindo um mundo novo através da música. Nós trabalhamos com as turmas músicas que falavam sobre o meio ambiente, sobre a questão da preservação, desde o berçário
87
até o pré. No segundo semestre, trabalhamos com pintura. Foi um trabalho fantástico, as crianças adoraram. Nós selecionamos telas de vários pintores famosos que retratavam o meio ambiente, natureza morta, algumas com frutas. Fizemos um trabalho muito legal com o projeto É tempo de pintar um mundo melhor, onde trabalhamos com as telas, com mosaicos e, no final do ano, cada criança pintou sua camiseta, encerrando essa parte do projeto. Já no meio de 2005, mudou a denominação de ‘professor de projeto’ para ‘professor dinamizador’. Em 2006, como professoras dinamizadoras, eu e Viviane pegamos os outros dois focos do projeto que havia sido proposto em 2005. No primeiro semestre, trabalhamos com as artes cênicas Com a arte construímos um novo mundo, com temas diferentes em cada turma: animais em extinção, o pré trabalhou muito com a questão da ecologia, da conscientização. Fizemos uma avaliação no fim desse primeiro semestre e vimos que tivemos um retorno muito bom das turmas. As crianças mudaram o comportamento e as atitudes em relação ao que a gente trabalhou. E a proposta para o segundo semestre é trabalhar com poesia Fazendo história, traçando destinos, também voltado para o meio ambiente. Estamos pensando em criar poesias com as crianças. Só que eu estou encerrando meu período aqui no Ana Maria como professora dinamizadora, continuarei apenas em um turno como professora da turma do berçário II, onde já atuo. No outro turno, irei trabalhar na Prefeitura da Serra, pois fui nomeada pelo concurso público que fiz lá. Espero que a próxima professora que vier dê continuidade a esta parte do projeto para fechar esse ciclo que se iniciou em 2004, que é um pensamento e uma criação nossa.
Um importante ponto a se observar na fala de Alessandra é a continuidade que o
Projeto Pedagógico “Se essa rua fosse minha” vem tendo ao longo de três anos,
especialmente, por meio dos subprojetos realizados pelas professoras
dinamizadoras.
Um fator a se considerar nessa continuidade é a permanência de muitos
profissionais na escola. Em meu entendimento, projeto são pessoas. Os projetos
das escolas são o reflexo da equipe de profissionais que atuam nela; se muda a
equipe muda o projeto. É comum vermos projetos de Educação Ambiental nas
escolas que se perdem quando os professores mais envolvidos saem da escola.
No final de seu relato, Alessandra demonstra certa preocupação com a continuidade
do projeto realizado pelas dinamizadoras, visto que deixará de atuar nele. Nos três
anos a que ela se referiu, atuou com diferentes colegas em cada ano. Era ela a
referência da continuidade e agora deixará de ser. Como encerrei minha pesquisa
de campo nesse mesmo período, não posso afirmar se esse projeto teve
88
continuidade, mas, em função da minha convivência com a pedagoga e com a outra
professora dinamizadora, acredito que o projeto teve continuidade, sim.
Outro ponto que considero importante, no que se refere ao Projeto “Se essa rua
fosse minha” e os subprojetos que o compõe, é que os fundamentos norteadores da
Educação Infantil (definidos no RCNEI), que são também importantes fundamentos
da Educação Ambiental, como os princípios éticos da autonomia, da solidariedade,
da responsabilidade e do respeito ao bem comum; os princípios políticos dos direitos
e deveres de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à democracia; e os
princípios estéticos da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da diversidade
de manifestações artísticas e culturais, perpassam todo o projeto.
Dando continuidade, Elair destaca outros projetos institucionais que possibilitam a
interação família escola:
O Sábado Feliz é outro projeto já instituído no calendário de atividades da escola. E é sempre com a proposta de atividades educativas de confecção de brinquedos usando materiais descartáveis. Nesse dia, os pais vêm à escola e participam de várias oficinas de confecção de brinquedos. É impressionante ver um pai, um avô com uma agulhinha na mão costurando uma bonequinha [...]. Tudo feito com material descartável, com coisas que se joga fora: é copo descartável, é garrafa pet, é o resto de linha, de lã, uma tampinha, então a gente junta isso tudo e faz coisas interessantes. As crianças levam aquilo para casa com o maior carinho.
Esse projeto destaca a importância do brincar, aproxima as famílias da escola e dá a
oportunidade de as crianças brincarem com suas famílias, fato que, para muitas, não
é freqüente. Além disso, promove uma reflexão sobre os hábitos de consumo na
medida em que dá visibilidade à grande quantidade de resíduos sólidos que
descartamos e evidencia que as crianças não precisam de brinquedos caros para se
divertir. Sem contar que uma bonequinha ou um cavalinho-de-pau confeccionado
por um avô ou por uma mãe, é um brinquedo que, no campo das relações afetivas,
não tem preço.
89
Figura 3: Atividades culturais com participação das famílias
Apresentação do Jardim 2 na “Sexta Cultural” (2005)
Apresentação do Maternal na “Sexta Cultural” (2006)
Participação ativa da diretora no “Sábado Feliz”
Animação das pedagogascom o sucesso do evento
Confecção de brinquedos nas oficinas do “Sábado Feliz”
Integração entre crianças, familiares e profissionais da escola
90
Elair relata também sobre a “sexta cultural” que é outro projeto incluído no
calendário anual de atividades da escola:
A sexta cultural está dentro do projeto pedagógico, atendendo a toda questão pedagógica do dia-a-dia. As professoras trabalham com a questão social, com a questão ecológica, a questão das relações, conforme for à história. Trazem a história para a vida prática, para a nossa vida e daí montam a peça de teatro junto com as crianças. Nós fazemos as roupas e as crianças apresentam o resultado do trabalho. Toda sexta-feira tem uma peça de teatro diferente, cada sexta é uma turma, se alguma sexta não tem, elas cobram. As apresentações são feitas no final de cada turno. A turminha daquele dia se apresenta para as outras turmas e para os pais que são sempre convidados para assistirem às apresentações.
A ênfase desse projeto está nos princípios estéticos de sensibilidade, criatividade,
ludicidade e diversidade de manifestações artísticas e culturais. As crianças se
acostumam, desde cedo a encarar o público, quer sejam as crianças das outras
turmas, quer sejam os familiares presentes. Muitas dessas apresentações eram de
temas ambientais tendo em vista que estavam inseridas no contexto de estudo das
crianças.
Uma questão que me incomodava era o fato de alguns pais ou outros parentes não
participarem desses momentos na escola. É certo que a maioria deles não podia
estar lá em função do horário de trabalho, impedindo que participem de momentos
tão significativos para as crianças. Para mim, era difícil ver a tristeza e a decepção
de algumas crianças, quando não viam seus pais na platéia. Restavam a elas o
consolo, os elogios e o carinho da professora.
As apresentações da “sexta cultural” estão sempre ligadas ao projeto que as
professoras desenvolvem com as turmas. No ano de 2006, muitos projetos estavam
conectados com o tema “Horta”. Algumas turmas cultivaram uma horta, outras
enfocaram as frutas e a alimentação saudável, uma turma de pré plantou e cuidou
de um milharal e a outra identificou, pesquisou e experimentou as frutas existentes
na escola. Eu contribuí com esses projetos disponibilizando materiais educativos e
trocando idéias com as professoras. Dentre eles, o projeto “Milharal” do Pré matutino
91
e o projeto “Árvores da escola”, do Pré vespertino, foram os que acompanhei mais
de perto.
A professora Alessandra também era a responsável pela edição de um jornal mensal
produzido na própria escola em que a mascote é a personagem Aninha, criada por
ela a partir dos desenhos das crianças.
A Aninha é a minha mascote, eu até brinco [risos]. As vezes o pessoal fala assim: ‘Ah! a Aninha é só da Alessandra’. Eu sou meio possessiva com a Aninha. O jornal foi um sonho que se realizou, foi uma coisa que eu sempre quis fazer e, em 2004, eu fiz uma proposta. Eu e a Clarisse abraçamos o jornal, que é o Mensaninha, um jornal mensal. Começamos em julho de 2004 com a primeira edição. A princípio, houve um descrédito, alguns pais até vieram procurar a gente falando: ‘Será que vai sair a edição do mês que vem?’ Na verdade, as pessoas não acreditavam muito, porque é uma coisa que dá trabalho, tem que correr atrás dos projetos, de foto, e o tempo é muito curto dentro do CMEI, as coisas acontecem muito rápido, mas a gente conseguiu. Trabalhamos metade de 2004, em 2005 e até agora, em 2006, estamos dando continuidade. Então o Mensaninha é uma forma de mostrar para as famílias o que acontece dentro do CMEI, porque, muitas vezes, os pais deixam a criança aqui, mas não sabem o que está acontecendo. Então é uma forma de mostrar os nossos projetos, as nossas ações, o que tem acontecido e o que vai acontecer. Tem uma parte do jornal que é o “Fiquem ligados”, que fala o que vai acontecer durante o mês, os aniversariantes. Então é uma forma de estar em comunicação direta com as famílias e com a comunidade de forma geral.
Considero essa iniciativa interessante, na medida em que cria um canal de
comunicação entre escola e comunidade, reafirmando o jornal como importante
instrumento de comunicação e informação. Além das noticias sobre a escola, alguns
números trazem informações relacionadas com a questão ambiental. Também há
um espaço destinado ao desenho das crianças.
Ao final de cada ano, é realizada, na escola, uma Mostra Cultural quando são
apresentados alguns dos trabalhos produzidos pelas crianças no decorrer dos
projetos, além de apresentações teatrais. Em 2005, o tema da mostra foi “Meio
Ambiente: fazendo a nossa parte”.
92
Figura 4: Projetos desenvolvidos pelas turmas de Pré
A turma do Pré matutino cuidando dos pés de milho que plantaram
A turma do Pré vespertino(re)conhecendo as árvores frutíferas da escola, como a figueira e o tamarineiro
93
Figura 5: Mostra cultural do CMEI em 2005
ANINHA, a mascote do CMEI
Exemplares do Jornal do CMEI
Mosaicos produzidos no Projeto“É tempo de pintar um mundo melhor”
Apresentação teatral na Mostra Cultural
Instrumentos musicais feitos com sucata
94
Para o desenvolvimento dos projetos de Educação Ambiental, muitas escolas do
município de Vitória, sejam CMEIs, sejam EMEFs, contam com o apoio da
SEMMAM, conforme já foi relatado e do “Programa de Comunicação Ambiental” da
Companhia Siderúrgica Tubarão (CST), atualmente denominada Arcelor Mittal
Tubarão, devido à junção dessas empresas.
O CMEI Ana Maria já pôde contar com o apoio dessas duas instituições, conforme
destaca Elair:
Às veze,s nós temos algumas parcerias para apoiar nossos projetos. A Semmam foi a primeira parceria que nós tivemos, acrescentou muito. [...] E com a CST nós temos uma parceria onde estamos tendo muitas atividades, muitos eventos, inclusive atendimento às crianças, que eu estou achando fantástico, na horta educativa e no borboletário. E, para nós, profissionais, são oferecidos cursos e seminários de Educação Ambiental e também aprendemos a fazer papel reciclado. Vem um baú interativo para a escola com várias propostas interessantes e nós estamos usufruindo desse material que fica um tempo aqui na escola. Esse baú circula em todas as escolas que têm parceria com o programa.
Alessandra também comenta a importância dessas parcerias:
Outra coisa que a gente viu que foi importante para a escola e para mim, enquanto profissional, foram as parcerias que nós firmamos para o desenvolvimento desse projeto. A princípio, a Semmam nos ajudou muito, nos auxiliou. Tivemos essa parceria durante dois ou três anos. Nós tínhamos o apoio da equipe, eles vinham aqui, nós íamos até lá. Foi muito legal, porque nós tivemos uma ajuda de fora. Porque, às vezes, a gente fica muito envolvida na escola e não sabe o que está acontecendo do lado de fora. Quando a gente tem essas parcerias, eles podem nos trazer coisas novas e a gente faz essa troca. Troca de experiências até por formações diferentes que as pessoas que trabalham lá têm. E também a CST que a gente tem parceria já há três anos e proporcionam cursos para os professores. São oportunidades que, às vezes, nós não temos. Através desses cursos, nós tivemos um grande crescimento também. Eu participei de um seminário o ano passado durante três dias, com pessoas de renome, como Leonardo Boff. Então eu acho que essas parcerias são importantes para o crescimento da escola, para o nosso crescimento e para o nosso projeto, porque têm tudo a ver o que a gente tem trabalhado com o que a gente vê nesses cursos.
95
Para o desenvolvimento do “Programa de Comunicação Ambiental”, a empresa
conta com um Centro de Educação Ambiental com trilha interpretativa, borboletário,
horta educativa, auditório e amplas salas para a realização de cursos e oficinas.
Além disso, o programa possui um Baú Interativo, que circula entre as escolas de
Educação Infantil e uma Banca, para as escolas de Ensino Fundamental, contendo
uma série de materiais educativos como livros e vídeos. No dia em que a Banca ou
o Baú chegam à escola, é realizado um momento de festividade com uma
apresentação teatral, contratada pela empresa.12
Para os professores, são oferecidos seminários, cursos e oficinas, com os temas:
Introdução e Planejamento em Educação Ambiental, Resíduos Sólidos, Horta
Educativa, Ecossistemas do Espírito Santo, Musiculturarte (projeto realizado com o
grupo capixaba Moxuara), dentre outros. Em seu relato, Alessandra destaca a
importância desses cursos para sua formação (continuada). Tanto o “Projeto Escola”
da Semmam quanto o “Programa de Comunicação Ambiental” da CST possuem um
enfoque na formação continuada dos professores.
Outro ponto a destacar na fala de Alessandra e que era um diferencial no “Projeto
Escola” é o acompanhamento técnico realizado por uma equipe multidisciplinar nas
escolas participantes do projeto. Era um processo de “fazer com”, uma interação de
saberesfazeres entre os educadores da Semmam e os educadores das escolas, que
se configurava também como um processo de formação continuada para ambos.
Pelas narrativas de Elair e Alessandra, podemos perceber como a Educação
Ambiental vem sendo tecida no cotidiano desse Centro de Educação Infantil, onde
se estabeleceu um processo contínuo marcado por algumas características
importantes, dentre os quais podemos destacar: a institucionalização da Educação
Ambiental por meio do Projeto Pedagógico da escola; o envolvimento das famílias
nos projetos da escola; a contribuição de instituições pública e privada no
desenvolvimento dos projetos e nos processos de formação continuada das
professoras. 12
O programa também possui o “Teia Ambiental”, um jornal mensal de divulgação das ações e dos projetos realizados pelas escolas. Infelizmente, em função das mudanças ocorridas na empresa, em 2007, só foi publicada uma edição comemorativa dos dez anos do programa.
96
5.3 ACONTECIMENTOS VIVIDOS DENTRO E FORA DA ESCOLA
Durante minha trajetória de pesquisa no CMEI Ana Maria, experimentei momentos
significativos envolvendo as crianças e as professoras. Acontecimentos que
“emergiram” no sistema complexo da escola possibilitaram o surgimento de
qualidades novas na interação entre as partes constituintes do todo (a escola).
A emergência é uma qualidade nova com relação aos componentes do sistema. Ela tem, portanto, virtude de acontecimento, já que ela surge de maneira descontínua uma vez que o sistema já está constituído, ela tem certamente o caráter de irredutibilidade; é uma qualidade que não se deixa decompor, e que não se pode deduzir de elementos anteriores (MORIN, 2003, p. 139).
Esses acontecimentos, que surgem de maneira descontínua e imprevisível no
cotidiano complexo da escola, “[...] não se constituem em documentos mas em
signos, que não nos apresentam argumentos mas sentidos [...]”, como afirma Pérez
(2003, p. 100).
Os acontecimentos percebidos e vividos na escola foram registrados no “diário de
campo”. Alguns deles serão aqui apresentados para exemplificar contextos em que
“emergiram” valores e saberes da Educação Ambiental e da Educação Infantil, como
os que se referem ao “cuidado” com o outro.
As escolhas e os comentários acerca dos acontecimentos são decorrentes do meu
modo de ver, sentir e interpretar o mundo. E, é claro, do tipo de pesquisa que escolhi
realizar, que considera o cotidiano como espaço privilegiado onde são vividas as
redes de saberesfazeres.
Na perspectiva da pesquisa no/do/com o cotidiano, é necessário estar, vivenciar,
interagir e não apenas passar pelos espaços pesquisados. Também é preciso
experimentar uma forma de “ver” que seja capaz de enxergar a complexidade da
realidade que se apresenta diante do nosso olhar, não se colocando como
espectador de um mundo ilusório criado por outros olhares e não se imobilizando
diante do que se vê. “[...] Ver é tornar-se capaz de perceber as alternativas e
97
complexidades presentes no cotidiano, mesmo quando não queremos vê-las”
(MONTEIRO, 2001, p. 28).
Foi exercitando essa forma de “ver” o cotidiano da escola, que procurei compreender
os acontecimentos apresentados abaixo.
5.3.1 O menino que catava pedrinhas
Numa das vezes em que acompanhei a turma do pré matutino ao milharal, observei
um menino que estava um pouco isolado do grupo. Ele estava catando pedrinhas.
Primeiro as escolhia e depois as guardava em um pedaço de papel toalha já um
pouco rasgado pela sua fragilidade. Então me aproximei, mas ele não foi muito
acessível. Fiquei curiosa em saber o que iria fazer com as pedrinhas. Ele disse, meio
desconfiado, que iria levar para casa. Mas eu não entendi o que iria fazer com elas.
Depois de um tempo de aproximação, ele deixou que eu o ajudasse a guardar as
pedrinhas, pois umas e outras acabavam caindo do papel.
Nesse dia, estava fotografando as crianças no milharal. Inicialmente ele se
esquivava para não ser fotografado, mas depois permitiu que eu o fotografasse. Algo
nessa criança me tocou, mas, até então, eu não compreendia bem o porquê.
Dias depois, a professora Valéria entra na sala dos professores trazendo essa
criança aos prantos e a entregou à pedagoga Elair. Eu estava na sala e, pelo que
pude entender nas entrelinhas do diálogo entre as duas, aquele fato já havia
acontecido outras vezes. Elair pegou a criança no colo e sentou com ela no sofá
tentando acalmá-la, pois chorava compulsivamente, mas tudo que dizia ou fazia
parecia ser em vão. Subitamente senti uma dor angustiante no peito e percebi que
Elair também experimentou a mesma sensação.
Depois de certo tempo, Elair mudou de estratégia e resolveu deixar o menino
sentado no sofá quietinho e saiu um pouco de perto, ao passar por mim disse
98
baixinho: “Ele está com dor é na alma”. Essa frase me tocou profundamente, tanto
pela dor e sofrimento daquela criança, quanto pela sensibilidade daquela educadora.
Aos poucos, ele foi se acalmando. Eu não resisti e me aproximei. Qual não foi minha
surpresa, quando vi que, em suas mãos, estavam as pedrinhas enroladas no papel
toalha. Mais uma vez, tentei ajudá-lo a catar as pedrinhas que caíam do papel
rasgado e meio esfarelado pela umidade de suas mãozinhas. Ofereci outro papel,
mas ele não aceitou. Achei melhor não insistir e deixei-o quietinho. Após algum
tempo, já mais calmo, voltou para a sala.
Depois que ele saiu, corri até Elair para perguntar sobre o menino. Então comecei a
compreender o que se passava, pois essa criança morava em uma “Casa Lar”, um
abrigo para crianças que aguardam por adoção ou pela reestruturação de suas
famílias. Essa criança, antes de ir para a “Casa Lar”, chegou a viver na rua e não se
sabe ao certo todos os tipos de violência a que foi submetida.
Esse acontecimento, ainda hoje, me inquieta, pois traz à tona questões sociais para
as quais não tenho resposta. A cada dia que olhava para o semblante triste daquela
criança, mais me indagava sobre o meu papel na sociedade e sobre o papel social
da escola. Como nós, educadores, que somos parte do sistema complexo que é a
escola, nos posicionamos diante das múltiplas realidades e contextos de vida que se
entrelaçam dentro e fora da escola?
Nesse episódio, muitas perguntas ficaram sem resposta, mas, para mim, a mais
intrigante é: o que significavam as pedrinhas para aquela criança?
5.3.2 Colo no planetário
Ao chegar à escola no dia 18 de novembro, fui convidada a acompanhar as turmas
do Jardim 2 e do Pré vespertino na visita o Planetário de Vitória, o que aceitei
prontamente.
99
A turma do Pré era tida como bem comportada e a professora conseguia manter as
crianças “na linha”; ao contrário, a turma do Jardim 2 era muito agitada e era
rotulada como a mais danadinha da escola.
Ao entrarmos no planetário, sentei ao lado de Guilherme, um dos “pimentinhas” da
turma do Jardim 2. Quando escureceu, para mostrar o céu estrelado,
surpreendentemente, Guilherme se curvou e deitou a cabeça na minha perna.
Toquei as costas dele e senti que ele se sentiu mais tranqüilo, mas me pareceu
estar com medo. Fiquei muito emocionada, como uma criança que teve pouco
contato comigo sentiu segurança em mim? Como será que ela me via?
Depois de certo tempo, uma coleguinha, que estava atrás, me disse que Isabela
estava com medo do escuro. Eu perguntei a ela se queria ficar comigo e ela, sem
hesitar, pulou para o meu colo e ficou tranqüila até o fim da sessão.
Guilherme, depois de algum tempo, não sei se por impaciência (30’ de sessão) ou
por ciúme da colega, começou a pedir para ir embora. Tive que ir administrando a
situação. Também Julia quis trocar de lugar com outra colega, sentando ao meu
lado e pegando na minha mão.
Ao terminar a sessão, retornamos à escola. No ônibus, durante o trajeto de volta, as
meninas continuaram perto de mim, já Guilherme ficou com sua turminha de
meninos. Nos dias seguintes, estabeleci uma relação mais próxima com essa turma,
inclusive com Guilherme, apesar de seu jeitinho meio desconfiado.
Um fato que me chamou a atenção naquele dia foi que as crianças com medo do
escuro, ou outros “medos”, recorreram a mim que era uma estranha para elas. Pelo
que observei, o mesmo não ocorreu com as crianças que estavam próximas às
quatro professoras da escola que as acompanhavam. Não consigo entender o
porquê desse fato, mas o que ficou marcado em mim foi a experiência de “cuidar”,
garantindo atenção e afeto naquela situação que gerou medo e insegurança nas
crianças.
100
Apesar de contextos bem distintos, os dois momentos relatados tratam das relações
humanas, especialmente as relações de “cuidado” de nós, adultos, com as crianças
e de valores que devem perpassar a Educação Infantil e a Educação Ambiental.
Valores como a compaixão, a solidariedade e a afetividade, que são essenciais para
fortalecer os laços entre nós, humanos. Valores que requerem uma sensibilidade
solidária para serem vividos em plenitude.
A sensibilidade solidária é uma forma de conhecer o mundo que nasce do encontro e do reconhecimento da dignidade humana dos que estão ‘dentro-e-fora’ do sistema social; um conhecimento marcado pela afetividade, empatia e compaixão (sentir na pele a dor do/a outro/a). Por isso mesmo é um conhecimento e uma sensibilidade que estão comprometidos, que vivem a relação de interdependência e mútuo reconhecimento de um modo existencial, visceral, e não somente intelectual (ASSMANN; SUNG, 2000, p. 134).
Nós, educadores, precisamos “conhecer o mundo” dessa maneira, para sermos
capazes de ver o que quem olha com os valores da cultura dominante não consegue
ver. Quer dizer, além de ver as coisas que são, também desejar e ver as coisas que
“ainda” não são, como as relações sociais que ainda não existem de fato, mas que
podem e devem vir a existir.
Para Assmann e Sung (2000), quando desejamos um mundo mais digno para
todos/as, produzimos e passamos a viver dentro de um horizonte de esperança e
utopia. Utopia no sentido de desejar um mundo que ainda não existe e que talvez
nunca venha a existir, mas que dá um sentido às ações que nascem de nosso
desejo de um mundo melhor. É nesse horizonte de utopia e esperança que nasce o
desejo de vivenciar a sensibilidade solidária, não só nas relações pessoais em um
pequeno grupo, mas em toda a sociedade.
É nesse horizonte que realimentamos o nosso desejo de um mundo mais solidário,
onde o “cuidado” e o “amor” sejam compartilhados entre os humanos, estendendo-
se a toda a vida que co-existe neste planeta.
101
Nos dois episódios relatados, ponderei sobre valores que permeiam a Educação
Ambiental e a Educação Infantil. Nos três episódios que se seguem, irei
problematizar como se configuram, no cotidiano da escola, as representações sobre
a relação ser humano e natureza, especialmente a relação com os animais.
5.3.3 Da utilidade dos animais
Nas conversas com as professoras, muitas vezes emergiam assuntos sobre os
conteúdos que estavam trabalhando com as crianças. Trocávamos idéias e, quando
possível, disponibilizava materiais educativos que eu já tinha ou que conseguia. Foi
numa conversa com a professora Cleide sobre a visão utilitarista que o ser humano
tem em relação à natureza, que me lembrei do texto “Da utilidade dos animais”, de
Carlos Drummond de Andrade13 e, no dia seguinte, levei para ela. Diz o texto:
Terceiro dia de aula. A professora é um amor. Na sala, estampas coloridas mostram animais de todos os feitios. É preciso querer bem a eles, diz a professora, com um sorriso que envolve toda a fauna, protegendo-a. Eles têm direito à vida, como nós, e, além disso, são muito úteis. Quem não sabe que o cachorro é o maior amigo da gente? Cachorro faz muita falta. Mas não é só ele não. A galinha, o peixe, a vaca... Todos ajudam. Aquele cabeludo ali, professora, também ajuda? Aquele? É o iaque, um boi da Ásia Central. Aquele serve de montaria e de burro de carga. Do pêlo se fazem perucas bacanas. E a carne, dizem que é gostosa. Mas se serve de montaria, como é que a gente vai comer ele? Bem, primeiro serve para uma coisa, depois para outra. Vamos adiante. Este é o texugo. Se vocês quiserem pintar a parede do quarto, escolham pincel de texugo. Parece que é ótimo. Ele faz pincel, professora? Quem, o texugo? Não, só fornece o pêlo. Para pincel de barba também, que o Arturzinho vai usar quando crescer. Arturzinho objetou que pretende usar barbeador elétrico. Além do mais, não gostaria de pelar o texugo, uma vez que devemos gostar dele, mas a professora já explicava a utilidade do canguru: Bolsas, mala, maletas, tudo isso o couro do canguru dá pra gente. Não falando da carne. Canguru é utilíssimo. Vivo, fessora?
13 ANDRADE, Carlos Drummond de. Crônicas 4. São Paulo: Ática, 1979.
102
A vicunha, que vocês estão vendo aí, produz... produz é maneira de dizer, ela fornece, ou por outra, com o pêlo dela nós preparamos ponchos, mantas, cobertores, etc. Depois a gente come a vicunha, né, fessora? Daniel, não é preciso comer todos os animais. Basta retirar a lã da vicunha, que torna a crescer... A gente torna a cortar? Ela não tem sossego, tadinha. Vejam agora como a zebra é camarada. Trabalha no circo, e seu couro listrado serve para forro de cadeira, de almofada e para tapete. Também se aproveita a carne, sabem? A carne também é listrada? Pergunta que desencadeia riso geral. Não riam da Betty, ela é uma garota que quer saber direito as coisas. Querida, eu nunca vi carne de zebra no açougue, mas posso garantir que não é listrada. Se fosse, não deixaria de ser comestível por causa disto. Ah, o pingüim? Este vocês já conhecem da praia do Leblon, onde costuma aparecer, trazido pela correnteza. Pensam que só serve para brincar? Estão enganados. Vocês devem respeitar o bichinho. O excremento... Não sabem o que é? O cocô do pingüim é um adubo maravilhoso: guano, rico em nitrato. O óleo feito da gordura do pingüim... A senhora disse que a gente deve respeitar. Claro. Mas o óleo é bom. Do javali, professora, duvido que a gente lucre alguma coisa. Pois lucra. O pêlo dá escovas é de ótima qualidade. E o castor? Pois quando voltar a moda do chapéu para os homens, o castor vai prestar muito serviço. Aliás, já presta, com a pele usada para agasalhos. É o que se pode chamar de um bom exemplo. Eu, hem? Dos chifres do rinoceronte, Belá, você pode encomendar um vaso raro para o living da sua casa. Do couro da girafa Luís Gabriel pode tirar um escudo de verdade, deixando os pêlos da cauda para Tereza fazer um bracelete genial. A tartaruga-marinha, meu Deus, é de uma utilidade que vocês não calculam. Comem-se os ovos e toma-se a sopa: uma de-lí-cia. O casco serve para fabricar pentes, cigarreiras, tanta coisa. O biguá é engraçado. Engraçado, como? Apanha peixe pra gente. Apanha e entrega, professora? Não é bem assim. Você bota um anel no pescoço dele, e o biguá pega o peixe mas não pode engolir. Então você tira o peixe da goela do biguá. Bobo que ele é. Não. É útil. Ai de nós se não fossem os animais que nos ajudam de todas as maneiras. Por isso que eu digo: devemos amar os animais, e não maltratá-los de jeito nenhum. Entendeu, Ricardo? Entendi, a gente deve amar, respeitar, pelar e comer os animais, e aproveitar bem o pêlo, o couro e os ossos.
Ao ler e refletir sobre esse texto com a turma do Pré, a professora Cleide possibilitou
que as crianças compreendessem que os animais e as plantas não estão no planeta
103
para nos servir e sim que fazem parte de uma teia complexa de vida e que os seres
humanos é que passaram a enxergá-los dessa forma. Foi interessante observar
como as crianças concluíram que a vaca, por exemplo, não produz leite para elas e
sim para amamentar seu bezerro e que nós é que nos apropriamos desse leite. E
que a galinha não põe ovos para nos alimentar e sim para gerar os pintinhos. O que
para nós pode ser óbvio é para a criança uma possibilidade de mudar ou ampliar
sua visão de mundo.
O texto retrata a visão antropocêntrica que só enxerga os animais e os demais
elementos da natureza como recursos a serem explorados pelos seres humanos.
Essa perspectiva está presente ainda hoje no imaginário e no discurso de muitas
pessoas e, o que é pior, está nos livros de ciências, quando, por exemplo,
classificam os animais em úteis e nocivos, desconsiderando as funções e relações
ecológicas que os conectam à teia da vida. Isso se deve à incapacidade de
compreender a relação entre as partes e o todo, conforme o “princípio
hologramático” (MORIN, 2005) da complexidade.
É importante questionar essa visão fragmentada e utilitarista que reafirma os valores
de uma sociedade capitalista, consumista e individualista, de um modelo
insustentável para a vida na Terra.
5.3.4 É o bicho
No final do ano letivo de 2005, propus às professoras realizar uma oficina educativa
de confecção de máscaras em cada turma. Cada professora escolheu entre o
caranguejo e o esquilo. Nas oficinas, eu contava uma história sobre o animal e o
ecossistema em que vivem e depois as crianças confeccionavam a máscara do
animal, recebendo a ajuda necessária de acordo com a faixa etária.
104
Figura 6: Convivência com as crianças nas oficinas educativas
Os “Bichinhos” do Berçário 2
As carinhas felizes do Maternal
A alegria do Jardim 1 durante a oficina
Os “caranguejinhos” comportados do Pré
... no final da oficina
O Jardim 2 no inicio e...
105
No dia 7 de dezembro, realizei a oficina de máscaras com a turma do Berçário 2. A
turminha ficou atenta enquanto eu contava a história, mostrando os coloridos
desenhos do livro “O Esquilo Esquecido”, de Ângelo Machado.14 Depois de falar
para as crianças sobre a importância ecológica do esquilo em seu ambiente natural,
cada uma pintou sua máscara de esquilo.
No final da atividade, já com a máscara no rosto, uma criança fez gestos e sons de
um animal feroz, dizendo que era “o bicho”. Eis que uma professora entrou na
brincadeira e, de repente, toda a turma estava correndo atrás da professora
gritando: “O bicho vai te pegar”.
Naquele instante, fiquei sem palavras, não consegui reverter a situação. Saí da sala
tentando disfarçar a frustração, afinal, a mensagem que eu queria passar é que o
esquilo é um animal que colabora com a dispersão de sementes na floresta e não
um animal que “pega” as pessoas.
Tal acontecimento me fez refletir sobre as representações que são conferidas aos
animais no imaginário das pessoas. Essa construção imagética se dá a partir das
experiências tecidas no mundo social e cultural.
No imaginário de uma criança de apenas dois anos, um animal silvestre já é visto
como selvagem e feroz, possivelmente em decorrência de histórias infantis que lhe
foram contadas, em que o lobo, por exemplo, é sempre mal, e também de situações
vividas com adultos que, para pôr medo nas crianças, anunciam “um bicho que vem
para te pegar”. Um bicho que, naquele momento vivido na sala, tomou a forma de
um esquilo.
Por outro lado, as crianças não demonstraram medo, entraram na brincadeira como
em revanche contra os adultos, pois, mascaradas de esquilo, eram elas agora quem
iriam “pegar”.
14
Ângelo Machado é autor de mais de 30 livros infanto-juvenis de cunho ecológico, sempre retratando animais da fauna brasileira.
106
No imaginário da professora, como ela “vê” o esquilo e outros animais? Não me
cabe julgar a atitude da professora naquele momento, mas preocupa-me a visão em
relação aos animais, muitas vezes equivocada, que professoras/es e outros adultos
passam para as crianças. Essa visão, presente no imaginário de muitas pessoas,
como já mencionado, decorre do antropocentrismo e do utilitarismo. Desse modo, os
animais são caracterizados e classificados de acordo com as relações que os
humanos estabelecem com eles.
Em muitas histórias infantis, os animais são os personagens principais. Contudo, na
grande maioria dessas histórias, os animais apresentam características e
sentimentos humanos, o que, por um lado, estabelece uma identificação deles com
os humanos e, por outro lado, reafirma a arrogância da visão antropocêntrica que
impõe aos outros seres características que são suas.
Além de darmos aos animais características que são humanas, damos de volta
essas características aos humanos (quando queremos menosprezá-los), como se
fossem características dos animais, por exemplo, quando dizemos que alguém é
falso como uma cobra, sujo como um porco ou chamamos alguém de burro.
Assim, essa visão antropocêntrica vai sendo incorporada involuntariamente pelas
crianças nas experiências cotidianas vividas nos vários espaçostempos da vida
social. Reverter essa lógica antropocêntrica dominante, que impõe a supremacia de
“alguns” homens (os que têm muito capital) em relação a outros seres (que têm
pouco ou nenhum capital) humanos e não humanos, é um dos desafios da
Educação Ambiental.
5.3.5 Cuidando dos pintinhos e aprendendo com eles
Marlene, a professora do Maternal (crianças com 3 anos), levou dois pintinhos para
a sala causando grande euforia nas crianças. A partir dessa motivação inicial,
107
surgiram várias perguntas e curiosidades das crianças, que foram norteadoras das
atividades subseqüentes propostas pela professora.
Nos primeiros dias, as crianças cuidaram dos pintinhos, que foram batizados de
Julia e Floribela, num cantinho da sala. Depois, cada uma levou um pintinho para
passar o dia em sua casa e trazia no dia seguinte o relato de como tinha sido a
visita. Além da vivência do “cuidado”, a professora enfocou as características das
aves, como se alimentam, se reproduzem, dentre outras curiosidades apontadas
pelas crianças. Elas fizeram dobraduras (origami) do galo, da galinha e dos pintinhos
e outras atividades relacionadas com o tema.
Depois que o assunto foi trabalhado, os pintinhos foram colocados numa área
cercada, no pátio da escola, próximo à cozinha. As crianças continuaram a ter
contato com eles. Mesmo já franguinhos, sempre via uma criança próxima a eles.
Nessa vivência, as crianças tiveram a oportunidade de cuidar, interagir e conhecer
um animal “vivo”. Pintinhos e outros animais presentes no cotidiano de crianças que
vivem no meio rural não fazem parte dos contextos cotidianos dessas crianças que
moram em apartamentos nos centros urbanos. Essa possibilidade de contato é mais
freqüente com animais “domésticos”, como cães e gatos.
Nas escolas, é comum estudar os animais por meio de fotografias ou de vídeos, ou,
ainda, mortos e descoloridos nos vidros com formol. Melhor seria se as crianças
tivessem a oportunidade de conhecer os animais em seu habitat e percebessem
como estão conectados à teia de vida, ao contrário da forma descontextualizada
como eles geralmente são estudados.
Essa realidade foi vivida por mim até no curso de graduação. Durante o Curso de
Biologia (ciência da “vida”), só estudava os animais mortos (empalhados ou em
formol) ou, então, matávamos para estudá-los. Numa das poucas vezes em que
fomos a campo, os monitores jogaram timbó, um líquido que mata os peixes por
asfixia, numa das piscinas naturais que se formam na praia de Manguinhos, para
que pudéssemos ver a diversidade de peixes que (não mais) existia ali. Felizmente,
pelo que soube, essa prática não acontece mais.
108
Ao problematizar os limites da Educação Ambiental na escola, em sua pesquisa de
mestrado, Leite (2004) identificou, como um dos pontos limitantes, a visão de
natureza como algo exterior ao indivíduo, exemplificando com alguns fragmentos
das falas das crianças e da professora que se referiam a “coisas da natureza” ou a
“devolver para a natureza”, como se não fizessem parte dela.
Alguns dos fragmentos apresentados pela autora me chamaram a atenção, porque
demonstravam o oposto das situações que eu vivi no CMEI em que realizei a
pesquisa, especialmente porque a escola pesquisada pela autora também era de
Educação Infantil. Num desses fragmentos em que uma criança leva uma abelha
que sua mãe havia matado para a sala, a professora, depois de orientá-la a
“devolver para a natureza”, diz às crianças que só podem levar algum animal para a
escola se o encontrarem morto e que não deviam matar para levar para a escola.
Apesar de a professora não estimular que as crianças matem animais, trabalha na
perspectiva de conhecer um ser “vivo” com ele “morto”, bem diferente da perspectiva
de trabalho da professora Marlene, que possibilita que as crianças conheçam e
cuidem de um ser “vivo”.
Em outro fragmento, Leite (2004) traz falas das crianças sobre as características dos
animais, em que dizem que a galinha é útil. Quando a professora pergunta por que
ela é útil, as crianças respondem que é porque ela lhes dá alguma coisa. Assim
como ocorreu com o cavalo, que foi identificado pelas crianças como útil, porque
serve para levá-las para os lugares. Nesse relato, a visão antropocêntrica e
utilitarista em relação aos animais é reafirmada pela escola, ao contrário do episódio
“Da utilidade dos animais”, aqui narrado, em que a professora Cleide se contrapõe a
essa visão, possibilitando que as crianças tenham uma outra compreensão e uma
outra relação com os animais.
Os episódios problematizados são apenas fragmentos das inúmeras situações
vividas por crianças e professoras, que, como “sujeitos praticantes encarnados”,
reinventam, cotidianamente, maneiras de ensinaraprender, tecendo as redes
afetivascognitivas que os constituem.
109
Nas situações apresentadas, procurei destacar princípios e valores presentes nos
contextos cotidianos por mim vividos em um centro de Educação Infantil, que vão ao
encontro de uma Educação Ambiental crítica e emancipatória. Contudo, ao olharmos
atentamente para o cotidiano dessa e de outras escolas, veremos uma
multiplicidade de práticas que ora promovem um “conhecimento emancipação”
(SANTOS, 2000) em uma Educação Ambiental emancipatória e ora promovem,
mesmo inconscientemente, um “conhecimento regulação” (SANTOS, 2000) inserido
em uma Educação Ambiental conservadora.
Se pretendemos mudar a lógica desse modelo societário ainda dominante,
precisamos promover ações que potencializem as práticas emancipatórias dentro e
fora das escolas.
110
6 IDENTIDADES DE PROFESSORAS E IDENTIFICAÇÕES COM A
EDUCAÇÃO INFANTIL E COM A EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Na sociedade contemporânea, o papel dos/as professores/as vem sendo ampliado
cotidianamente, não bastando mais ensinar disciplinas estanques e
descontextualizadas. No momento de questionamentos sobre as velhas certezas
científicas e morais, incumbem aos professores que cumpram funções da família e
de outras instâncias sociais, como: a carência de afeto das crianças e adolescentes,
os problemas relativos às questões ambientais e às desigualdades sociais, a
violência e as drogas, enfim, a preparação para a vida social.
É nesse contexto complexo que se faz necessário ressignificar a identidade de
professor/a. Ensinar torna-se uma prática social, que exige posturas éticas, políticas
e solidárias. Ser professor/a hoje requer saberes múltiplos que perpassa desde o
científico até a sensibilidade e a criatividade para enfrentar a diversidade de
situações, seja no contexto escolar, seja fora dele.
Essas e outras questões se entrelaçam na construção das identidades dos/as
professores/as na atualidade. Identidades que se constituem em “[...] co-produção,
construção coletiva, com os outros, cujo espaço de constituição são as relações
indivíduos/sociedade, isto é, a intersubjetividade dos grupos sociais, suas crenças e
valores socialmente produzidos e partilhados” (CARVALHO, 2004b, p. 22)
Sendo assim, a identidade do sujeito não pode mais ser entendida como centrada,
unificada e estável, como pretendida pelo Iluminismo. Ao contrário, Hall (2004)
argumenta que, na atualidade, reconhecida por ele e outros autores como pós-
modernidade, o sujeito não possui uma identidade fixa ou permanente, mas é
composto por várias identidades, algumas vezes contraditórias, formada e
transformada continuamente nos sistemas culturais que nos rodeiam.
Hall (2004, p. 13) nos alerta que, “[...] à medida que os sistemas de significação e
representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade
111
desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais
poderíamos nos identificar, ao menos temporariamente”.
Há, portanto, múltiplas possibilidades de “[...] ser sendo si mesmo no cotidiano do
mundo” (PINEL, 2003), pois múltiplos sujeitos, contextos, saberes e fazeres se
imbricam na constituição das identidades humanas. Por isso me refiro a identidades,
no plural.
Nesse contexto de análise, entendo que as identidades do sujeito, além de múltiplas,
se (re)fazem durante toda sua existência, o que se aproxima da idéia de
“autopoiese” proposta por Maturana e Varela. A “autopoiese” é a produção de si
mesmo, um autofazimento que acontece na interação social.
De acordo com os autores:
Se o desenvolvimento individual depende da interação social, a própria formação, o próprio mundo de significados em que existe, é função do viver com os outros. A aceitação do outro é então o fundamento para que o ser observador ou autoconsciente possa aceitar-se plenamente a si mesmo. Só então se redescobre e pode se revelar o próprio ser em toda a imensa extensão dessa trama interdependente de relações que conforma nossa natureza existencial de seres sociais, já que, ao reconhecer nos outros a legitimidade de sua existência, o indivíduo se encontrará livre também para aceitar legitimamente em si mesmo todas as dimensões que atualmente possam ocorrer em seu ser e que têm origem precisamente no todo social (MATURANA; VARELA, 1995, p. 50).
A dimensão autopoiética do ser humano e dos outros seres vivos tem como
característica básica produzir-se continuamente nas imbricadas redes de interações.
Ampliando um pouco esse conceito, Tristão e Pinel (2005) falam da “auto-eco-
organização”, defendida por Morin, que considera também o meio ambiente em que
ocorrem essas redes de interações. A “auto-eco-organização” é entendida como um
movimento constante de desequilíbrio e reequilíbrio na relação dos sistemas vivos
com o meio ambiente.
112
Tristão e Pinel (2005, p. 14) concordam que é dessas vivências que o sujeito passa
a desvelar as múltiplas possibilidades de “ser sendo si mesmo no mundo”,
aprendendo sempre e que “[...] esse sujeito de múltiplas identidades é que vai
mostrar e construir as identidades da escola, da instituição complexa que se deseja,
revelando a que veio este sujeito”.
A fim de conhecer alguns aspectos que permeiam a constituição das identidades
das professoras que habitam o cotidiano da escola, realizei conversas com quatro
profissionais que foram escolhidas por serem representativas da diversidade
profissional que forma a unidade complexa da escola.
Elair é pedagoga com mais de 16 anos de atuação na Educação Infantil e está
nessa escola praticamente desde a inauguração; Alessandra é professora de
Berçário em um turno e professora dinamizadora em outro turno, onde atuou por três
anos; Marlene é professora do Maternal trabalhando nesse e em outros CMEIs há
alguns anos; e Cleide é professora de Ensino Fundamental e teve sua primeira
experiência na Educação Infantil no ano em que realizei a pesquisa (2006).
Ao narrarem suas histórias, suas práticas, as professoras ressignificam suas
experiências e as corporeificam por meio da linguagem. De acordo com Pérez (2003,
p. 105):
Na narrativa o cotidiano ganha forma de linguagem e as imagens traduzem formas de ser e viver, reminiscências elaboradas e reelaboradas, histórias revisitadas, paisagens de um espaçotempo de vida, de trabalho, de aprendizagem. Memórias, histórias e narrativas refletem e refratam o mundo cotidiano, criando na experiência e recriando na rememoração.
Três questões nortearam as conversas em que narraram suas histórias e vivências
com a Educação Infantil e com a Educação Ambiental. A primeira está relacionada
com o entrecruzamento de suas vidas com a Educação Infantil; na segunda questão,
contaram como a Educação Ambiental é tecida no cotidiano na Educação Infantil e a
outra questão refere-se à motivação para atuar na Educação Infantil e na Educação
Ambiental.
113
Cada uma das professoras, com sua forma própria de expressão, ao narrar e
reinventar suas histórias, produzem novos sentidos as marcas inscritas na memória,
pois, como afirma Pérez (2003, p. 103) “[...] o processo de tessitura das lembranças
é tramado pela utilização da memória, através da linguagem e dos sentidos, que
cada sujeito atribui aos fatos e acontecimentos vividos em sua trajetória pessoal-
social [...]”. É o que procurei apreender nas histórias contadas pelas professoras.
6.1 O ENCONTRO COM A EDUCAÇÃO INFANTIL
Na convivência com as professoras durante a pesquisa, puder observar como as
vidas de cada uma delas foi se entrelaçando à Educação Infantil e como todas têm
um profundo compromisso, (com)paixão e amor pelas crianças. Esses sentimentos
ora estarão implícitos, ora estarão explícitos nas narrativas das professoras que
apresento a seguir.
Ao narrar seu encontro com a Educação Infantil, Elair conta um pouco da própria
história da Educação Infantil no município de Vitória:
Minha história é muito longa. Comecei no CMEI no início dos anos 1990. Eu vim pro CMEI não foi por acaso, eu vim mesmo como desafio, pra conhecer um pouco dessa clientela, desse outro trabalho, que, na época, tinha uma proposta. E, quando eu comecei, era uma situação que não era muito fácil, porque tinha desafio demais, era conteúdo que a gente não sabia exatamente o que trabalhar com as crianças, porque para mim antes era só brincar, brincar, brincar. Não quero dizer que o brinquedo não seja uma coisa extremamente importante na vida da criança, claro que é, mas elas precisavam de algo mais, como a questão de organização de espaço, de tempo, o contexto social no meio onde vivem [...]. Enfim, foi uma história onde nós passamos por muitos espaços e o trabalho pedagógico foi fluindo dentro da possibilidade, dentro da situação, não deixando de lado todo o contexto que a gente estava vivendo. Também buscando as famílias pro contexto da escola, trabalhando a criança, a família e o lugar onde estavam vivendo, porque não tem como você trabalhar com uma criança isolada do contexto. Dentro da possibilidade que a gente tinha, ia fazendo um trabalho de conscientização para a vida, para o mundo,
114
para a criança, para a família, para o espaço que elas ocupavam dentro e fora da escola.
Elair relata as dificuldades encontradas quando aceitou, não por acaso, o desafio de
atuar como pedagoga na Educação Infantil. Nesse período, estava ocorrendo a
transição do atendimento às crianças, no município de Vitória, passando da
Secretaria de Assistência Social para a Secretaria de Educação. Transição também
de um enfoque assistencialista para um enfoque educacional, ainda cheio de
dúvidas e incertezas. Mas, mesmo em meio às incertezas, Elair procurava envolver
as famílias e contextualizar o aprendizado das crianças, aspectos considerados de
suma importância ainda hoje.
No início da década de 1990, ainda não havia a nova LDB (1996) e o RCNEI (1998)
que norteiam a Educação Infantil no Brasil. Apenas a Constituição Federal (1988) e
o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) garantiam a Educação Infantil como
direito das crianças, mas ainda numa perspectiva assistencialista. Em Vitória, a
Rede Municipal de Educação passou a contar, já em 1992, com uma Proposta
Curricular Para a Educação Infantil.
Marlene, ao relatar sua história, também fala da transição da perspectiva
assistencialista para a educacional e como ela percebe essas mudanças:
Eu comecei a estudar magistério pelo incentivo de uma cunhada, que via o modo como eu tratava meus filhos e dizia que eu tinha tudo para fazer magistério. Eu não conhecia nada de magistério, mas fui fazer e me apaixonei, porque, quando eu entrei, mudou a linha de trabalho com o construtivismo. Só que as pessoas fizeram uma leitura do construtivismo e eu não vi da forma como os outros viram. Na minha visão, os alunos têm o poder de decidir, de falar, de se expressar, coisa que na minha infância eu não tinha. Eu fiquei reprovada no 1º ano acho que uns três anos, porque eu entrava e saía muda da sala, porque a professora não dava esse espaço. Durante o curso de magistério, surgiu a oportunidade de fazer um curso de berçarista e fui, por incentivo da diretora da escola que eu estudava. Depois, fiz o concurso público e entrei na Educação Infantil e me apaixonei porque vi o potencial que aquelas crianças tinham e estava sendo perdido dentro de uma creche, porque quando eu comecei há doze anos atrás, ainda era creche. Graças a Deus, deixamos de ser creche e passamos a ser Centro de Educação Infantil, que é diferente de creche, porque a creche é tomar conta, é socializar e o centro educacional trabalha o pedagógico, deixa essa criança trazer o que ela conhece, aprender o que ela está querendo descobrir. A gente vai
115
facilitando, vai encaminhando para ela descobrir o que está buscando e isso é muito bom. Eu vim para este CMEI em 2002. Nós funcionávamos em uma casinha alugada, pequenininha, tinham só cinco turmas também, mas eram salas miudinhas, que só tinham 15 crianças e eu cheguei e peguei o berçário, eu e mais uma companheira. Era muito gostoso de trabalhar, porque o berçário também é muito bom.
Elair fala de uma “proposta” e Marlene dá nome a ela. Essa proposta era o
construtivismo,15 que foi incorporado pela Rede Municipal de Educação,
acompanhando um movimento nacional da educação. Marlene comenta sobre a
“leitura” que muitos professores fizeram do construtivismo, deixando implícito que
considera essa leitura equivocada. Também eu, que na época estava iniciando
minha atividade docente e vivenciei esse período em que tudo girava em torno do
construtivismo, mesmo as práticas tradicionais e as práticas descompromissadas em
que o aluno (já que era o responsável por sua aprendizagem) fazia como queria e
“não podia” ser corrigido, o que, para mim, demonstrava uma interpretação errônea
do construtivismo.
Elair segue seu relato mencionando como a Educação Infantil foi se configurando ao
longo de sua trajetória na Rede Municipal de Vitória:
[...] Porque a gente acredita que uma criança, ela é pequena, mas ela é tão sábia que a gente às vezes não consegue dimensionar a sapiência dela, às vezes a gente não consegue alcançar, e isso é uma coisa que não podemos esquecer de jeito nenhum. Daí vamos trabalhando os conteúdos inerentes, próprios da idade. A gente estuda muito também, discute com os colegas, discute com a própria Prefeitura. Eu sei que até hoje a evolução da Educação Infantil está muito grande, mas eu, enquanto pedagoga, nessa trajetória toda, eu percebo que existem coisas que poderiam ser melhores, porque hoje existe uma preocupação muito grande em alfabetizar uma criança de cinco, seis anos. Então, a maneira como isso é colocado, nem sempre a criança está pronta, ela chega aqui, devido à condição dela, da família, o espaço que ela ocupa dentro da família, ou se a família tem que sair para trabalhar e ela fica praticamente por conta de empregada ou de outra pessoa, se não tem espaço para brincar, para liberar sua energia. Eu penso que a escola é o lugar onde a criança precisa interagir, onde ela precisa se soltar mais, colocando essa energia para fora e por isso eu acho que a gente deve manter ainda na pré-escola uma atividade muito lúdica, não negando, é claro, a
15 “[...] Nessa abordagem, o conhecimento é construído pela criança num complexo indissociável de interações com o meio físico e social, promovido pela ação. Sujeito de seu processo, ela constrói por si própria valores e regras [...]” (RODRIGUES; AMODEO, 1998, p. 9).
116
alfabetização, não negando o letramento, não negando nada que ela queira saber. A criança tem que ter o desejo de saber e não ser forçada, de jeito nenhum.
Se, no início, a Educação Infantil tinha um caráter assistencialista, atualmente
preocupa Elair o excessivo enfoque no cognitivo. Ela chama a atenção para o
cuidado em respeitar a história de vida e o tempo de cada criança para a
alfabetização, não deixando de lado outros aspectos, como a socialização e o
brincar.
Elair também destaca que essa trajetória é marcada por estudos e debates entre os
profissionais que atuam na Educação Infantil e com a Secretaria de Educação,
possibilitando os avanços contínuos e a consolidação desse nível de ensino.
Já Alessandra conta outros aspectos de sua trajetória como professora em que
viveu experiências em vários níveis de ensino:
Eu comecei a trabalhar na área da educação com 17 anos, estava no último ano de magistério. Comecei a fazer magistério em São Paulo e depois vim para Vitória e foi aqui que comecei, trabalhando na Educação Infantil, com uma turma de jardim. Depois eu fiz o cursinho pré-vestibular e optei por fazer vestibular em Geografia. Então sou formada, licenciada e bacharel em Geografia, pela UFES. Durante o Curso de Geografia comecei a trabalhar com 1ª a 4ª séries. Quando estava no 5º período, fui trabalhar com 5ª a 8ª séries em escola particular. Tive a oportunidade também de trabalhar com outras turmas, já trabalhei com pré-vestibular, com supletivo de primeiro e segundo grau. Então, eu falo que sou privilegiada, porque pude atuar desde as turmas de berçário até turmas de pré-vestibular. E, com toda essa experiência, depois eu optei por trabalhar com a Educação Infantil. Em 2002, fiz concurso na Prefeitura de Vitória para professora e fui aprovada. Trabalhei primeiro em outros CMEIs e depois vim pro CMEI Ana Maria que é o atual, onde está minha cadeira.
É interessante notar, na fala de Alessandra, que trabalhar na Educação Infantil para
ela é uma escolha. Tendo ela curso superior em Geografia, poderia optar em atuar
em outros níveis de ensino.16 Mas, por que Alessandra fez essa opção? A essa
pergunta é ela mesma quem responde:
16 No Plano de Cargos e Salários da Prefeitura de Vitória, o salário dos professores é de acordo com a escolaridade e não com a série ou faixa etária em que atua, ou seja, o salário de Alessandra seria o mesmo se ela atuasse no Ensino Fundamental.
117
A minha maior motivação em estar na Educação Infantil é que, como eu pude ter experiência em outras áreas, eu pude escolher aquilo que realmente desejo fazer, porque, para mim, a Educação Infantil mostra resultados. Mesmo trabalhando em turmas como o Berçário 2, que eu trabalho atualmente, você vê o resultado da criança, vê o crescimento que ela tem. Então isso é muito gratificante, porque, quando ela passa para outra turma, no ano seguinte, você sabe que aquela criança avançou, que ela teve um crescimento e que você fez parte desse processo. E a gente tem o reconhecimento também das famílias [...]. Você vê que o seu trabalho cresce com a criança, você faz parte do crescimento dessa criança. E eu acho que é uma parte fundamental da vida da criança. Muitas vezes falam que, quando a criança fica mais velha, esquece da primeira professora, mas tem pais que fazem questão de lembrar. Eu tenho alunos que foram meus no Berçário e hoje estão na 5ª Série e até hoje ligam para mim para dar parabéns pelo dia do professor. São coisas que a gente vê que é recompensador. É muito prazeroso trabalhar na Educação Infantil, porque eu vejo esse retorno e é uma coisa que eu gosto de fazer, por isso fiz essa opção e pretendo continuar.
Nesse relato percebemos como “ser sendo si mesma professora de Educação
Infantil no cotidiano do mundo”, parafraseando Pinel (2003), é recompensa(dor),
prazeroso e gratificante para essa professora.
Alessandra destaca a importância do processo de desenvolvimento da criança
durante os primeiros anos de vida. Sente que contribui e faz parte desse processo.
Assim como Elair, comenta a importância da família no contexto da escola,
destacando a relação afetiva entre as famílias e as professoras, enquanto Elair se
refere à participação efetiva da família no processo ensinoaprendizagem.
Ao narrar como chegou à Educação Infantil, Cleide inclui, além do racional e do
emocional, a dimensão do sagrado:
Foi assim, eu não acredito em nada por acaso, eu tenho as minhas crenças e elas me apontam para umas coisas assim meio determinadas. Eu fui nomeada e fui escolher a escola. Escolhi essa escola porque a minha filha já havia sido aluna desse CMEI, em outra época, em outro espaço. Eu já conhecia a Elair, e a referência do trabalho da escola foi o que me chamou a atenção, aí vim bem destemida. Mas, quando cheguei, a turma que sobrou para mim era a turma do pré. Eu nunca tinha trabalhado com Educação Infantil, sou formada em História, fiz magistério há ‘300 anos atrás’.
Nesse fragmento da narrativa de Cleide, percebemos, como motivações afetivas, o
fato de sua filha já ter estudado na escola e de ela já conhecer a pedagoga, Elair,
118
motivações racionais como a referência do trabalho da escola e motivações numa
dimensão do sagrado em que ela afirma ter suas crenças e que estas lhe apontam
caminhos que são traçados com propósitos definidos e não por acaso. Tudo isso
perpassou a escolha da primeira escola de Ensino Infantil em que ela iria atuar.
Cleide já possuía alguns anos de experiência no Ensino Fundamental como
professora de História, mas fez o concurso público para lecionar em outros níveis de
ensino e foi chamada para trabalhar na Educação Infantil.
As narrativas das professoras contam diferentes histórias, em vários momentos e
contextos de vida, com diferentes formações acadêmicas e diferentes identidades,
que encontram a Educação Infantil, se encontram e encontram outros/as (num
determinado espaçotempo) constituindo a teia complexa da escola.
6.2 MOTIV(AÇÃO) E ENVOLVIMENTO COM A EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Outra temática narrada pelas professoras se refere ao despertar pela questão
ambiental e o envolvimento com a Educação Ambiental.
As professoras Cleide e Marlene contam suas histórias de vida familiar na infância
onde tiveram a oportunidade de brincar com terra, rio, plantas e bichos. Essas
vivências marcaram suas vidas e a relação delas com o meio ambiente, refletindo-se
na forma como vêem o mundo e o significam para as crianças.
Cleide nos diz:
E essa consciência da questão ambiental eu trago da minha família mesmo. Nós sempre moramos em casa com jardim, com pomar, tive esse privilégio. Eu brinquei muito na terra. Na minha casa, o lixo é todo separado, mesmo que a Prefeitura não tenha a coleta seletiva, nós separamos o lixo, as cascas vão pra horta, o plástico vai pra determinada sacola, o vidro vai pra outra. Sempre tivemos animais e nunca era só um, eram vários. Essa importância de amar os bichos, de amar as plantas, a relação com o meio ambiente sempre foi muito forte. Eu acho muito bom resgatar nas crianças o amor pela natureza
119
e o tempo todo não fazendo nenhuma separação entre homem, terra, bicho, planta, porque não é possível fazer essa separação se os elementos estão todos ligados.
A professora retrata sua relação com o meio ambiente e as ações cotidianas que
realiza em defesa do ambiente. Um ponto interessante dessa narrativa é quando ela
demonstra sua compreensão sobre a “teia da vida”, onde todos os elementos estão
conectados, sem distinção ou privilégio de nenhum.
Essa percepção de Cleide ficará evidenciada em outro fragmento de sua narrativa,
apresentado no item 6.3.2, onde ela conta sua experiência na Educação Infantil com
a Educação Ambiental.
Marlene, a professora que “vive com paixão sem perder a razão”, parafraseando
Joanir Azevedo, lembra de sua infância no interior e suas conversas com os filhos:
Quanto à minha paixão pelo meio ambiente, vem desde a infância, porque eu venho de uma família italiana do interior, pé no chão, de tomar banho de rio, subir em árvore, plantar, ver a planta crescer. E, quando eu tive meus filhos, vi que eles não tinham acesso àquilo que eu tive, de brincar na rua, de jogar amarelinha, de pique-alto, pique-bandeira. Eu sempre falava para eles que, se a gente não cuidasse bem do nosso planeta, ia chegar a um ponto que não ia poder nem respirar e, quando tivesse vontade de conhecer um tigre ou um beija-flor, nós íamos ter que ir para um cinema ou alugar uma fita para ver, porque chegaria uma época que o mundo não ia ter mais isso. O que é muito triste e por isso tínhamos que ter a consciência de preservar o nosso planeta. E que o mais triste de tudo seria se chegasse a um ponto de não ter água para beber, porque, sem tomar banho você ainda fica, mas sem beber água, não. E isso vem acontecendo no decorrer do tempo, antes mesmo de eu ser professora. E hoje eu tenho um filho que é técnico em meio ambiente e se apaixonou pela área também.
Paixão é uma boa palavra para se referir a Marlene. É a paixão que a move, paixão
pelas crianças, pelo meio ambiente, pelos filhos, pela vida. Ela se dedica
intensamente ao que faz com paixão, como quando costura as roupinhas que as
crianças usam nas apresentações culturais. Algumas vezes, gasta seu dinheiro para
comprar materiais para usar na escola e seus filhos a repreendem, talvez por ciúmes
por tanta dedicação da mãe às crianças da escola.
120
Mas essa paixão não a impede de ser racional, ao contrário, é um combustível.
Marlene é contestadora, é politicamente atuante, cria suas “táticas” em frente às
“estratégias” do sistema. Era com a razão que analisava, há anos, a extinção de
espécies e a escassez de água, gerada pela falta de cuidado do ser humano com o
planeta Terra. O cuidado é o cerne do seu trabalho e que ela possibilita que as
crianças vivenciem, ao cuidarem das plantinhas na horta ou dos pintinhos, como já
foi mencionado.
Diferente das professoras Cleide e Marlene, Alessandra teve seu despertar para a
Educação Ambiental quando cursava sua graduação:
Meu interesse em trabalhar com a Educação Ambiental começou no Curso de Geografia. No curso, tive algumas idéias daquilo que poderia fazer. Realizei vários trabalhos com turmas de 5ª a 8ª séries voltados para o meio ambiente, em conjunto com professores da área de ciências biológicas. Quando vim para o CMEI Ana Maria e conheci esse projeto, os olhinhos brilharam, porque eu vi um caminho aberto de um campo que eu poderia atuar e de coisas que eu sempre quis fazer. Hoje, trabalhando do Berçário até o Pré, como professora dinamizadora, vejo que o trabalho é amplo, não se fixa a uma turma, a uma atividade que vou desenvolver, mas é um processo.
Nesse fragmento, quero chamar a atenção para dois fatos. O primeiro sobre o papel
da formação inicial (acadêmica) que despertou em Alessandra o interesse pela
Educação Ambiental, e o outro para a identificação e o envolvimento da professora
com o projeto desenvolvido na escola, dois importantes contextos de formação em
Educação Ambiental. Os projetos em que Alessandra participou como professora
dinamizadora já foram por ela narrados no item 5.2.
E a pedagoga Elair, o que nos diz sobre sua motivação para atuar com a Educação
Ambiental?
Minha motivação para trabalhar com a Educação Ambiental vem da vida, o ambiente é vida, então não tem como negar, você tem que trabalhar. Tem muita coisa a ser feita, muita coisa, por mais que você trabalha você vê que está longe ainda de ser uma coisa eficaz. Fala-se no desmatamento, fala-se da falta de água, mas o que é que se está fazendo de fato para que, daqui a 20, 30 anos, isso não esteja acontecendo? A gente sabe da previsão que não terá mais água, mas o que é que a gente está fazendo para isso não continuar? É mais ou menos por aí. E eu acredito e o que me motiva muito a trabalhar com
121
a Educação Ambiental, nossa alma, nossa vida, é a criança, você trabalhar com a base, porque é aqui que a gente planta a sementinha. Se você lança essa semente aqui, você lança em solo fértil, que é trabalhar com a criança.
Elair sente-se (co)responsável pelo cuidado com a vida no planeta, por outro lado,
percebe que as ações realizadas pelos humanos têm sido pouco eficientes para
reverter o quadro de degradação ambiental. Sem se deixar abater com essa
constatação, focaliza seu trabalho na e para as crianças, que considera um “solo
fértil” para a Educação Ambiental. Mas só em alguns anos saberemos se as
“sementes” plantadas irão frutificar em cidadãos críticos e atuantes.
Com essa indagação, não quero dizer que a criança só vai ser e fazer no futuro. A
criança deve exercer sua cidadania e ser respeitada como “sujeito de direitos”,
participando ativamente da vida social. Já vi e ouvi inúmeros exemplos de como a
criança, na interação com a família, é agente de transformação de valores e atitudes
ambientalmente mais coerentes. Por isso me instiga saber como serão quando
adultos. Serão adultos comprometidos com a vida e com o Planeta Terra como
essas professoras?
6.3 HISTÓRIAS DE PROFESSORAS: ENTRELAÇANDO A EDUCAÇÃO
AMBIENTAL À EDUCAÇÃO INFANTIL
Uma das questões que me interessava investigar, desde o início desta pesquisa, era
justamente como a Educação Ambiental é tecida no cotidiano da escola, buscando
uma maior compreensão de como essas práticas acontecem nos fazeres da
Educação Infantil.
Nas narrativas das professoras essa questão emergiu em duas perspectivas
distintas. Elair e Alessandra falaram da inserção da Educação Ambiental no Projeto
Institucional e demais projetos desenvolvidos no CMEI, o que já foi contemplado no
item 5.2. De outro modo, ao narrar sobre essa questão, Marlene e Cleide enfocaram
122
suas vivências cotidianas com as crianças. Devido à riqueza desses relatos, optei
por apresentá-los separadamente e quase na íntegra, permitindo uma maior
visibilidade e compreensão dessas histórias.
É importante lembrar que, como seres humanos, atribuímos sentidos e significados
a tudo o que nos acontece, o que se externaliza em nossas narrativas. E, nesse
caso, o que me importa não é saber exatamente como aconteceu o fato narrado,
mas quais os sentidos atribuídos a esse fato por quem o está narrando. Na verdade,
ao comentar as narrativas das professoras, também eu apresentarei os sentidos
atribuídos por mim a essas histórias, que podem ter outros tantos sentidos
(re)inventados pelos sujeitos que o interpretam.
6.3.1 Entrelaçamentos cotidianos
Em nossa conversa, Marlene contou algumas das situações cotidianas vivenciadas
por ela no CMEI Ana Maria e em outro CMEI em que já atuou:
A gente recebe as crianças no começo do ano e elas estão inseguras, chorando, com medo das coisas. No decorrer do processo, vamos passando segurança e elas sentem que podem ir, que têm capacidade, que elas são pessoas e não são só crianças. Quando elas tomam essa consciência, já vão ao banheiro e voltam sozinhas, vão beber água e voltam sozinhas, elas começam a questionar o que você está falando, a debater com você [...]. Na Educação Infantil, quando você dá essas condições, como eu vejo as crianças, no final do ano, você percebe essa evolução. Eu acho isso muito legal, porque a gente percebe como aquele ser cresceu e ele foi crescendo por ele, porque eu não trago nada, eu só vou facilitando, orientando para eles irem em frente [...]. E o trabalho com as crianças é isso, porque elas têm essa vontade de entender o mundo, que espaço é este que elas ocupam, de onde vem esse verde, o porquê de estarmos falando disso ou daquilo, de entender como uma planta nasce, como vai parar no supermercado, de onde vem o que elas estão comendo. Elas querem saber as coisas mais simples, da forma mais simples. As crianças têm essa curiosidade e quando você vai trabalhando esse contexto, muda até a postura da família, como um pai que chega para mim e diz: ‘Minha filha não chupava abacaxi, hoje é a fruta preferida dela’. Então eu pergunto: ‘Mas você já tinha dado para ela experimentar?’ E ele responde que não. Quando você desenvolve
123
esse trabalho em que a criança experimenta, em que ela vivencia e você vai contextualizando todo esse processo, então a criança muda até o pensamento da família.
Nesse primeiro fragmento, a professora explicita como “vê” a criança, como a
respeita e a reconhece como “sujeito de direitos” de conhecer e interpretar o mundo
que a cerca. Possibilita que as crianças desenvolvam a autonomia, a segurança, a
curiosidade e a criticidade, importantes aspectos para a interação no convívio social.
Ao levar a criança a vivenciar e a experimentar, torna significativos os saberes
produzidos por elas. Saberes que chegam às famílias por meio das crianças nas
relações que se tecem entre escola e família.
[...] Para desenvolver nosso trabalho, a gente procura perceber a necessidade da criança e estuda também. Eu compro muitos livros, estou sempre indo a palestras, freqüentando congressos, para poder ter embasamento do que eu vou fazer. Me meto até em palestras de médicos, de psicólogos. Vou atrás para saber como fazer e trago isso tudo. Mesmo que a palestra seja voltada ao Ensino Fundamental, eu pego aquela sugestão de atividade e transformo para a linguagem do maternal. Todos os profissionais que trabalham com a Educação Ambiental na Educação Infantil vão buscar materiais no Ensino Fundamental e, às vezes, até no Ensino Superior e adaptam para a linguagem da criança, porque encontrar material específico para a Educação Infantil a gente não encontra. Então eu vou em busca e vou transformando o que encontro para poder dar continuidade ao trabalho.
Nesse relato, é possível identificar vários contextos de formação continuada na qual
a professora se envolve em sua permanente busca por novas possibilidades de
aprenderensinar, evidenciando seu engajamento profissional. Ela comenta sobre a
dificuldade em encontrar materiais didáticos de Educação Ambiental específicos
para a Educação Infantil. Essa dificuldade também é relatada pela professora
Cleide.
Na narrativa, é possível romper com a linearidade espaçotemporal, pois a memória
resgata a história, entrelaçando o passado, o presente e o futuro, como acontece na
conversa, quando Marlene rememora experiências vividas em outro Centro de
Educação Infantil.
124
[...] Antes daqui, eu trabalhei com Educação Ambiental com um grupo de professoras em um CMEI em Jesus de Nazaré. Nós começamos com um projeto de meio ambiente, realizando atividades com teatro, música e tudo mais. Daí nasceu o Zecológico,17 um boneco todo de material descartável. Trabalhamos o ano inteiro com ele e, no outro ano, ele arrumou uma namorada, a Recicléia, que também era feita de garrafas, latas e outros materiais descartáveis. Eles se casaram com padre, dama de honra, tiveram uma festa e receberam presentes de verdade. Quando foram para a lua-de-mel, um carro rodou com eles pelas ruas da comunidade. Depois fizemos uma caminhada pelas ruas do bairro com o Zecológico e as crianças para chamar a atenção das famílias para o problema do lixo jogado nas ruas e o esgoto lançado a céu aberto. Com o nosso trabalho, as famílias começaram a pendurar as sacolas de lixo no alto, foi uma postura que foi mudada. As casas e os terrenos ficaram mais limpos. No bairro, dava muito rato e a comunidade reivindicou que a Prefeitura buscasse o lixo lá em cima do morro e não deixasse amontoado para depois recolher, porque tem dificuldade do carro do lixo chegar até lá. Então foi uma mudança muito grande e depois veio o Projeto Terra que melhorou mais ainda. É uma pena que a Prefeitura tirou o Projeto antes de terminar o que tinha sido proposto. Com as ações do Projeto Terra e com o nosso projeto a comunidade estava tendo uma postura completamente diferente, estavam adquirindo conhecimentos para agirem como cidadãos e hoje eu não sei como está, porque faz três anos que eu mudei de escola. Para você ter uma noção da repercussão desse trabalho, teve um aluno nosso que, quando o prefeito esteve na escola, colocou um bilhete no bolso dele que dizia que ele precisava de um banheiro em sua casa. Pediu ao prefeito, em pleno evento em que as turmas estavam levando propostas. Então, quer dizer, uma criança que veio da época do Zecológico e hoje está no Pré teve a coragem de chegar para um prefeito e pedir ‘Na minha casa eu não tenho um banheiro e eu preciso, você, como prefeito, pode me ajudar?’ E isso veio através do trabalho de Educação Ambiental, uma criança que está tendo uma visão política e exercendo a cidadania. Ele foi questionar com a pessoa certa. Eu tenho consciência, e é isso que me deixa apaixonada, que eu plantei alguma coisa, porque o menino que pediu o banheiro ao prefeito foi meu aluno. Com isso o meu profissional não morre, por mais que tentem me podar dizendo que não vale a pena, que eu não ganho para isso, mas eu acho que eu plantei alguma coisa e estou vendo dar frutos. É por isso que eu sou apaixonada mesmo pela Educação Infantil, porque eu vibro com as crianças.
No ato de narrar sua história, Marlene vai tecendo uma rede de sentidos e
significados, desejos e utopias, que traduzem sua forma de perceber, interpretar e
viver no mundo.
17
Esse projeto está registrado no livro “Experiências bem sucedidas: um projeto inovador” do Projeto de Educação Ambiental nas Escolas, já citado.
125
O Projeto de Educação Ambiental mencionado envolveu as famílias e a comunidade
para a resolução de um problema socioambiental local, por meio de atividades
lúdicas com os bonecos de materiais descartáveis e ações de mobilização da
comunidade nas caminhadas e “empoderamento” para a reivindicação de melhorias
à administração municipal.
O exercício da cidadania é um dos focos da professora em seu trabalho em que
envolve as crianças e seus familiares, inclusive no que se refere aos hábitos de
consumo, que precisam ser repensados em prol da saúde individual, coletiva e
planetária, conforme pode ser percebido no relato abaixo.
[...] Lá, em Jesus de Nazaré, o trabalho tem que ser voltado para que eles exerçam sua cidadania para cobrar as necessidades básicas a que eles têm direito, enquanto que, em Jardim Camburi, o exercício da cidadania deve ser no sentido de melhorar a qualidade de vida para eles e para os outros que não têm. Então o meu trabalho é todo desenvolvido para que eles adquiram isso. Pensando no consumo, no mal que está trazendo certos tipos de alimentação, essa mordomia de não ter que lavar fralda, porque é mais fácil, mas quanto tempo a Terra vai ficar engasgada, é como eu falo para eles. As crianças chegam em casa e falam: ‘Mãe, dá para comprar esse aqui, porque esse outro aqui vai fazer a Terra ficar mais engasgada e mais doente?’ Então a criança passa a mudar uma postura dentro da família.
“A prática docente, em sua dimensão cotidiana, pode ser interpretada como
espaçotempo do movimento de fazer-se e refazer-se, intensamente vivido no
processo de fazer o mundo e produzir a história” (PÉREZ, 2003, p. 117). É nas mil
“maneiras de fazer” e reinventar cotidianamente sua prática docente, articulando a
Educação Ambiental à Educação Infantil, que Marlene produz história.
6.3.2 Fazendo o caminho ao caminhar
Neste item, apresento a história de Cleide em sua primeira experiência na Educação
Infantil, e também as incertezas do início, as preocupações e os desafios por ela
enfrentados, que tive a oportunidade de acompanhar de perto, inclusive do momento
126
em que chegou a pensar em desistir. Felizmente ela não desistiu, ao contrário,
construiu com as crianças um belo caminho durante a caminhada que trilharam
juntos.
Devido ao encadeamento que Cleide dá à narrativa, optei por apresentá-la em
grandes fragmentos, buscando dar a visibilidade ao processo vivido. Alguns trechos,
que serão comentados ao final, estão em negrito para facilitar a visualização.
Quando eu cheguei aqui, já havia tido uma reunião onde cada professora escolheu sua turma e me sobrou o Pré. ‘Foi você que pegou o Pré?’ ‘Ah! você pegou o Pré?’ Então foi aquela coisa que me chateou. Mas eu ficava brincando: ‘Gente, eu peguei o Pré, estou de cabelo em pé’. Eu não fiz questão de saber o porquê, quem era aluno bagunceiro, o que estava acontecendo, eu nunca procurei saber. Há! É difícil? Então vamos ver como são os alunos no primeiro dia de aula. E aí veio a greve e eu não conhecia a turma. Fui ficando temerosa, temerosa, temerosa. Até que, finalmente, esse dia chegou e eu encontrei minha turma. Realmente, eles só faltavam se pendurar no ventilador. Aí eu virei uma generala: ‘Levanta! Senta! Levanta o dedo pra falar! Eu não vou falar enquanto vocês não fecharem a boca’. E a gente ficou assim mais de um mês, até pra colocá-los em fila, porque o CMEI funciona assim, eles saem daqui da sala pra ir pro refeitório, os bebês estão no pátio, existe toda uma organização que é benéfica e as crianças precisam dessa rotina. Eu virei uma generala e isso me cansou tremendamente, e nesse mês que eu fiquei nesse embate o tempo todo, de horário, de senta, levanta, faz fila e tal, eu não pensei em conteúdo, mais eu não pensei justamente porque eu não dava conta de pensar mesmo. O que é que eu trabalho no Pré? Então a pedagoga me arrumou todo o material, o Projeto Político Pedagógico da escola, a proposta da Prefeitura, e eu que tenho um hábito de leitura já de alguns anos, comecei a ler vários materiais, mais esses materiais não me apontavam o caminho. Daí comecei a me desesperar, porque eu tinha feito um diagnóstico da turma e percebi que eles não registravam, que apenas um aluno lia e escrevia, alguns já conheciam o alfabeto, outros nem isso. E, pra mim, que tinha uma experiência com quem já registrava que, quando eu falava, o menino ia registrando, eu me apavorei. O que eu vou fazer com o menino que não registra e que não lê, o que eu vou fazer? Então eu percebi que quem ia me apontar o caminho eram as próprias crianças. No início, fiquei dando um material que não exigisse muito esforço delas. As crianças circulavam a letrinha do nome, circulavam a idade, mais aí eu não dormia à noite e ficava pensando no que fazer da minha vida, porque eu sabia que aquilo ali era insuficiente e eu comecei a me apaixonar muito pelas crianças. Cada uma me preocupava de uma forma. O Marcelo me preocupava de uma forma e o Felipe de outra, um registrando e lendo e o outro não reconhecendo nem a letra do próprio nome. Isso me deixava muito preocupada e aquilo começou a mexer muito comigo. Um belo dia, eu pensei: ‘Eu tenho que dar um jeito nisso’. Entrei na sala e falei: ‘Vamos conhecer a escola’. Eu não conhecia a escola, cheguei, já
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entrei na greve e não conhecia o espaço da escola. Quando eu estava no pátio com as crianças, percebi como era bonito, com grama, com plantas em vasos, com trepadeiras, árvores frutíferas. As crianças não faziam caso disso, isso não chamava a atenção delas. Então eu pensei em fazer um levantamento das árvores, das espécies que tinham no pátio e levar as crianças a gostarem disso, de ter árvore na escola. E a gente começou. Fomos conhecer o pé de tamarindo, o pé de figo, e isto também não bastava. Eu descobri que isso era insuficiente, insuficiente não no sentido produtivo, porque dá pra trabalhar com o pé de tamarindo o ano inteiro, com mil e uma coisas, mas isso não atende à demanda dos pais, que é uma demanda grande. Os pais querem exercícios, querem exercícios para casa, querem muitas coisinhas, querem projetos. A própria escola tem uma demanda de apresentação de teatro, de músicas, de festas, de comemorações que vai engolindo um pouco o profissional. Daí eu tomei uma decisão, assim bem imatura, eu não fiquei pensando muito no que fazer, eu falei assim: ‘eu vou trabalhar com a questão ambiental, porque ela é que me aponta, ela me aponta... caminhos: lúdicos, agradáveis, onde eu posso trabalhar a questão da consciência, a questão do afeto, tudo dentro dessa perspectiva’. E nós começamos e foi dando ‘pano pra manga’ e num ritmo muito rápido. Do tamarindo nós fomos pro figo e do figo rapidamente... mas aí eu percebi que a turma também tem um ritmo. Na verdade, é a turma que vai te dando o caminho. Para mim não existe projeto assim, como uma pessoa que diz: ‘Meu projeto é esse e eu estou caminhando assim’. Não, eu estou caminhando e o projeto vai se fazendo no caminhar dele. Então, a partir do levantamento das espécies de árvores da escola, foi me apontando outras coisas, foi apontando literatura, poesia, foi apontando posturas, foi apontando a questão da alimentação, foi apontando para as diferentes formas de viver, de moradia, de campo, de cidade, foi apontando a questão dos animais. Não existe um projeto anterior ao fazer, ao fazer cotidiano da sala de aula, ele vai acontecendo. [...] E eu fui me apaixonando, me apaixonando, me apaixonando e hoje eu estou ‘de quatro’ pelo pré [risos] e é uma relação de afeto muito forte, que eu não tenho nem palavras para expressar isso, porque eu sou de natureza introspectiva, sou até um tanto melancólica, é a minha personalidade, mas, com o Pré não tem como não se contagiar, porque eles estão prontos o tempo todo, estão ‘a fim’ o tempo todo, estão receptivos o tempo todo. E a dinâmica da Educação Infantil é uma dinâmica assim, ou você entra mesmo com tudo, ‘olho no olho’, ‘tô a fim’ e se apaixona mesmo ou você chega de fora e eles te põem pra caminhar. Quando eu estou sentada com uma criança, que a gente está escrevendo um texto sobre uma das árvores que a gente fez levantamento, o que esse momento traz, a riqueza desse momento, da fala da criança, a expressão corporal presente, porque elas não registram, ainda não registram o texto, mas o corpo inteiro fala, ela desenha, ela se estica. Se vai apresentar um teatro, ela se mostra toda. E quer fazer o carimbo da folha e quer provar o fruto. A experiência corporal é tão grande que com você também é. É o tempo todo encostando, o tempo todo você é tocado, o tempo todo você é solicitado e, no meio disso tudo, têm as cartinhas, têm os beijos, tem o choro, tem a pirraça, esquecem
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seu nome e te chamam de mãe. Eles falam mãe e só depois percebem que é a professora. E isso tudo foi me deixando muito à vontade, não pra me aventurar pelo conteúdo da Educação Infantil, mas de me arriscar a não ter que fazer, necessariamente, o que a Prefeitura determina ou o que outra colega está fazendo e, sim, fazer o que for interessante para eles e para mim, fazendo o registro quando isso for possível, respeitando o tempo de aquisição da leitura escrita de cada um [...]. Por exemplo, tem o texto da Luciele que mora num sítio. Ela tem acesso a plantas, a bichos, a rio, a um ar não poluído e esse texto vai sendo interpretado por dez atividades. A primeira foi selecionada para todos, porque o eixo da semana é o texto de Luciele e as outras atividades vão mudando de acordo com a demanda de cada criança. Sarah não lê o texto na íntegra, mas tem uma percepção melhor para fazer uma interpretação de texto com desenhos, com gravuras e tal. Gabriel não faz isso, quando eu leio o texto pra ele, a percepção dele é diferente, ele guarda pouquíssimas coisas, então eu não dou interpretação do texto pra ele, eu dou outras atividades com desenhos, com gravuras. Para o Filipe, eu dou todo o texto e ele lê tudo e lê pro grupo dele. Eu faço a leitura num grupo e ele faz no outro. Tem o Lucas também que lê e vai pra outro grupo, então nós somos vários leitores colaborando na turma, num clima de cooperação. O Lucas fica num grupo, isso já é uma coisa acordada entre nós, as crianças respeitam a leitura do Lucas. Filipe fica em outro grupo e Isabela, que já está lendo também, fica em outro. Ela aprendeu a ler tem um mês e meio e já está lendo bem, como ela mesma diz: ‘Eu leio corridinho’ [risos]. Porque ela lia prestando muita atenção em quantas vezes a boca abria e parava, porque ela não entendia o espaço, às vezes ela lia tudo junto, hoje ela está lendo ‘corridinho’ e reivindicou a ida dela para um grupo na hora das leituras. Então ficamos nós: eu, Filipe, Lucas e Isabela, cada um num grupo fazendo a leitura. Então, quando eu leio para Gabriel, ele tem uma demanda de atividades do texto diferente de outras crianças. Eu tenho que saber como tocá-lo e motivá-lo. Eu conheço o Gabriel, conheço cada criança e é muito sutil, eles não percebem que estão fazendo coisas diferentes, na verdade, isso é tão natural que não incomoda. A turma é muito tranqüila quanto à questão da competição. As crianças gostam de ajudar os colegas. Tenho que ficar vigiando, sobretudo aqueles que são mais espertinhos, porque eles terminam a atividade e encostam naquele que está com dificuldade e começam a fazer, tomam o lápis e fazem ou, então, pegam na mão do colega. Eu fico sempre de olho e falo: ‘Não é pra fazer pra ele, você pode ajudar, você pode sentar próximo, você pode ajudar a organizar o material que está espalhado, mas fazer pra ele você não vai poder, porque aí você não ajuda, você atrapalha’. [...] Quando comecei a fazer um levantamento de materiais aqui, na escola, eu não encontrava nada. Então comecei a fazer em casa no meu computador, mas, visualmente, era muito pobre, não foi porque eu não tentei. Minha filha de 13 anos me ajuda muito, porque eu sou muito ruim nisso. Consegui achar um desenho do tamarindo no computador, porque eu me recusava a colocar qualquer árvore, qualquer desenho que não fosse do tamarindo, porque eles iam saber que não era, eles iam comparar, eles viram a árvore ao vivo e a cores. Eu tentei desenhar, mas não ‘colou’, eles falaram que não era o
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tamarindo, tinha um desenho de uma criança que era muito melhor do que o meu. Eu ficava preocupada porque o atrativo visual, o lúdico, eles gostarem da atividade, isso é muito importante [...]. E eu queria encontrar atividades que mostrasse o homem integrado com o meio ambiente e não dicotomizando, separando. Mas os livros que encontrava eram muito pobres, a visão era sempre a pessoa separada do ambiente. Fui encontrando pouquíssimas coisas, como uma família num piquenique, num parque, que já era alguma coisa, até porque essa experiência de parque e praça é uma coisa muito presente nas crianças daqui, elas vão muito à Pedra da Cebola, à Fazendinha, ao Horto de Maruípe18 [...]. E o tempo todo em busca de material dentro dessa perspectiva de integrar o homem e o meio ambiente. Você também me arrumou material e eu comecei a perguntar as pessoas se elas tinham algum material em casa que pudesse me ajudar. E o que chegava era muito frio, por exemplo: um macaquinho, a palavra macaco, trabalhando só com a grafia da palavra, mas sem localizar aquele ser vivo no seu ambiente, nem no contexto das crianças e, assim, para as crianças isso não tem sentido. Onde você vê macaco? Ele não é doméstico, é um animal selvagem. Quando a gente encontra na casa das pessoas ele é prisioneiro. Ele pode até escrever macaco, mas, pra ele, macaco não vai ficar registrado, porque o macaco não tem história, não tem vida, ele está morto, é um conceito. Um dia eu estava limpando o armário da sala e um livro despencou na minha cabeça. Quando ele despencou, eu não dei muita bola. Mas, como eu acredito que as coisas não acontecem por acaso, pra mim elas sempre são determinadas por outras coisas que a intenção humana não alcança, eu sentei no chão, abri o livro e fui encontrando textos, textos de crianças que moram em sítios com pomares, de crianças que têm animais domésticos, crianças que se relacionam com plantas, famílias inteiras que saem de casa para ir pro campo, com sugestão de literatura, com poesias e parlendas envolvendo homem e natureza. Eu estou gostando muito do livro, gostando demais e vou tirando os textos com muitas discussões e as atividades também são muito boas. Como no texto de Luciele, que é um texto que eu gostei muito. A interpretação de texto não está lá assim: ‘Quem é o autor?’ ‘Circule o nome de Luciele no texto’. Não é assim, é: ‘Quem é Luciele?’ ‘O que Luciele sente ao morar no sítio?’ ‘Qual a fruta que ela mais gosta?’ ‘Qual o animal que lhe chama mais atenção?’ O que eu observei nos textos, sobretudo o de Luciele, é que ele trabalha com o sentido da percepção que Luciele tem do ambiente. São textos que a criança se identifica, por isso é muito gostoso. Eu gostei muito porque ele tem, como eixo, o meio ambiente, mas também as sensações, os afetos. Pergunta qual o animal preferido, qual o animal que tem medo, o que ela gosta de comer no pomar, se a casa dela fica mais perto do rio ou de uma árvore, sempre localizando Luciele dentro de um contexto, ela não está separada, ela não está olhando de fora. Não é aquela proposta de trabalhar a gramática, a língua, a escrita, o som das palavras, de forma fria, descontextualizada e é muito lúdico. Eu tô apaixonadinha no livro. Ele nunca traz essa coisa utilitária, não traz nem a planta nem os animais como uma coisa útil ou não útil, não tem isso, eu verifiquei com cuidado. O nome dos animais tem todos aqui, desde a cobra até o pato, mas eles não são
18
Parques Municipais de Vitória – ES.
130
classificados como bom ou ruim, mas com as características: grande, manso, feroz, veloz. E essa coisa da percepção, do sentido mesmo, é o cotidiano do homem o tempo todo atravessado pela questão ambiental.
A história vivida por Cleide, narrada em detalhes, nos mostra como as relações
tecidas no cotidiano da escola podem produzir redes de afetos e de saberes, em que
se respeita as crianças, reconhecendo suas diferenças.
Cleide se abre para o novo, deixa de lado as práticas conservadoras e
predeterminadas, como a concepção de alguns projetos. Ela acredita que os
projetos não devem ser feitos para as crianças, mas com elas. A professora assume
os riscos do desconhecido e do imprevisível e se depara com um universo de
possibilidades, da imaginação e da criação.
Diante dos desafios, Cleide foi criando “táticas” e “burlas” para continuar a
caminhada. Uma dessas “táticas” foi conhecer, com as crianças, todo o espaço da
escola, de onde emergiu a idéia do projeto sobre as árvores frutíferas da escola e a
decisão de trabalhar com a questão ambiental.
Interessante é constatar que essa decisão não estava relacionada, especificamente,
com o fato de o Projeto Institucional da escola ser focado no meio ambiente, nem
pela minha presença como pesquisadora e educadora ambiental, embora acredite
que possa ter havido influência em função dos nossos momentos de interação e da
atividade de sensibilização19 que realizei com as professoras no início do ano letivo.
Inicialmente, Cleide não sabia como trabalhar com quem não escrevia e não lia,
depois compreendeu as múltiplas linguagens da criança e como seus saberes se
manifestam de outras formas, especialmente na expressão corporal delas.
Um dos fragmentos da narrativa de Cleide que mais me chamou a atenção, até
porque tive a oportunidade de vivenciar o que ela relata, é quando fala da relação
19
Em um dos dias de planejamento que antecederam o início das aulas, em 2006, realizei, no turno da manhã e no turno da tarde, uma atividade de sensibilização em Educação Ambiental com abordagem de alguns conceitos e a discussão de uma proposta de horta educativa sugerida pelas pedagogas. Ao longo do ano, algumas turmas desenvolveram esse e outros temas afins.
131
afetiva entre ela e as crianças. Essa relação de cuidado e afeto, o afeto a que
Maturana chama de “amor”, que respeita o outro como legítimo outro na convivência
e que se refletiu na própria personalidade da professora.
As relações humanas podem e devem promover emoções e transformações em
nosso “ser sendo nós mesmos no cotidiano do mundo”, parafraseando Pinel (2003),
assim como essa convivência deixou suas marcas em Cleide, nas crianças e em
mim.
Como já comentado por Marlene, Cleide também teve grande dificuldade em
encontrar materiais educativos, principalmente na concepção de integração do ser
humano com a natureza, perspectiva em que ela desenvolve suas práticas,
fundamentada em princípios da Educação Ambiental.
Aliás, as práticas cotidianas dessa professora estão marcadas não só com os
princípios, mas, também, com os valores que permeiam a Educação Ambiental e a
Educação Infantil, como: a cooperação, a solidariedade, a autonomia, a
corporeidade, a sensibilidade, a afetividade e o respeito às diferenças.
A história de Cleide também nos permite uma compreensão do modo como as
práticas docentes podem ser criadas e (re)inventadas pelos sujeitos praticantes e
como a Educação Ambiental pode emergir nesse contexto.
Essa professora nos apresenta novas possibilidades de vida que dão forma e
expressão à docência como um devir. “A docência como devir é um estado inédito
instituinte de novas subjetividades, que se potencializam na resistência e que, ao
resistirem, rompem com o instituído num movimento de sentir-pensar-fazer
cotidianamente a profissão” (PÉREZ, 2003, p. 101).
As histórias contadas por Elair, Alessandra, Marlene e Cleide são histórias de
professoras engajadas “praticantes” que se fazem professoras pela busca
permanente do conhecimento, pelo diálogo, pelo encontro com o outro e pela
invenção cotidiana de outras novas práticas.
132
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao chegar ao final deste trabalho, volto meu olhar ao início da caminhada e percebo
o quando essa experiência significou para mim, o quanto aprendi nas redes de
saberesfazeres tecidas durante todo o processo do Mestrado em Educação.
Espero ter conseguido dar a visibilidade que pretendia às práticas de Educação
Ambiental que acontecem no cotidiano de um Centro de Educação Infantil e dar voz
às professoras, protagonistas dessas histórias de amor e cuidado com as crianças e
com a vida, em todas as suas manifestações.
O resultado desta pesquisa é o reflexo da minha (con)vivência com professoras e
crianças em um espaçotempo marcado e, nesse sentido, posso dizer que ele é
único e inédito. Por outro lado, acredito que os relatos aqui apresentados possuem
similaridades com inúmeras outras vivências que acontecem no cotidiano das
escolas, especialmente as de Educação Infantil e, sendo assim, esta pesquisa não
trata de algo singular e sim plural. Por isso mesmo, algumas considerações que aqui
serão feitas têm uma abrangência maior, enquanto outras se referem mais
especificamente à realidade da escola pesquisada.
Quanto às políticas públicas, mesmo não sendo meu foco central, entendo ser
pertinente problematizar essa questão que emergiu durante o estudo, pois, apesar
de a legislação determinar que a Educação Ambiental aconteça em “todos” os níveis
de ensino, não há, na atual gestão, em âmbito federal e em âmbito municipal
(Vitória), políticas públicas de Educação Infantil que enfatizem a Educação
Ambiental, assim como não há políticas públicas de Educação Ambiental que
contemplem a Educação Infantil. Exceto o “Projeto Parquescola”, realizado pela
SEMMAM em parceria com a SEME e a empresa Corpus, em que são envolvidas
tanto escolas de Ensino Fundamental quanto de Ensino Infantil da Rede Municipal
de Vitória.
Ao ter contato com as poucas pesquisas e artigos que enfocam a Educação
Ambiental na Educação Infantil, pude perceber um diferencial, no que se refere a
133
uma maior assimilação das professoras da escola pesquisada, dos princípios e dos
valores da Educação Ambiental, em relação ao resultado de outros estudos, o que
não necessariamente é uma verdade, mas pode ser decorrência da forma de “ver” e
da metodologia de pesquisa utilizada. Observei que alguns pesquisadores dão
ênfase a aspectos negativos ou que acontecem de forma equivocada nas escolas,
de acordo com a sua concepção e o seu “olhar”.
Na escola pesquisada, a Educação Ambiental é um processo contínuo e
permanente, desenvolvida em projetos e ações cotidianas. A continuidade do
trabalho é possível devido ao engajamento dos profissionais que atuam já há alguns
anos na escola.
As práticas de Educação Ambiental que acontecem na escola não foram
classificadas, tendo em vista meu posicionamento filosófico-metodológico
fundamentado na teoria da complexidade proposta por Edgar Morin, que busca a
compreensão da realidade sem reduzir o que é múltiplo, reconhecendo as inter-
relações entre os componentes que compõem o todo.
É possível que essas práticas estejam um pouco distantes do ideário prescrito em
documentos, programas governamentais e publicações sobre o campo, escritos, em
alguns casos, por educadores que não viveram, ou já esqueceram, a realidade
cotidiana das escolas. O que apresento, neste estudo, são os sentidos e significados
produzidos pelos sujeitos encarnados praticantes da Educação Ambiental.
No entanto considero ser importante dar maior “potência de ação” a esses sujeitos,
investindo em processos de formação continuada para um aprofundamento e
internalização dos conhecimentos (emancipatórios) pertinentes ao campo da
Educação Ambiental. Também considero importante a ampliação dos espaços
coletivos instituídos na escola para estudos e planejamento.
Por fim, gostaria de ressaltar que, diante da complexidade das experiências vividas,
muitas indagações ficaram sem resposta. E, para duas delas, só teremos resposta
daqui a uns 20 anos: que adultos serão as crianças de hoje? Que planeta elas
herdarão de nós?
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7.1 CAMINHANDO E SEGUINDO EM FRENTE
“Caminhante, não há caminho Faz-se caminho ao andar.
Caminhante, são tuas pegadas O caminho, nada mais;
Caminhante, não há caminho Apenas rastros no mar.
E ao olhar para trás Vê-se o caminho
Que nunca voltaremos a pisar.”
(Antonio Machado)
Durante toda a minha trajetória no mestrado, esses versos de Antonio Machado me
perseguiram. Eles apareciam em textos de Educação Ambiental e, especialmente,
em textos sobre a pesquisa com o cotidiano. Algumas vezes, em momentos de
leitura coletiva, em nosso grupo de pesquisa em Educação Ambiental, esses versos
eram motivo de risos, pois, para além da recorrência, refletiam nosso fazer cotidiano
e nossa identidade de pesquisadoraeducadoraambiental.
Por isso, por várias vezes, pensei se deveria ou não utilizá-los nestes escritos. Mas,
ao encontrar o fragmento abaixo em um dos textos de Assmann, a palavra
“caminhar” ganhou novos e importantes sentidos para mim, assim como os versos
de Antonio Machado.
Amigos africanos me asseguraram que, em muitos idiomas nativos da África, há um montão de termos para ‘caminho’ e ‘caminhar’, com incríveis nuanças. Caminhar com uma criança, se fala de um modo. Caminhar com os pais, já se fala de outra maneira. Caminhar com amigos, se diz de um jeito. Com uma pessoa amada, ainda de outro. Mas, segundo me disseram esses amigos da África, apesar de tantas palavras para ‘caminhar’, nas línguas deles não existe nenhuma palavra para ‘caminhar sozinho’ (ASSMANN, 1995, p. 115).
Foi assim o caminho que percorri e que continuarei a caminhar, nunca sozinha,
sempre cercada do carinho de familiares, amigos, professores e colegas de trabalho.
Durante este trajeto de pesquisa, tive a felicidade de caminhar com as crianças e
profissionais do CMEI Ana Maria Chaves Colares, com minha atenciosa orientadora
Martha Tristão, com minhas companheiras Ana, Flávia, Roberta e Penny (amiga-
135
irmã), com os colegas da SEMMAM/GEA e com os colegas e professores do
Mestrado em Educação da UFES. Agradeço a todos vocês por caminharem comigo.
Ando devagar porque já tive pressa Levo este sorriso porque já chorei demais
Hoje me sinto mais forte, mais feliz, quem sabe Só levo a certeza de que muito pouco eu sei
Eu nada sei
Conhecer as manhas e as manhãs O sabor das maças e das maçãs É preciso amor pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir É preciso a chuva para florir
Penso que cumprir a vida seja simplesmente Compreender a marcha, ir tocando em frente
Como um velho boiadeiro tocando a boiada Eu vou tocando os dias pela longa estrada, eu vou
Estrada eu sou
Conhecer as manhas e as manhãs O sabor das maças e das maçãs É preciso amor pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir É preciso a chuva para florir
Todo mundo ama um dia
Todo mundo chora um dia A gente chega e o outro vai embora
Cada um de nós compõe a sua história Cada ser em si carrega o dom de ser capaz
De ser feliz.
(Almir Sater e Renato Teixeira)
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8 REFERÊNCIAS
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