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O QUARTO DE HORA DE ORAÇÃO
PRIMEIRO DIÁLOGO
ENSINAMENTOS DE TERESA DE JESUS SOBRE A ORAÇÃO
Teresa de Jesus, Doutora da Igreja, é considerada como mestra de oração. Num
diálogo imaginário, Henrique de Ossó pôs na boca da grande doutora mística uma
série de ensinamentos que podem muito bem ser um auxiliar teórico-prático para a
oração pessoal ou para uma «Escola de oração». Vamos apresentá-las com a devida
adaptação ao momento actual.
Discípulo: Madre Teresa, venho pedir-te que me ensines a orar. Não sei fazê-lo e
disseram-me que és mestra de oração.
Teresa de Jesus: Muito me agrada o teu desejo de orar. Mas não foste muito acertado
quanto à escolha de mestre…D: Como? A Igreja não te declarou Doutora e...?
T: O verdadeiro Mestre é Aquele que me ensinou, Jesus. Se bem que, «muitas vezes,
tomei como mestre o glorioso São José».
D: De acordo: manter-me-ei sempre junto do Mestre e pedirei ajuda a São José; mas
gostaria de ouvir as tuas palavras, a tua experiência sobre este tema da oração.
T: Muito bem! Para já, há duas maneiras de orar: oração mental e oração vocal. A
mental não é mais que uma consideração mediante a qual a alma, posta na presença de
Deus, adverte com quem fala, o que pede e quem é quem pede e a quem pede. A vocal é
a que se faz mediante a voz e a palavra. Aqui, vamos tratar unicamente da oração
mental.
Porque a vocal termina com a mental.
D: Mas eu tenho ouvido muitas vezes que basta a oração vocal… E dá-me a impressão
de que isso da oração mental é coisa de monges e de gente retirada do mundo.
T: Repara bem: a própria oração vocal, para que seja verdadeira oração, «tem de ser
pensada; porque, se uma pessoa está a rezar sem advertir com quem fala e o que está a
dizer, pouco tem de oração, mesmo que mexa muito os lábios. Algumas vezes é capaz
de o ser, mas quem tiver o costume de falar com Deus distraidamente é como a pessoa
que numa conversa só dissesse o que lhe vem à boca.. .». Por isso, para rezar bem
vocalmente tenho de fazê-lo mentalmente, isto é, dando-me conta do que estou a dizer.
D: Mas, para dizer a verdade, eu tenho receio de me meter neste campo da oração. Sim,
não sei porquê, mas tenho medo...
T: Não deves fazer caso desses medos e perigos; «é caminho real e seguro para o Céu,
pois Jesus, nosso mestre, foi por esse caminho, assim como os santos e escolhidos de
Deus». Digo-te mais: a pessoa que não fizer oração já não há demónio que a tente: ela
própria, sem se dar conta, cairá num autêntico perigo.
D: Achas, então, que é preciso fazer oração?
T: Sim, se quiseres viver perto de Deus. Falo-te por experiência. Ter oração é coisa que
nos dá vida. Experimenta e poderás comprová-lo por uma experiência confortante. A
pessoa que perseverar na oração está salva. . Pouco poderá nela o tentador.
D: Porquê?
T: Porque é possível ter muitas devoções e até confessar-se, comungar e rezar muitas
orações, e viver afastado de Deus. Mas fazer oração e continuar longe d'Ele, é
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impossível. Por isso se encontram tantas dificuldades interiores e exteriores para fazer
oração.
D: Bom, quero mesmo fazer o propósito de orar diariamente.
T: Em primeiro lugar, «deverás convencer-te, ao iniciar a oração, que começas a plantar
um jardim em terra muito infrutífera e cheia de ervas daninhas. E que o fazes para
agradar ao Senhor. Deus irá arrancando as ervas daninhas e plantando as boas. Por isso,
com a ajuda de Deus, deves procurar que cresçam essas plantas e regá-las para que não
murchem, mas venham a dar flores que exalem muito perfume com que o Senhor se
deleite. Deste modo, Ele virá descansar no seu jardim. . .
Imaginemos que já está feito quando se começa a fazer oração, ou pelo menos a
pessoa já se resolveu a fazê-la.
Mas, agora, tens de cair na conta de que, se quiseres perseverar nela e chegar a beber a
água da vida eterna (e digo-te que isto é muito importante e é tudo), tens de ter uma
grande e muito determinada determinação de não parar até chegar a ela, venha o que
vier, aconteça o que acontecer, trabalhe-se o que se trabalhar, murmure quem murmurar.
Quer se chegue lá quer se morra pelo caminho. Ainda que o mundo se afunde. Porque
são tantas as coisas que o demónio põe nos princípios para que a pessoa não comece a
fazer oração, que é preciso uma grande determinação.
D: Está bem, mas eu, se bem que fraco e pobre, estou disposto, com a ajuda de Deus, a
não voltar atrás neste caminho da oração. . .
T: Olha, volto a dizer-te que é muito importante começar com esta determinação de não
deixar a oração, porque contra isto nada pode o espírito do mal que tem medo das
«almas determinadas». Em contrapartida, se vê algumas de espírito indeciso e que
mudam continuamente, não as deixa em paz.
Para te oferecer uma comparação, é como alguém que está numa batalha, que sabe
que, se o vencerem, não lhe perdoarão a vida e que, se não morrer na batalha, morrerá
depois dela, ao cair prisioneiro. Então, luta com mais determinação e quer vender cara a
sua vida e não teme os golpes, porque pensa que só lhe importa a vitória, e que a vida,
para ele, está em vencer.
D: Sim, pois eu quero vencer esta batalha, e mesmo que reconheça a minha
inconstância, confio em Deus que me conforta.
T: Mais outra advertência. Se bem que é verdade que esta «determinação» é muito
importante. não deixes de começar o caminho da oração mesmo que te pareça que não
tens essa grande determinação, porque o Senhor te irá aperfeiçoando, embora não faças
mais do que dar o primeiro passo.
Deus ajudar-te-á a que vás perdendo o medo. Deus é tão cuidadoso que não deixa
nenhum esforço nem desejo sem paga. Por isso, mesmo que depois não seguisses este
caminho da oração, o pouco que tenhas andado por ele te dará luz para ires por outros...
Além disso, o bem nunca faz mal.
Portanto, começa desde hoje este «quarto de hora» de oração e não te desanimes.
D: Sim, antes quero perder tudo do que a vontade e a determinação de orar.
T: Pois bem, já que vejo a tua boa vontade, vou falar-te agora do fim que deves propor-
te ao orar.
O fim de toda a oração não pode ser outro que fazer, depois, obras em que se
demonstre o amor que tens a Deus. Ou seja, crescer no amor. E portanto convém que
não ponhas o teu fito só em rezar e contemplar, porque, se depois não te exercitas nas
virtudes, não crescerás no amor. Ficarás sempre anão. E Deus queira que não se trate
mais do que não crescer. . . Porque, neste caminho, quem não cresce, mingua, porque
acho impossível que o amor esteja sempre na mesma, quero dizer, sem ir crescendo
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sempre. Por outra parte, o proveito da oração não está em pensar muito, mas em amar
muito. E este amor só se adquire determinando-se a obrar e a padecer por Deus.
É este o verdadeiro fruto da oração. Por isso, toda a disposição de quem começa a
orar é trabalhar e determinar-se e dispor-se a fazer e a conformar a sua vontade com a
de Deus, e nisto consiste toda a perfeição que se pode alcançar na vida espiritual.
D: Quer dizer que, com a oração, irei arrancando estas ervas daninhas do jardim, de que
me falavas ao princípio?
T: Sim, mas há mais. Deve-se ter prudência. Porque, às vezes, há quem, ao começar este
caminho da oração, tem uma espécie de falsa humildade e corta as asas do espírito.
Parece-lhes que é humildade não perceber que o Senhor lhes vai dando graças e os vai
transformando. Temos de compreender que Deus nos dá tudo, sem nenhum
merecimento da nossa parte, e agradeçamos-lho muito, porque, se não reconhecemos o
que recebemos, não nos estimularemos a amar, e é muito verdade que, quanto mais
virmos que estamos ricos, mesmo sabendo que somos pobres, mais proveito teremos, e
também mais verdadeira humildade. De resto, é acobardar o espírito pensar que não
somos capazes de grandes bens para os quais fomos feitos.
Além disso, é impossível ter coragem para grandes coisas quem não dá conta de que é
muito favorecido por Deus.
D: Obrigado, Teresa de Jesus, por estas grandes lições sobre a oração e sobre as graças
que Deus nos pode oferecer sem qualquer mérito da nossa parte.
T: E, agora, quero também falar-te das dificuldades.
Porque o Senhor deseja provar o nosso amor. Refiro-me às securas e distracções. Na
oração, umas vezes sentir-te-ás muito bem e consolado, outras terás grande secura,
aridez e distracção. No princípio, é normal que tenhas muito trabalho em regar essas
flores de que te falava, regando-as como se tirasses água de um poço. Depois, se
perseverares, já será um pouco mais fácil. Como quem começa a regar tirando a água
com a nora. Mais tarde, o Senhor abrir-te-á um regato para que as regues, ou talvez te
mande chuva do céu e regará o teu jardim ou horto sem nenhum trabalho da tua parte. O
que muito importa é que, nesses princípios, não faças caso de securas nem de
distracções. Começa por não te assustares com a cruz e verás como o Senhor te ajuda a
levá-la. As distracções nascem da nossa imaginação, esta louca da casa, que importuna
como uma dessas borboletas da luz, que não para nunca quieta, sempre de um lado para
outro, sem poisar em nada. Às vezes, é verdade, nascem da tua infidelidade e cobardia,
ou de que o teu coração está demasiado afeiçoado às criaturas e voa sempre para onde
está o seu tesouro...
Outras vezes, talvez se trate de indisposição corporal. Mas, se começares por não fazer
muito caso de consolações ou desolações, terás andado, em grande parte, o caminho,
começas o edifício com firme alicerce. Porque o amor de Deus não está nos gostos e
ternura, mas em servi-Lo com grande rectidão, fortaleza de ânimo e humildade.
D: Parece-me, Madre Teresa, que é importantíssimo isto de ter ânimo e de não se deixar
levar pelas dificuldades.
T: Assim é, de facto. Ânimo e confiança em Deus. Ânimo para perseverar. Confiança
para saber que sem Ele nada podemos da nossa parte. Sim, procura ter grande confiança
em Deus, que Ele ajuda os forte e é amigo das almas corajosas, se procedem com
humildade e sem qualquer confiança em si mesmas. Pedro não perdeu nada em se ter
lançado ao mar, embora depois tivesse medo, porque ninguém ' pôde roubar-lhe a
alegria de ter andado um pedaço sobre as águas, e ter recebido depois a ajuda de Jesus,
que lhe deitou a mão quando se ia afundar.
D: Estou a ver que isto da oração tem muitas dificuldades e precisa-se de ajuda...
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T: Sim, e deves procurá-la numa pessoa com experiência. E tratar das coisas com
simplicidade e franqueza de alma, para não te enganares.
D: Realmente não é fácil orar. E menos ainda quando se está metido numa sociedade e
num ruído que não ajudam.
T: É bom, na verdade, procurar a solidão, se te for possível, como fazia o próprio Jesus.
Mas não penses que só no retiro se encontra Deus. «Também entre as panelas anda o
Senhor». Em qualquer sítio e num momento determinado te podes recolher no teu
íntimo e, ali, falar a sós com Ele, simplesmente, sem grandes orações ou considerações.
De qualquer modo, ajuda muito procurar momentos de solidão para fazer um «Quarto
de hora de oração» e recolher-te...
D: Isso de «recolher-me»... acho que é um exercício muito difícil, e não sei exactamente
como se consegue.
T: Bom, vou servir-me, como tantas vezes, de uma comparação: façamos de conta -
continuando com a imagem do castelo interior que já conheces - de que estes
sentimentos e potências, que eu disse que são as pessoas do castelo, se foram embora e
andam com gente estranha, inimiga do bem deste castelo, durante dias e anos; mas, ao
notarem a sua perdição, foram-se aproximando e já andam rondando por ali. Até que, o
grande Rei, que está no centro do castelo, ao ver que têm boa vontade, deseja trazê-los a
Si pela sua grande misericórdia. E, como bom pastor, com um assobio tão suave que
eles próprios quase não ouvem, faz que conheçam a sua voz e que não andem tão
perdidos, mas que voltem para a sua morada. E tem tanta força este assobio do pastor
que, deixadas todas as coisas exteriores, se metem no castelo.
Às vezes é preciso ajudar-se lendo algum livro. Eu fui amiga deles, sobretudo dos
Evangelhos, que sempre me ajudaram mais a recolher-me do que os livros muito bem
escritos. Outras vezes, temos de inventar outros meios. É o que eu fazia. Durante muitos
anos, na maior parte das vezes, à noite, antes de dormir, quando me encomendava a
Deus, pensava por uns instantes numa passagem da oração no Horto.
D: E não te cansavas de meditar sempre na mesma coisa?
T: Não; penso que, por este meio, a minha alma ganhou muito, porque comecei a
habituar-me a fazer oração diariamente, mesmo que fosse um bocadinho.
D: O que me custa, na maior parte das vezes, é começar a oração. Pôr-me em oração
quando estou metido noutras Coisas.
T: É que a oração também requer preparação. Convém que saibas que orar é entrar
numa relação de amizade com quem sabemos que nos ama. E tens de fazer a mesma
coisa que costumas fazer quando tratas de amizade com as pessoas.
Não se consegue a intimidade sem alguns requisitos. Numa conversa, há habitualmente
um cumprimento, uma preparação, umas condições, até que se entra em intimidade e se
consegue uma certa familiaridade. E isto é o que agrada ao Senhor: ver-Se tratado com
simplicidade. Como um filho fala com o pai ou um amigo com outro. Eu até chegava às
vezes a dizer-Lhe tolices ou a queixar-me a Ele... Talvez te ajude esta oração - que não é
preciso que a digas exactamente -, mas que pode dar-te uma ideia dos sentimentos e
preces que nos preparam para a oração.
ORAÇÃO PREPARATÓRIA
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Omnipotente Deus e Senhor, meu Pai, que me amas, eu creio que, pela tua imensidade,
estás presente em toda a parte, que estás aqui, dentro de mim, no íntimo do meu
coração, vendo os mais ocultos pensamentos e afectos da minha alma, sem poder
esconder-me do teu divino olhar.
Adoro-Te com a mais profunda humildade e reverência, desde o abismo da minha
miséria e do meu nada, e peço-Te perdão de todos os meus pecados, que eu detesto com
toda a minha alma, e imploro a vossa graça para fazer com proveito este «quarto de hora
de oração», que ofereço para Tua maior glória.
Pai Eterno, ensina-me a orar, afim de me conhecer e conhecer-Te, para sempre Te amar
e fazer- Te sempre conhecer e amar.
Amen
SEGUNDA-FEIRA
PRIMEIRA SEMANA
«FIZESTE-NOS SENHOR, PARA TI...»
Para concentrares a tua atenção, podes começar por sentir-te, no meio de toda a criação,
uma das criaturas saídas das mãos de Deus.
Podes recordar o Salmo:
«Quando contemplo o céu, obra das vossas mãos...
que é o homem para que Te lembres dele?»
«Que é o homem? ...»
Vinte, trinta, quarenta anos atrás, tu não existias. Não havia memória de ti. E Deus
pensou em ti, olhou-te com amor e chamou-te pelo teu nome.
A um amor assim, só se pode responder com gratidão e amor. Seria bom que te
examinasses sobre como tens correspondido ao dom da tua existência.
Este presente de amor, que é a vida, exige também que lhe dês sentido.
Para que estás no mundo? Não será só para comer, dormir, divertir-te, sonhar. .. nem
sequer para trabalhar. Vales infinitamente mais. Estás feito para qualquer coisa que te
transcende.
Deus dotou-te da capacidade de conhecer a verdade. Possuis entendimento, uma
capacidade para querer e amar. Tens vontade. Podes guardar o passado na tua memória.
Tens a faculdade de recordar. Foste criado para um fim mais alto que o de qualquer
outro ser da criação. E, sobretudo, só tu és capaz de conhecer esse fim. Foste criado para
conhecer, amar e servir a Deus. Foste criado para uma vida eterna. Esta a tua realização
suprema como pessoa. Deus, suma Verdade, é o objecto do teu entendimento. Deus,
bondade infinita, é o único que pode encher a tua capacidade de amor, saciar o teu
coração.
Conhecer a Deus. Amar a Deus. Louvar a Deus. Gozar de Deus. És capaz de tudo isto!
És um ser para a eternidade!
«... fizeste dele quase um ser divino»
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O próprio Deus é a tua recompensa eterna. Nisto reside a grandeza do teu destino.
Estás feito para participar da felicidade, porque Deus te convida ao banquete do seu
Reino.
Feito à imagem e semelhança de Deus, participas da sua natureza divina, podes tratar
com Ele como com um amigo e, um dia, vê-Lo-ás cara a cara, contemplá-Lo-ás e Ele
saciará todas as tuas aspirações de verdade e de amor.
Foi esta a ideia que fez cantar o salmista: «Tu és o meu Deus. És o meu único bem.
Senhor, porção da minha herança e do meu cálice, está nas vossas mãos o meu destino.
Muito me agrada a minha sorte!»
«... de honra e glória o coroaste»
Mas, em muitas ocasiões, Deus não é o centro da minha vida. Feito para Ele, à sua
imagem e semelhança, a minha vida gira à volta de muitas coisas, demasiadas... E,
assim, nem sempre sou feliz. É mais, sem Deus, não poderei sê-lo. Não posso gozar da
paz nem da felicidade sem Deus. Porque nunca houve ninguém que tivesse resistido a
Deus e gozasse de paz. O nosso coração está feito para amar a Deus e só n'Ele encontra
descanso.
Procurá- Lo é a minha felicidade.
Senhor, Deus do meu coração, muitas vezes tenho vivido na cegueira mais absoluta,
longe de Ti. Pensava procurar a felicidade e o meu coração andava cada dia mais
vazio.Só Tu, Senhor, és capaz de encher a minha vida. Tu, o meu último fim! Tudo por
Ti, nada sem Ti. Sou teu! Senhor, que nada nem ninguém me possa desviar do teu
serviço. Que nunca perca de vista o fim para que fui criado: a felicidade. E que procure
esta felicidade onde ela se encontra: em Vós. Quero repetir, com Teresa de Jesus,
quanto me custa ser fiel a este propósito: «Que se o mundo se afunde antes que ofender
a Deus! Porque devo mais a Deus do que a ninguém».
TERÇA-FEIRA
PRIMEIRA SEMANA
SE FORES DO MOVIMENTO TERESIANO DE APOSTOLADO...
Se um dia te comprometeste... Decidiste viver na Igreja de Cristo com uma
espiritualidade própria, a de Teresa de Jesus, que é uma espiritualidade cristocêntrica,
eclesial e mariana. Talvez não pertenças ao MTA, mas gostas dessa espiritualidade,
atrai-te a figura dessa grande mulher que amou a Cristo com toda a sua alma.
Nesse caso, esta meditação também te interessa.
«Cristãos de verdade...»
Pelo Baptismo entraste na Igreja e assumiste o compromisso de amar e servir Deus
como filho. Mas, como cristão comprometido num movimento apostólico,
concretamente no MTA, deves possuir um conhecimento de Jesus, de Maria e, neste
caso, de Teresa de Jesus.
Como todo o cristão, renunciaste, pelo baptismo, ao espírito do mundo, renunciando a
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Satanás. Mas, no MTA, comprometeste-te diante da tua comunidade, a viver
intensamente o que prometeste no Baptismo.
Faz a revisão da tua vida e vê se estás a cumprir o teu compromisso, se estás a ser fiel à
palavra dada.
«... no próprio ambiente»
Mas há mais. Aquele compromisso, que um dia pronunciaste, obriga-te a ser apóstolo
na Igreja. Queres conhecer e amar Cristo cada dia. Mas terás de fazer de maneira que
todos O conheçam e amem. Com as tuas orações e através da tua maneira de agir no teu
ambiente, deves trabalhar para que aumente cada dia o número dos que seguem Cristo.
Nunca se vai sozinho para o Céu. Levamos connosco todos aqueles a quem fizemos
bem durante a vida. Não podes ser dos que se limitam a viver bem, sem pensar nos
muitos que esperam que lhes demos uma mão para se aproximarem de Deus. Teresa de
Jesus repetia muitas vezes: «Daria mil vidas para salvar uma alma das muitas que se
perdem».
A Igreja precisa de homens que saiam da apatia e do indiferentismo e trabalhem pelos
irmãos necessitados. E, sobretudo, precisa de apóstolos que tornem Jesus Cristo
conhecido e amado.
Queres ser um deles? É uma exigência do teu Baptismo e do teu compromisso
apostólico do MTA.
Senhor, ajuda-me a que toda a minha vida seja uma resposta ao teu chamamento no
Baptismo.
Que eu viva a vida da graça, que é a tua vida, com fidelidade. E que o meu
compromisso de ser «verdadeiramente cristão no próprio ambiente» se concretize, dia
a dia, na oração, na entrega e no serviço a meus irmãos.
Que seja este o lema da minha vida: «Viva Jesus!
Morra o pecado!»
QUARTA-FEIRA
PRIMEIRA SEMANA
«.. .DESTE-LHE PODER SOBRE A OBRA DAS TUAS MÃOS»
o Senhor pôs todas as coisas do mundo ao serviço do homem. O homem domina a
criação. Deste domínio depende o progresso. Mas pode depender também a destruição
do homem: sempre que o homem não for senhor, mas escravo das coisas. «Tudo
submeteste a seus pés», diz o Salmo 8. Se todas as criaturas, tudo quanto foi criado por
Deus não serve para me levar à felicidade e, numa palavra para me unir a Deus, são
um obstáculo: escravizam-me
«Tudo é vosso, vós sois de Cristo...»
Tudo o que há no mundo foi criado por Deus para a tua felicidade: para a tua
necessidade, utilidade, saúde.
recreio, comodidade.
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«Tudo é vosso - diz o apóstolo São Paulo - vós sois de Cristo e Cristo é de Deus». É
essa a ordem ou hierarquia dos bens deste mundo. Que bom foi Deus para connosco e
quantas coisas temos para Lhe agradecer! Tudo é dom de seu amor, porque Ele, desde
toda a eternidade, pensou no homem a fim de ordenar para o seu bem todas as coisas
criadas.
Precisamente por isso, é evidente que elas não podem ser nunca o nosso último fim.
Porque tudo o que acaba, tudo o que é material e terreno, jamais poderá satisfazer as
aspirações do ser humano que é espiritual e, portanto, imortal. . .
Todas as coisas, as criaturas, são meios para alcançar o último fim, a felicidade.
Senhor, todas as coisas são um incentivo para Te amar, para Te admirar, para Te louvar!
São esmolas do teu amor à minha pobreza e indigência. E sei que só serei feliz se souber
usar delas para Te conhecer melhor e amar-Te mais, Senhor do meu coração!
Presos ou livres?
Deves, agora, rever como te encontras em relação às coisas, às criaturas, a tudo o que te
rodeia: dinheiro, comodidades, progresso... São degraus que te ajudam a elevar a tua
dignidade de pessoa? São cadeias que te arrastam e te escravizam? Estás tão apegado a
elas que todo o teu ser se desordena ao querer alcançá-las ou perdê-las?
Da tua atitude para com as coisas depende, em grande parte, a tua vida, a tua moral, o
teu grau de crescimento pessoal ou a tua degradação. Deves querer as coisas sempre que
te ajudem a conseguir o fim para que foste criado. E tens de desprezá-las ou afastar-te
delas sempre que te estorvem.
«Se o teu olho te escandaliza, arranca-o.. .», chegou a dizer
Jesus Cristo com a radicalidade que caracteriza a sua mensagem. Mas pode ser que haja
coisas que não te afastam nem te aproximam do teu fim: são indiferentes. Nesse caso, a
tua atitude deve ser «deixar actuar o Senhor». Ele sabe melhor do que tu o que te
convém. Deixa que Ele escolha por ti. Ama-te muito mais do que tu próprio te podes
amar. Não te enchas de ídolos - coisas deste mundo que escravizam. Qualquer afecto
desordenado no coração é como um ídolo no altar.
Senhor, arranca do meu coração todo o afecto desordenado às coisas, tudo quanto a
elas me escravize e me afaste do meu fim, da minha felicidade, de Ti. Não quero ser
escravo das criaturas que fizeste para me servirem e «colocaste sob os meus pés ...».
Quero que sejas Tu o único amor da minha alma, porque sei que nada nem ninguém
podem encher plenamente o meu coração. Tudo por Ti, contigo e para Ti.
Que assim seja com a tua graça! Amen.
QUINTA-FEIRA
PRIMEIRA SEMANA
«MINHA ALMA TEM SEDE DE TI...»
Uma das tentações de Jesus relatadas pelo Evangelho é aquela em que o diabo Lhe
mostra todos os reinos e diz: «Tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares». É a
tentação do ter, do possuir, pela qual Jesus quis passar para nos dar exemplo.
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Todos temos desejos de mais... Mas é bom experimentar que todas as coisas deste
mundo nos deixam insatisfeitos, que estamos feitos para mais, feitos, como dizia Santa
Teresa, «para gozar o próprio Deus» e não nos saciarmos com as coisas. Temos sede
de Deus.
«...como terra árida, sequiosa, sem água»
Assim costuma ficar a pessoa que põe a sua esperança unicamente nas coisas deste
mundo, por muito que pareçam promissoras de felicidade.
O mundo e a actual sociedade de consumo prometem, oferecem, apresentam. . . uma
aluvião de coisas que parecem satisfazer as nossas necessidades e saciar a nossa sede de
felicidade.
Mas chega um dia em que, seja pelo que for, descobrimos a pouca consistência dessa
felicidade. Trata-se de uma felicidade baseada no prazer dos sentidos, no dinheiro, nas
comodidades, no prestígio... e que só serve para aumentar a sede. Quanto mais se tem,
mais se deseja. Porque, afinal, nada pode encher o coração, a não ser Deus que o fez à
sua medida. Tu próprio podes comprovar que, enquanto andaste a querer saciar-te em
«águas estancadas», como diz a Escritura, não gozaste de paz. Ao contrário, o tédio, a
angústia, a frustração, o desassossego espreitaram muitas vezes a tua vida. . .
Quebra essas ataduras que te ocasionam mal-estar interior, «procura e encontrarás
Deus». Converte-te a Ele de todo o coração e encontrarás a paz.
«Quanto aos deuses que existem no país...
nem sequer pronunciarei os seus nomes»
Vamos supor, no entanto, que as coisas que te rodeiam te dão felicidade. Que as
coisas parecem saciar-te, que possuis muitos bens, dinheiro, comodidades, etc. Julgas
que isso vai durar eternamente? Não levarás nada para a outra vida. Nenhum rei levou o
seu poderio para a eternidade. Nenhum rico, as suas riquezas; nenhum político, o seu
poder. O Eclesiastes, um livro filosófico do Antigo Testamento, resume tudo isso assim:
«Ilusão das ilusões: tudo é ilusão».
Significa que o seu valor está limitado ao tempo. Só uma coisa está livre desta «ilusão»:
o amor. Amar e servir a Deus com todo o coração e aos irmãos, por Deus. No amor está
toda a felicidade do coração humano, porque é uma felicidade eterna.
«Não confieis na violência, não entregueis o coração às riquezas»
Não só todas as coisas estão submetidas ao desgaste do tempo e à destruição, corno
também nós próprios somos submetidos, muitas vezes, à opressão, à escravidão. A
moda, o consumismo, os costumes, os preconceitos sociais, chegam a constituir
frequentemente urna verdadeira opressão.
Fugimos das ataduras da moral e submetemo-nos a outras ataduras que nos escravizam
seriamente. É verdade que Jesus Cristo fala de jugo suave e de carga leve. Para os que
seguimos Cristo, servir é reinar.
Senhor, livra o meu coração de tantíssimas ataduras que me impedem voar e se
convertem, para mim, em opressores que me roubam felicidade. Deixa-me estar ao teu
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serviço, porque servir- Te é reinar, porque podemos ser escravos do teu amor e, assim,
ser senhores de todas as coisas do mundo.
SEXTA-FEIRA
PRIMEIRA SEMANA
«TUDO PASSA...»
Quando tiveres alguma vez a sensação de que nada dura definitivamente, começarás a
compreender o sentido da existência humana. Mas é preciso ver a passagem do tempo
com olhos novos, com olhar límpido e coração aberto, a fim de que a angústia não seja
o resultado dessa experiência pela qual todos passamos. Hoje, mais do que nunca,
quando aumenta o que nos rodeia de conforto ou de posses, também cresce o sentido de
fuga cidade. O «tudo passa» de Santa Teresa de Jesus torna-se mais palpável quanto
mais abundante é esse «tudo» que nos rodeia.
«A minha vida, Senhor, é como um sopro...»
No dia em que começares a gravar no teu coração aquelas célebres palavras de Santa
Teresa de Jesus, «tudo passa», nada será capaz de te apartar da verdade nem separar-te
de Deus.
Certamente já tiveste experiência disso nalgum momento: divertimentos, actividade
desbordaste, posse de algumas coisas, desejo de outras. E, no meio de tudo isso,
apercebeste-te de que nada vai durar definitivamente. Crês e
esperas? Experimenta, pois, repetir com a maior profundidade de que fores capaz:
«Tudo passa».
Quando o que te acontecer for para ti motivo de angústia ou preocupação: dificuldades,
desenganos de uma amizade que julgavas definitiva, ansiedade por uma coisa que
desejas e não podes conseguir... pensa que tudo isso tem um limite: o tempo.
Alegrias, bem-estar, amor, dinheiro, gostos, também têm esse mesmo limite: o
tempo.
Se a tua vida não decorre ao sabor da superficialidade do momento, sentirás no teu
íntimo, em muitas ocasiões, a voz interior da passagem do tempo sobre as coisas.
Tu próprio és também um peregrino um viajante neste mundo, um peregrino, um
caminhante «trilhando um caminho» rumo à eternidade. Enquanto viveres nesta vida,
encontras-te embarcado no comboio do tempo, do provisório. Caminhas para o
definitivo, mas tu, por agora, não tens aqui morada permanente.
Que acontece, então, quando sentes o teu coração fortemente aprisionado pelas
coisas que não duram?
«...os nossos dias, são como sombra que passa»
E, agora, procura a solidão, saboreia o silêncio, entra no teu íntimo. Ali, a sós
contigo, medita e aprofunda as tuas próprias experiências, no que tens vivido até agora:
anos de actividade e mudança, na tua família e na tua cidade, na política e na sociedade,
na moda e no espectáculo. O que ontem era o último grito, hoje resulta antiquado: o que
deu que falar há quinze dias como notícia, hoje quase não se comenta. Líderes, estrelas
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do cinema, da canção, da política passaram ao esquecimento com tal rapidez que produz
vertigem.
Desde o teu silêncio e solidão, pensa nessas figuras ou nessas experiências com a
serenidade de quem sabe penetrar na ideia de que «tudo passa».
Só um coração livre é capaz de contemplar a passagem de tudo sem sentir a angústia
da sua fugacidade. Mas tu sabes muito bem que não se consegue facilmente essa atitude
perante a vida. Em muitos jovens, o desaparecimento das coisas leva-os a querer gozar
delas ao máximo. Noutros, produz uma sensação de tanta angústia que tentam afogá-la
na droga ou no álcool. Tu, no meio deles, sentes igualmente a passagem de tudo e a sua
fugacidade, mas tens de aprender dessa lição da vida uma razão de esperança mais
profunda e, ao mesmo tempo, mais humana: tu, um ser que «passa» no tempo com todas
as coisas, estás feito para a eternidade. Por mais que estendas as mãos para as coisas,
estas vão escapar-te. Mas poderás manter sempre o olhar para além de todas elas, se o
teu coração souber desprender-se do que é passageiro e descobrir na passagem do tempo
o caminho para o que é definitivo, para Deus. Só Ele permanece para além de tudo o
que passa.
Disseste-nos, Senhor, que quem guardar a tua Palavra viverá para sempre.
Esta sede de eternidade que sinto no meu íntimo quando vejo que todas as coisas que
me rodeiam são frágeis e mutáveis, só em Ti a posso saciar!
Concede-me a graça de viver a passagem do tempo com a alegria e a esperança cristã
de Te possuir, desde agora e para sempre.
Apodera-Te do meu coração e dos meus afectos, a fim de que eu viva ancorado na
eternidade convencida de que «tudo passa».
SÁBADO
PRIMEIRA SEMANA
«SÒ DEUS BASTA...»
O sentimento da brevidade da vida, deve ir sempre acompanhado do sentimento da
plenitude de uma vida que Deus enche. Só Ele nos basta. Junto de Deus, a nossa
existência adquire um valor imenso: o valor da pessoa reside precisamente no estar
feita para Deus e só Ele, unicamente Ele, basta para encher o coração.
«E Deus disse: façamos o homem à nossa imagem e semelhança»
A grande dignidade do ser humano reside precisamente em ser possuidor de espírito,
à semelhança de Deus. Não só sente, como compreende e ama, e as suas aspirações só
com Deus ficam satisfeitas, porque só Deus lhe basta.
Nesta meditação, procura penetrar na grandeza do teu coração feito à medida de
Deus. Por isso, só a ternura de Deus te pode encher. Só n'Ele podes encontrar descanso,
vida, felicidade. Bem podes dar-te a ti próprio toda a espécie de gostos, grandezas,
poder. Se, juntamente com isso e sobre tudo isso, não te deres Deus a ti próprio, se não
to deres, não te bastarão todas essas coisas. Viverás inquieto, desassossegado, sempre
desejoso de mais: não serás feliz. Foi a forte experiência de Santo Agostinho, que sentiu
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o seu coração inquieto até que descansou em Deus, porque «fizeste-nos, Senhor, para
Ti, e o nosso coração anda inquieto até que descanse em Ti». Tudo cansa, tudo enfastia,
tudo pode chegar a atormentar se não for com Deus e por Deus. Não há descanso que
não canse «se dele estiver ausente o seu verdadeiro descanso».
É bom que aprofundes de vez em quando estas verdades que fizeram grandes homens,
que fizeram santos: não há mais do que um Deus, não tenho mais do que uma alma
espiritual a salvar, não possuo mais do que uma vida temporária e uma morte, e delas
depende a minha felicidade eterna. Por isso, só Deus basta, só Deus basta! Quem tiver
Deus, nada lhe falta. E quem não tiver Deus, mesmo que tenha todas as coisas, tudo lhe
faltará, porque só Deus basta!
Só a repetição pausada destes grandes pensamentos te tomará profundo e dará à tua vida
um peso de eternidade, ajudando-te a viver de acordo com a tua grande dignidade de
pessoa feita à semelhança de Deus, a quem nada pode bastar senão o próprio Deus.
«Quantas maravilhas, Senhor, fizeste connosco...»
Esta grande verdade teresiana do «Só Deus basta» só se compreende à luz da nossa
grandeza pessoal. «Fomos comprados a bom preço», dirá São Paulo. «Não com ouro ou
prata, mas com o Sangue do Cordeiro sem mancha».
Desconhecer o valor, a dignidade da pessoa humana é esquecer o grande mistério da
nossa redenção em Cristo. E, se o Pai nos comprou com o preço do Sangue de seu
Filho, como somos preciosos a seus olhos!
Precisamente por causa desta grande dignidade humana, Deus respeita a nossa
liberdade, e é esse o nosso terrível risco. Deus pede-nos o nosso consentimento para
actuar e para merecermos. E, em certas ocasiões, nós não damos valor à nossa dignidade
e tornamo-nos escravos do pecado, vendemo-nos, como Esaú, por um prato de
lentilhas... por um prazer momentâneo. Se pensasses amiúde que foste comprado,
redimido com o preço do sangue de Cristo, não cairias na escravidão do pecado.
«Ò Deus, que eu não fique envergonhado, que não se riam de mim os meus
inimigos...»
Sempre que te sentires tentado, te assaltarem as dificuldades e te custar a luta contra as
paixões e o espírito do mal, diz com Teresa de Jesus: «Não deixemos que a nossa
vontade seja escrava de ninguém, mas de Jesus que a comprou com o seu Sangue».
Tu, como pessoa, vales mais do que todas as coisas do mundo e não te podes vender por
nada nem por ninguém.
Pelo contrário, se, como disse Jesus, encontraste a pérola preciosa da verdadeira vida,
terás que vender tudo para comprá-la.
Aprofunda esta ideia: sou de Jesus por direito natural, sou de Jesus por direito de
conquista, sou de Jesus por direito de compra, e sou de Jesus porque eu, livremente,
desejo responder-Lhe. Esta é a minha felicidade, ser livre para O amar e servir. Quero
ser de Jesus por toda a eternidade...
«Senhor Jesus, quero ser todo teu porque Te pertenço desde que Tu me compraste com
o preço do teu sangue, da tua morte e da tua ressurreição. Porque Te tenho a Ti,
encontrei a pérola preciosa e quero vender tudo a fim de Te possuir, porque sei que,
por muito que eu tenha e possua, se não Te tiver a Ti, nada tenho. Proponho repetir
amiúde, nos momentos em que a luta e a dificuldade me obscureçam, estas verdades
eternas: «Quem a Deus tem, nada lhe falta. Só Deus basta».
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DOMINGO
PRIMEIRA SEMANA
«QUEM PERDERA SUA VIDA GANHÁ-LA-Á»
Disse Jesus: «De que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro se vier a perder a
sua alma? Perder a alma... ganhá-la. É o tema contínuo de Jesus: a salvação. Ele
próprio disse que não tinha vindo para julgar o mundo, mas para salvá-lo. A
«salvação» é o grande problema do Reino e deves penetrar nessa mensagem de Cristo
pela qual Ele veio ao mundo. «Por nós homens e por nossa salvação», dizemos no
Credo. Que significa salvar-se?
«Tu és o Deus da minha salvação...»
Que significa salvar-se? Possuir o Reino. Já sabes que o Reino começou aqui. «O
Reino está dentro de vós», disse Jesus. Mas ainda não chegou à sua plenitude e a
salvação total é chegar a possuir Deus sem qualquer perigo de perdê-Lo, é ver Deus cara
a cara, gozá-Lo por toda a eternidade.
É entrar no gozo do Senhor. É essa a palavra maravilhosa que havemos de ouvir da boca
de Jesus, segundo a promessa da sua mensagem: «Entra no gozo do teu Senhor».
Salvar-se, portanto, é chegar a possuir todos os bens, sem mistura de qualquer mal. É ter
satisfeitas todas as aspirações do coração. É amar ternamente e sem perigo de
perdê-los, todos os que amámos neste mundo. É viver com Jesus, Maria, José e todos os
santos por toda a eternidade sem medo de jamais perdermos essa felicidade para que
fomos criados.
« Que o teu nome, Senhor, resplandeça e nos salve!»
Poderias perguntar-te: estou disposto a «perder a vida para ganhá-la»? Isso, só isso, é
«salvar-te». Trata-se da graça de Deus, que não te há-de faltar. E trata-se, também, da
tua vontade e das tuas obras. Esta meditação pode levar-te a uma sincera revisão de vida
para veres se vives já «no Reino», na atitude cristã que supõe viver os valores do Reino
para gozar da salvação eterna.
Cumpro as promessas que fiz a Deus no Baptismo e que renovei quando já tinha uso
da razão: viver segundo o Evangelho, e não segundo o espírito do mundo?» Brinco com
a «minha salvação» quando me deixo levar pela sensualidade, o prazer, o dinheiro, o
sexo, por cima dos valores do Reino?
Cumpro os mandamentos de Deus e da Igreja, ou desprezo-os sem lhes dar
importância?
A minha vida de amor aos outros responde ao mandamento de Cristo, ou não me
importa passar por cima do irmão com tal de conquistar o meu «lugar»?
Quantas coisas deixo que poderia e deveria fazer pela minha formação e os meus meios
de vida?
Faço oração ou vivo esquecido de tudo o que me aproxima de Jesus, que é a minha
salvação?
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Ó Deus da minha salvação, quero responder à tua palavra e aos teus desejos a meu
respeito. Tu não vieste para julgar-me, mas a salvar-me e Tu és a minha salvação!
Se me separo de Ti, perco a vida... Mas, se permaneço contigo, mesmo que perca a
vida, ganhá-la-ei para a eternidade. Senhor, ajuda-me a viver segundo a tua vontade,
para que um dia possa ouvir aquela palavra prometida: «Servo bom e fiel, entra na
alegria do teu Senhor». Tu, ó Deus, és o Deus da minha salvação. Em Ti me refugio.
SEGUNDA-FEIRA
SEGUNDA SEMANA
«PEQUEI CONTRA VÓS, SENHOR, SÓ CONTRA VÓS...»
Não gostamos de pensar no pecado, porque nos parece coisa obscurantista, que produz
«complexo de culpa». Mas o pecado está na base da nossa natureza e não podemos
eludi-lo. Tendo como pano de fundo o Salmo 50, em que David chora a sua culpa e
pecado, vamos penetrar e reflectir no sentido do nosso pecado que nos separa de Deus.
«Minha mãe concebeu-me em pecado...»
Pensa, em primeiro lugar no que é o pecado: não se trata só de urna transgressão da
lei, mas de urna ofensa a Deus e a ti próprio. A Deus, porque te ama infinitamente, e o
pecado é falta de correspondência a esse amor. A ti, porque o pecado escraviza-te e
submete-te às tuas paixões, rebaixa-te na tua condição de pessoa feita por e para Deus.
A morte do Senhor Jesus na cruz deve ser para ti a medida do pecado. Custou-lhe
isso. «Por nós.. .», porque, sendo pecadores, fornos resgatados.
O pecado é urna desordem, desvia-nos do caminho que Deus nos mostrou. E, em
muitas ocasiões, bem sabes, afastamo-nos do caminho dos mandamentos. Pensar nos
nossos pecados é recordar as vezes que O negámos, que fornos escravos da nossa
vontade própria e não da vontade de Deus.
Ofendemos Deus fazendo mal aos nossos irmãos. Ou ignorámo- Lo, deixando-nos levar
do desejo da ânsia do prazer à custa dos valores do Evangelho e dos mandamentos.
Numa palavra, ofendemos Deus.
Por isso, corno o rei David, devemos dizer ao Senhor:
«Pequei contra Vós, só contra Vós, e fiz o mal diante dos vossos olhos».
A morte é o momento final do tempo de que dispomos para merecer e cumprir a
vontade de Deus, apesar das dificuldades, das nossas paixões e da nossa natureza caída.
E, por ser o último acto da vida, pode surpreender-te num estado de afastamento de
Deus... Não se trata de viver angustiado, mas sim de viver vigilante, corno disse o
Senhor, em tantas ocasiões, durante a sua vida: «Vigiai e orai para não cairdes em
tentação…»
«Reconstruí, Senhor, os muros de Jerusalém...»
O pecado destrói-nos de tal maneira que precisamos de que Deus reconstrua o nosso
ser e devolva à nossa pessoa a riqueza e a dignidade com que foi criada e, mais tarde,
redimida.
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Vamos seguir, agora, a belíssima imagem de Santa Teresa quando fala da nossa
pessoa, da nossa alma, corno de um castelo muito lindo, «todo de diamante ou de cristal
transparente», onde Deus habita. O castelo, com muitas salas, tem uma - a principal-
onde «têm lugar os grandes segredos entre Deus e a alma». Mas esse castelo lindíssimo,
diz ainda Santa Teresa, pode ser destruído pelo pecado. Então, toda a sua claridade - que
lhe advém da amizade com Deus -, se converte em escuridão; toda a sua paz, que nasce
de saber-se possuído por Deus, se converte em angústia ao fechar-se em si mesmo; todo
o equilíbrio da alma ao estar centrada em Deus se rompe, porque se descentra do seu
destino. Lê as palavras autênticas da Santa:
«O que será ver este castelo, tão resplandecente e belo, esta pérola oriental, esta árvore
plantada à beira das autênticas águas da vida - que é Deus -, quando cai no pecado?..
Não há trevas mais tenebrosas nem coisa mais escura e negra que ele não o esteja ainda
mais. Não queiram saber o que é encontrar-se, no centro da alma, o próprio Sol - que lhe
dava tanto resplendor e formosura-, como se ali não estivesse para ter parte n'Ele, sendo
ela tão capaz de gozar de Deus como o cristal de reflectir o sol..» Porque, «se se pusesse
um pano muito negro sobre um cristal que está ao sol, é evidente que, mesmo que dê
nele o sol, a sua claridade não se reflecte no cristal».
Esta é a verdadeira desgraça e tragédia do pecado:
estando nós feitos para Deus, para n'Ele nos alegrarmos, vivemos de costas voltadas
para Ele, às escuras, em angústia, fechados em nós próprios.
Já tiveste certamente ocasião de comprová-lo bastantes vezes... perturbação, tristeza,
inquietação, desequilíbrio. A tudo isto leva o facto de sermos escravos de nós mesmos,
do nosso egoísmo e pecado. «O que é ver uma alma apartada de Deus! - continua Santa
Teresa - Como ficam perturbados os sentidos! E as potências, tão cegas…!» Daqui,
podemos tirar duas coisas muito importantes e que deves meditar com frequência diante
do Senhor: em primeiro lugar, a necessidade de Lhe pedires que te ajude a viver na sua
graça, na sua amizade, porque é o que mais nos importa. Em segundo lugar, rezar muito
pelos que não podem ou não querem pensar nisto e vivem afastados de Deus, num
mundo de angústia, desequilíbrio, frustração, tentando em vão algum alívio com
evasões artificiais ou satisfações primárias.
Deste modo, a meditação do pecado não é uma meditação negativa, mas positiva: a
grandeza da tua pessoa, possuidora de uma alma espiritual feita para ser habitada pelo
próprio Deus, que não pode perder, pelo pecado, a sua beleza e felicidade.
«Não queiras repelir-me da tua presença, e não retires de mim o teu espírito de
santidade...»
O castigo do pecado, já sabes, é o inferno. Mas o inferno não é senão o afastamento
de Deus, o estar condenados a «não ver o seu rosto, quando estamos feitos para
contemplá-lo.
Na Sagrada Escritura aparecem, em muitas ocasiões, as consequências do pecado.
Adão e Eva, de amigos íntimos de Deus, que conversavam com Ele «em cada
entardecer», convertem-se nuns fugitivos e rejeitados... Os anjos caídos, em soberbos
escravos de si mesmos, arrojados da presença de Deus, sua felicidade. . . O povo de
Israel, com Moisés à cabeça, afastou-se do seu Deus e fabricou ídolos. David ofendeu o
Senhor com o seu adultério, etc. E todos esses pecados criaram a desordem, a dor, a
morte.
Não tens mais do que olhar à tua volta. Pega no jornal do dia e lê as notícias. Quantas
desgraças são consequência do pecado! O mal verdadeiro não é o físico mas o moral.
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Mas existe um pecado no qual não reparamos. Podes chamar-lhe, se quiseres,
«venial», ou podes dizer que se trata de «faltas pequenas» ou «fraquezas». O verdadeiro
mal destas pequenas faltas é o facto de serem diárias e não se lhes dar importância. São
as que enfraquecem o teu ser feito para gozar de Deus e te levam, pouco a pouco, a
separar-te d'Ele. No Apocalipse há uma frase tremenda para este pecado chamado
mediocridade ou tibieza: «Porque não és frio nem quente, vou vomitar-te da minha
boca» Tibieza é viver despreocupado, sem ir contra Jesus, mas tampouco com Ele. E é
não compreender que o próprio Jesus disse que Ele era sinal de contradição e que
«quem não está comigo, está contra Mim».
Senhor, reconheço o meu pecado, «tenho sempre diante de mim a minha culpa», mas
também Te quero pedir misericórdia, porque muitas vezes me afasto da minha
verdadeira felicidade, que és Tu mesmo, sem saber que me encaminho para a escuridão
e para a minha própria destruição.«Não queiras repelir-me da tua presença, Senhor, e
não retires de mim o teu espírito de santidade. «Dá-me de novo a alegria da tua
salvação e sustenta-me com espírito generoso».
TERÇA-FEIRA
SEGUNDA SEMANA
VIVEMOS E MORREMOS PARA O SENHOR
Mais de uma vez terás estado em contacto com a morte: algum amigo, uma pessoa da
tua família. Sentiste na alma a dor profunda da separação, talvez uma certa angústia e
inquietação pelo além. Que haverá depois da morte? Quando chegará a minha 'hora?
Também é bom meditar, alguma vez, nesse derradeiro momento que chegará para
todos nós. Não se trata de um facto tenebroso e triste para quantos vivemos em Cristo.
Esta meditação poderia ser isto: perguntar: - Vivo para o Senhor? Então, também hei-
de morrer para o Senhor.
«Se vivemos, vivemos para o Senhor...»
Morrer supõe deixar tudo. Tudo o que amavas e a que tinhas apego. Morrer é deixar
todos os prazeres, comodidades, diversões, gostos. .. É dizer um último adeus a tudo e a
todos…A morte despoja-nos de tudo o que não é perdurável. Isto é verdade. Tudo
aquilo atrás do qual as pessoas correm com tanto entusiasmo: a moto, o carro, o iate...
Ou aquelas pequenas coisas a que também o nosso ser se apega. . .
Não sei se já estiveste perto de algum doente em fase terminal. De uma dessas
doenças que vão despojando, pouco a pouco, de tudo o que toma o corpo belo e
atractivo. É uma enorme e terrível lição de vida. Mas, se no meio de todos esses
despojos, pudeste debruçar-te também sobre uma alma grande, um espírito rico e forte,
terás compreendido muito melhor outra lição: «Se vivemos, vivemos para o Senhor».
Uma vida cheia deixará também muitas coisas com a morte, mas não deixará a Vida,
porque esta supera todas essas coisas. É uma vida para o Senhor, uma vida que
depositou n'Ele a sua confiança. Enquanto tudo se vai diluindo, permanece de pé o
princípio vital que a sustentava: viver para o Senhor.
«Se morremos, morremos para o Senhor»
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Não há nada mais certo do que a morte e nada mais incerto do que a sua hora. Diz-se
que a árvore cai para o lado para o qual se inclina. A morte também é o eco da vida.
Queres morrer santamente? Começa a viver cristãmente. Teresa de Jesus não
compreendia o temor da morte, porque vivia apaixonada por Cristo e punha n'Ele a sua
confiança:«Ó morte, morte, não sei quem te teme, pois em ti está a vida». Quem
começou a «morrer» em vida a muitas coisas morrerá em Cristo e para Ele. Mas quem
viver numa atitude de superficialidade contínua, alheio ao irmão, pensando mais no ter
do que no ser, como morrerá? Para que lado se inclina a tua vida? Vives em Cristo?
Morrerás também em Cristo. Morrer para Ele é viver para Ele e morrer n'Ele.
« Na vida ou na morte, somos do Senhor»
«Foi por isto que Cristo morreu e ressuscitou: para ter domínio sobre vivos e
mortos».
Certamente já ouviste falar da «morte preciosa do justo» e talvez estas palavras te
pareçam estranhas e até duras.
Pode haver uma morte preciosa? Sim, e há muitas. Talvez tu mesmo tenhas estado perto
daquela jovem que oferecia a sua vida e as suas dores com um sorriso no rosto,
enquanto o seu corpo se desfazia em dores. E isto porque a morte de Jesus curou da
angústia a nossa morte. Porque, em Cristo, «foram curadas as nossas feridas».
A morte abre paradoxalmente as portas da Vida.
Porque Cristo morreu uma vez por todas, para dar morte à morte. «Morro porque não
morro» cantava Teresa de Jesus.
Porque os grandes santos, apaixonados por Deus, consideravam a vida como um
desterro e a morte como o princípio da verdadeira vida.
Sim, a morte põe fim a todas as dores e misérias de «este desterro» e abre as portas da
Vida, da paz, da felicidade eterna.
O «morro porque não morro» só se pode compreender desde a esperança e o amor.
Procura, na oração, penetrar um bocadinho nestes versos de Santa Teresa:
«Só com a confiança vivo de que hei-de morrer, porque, morrendo, o viver me assegura
a esperança. Morte, em que o viver se alcança, não tardes, porque te espero, que morro
porque não morro».
Senhor, Tu nos chamaste à vida, mas é tua vontade que passemos pela morte. Isto
assusta-me algumas vezes e, outras, causa-me dor e angústia. Não só a minha morte,
mas a das pessoas que eu amo. Ajuda-me a compreender o sentido da morte e a esperá-
la como o abraço que me unirá a Ti! Tu quiseste ser semelhante a nós, em tudo, menos
no pecado, e também passaste pela prova dolorosa da morte. Quero, como Tu,
considerar a morte como o momento de «passar deste mundo ao Pai». Mas sei muito
bem que a morte é o eco da vida e que tenho de me preparar todos os dias para ela,
vivendo como Tu viveste, pensando como Tu pensaste, sentindo como Tu sentiste,
amando como Tu amaste. Assim seja, Senhor Jesus!
SEGUNDA SEMANA
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«VEM, BENDITO DO MEU PAI»
«No entardecer da vida - diz São João da Cruz - seremos examinados do amor».
Este é o grande exame de que também nos fala Jesus Cristo, por meio de imagens,
parábolas e promessas. Sim, seremos julgados. E sê-lo-emos de acordo com o grande
mandamento de Cristo. Jesus fala-nos de um juízo. E fala-nos de um exame a que
seremos submetidos. Não se trata de uma meditação - esta - para despertar o medo ou
para cair em angústia pessoal. Mas é bom que saibamos julgar-nos a nós próprios e
descobrirmos o que há em nós de pouco evangélico a fim de nos convertermos
continuamente para poder dizer com santa Teresa: «Coisa grande será, à hora da
morte, ver que vamos ser julgados por Quem amámos sobre todas as coisas».
«Senhor, Tu conheces o íntimo do meu ser...»
Este pensamento do salmista pode ser um dos mais consoladores ou, pelo contrário,
produzir angústia e temor...
É claro e evidente que Deus nos conhece como somos. Que Deus nos penetra até ao
mais íntimo do nosso ser. Conhece-nos muito melhor do que nós podemos conhecer-nos
a nós mesmos. Mas, ao lado deste conhecimento, existe um amor infinito. À medida que
avançamos no conhecimento próprio,se este for autêntico, também nos amamos e nos
aceitamos como somos. Só assim o conhecimento próprio é são e autêntico. Deus, o Pai
que nos ama e penetra os nossos pensamentos, acções, palavras, sentimentos, desde o
amor infinito da sua paternidade, conhece tudo o que há em nós...
Talvez procures, muitas vezes, enganar-te a ti mesmo, enganar os outros. A Deus não
podes enganá-Lo. Ele conhece-te a fundo e há-de julgar-te de acordo com esse
conhecimento. Temor? O que deverias temer é o desconhecimento da tua própria
realidade, a fim de trabalhares por te conhecer e fazer render ao máximo as tuas
possibilidades.
Oxalá que, no momento de compareceres diante do Senhor, tenhas conhecido os teus
«talentos» e os tenhas feito render convenientemente. Não vá ser que o juizo consista
nessa frase que o Senhor pronuncia na sua parábola: «Servo mau, tu mesmo te
condenas. Sabias que sou um homem severo; então, porque não puseste a render os
talentos que te dei, antes os guardaste e escondeste?»
«Sonda-me, ó Deus, e vê o meu coração, põe-me à prova...»
Pensamentos, palavras, acções, atitudes. O mal que fizeste, o bem que deixaste de fazer,
aquilo que se te pedia e tu deixaste passar. .. É agora quando podes colocar tudo na
balança da tua própria vida e apresentá-lo ao Senhor que te ama, te perdoa, que «sabe
quando te sentas e quando te levantas, que de longe penetra o teu pensamento.. .».
Talvez este gesto de procurares as raízes da tua própria conduta te ajude a veres-te
pobre e necessitado diante de Deus, e seja a melhor preparação para o juízo do <<último
dia».
E do juízo pessoal falou-nos também com muita claridade, dizendo-nos que «com a
medida com que julgamos é que seremos julgados». Não te viste, alguma vez, retratado
naquela expressão de Jesus: «Reparas no argueiro que está na vista do teu irmão, e não
vês a trave que tens na tua»?
Quantas vezes tens julgado sem piedade e exiges que tenham piedade e misericórdia
nos juízos que se fazem a teu respeito? «Com a medida...» Começa desde já a criar a
medida do teu próprio juízo amando os outros, desculpando-os, não julgando-os, sem
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pensares que és melhor do que .' s outros nem esqueceres que a tua capacidade para
julgar os outros será a medida com que serás julgado.
,Porque tive fome e me deste...»
Um dilema que Jesus também apresenta como uma catequese que prepara o grande
mandamento do amor. Numa das parábolas do Reino, o Rei separará os homens à
direita e à esquerda. A uns chamará «benditos» e irão gozar da sua posse, e aos outros
«malditos» e afastá-los-á da sua presença.
Uma imagem clara do grande juízo a que vamos ser submetidos e no qual seremos nós
próprios os que nos vamos julgar, salvar ou condenar. A alternativa está precisamente
no amor, na entrega: «Vem, bendito de meu Pai, porque tive fome e deste-me de comer,
tive sede e deste-me de beber...!»
«Senhor, quando foi que Te vi…?» será a nossa pergunta, e o Rei voltará a tomar o
amor como medida do juízo: «Sempre que fizeste isto a um destes meus irmãos mais
pequeninos, a Mim mesmo o fizeste».
É preciso pensar em tudo isto, meditá-lo à luz do próprio Jesus que nos traz a
salvação. Porque, se reflectires um pouco, perguntarás: «Que ando eu a fazer com a
minha vida para poder, um dia, ouvir uma ou outra sentença: «Vem, bendito...!» ou
«Vai-te, maldito... !»? A resposta, já sabes, está no amor, na entrega do teu ser.
Cristo já te salvou, mas tu tens de viver a sua salvação, o seu Reino, que já começou,
no mandamento do amor.
Senhor, quando vieres julgar-me, não me condenes! Jesus, Tu és a minha salvação, e eu
ponho em Ti a minha confiança. Eu sei que Tu não queres que alguém se condene,
porque Tu próprio disseste: «que queres que todos os homens se salvem e cheguem ao
conhecimento da verdade». Eu quero, Jesus, chegar ao conhecimento da verdade. Ao
meu próprio conhecimento para saber-me pecador. E, sobretudo, ao teu conhecimento.
Quero conhecer- Te para te amar, a Ti e aos meus irmãos. Maria, Mãe de Jesus e nossa
Mãe, ajuda-me a viver no amor, a fim de que um dia possa ouvir o maravilhoso
chamamento do teu Filho: «Vem, bendito de meu Pai, receber em herança o Reino que
te está preparado desde toda a eternidade!» Amen.
QUINTA-FEIRA
SEGUNDA SEMANA
«O REINO PREPARADO PARA TI DESDE TODA A ETERNIDADE...»
Eternidade. Sempre que pensas nela, sentes-te perdido num prolongamento
interminável do tempo. Porém, não se trata disso, precisamente. Mas da ausência de
tempo e, portanto, de mudança. Pensar frequentemente na eternidade dá à pessoa uma
grande maturidade e uma paz enorme. Para já, obriga-nos a pôr as coisas no sítio, sem
dar demasiada importância às que passam... E, como diz o próprio termo: acontecem,
passam. Ambas as palavras nos falam de qualquer coisa que desliza, corre, que é
passageira. Esta ideia foi muito importante em Santa Teresa:
é bom contemplá-la, meditá-la, para fazermos :ias nossas vidas um caminho para Deus,
rumo ao Reino.
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« fazei para vós alforges que não se estraguem com o tempo...»
Pode ser que a palavra eternidade te assuste um bocadinho ou talvez a sintas tão
longe que nem sequer pares a pensar nela.
Jesus fala-nos indirectamente da eternidade em muitas ocasiões. E contrapõe a
eternidade ao tempo, àquilo que se acaba.
Vamos dedicar uma meditação a este tema tão teresiano: tudo passa e nós estamos de
passagem. Caminhamos rumo á eternidade sem tempo, sem mudanças. Neste mundo, no
tempo, tudo está sujeito a mudança. Enquanto, na eternidade, tudo é imutável, fixo,
invariável. Por isso, Deus é imutável, «não muda».
É difícil de perceber, porque nós não podemos pensar sem tempo e sem espaço, mas
podemos intuir o que será a eternidade: a posse perfeita e simultânea de todas as coisas.
Uma das dificuldades desta vida temporal - e tu sabe-lo bem - é essa sensação de
passagem que sentimos sempre.
Desfrutamos de uma coisa, mas sempre com medo de perdê-la. Vivemos com
alguém, mas sempre com a dúvida e a angústia de que esse amor ou essa presença não
durem. . .
A eternidade nada tem a ver com tudo isto, com a mudança, com o tempo. É um
mistério insondável de plenitude.
«...um tesouro imperecível nos céus»
A palavra eternidade é doce quando se pensa nessa posse simultânea de todo o bem.
É isso o Reino prometido por Jesus. Nele não entram os ladrões nem a traça e é o
verdadeiro tesouro que temos de conquistar.
Mas Jesus também fala de «fogo eterno». Seria deixar de possuir todo esse bem,
perder toda essa felicidade sem limite de tempo e de perfeição...
Não te parece que vale a pena ir acumulando tesouros para o Reino e viver aqui o que
iremos viver por toda a eternidade?
Quando tudo o que te rodeia te gritar que aproveites o prazer do momento, põe os teus
olhos em Jesus e nas suas palavras sobre o Reino, e prepara o teu tesouro...
« ... porque onde está o teu tesouro aí está o teu coração...»
Um tesouro que não se corrompe, que não se gasta com passagem do tempo. Deve
ser esse o teu tesouro. E isso é o que vai ajudar-te a viver em paz, sem atribuíres tanta
importância às coisas pequenas que se acabam, que não perduram, que têm fim. E,
como diz Santa Teresa, «tudo o que tem fim acaba-se e tem de se fazer pouco caso
dele». «Deixemos estas coisas inconsistentes, mas não as que nos aproximam a esse fim
que não tem fim, para podermos amar e servir mais a Deus, pois havemos de viver para
sempre jamais, amen, amen>.
Eternidade, eternidade: todos os trabalhos desta vida, comparados com ela, não são
nada!
Senhor Jesus, que nos falaste de tesouros que não se corrompem com o tempo, e de
um reino que não tem fim, faz-me compreender o que é viver voltado para a eternidade,
de modo a não pôr continuamente o meu coração no que passa, no que tem fim. Que eu
compreenda na minha vida esta ideia-chave de Santa Teresa, que a levou a acumular
tesouros para a eternidade!
21
Maria, que guardavas todas estas coisas no teu coração, guardavas também o grande
tesouro que te levava a viver onde estava o teu coração: na eternidade imutável que é a
posse de todo o bem. Ajuda-me a manter o meu coração em vigilância contínua para
que não me deixe levar pelo desejo de armazenar tesouros na terra, onde a traça os rói
e os ladrões os roubam. Ajuda-me a viver na esperança de uma vida sem fim. Amen.
SEXTA-FEIRA
SEGUNDA SEMANA
«O REINO DOS CÉUS É SEMELHANTE A...»
Sempre que Jesus fala do Reino, fá-lo por meio de símbolos, de parábolas. E as suas
comparações são frequentemente de coisas próximas e simples, com que nos
encontramos todos os dias. Nesta meditação, ao aproximar-te da mensagem de Jesus
sobre o seu Reino, pede ao Senhor que te faça sentir o desejo de possuí-lo já nesta vida,
embora ainda não em plenitude, a fim de desfrutares dele, depois, na posse absoluta e
definitiva.
«Um grão de mostarda que cresce...»
A vida sobre a terra é só «uma sombra de vida», diria Santa Teresa. Mas já
possuímos a semente da Vida a que estamos chamados, a Vida do Reino.
O grão de mostarda fica enterrado, e tu podes considerar-te como preso, atado, em
muitas ocasiões, a coisas desta vida passageira. Mas, como há em ti sementes de
eternidade que vão crescendo, o Reino cresce também em ti até se converter numa
frondosa árvore de Vida eterna.
Os Santos falaram de desterro, de prisão..., em contínua espera «daquela vida lá de
cima, que é a vida verdadeira». E desejaram ardentemente a posse dessa «vida
verdadeira». Pensas muitas vezes no Reino de que Jesus fala continuamente, como uma
realidade de amor, da sua parte, e como uma conquista de serviço, da nossa?
Porque o crescimento desse pequeno grão de mostarda depende também da tua
disposição interior, da água com que regues esta semente. A água da oração, das boas
obras, do serviço, do amor...
«Um tesouro escondido no campo...»
E, ao encontrá-lo, todas as coisas perdem imediatamente o seu valor, com tal de se
conseguir aquele campo que possui o tesouro. Vale a pena comprá-lo a qualquer preço.
Já não se descansa até consegui-lo, sabendo que «então, entrarás no teu descanso,
quando te unas ao Supremo Bem, Deus, e compreendas o que Ele compreende e ames e
te regozijes com seus gozos... Porque a graça de Deus te fará participante da sua própria
natureza divina, de maneira que já não possas desejar sequer viver fora desse bem nem
deixar de gozar juntamente com o seu amor.. .».
Assim o via Santa Teresa, habituada a pensar «naquela vida lá de cima, que é a vida
verdadeira».
Até que não te convenças de que tens de vender tudo para conseguires o tesouro
escondido, não começarás a viver já aqui o Reino que te há-de fazer feliz por toda a
eternidade e que Jesus conquistou para ti.
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«A pérola de grande valor que um comerciante encontrou...»
E o comerciante também vende tudo. A pérola preciosa, o Reino dos céus já
começou: está no teu coração quando vives o Evangelho, a Boa Notícia. Mas gozá-lo
em plenitude, só na outra vida. E a isto estás destinado. Procura a pérola preciosa, a
qualquer preço... Não importa entrar pela porta estreita, não importa que tenhas de
gastar-te ou desgastar-te servindo o irmão, porque a pérola preciosa, o tesouro
escondido é a felicidade eterna a que Deus te destinou e a cuja medida te criou. É um
projecto de amor que não se esgota com o tempo: estás destinado à eternidade com
Deus.
A minha alma glorifica o Senhor, porque me criou e destinou para a vida eterna, para o
Reino prometido...«Santos, que gozais já sem medo de perder o vosso gozo, e estais
sempre absorvidos nos louvores de Deus, ajudai-me na minha pobreza! Fazei-me
compreender o que se dá aos que lutam nesta vida para conquistar a vida eterna.
Ajudai-me! Já que estais tão perto da Fonte de águas vivas, apanhai água para todos
os que aqui estamos, muitas vezes mortos de sede!» Entretanto, «no silêncio e na
esperança», estará a minha fortaleza. «Não me desampares, Senhor .Porque em Ti
espero e não será confundida a minha esperança. Que eu Te sirva sempre e faz de mim
o que Te aprouver!» Amen.
SÁBADO
SEGUNDA SEMANA
«o REINO DOS CÉUS SOFRE VIOLÊNCIA...»
Jesus fala, em diversas ocasiões, de violência, luta, contradição. Porque o Reino é uma
conquista, uma vitória de Cristo sobre o pecado e a morte, mas introduz-nos, enquanto
vivemos nesta vida temporal, na dialéctica da morte-vida, da luta-paz, do vencimento-
felicidade. Se não se entra pelo mesmo caminho de Jesus, se não se passa pela porta
estreita, não se pode gozar da felicidade, da bem-aventurança do Reino. É esta a
dialéctica da vida cristã e é este o tema desta meditação.
«Não penseis que vim trazer a paz à terra...»
Estas palavras, que podem parecer desconcertantes em lábios do «Príncipe da Paz»,
um dos títulos que se tem dado a Jesus, têm a força do amor que as inspira. Penetra
devagarinho e em profundidade nestes apelos de Jesus ao vencimento de ti mesmo.
A primeira vitória é contra as forças do mau espírito.
Também Jesus lutou contra ele. Para vencê-lo, tem de se amar a Deus com todo o
coração. Como é espírito frio, não pode resistir ao fogo do Amor divino. Como é
espírito de mentira,
não pode suportar a Verdade. Como é espírito de desunião e discórdia, não pode
conciliar-se com a unidade que dá o amor. «Todo o reino dividido contra si próprio fica
destruído, e toda a cidade ou casa dividida contra si mesma não poderá subsistir»
O sintoma do mau espírito é a divisão interior, a inquietação. «Vence-se o mal com a
abundância de bem». E essa abundância de bem é sempre fruto da luta. É forte a palavra
23
de Jesus quando afirma: «Quem não é por Mim é contra Mim». Certamente, se te
perguntares: estou contra Jesus?, a tua resposta é «não», porque a tua atitude não é de
negação... ou, pelo menos, não queres que o seja. Mas, estás certo de que podes afirmar,
sempre e em todas as circunstâncias, que estás com Jesus? E não há alternativa. Jesus é
«sinal de contradição»: ou com Ele ou contra Ele. O cristianismo é questão de
radicalidade, mas de uma radicalidade de amor.
«Aquele que perder a sua vida por causa de Mim, há-de salvá-la»
É esta a vitória que venceu o mundo e o demónio: a do amor, a do seguimento de
Cristo. Perder a vida é encontrá-la. E o Senhor envia-nos como «ovelhas no meio de
lobos»; por isso é necessário manter-se numa atitude de alerta, de luta, de vigilância e,
sobretudo, de amor preferencial por Jesus que é a Vida e por Quem vale a pena perder a
própria vida.
Nada poderá contra ti o espírito do mal se lutares até perder a vida para ganhá-la.
Vencerás sempre que, com humildade, te apoiares não na tua força nem na tua
capacidade, mas em Deus, teu Pai, se o servires com confiança e amor filial desde a tua
pobreza e impotência.
O espírito do mal não sabe amar, é incapaz de fazê-lo.E essa é a arma que te fará
vencer: a do amor. Não o teu amor pobre e imperfeito, mas o de Deus, teu Pai, que «te
amou primeiro». Com esse amor e essa confiança, vencerás.
Perdendo a vida, ganhá-la-ás.
«Vim trazer fogo à terra. E como gostaria que ele já se tivesse ateado!»
Luta, fogo, espada... são símbolos da vida do homem sobre a terra. Se é preciso lutar
contra as forças do mal e vencê-las, mais necessário e mais difícil é, às vezes, lutar
contra si mesmo e sair vitorioso. De todas as vitórias, a mais dificil e a mais rara é a
vitória sobre si mesmo. Encontrarás grandes conquistadores de cidades, impérios, do
mundo inteiro. Mas que saibam vencer-se a si mesmos, encontrarás apenas um entre
milhares... Como nos amamos a nós mesmos com amor desordenado, este amor cega-
nos e não nos permite conhecermo-nos nem lutarmos contra os nossos defeitos.
O vencimento próprio é a conquista da verdade, da justiça e do amor. Desse amor
com que Jesus veio pôr fogo na terra...
Senhor Jesus, quero hoje repetir-te aquelas palavras da oração que Tu nos ensinaste:
«não nos deixes cair na tentação». Porque muitas vezes é grande a luta a travar contra
o pecado. Levamos dentro de nós esse espírito do mal que nos faz sentir a divisão
interior e gemer como São Paulo, dizendo: «faço o mal que não quero». Jesus, tem
compaixão de mim e ajuda-me a sair vitorioso das lutas contra o mal. Ajuda-me a
perder a vida para Te encontrar a Ti que és a Vida. Já sei que «se vence o mal com a
abundância de bem». Tu és, Jesus, o Bem absoluto! Reina no meu coração para que, na
luta contra as forças do mal, saia sempre vencedor com a abundância do bem que é a
tua presença amorosa no meu interior. Amen.
DOMINGO
SEGUNDA SEMANA
24
«VINDE A MIM...E ENCONTRAREIS DESCANSO»
Viver a vida de Jesus, segui-Lo, é encontrar a paz e a felicidade para a qual fomos
criados. O chamamento de Jesus, cheio de delicadeza e amor, é muito claro: segui-Lo é
encontrar descanso, é encontrar tudo aquilo que nenhuma coisa do mundo nos pode
dar. Por isso, Jesus sente alegria quando compreendem esta mensagem os limpos e
simples de coração a quem o Pai a revelou. Porque é uma maneira de compreender a
vida que só o Espírito pode levar a entender. Nesta meditação trata de pensar
serenamente, com uma atitude contemplativa, nesta felicidade e paz que vem do
seguimento de Jesus. E, sobretudo, pede-a a Jesus, que a prometeu a todos os que vão a
Ele acabrunhados de trabalhos e fadigas.
«Vinde a Mim todos...»
Não há maior felicidade do que viver com Jesus servindo-O por amor. Nem o
espectáculo de uma noite estrelada, nem a contemplação de uma linda paisagem, nem
qualquer outro dos puros gozos sensíveis se pode comparar felicidade daquele que vive
servindo unicamente a Deus.
Seguindo a imagem de Santa Teresa, podes entrar no (castelo interior» de quem segue
Jesus: nessa pessoa, tudo é paz, equilíbrio, harmonia, luz. Os sentidos obedecem à
razão; a razão à vontade, a vontade a Deus. E Deus, fonte de toda a paz e felicidade,
reina no centro da sua alma e, desde ali, dirige todos os sentidos e potências.
Mas tu podes gozar dessa paz e felicidade, mesmo que te sintas «cansado e oprimido»,
com tal de acudir a Jesus e estar atento ao seu chamamento. Ele devolverá a paz ao teu
coração e sentirás todo o teu ser em harmonia. Só Ele é Deus de paz.
«...os que estais cansados e oprimidos»
Porque é verdade que esse céu sereno e estrelado fica às vezes enevoado com a
tempestade: e que a beleza de uma paisagem se turva com uma atmosfera carregada.
Mas se é verdade que as nuvens só servem para purificar o ar por meio da tempestade,
também as crises e as dificuldades pessoais servem para nos purificar e para provar o
amor e a fidelidade dos que seguem Deus. «Todas as coisas cooperam para o bem dos
que amam Deus» e, como Deus é fiel, não permite que essas tempestades sejam
superiores às nossas forças, mas que de todos elas tirem proveito os que O servem.
Por isso Jesus promete descanso aos cansados que recorrem a Ele com humildade de
coração, porque nessa humildade e simplicidade encontrarão a paz que procuram.
Não te assustes, portanto, perante as dificuldades e momentos de angústia e
desânimo. A paz e a felicidade que Jesus promete não têm comparação com qualquer
outra felicidade. E tu estás feito para gozar dessa paz e felicidade, porque o teu coração
- não o esqueças! - está feito para Deus e «não se contenta senão com Deus».
«Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve»
O amor mitiga todos os trabalhos, porque onde há amor não há canseira. Por isso, os
santos amaram a cruz e encontraram nela a paz e a alegria. São Paulo podia dizer no
meio das tribulações: «Quem nos separará do amor de Cristo?» Nada nem ninguém,
porque o amor é forte como a morte e coisa alguma do céu ou da terra pode apagar as
suas chamas. E se as dificuldades e tribulações não nos separam de Deus, quem poderá
roubar-nos a felicidade? Se o jugo de Jesus é suave e o seu fardo leve, nada nem
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ninguém poderá ser obstáculo para que, seguindo-O, sejamos as pessoas mais felizes do
mundo.
Senhor Jesus, Tu prometeste-nos o descanso e a felicidade, e eu creio em Ti! Sei que,
apesar das dificuldades que por vezes me abrumam, eu sempre encontrarei em Ti o que
preciso para ser feliz. E que, por outra parte, nunca nada nem ninguém poderá saciar a
minha sede de amor e de felicidade. Por isso, consola-me ouvir dos teus lábios essas
palavras de Mateus: «Vinde a Mim ... encontrareis descanso». Jesus, sê sempre o meu
descanso, a minha paz, a minha felicidade. Sem Ti de nada sou capaz, mas contigo tudo
posso. Sem Ti não há felicidade nem paz, mas contigo tudo poderei superar e sempre
será suave o teu jugo e leve o teu fardo!
SEGUNDO DIÁLOGO
ENSINAMENTOS DE TERESA DE JESUS SOBRE A ORAÇÃO DE
RECOLHIMENTO
Depois de uma série de meditações sobre as chamadas «verdades eternas», e que
Teresa de Jesus viveu em profundidade desde a sua experiência de infância, voltamos a
um diálogo imaginário, extraindo textos autênticos - como o primeiro sobre a oração
mais característica da Santa: a oração de recolhimento ou de interiorização. Fazemo-
lo igualmente com a devida adaptação da linguagem e da doutrina.
Teresa de Jesus: Se puseste fielmente em prática os ensinamentos que te dei no
começo deste livro, «Um quarto de hora de oração», estou persuadida de que o teu
coração foi melhorando. Também penso que terás visto que a oração é a porta pela qual
se entra no nosso «castelo interior», onde Deus comunica os seus segredos.
Discípulo: Sim, já provei, por uma consoladora experiência, as doçuras do trato e
amizade com Deus. Sim, pude saborear «como o Senhor é bom para os que O procuram
e O amam». mas, agora, quero mais. . . gostaria de descobrir o segredo para ser todo de
Jesus, conhecê-Lo, amá-Lo, e torná-Lo cada vez mais conhecido e amado.
T: Olha, Jesus gosta muito de ti. E é esta a primeira verdade que deves compreender e
saborear. Tu ainda não conheces Jesus lá muito bem, por isso o teu amor não é perfeito.
Não só tens de amá-Lo sobre todas as coisas, mas também todas as coisas por Ele.
D: Então, ajuda-me, Teresa de Jesus, a crescer neste conhecimento e amor.
T: Bom, as meditações que se seguem destina a isso. Trata-se de que penetres cada vez
mais na vida e doutrina de Jesus. É uma maneira de O ires conhecendo e amando até
chegares a ser «todo de Jesus».
D: Sim, eu sei que essa será a minha felicidade, que poderei viver, já aqui, a alegria do
Reino que já começou e que consiste em viver com Jesus, em amá-Lo e pertencer- Lhe.
Mas gostava que me indicasses um atalho para chegar mais depressa.
T: Penso que o caminho mais seguro e mais curto para conhecer Jesus é não te
imaginares vazio no teu interior. Muitos vivem com angústia e em solidão porque não
descobriram as riquezas do seu interior. Por isso se viram para o exterior à procura de
falsos amores. . .
Procura a companhia de Jesus, imaginando-O dentro de ti, habituando-te a apaixonar-
te da sua Humanidade, trazendo-O sempre contigo, falando com Ele, pedindo-Lhe ajuda
nas tuas necessidades, alegrando-te com Ele nas tuas alegrias... E tudo isto sem te
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preocupares em fazer orações muito complicadas, mas com palavras simples, conforme
os desejos do teu coração.
D: Sim, talvez me falte, às vezes, esta simplicidade...
T: Lembra-te de que Deus revela os seus segredos aos pequeninos e que, se não nos
fazemos como crianças, não entraremos no Reino do Céu. Este modo de trazer Jesus
Cristo presente no nosso interior é uma excelente maneira de aproveitar, e muito
rapidamente!
D: É verdade, mas o que acontece comigo é que a minha imaginação anda sempre de
um lado para outro e custa-me muito recolher-me interiormente.
T: Por isso te dizia que te convém imaginar Jesus no teu interior, porque é uma das
coisas que ata muito o entendimento e domina a «louca da casa», como eu costumo
chamar à imaginação. Santo Agostinho dizia, que, depois de ter procurado Deus em
muitas partes, acabou por encontrá-Lo dentro de si próprio. É muito importante
compreender esta verdade: que Deus está dentro de nós e que, para Lhe falarmos e nos
entretermos com Ele, não é preciso falar muito... É um bom hóspede no nosso interior,
com quem se pode falar como a um pai, a um amigo. E «as suas delícias é estar junto
dos seres humanos».
D: E não será pretensão e falta de humildade pensar que Deus habita dentro de um ser
tão pobre e sujo como eu?
T: Deixa-te desses retraimentos que algumas pessoas pensam que é humildade! Mas
que grande humildade que, ao estar o Rei dos céus e da terra na minha casa para falar e
se alegrar comigo, eu não queira responder- Lhe nem estar com Ele nem receber o que
Ele me dá, deixando-O sozinho! E que, insistindo Ele em que eu Lhe peça alguma coisa,
eu, por humildade, continue pobre e até O deixe ir embora por ver Ele que não acabo de
me resolver. ..!
Nada dessas falsas humildades! Trata, sim, com o Bom Jesus como com um pai ou um
irmão, ou como com um amigo ou esposo; umas vezes de um maneira, outras, de outra.
Olha que é muito importante compreender esta verdade: que o Senhor está dentro de nós
e que tu deves estar com Ele!
Este modo de oração é chamado de recolhimento, porque recolhe a alma todos os
seus sentidos e potências para que estejam dentro de si, com o seu Senhor. Assim
recolhido, podes pensar na Paixão e imaginar Jesus, sem cansares demasiado a mente
com grandes discursos, mas apresentando-O ao Pai...
D: Penso que este será um caminho para avançar muito na oração.
T: Os que se habituam a entrar muitas vezes neste céu da sua alma, não deixarão de
beber da água da vida, e avançarão muito em pouco tempo. É como quem vai num
barco que, com um pouco de vento favorável, chega depressa ao fim da viagem, e os
que vão por terra demoram mais...
D: Gosto dessas comparações.
T: Pois vou oferecer-te uma de que gosto muito.
Imaginemos que, dentro de nós, há um palácio muitíssimo rico, todo de ouro e pedras
preciosas (numa palavra, digno do Senhor!), e que tu és imprescindível para que este
edificio seja tão lindo e belo. E isto porque não há edificio de tanta beleza como uma
alma limpa e cheia de virtudes. E façamos de conta de que, neste palácio, está o Senhor
que teve por bem ser nosso hóspede. Esta comparação é boa para gente simples, sem
letras, como eu, e para compreender que no nosso íntimo existe algo muito mais rico do
que aquilo que se vê no exterior. Podes ter a certeza de que, se sempre tivéssemos este
cuidado de nos lembrarmos de que temos tal hóspede, não faríamos tanto caso das
coisas deste mundo, porque veríamos que pouco valem comparadas com o que
possuímos dentro de nós. Porque o Reino de Deus «está dentro de nós».
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D: Madre Teresa, e que devo fazer quando não posso pensar nem discorrer com o
entendimento?
T: O que tens a fazer é pedir, como um pobre e necessitado, em presença de um grande
e poderoso Imperador, e depois baixar os olhos e esperar com humildade. O Senhor é
tão bom que, se nos habituarmos a trazê-Lo connosco e Ele vir que o fazemos com amor
e para O contentar, não poderemos, como dizem, pô-Lo fora de nós.
Se bem que não possas chegar a grandes considerações com a mente, contenta-te com
olhar para Ele: chega-te a Ele com humildade e pede-Lhe a sua companhia, que não te
deixará sem ela. Porque, se podemos olhar para tanta coisa feia, quem nos impedirá de
fixar os olhos neste Senhor?
Encontrá-Lo-ás como quiseres. Se estás alegre, contempla-O ressuscitado, porque só
com imaginar como saiu do sepulcro, já sentirás alegria. Se andas metido em trabalhos,
contempla-O a caminho do Horto, que aflição tão grande leva na alma, pois com ser
tanto o sofrimento, fala dele e queixa-se dele. E olha para Ele atado à coluna, cheio de
dores, com o corpo despedaçado pelo muito amor com que te ama; perseguido por uns,
cuspido por outros, negado pelos amigos, desamparado por eles, sem ninguém que O
defenda. Transido de frio, deixado em tanta solidão, podeis consolar-vos um ao outro!
Ou contempla-O carregado com a cruz a ponto de não poder respirar. .. Ele olhar-te-á
com olhos cheios de piedade e de lágrimas, e esquecerá as próprias dores para consolar
as tuas, só porque tu O acompanhas para O consolar e viras a cabeça para O ver!
D: Agora percebo, Madre Teresa, porque é que estas coisas da oração sempre dão paz e
suavidade interior.
T: Realmente, todas estas coisas pacificam a alma.
porque não podemos procurar a Deus à força de punhos.Ele não gosta de que rompamos
a cabeça falando muito. Deus também não repara em mesquinharias. Por isso não te
deixes apoucar de ânimo, porque poderás vir a perder muitos bens. Recta intenção e
vontade determinada de não ofender a Deus!
E não te acobardes, porque em vez de conseguires a santidade, o que farás é amontoar
muitas imperfeições.
D: Estou a gostar muito disto, mas não sei se vou ser capaz de fazer esta oração de
recolhimento.
T: Não desistas de te ires habituando a dominar os sentidos e potências e de te retirares
para o teu interior. A mim, sempre me ajudou muito recordar que levo uma companhia
dentro de mim.
D: E quantas vezes tenho de fazer esse exercício de interiorização?
T: Se puderes, muitas vezes ao dia. Primeiro, terás que te esforçar; depois, o Senhor vai
dar-to e te resultará fácil.
Sim, ao princípio, custa muito recolher os sentidos, habituados como estamos a andar
derramados nas coisas exteriores, mas lembra-te do assobio amoroso do pastor... Pouco
a pouco, Ele irá fazendo que os sentidos se recolham no interior.
Aconselho-te que, para não te distraíres, te habitues a fazer a oração com os olhos
fechados. Depressa sentirás uma grande melhoria no teu modo de orar. Tem confiança e
verás grandes coisas!
D: Grandes coisas? Quais?
T: Quando a pessoa está dentro de si, a sós com o Senhor, fechadas as portas a todas as
coisas do mundo, é como quando as abelhas entram num favo e fabricam nele um mel
excelente. Ao saíres dessa oração no interior da tua alma, nem te vais conhecer a ti
mesmo! Viverás unido a Jesus e poderás exclamar como São Paulo: «Já não sou eu que
vivo: é Cristo que vive em mim». E... que grandes coisas queres tu ver que sejam
maiores do que isto?
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D: Tens razão! Quero enveredar por este caminho do recolhimento, para que um dia
possa dizer: «Descanso em Jesus, porque no meu coração e na minha alma, no meu
corpo e sentidos, hei-de levar sempre impresso: Viva Jesus! Sou todo de Jesus!»
SEGUNDA-FEIRA
TERCEIRA SEMANA
SERVIR «A DOIS SENHORES»?
Em muitos momentos da tua vida, ver-te-ás numa situação em que é preciso escolher.
Não se trata só das grandes opções da vida, mas das pequenas, de cada dia, em que
tens de escolher ou «servir Cristo» e, por isso, seguir os seus critérios evangélicos, os
seus princípios de vida, os seus mandamentos; ou servir os teus caprichos, os critérios
que «estão na moda», os imperativos da carne ou do demónio. Porque o demónio e a
tentação existem. Tu bem o sabes e experimentas em muitas ocasiões. E deves meditar
profundamente na tua capacidade de escolher: Cristo ou Satanás. A isto te ajudarão
estas reflexões.
«Ninguém pode servir a dois senhores...»
Foi Jesus, que conhecia perfeitamente a condição humana, que no-lo disse claramente:
«ninguém pode servir a dois senhores». E tu mesmo deves comprovar que é assim
mesmo.
Por um lado, não podemos negar a necessidade de chefes, de guias. Há-os no campo
da política, da ciência, das artes. Tu também precisas deles. porque o teu coração está
feito para aderir não a ideias mas a pessoas.
Mas há mais. Sentimos no nosso interior urna luta permanente que terás
experimentado em muitas ocasiões. O teu coração, feito para Deus, encontra a
felicidade em servi-Lo, porque o seu serviço não escraviza: faz-te livre. O reino
inaugurado por Cristo é um reino no qual servir é reinar.
Sentes frequentemente o desejo de servir a Cristo. Ele reclama interiormente o teu
serviço, o teu seguimento.
Outra força, igualmente interior e oculta, leva-te, em muitas ocasiões, a afastar-te
desse serviço a Cristo Rei e a seguir o que te pede o egoísmo, as tuas paixões, o que
toda a gente te diz... Quando te deixas levar por todos estes imperativos, sentes-te
escravo, triste, abrumado. É porque Cristo e Satanás disputam entre si o teu coração.
Seguindo a Cristo, sentes-te livre. Seguindo os teus caprichos, as tentações do espírito
do mal, sentes-te escravo. Tens de escolher.
O que não podes, de maneira nenhuma, é servir os dois. . .
Os sinais são muito evidentes: se seguires Jesus, transparecerão na tua vida, a
alegria, a paz, a segurança, a liberdade.
Se deixares Cristo e seguires o espírito do mal, tornarão posse de ti a perturbação, a
angústia, a escravidão, e não serás portador de paz para os irmãos.
Certamente, depois destas reflexões, pensarás que queres seguir Cristo e desejá-lo-ás
de verdade. Mas, corno já começas a conhecer-te, saberás também que, muitas vezes, as
tuas acções contradizem os teus desejos. Nessa altura, é o momento de orares e gritares
com toda a alma: «Viva Jesus!
Morra o pecado!»
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«Vem e segue-me...»
Se optas por seguir a Cristo, a tua vida começará a mudar e vão notá-lo. O primeiro
sintoma será o de «cumprires os seus mandamentos». Porque quem O segue cumpre a
sua palavra. E, a seguir, todo o teu ser ficará contagiado por Ele.
Jesus começará a reinar no teu entendimento pela fé e acreditarás em tudo o que a Sua
esposa, a Igreja, acredita e segue.
Jesus começará a reinar no teu coração e irá mudá-lo. Começarás a amar, de verdade,
a Deus sobre todas as coisas e a todos os irmãos n'Ele e por Ele.
Jesus reinará na tua alma enchendo-a de uma profunda paz nas tuas relações com
Ele, com os irmãos e contigo próprio.
Jesus reinará no teu corpo, porque saberás dominar as tuas paixões e submetê-las à
razão, sem te deixares levar dos baixos «instintos da carne».
São estes os sinais para saberes se serves Cristo Jesus, se Ele é o dono do teu ser.
Senhor, não me é fácil escolher quando tantas coisas puxam por mim. Quando a
tentação escurece o que parece tão claro na oração. Por isso, venho pedir- Te ajuda. O
espírito do mal quer que eu o sirva e apresenta-se-me, por vezes, cheio de atractivos,
nos critérios do mundo actual, nos desejos da carne, em tantas ocasiões ... Mas eu,
Senhor, quero hoje, na tua presença, prometer que Te servirei custe o que custar. Sou e
quero ser teu, Senhor, única e exclusivamente, porque Tu és, Jesus, meu Senhor, meu
Rei, meu Redentor e meu Deus, e só a Ti pertenço inteiramente! Jesus, que nada nem
ninguém sejam capazes de me apartar do teu amor, nem de me escravizar. Tu, Senhor,
meu libertador! Amen.
TERÇA-FEIRA
TERCEIRA SEMANA
«TODO O REINO DIVIDIDO NÃO PODE SUBSISTIR»
Há em nós uma tendência à divisão. Lutam, no nosso interior, duas forças opostas,
como diz São Paulo: o espírito e a carne. Conseguir a unidade interior é optar por
Cristo e vencer o espírito do mal que habita em nós. Mas esta luta supõe uma
radicalidade evangélica que será, hoje, o centro da nossa meditação.
«Não faço o bem que quero...»
Olha, dentro de ti trava-se uma batalha: existem duas grandes forças que se disputam
o domínio do teu coração e querem apoderar-se de ti. Por um lado, Jesus que te convida
a segui-Lo, «tomando a sua cruz.. .». Por outro, as riquezas, os homens, os prazeres,
que querem fazer ninho no teu coração e sufocar esse espírito de humildade, de
simplicidade e paz que caracteriza os seguidores de Jesus.
São Paulo queixava-se dessa luta interior e suplicava em seu coração que o Senhor o
livrasse dela, porque se sentia submetido a uma dupla lei: a do Espírito e a do pecado.
«Vejo claro que em mim, quer dizer, nos meus baixos instintos, não se esconde nada
bom, porque querer o bem está na minha mão, mas não o realizá-lo; não faço o bem que
quero, antes pelo contrário, muitas vezes faço o mal que não quero. Se o faço contra a
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minha vontade, não sou eu quem o faz, mas o pecado que habita em mim... No meu
interior, quero a lei do Senhor, mas diviso no meu corpo uns critérios que guerreiam
contra os critérios da minha razão e me escravizam à lei do pecado. Numa palavra: por
um lado, eu, com a minha razão, estou sujeito à lei de Deus; por outro, com os meus
apetites desordenados, estou-o à lei do pecado.
«Desgraçado de mim! Quem me livrará deste corpo que me leva à morte? Mas, quantas
graças dou a Deus, por Jesus Cristo, nosso Senhor!» É um texto carregado de tensão no
qual, certamente, te verás a ti mesmo retratado em muitas ocasiões. A lei de Deus, a lei
do pecado... Cristo e o espírito do mal. Não pode haver em ti divisão, porque o Reino do
teu coração ficaria desolado. De quem será a vitória?
«Quem não está comigo está contra Mim»
Nisso radica a paz e a felicidade da vitória a que estás chamado. Sim, Jesus Cristo já
alcançou para ti essa vitória. Por isso, a tua atitude evangélica não pode ser outra que a
de optar por Cristo com radicalidade. Ele salvou-te da lei do pecado que te arrasta para
os apetites desordenados. Tu, ao segui-Lo a Ele, viverás a paz que promete. Mas trata-se
de «estar com Ele», viver a sua vida, seguir os seus passos, sentir como Ele sentiu, amar
como Ele amou. Não segui-Lo é colocar-se numa posição de contradição interior, é ir
«contra Ele». Quando, na tua vida, Jesus passar a um segundo plano, enquanto a tua
atitude não for de radicalidade por Ele, deves interrogar-te: estou «contra» Jesus?, e
pedir, uma e outra vez, na tua oração, que seja Ele, o próprio Senhor, a transformar a tua
vida tornando-a semelhante à sua, a fim de que possas dizer que, para ti, «viver é
Cristo» e que não estás contra Ele, porque estás com Ele.
«O meu Reino não é deste mundo»
Mas esta opção por Cristo supõe ir contra outras muitas atitudes da carne, visto que
os seus frutos são: imoralidade, discórdia, egoísmo, invejas, sectarismos... Enquanto os
frutos do Espírito são: amor, alegria, paz, tolerância, generosidade, simplicidade,
domínio de si... Porque «os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne com suas
paixões e desejos».
Seguir Jesus é vencer o espírito do mal e gozar da paz e da felicidade eterna já nesta
vida. Vida serena, morte preciosa…felicidade eterna contemplando, amando e louvando
a Deus.
Senhor Jesus, Tu disseste-nos que, para os que Te seguem, servir é reinar. Eu sei-o e
já o experimentei nalgumas ocasiões. Mas, às vezes, sinto no meu interior essa lei do
pecado de que fala São Paulo, e custa-me optar pelos valores do Reino. Em Ti, Senhor,
pus a minha confiança. Sei que não posso ficar defraudado. Vem em ajuda da minha
fragilidade afim de que não siga as vozes da carne, mas as do Espírito, de modo a seres
Tu a reinar no meu coração até que possa gozar-Te, já sem peias, por toda a
eternidade. Amen.
QUARTA-FEIRA
TERCEIRA SEMANA
«QUEM DIZEIS VÓS QUE EU SOU?»
31
Jesus Cristo, o melhor amigo. Jesus Cristo, a fonte de todo o amor. A amizade íntima
com Jesus é um dom do Espírito, mas deves pedi-la e fomentá-la continuamente. Se
Jesus Se quis «fazer um de nós» e passar por um homem qualquer, podes confiar em
que hás-de chegar a uma amizade com Ele que mude completamente a tua vida. Nesta
meditação, trata de penetrar nos sentimentos de Jesus e faz do seu amor o centro da tua
existência. Só então, saberás amar a todos os irmãos e gozarás a maravilha da
amizade: Jesus Cristo, o melhor amigo ...
«Avós já não vos chamo servos mas amigos»
Sem um amigo fiel, a quem confiar as alegrias e os sofrimentos, a vida toma-se
dificil, porque o nosso coração, feito à semelhança de Deus amor, está feito para a
amizade. Mas se Jesus não for o teu principal e primeiro amigo, dificilmente
conseguirás viver a verdadeira amizade. Sim, um coração feito para amar assemelha-se
àquele a quem ama, e, se Jesus for o teu grande amigo, o teu coração será à medida de
Deus.. . Amar a Jesus sobre todas as coisas - o primeiro mandamento - é fonte de paz e
de liberdade. Porque Jesus quer ser dono dos nossos corações e dos nossos afectos. E
amá-Lo é libertar o coração do egoísmo que tantas vezes ofusca a nossa capacidade de
amor e de amizade.
Certamente, já experimentaste muitas vezes o desassossego e a dor que ocasionam as
amizades humanas quando o nosso coração não está livre e desprendido, quando o
interesse ou o egoísmo interceptam o verdadeiro amor, que é dom, entrega e liberdade
interior.
Jesus, o amigo verdadeiro, purifica o nosso coração, liberta-o e, atraindo-nos a Ele,
ensina-nos a amar límpida, livre e desinteressadamente.
«Amou-os até ao extremo...»
Sentir-se profundamente amado por Jesus é o princípio da nossa amizade mais
íntima com Ele. A felicidade de penetrar no amor de Jesus, manifestação do amor do
Pai, é o que constitui a vida eterna: «que Te conheçam a Ti, ó Pai, e Aquele a quem
enviaste, Jesus Cristo». E conhecer Jesus, saber que o seu amor e amizade não têm
limites, é a fonte desse gozo.
É bom penetrar em tantas e tantas demonstrações de amor e de amizade como as que
Jesus te dá: nasce por amor a ti; vive pobre e passa por um de tantos, por teu amor;
padece e morre, por teu amor..., por teu amor dá-Se na Eucaristia; por teu amor vive
glorioso e toma-te participante do seu Espírito. E Ele, só Ele, será a tua recompensa e
felicidade eternas.
Que mais pode fazer Jesus para te demonstrar o seu amor?
Viver a maravilha do amor de Jesus, fazendo o possível por conhecê-Lo e amá-Lo.
Dá-Lo a conhecer e a amar é viver a sua amizade. Que a tua oração de cada dia, a tua
meditação da Palavra, a tua vida inteira te façam crescer neste conhecimento e amor de
Jesus.
«Sereis meus amigos... se fizerdes o que vos mando...»
Que tudo em ti responda a esse amor e amizade com Jesus. Que todas as tuas palavras,
pensamentos, sentimentos e acções te façam actuar como Jesus.
32
A amizade tem o poder e a força de nos ir assemelhando ao amigo. A amizade com
Jesus fará que tudo em ti fale d 'Ele; que, ao ver-te, as pessoas vejam Jesus e, n'Ele, o
«Pai que está nos céus».
Ser todo de Jesus é viver a amizade com Ele até às últimas consequências, até
poderes dizer que Ele é a tua vida. Como Teresa de Jesus, que compreendeu claramente
essa união íntima, em amizade com Cristo, como um desposório: «Desde agora zelarás
a minha honra como minha verdadeira esposa. A minha honra é a tua, e a tua a minha».
Que seja este o teu desejo mais íntimo: ser todo de Jesus.
Senhor, Jesus, amigo verdadeiro, eu quero penetrar nesse abismo do teu amor e viver
numa contínua acção de graças porque me amaste e me libertaste com o teu amor e
amizade. Ajuda-me a ser todo teu, e faz que os meus sentimentos, palavras, acções,
sejam sempre um reflexo do teu amor derramado pelo Espírito Santo no meu coração.
Amen.
QUINTA-FEIRA
TERCEIRA SEMANA
«NASCIDO DE MULHER...»
Com esta meditação, entramos numa outra forma contemplativa de seguir o Evangelho
e aprender de Jesus tantas lições como as que se encerram nas passagens que nele se
narram. Hoje vamos aproximar-nos do seu nascimento. Procura fazê-lo com espírito de
simplicidade, como tantos santos se aproximaram desse Deus que quis fazer-Se um de
nós, assumindo a nossa condição humana, em tudo semelhante a nós, excepto no
pecado.
«Deu à luz o seu Filho primogénito, que envolveu em panos e recostou numa
manjedoura...»
Realmente, é uma das cenas mais belas que podemos imaginar e que a devoção do
povo cristão plasmou nos presépios» que se atribuem a São Francisco de Assis.
Mas talvez o mais importante é que tu próprio te sintas presente naquele
acontecimento histórico, único, do nascimento de Jesus, e que agora o vivas e o apliques
à tua vida c ao teu seguimento de Jesus.
Ali, junto de Maria, sua mãe, e de José, a quem Deus confiou a sua guarda, encontra-
Se Jesus como simples criança. Tem frio, ou chora, ou Se queixa... exactamente como
qualquer recém-nascido. E, no entanto, ali está o Filho de Deus feito um de nós. Ali
está, por nosso amor, dando-nos a grande lição de pobreza e humildade. Como gosta
Jesus da simplicidade e como o demonstra na sua vida desde os primeiros momentos! A
sua predilecção pelos pobres é agora predilecção pela pobreza, opção por ela. É ali,
junto do presépio, onde se compreendem as bem-aventuranças. Porque, se permaneceres
ali silenciosamente, por um bom espaço, contemplando Jesus, verás que se respira paz e
felicidade, e sentir-te-ás certamente inundado por ela.
«Os pastores foram apressadamente e encontraram Maria, José e o Menino...»
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Jesus, esse Menino, embalado por pais pobres, sem lar, reclinado numa manjedoura
de animais, saudado, em primeiro lugar, por humildes pastores do lugar, é adorado e
louvado pelos anjos do Céu... E, enquanto padece frio e nasce em nudez e impotência,
como qualquer mortal, veste os campos de flores e esmalta de verde os prados, e cobre
as árvores de flores e frutos...
Quanto mais simples e pobre é a cena do seu nascimento, mais admirável se toma
aos nossos olhos a grandeza do seu amor e predilecção pela simplicidade.
E agora, neste momento de contemplação silenciosa de tão grande mistério de amor,
procura oferecer-Lhe também o berço do teu coração para que encontre em ti um lugar
de aconchego e amizade.
Oferece- Lhe o teu interior como lugar de intimidade, simplicidade e pobreza,
semelhante à daquele pobre presépio; e com a mesma humildade e alegria com que os
pastores correram a adorá-Lo. Porque sabes que o que Ele deseja não é «sacrificios nem
holocaustos», mas «um coração simples, puro e humilde» que se entrega a Deus para
fazer a Sua vontade.
«Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados»
Se fizeste do estábulo de Belém o lugar da tua contemplação, começaste já sem
dúvida a experimentar a paz que os anjos anunciam aos homens que ama o Senhor.
Contemplando Jesus Menino, olhando o seu sorriso, vendo as suas lágrimas, sabendo-te
amado por Ele, terás começado a saborear a paz, a sentir o efeito do seu olhar, do seu
amor entranhável pelos homens por quem, «sendo Deus… assumiu a condição de
escravo, passando por um de tantos».
Adoro-Te, Jesus, e amo-Te com todo o meu coração. E, para Te conhecer e amar e Te
dar a conhecer e a amar cada vez mais, quero tornar presente, muitas vezes, no meu
interior, esta passagem do teu nascimento pobre e sem brilho. A teus pés, quero
aprender todas estas lições que Tu me dás: simplicidade, pobreza, humildade,
obediência ao Pai... Obrigado, Jesus, por teres nascido por nós e porque o fizeste
optando pela pobreza, abençoando desse modo a pobreza, e amando nela todas as
nossas impotências e pobrezas.
SEXTA-FEIRA
TERCEIRA SEMANA
«NÃO SABÍEIS QUE DEVIA ESTAR NA CASA DE MEU PAI?»
Jesus, no templo: Jesus cumprindo a Lei. Jesus vivendo os costumes do seu povo, da
sua religião, da sua família...Jesus, o meu modelo. E eu vou junto d 'Ele para aprender
as suas lições de vida. No templo, entre os doutores da Lei, Jesus começa a mostrar a
sabedoria do Pai, essa sabedoria que não se concede aos arrogantes e aos «sábios»
deste mundo, mas aos humildes de coração. Junto de Jesus, cumprindo assim a vontade
do pai, vou procurar aprender as suas lições de vida.
«Quando Jesus chegou aos doze anos, subiram a Jerusalém, segundo o costume da
festa...»
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Jesus acaba de entrar na idade das primeiras opções. Já tem que «cumprir» os ritos
da religião, os costumes do seu povo, as leis que O introduzem na vida de piedade. E
sobe com alegria a Jerusalém acompanhado de seus pais.
Mas a atitude interior de Jesus teve de ser completamente diferente da dos que só vão
«para cumprir», só «por costume».
Para Ele, o templo é «a casa do Pai» e ali se dirige para orar, escutar a sua Palavra,
entrar no domínio da sua vontade divina.
N esta contemplação, entramos j á na oração de Jesus.
Ora ao Pai, ama o Pai, aproxima-se do Pai...
Talvez seja bom analisares a tua atitude quando vais ao templo para orar.
Consideras sempre o templo «a casa do Pai», onde podes encontrar-te com Ele, orar,
amar, adorar. ..?
A Eucaristia dominical e os sacramentos são só para ti o cumprimento de uma lei ou um
simples costume?
«... O Menino ficou em Jerusalém, sem que os pais o soubessem»
Pela primeira vez, entra em conflito a vontade do Pai do Céu com a dos seus pais na
terra. E dá-se inevitavelmente o sofrimento.
Jesus podia ter-lhes poupado essa dor. Podia Ele próprio ter evitado um sofrimento
com o qual sabia que iria ferir a mãe que Ele tanto amava, e José que se desvelava
continuamente por Ele. Mas não recua perante o querer de Deus.
Também na tua vida pode ter lugar, alguma vez, um conflito.
Talvez no dia em que sintas no teu interior um apelo a optar por um seguimento mais
radical de Jesus e do Evangelho... Nem sempre te será fácil conciliar a vontade de Deus
com a vida familiar ou com os compromissos sociais. Oxalá haja sempre essa
sincronização de vontades entre Deus e teus pais.
Mas, no caso em que não existira, não podes esquecer que «se tem de obedecer antes
a Deus do que aos homens. . .»E teus pais também não devem esquecê-lo!
«Três dias depois, encontraram-No no templo...»
Porque O tinham procurado onde podia estar: com o seu Pai do Céu. E esta é a
resposta do Menino: «Não sabíeis que eu tinha de estar na casa de meu Pai?» Desde
então, Maria aprenderá a lição de seu Filho: o Pai ama-O, ama-os, e a sua vontade é a
alegria da sua vida. Encontrará sempre Jesus com o Pai! O Pai e Ele, Jesus, são uma
mesma coisa. Entretanto, Maria e José aprenderam, através das circunstâncias dolorosas
e quotidianas da existência humana, que Jesus está sempre a cumprir a vontade do Pai e
que é ali onde Ele Se encontra.
Queres encontrar Jesus na tua vida? Não tenhas dúvidas: estará onde tu estiveres a
cumprir a vontade do Pai manifestada nos acontecimentos, na sua Palavra, na própria
vida...
Que nada nem ninguém te possam separar jamais da vontade do Pai. Diz com Santa
Teresa que desejas chegar a fazer «a tua vontade uma só coisa com a vontade de Deus»,
«custe o que custar, murmure quem murmurar, ainda que o mundo se afunde...»
Encontro-Te sempre, Jesus, quando não me procuro a mim mesmo, mas procuro e
desejo cumprir a tua vontade que é a vontade do Pai. Eu desejo seguir-Te, se bem que,
em muitas ocasiões, tenha, de pisar a minha vontade própria ou tenha de passar por
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cima dos desejos da carne e do sangue. Mostra-me, Senhor, os teus caminhos. Mostra-
me a tua vontade e ajuda-me a cumpri-la. Dir-Te-ei, com Santo Agostinho, uma vez
mais: «pede-me o que quiseres e dá-me o que me pedes».
SÁBADO
TERCEIRA SEMANA
«VEM E SEGUE-ME»
A contemplação de Jesus no templo de Jerusalém leva-nos a um dos momentos mais
transcendentes da vida: o da chamada «eleição de estado». Antes deveríamos chamar-
lhe o momento da «resposta». «Não fostes vós que Me escolhestes... », dirá Jesus aos
seus discípulos. Quando nós fazemos uma opção radical por Jesus e o Evangelho, é
porque Ele nos escolheu anteriormente, amou-nos, chamou-nos... seduziu-nos. Mas este
chamamento do Senhor espera de nós uma resposta que tem as suas exigências e
requer muitos momentos de oração para Lhe pedirmos luz. Jesus não força: chama,
pede, atrai. Se tu quiseres, podes dar mil desculpas...
«Deixa que os mortos sepultem os seus mortos...»
Naquela ocasião, Jesus mostrou-Se de uma exigência que pode parecer-nos severa:
«Deixa que os mortos sepultem os seus mortos.. .». E tratava-se de um jovem que queria
segui-Lo, que sentia o chamamento do Senhor, mas que queria resolver antes os seus
problemas pessoais e familiares.
Faltava-lhe o impulso de Pedra, de André, de João ou de Filipe que «deixaram as
redes e o pai... e O seguiram».
As opções radicais exigem, muitas vezes, atitudes radicais.
Deus dispôs todas as coisas com sabedoria e amor.
Também o teu lugar na vida. Só aí serás feliz e poderás servi-Lo com amor.
Quando Deus escolhe alguém para um serviço determinado no mundo e na Igreja,
dá-lhe uma série de meios para esse fim, faz-lhe sentir certa inclinação que, muitas
vezes, nada tem a ver com o gosto sensível, mas que não exerce em absoluto qualquer
violência sobre a nossa natureza e a nossa maneira de ser. Porque o Senhor nos quer tal
como somos.
É verdade que o «chamamento» supõe certa aptidão, mas exige também uma atitude.
A mesma que Ele pede ao jovem que, antes de seguir a Jesus, quer resolver os assuntos
familiares, esperar que seus pais morram, esperar que tudo esteja a pedir de boca... Não
aceita de antemão o facto de que Deus, às vezes, seja desconcertante.
«Seguir - Te -ei para onde quer que fores»
Esta é a verdadeira disposição. O Senhor mostrar-te-á os seus caminhos, como fez
com os apóstolos e com tantos discípulos que, ao longo dos séculos, souberam
responder a essa radicalidade que o Senhor pede: «As raposas têm tocas e as aves do
céu têm ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça». É que, afinal,
seguir a Jesus é estar continuamente desprendendo-se. Não saber aonde nos vai levar o
Senhor é a fonte da nossa pobreza, da nossa confiança n'Ele.
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Mas o Senhor irá mostrando-te, dia a dia, acontecimento atrás de acontecimento,
aonde te quer levar. Os leigos são chamados pelo Senhor a consagrar- Lhe a sua vida no
meio das estruturas terrenas, na família, no amor conjugal, nos filhos. .. No trabalho, na
política, na sociedade. Os consagrados são igualmente chamados a dedicar-se com
exclusividade a dar, em comunidade, testemunho e razão da esperança a que fomos
chamados... Uns, na contemplação; outras, na acção. Uns, na entrega aos pobres e
outros dedicação ao ministério da Palavra...
Somos um corpo no qual cada membro tem uma função. Qual a tua? Que quer Deus
de ti? No silêncio da oração irás descobrindo a sua vontade. E é também aí onde vais
receber a força para não dar desculpas como aquele jovem: «Deixa-me ir primeiro a.. .».
Porque Jesus quer tudo: «Deixa que os mortos sepultem os seus mortos...»
«Tu, vem e segue-Me»
Assim, sem condições e para onde Ele queira. Isso, sim, empregando todos os teus
talentos - saúde, forças, atracção pessoal, riqueza e vida - naquilo em que puderes dar
mais glória a Deus e cumprir a sua vontade. Pede ao Senhor poder conhecer a satisfação
Que dá passar dificuldades para O seguir.
Só o permanecer firme no meio dessas dificuldades nos torna «aptos para o Reino»,
um Reino que se conquista exercendo violência sobre si mesmo... «Quem olha para trás,
depois de deitar a mão ao arado, não é apto para o Reino de Deus».. Olhar sempre em
frente, sem seguranças, sem instalações, sem medos. Com uma infinita confiança n'
Aquele que nos chama.
Ser fiel aos chamamentos do Senhor supõe confiar continuamente sem saber aonde
te vai levar. . . É preciso «confiar para ver grandes coisas».
Senhor, quero ser como aquele jovem que te parou um dia, no caminho, para Te dizer:
«Seguir-Te-ei para onde quer que fores».
Sei que vou sentir, muitas vezes, a mesma tentação de responder ao teu chamamento
como aquele outro: «Deixa-me ir primeiro...», mas Tu, Jesus, insiste e não me deixes
cair na tentação do medo, da desconfiança, do indiferentismo... que me impeça seguir-
Te como e aonde Tu quiseres. Devo repetir-Te como Teresa de Jesus:
«Vosso sou, para Vós nasci que quereis, Senhor, de mim?»
TERCEIRA SEMANA
«JESUS DESCEU COM ELES ANAZARÉ»
De novo a contemplação dos mistérios da infância e juventude de Jesus. Agora, na
casinha de Nazaré.Pouco sabemos dela, mas vendo de perto a vida de uma família
daquela época, de uma família trabalhadora, simples e pobre, com a certeza de
encontrarmos, na simplicidade de «um homem qualquer», o Filho de Deus que assumiu
a nossa natureza, a nossa vulgaridade, para nos revelar o amor do Pai, é uma
contemplação do amor feito mistério de pobreza e entrega humana.
Tudo o que é humano se aproximou do divino, desde que Jesus entrou na vida comum
dos homens,
«... e era-lhes submisso»
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Era a ordem normal de uma família. E Jesus submeteu-Se a ela, porque quis ser em
tudo semelhante a nós. E obedeceu, submeteu-Se às leis naturais de um pai, de uma
mãe, de um lar onde o sacrifício gera um ambiente de amor.
Contemplando as cenas de Nazaré, poderias rever a tua obediência. A vontade de Deus
não pode manifestar-se senão através dos acontecimentos e muitos deles giram à volta
da vida familiar. Jesus soube obedecer, embora sem escravidões nem mais além do que
mostrava ser claramente vontade do Pai, mesmo que, de momento, «seus pais não
compreendessem».
Mas, submetido à lei do trabalho, «como um homem qualquer», manteve-Se na
obscuridade da casa de Nazaré, trabalhador escondido, santificando com o seu amor o
trabalho simples e humilde. Uma vez mais, a opção pelos pobres, pela pobreza,
simplicidade, amor ao que é desconhecido e desprezado pelo mundo...
«Maria conservava todas estas coisas no seu coração»
No lar de Nazaré, rezava-se. Ou antes, a oração era o centro da vida na casa de
Nazaré.
Jesus orava ao Pai, comunicava com Ele continuamente e, nessa comunicação, ia
«crescendo» não só «em idade», mas em «sabedoria e graça»; nessa sabedoria que é
saborear as coisas do Pai de Quem tinha recebido tudo e por Quem tinha sido enviado...
E esse crescimento manifestava-se também «diante dos homens», que iam recebendo o
seu testemunho silencioso de amor, de entrega.
Maria orava «conservando todas as coisas no seu coração», nesse recinto sagrado onde
também comunicava com o Pai e onde ia perscrutando a Sua vontade com a
simplicidade de vida em que Deus Se manifesta. Ao lado do Verbo da Vida, ia vivendo
com José as agruras dos acontecimentos quotidianos. Era essa a sua oração.
«Era tido pelo filho do carpinteiro...»
Também Se submeteu à lei do trabalho, para que a sua vida fora, em tudo, semelhante
à de tantos e tantos homens que lutam pela existência e trabalham diariamente para que
não falte o pão à sua mesa. E a sua sabedoria surpreenderá aqueles que tinham
esquemas mentais diferentes dos de Deus. Aqueles cuja hierarquia de valores se baseava
mais no ter do que no ser. Ignoravam que aquele Mestre de Nazaré, que os
surpreenderia com a sua sabedoria divina, era o Filho de Deus, mesmo que não tivesse
mais título humano que o de ser «filho do operário» que ganhava o pão, dia a dia e hora
a hora, com o suor do seu rosto, como «um homem qualquer».
Que a contemplação deste amor silencioso de Jesus no seu lar de Nazaré, com Maria
e José, te leve a dar valor à pessoa pelo que ela é e não pelo que tem, a amar a
simplicidade da tarefa quotidiana, sem ambições desmedidas, com a paz de quem sabe
que «só o amor dá valor a todas as coisas», como dizia Santa Teresa de Jesus.
Senhor Jesus, que amaste a simplicidade de vida no trabalho ordinário de cada dia,
ajuda-me a compreender que é o amor o que dá valor às nossas acções; que é a nossa
pessoa, feita à imagem de Deus, a que possui uma grande dignidade pelo que é e não
pelo que tem ou pelo que faz. Ajuda-me a amar os homens e mulheres que lutam na
vida por conseguirem um posto de trabalho, e a santificar a minha tarefa quotidiana,
prolongando a tua acção no mundo. Amen.
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SEGUNDA-FEIRA
QUARTA SEMANA
«JESUS FOI LEVADO PELO ESPÍRITO SANTO AO DESERTO...»
É o Espírito quem leva Jesus a orar no retiro daqueles quarenta dias durante os quais
se prepara para a missão que o Pai lhe confiara.
Na contemplação de Jesus orando em silêncio e recolhimento, desse Jesus que sofre as
inclemências do tempo numa terra árida, desse Jesus que jejua e faz penitência,
encontrarás a força para a tua vida de actividade, para enfrentares as dificuldades e
tentações que sairão ao teu encontro.
«Este é o meu Filho muito amado, no Qual pus o meu encanto»
Foram estas as palavras que se ouviram quando Jesus foi baptizado por João - no
meio dos pecadores - no rio Jordão. Mas o Filho de Deus, no qual Ele tinha posto o seu
encanto, devia parecer-Se a nós, em tudo, «menos no pecado». E quis passar pela
provação, a angústia, a solidão...
Essa situação limite em que muitas vezes tu também te encontras.
Foi o Espírito que O guiou, e Jesus deixou-Se guiar por Ele. Sentiu o apelo da
contemplação e dirigiu-Se para o deserto antes de começar a vida pública. E o
Evangelho diz que foi «para ser tentado». São os acontecimentos os que nos marcam o
ritmo do Espírito. E, precisamente na solidão daqueles quarenta dias de retiro,
encontrou Jesus a angústia na tentação. Para que n'Ele tivéssemos um modelo acabado
de toda a vida humana. Porque a vida está cheia de dificuldades e de tentações, e a
solidão, o retiro, a oração, a penitência preparam-nos para não sucumbir.
Sim, Jesus é o teu modelo de vida. Todos os empreendimentos que realizas teriam outro
sentido se, guiado pelo Espírito, também tu te retirasses a orar...
«Se Tu és o Filho de Deus...»
Três tentações, três grandes dificuldades com que vamos certamente encontrar-nos
muitas vezes, porque são inerentes à nossa natureza, a mesma que Jesus Cristo quis
assumir.
A primeira tentação é sensual, de apetite, de necessidade primária, mas com a marca
tão própria da nossa natureza que quer tirar partido das situações: «Se Tu és o Filho de
Deus, ordena que estas pedras se convertam em pães». Essa força do Espírito, que mais
adiante O levará a «servir» os homens, a atender a todas as necessidades humanas, Ele
sente-Se, agora, tentado a servir-se dela em proveito próprio.
Como tu te verás muitas vezes tentado.
A segunda tentação é a da vanglória: «... lança-Te daqui abaixo, pois está escrito que
os anjos Te guardarão para que não firas o teu pé nalguma pedra». E teria sido uma
coisa espectacular! A mesma tentação que temos tantas vezes:
triunfar, ser considerados, ocupar lugares de honra. . .
A terceira tentação é a de possuir: «... tudo isto Te darei se, prostrado, me adorares».
Os ídolos da riqueza, do poder, do ter, do ser considerado, que arrastam tantas pessoas!
E esses mesmos ídolos tentam Jesus para que tenhamos n'Ele um modelo de vida, para
que lutemos com as mesmas armas com que Ele lutou contra as seduções do espírito do
mal. Ele, que foi conduzido «pelo Espírito ao deserto, para ser tentado»!
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«Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus»
Como vencer as tentações de hedonismo, de poder, de possuir, que tantas vezes nos
assaltam na nossa vida?
Como fazer para não nos deixarmos arrastar pelos ídolos?
É impossível não ser tentado, porque a vida do homem sobre a terra é uma contínua
guerra. E até Jesus quis passar por esta prova.
Foi esta a grande lição contra os falsos poderes do mundo: a tentação da
sensualidade, do prazer, da ânsia desmedida de gozar, de desfrutar a todo o custo,
vencê-la-ás, como Jesus, conhecendo os verdadeiros valores: «Nem só de pão vive o
homem. ..». Saciar o prazer não pode
dar-te a felicidade, antes a destrói com frequência. A palavra «que sai da boca de Deus»,
a alegria da criatividade como dom do Espírito, não tem igual. O menosprezo das coisas
passageiras é o remédio contra esta tentação do hedonismo.
O conhecimento das riquezas que se encerram no conhecimento e no amor de Deus e
dos bens do espírito que o homem é capaz de possuir como participação da vida de
Deus. Sim, «nem só de pão vive o homem». Os prazeres sensíveis jamais poderão
saciar-nos.
A tentação do subir na vida, do protagonismo, do êxito, vence-a Jesus descobrindo a
ilusão que encerra. Ilusão que rapidamente se desvanece com a própria «Escritura» a
que alude o tentador: «Também está escrito que não tentarás o Senhor teu Deus. . .». É
fácil enganar-se, mesmo em nome das próprias palavras da Escritura, mesmo em nome
da lei, das regras. . . O difícil é descobrir essa tentação subtil de procurar-se a si mesmo
nas coisas que parecem ser para glória de Deus.
A tentação do possuir, que é uma verdadeira servidão que nos arrasta, Jesus ensina-
nos a vencê-la com a rejeição mais absoluta de tudo aquilo que não passa de ídolo:
«Vai-te, Satanás... Ao Senhor teu Deus adorarás e só a Ele prestarás culto.. .» «Vigiai e
orai, para não cairdes na tentação», dirá Jesus noutra ocasião aos seus discípulos. Esta é
a grande lição que o Senhor nos quis dar com a sua própria actuação, com a sua vida. O
deserto de Jesus é o deserto da nossa vida de tentação, de luta, de dificuldade pela qual
necessariamente teremos de passar uma vez ou outra.
Senhor Jesus, que quiseste passar por esta prova da tentação dos grandes poderes
ilusórios que vêm continuamente ao nosso encontro: o egoísmo, o prazer, o orgulho de
fazer figura, a ambição do poder. Ensina-me a vencer, com a minha oração e a minha
confiança ilimitada em ti, a esses grandes inimigos da pessoa, esses inimigos que me
encerram no egoísmo e não me deixam sair de mim mesmo para me entregar aos
outros, nem me deixam crescer na liberdade dos filhos de Deus que, como diz Teresa de
Jesus, chegam a gozar imensamente, porque «não querendo nada, tudo possuem».
TERÇA-FEIRA
QUARTA SEMANA
«A TUA FÉ TE SALVOU:
VAIEMPAZ»
É a acção de uma mulher pecadora que acorre confiada a Jesus, a que arranca dos
seus lábios uma das mais belas parábolas do perdão e do amor, das muitas que contém
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o Evangelho de Lucas. Esta meditação levar-te-á a conhecer os sentimentos de Jesus e
a confiar no seu perdão, a amar e a perdoar como Ele. Penetra neste texto evangélico
com um grande desejo de conhecer a faceta mais maravilhosa do amor: a do perdão e
da misericórdia. Talvez possa ajudar-te a fazeres como aquela mulher pecadora:
lançares-te aos pés de Jesus sentindo-te, como ela, mais amado porque mais perdoado.
«... e chorando, começou a banhar-Lhe os pés com lágrimas...
ungindo-os com perfume»
Era conhecida na cidade. Todos sabiam que «era pecadora» e criticavam-na. Talvez
porque eles não se reconheciam «pecadores» como ela e se julgavam justos. Jesus tinha
de lhes dar uma lição de amor e misericórdia, de perdão e confiança humilde. . .
Aquela mulher deve ter-se sentido encorajada por alguma das palavras ou atitudes de
Jesus e, rompendo com todos os respeitos humanos, entrou na casa do fariseu - coisa
proibida a mulheres como ela - e lançou-se a seus pés, num gesto muito feminino de
amor e dedicação: perfuma-Lhe os pés, lava-os, beija-os, acaricia-os, chora...
Procura, agora, penetrar nos sentimentos de Jesus vendo aquela mulher e deixando-a
fazer... É o Bom Pastor que acolhe a ovelha transviada. Ela, a pecadora, sente, como
recompensa desse acto de fé e confiança em Deus, o amor infinito que perdoa, que
redime, que acaricia a alma. . .
E todos nós recebemos a grande lição de amor ao próximo que Lhe arrancou a atitude
hipócrita do fariseu. . .
«...são-lhe perdoados os seus muitos pecados, porque muito amou»
É o que Jesus, que acolhe a mulher pecadora no meio do banquete - mais além dos
costumes e preconceitos da época - com grande respeito para com ela, com delicadeza e
amor, vai ensinar ao fariseu por meio da parábola dos dois devedores.
Porque as criticas começavam a multiplicar-se: «Saberá o Mestre de que espécie é a
mulher que Lhe está a tocar?» E dizem-no os que se crêem justos e consideram os
outros pecadores. Jesus vai ensinar-lhes que aquela mulher, mesmo pecadora, ama mais
do que eles.
«Vês esta mulher? - diz Ele ao fariseu - ela fez comigo tudo o que tu não fizeste e
deverias ter feito...» E o fariseu caiu na conta de que realmente, segundo a parábola,
amará mais aquele que mais tenha sido perdoado;
quer dizer, aquele que tenha sentido mais necessidade de ser perdoado. Quem se julga
justo e pensa que não deve nada, não poderá amar. Talvez precises de pensar
frequentemente nesta atitude farisaica para não caíres nela, para não te sentires «justo»
desprezando os outros. Recorda que «ama mais quem se sabe mais perdoado».
«...Vai em paz»
Não acabamos de acreditar: Jesus é o grande perdoador. «Quem é este que perdoa os
pecados?» Jesus é o nosso Salvador. E é a fé e a confiança o que nos salva, nos perdoa.
O dom da sua paz é o perdão. Só quem alguma vez sentiu na sua alma o dom do
perdão salvador de Jesus pode compreender a consolação dessa paz com que o Senhor
despede a pecadora.
Podes certamente ver-te retratado nessa mulher. E oxalá! Porque é sinal de que vai
penetrando na tua alma a atitude evangélica e o conhecimento de Jesus que veio não
para julgar, mas para salvar. Ele só espera de ti a atitude da pecadora que se lança a seus
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pés porque se sente tão necessitada de perdão como de amor. E Jesus perdoa-lhe, porque
a ama, e ama-a porque precisa de perdão.
A tua atitude pode arrancar de Jesus essas palavras que ouvirás no íntimo do teu
ser:«Os teus pecados estão perdoados, meu filho; vai em paz».
Jesus, quero aproximar-me de Ti como aquela pecadora e lançar-me a teus pés, porque
me sinto muitas vezes tão pobre e necessitado que desejo ouvir essas palavras
consoladoras que disseste à mulher: « Vai em paz». Deixa-me sentir o teu amor e
misericórdia no meio da minha fraqueza, do meu pecado e do meu nada. Sem Ti nada
posso, mas contigo tudo posso.
«.. . FICARAM ADMIRADOS POR ELE ESTAR A FALAR COM UMA MULHER»
Há muitas passagens no Evangelho que nos falam da relação de Jesus com a mulher.
E certamente não é mais do que uma amostra... Os evangelistas querem-nos transmitir
a mensagem de Jesus, a sua maneira de agir em que se encerra toda a «boa notícia»,
que mudou tantos e tantos valores. Um deles, a estima pela mulher que, em muitos
lugares e épocas, foi rebaixada na sua dignidade humana. Jesus quis actuar mais do
que falar. E o seu comportamento com as mulheres em diversas ocasiões demonstra-
nos o amor que lhes tributou, Ele, que sendo Filho de Deus, quis «nascer de uma
mulher... ». Esta meditação vai dedicada, de modo especial, às mulheres. Se queres
apaixonar-te por Jesus, se queres viver d 'Ele, desfrutarás contemplando o amor com
que Jesus trata a todas as mulheres que d'Ele se aproximam...
«Ó mulher, grande é a tua fé!»
Não há coisa que incite mais a amar do que ver como somos amados. E Jesus,
Caminho, Verdade e Vida, demonstrou-nos esse amor de mil maneiras.
Também às mulheres, que na sociedade em que Lhe tocou viver, eram consideradas
quase como objectos... Esta situação não é exclusiva de uma época nem de uma
sociedade nem de um lugar. Por isso, Jesus quis-nos dar exemplo, Teresa de Jesus
compreendeu-o bem, num momento histórico igualmente difícil para a mulher: <<Não
aborreceste as mulheres, enquanto andavas pelo mundo, mas antes as favoreceste
sempre com muita piedade.. .», dirá familiarmente ao Senhor num dos seus escritos.
De facto, quis nascer da Virgem Maria, ser educado por Ela na sua infância e
adolescência. Durante a sua pregação, recebeu a atenção e o carinho de muitas mulheres
da Galileia. Aos pés da cruz, quis ter o amor feminino nestas duas vertentes: o amor
virginal de Maria e o amor penitente de Maria Madalena. . .
As suas conversas com várias mulheres deram, por uma parte, lugar a escândalos, e,
da parte das próprias mulheres, a maravilhosas conversões: a samaritana, a adúltera, a
pecadora que se lança a seus pés.
«Mulher, que queres de mim?»
Em Caná da Galileia, Jesus inaugura a sua vida pública com o primeiro milagre. E é
uma mulher, sua Mãe, a que Lho arranca com um pedido, com delicadeza feminina,
atenta aos pormenores e às necessidades alheias.
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Marta e Maria, as duas irmãs que O recebem frequentemente em sua casa de Betânia
nas idas a Jerusalém, tratam-No com imenso carinho, cada uma a seu jeito, conforme o
seu carisma.
Uma mulher, com outro pormenor encantador, segundo conta a tradição, enxugou-Lhe
o rosto a caminho do Calvário.
Não sabemos como foi, mas sim que elas, as mulheres, receberam consolação d' Aquele
que precisava ser consolado, com a cruz às costas, a caminho da sua execução.
Também foi a voz de outra mulher a única que se fez ouvir quando as autoridades
decidem condená-Lo à morte.
A mulher de Pilatos intercede por Ele: «. . . não te metas com esse justo», dissera ela a
seu marido.
São também umas quantas mulheres as que assistem com delicadeza aos seus últimos
momentos, quando O descem da cruz, e as que vão de madrugada ao sepulcro para O
ungirem com perfumes..., que choram porque não O encontram e merecem ser as
primeiras a vê-Lo ressuscitado.
São ainda várias as mulheres que estão no Cenáculo com Maria, a Mãe de Jesus,
esperando em oração a vinda do Espírito que as confirmará na fé.
«Mulher, porque choras?»
Em muitas ocasiões, as mulheres receberam o conforto e a ajuda eficaz de Jesus que
acompanhava as suas penas, necessidades, súplicas.
Perante tantas situações, que chamaríamos de «antifeministas» e que fizeram e ainda
fazem da mulher um objecto, Jesus tratou-as sempre com amor e compaixão, com
dignidade, como filhas de Deus, seu Pai.
A mulher, que padece de hemorragias, só com tocar-Lhe, recebe a influência do seu
poder divino.
A cananeia, desprezada pelos outros por ser mulher e pagã, recebe um tratamento
especial de Jesus que a elogia diante de todos os que a julgavam. Também a sogra de
Pedro é curada da febre... A viúva de Naím e outras tantas, são atendidas nos seus
pedidos
Só comparando esta atitude de Jesus para com a mulher, com o tratamento que outras
religiões e culturas lhe davam e lhe têm dado ao longo da história, é que nós podemos
compreender, o amor infinito de Deus Pai em seu Filho Jesus Cristo, e a sua mensagem
universal de humanismo.
É este um dos grandes valores da mensagem salvadora de Jesus, da sua Boa Notícia.
Senhor, quero dizer-Te, como Teresa de Jesus, que «não aborreceste as mulheres,
enquanto andavas pelo mundo, mas antes as favoreceste sempre com muita piedade».
Por isso Te peço que me ajudes a penetrar nos sentimentos do teu coração e a deixar-
me seduzir pelo teu amor.
Num mundo, em que a mulher é considerada muitas vezes como objecto, e no qual a
sua conduta é com frequência uma provocação para que o seja, ensina-me a
compreender os verdadeiros valores da mulher, os mesmos que Tu nos deixaste com a
tua Boa Notícia.
«FAÇO SEMPRE O QUE É DO AGRADO DE MEU PAI»
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A grande lição de Jesus, a sua mensagem central, é a relação de amor com o Pai. Ele
mostrou-nos Deus como Pai e concedeu-nos, no Espírito, a filiação divina. Somos filhos
de Deus por adopção como Ele o é por natureza. Mas quando Jesus nos quer mostrar o
Pai não o faz unicamente com palavras, mas com a vida. Por isso poderá dizer a Filipe,
quando Lhe pede que lhes mostre o Pai: «Há tanto tempo que estou convosco e não me
conheceis? Filipe, quem Me vê a Mim, vê o Pai». É esta a atitude de Jesus para com
seu Pai celestial: cumprir a sua vontade. Deixar-Se conduzir pelo Espírito a fim de não
fazer a sua vontade, «mas a d 'Aquele que o enviou». Nós, enviados por Jesus, como
Jesus é enviado pelo Pai, temos de viver a sua vida e, portanto, segui-Lo neste
cumprimento da vontade de Deus.
«...0 meu alimento é a vontade de meu Pai»
Quer dizer, a vontade do Pai é o sustento da sua vida espiritual. Essa vontade que se
vai manifestando dia a dia e se vai desvendando paulatinamente desde a sua
Encarnação. E desvenda-se não só pela intimidade que Jesus tem com o Pai, mas
também através dos acontecimentos do dia a dia.
Isto é, pelo meios vulgares e quotidianos com que Deus costuma manifestar-Se aos
homens. Porque Jesus quis «encarnar-Se» verdadeiramente e assumir a nossa condição
em tudo menos no pecado.
Por isso, também para Ele se foi desvendando, pouco a pouco, qual seria a vontade
do Pai sobre a sua vida.
Deste modo, para cumprir a sua vontade, nasce num determinado momento histórico,
numa pequenina cidade da Judeia, vai para o Egipto para escapar a uma ordem humana
injusta, vive numa aldeia de má fama, na Galileia, obedecendo durante muitos anos a
José e a Maria, levando com eles uma vida de operário, escondida e vulgar. . .
E é isto o que O faz «crescer em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e dos
homens». Porque este cumprimento da vontade de seu Pai é o que O alimenta, O
fortalece, O amadurece humanamente e O faz crescer... A Ele que era o Filho de Deus!
«Não vim fazer a minha vontade, mas a de meu Pai»
E é esta vontade divina a que O leva ao deserto, ao jejum, à pregação, à entrega aos
homens... à paixão e à morte.
A sua fidelidade ao Pai está por cima das leis farisaicas que nada tinham a ver com o
espírito, mas com a letra. E Ele veio não destruir a Lei, mas aperfeiçoá-la. A sua
conduta de entrega incondicional à vontade do Pai será a que vai leváLo a estar atento
aos sinais dos tempos, a todas as manifestações da vontade de Deus e a sofrer, se for
preciso, aceitando a amargura dolorosa do cálice que será a nossa salvação.
Quando fala - e fá-lo com frequência - da «sua hora», está a aludir à manifestação do
Pai na sua vida, à qual está sempre atento, para não fazer a sua vontade, mas a do Pai,
para não procurar a sua glória, mas a do Pai.
Por isso, quando os discípulos, depois de O encontrarem com a Samaritana, Lhe
dizem que coma, responde-lhes com aquela frase surpreendente: «Eu tenho um alimento
para comer, que vós não conheceis...» E, perante a admiração daqueles homens, declara-
lhes: «O meu alimento é fazer a vontade d' Aquele que Me enviou e consumar a sua
obra».
Com a mensagem de amor que tinha dado à Samaritana, Jesus estava a cumprir a
vontade do Pai, levando a cabo a sua obra de santificação e redenção. Como aliás em
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todos e cada um dos momentos da sua vida, por vulgares e insignificantes que eles
fossem.
«Pai... não se faça a minha vontade, mas a tua»
Ao ensinar-nos a orar, Jesus diz que todas as vezes que nos ponhamos em oração,
repitamos sempre estas palavras que Ele dirigiu a seu Pai nos momentos mais decisivos:
«Faça-se a tua vontade». É a petição que repetimos no «Pai-nosso», a oração que o
próprio Jesus nos ensinou.
Ele teve de dizê-la com lágrimas e suor no Jardim das Oliveiras e tê-la-ia repetido
também em muitas ocasiões da sua vida. E esta há-de ser a nossa verdadeira oração:
«Pai, faça-se a tua vontade».
Se queres ter paz, se desejas crescer espiritualmente e no conhecimento e amor de Deus,
que seja esta a tua oração de cada dia. Não houve ninguém no mundo que tenha
resistido à vontade de Deus e tenha ficado em paz. «Não há paz para os ímpios»... mas
sim muita paz e alegria para os que cumprem a vontade de Deus.
Por isso, não procures fazer a tua vontade em tudo, mas fazer sempre e em cada
momento a vontade de Deus, teu Pai. Ele, que te ama infinitamente, que vela por ti dia e
noite, que «te conhece quando te sentas e quando te levantas», não vai permitir que haja
alguma coisa que te faça mal...
Renuncia à tua vontade, nega-te a ti mesmo, toma a cruz de Jesus e segue-O, cumprindo
como Ele a vontade do Pai que está nos céus. E podes ter a certeza de que encontrarás o
céu já aqui na terra.
Pai, que não se faça a minha vontade, mas a tua. Ensina-me, Jesus, a fazer destas tuas
palavras a oração fundamental que alimente a minha vida espiritual e me faça crescer
no amor de Deus. Quero estar sempre atento à vontade do Pai, a fim de que a minha
vida seja um reflexo da tua e goze, já nesta terra, da paz que prometes aos homens de
boa vontade. E não há melhor vontade do que aquela que se deixa nas mãos do Pai que
está nos céus.
SEXTA-FEIRA
QUARTA SEMANA
«DEIXAI VIR A MIM OS PEQUENINOS...»
Um dos amores preferenciais de Jesus foram, sem dúvida, as crianças. Nesta
meditação, entraremos nesse mundo de predilecção, contemplaremos momentos da vida
de Jesus recolhidos pelos Evangelhos, e tiraremos os ensinamentos que os evangelistas
nos oferecem sobre este tema. Se o pobre, o humilde, o simples é o preferido no Reino,
é lógico que o sejam as crianças, em quem se reflectem essas características. E também
o é o facto de que Jesus quisesse que todos nos tornássemos como um desses
pequeninos...
«Não as impeçais... delas é o Reino»
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Jesus mostrou um amor preferencial por duas categorias de pessoas: os pecadores e os
pobres e simples. Testemunhas da primeira preferência são Maria Madalena, a mulher
adúltera, Zaqueu, Mateus... e tantos outros. Parábolas como a do filho pródigo revelam-
nos esse amor de predilecção pelos que se reconhecem pecadores e estão, portanto, em
condições de se converterem. A segunda predilecção é pelos pobres e simples. E quem
mais desvalido, pobre, pequeno e simples do que uma criança? Por isso, Jesus acolhia-
as continuamente. E elas, as crianças, que adivinham facilmente quando os adultos as
aceitam ou rejeitam, chegavam-se a Ele para receberem as suas carícias, delicadeza e
amor. Abençoava-as, acariciava-as, abraçava-as... Mas também as defendia com firmeza
quando pressentia os escândalos de que podiam ser vítimas. E ameaçava com
expressões pouco habituais n'Ele, tão cheio de perdão e misericórdia.
Para quem escandalizasse um desses pequeninos, Jesus falava em «lançá-lo à água com
uma pedra de moinho atada ao pescoço». Não, Ele não queria isso, e precisamente
porque não o queria, falava de um hipotético castigo se alguém chegasse a escandalizar
os seus queridos pequeninos.
Que via Jesus nas crianças? A perfeita imagem do Pai do Céu, templos vivos do
Espírito, e em quem não entrara ainda o poder do mal e do egoísmo consciente. Via
também as gerações futuras que tinha de educar e formar para que delas fosse o Reino
dos céus. Não queria que fossem impedidas de irem até Ele.
Este ponto é importante. Se és educador, pai, mãe, catequista, animador..., se tens nas
tuas mãos a oportunidade de que as crianças se aproximem de Jesus, não podes impedir-
lho.
Foi um pedido, um desejo ardente do Senhor: «Deixai vir a Mim os pequeninos...»
«Se não vos fizerdes como crianças, não entrareis no Reino...»
Nas crianças, Jesus via a imagem do Pai, mas via igualmente o modelo de simplicidade
evangélica que veio ensinar-nos. Por isso, pôs uma condição para entrar no seu reino,
para viver a sua mensagem de paz e de felicidade:
fazer-se como crianças.
Jesus viu que nas crianças há verdade, simplicidade, candura, amor desinteressado. Não
se encontra nelas falsidade, traição, ingratidão, desvio...
Por isso falou deste «caminho», o mesmo que Santa Teresinha de Lisieux descobriria
um dia: a infância espiritual. Fazer-se como crianças é sentir a própria impotência e
acudir cheios de confiança ao Pai, lançando-se em seus braços misericordiosos, tal
como uma criança com seu pai.
Esta é a grande lição de simplicidade que Jesus nos quis dar ao colocar um pequenino
no meio da multidão: «Se não vos fizerdes como crianças...»
«O que fizerdes a um destes pequeninos, a Mim o fazeis»
Jesus vai ainda mais longe. Qualquer coisa que se faça a uma criança, a um
pequenino, é a Ele a quem se faz. Tão identificado está com elas que sente como próprio
o que fizermos a uma criança, quando a ajudamos, sempre que a amamos.
Mais uma vez, todos os que estamos comprometidos no campo da educação
encontramos nestas palavras de Jesus um motivo de alegria, de entusiasmo pela tarefa
educativa, de desejo intenso de derramar na pessoa das crianças todo o amor que
gostaríamos de demonstrar a Jesus.
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Jesus, que quiseste que as crianças se aproximassem de Ti, que as amavas com ternura,
as acariciavas e consolavas, que abençoavas e atraías com o teu olhar e os teus gestos,
faz que eu encontre sempre nas crianças um caminho para ir a Ti. Sempre que houver
uma criança, perto de mim, que precise de mim, que eu não duvide em dedicar o meu
tempo e a minha pessoa a ajudá-la, acarinhála, abençoá-la, educá-la e ...sobretudo, a
aproximá-la de Ti. Senhor, quando tantas coisas deste mundo, na nossa sociedade
descristianizada, separam as crianças de Ti, ou as «impedem» de se aproximarem de
Ti, eu quero estar perto das mais necessitadas para lhes levar o teu amor, esse amor
derramado em nossos corações pelo Espírito Santo.
Também te peço a graça imensa de ser, como as crianças, simples e pobre, humilde e
necessitado, a fim de poder possuir o Reino. Amen.
«EU SOU O CAMINHO, A VERDADE E A VIDA»
Jesus é o Mestre que nos mostra o caminho do Reino;
mas Ele próprio, com a sua vida, é também nosso Caminho, e mediante a redenção, dá-
nos a Vida. A sua Palavra é o dom que nos introduz na Verdade, porque Ele mesmo é a
Verdade.
Se o Evangelho é o «livro vivo» que Teresa de Jesus encontrou em Jesus, irás
penetrando nesse Caminho, nessa Verdade e vivirás a Vida, a verdadeira vida, o Reino
que já começou aqui na terra.
Todas estas meditações não pretendem senão que possas ir conhecendo, cada vez mais,
a vida de Jesus, a sua Palavra, afim de que, pouco a pouco, «não sejas tu quem viva,
mas Cristo em ti».
«Eu sou o Caminho...»
«Ninguém pode ir ao Pai senão por Mim». Sim, Jesus é o único caminho de salvação,
fora do qual não há mais do que angústia e solidão. Por Jesus Cristo e só por Jesus
Cristo, podemos chegar ao Pai.
Nunca agradeceremos bastante a notícia que Jesus nos veio trazer levando-nos até ao
Pai, dando-nos a conhecer o amor de Deus como Pai. Só Ele é o Caminho que nos pode
levar a compreender este amor imenso que nos torna filhos no Filho.
Sem esta revelação do seu amor, nunca encontraríamos o caminho para chegar a Deus,
ao Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo.
«Não é tempo de darmos crédito a todos - dirá Teresa de Jesus - mas aos que
reconhecemos que vivem de acordo com a vida de Cristo». E «pelo caminho percorrido
por Cristo, terão de ir os que O seguem se não quiserem perder-se».
«Eu sou a Verdade»
Esta é a resposta que talvez Pilatos teria ouvido se tivesse sabido esperar depois da
sua pergunta: «Que é a verdade?» Jesus é a verdade porque n'Ele se cumpriram as
profecias e se realizaram as figuras da antiga Lei. É a verdade nos seus dogmas, nas
suas promessas, no seu Evangelho, na sua Igreja... é a verdade pela qual devemos dar a
vida, se for necessário, para defendê-la; é a única verdade, única e imutável. . . «De esta
verdade - como percebeu, um dia, Teresa de Jesus, na oração - nascem todas as outras
verdades».
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Conhecer e amar Jesus Cristo é conhecer a verdade, porque «Ele é a Verdade Suprema»
e nos leva a possuí-la.
Ensinar a conhecer e a amar Cristo é levar os homens ao conhecimento da verdade.
«Eu sou a Vida»
o homem procura incansavelmente a vida, a verdadeira vida, a verdadeira felicidade. E
só Jesus Cristo é esta Vida. Vida em Deus, eterna e essencial, porque é a mesma vida de
Deus da qual nos faz participante através da redenção. Deu-nos a vida com a sua morte,
e salvou-nos da morte, pelo seu Espírito, pelo seu amor.
Viverda vida de Deus em Jesus Cristo é gozar da paz e felicidade máximas já neste
mundo, enquanto se espera a posse absoluta da Vida eterna que Ele conquistou para
nós.
Jesus, Caminho, Verdade e Vida da minha alma, eu Te dou graças por me teres
revelado o amor infinito do Pai e seres para mim o Caminho que me há-de levar até
Ele. Eu te dou graças por me teres revelado a sabedoria que procede de ti e me leva a
conhecer esse amor de Deus derramado em nossos corações, essa sabedoria que não
possuem os sábios e inteligentes deste mundo, porque Tu a revelaste aos simples e
humildes». A sabedoria que Tu mesmo me revelaste, porque és a Verdade. Eu te dou
graças por me teres feito participante da própria vida divina e possuir já neste mundo o
penhor do que havemos de viver, um dia, em plenitude, por toda a eternidade. A
felicidade que só Tu me podes dar, porque és a Vida da minha vida. Amen.
«ESTE É O MEU FILHO MUITO AMADO:
ESCUTAI-O»
O seguimento de Jesus é mais do que a sua imitação. Trata-se não só de fazer o que
Ele fez, mas de viver como Ele viveu e de «O escutar» como o Caminho, a verdade e a
Vida, que já conhecemos. «Segue-me» é a palavra-chave que encontramos no
Evangelho em cada um dos apelos que Jesus faz aos seus discípulos para que vivam a
sua vida. Segui-Lo é participar da sua vida, sentimentos, critérios, entrega, amor.
Todas as meditações da vida de Cristo que encontrarás lendo assiduamente o
Evangelho mostram-nos esse caminho de seguimento de Jesus e, portanto, levam-nos
até ao Pai, visto que Jesus é o seu enviado, em quem Ele se compraz.
«Vinde a Mim e dar-vos-ei Vida...»
Como foi a vida de Jesus? Os Evangelhos dão-nos uma pequena ideia de factos e
acontecimentos... Mas, sobretudo, revelam-nos a «Boa-Nova» que Jesus veio trazer.
Poderíamos fazer um pequeno resumo dos factos...
Basta que apontemos alguns: o zelo pela glória de Deus quando expulsa os mercadores
do templo; a condenação do fariseísmo em muitas ocasiões, chamando raça de víboras
aos que o praticam; a justificação dos pobres pecadores que se aproximam para orar
com humildade, como o publicano, e a censura daquela oração arrogante do fariseu; a
eleição de uns quantos discípulos humanamente pouco dotados:
pobres, rústicos, ignorantes, a fim de confundir os «sábios deste mundo»; a sua entrega
contínua à gente do povo, necessitada, pobre, escrava, doente...; a multiplicação de uns
poucos pães e peixes, como símbolo da vida do seu Pão e da sua Palavra. Milagres
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como o de andar sobre as águas, acalmar a tempestade, curar doenças, curar leprosos,
ressuscitar mortos...
Numa palavra: «passou fazendo o bem». Essa foi a sua vida e mensagem: «Ide dizer a
João o que vistes e ouvistes:
os coxos andam, os cegos vêem... e aos pobres é anunciada a Boa-Nova».
«Aprendei de Mim...»
Jesus «falava com autoridade», mas todos compreendiam a sua doutrina, porque
falava da Vida com a simplicidade da verdade, por meio de exemplos do povo e para o
povo.
Mas era uma doutrina que quebrava os moldes de valores normalmente aceites: as bem-
aventuranças são um canto ao «ser» em oposição ao «ter».
As suas parábolas mostram-nos o Reino, um Reino que não é deste mundo: onde o
servo devedor, que não quer perdoar, é condenado, onde o rico avarento sofre à vista do
gozo do pobre Lázaro; onde os convidados a um banquete são os pobres e aleijados,
porque os primeiros escolhidos não quiseram comparecer; onde o joio há-de ser
recolhido ao mesmo tempo que o trigo.
Um reino que se assemelha a um grão de mostarda que cresce até se tornar uma grande
árvore, ou a uma pérola preciosa que obriga a vender tudo para comprá-la.
Ele é o Bom Pastor que chama as ovelhas pelo seu nome e vai à procura da transviada,
mesmo que tenha de deixar as restantes noventa e nove...
O amor exprime-se na atenção dispensada ao pobre estrangeiro - o samaritano - que é o
único verdadeiro «próximo» que atende a quem precisa dele.
O Reino é igualmente como um pai de família que chama os seus operários a trabalhar
na vinha. Ensina o modo de viver em vigilância com a parábola das virgens prudentes
que esperam o Esposo com as candeias acesas, ou com a daquele que sabe fazer render
os' talentos, ou a da terra em que a boa semente produz cem por um... A nossa confiança
no Pai do Céu deve ser como a dos pássaros ou dos lírios, que não semeiam nem
ceifam, nem possuem celeiros, mas que o Pai alimenta e veste de esplendor. . .
Finalmente, ler e meditar diariamente a Palavra de Jesus, pronunciada desde a mais
profunda e única verdade, mas na linguagem da simplicidade, que pode ser
compreendida por todos e, sobretudo, revelada pelo seu amor infinito na intimidade da
oração, é o verdadeiro caminho do seguimento de Cristo.
«Fazei O que Ele vos disser...»
Seguir Jesus é também imitá-Lo, viver com Ele e como Ele, para reinar, depois, com
Ele.
Pergunta com frequência: que pensaria, que diria, que faria Jesus neste caso?
Contempla muitas vezes como Jesus falava, actuava, pensava, procurando conformar os
teus pensamentos, palavras, obras e desejos com os de Jesus Cristo. Só assim O poderás
conhecer, amar e O darás a conhecer e a amar.
Jesus, que eu não ande por outro caminho nem conheça outra verdade nem viva outra
vida senão a tua. «Meu Jesus e meu tudo!», dir-Te-ei como São Francisco, porque Tu
és, e quero que sejas sempre a vida da minha vida e o caminho que hei-de trilhar para
chegar ao Pai.
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Maria, mãe de Jesus e minha mãe, Tu, que foste a primeira seguidora e discípula de
Jesus, teu Filho, ajuda-me a viver como Ele, pensando, actuando, sentindo e amando
como Ele pensava, actuava, sentia e amava. Amen.
«PERCORRIA TODA A GALILEIA…»
Quando Mateus começa a falar do que nós chamamos a «vida pública» de Jesus,
resume-a nestes simples parágrafos (4,23 e 24):
«Percorria toda a Galileia, ensinando nas sinagogas, proclamando o Evangelho do
Reino e curando entre o povo todas as doenças e enfermidades. A sua fama estendeu-se
por toda a Síria… e seguiram-No grandes multidões vindas da Galileia, da Decápole,
de Jerusalém, da Judeia e de além do Jordão». A vida de Jesus, durante a sua
pregação, foi um constante ir e vir sem «lugar onde reclinar a cabeça», como Ele
próprio disse, sempre rodeado dos discípulos, dos pobres, dos doentes, dos pecadores,
das crianças '" Vamos contemplar a esse Jesus «desinstalado», sempre em caminho,
sempre para os outros…
«... e levavam-Lhe todos os que sofriam de qualquer ma!...»
Contempla Jesus constantemente rodeado de gente simples, pobres, homens rudes, ou
até orgulhosos e demasiado seguros de si mesmos, muitas vezes incapazes de O
compreenderem… Contempla-O rodeado de crianças, abraçando-as e entretendo-Se
com elas. Observa com que paz e mansidão acolhe a todos, as mulheres e pecadores
públicos desprezados pelos que se tinham por justos. ..
As multidões seguem-No atraídas pela sua pessoa e não duvidam lançar-se a seus
pés, como Maria Madalena, ou falar com Ele das suas angústias interiores, como a
Samaritana, ou das suas dúvidas, como Nicodemos. Aproximam-se de Ele os
deserdados da sorte, por causa da doença ou de outros males, e sentem sobre si o olhar e
o gesto compassivo de Jesus.
Todos têm lugar junto do Mestre e para todos tem uma palavra de perdão,
misericórdia, consolação. A sua fama estende-se por toda a parte, porque «ninguém
falou como Ele», porque ninguém amou como Ele, porque ninguém leva em si a Vida
como Ele. E os pobres e simples compreendem-No e seguem-No...
«Contemplando a multidão, enchia-se de compaixão por ela, pois andavam
cansados e abatidos, como ovelhas sem pastor»
Com paciência infinita, perante a falta de compreensão que muitas vezes mostravam
até os seus amigos mais íntimos, a ignorância das multidões, a dureza de juízo dos
fariseus, a pobreza dos enfermos e desamparados, Jesus sente compaixão por todos. A
sua vida é uma contínua entrega aos homens como «Bom Pastor», porque os vê
desamparados...
É esta atitude de Jesus que devemos imitar continuamente em relação ao mundo, aos
homens, aos mais carenciados.
E nem tudo na sua vida foi fácil. Suportou pacientemente calúnias, incompreensões,
juízos infundados, invejas. . .
A característica da sua missão durante a vida pública não foi o êxito rápido. Pelo
contrário, pouco a pouco, foise estreitando o círculo dos que compreendem a sua
doutrina. E, se bem que O sigam as multidões, as invejas e as calúnias dos «chefes»
50
vão-No cercando até levá-Lo à paixão, em que será a própria multidão a que há-de gritar
que O crucifiquem.
A paz, a serenidade, a paciência, a mansidão de Jesus durante os anos da sua pregação
são um exemplo constante para a tua vida de entrega aos outros.
«Eu não procuro a minha glória... o meu Pai é quem me glorifica...»
Não procurar a própria glória, mas a do Pai, foi a glorificação de Jesus e será
também a nossa. Mas não pelo caminho que muitas vezes pensamos, antes pelo da cruz,
pelo fracasso, pela morte...
Jesus Cristo procurou sempre, em todas as coisas, a glória de seu Pai, o que era do seu
agrado. Cumpre a lei e os ritos sempre que não vão contra os direitos dos homens ou
não o escravizem; porque «o sábado é para o homem e não o homem para o sábado».
Ama os homens corno irmãos que Ele tem de levar até ao Pai e mostrar-lhes o seu amor
paternal. Quer a vida dos pecadores «e não quer que se condenem, mas se salvem».
Por isso, a sua pregação, a sua atitude e acções durante a «vida pública» são um
contínuo caminho de vida para os que fomos chamados a segui-Lo. Para ti, para mim,
para os que nos chamamos e somos cristãos.
Jesus, a tua vida de pregação não se resume só em sermões e lições de vida através da
palavra; consta sobretudo de atitudes, de entrega aos homens, de paciência para com
todos, de compreensão, misericórdia, perdão... Quero aprender de Ti a fazer tudo sem
procurar a minha glória, mas a de Deus, meu Pai; quero aproximar-me da humanidade
com os mesmos sentimentos de compaixão que tinhas para com as multidões, vendo
nelas os meus irmãos que Tu queres que se salvem e tenham vida... Maria, Mãe de
Jesus, ensina-nos a penetrar cada vez mais nos sentimentos do teu Filho para que a
minha vida apostólica seja como a tua: compassiva, misericordiosa, dedicada,
desinteressada, paciente perante o fracasso, esquecido de mim próprio e atento
exclusivamente à glória de Deus. Amen.
QUINTA SEMANA
«HOSSANA AO FILHO DE DAVID...»
Teresa de Jesus, com a sua grande experiência de oração, aconselhava a meditar com
muita frequência o que ela chamava «um passo da Paixão».Foi um meio de que ela se
serviu durante anos, quando as suas dificuldades para orar eram ainda muito grandes
e lhe custava muito «recolher-se no seu interior». Então, apoiar-se nesses momentos
em que Jesus sofreu por nós, ajudava-a a orar e «incitava-a a amar», como ela própria
afirmava. Vamos entrar numa série de meditações da última etapa da vida de Jesus,
desde a sua entrada em Jerusalém. Não se trata tanto de ir percorrendo ao pormenor
todos os acontecimentos, mas de penetrar nos sentimentos de Jesus para vivermos a sua
vida e nos contagiarmos com as suas atitudes.
«Olhai, subimos agora a Jerusalém e vai cumprirse o que foi escrito...»
Quando se aproximou a «sua hora», Jesus, mesmo sabendo que os judeus procuravam
maneira de O matar, quis subir a Jerusalém com os seus discípulos. Eles estavam, diz o
Evangelho, admirados e «cheios de temor». Jesus tem urgência em cumprir a vontade
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do Pai. Por isso, diz aos apóstolos na intimidade: «Olhai, subimos agora a Jerusalém e
vai cumprir-se o que foi escrito acerca do Filho do Homem: vai ser entregue aos sumos
sacerdotes e doutores da Lei, e eles vão condená-Lo à morte e entregá-Lo aos gentios. E
hão-de escarnecê-Lo, cuspir sobre Ele, açoitá-Lo e matá-Lo. Mas, três dias depois,
ressuscitará».
Também para ti há-de chegar, nalgum momento, a «hora», a situação difícil que terás
de assumir e aceitar como vontade do Pai. E, nessa altura, também deverás dizer com
decisão, como Jesus, para cumprires a vontade de Deus e viver a vida de Cristo:
«subamos a Jerusalém...», onde a cruz te espera, porque também ali, como Jesus,
encontrarás o gozo da ressurreição.
Esta é a dialéctica da vida cristã, da vida que Jesus veio estabelecer, a dialéctica do
Reino.
«Mestre, onde queres que façamos os preparativos para comer a Páscoa?»
Era o primeiro dia da festa dos Ázimos. Os discípulos sabiam que Jesus queria cumprir
com os ritos do costume e perguntam-Lhe: «Mestre, onde queres que façamos os
preparativos para comer a Páscoa? E Jesus disse: Ide à cidade e virá ao vosso encontro
um homem trazendo um cântaro de água. Segui-o e ele mostrar-vos-á a sala onde hei-de
celebrar a Páscoa...»
Os acontecimentos sucedem-se normalmente, como em qualquer festa. Mas todos
ficam assombrados quando pede um jumentinho para montá-lo antes de entrar em
Jerusalém. E é montado nesse pobre animal que a multidão O encontra e O aclama,
louvando-O e gritando: «Hossana, glória ao Filho de David, Rei de Israel! Bendito o
que vem em nome do Senhor...!» A multidão estende seus mantos pelo caminho, para
que passe sobre eles o Mestre de Nazaré; corta ramos de oliveira ou palmas e levam-nas
nas mãos em sinal de vitória.
Cantando, aclamam o Mestre como Rei. Ignoram, no entanto, que espécie de reino é o
seu. O contraste entre as aclamações populares e a simplicidade de Jesus, que quer ir
montado num simples jumentinho, talvez te digam a ti qualquer coisa sobre os
paradoxos do Reino.
Colocando-te na perspectiva da revelação, une-te à aclamação popular, aos «hossanas»
das multidões. Três elementos concorrem nesta manifestação: o coração, as mãos e a
língua. O coração demonstrando a sua adesão e alegria ao receber triunfalmente Aquele
que passou todos os anos da sua vida pública «fazendo o bem»; as mãos batendo palmas
ou alcatifando com os mantos a passagem de Jesus; a língua cantando louvores e
bendizendo a Deus na pessoa d' Aquele «que vem em seu nome».
«...não conseguimos nada. Olhai como toda a gente vai com Ele»
Era o que murmuravam os fariseus ao verem o triunfo de Jesus. Glória e
perseguição, triunfo e anúncio de paixão.
De novo a dialéctica pascal de morte e vida.
Jesus aceita aquelas demonstrações do povo, porque «não procura a sua glória, mas a
de Quem O enviou». E sabe muito bem que naquele triunfo se está a forjar a paixão que
se aproxima... Mas é preciso que se cumpra em tudo a vontade de seu Pai.
Começam, portanto, os anúncios da sua morte, que os discípulos não acabam de
compreender. Primeiro, as lamentações ao ver as muralhas de Jerusalém: «Se neste dia
também tu tivesses conhecido o que te pode trazer a paz!
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Mas agora isto está oculto a teus olhos!» E isto porque, nesses momentos de aparente
triunfo, já os escribas e fariseus estão tramando a sua morte. Enquanto a gente simples
vê n'Ele o enviado de Deus, os «sábios e prudentes», os seguros de si próprios, os que
põem a confiança no poder ou nas leis, estão maquinando como prendê-Lo, porque a
sua verdade lhes fere o rosto.
Para Jesus, no entanto, é a hora da glorificação: «Chegou a hora em que vai ser
glorificado o Filho do Homem».
E é também a hora de nos ensinar os paradoxos do Reino: «Quem amar a sua vida,
perdê-Ia-á; quem não amar a sua vida neste mundo, guardá-Ia-á para a vida eterna». Ao
entardecer, quando a momentânea aclamação do povo terminou, Jesus, como em tantas
outras ocasiões, «não tem onde reclinar a cabeça». São os seus amigos íntimos, a
família de Betânia, quem O acolhe.
Tu, onde te situas? Entre os que O aclamam? Entre os que estão agarrados às suas
seguranças e temem o Mestre que fala do «grão de trigo enterrado para dar vida»? Entre
os amigos íntimos que O recebem em sua casa e O hospedam no interior do seu ser, no
mais íntimo e profundo da sua pessoa?
Senhor, eu quero, como o povo, aclamar-Te como o Enviado que vem salvar-nos.
Quero dizer, como aqueles gregos que se aproximam de Filipe, que «desejo ver-Te»,
mesmo que seja preciso morrer como o grão de trigo; e quero, como os amigos de
Betânia, hospedar-Te em minha casa, para que encontres dentro de mim, o lugar das
tuas delícias.
Mas reconheço a minha impotência e sei que, em mim, existem muitas vezes, a
inconstância e a superficialidade das multidões, a hipocrisia ou a ânsia de poder dos
escribas e fariseus ... Mas venho a Ti para que me transformes e me faças compreender
que a tua e a nossa glorificação está na cruz, o verdadeiro triunfo da cruz que nos leva
à Vida.
«... TENDO AMADO OS SEUS, AMOU-OS ATÉ AO EXTREMO»
O gesto de Jesus diz mais do que todas as palavras. Como ensinar que aquele que ama
se converte em servo de todos? E Ele deseja demonstrar aos seus discípulos que os
«ama até ao extremo». O gesto de lavar os pés antes da Ceia pascal, gesto dos servos
ao iniciar-se um banquete, é o símbolo de toda a atitude de Cristo para com os que Ele
ama, e é a lição suprema que nos quis deixar quando estava para nos dar o
«mandamento novo». Aproxima-te deste episódio extraordinário cheio de símbolos e
riqueza expressiva, neste gesto de Jesus pouco antes de começar a sua paixão: lavar os
pés aos discípulos para que também nós façamos o mesmo «uns aos outros», Para que
aprendamos que «quem quiser ser o primeiro, se faça servo de todos».
«Dei-vos o exemplo...»
«Sabendo Jesus que tinha chegado a sua hora da passagem deste mundo para o Pai,
Ele, que amara os seus que estavam no mundo, levou o seu amor por eles até ao
extremo». E, à hora de cear, quando o diabo já tinha metido no coração de Judas
Iscariotes, a decisão de O entregar, «Jesus, sabendo perfeitamente que o Pai tudo Lhe
pusera nas mãos, e que saíra de Deus e para Deus voltava, levantou-Se da mesa, tirou o
manto, tomou uma toalha e atou-a à cintura. Depois, deitou água numa bacia e começou
a lavar os pés aos discípulos e a enxugá-los com a toalha que atara à cintura». Soam
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solenes as palavras com que João inicia o capítulo da Ceia pascal e com que introduz
este gesto de Jesus. A hora de passar deste mundo ao Pai, o amor até ao extremo, o ter
saído de Deus e voltar a Ele... Tudo adquire um tom solene, que o evangelista pretende
sublinhar. E é que Jesus quer simbolizar, de maneira plástica, sensível, de modo a todos
podermos entender, qual a atitude que devemos ter uns para com os outros e como o
amor se demonstra mais com gestos do que com palavras. Por isso, João põe esse ênfase
não habitual para dizer que nos amou «até ao extremo».
«Depois de lhes ter lavado os pés e de ter posto o manto, Jesus voltou a sentar-Se à
mesa e disse-lhes: Compreendeis o que vos fiz? Vós chamais- Me 'Mestre' e 'Senhor' , e
dizeis bem, porque o sou. Ora, se Eu, o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós
vos deveis lavar os pés uns aos outros. Na verdade, dei-vos exemplo para que, assim
como Eu fiz, vós façais também... Uma vez que sabeis isto, sereis felizes se o puserdes
em prática».
E aqui acaba o grande preâmbulo para compreendermos a lição que constitui o
núcleo da sua doutrina: o amor. Não um amor qualquer, mas o amor que Ele nos tem, o
seu próprio amor, aquele que Ele recebeu do Pai.
É a maravilhosa bem-aventurança que precede o momento supremo do sermão da
Ceia, da instituição da Eucaristia, da Paixão: se compreendeis estas coisas e se as
puserdes em prática - o mandamento do amor, o serviço aos outros, a entrega
desinteressada, a humildade... - sereis bem-aventurados.
«Tomai e comei: isto é o meu corpo que vai ser entregue por vós»
«Tenho ardentemente desejado comer esta Páscoa convosco, antes de padecer. . .»
Multiplicam-se os anúncios da paixão e a sua vontade de entrega em cumprimento da de
seu Pai. «Não me tiram a vida, sou Eu que a dom>, dissera. Por isso, agora fala de um
grande desejo, ao aproximar-se o momento da sua morte, da sua glorificação, da sua
entrega a todos para nos salvar.
E, de novo, outro sinal. Trata-se do sinal supremo da sua entrega e presença contínua
entre nós: a Eucaristia.
«Enquanto comiam, tornou um pão e, depois de pronunciar a bênção, partiu-o e
entregou-o aos discípulos dizendo: Tomai e comei; isto é o meu corpo que será entregue
por vós... Fazei isto em memória de Mim.
«Do mesmo modo, tornou o cálice, deu graças e entregou-lho dizendo: Tomai e
bebei; este é o cálice do meu
sangue, sangue da nova Aliança, que será derramado por vós para remissão dos
pecados...» Palavras e factos. Amor expresso em gestos que são uma realidade suprema:
a presença contínua de Jesus, a sua entrega até à morte - corpo e sangue separados - por
nós.
Sangue da nova Aliança, que acaba com as vítimas e os cordeiros sacrificados.
Ele, Jesus, é agora o verdadeiro Cordeiro Pascal, o único que tira os pecados do
mundo, o único que nos salva.
Estamos remidos, salvos pelo sangue do Cordeiro! Esta é a alegria da Eucaristia, do
dom supremo de Jesus, quando chega o momento de «passar deste mundo ao Pai».
«...os discípulos olhavam uns para os outros sem saber o que dizer»
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Em certas ocasiões, quando o que vemos, ouvimos e tocamos nos ultrapassa, o
silêncio e a contemplação são a única resposta válida. Foi o que aconteceu aos apóstolos
naquela noite.
Vamos, agora, ensaiar uma forma simples de contemplação, a que Santo Inácio
chamava «aplicação dos sentidos», penetrando no Cenáculo sem perder qualquer
pormenor do que os evangelistas nos quiseram deixar de uma ou outra maneira.
Depois de leres os textos de qualquer dos quatro Evangelhos, faz silêncio e contempla,
aplicando os teus sentidos a esta contemplação.
A vista: observa Jesus e os apóstolos. Não percas nenhum dos seus gestos. Pedra,
estupefacto, opondo-se a deixar-se lavar. João, reclinado no peito de Jesus. Judas,
prestes a atraiçoá-Lo, com a angústia e a desorientação reflectidos no rosto. Jesus,
contemplando cada um deles com o amor infinito que acaba de lhes demonstrar. . .
O ouvido: escuta as palavras de Jesus; palavras de verdade, perdão, aviso,
ensinamento... Pedra, protestando com surpresa e rude sinceridade; outros, comentando
a meia voz aqueles gestos que não acabam de compreender e os intimidam.. .
O gosto e o olfato: dos pães ázimos, do vinho. . .
O tacto: da água e da toalha, das mãos de Jesus acariciando os pés dos discípulos. . .
E, sobretudo, aplica, em silêncio, o teu olhar interior ao coração, aos sentimentos e
desejos de Jesus, e aprenderás as lições daquela Ceia pascal, a última que Ele comeu
com os seus discípulos e a que inaugura o Novo Testamento, a salvação gratuita de
todos os homens pela entrega da verdadeira e única Vítima pascal, Jesus.
Jesus, este teu gesto supremo de amor e entrega, simbolizado primeiramente no serviço
e, depois, na morte para nos salvares, desperta em mim o desejo de Te agradecer e Te
amar, amando os meus irmãos e tendo sempre para com eles a atitude de serviço que
Tu nos ensinaste. Maria, Mãe de Jesus, ensina-me a viver a Eucaristia como o grande
dom de amor e a lição suprema de comunhão com Cristo, com o Pai e com os irmãos,
sabendo que a Eucaristia é o Sacramento que nos salva. Amen.
QUINTA-FEIRA
QUINTA SEMANA
«FILHINHOS, JÁ POUCO TEMPO VOU ESTAR CONVOSCO...»
João, o discípulo amado, como ele se designava a si mesmo, recolhe as palavras que
Jesus pronunciou na última Ceia pascal. Embora hoje saibamos que se trata de uma
catequese elaborada mais tarde sobretudo - no caso de João - a partir da teologia que,
depois da vinda do Espírito Santo, puderam fazer os discípulos, as palavras deste
último «discurso» são como o testamento de Jesus, que quer revelar-nos toda a
mensagem de amor que o Pai Lhe confiou. A meditação frequente destas palavras vai-
nos introduzindo no centro da doutrina de Jesus e mostra-nos o caminho para vivermos
a filiação divina, a grande revelação que Cristo nos trouxe.
«Filhinhos.. .»
Jesus parece querer deixar-nos, no chamado «sermão da última Ceia», o seu
testamento, a sua Magna Carta, o seu chamamento à vida que até então tinha ido
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ensinando enquanto «. . . percorria as sinagogas, pregando a Boa-Nova» ou as multidões
O seguiam.
Agora, fala na intimidade aos «seus» que tinham estado com Ele desde o princípio.
E as suas palavras têm o selo confidencial de uma conversa com os amigos. Convém-te
passar muitos momentos orando os textos completos do Evangelho de São João nestes
capítulos (14-17). Mas, aqui, recolheremos alguns dos momentos fundamentais da sua
mensagem.
Jesus apresenta-Se-nos como Mestre que exorta a viver a sua mesma vida de amor.
Como Consolador, que promete «voltar», porque, de momento, vai deixá-los e convém
que Se vá... Como Advogado, que roga ao Pai por eles, para que a sua fé não desfaleça.
É aqui onde se encontram as recomendações mais sublimes e onde Se reserva o
momento de oferecer o seu autêntico testamento: o amor com que o Pai O amou e com
que Ele nos ama... Diz-lhes que tenham confiança no meio das provações, prometendo-
lhes o Espírito que os consolará.
São as últimas pulsações de um coração amante. Escuta-as. . .
«Não se perturbe o vosso coração...»
«Meus filhinhos, já pouco tempo vou estar convosco. Haveis de Me procurar. . . Para
onde Eu for vós não podereis seguir-Me por agora... Não se perturbe o vosso coração...
Credes em Deus crede também em Mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Eu
vou preparar-vos um lugar. . . Virei novamente e hei-de levar-vos para junto de Mim, a
fim de que, onde Eu estou, vós estejais também...
«Não vos deixarei órfãos: Eu voltarei a vós! Não se perturbe o vosso coração nem se
acobarde. Ouvistes o que Eu vos disse: Eu vou, mas voltarei a vós...
«Ainda um pouco e deixareis de Me ver; e um pouco mais, e por fim Me vereis...
Então o vosso coração há-de alegrar-se e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria.. .
«No mundo tereis tribulações, mas tende confiança: Eu venci o mundo. .. Lembrai - vos
da palavra que vos disse: o servo não é mais que o seu Senhor. Se Me perseguiram a
Mim, também vos hão-de perseguir a vós. .. Sereis expulsos das sinagogas; há-de
chegar mesmo a hora em que quem vos matar julgará que presta um serviço a Deus... e
tudo isto por minha causa».
«...é o próprio Pai que vos ama, porque vós já Me tendes amor e já credes que Eu
saí de Deus»
Os que seguimos Cristo não podemos aspirar a uma vida diferente da sua:
«Se o mundo vos odeia, reparai que, antes de vós, Me odeou a Mim. Se viésseis do
mundo, o mundo amaria o que é seu; mas, como não vindes do mundo, pois fui Eu que
vos escolhi, por isso é que o mundo vos odeia.
«... rogarei por vós ao Pai, pois é o próprio Pai que vos ama, porque já Me tendes amor
e já credes que Eu saí de Deus...»
Meu Pai, não quero outra consolação que a de saber que me amas. E é Jesus quem me
revelou o teu amor. Já podem vir dificuldades e contratempos que, se Tu me amas,
nada me pode faltar. Senhor Jesus, que quiseste revelar-nos o amor infinito do Pai e
consolar-nos com palavras de confiança nesse amor: concede-me, Senhor, a graça de
Te amar como Tu me amas para que, se vierem dificuldades e contradições, e o mundo
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me odiar como Te odiou a Ti, eu saiba amar-Te. Jesus, que eu Te sirva sempre e faz de
mim o que quiseres. Amen.
«COMO O PAI ME AMOU, ASSIM EU VOS AMEI»
Continuamos a aprofundar no que poderíamos chamar as últimas pulsações do amor
de Jesus. As palavras que dirige aos seus discípulos e, neles, a todos nós, seus amigos,
e as que dirige ao Pai vão ajudar-te em muitas ocasiões, quando precisares sentir esse
amor de Deus. Com esta meditação, atingimos o núcleo da mensagem de Jesus: o amor
com que Ele foi amado pelo Pai é o amor que Ele nos revela e o amor com que nós
devemos amar-nos. O grande dom da paternidade divina é o princípio da nossa
fraterna idade. Permanecer no amor de Jesus é permanecer no amor do Pai e viver a
sua própria vida.
«Dou-vos um novo mandamento...»
«Filhinhos, como o Pai Me amou, assim Eu vos amei; permanecei no meu amor. ..
Se alguém Me tem amor, há-de guardar a minha palavra... Quem recebe os meus
mandamentos e os observa esse é que Me tem amor; se alguém Me tem amor, há-de
guardar a minha palavra; e o meu Pai o amará, e Nós viremos a ele e nele faremos
morada...
«Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como Eu,
que tenho guardado os mandamentos do meu Pai, permaneço no seu amor... Dou-vos
um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei. Por isto é que
todos conhecerão que sais meus discípulos: se vos amardes uns aos outros. É este o meu
mandamento: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei.
«Ninguém tem mais amor do que quem dá a vida pelos amigos. . . É isto que vos
mando: que vos ameis uns aos outros».
Insistente, repetitivo, Jesus emprega as últimas horas que Lhe restam para estar com
os discípulos, em falar-lhes do seu «novo mandamento». E essa é a novidade: não o
amor - que já era o primeiro preceito da antiga Lei - mas a maneira de amar: com o
mesmo amor com que o Pai O amou, e com que Ele, Jesus nos amou. Com um amor tão
grande que até chega a dar a vida pelos amigos.
Compreender isto é compreender o núcleo da Boa-Nova. Mas é necessário pedi-lo
continuamente na oração.
«Se pedirdes alguma coisa ao Pai em meu nome, Ele vo-la dará»
«Filhinhos, quem crê em Mim, fará as obras que Eu faço e outras maiores, porque
vou para o Pai; e qualquer coisa que pedirdes ao Pai em meu nome, Ele vo-la dará, para
que o Pai seja glorificado no Filho...
«Se permanecerdes em Mim e as minhas palavras permanecerem em vós, pedi o que
quiserdes, e assim vos acontecerá... Em verdade, em verdade vos digo: se pedirdes
alguma coisa ao Pai em meu nome, Ele vo-la dará... Pedi e recebereis. Assim a vossa
alegria será completa. . .
«Deixo-vos a minha paz... Não é como a dá o mundo, que Eu vo-la dou... Eu sou a
videira; vós, os ramos. Quem permanece em Mim e Eu nele, esse dá muito fruto, pois,
sem Mim, nada podeis fazer.
«Se alguém não permanece em Mim, é lançado fora, como um ramo, e seca. . .
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«Nisto se manifesta a glória de meu Pai: em que deis muito fruto e que o vosso fruto
permaneça.
«Assim como o Pai Me tem amor, assim Eu vos amo a vós. Permanecei no meu
amor.
«J á não vos chamo servos, visto que um servo não está ao corrente do que faz o seu
senhor. Mas a vós chamei-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de
meu Pai.. .
«Não fostes vós que Me escolhestes; fui Eu que vos escolhi a vós e vos destinei a ir e a
dar fruto, e fruto que permaneça. . .» Se meditares atentamente todas estas palavras irás
penetrando cada vez mais nesse mundo de confiança e amor próprio do Reino.
«Esta é a vida eterna: que Te conheçam a Ti, Pai, e a Jesus Cristo, a quem
enviaste»
Agora, Jesus dirige-Se ao Pai, na chamada oração sacerdotal. Jesus intercede por nós,
como Sumo sacerdote da Nova Aliança e, ao mesmo tempo, com essa oração dirigida ao
Pai, revela-nos o nosso destino e em que consistirá a vida eterna: conhecer a Deus Pai e
ao seu enviado, Jesus.
«Pai, chegou a hora! Manifesta a glória do teu Filho, de modo que o Filho manifeste a
tua glória. .. Esta é a vida eterna: que Te conheçam a Ti, único Deus verdadeiro, e a
Jesus Cristo, a quem Tu enviaste.
«Eu manifestei a tua glória na terra, levando a cabo a obra que me deste a realizar. ..
E agora, Tu, ó Pai, mostra a minha glória junto de Ti, aquela glória que Eu tinha junto
de Ti, antes de o mundo existir. . .
«Não rogo pelo mundo, mas por aqueles que Me confiaste, porque são teus... Pai
santo, Tu que a Mim Te deste, guarda-os em Ti, para serem um só, como Nós somos!
«O mundo odiou-os, porque eles não são do mundo. . .
«Não Te peço que os retires do mundo, mas que os livres do maligno... Faz que eles
sejam inteiramente teus, por meio da Verdade; a Verdade é a tua palavra. Assim como
Tu Me enviaste ao mundo, também Eu os enviei ao mundo.
«Por eles totalmente Me entrego, para que também eles fiquem a ser teus
inteiramente, por meio da Verdade...
«Não rogo só por eles, mas também por aqueles que hão-de crer em Mim, por meio
da sua palavra, para que todos sejam um só, como Tu, Pai, estás em Mim e Eu em Ti;
para que assim eles estejam em Nós e o mundo creia que Tu Me enviaste.
«Eu neles e Tu em Mim, para que eles cheguem à perfeição da unidade e assim o
mundo reconheça que Tu me enviaste e que os amaste a eles como a Mim.
«Pai, quero que onde Eu estiver estejam também comigo aqueles que Tu Me
confiaste, para que contemplem a glória que Me deste...
«Pai justo, o mundo não Te conheceu, mas Eu conheci-Te e estes reconheceram que
Tu Me enviaste. Eu dei-lhes a conhecer quem Tu és e continuarei a dar-Te a conhecer, a
fim de que o amor que Me tiveste esteja neles e Eu esteja neles também».
Na verdade, só Jesus pôde revelar-nos esta maneira de falar e estas verdades que nunca
teríamos conseguido alcançar. Que a tua oração, com a de Jesus Cristo, seja uma acção
de graças e uma glorificação de Deus, o Deus-amor.
Jesus, quero viver a tua grande lição de unidade e amor. Conhecer-Te é amar-Te, por
isso a vida eterna consiste em conhecer-Te a Ti e ao Pai. E esse conhecer-Te é também
fonte de unidade em Ti, comunhão que nos faz «um» contigo e com o Pai. Senhor, toda
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a sublimidade contida nestas palavras suscita em mim desejos sinceros de Te conhecer
e amar cada vez mais, e de Te dar a conhecer e a amar para que viva já nesta vida o
que será a minha felicidade por toda a eternidade. Amen.
«MEU PAI, SE É POSSÍVEL, AFASTE-SE DE MIM ESTE CÁLICE...»
Contempla, agora, nesta meditação, um dos momentos da vida do Senhor, num dos que
mais aparece a sua natureza humana, assumida por nosso amor e para nossa salvação.
Dor, angústia, temor, agonia de morte é o que vive Jesus no Jardim das Oliveiras, umas
horas antes de ser atraiçoado por um dos seus e entregue aos escribas e fariseus para
ser condenado à morte. Teresa de Jesus, foi «muito devota» - como ela dizia desta
passagem da vida de Jesus. Durante anos, antes de adormecer, «imaginava-O no seu
interior», porque, segundo ela, a estimulava muito a amar Aquele que tinha querido
parecer-Se connosco em tudo, menos no pecado.
«Ficai aqui, enquanto Eu vou orar»
A alegria dos céus sente tristeza. A própria fortaleza tem medo.
Sente angústia e tédio Aquele que constitui a felicidade dos anjos e dos santos...
Entra nesta meditação com o desejo profundo de vigiar com Jesus durante um
momento, penetrando nos seus sentimentos durante aquelas horas de agonia no jardim
de Getsémani para onde se dirigiu com os mais íntimos, depois da Ceia.
Jesus procura o silêncio e a solidão, como tinha feito tantas vezes. Mas, esta noite, a
oração vai converter-se numa provação dolorosíssima. Aproxima-se a agonia da dor. . .
E, durante três horas, repete a mesma oração ao Pai:
«Meu Pai, se é possível, afaste-se de Mim este cálice. ..» Encontram-se ali os grandes
amigos, testemunhas, desta vez, de uma dor que nunca tinham visto reflectir-se daquela
maneira no rosto do Mestre.
São eles: Pedro, Tiago e João. E viram como «começou a sentir angústia e pavor. E
disse-lhes: A minha alma está numa tristeza mortal».
Penetrar na profunda tristeza do Filho de Deus é mergulhar num mistério de amor muito
mais impressionante que o do gozo maravilhoso que sentiram os mesmos amigos
quando O viram transfigurar-Se no Tabor.
Contempla em silêncio essa tristeza e aproxima-te dela com respeito e amor.
Ensinar-te-á a orar em certas ocasiões da tua vida, quando não puderes senão pronunciar
as palavras que o próprio Jesus - para ser em tudo como nós - quis pronunciar naquela
terrível agonia.
Oração pobre, impotente, de súplica. Jesus, rosto em terra, em sinal de aceitação,
repete aquela súplica ao Pai:
«Se é possível, afaste-se de Mim este cálice...»
A oração prolonga-se e os seus amigos, a quem tinha pedido que vigiassem e orassem
com Ele, começam a adormecer. A solidão de Jesus aumenta: «Nem uma hora pudestes
vigiar comigo!» E a pergunta, pungente, dolorosa, dirigida aos amigos, podes escutá-la
tu mesmo em muitas ocasiões. E talvez, em lugar de uma hora, só oiças no teu interior:
«Não és capaz de vigiar e orar um quarto de hora comigo?»
«Começou a entristecer-Se e a angustiar-Se...»
59
Nesta angústia de Jesus durante aquelas horas de oração no Horto, convido-te a uma
contemplação que Santa Teresa de Jesus propõe no seu «Caminho de Perfeição», capo
26. É a oração de «simples olhar». «Não vos peço diz - que penseis n 'Ele nem que
fiqueis com muitos conceitos nem façais grandes e pormenorizadas considerações com
o vosso entendimento; não vos peço senão que olheis para Ele».
«Vede-O a caminho do Horto: que aflição levava na alma, já que, sendo todo Ele
sofrimento, di-la e queixa-se dela».
E Teresa de Jesus passa do simples olhar para a palavra cheia de amor, uma palavra
que brota da contemplação: «Oh, Senhor do mundo, meu verdadeiro Esposo (podeis
dizer-Lho, se o vosso coração se enterneceu ao vê-Lo tal, que não só queirais olhá-Lo,
mas ainda falar com Ele, não com orações compostas, mas com a pena do vosso
coração, que Ele tem em muito): tão necessitado estais, Senhor meu e meu Bem, que
quereis admitir uma pobre companhia como a minha, e vejo no vosso semblante que vos
consolaste comigo?.. Juntos caminhemos, Senhor! Por onde fordes, tenho de ir; por
onde passardes, tenho de passar».
«...não se faça a minha vontade, mas a tua»
Na terceira vez que Jesus voltou à oração, naquela grande agonia, começou a suar
grossas gotas de sangue, que Lhe corriam pela cara e «caíam na terra». E, então, conta
Lucas - que recolhe este pormenor do suor de sangue - «pôs-Se a orar, cheio de
angústia, mais intensamente». A oração de súplica aumentou de intensidade e também
de aceitação:
«.. .contudo, não se faça a minha vontade, mas a tua, Pai!».
A paz imensa da doação ao Pai, da aceitação amorosa da sua vontade, volta a inundá-
Lo. É a consolação de quem se abandona nas mãos de Deus. Assim quis Jesus ensinar-
nos a orar, e por isso colocou esta petição no centro da oração que nos recomendou: «o
Pai-nosso».
Agora, já pode levantar-Se cheio de determinação e dizer aos seus discípulos
deitados no chão, abatidos pelo sono: «Levantai-vos, vamos!... Vigiai e orai para que
não entreis em tentação».
Esta oração de Jesus pode ser o teu modelo de oração, principalmente em certas
ocasiões. Quando, cheio de angústia, sintas a desolação ou a impotência de ter que fazer
ou assumir qualquer coisa perante a qual a tua natureza se
revolta.. Só uma oração insistente e confiada ao Pai, pedindo-Lhe que te alivie, mas
aceitando, por cima de tudo, a sua vontade, poderá devolver-te a paz e a coragem.
Quero aprender, Jesus, desta tua oração no Horto, a orar nos momentos dificeis. Mas
quero também ficar a teu aldo, contemplando, como Teresa de Jesus, a tua dor,
agradecendo-a profundamente. A tua agonia é a minha força e a minha confiança. Sim,
por onde fores, quero ir; por onde passares, quero passar. Contigo, sinto-me seguro,
confio em Ti... Quero vigiar contigo e orar para não cair na tentação.
Ajuda-me, Maria, a viver com amor a vontade do Pai, orando com a mesma insistência
que o teu Filho Jesus. Por Ele e com Ele, a minha oração subirá até ao Pai com a
mesma fórmula simples com que Ele orou em Getsémani: Pai, não se faça a minha
vontade, mas a tua!
«NESTA NOITE, TODOS FICAREIS PERTURBADOS POR MINHA CAUSA...»
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Nesta meditação, assistimos às grandes quedas dos amigos de Jesus. Uma traição, uma
negação, muitos abandonos por medo... Jesus tinha-o predito: «Ficareis perturbados
por minha causa...», mas, mesmo assim, eles confiavam demasiado em si próprios e,
precisamente por isso, caem. O pecado, a imperfeição, o desânimo, a tentação
espreitam-nos continuamente. Não podemos confiar nas nossas forças, mas na força de
Deus que actua em nós. E, humildemente, entregar a nossa pobreza em suas mãos.
«Amigo, a que vieste?»
«Tendo Satanás metido no coração de Judas Iscariotes a intenção de entregar Jesus,
Judas foi falar com os sumos sacerdotes e os oficiais do templo sobre o modo de Lho
entregar. Eles regozijaram-se e combinaram dar-lhe dinheiro. Ele, como era avarento,
disse-lhes: Quanto me dareis se eu vo-Lo entregar? Eles combinaram dar-lhe trinta
moedas de prata. Judas concordou e procurava ocasião de O entregar, sem a multidão
saber».
Talvez a primeira reflexão que te leve a orar humildemente seja a de observar até
onde nos pode levar uma paixão desordenada e não dominada. Judas, homem
ambicioso, deixou-se levar da sua paixão... Umas simples moedas de prata servem para
pagar uma traição terrível a um seu grande amigo, ao seu Mestre.
«Minha mãe concebeu-me no pecado» - diz o salmista. E, se não nos reconhecemos
pecadores, capazes de qualquer traição, corremos o risco de não lutarmos humilde e
confiadamente contra as nossas paixões.
A traição consuma-se com um acto de hipocrisia incrível, porque a ambição continua a
cegá-lo: «E estando Jesus no Horto de Getsémani, com os onze apóstolos, chegou
Judas, guiando o destacamento romano e os guardas ao serviço dos sumos sacerdotes e
dos fariseus. Judas tinha-lhes dado este sinal: "Aquele que eu beijar é esse mesmo;
prendei-O e levai-O bem guardado!" E aproximou-se de Jesus dizendo: "Salve, Mestre".
Jesus respondeu-lhe: "Amigo, a que vieste? É com um beijo que entregas o Filho do
Homem... ?"».
Ao lado da miséria do nosso pecado, representado na traição de Judas, a misericórdia,
a mansidão de Jesus que Se entrega voluntariamente - «ninguém Me tira a vida: sou Eu
que a dou» - também por Judas e por todos nós, que muitas vezes O atraiçoamos...
«Ainda que todos te abandonem, eu não...»
Foi Pedro quem disse aquelas palavras e depois as chorou vezes sem conta. Precisava
dessa lição, como tu e eu e todos nós precisamos muitas vezes: «Sem Mim, nada podeis
fazer...» Ele, Pedro, que tinha sido escolhido como cabeça da que seria a Igreja de
Cristo, ele, talvez um dos mais corajosos dos apóstolos, que tantas vezes tinha dado
mostras de amor e entrega incondicional ao Mestre, precisava passar pela prova da sua
própria miséria, do seu pecado, pequenez, impotência... Ele, que dizia ser capaz de
morrer pelo seu amor, nega-O três vezes.
É verdade que, quando os apóstolos viram que prendiam o Mestre e fugiram
apavorados, Pedro, juntamente com João, o discípulo amado, seguiu-O. Mas de longe,
com medo, confiando mais em si próprio do que na força de Deus que actua em nós.
Seguiu-O «de longe». E, quando entrou no pátio do Pontífice, foi para junto dos
restantes criados. Para se aquecer ao fogo. Talvez pensasse passar despercebido... A
primeira a reconhecê-lo foi uma mulher, e, olhando-o, disse:
61
«Este andava com Jesus». O medo, a angústia de ser igualmente preso, pudera mais nele
do que todo o seu entusiasmo em seguir Jesus. E, quando a mulher lhe perguntou
directamente. «Tu não és um dos discípulos desse homem?», ele respondeu: «Não
sou...» Foi o primeiro anel da cadeia. A partir daquele momento, perante as tentativas de
uns e de outros, começou a renegar e a porfiar: «Não, não conheço tal homem. ..»
Negou-O, negou conhecê-Lo, negou a sua amizade;
envergonhou-se dela. Negou-O três vezes...
«Saindo para fora, chorou amargamente»
Quem não conheceu a dor íntima de uma queda, a impotência da própria fraqueza
feita pecado, também não pode compreender o que é sentir o olhar de perdão oferecido
por Jesus, a misericórdia amorosa de Deus sobre a nossa natureza pecadora.
Só depois da queda é que Pedro vai estar em disposição de conhecer e amar mais
Jesus. Porque vai conhecê-Lo desde a autenticidade da sua atitude de pobre pecador, e
não desde a presunção da sua segurança pessoal.
Nada mais negá-Lo três vezes, cantou o galo. Era o que Jesus lhe tinha predito.
«Voltando-se, o Senhor fixou os olhos em Pedro; e Pedro recordou-se da palavra do
Senhor quando lhe disse: «Hoje, antes de o galo cantar, irás negar-Me três vezes». E
saindo para fora, chorou amargamente...» Foi necessária esta tríplice queda de Pedro,
por causa da sua presunção, julgando que, mesmo que todos abandonassem o Mestre,
ele não o faria. .. e porque o seu seguimento de Jesus era «de longe». Mas, sobretudo,
foi preciso cair para aprender a grande lição do perdão e da misericórdia de Deus.
Bastou o olhar de Cristo para que Pedro se desfizesse em lágrimas e começasse a
desconfiar de si mesmo e pusesse toda a sua confiaça no Senhor.
Esta é frequentemente a pedagogia de Deus para connosco. Ensina-nos através dos
acontecimentos, muitas vezes negativos, da nossa vida e actuação de pecadores.
Perdoa-me, Senhor, sempre que confio demasiado em mim mesmo e não ponho toda a
minha confiança em Ti! É então quandofalho e caio. Ajuda-me a lutar contra as minhas
paixões e defeitos, mantendo-me sempre a teu lado, porque se puser a segurança na
minha força ou nas coisas, cairei também como Pedro ou atraiçoar-Te-ei como Judas.
E, já que pela minha cobardia, respeito humano ou presunção, tantas vezes Te neguei,
dá-me a graça de me sentir pobre e pecador afim de poder conhecer por experiência, a
tua graça e o teu perdão, a tua misericórdia e o teu amor. Amen.
SEGUNDA-FEIRA
SEXTA SEMANA
«ÉS, POIS, O FILHO DE DEUS...?»
Começa o julgamento de Jesus. Um julgamento humano, que vai, levá-Lo de tribunal
em tribunal, julgado injustamente. Os sacerdotes, zelosos da Lei, julgam-No como
blasfemo, porque «Se faz Filho de Deus». As autoridades civis não compreendem esses
problemas religiosos... No meio do julgamento, da injustiça humana, Jesus vai calar.
Ele vai à morte para cumprir a vontade do pai, porque é esse o plano de salvação sobre
os homens. Ninguém Lhe tira a vida: é Ele que a dá.
62
«Os sumos sacerdotes e todo o Conselho procuravam um depoimento falso contra
Jesus, a fim de O condenarem à morte...»
Vamos contemplar, em oração silenciosa, a terrível noite que precedeu a morte de
Jesus. Noite de humilhações e de desprezos, noite de amor da parte de Jesus, que cala
perante as injúrias e os desprezos, respondendo com a verdade da sua vida e da sua
pregação.
O primero precurso, desde o Jardim das Oliveiras, leva-O ao Palácio do Sumo
Sacerdote, Caifás. Ali, dedicam-se a procurar testemunhas falsas, até que dão com duas
que apresentam, como argumento, as palavras simbólicas de Jesus sobre o Templo de
Jerusalém, referindo-Se ao seu próprio corpo: «Este homem disse: "Posso destruir o
templo de Deus e reedificá-Io em três dias"». Jesus continua calado. Então, o Sumo
Sacerdote diz-Lhe solenemente: «Intimo-Te, pelo Deus vivo, que nos digas se és o
Messias, o Filho de Deus».
Mas aqueles homens, que já O julgaram de antemão, procurando um pretexto para O
matar, não querem escutar a verdade. E, perante as palavras serenas e categóricas de
Jesus: «Tu o disseste. E Eu digo-vos: Vereis um dia o Filho do Homem sentado à direita
do Todo-Poderoso.. .», ficam indignados.
Então, o Sumo Sacerdote rasgou as vestes, todos se escandalizaram e decidiram que
tinha de morrer. . .
João, no entanto, acrescenta a visita a Anás, sogro de Caifás, e o pormenor da
bofetada de um dos criados ao ouvir a resposta digna e serena de Jesus quando Lhe
perguntam sobre a sua doutrina e seus discípulos: «Eu tenho falado abertamente ao
mundo; sempre ensinei na sinagoga e no templo, onde todos os judeus se reúnem, e não
disse nada em segredo. Porque Me interrogas? Interroga os que ouviram o que Eu lhes
disse...» No entanto, alguns enviados dos sacerdotes tinham voltado dias antes ao
Sinédrio dizendo que não tinham podido prendê-Lo, porque «falava com autoridade,
como nunca ninguém tinha falado», mas um simples criado considera insolência aquela
resposta de Jesus e julga-se no direito de Lhe dar uma bofetada, repreendendo-O pelo
modo de responder ao Sumo Sacerdote.
Jesus que, segundo os outros evangelistas, permanece calado, em João responde,
aqui, serenamente, com simplicidade natural: «Se falei mal, mostra-Me onde está o mal;
mas, se falei bem, por que Me bates?»
«Os que guardavam Jesus troçavam d'Ele e maltratavam-No»
A noite avança, chega a madrugada, e Jesus, o Filho de Deus, vê-Se submetido a uma
das provas mais ignominiosas: os escárnios ultrajantes de quem tem de mostrar de
alguma forma a sua agressividade.
Jesus também quis passar por esta prova por nosso amor. Cospem-Lhe no rosto, batem-
Lhe, vendam-Lhe os olhos, brincando com Ele para que adivinhe quem Lhe bateu,
tratando-O como um falso adivinho.
Na verdade, cumpria-se o que estava escrito em Isaías sobre o Servo de Javé: «Aos que
Me batiam apresentei as costas, e a face aos que Me arrancavam a barba; não desviei o
meu rosto dos que Me ultrajavam e cuspiam...» «.. .desprezado e abandonado pelos
homens, como alguém cheio de dores... diante do qual se tapa o rosto...» A
contemplação destas dores e humilhações de Jesus, na noite da sua paixão, devem levar-
te a um amor muito maior por Ele, que tanto quis sofrer para nos salvar. Porque «foi
ferido por causa dos nossos crimes, esmagado por causa das nossas iniquidades. . .
fomos curados pelas suas chagas».
63
«Nada encontro de culpável neste homem...»
Depois do conselho celebrado no Sinédrio a fim de deliberarem sobre o que se tinha
de fazer com Jesus, decidem levá-Lo a Pilatos «para que O condene à morte».
Diante de Pilatos - um tanto indiferente pelo que ele julga serem discordâncias
religiosas - Jesus volta a responder como ao Sumo Sacerdote, quando Lhe pergunta:
«Mas, és Tu o rei dos judeus?», «Tu o dizes!» Nas narrações dos quatro evangelistas,
aparece c1aramentemanifesto todo um jogo de «cumprimento exacto da Lei» e de
secretas paixões de inveja, rancor, desejos de vingança ocultos sob a aparência de zelo e
religiosidade.
Mas com maior evidência em João: «Eles não entraram no Pretório para não se
contaminarem e poderem comer a Páscoa.. .». E, enquanto são rigorosos no
cumprimento de pequenas prescripções, levam à morte, injustamente, o Filho de Deus,
o Mestre de Nazaré, que eles sabem que «passou fazendo o bem».
A conversa de Pilatos com o Senhor, dentro do Pretório - Jesus não teme contaminar-Se
- é uma tentativa desesperada de não cometer uma injustiça, a fim de não cair em
desgraça. Jogar com um pau de dois bicos nunca pode levar à verdade...
Por isso, Jesus, quer dar uma última lição sobre os poderes da terra e a verdade do
Reino. Pilatos teme perder o poder, cair na desgraça de César. Mas sabe que sentenciar
contra Jesus é injusto. «Nada encontro de culpável neste homem!» E Jesus ensina-lhe
onde está o verdadeiro poder: «Não terias nenhum poder sobre Mim se não te fosse
dado do Alto». Este é o seu Reino, pelo qual Ele veio ao mundo. O Reino da Verdade
em que Pilatos não soube entrar. «Sim, sou Rei. Para isto nasci, para isto vim ao mundo:
para dar testemunho da Verdade».
O cepticismo de Pilatos leva-o a essa pergunta a que Jesus não responde, porque não
ia ser compreendido: «Que é a verdade?» Só a sua morte e ressurreição iriam abrir a
muitos esse caminho que Pilatos, de momento, se negou a reconhecer: o caminho da
verdade.
Vem, meu Jesus, em ajuda da minha fraqueza. Também eu faço muitas vezes o jogo
duplo que põe em evidência a verdade da minha vida. Quero seguir-Te, quero ser justo,
mas o medo de perder o meu lugar - «o favor do Césan> - pode mais do que eu.
Vendo-Te desprezado, esbofeteado, escarnecido e falsamente acusado, envergonho-me
das minhas atitudes cobardes, da minha indiferença perante a dor ou a injustiça dos
meus irmãos que prolongam a tua paixão no mundo...
Quero, Senhor, imitar o teu silêncio humilde quando chegue o momento de sofrer
murmurações ou falsas interpretações da minha actuação. Nunca chegarei a sofrer,
nem de longe, os padecimentos que Tu quiseste soportar por mim, convertendo-Te em
«homem de dores».
TERÇA-FEIRA
SEXTA SEMANA
«MALTRATADO, HUMILHADO, NÃO ABRIA A BOCA...»
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Estas palavras do profeta Isaías sobre o «Servo de Javé» têm a sua perfeita aplicação
nos momentos que agora vamos viver daquele dia que precedeu a crucifixão do Senhor.
Verás Jesus tratado como louco, porque esperavam que fizesse milagres como um mago
ou prestidigitador, levado de um lugar para outro como um criminoso... e castigado
com um dos castigos mais humilhantes: o dos açoites. Este «passo» que tem dado lugar
a muitas interpretações na arte - Jesus atado a uma coluna na flagelação era um dos
que mais comovia Teresa de Jesus. Converteu-se diante de uma imagem que O
representava: «... era de um Cristo muito chagado, e olhando-a, perturbei-me toda ao
vê-Lo assim, porque representava muito bem o que passou por nós ...» E é isto o que
vamos contemplar nesta meditação: o muito que passou por nós.
«Ao ver Jesus, Herodes ficou extremamente satisfeito...»
É Lucas quem acrescenta este episódio no percurso do julgamento de Jesus. Pilatos
não sabe como desfazer-se d'Ele, porque O considera inocente, mas não se sente com
coragem para contrariar ninguém... É a cobardia característica dos que têm medo de
perder o poder.
E, ao ouvir falar da Galileia como o lugar onde começara a sua pregação, viu o céu
aberto. «Ao ouvir isto, Pilatos perguntou se o homem era galileu; e, ao saber que era da
jurisdição de Herodes, enviou-O a Herodes, que também se encontrava em Jerusalém
nesses dias».
E Jesus deixa-Se manejar, levar de um lado para outro, entregue nas mãos de todos os
que decidem sobre Ele. Sabe que só o Pai actua e Ele deixa que se faça a sua vontade.
Sabe, por outra parte, que «Lhe foi dado todo o poder.. .», mas que «se há-de cumprir o
que estava escrito», e põe-Se a caminho, atado, arrastado pelos guardas, em silêncio,
«como cordeiro levado ao matadouro.. .».
«Ao ver Jesus, Herodes ficou extremamente satisfeito, pois havia bastante tempo que
O queria ver, devido ao que ouvia dizer d'Ele, esperando que fizesse algum milagre na
sua presença. Os sumos sacerdotes e os doutores da Lei, que lá estavam, acusavam-No
com veemência.
«Herodes, com os seus oficiais, tratou-O com desprezo e, por troça, mandou-O cobrir
com uma capa vistosa, enviando-O de novo a Pilatos. Nesse dia, Herodes e Pilatos
ficaram amigos, pois eram inimigos um do outro». Perante a curiosidade pueril e
insultante de Herodes, Jesus cala. Deixa que O tomem por louco, que O humilhem e
desprezem. .. Quando a mais pequena humilhação desate o teu orgulho e sintas a revolta
interior do teu próprio eu, lembra-te que o amor infinito de Jesus passou também por
esta prova para «ser igual a nós, menos no pecado.. .».
«Qual quereis que vos solte:
Barrabás ou Jesus, chamado Cristo?»
Uma nova humilhação que Jesus quis aceitar: ser comparado com um homicida,
Barrabás. E Pilatos coloca o povo na alternativa de soltar um ou outro. Sem dúvida,
pensava que o povo se inclinaria pelo Mestre de Nazaré a quem deviam tantos favores.
Mas as multidões são manipuladas com excessiva facilidade por quem as domina.
Depois da conversa que teve a sós com Jesus, Pilatos, advertido pela sua própria
mulher, sente cada vez mais medo...
Sai novamente do Pretório onde se encontram os sacerdotes e escribas e diz-lhes: «Não
vejo n'Ele nenhum crime. Mas é costume eu libertar-vos um preso na Páscoa.
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Quereis que vos solte o rei dos judeus?» Tocara-os no ponto mais vulnerável. A política
vem misturar-se no assunto. «Não temos outro rei senão César» é a resposta dos que
estão sempre em luta para se desfazerem do jugo de Roma. Mas os interesses podem,
num momento, fazer mudar de critério.
Pilatos continua: «Interroguei-O diante de vós e não encontrei n'Ele nenhum dos
crimes de que O acusais. Herodes tão-pouco, visto que no-Lo mandou de novo. Como
vedes, Ele nada praticou que mereça a morte. Vou, portanto libertá-Lo depois de O
castigar».
Jesus «castigado». . . Bem se vê que quis «tomar sobre Si os nossos pecados e o
castigo merecido por eles»!
N em isso satisfaz os judeus que querem chegar até ao fim: a sua morte. E começam a
gritar: «Não, não. Solta-nos Barrabás!» De nada valeu a insistência de Pilatos que
recorreu, por três vezes, à sua inocência provada. Eles gritavam cada vez com mais
força: «Fora, fora! Crucifica-O, crucifica-O!...»
«O castigo que nos salvou caiu sobre Ele..,»
A tua contemplação silenciosa vai chegar ao ponto culminante da injustiça assumida
por Cristo para nos salvar. Vai ser «castigado» Aquele que não conheceu pecado; vai
carregar com as nossas culpas Aquele que é a própria santidade; vai ser tratado como
um malfeitor Aquele que «passou fazendo o bem».
Se bem que a frase resulte incongruente, Pilatos afirma: «Não encontro nada que
mereça castigo. Vou, portanto, libertá- Lo, depois de O castigar. . .» É Lucas quem põe
esta frase na boca de Pilatos. Para os outros sinópticos, são os criados os que O açoitam
e se insurgem contra Ele.
A atitude da qual parte este «castigo» de Jesus é a que importa: a opressão do
inocente para agradar aos detentores do poder. . . A história irá repetir-se. . .Mas sempre
teremos em Jesus, o Filho de Deus, o modelo acabado de entrega incondicional aos seus
irmãos, os homens, mesmo que o instrumento dessa entrega seja uma conspiração
qualquer. . .
Despido, escarnecido, o seu corpo é submetido a esse suplício cruel e humilhante
que O quebranta até fazê-Lo cair. . .
Aplica os teus sentidos a esta passagem. Contempla a solidão de Jesus. Observa como
vai perdendo sangue.
Contempla o seu corpo feito uma chaga dos pés à cabeça. . .ouve o ruído surdo dos
açoites e o silêncio de Jesus, mais eloquente que todos os discursos.
E, depois, beijando a terra banhada com o sangue do teu Deus, pede-Lhe
intensamente que a tua dor e o teu amor não sejam em vão...
Meu Jesus, humilhado e açoitado por amor para comigo, recebendo «o castigo que
mereceram meus pecados»; carregando aos ombros os crimes e as injustiças dos
homens de todos os tempos: graças Te sejam dadas pela tua redenção!...
Agora compreendo, Senhor, que foste «ferido pelas minhas maldades, maltratado pelos
meus delitos; o castigo que nos salvou caiu sobre Ti e nas tuas chagas fomos curados...
Fui eu quem pequei e mereci esse castigo, mas Tu carregaste com ele a fim de me
perdoares e salvares. Toda uma vida não bastaria, meu Deus, para Te agradecer».
SEXTA SEMANA
66
«TECENDO UMA COROA DE ESPINHOS, PUSERAM-LHA NA CABEÇA...»
A coroação. Outra passagem que a iconografia cristã sempre gostou de representar em
muitas obras de arte. Outro motivo para penetrarmos na paixão do Senhor que não
poupou nenhum sofrimento para nos salvar. Depois de leres os Evangelhos que, com a
sobriedade que lhes é própria, nos recordam os factos, trata de aprofundar no sentido e
simbolismo deste último escárnio que inventam contra Ele: coroá-Lo como um falso rei,
por troça. Outro motivo mais para te aproximares d 'Ele com amor, arrependido da tua
frieza e agradecendo-Lhe «o muito que passou por nós».
«Salve, rei dos judeus!»
«Os soldados do governador conduziram Jesus para o Pretório e reuniram toda a
coorte».
A zombaria tinha de ser feita com todo o ódio possível.
Porque «O vestiram com um manto escarlate, teceram uma coroa de espinhos e
puseram-Lha na cabeça. Dobrando o joelho diante d'Ele, escarneciam-No dizendo:
"Salve, rei dos judeus!". E, cuspindo-Lhe no rosto, agarravam na cana e batiam-Lhe na
cabeça...»
À dor física que produziam os espinhos cravados na fronte e em toda a cabeça,
acrescenta-se, agora, a dor moral do escárnio e do desprezo.
Diante de Jesus, coroado de espinhos, procura de alguma maneira demonstrar-Lhe o teu
amor, aceitando, por Ele, os sofrimentos que a vida habitualmente nos depara.
Nunca as humilhações, dores físicas e angústias morais que tenhamos de suportar
chegarão a ser como as que Jesus quis passar por nós.
«... e escarneciam-No»
É o recurso fácil dos que não conseguem magoar de outra maneira. A troça é pior do
que um ataque directo. E Jesus também quis passar por esta prova.
Quis passar por estas humilhações e escárnios no mundo dos «gentios», em casa do
governador romano, como antes tinha querido sofrê-las no palácio de Caifás. Tudo isto
porque Jesus vinha salvar a todos - judeus e gentios - e por todos queria padecer.
Dobrando o joelho, saudavam-No em tom de troça, como um soberano... e punham-
Lhe nas mãos uma cana rindo-se do cetro que Ele parecia atribuir-Se ao dizer que era
Rei.
Contempla esta cena com fé. Cristo, Rei dos céus e da terra, recebe as gargalhadas
daqueles que o têm por um louco com pretensões a rei. Adora-O desde o mais íntimo do
teu coração, como teu verdadeiro Rei e Senhor, rei do teu ,:oração; adora-O «em
espírito e em verdade», como Ele próprio tinha dito que deviam fazê-lo os verdadeiros
adoradores...
E reflecte, neste ambiente de contemplação dos mistérios de Jesus, como se
apresentam, uma vez mais, os contrastes do Reino: Jesus, Aquele que «sendo Filho de
Deus tinha querido assumir a condição de servo», aceita uma coroa de espinhos, como
rei de sofrimento, a fim de Se tomar próximo de tantos homens que, ao longo da
história, iriam sofrer dores e afrontas. E aceita um cetro de cana Aquele que vem
estabelecer um Reino que não é de poder, de triunfo ou de força, mas um Reino de
aparente fraqueza, desprendimento, pobreza. . .
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E, com estes sentimentos, alegra-te de entrares a formar parte dos que querem seguir
Cristo pelo caminho que Ele trilhou, que não é, nem muito menos, um caminho de
triunfo, poder, força ou domínio deste mundo.
Jesus, meu Rei e meu Deus: sim, reina em mim e em tudo o que me pertence! Mas
ensina-me, assim coroado de espinhos, revestido com um velho manto escarlate e tendo
por cetro uma cana, que viver os mistérios do Reino nada tem a ver com o poder e o
triunfo... Neste momento da tua paixão, quiseste ensinar-me que servir é reinar... e que
o teu reinado é um reinado de pobreza, humilhação e fracasso aparente, que acaba -
isso sim - na verdadeira realeza da tua ressurreição!
SEXTA SEMANA
«EIS O HOMEM!...»
«Ecce homo...» Realmente, a história de salvação, a acção providente de Deus vai-se
fazendo e tecendo por meios humanos, muitas vezes, por causa das nossas falhas, das
nossas falsas interpretações da realidade. Mas Deus vai sempre actuando
indirectamente. Neste caso, as palavras de Pila tos ao apresentar Jesus têm um
significado misterioso que hoje, à luz da fé e da teologia, podemos meditar e
aprofundar. Realmente, «Este é o Homem!», o Homem por excelência que, «sendo de
condição divina não se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-Se a Si
próprio assumindo a condição de servo...» Homem, sim, mas ainda mais, submetido à
condição a que muitas vezes nós próprios temos reduzido muitos homens, nossos
semelhantes.
Deus quis, dessa maneira, assumir as nossas culpas, salvar-nos das nossas escravidões
e de tudo o que conduz a elas.
Esta contemplação de Jesus, de novo humilhado diante do povo, e apresentado com
este título - «o Homem»-, ajudar-te-á a alcançar esse novo humanismo que o cristão
está chamado a viver.
«Como era o dia da preparação da Páscoa...»
O povo judeu, o povo de Jesus, está de festa, preparando a grande solenidade que
comemorava, todos os anos, a passagem do Mar Vermelho, uma das grandes maravilhas
que Deus tinha realizado com o seu povo.
Mas era o momento em que Deus tinha decretado que toda a humanidade vivesse
outra Páscoa, outra passagem da divindade pelas suas vidas. E esta passagem deveria
fazer-se por meio de um homem, o Homem...
Por isso, Pilatos - quantas vezes, nós, os homens, somos simples instrumentos! -,
vendo Jesus tão maltratado depois dos açoites a que ele tinha ordenado submetê-Lo,
depois dos escárnios de que tinha sido objecto por parte dos guardas, com aquela coroa
de espinhos cruel e grotesca, pensou que bastaria mostrá-Lo ao povo naquele estado,
para que se compadecem-se d'Ele.
E, saindo novamente fora, pô-Lo no meio, diante daquele grupo de judeus instalados
na sua segurança, e deixou que O observassem.
«Era o dia da preparação da Páscoa...» Estão de festa, uma festa religiosa.
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Estão na preparação de ritos, aguardando o momento de oferecer sacrificios... E ali,
diante deles, convertido na irrisão do gentio, está «o Homem».
Com um manto escarlate, sujo e esfarrapado. Com uma coroa de rei que é, nem mais
nem menos, do que um entrelaçado de espinhos. Com um cetro real que não é mais do
que urna cana rachada, que Ele, corno disse Isaías, «não acabará de quebrar».
Não te peço, corno diria Santa Teresa, que te entregues a grandes considerações nem
a belos pensamentos. Só te peço que olhes.
Olha para Ele demorada e amorosamente, porque é tanta a eficácia do olhar piedoso
de Cristo que, se O olhares e sentires sobre ti o seu olhar, podes ter a certeza de que
ficarás cheio de amor.
Olha-O e deixa-te olhar com amor.
Porque, corno diz São João da Cruz, «o olhar de Deus é amor».
«Eis o Homem...»
Sim, ali está, diante de toda a humanidade... Não só diante daquele grupo de judeus
que não acabam de compreender o que diz Pilatos, e menos ainda o que Deus lhes quer
dizer.
Encontra-Se em presença de toda a humanidade que, em outras muitas ocasiões
também não compreendeu nem compreende o que Deus lhe quer dizer com os
acontecimentos.
«Eis o Homem», diz-nos igualmente o Pai. Sim, é «o meu Filho muito amado, no
Qual pus o meu encanto... », tinha dito no Jordão. E, agora, parece que todo o encanto
acabou nesse fracasso total do «Homem» submetido a humilhação pública. Sim, diria o
Pai, é o meu Filho no Qual ponho o meu encanto, a minha imagem, a minha Palavra,
figura humana da minha substância, que sustenta todas as coisas com a força da sua
palavra; por Quem e para Quem tudo foi criado. «o Homem», esplendor da minha glória
eterna, Luz de Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, primogénito de toda a
criatura.. .
E este é «o Homem» que padece por vós, que foi entregue para vossa salvação, que
vos ama com amor infinito.
Eis o Homem, o salvador do homem, imagem do homem perfeito que há-de reinar
eternamente no céu.
Eis o Homem, humilde no meio de tantos desprezos, pobre em tanta nudez, manso
entre tantas injúrias, paciente entre dores tão terríveis, silencioso entre tantas blasfémias,
obediente entre tantas ordens injustas, amante e apaixonado por todos os que O
aborrecem e afrontam...
Escuta em silêncio a voz do Pai que mostra, o seu Filho à humanidade, como o fizera
no Jordão, o «seu Filho muito amado», entregue por nós.
«Fora, fora...»
É o grito da multidão. Fora, porque estorva, porque diz demasiadas coisas, porque
prega agora muito mais do que tinha feito anteriormente, nas sinagogas e nas praças, na
montanha e na margem do mar da Galileia.
A sua pregação é agora o silêncio da sua presença como Homem aborrecível,
desprezado, rejeitado, mas que continua a amar, a estimar, a atrair. . .
Contempla como é desprezado, porque o seu silêncio fala demasiado. Esta situação
irá repetir-se muitas vezes na vida dos homens. Já no livro da Sabedoria - no Antigo
Testamento - se lê em relação ao justo: «Armemos laços ao justo, porque nos
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incomoda... pois a sua vida não é semelhante à dos outros. Ele tornou-se urna viva
censura para os nossos pensamentos... os seus caminhos são muito diferentes... e gloria-
se de ter a Deus por Pai... Condenemo-lo a urna morte infame, pois, segundo ele diz,
Deus o protegerá» .
Não te achas muitas vezes nesta mesma situação? A daquelas pessoas a quem incomoda
a presença do «Homem», de Deus, que fala demasiado com a sua vida, quando se
afastam d'Ele?
Mas, com humildade, reconhecendo a tua pequenez, deixa-te olhar por Aquele que, com
a sua presença no íntimo do nosso ser, diz mais com o seu silêncio do que todas as
palavras dos outros, por convincentes que sejam. Deixa-te seduzir pelo «Homem-
Deus».
Senhor, mais Homem que todos os homens, salvador de toda a Humanidade, para Ti
toda a minha adoração, veneração e acção de graças. Eu Te glorifico, meu Deus, único
e verdadeiro. Sim, quando Pila tos pronunciou aquelas palavras não sabia o que dizia,
não sabia que estava a apresentar-nos o Homem verdadeiro e o verdadeiro Deus que
tinha querido ser como um de nós para nos salvar precisamente de nós próprios, das
nossas escravidões e das nossas faltas de humanismo... Maria, tu, que levaste em teu
seio o Homem que agora contemplo «desprezado, opróbrio dos homens», mas salvador
da humanidade: ajuda-me a viver esse novo humanismo cristão que Ele, com a sua
vida, nos veio trazer, essa mesma vida que tu Lhe deste no teu ventre de mulher
consagrada à obra de salvação do Pai. Amen.
SEXTA SEMANA
«ENTREGOU-O PARA SER CRUCIFICADO»
Por fim, a sentença. «É réu de morte». A sentença legal já tinha sido dada pelos
sacerdotes e escribas do Sinédrio. Fora lavrada desde o primeiro momento. «Para que
queremos mais testemunhas? - tinha dito o Sumo Sacerdote Declarou-Se Filho de Deus
... é réu de morte pela sua blasfémia». O restante é um jogo sujo, um altercado entre o
Sinédrio e Pila tos, uma conspiração que apela para o que mais podia temer o
Governador romano: perder a confiança de César. Esta é a parte humana da sentença:
uma condenação injusta, inveja, receios, temores, chantagens - «Se libertas este homem
não és amigo de César...»-, toda uma série de circunstâncias que O levam à morte.Mas
há muito mais naquela sentença. Está a vontade do Pai de nos entregar o seu Filho «em
remissão dos pecados», e está o amor do Filho por nós, para nos levar ao Pai.
Contempla, nesta meditação, a sentença injusta que leva Jesus à cruz. Acompanha-O
com a cruz a caminho do Calvário, sobe com Ele ao Gólgota; mas, sobretudo,
contempla-O na sua entrega incondicional a todos os homens.
«Não te intrometas no caso desse justo...»
Vendo Pilatos que de nada valia, antes aumentava o tumulto, sentou-se no tribunal
para pronunciar a sentença contra Jesus. Mas, naquele momento, chegou um recado da
sua mulher: «Não te intrometas no caso desse justo, porque hoje sofri muito em sonhos
por causa d'Ele».
70
É fácil imaginar o tormento de Pilatos. Considerava-O justo; repetira-o várias vezes
aos sacerdotes e chefes do Sinédrio.
Estava convencido de que cometia uma injustiça. E, ainda por cima, a sua mulher
envia-lhe semelhante mensagem, advertindo-o de que ia actuar mal condenando um
«justo».
Por outra parte, já sabemos o seu medo de perder o poder.
E acabava de ganhar outro medo. Pôde mais o desejo de ter que o de ser justo e obrar
rectamente. Então, mandou vir uma bacia com água e, lavando simbolicamente as mãos,
disse: «Estou inocente deste sangue. Isso é convosco».
Inocente não era. Mas redimido como todos nós, sim.
Não, Pilatos não foi inocente, como não o foram os chefes do Sinédrio, como não o
somos nem tu nem eu... Só Ele é justo. Mas o Justo tinha de morrer para nos salvar da
nossa injustiça e pecado.
«E entregou-O aos judeus para ser crucificado...»
Os factos são narrados nos Evangelhos com simplicidade: «Depois de O terem
escarnecido, os soldados tiraram-Lhe o manto, vestiram-Lhe as suas vestes e levaram-
No para ser crucificado. Quando O iam conduzindo, lançaram mão de um certo Simão
de Cirene, para que O ajudasse a levar a cruz».
A frase é significativa: «Depois de O terem escarnecido.. .». Deixa de ser rei de
zombaria para começar a reinar na cruz. Tiram-Lhe a cana que fazia de cetro e dão-Lhe
a cruz que vai ser o trono da sua verdadeira realeza, a do seu Reino, que não é deste
mundo. . .
Dão- Lhe por companheiros dois ladrões, que depois veremos junto d'Ele, na cruz, e
começa o percurso pelas ruas que tantas vezes O tinham visto passar «fazendo o bem» e
«anunciando a todos a Boa-Nova».
Dois ladrões e um pobre homem a quem apanham de surpresa para arrastar o
madeiro de um réu de morte. .. São os pobres, os marginalizados, os pecadores, os que,
ainda hoje, estão perto de Jesus.
Jesus abraça-Se ao lenho que vai servir-Lhe de patíbulo.
É a cruz em que vai morrer por nós, é o cálice que «tanto desejou beber.. .», mas
fisicamente experimenta todas as angústias, dores, cansaços e fadigas que supõe o
carregar com um lenho de tamanho suficiente para nele ser suspenso.
E isto depois de uma noite de suplícios, ferido e ensanguentado, por um caminho
estreito e íngreme.
A cruz, que hoje é o distintivo do cristão, o sinal de bênção, é para os judeus um sinal
de maldição.
E é este, precisamente, o jugo que leva, agora, Jesus para nos libertar de toda a
maldição, a nós, que «n 'Ele fomos abençoados com toda a espécie de graças espirituais
do Céu...».
«Não choreis por Mim, chorai antes por vós mesmas e pelos vossos filhos...»
Não vai só, a caminho do Calvário. Rumo ao Gólgota, um outeiro onde se vai
preparar o patíbulo, caminha com dois ladrões e «uma grande multidão de povo e umas
mulheres que batiam no peito e se lamentavam por Ele».
Este pormenor de Lucas ficou para sempre gravado na tradição religiosa dos crentes.
71
As únicas pessoas a que se alude, neste caminho - outra coisa é a devoção que criou
outros momentos do que chamamos Via Sacra - são um estrangeiro que regressa do
trabalho, alheio à celebração da Páscoa judaica e mais alheio ainda aos acontecimentos
à volta do Nazareno; e dois grupos genéricos: o «povo» e «umas mulheres». Segundo
Mateus e Marcos, Simão de Cirene «é obrigado» a levar a cruz. Em todo o caso, carrega
com ela.
Para ti, para mim, para todos, também será obrigatório, em muitas ocasiões, levar a
cruz, sem irmos a ela voluntariamente. Mas, se é a cruz de Cristo, a nossa atitude deverá
ser a de urna verdadeira honra, «levando em nós os sinais de Cristo crucificado». Na
verdade, de todos os homens que rodeavam Jesus naquele momento, só se conserva este
nome próprio, só ele mereceu essa distinção!
Custa-nos crer que levar a cruz de Cristo sobre nós é urna verdadeira honra, urna
predilecção do seu amor.
As mulheres choravam, lamentavam-se. E Jesus, voltando-Se para elas, consola-as:
«Filhas de Jerusalém, não choreis por Mim, chorai antes por vós mesmas e pelos vossos
filhos; pois virão dias e que se dirá: "Felizes as estéreis, os ventres que não geraram e os
peitos que não amamentaram. . ." Porque, se tratam assim a árvore verde, o que não
acontecerá à seca?» Jesus esquece-Se dos seus tormentos para consolar as mulheres,
sobretudo para lhes dar o verdadeiro sentido daquela sentença injusta morte
ignominiosa cujo instrumento Ele levava sobre os seus ombros: a árvore da cruz «da
qual devia pender a salvação do mundo».
Senhor Jesus, ao contemplar-Te neste caminho doloroso da cruz, neste arrastar o
madeiro em que vais morrer, sinto a angústia e a dor daquelas mulheres e imagino-Te
cheio de feridas, sangrando por meu amor. Mas, meu Deus e meu Pai, não posso deixar
de «me gloriar na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo» que nos mereceu a salvação. Sei
que o que se fez com a «árvore verde» é precisamente para que não se faça com «a
seca», o que merecíamos pelos nossos pecados. Maria, tu, que certamente estarias
entre aquelas mulheres que choravam, e receberias um olhar de teu Filho, cheio de
amor e de dor, ensina-me a levar a cruz como Simão de Cirene, mas também o amor e
a entrega com que tu, sem carregares fisicamente com o madeiro, O ajudaste a levá-la,
com a sinceridade do amor do teu coração de mãe e virgem.
Amen.
SEXTA SEMANA
«QUANDO CHEGARAM AO LUGAR CHAMADO CALV ÁRIO,
CRUCIFICARAM-NO...»
Vais fazer as últimas meditações da vida de Jesus, que te propomos neste «Quarto de
Hora» diante da imagem do crucificado. As últimas horas da vida do Senhor, cheias de
significado e de lições de amor e entrega aos homens: horas de aceitação da vontade
do Pai e horas de desamparo físico e moral; horas de troça por parte de muitos, e de
actos de fé incondicional de alguns, como o centurião; horas de dor infinita e de amor
redentor; horas de perdão, de compreensão e de entrega do que mais amava: sua
Mãe... Das tuas meditações e contemplações ao pé da cruz dependerá muito a tua
compreensão do mistério pascal de morte e ressurreição, dor e gozo, pecado e
72
redenção... Não deixes de olhá-Lo, adorá-Lo, amá-Lo, e escutar, em silêncio, as últimas
lições do seu amor.
«Crucificaram-No entre dois ladrões...»
«Vide pendente, audi clamante, considera moriente». «Olha para Jesus pendente da
cruz, ouve como clama, considera como morre», Deve ser este o objecto destas duas
meditações sobre a cruz de Cristo: olhá-Lo, ouvi-Lo, contemplar como morre... para nos
dar a Vida. Olha-O despido, despojado das suas vestes, cravado aos dois lenhos que se
cruzam para segurá-Lo. A cabeça, ainda coroada de espinhos ou com os sinais evidentes
dos que teria levado até então. As mãos, atadas ou pregadas, as feridas abertas,
sangrando... os membros desconjuntados, os lábios secos, a língua amarga. . .
«Homem de dores, verme mais do que homem... diante do qual se tapa o rosto!» Sobre
a cruz, o letreiro irrisório que Pilatos mandou lavrar: «Jesus Nazareno, Rei dos Judeus».
Ali está o rei de quem se riem, reinando sobre a cruz a fim de restaurar o Reino de seu
Pai.
À sua volta, os soldados repartem e deitam sortes sobre as suas vestes. Os curiosos
observando, os amigos com uma grande angústia e remorsos. Alguns, invadidos pelo
medo a qualquer coisa desconhecida. . . E a Mãe, olhando desde baixo para Aquele que
foi elevado a fim de «atrair a Si todas as coisas». Jesus vai fixando o olhar nuns e
noutros, tendo todos presentes. Também a ti e a mim: todos.
Olha-O, contempla-O na cruz e faz silêncio diante de tanta dor e tanto amor. E,
depois, ouve as suas palavras, as poucas palavras que os evangelistas conservaram e que
iremos agora meditar, uma a uma, para que nos fiquem gravadas no coração, e para que
a cruz seja sempre, em qualquer momento, a cátedra verdadeira onde aprendas a vida de
Cristo. Por fim, vê como morre no desamparo, e o aparente fracasso, o esquecimento
dos amigos e a impotência de muitos. Mas contempla, sobretudo, a entrega do seu
espírito ao Pai, de Quem saiu e para Quem volta.
«Jesus, lembra-Te de mim quando estiveres no teu Reino...»
As primeiras palavras que Jesus pronuncia depois de muitas horas de silêncio,
recolhe-as Lucas, o evangelista do perdão, para pedir perdão ao Pai para os que O
ultrajam e crucificam, e também a que dirige ao ladrão arrependido.
Duas palavras que vão levar-nos a compreender, uma vez mais, a força de perdão
inerente à cruz, à redenção do Senhor.
«Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem!» Sim, a primeira palavra é de
amor oferecido, de perdão, de oração pelos que O crucificam. «Pai», palavra de amor;
«perdoa-lhes», de oração e intercessão; «porque não sabem o que fazem», de desculpa e
indulgência.
E, verdadeiramente, não sabemos o que fazemos quando voltamos, pelos nossos
pecados, a crucificar Cristo com a nossa falta de amor, as nossas injustiças para com os
irmãos, os nossos egoísmos ou as nossas negligências. . .
Um dos ladrões comoveu-se ao ver a paciência e mansidão de Jesus. O outro
insultava-O e, com a raiva do seu castigo, assanhava-se mais duramente unindo-se aos
escárnios dos soldados: «Salvou a outros... que Se salve a Si mesmo e a nós também..
.». Realmente, não sabia o que fazia nem o que dizia. Se o tivesse sabido, a sua queixa
ter-se-ia convertido numa oração profética. Porque, que outra coisa estava Ele a fazer,
senão a salvá-lo...?
73
O outro ladrão dirigiu-se então ao que se queixava e disse-lhe: «Nem sequer temes a
Deus, tu que sofres o mesmo suplício?» N a verdade, a fé é gratuita, puro dom. Donde
lhe vinha, àquele pobre ladrão, naqueles momentos, essa capacidade de um verdadeiro
acto de fé e confiança em Deus? Depois, dirigindo-se a Jesus, acrescentou: «Lembra-te
de mim, quando estiveres no teu Reino».
As primícias da redenção são para aquele pobre marginalizado que ora com fé
simples e recém estreada.
Quem, depois, disto, poderá desconfiar da misericórdia de Deus?
Imediatamente - que outra coisa espera Jesus senão a oportunidade de perdoar? -
disse-lhe aquelas palavras tão consoladoras, que todos desejaríamos ouvir nos nossos
últimos momentos:
«Em verdade te digo: hoje estarás comigo no Paraíso!»
«Mulher, eis o teu filho»
Estas palavras é João que as recolhe: «Junto à cruz de Jesus estavam, de pé, sua mãe
e a irmã de sua mãe, Maria, a mulher de Cléopas, e Maria Madalena. Então, Jesus, ao
ver ali ao pé a sua mãe e o discípulo que Ele amava, disse à mãe: «Mulher, eis o teu
filho!» Depois, disse ao discípulo: «Eis a tua mãe!» E, desde aquela hora, o discípulo
acolheu-a como sua».
Tal como o narra São João, parece o cumprimento de um dever filial. A mãe ia ficar
sozinha. Confia-a a João. Ao mesmo tempo, o grande amigo, o que «reclinara a cabeça
no seu peito» e fora seu confidente em várias ocasiões, também ficava só. A mãe terá
um filho em quem apoiar-se; o jovem terá uma mãe em quem confiar e a quem atender.
Mas as interpretações cristãs dos factos vão mais longe.
Jesus, tão generoso em nos dar a sua vida, seu sangue, seu corpo e, sobretudo o seu Pai
por nosso pai, dá-nos por mãe, na pessoa do discípulo predilecto, a sua própria Mãe.
Jesus, depois de me teres demonstrado um amor imenso e todos os acontecimentos da
paixão, é agora a tua ternura infinita a que devo adivinhar no teu perdão e na entrega
da tua Mãe. Também eu Te quero pedir, uma e mil vezes, que Te lembres de mim no teu
Reino, pois quero estar contigo, que é estar já no Paraíso. E, tal como o discípulo
amado, acolho o dom da tua Mãe como minha mãe, mãe da Igreja, mãe de todos os
homens. Obrigado, Senhor, porque a tua Mãe, a Mãe de Deus, é minha mãe! Ensina-me
a viver, como Tu, a entrega incondicional à vontade do Pai, mesmo que seja ao pé da
cruz! Amen.
DOMINGO
SEXTA SEMANA
«PAI, NAS TUAS MÃOS ENTREGO O MEU ESPÍRITO...»
Últimos momentos de Jesus, últimas palavras, último suspiro... A sua passagem pela
terra vai terminar e tu podes contemplar, cheio de amor, esses momentos
transcendentes, para que deixem na tua pessoa uma marca a que possas recorrer
frequentemente. São palavras recolhidas pelos evangelistas com a interpretação
catequética que o Espírito lhes inspirou, sempre atentos em nos transmitir a Boa-Nova,
« o que seus olhos viram, o que seus ouvidos ouviram, o que suas mãos tocaram
74
relativamente ao Verbo da Vida». Contemplar esta última hora da tarde daquela sexta-
feira de Páscoa, escutar as últimas palavras de Jesus, ficar ali, serenamente, aos pés do
crucificado, é uma dessas orações que deverias fazer amiúde. Certamente, a tua vida
ir-se-ia transformando...
«Meu Deus, meu Deus, por que Me abandonaste?»
Tendo sido crucificado pouco depois da hora sexta-por volta do meio dia -, «as trevas
envolveram a terra até às três da tarde», como narram Mateus e Marcos.
Simbolicamente, a terra cobre-se de luto pela morte do seu Senhor. Fez-se de noite, a
hora propícia para a oração e que Jesus tantas vezes tinha escolhido... E, no silêncio e
escuridão, já nem sequer perturbado pelas troças e escárnios dos soldados que fogem
cheios de medo, Jesus ora ao Pai na sua angústia e desamparo.
E fá-lo, como muitas vezes, com os salmos. Sim, estando no monte Calvário, as mãos
estendidas, como se abraçasse a criação inteira, depois de ter falado aos homens - a sua
mãe, a João e ao ladrão arrependido - Jesus dirige-Se exclusivamente ao Pai, naquela
hora de trevas. Como imaginar a profundidade dessa oração e a sua eficácia? E o salmo
21 [22] é o mais apropriado para uma oração em plena agonia, no desamparo de um
condenado à morte, sozinho entre o céu e a terra: «Meu Deus, meu Deus, por que Me
abandonaste...?» Continuaria provavelmente: «Meu Deus, clamo de dia e não me
respondes; clamo de noite e não me prestas atenção.. .». É o mesmo salmo a que Mateus
recorre várias vezes neste capítulo para demonstrar «que se cumpriam as Escrituras».
Pouco se percebem as palavras entrecortadas de um moribundo em agonia... E os que
ficaram junto à cruz ouviram o primeiro versículo e comentaram, sem compreender bem
a sua língua nativa, que estava a chamar por Elias. Mas Jesus desabafava com o Pai o
seu desamparo e padecimento, da única maneira que podia aliviá- Lo: com a oração.
Esta será, sem dúvida, a tua única consolação, quando te vires em solidão, dor e
angústia. A oração de Jesus,
recitando o Salmo 21, ajudar-te-á a suportar os momentos que nunca chegarão à solidão
e desamparo que Jesus experimentou na cruz.
«Tenho sede!»
Mateus e João dizem que «sabendo Jesus que tudo se consumara, para se cumprir
totalmente a Escritura, disse:
"Tenho sede!"». Foi então quando Lhe aproximaram uma cana com uma esponja
ensopada em vinagre e fel, que aliviava a sede e adormecia a dor.
Sede física, sem dúvida, que devia ser horrível, pela quantidade de sangue que tinha
perdido. Mas também podemos interpretar este, como um de tantos gestos simbólicos,
que três dos quatro evangelistas quiseram registar: sede de cumprir em tudo a vontade
de seu Pai, expressa nas palavras «para se cumprir totalmente a Escritura»: sede de
padecer, de «beber o cálice que tanto tinha desejado» para nos salvar; sede de amar e ser
amado pelos homens, seus irmãos, que Ele aproximava ao Pai como Pontífice da nova
Aliança...
Contempla em silêncio, aproxima-te dos sentimentos de Jesus, penetra na sua sede
física e moral, e sente sobre ti esse amor infinito de Deus que te pede, também a ti, que
acalmes a sua sede a fim de poderes mitigar a tua: a tua sede de amor, de felicidade, de
vida eterna. . .
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«Tudo está consumado»
Depois de ter tomado fel e vinagre, Jesus disse. «Tudo está consumado».
Sim, Aquele que tinha vindo ao mundo «não para fazer a sua vontade, mas a d' Aquele
que O enviou, pode afirmar, no último instante, que tudo fica cumprido. Que está
acabada a obra que o Pai lhe tinha encomendado, terminada a obra da redenção e
salvação dos homens; satisfeito o pecado de Adão que representava a humanidade;
destruída a morte com a sua morte; abertas as portas do Reino para todos, judeus e
gentios; terminada a Antiga Aliança e os sacrifícios da Lei... cumprido tudo o necessário
para que «todos sejam um, como o Pai e o Filho são um»; acabado tudo o que era
símbolo, sombra, figura, para passar à realidade do Reino que já começou...
E só então - acrescenta unicamente Lucas - «dando um forte grito, Jesus exclamou:
"Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito"», usando novamente um salmo, o 30 [31],
oração a que já estava habituado, mas à qual acrescenta a palavra-chave do Novo
Testamento: «Pai». É ao Pai que Ele eleva o espírito e Lho entrega. Imediatamente,
«inclinando a cabeça, expirou».
Não Lhe chama Javé, como no Salmo 30, mas Pai, porque é essa a oração que Ele
nos veio ensinar e a verdade que nos deu a conhecer.
Naqueles momentos transcendentes, é a confiança infinita em Deus a que se toma
necessária, e nenhuma palavra pode despertar melhor essa confiança que a de Pai.
«Inclinou a cabeça». Podemos considerá-lo simbolicamente como um acto de
assentimento, como o gesto de entrega da própria vida que, como Ele dissera, «ninguém
Lha tirava, porque Ele mesmo a dava».
«E expirou». Morre o senhor da vida, morre O que veio salvar-nos, e morre por isso
e para isso...
Vem contemplar esta morte, a mais transcendente da história e a que abre caminho a
todas as mortes cristãs, a que dá sentido às nossas mortes, porque nela está a Vida.
Morre Jesus, Sumo Sacerdote da Nova Aliança, depois de Se ter sacrificado a Si mesmo
no altar da cruz... Morre Jesus, redentor do mundo, depois de ter pago o preço infinito
do seu sangue para redimir todos os escravos da servidão do pecado... Morre o Mestre,
depois de ter dado, na cátedra da cruz, a mais alta lição de justiça, de santidade, de
amor. . . Morre o Bom Pastor, depois de ter dado a vida pelas suas ovelhas... Morre
Jesus, Rei de reis, depois de triunfar da morte, morrendo. . .
Senhor Jesus, que na cruz foste digno sacrifício para a salvação de todos os homens,
concede-me participar na tua paixão, entregando a minha vida ao Pai como Tu fizeste/
Que a oração seja sempre a minha força nos momentos difíceis, que ponha sempre nas
mãos do Pai o meu espírito e toda a minha vida, afim de que, pelos méritos da tua
morte, mereça gozar da tua Vida, «aquela vida lá de cima, que é a vida verdadeira».
Amen.
SEGUNDA-FEIRA
SÉTIMA SEMANA
«VERDADEIRAMENTE ESTE HOMEM ERA FILHO DE DEUS»
76
«Quando for elevado da terra, atrairei tudo a Mim...» tinha dito Jesus. Desde o
primeiro momento, depois da sua morte, começa a atracção irresistível de Jesus que
dará lugar à formação dos primeiros grupos de seguidores que, na clandestinidade, se
mantêm em espera...
Não é ainda a esperança cristã, porque o Espírito não viera confirmá-los na fé, mas
esperam... Dedicaremos, agora, uma meditação aos momentos que se seguem à morte
de Jesus, quando O descem da cruz, O sepultam e tudo parece ter acabado na morte de
mais um homem, dos muitos que tiveram seguidores e um dia desapareceram.
Mas também, desde o princípio, este Homem é diferente E aproximar-se d 'Ele é
aproximar-se da Vida, mesmo que O contemplemos morto nos braços de José de
Arimateia ou de Maria, sua Mãe.
«o véu do templo rasgou-se...
e a terra tremeu...»
Junto à cruz de Jesus, que acaba de elevar ao Pai o seu último grito e entregar-Lhe o
espírito, ficam agora poucas pessoas.
Quase todos se foram indo embora, alguns com pena, outros com medo, e ainda
outros cansados de esperar algum acontecimento prodigioso.
Mas «estavam ali algumas mulheres a contemplar de longe; entre elas, Maria de
Magdala, Maria, mãe de Tiago Menor e de José, e Maria Salomé, que O seguiam e
serviam quando Ele estava na Galileia, e muitas outras que tinham subido com Ele a
Jerusalém».
Pormenor interessante, recolhido pelos três Evangelhos sinópticos, o das mulheres
que seguem Jesus até ao fim, que não se acobardam, antes permanecem junto d'Ele até
ao fim e são testemunhas dos acontecimentos. E, sobretudo, recebem o impacto
extraordinário da morte do Filho de Deus.
Mas não foram as únicas que receberam esta influência directa e transformadora..
O centurião, que tinha estado ali de guarda e, segundo parece, indiferente a este
condenado à morte e à sua história, «ao vê- Lo expirar daquela maneira, disse:
"Verdadeiramente, este homem era Filho de Deus"». Ao mesmo tempo, «muitos
regressavam batendo no peito.. .».
De novo, vem entrepor-se à celebração da Páscoa a execução dos três condenados,
porque, assim que o sol se pusesse, não podiam, segundo a lei, fazer o mínimo trabalho.
Era preciso, portanto, acabar quanto antes, acelerar-lhes a morte, se ainda não tivessem
morrido... A letra da lei continuava a ser, para aqueles homens, mais importante do que
a vida desses três que pendiam da cruz.
São João narra-o deste modo: «Como era o dia da preparação da Páscoa, para evitar que
no sábado ficassem os corpos na cruz, porque aquele sábado era um dia muito solene, os
judeus pediram a Pilatos que se lhes quebrassem as pernas e fossem retirados. Os
soldados foram e quebraram as pernas... mas, ao chegarem a Jesus, vendo-O já morto,
não Lhe quebraram as pernas. Porém, um dos soldados abriu-Lhe o peito com uma
lança e logo brotou sangue e água. E ele bem sabe que diz a verdade, para vós crerdes
também».
«José de Arimateia, que era discípulo de Jesus, mas secretamente... pediu a Pilatos
o corpo de Jesus...»
77
Discípulo de Jesus, mas secretamente por medo dos judeus, diz João. Como
Nicodemos, como algum outro escriba, certamente, que tinham querido seguir Cristo de
perto, mas não se achavam com forças para romper com os poderes deste mundo.
Agora, como primeiro fruto da morte de Jesus, aproximam-se d'Ele e recolhem
cuidadosamente o seu corpo...
O sangue de Jesus morto por nós, o seu sangue redentor, empapou certamente as vestes
desses dois amigos escondidos que acabavam de perder o medo. Até foram falar com
Pilatos para que lhes permitisse sepultá-Lo. Foram eles, também, os que Lhe ungiram o
corpo. Porque Nicodemos trouxe cem libras de mirra e aloés. José encarregou-se de
comprar um lençol para O amortalharem, envolvendo-O nele quando O desceram da
cruz. Ungiram-No e levaram-No para um sepulcro novo que havia precisamente num
horto próximo do lugar onde O tinham crucificado. Tinha a vantagem de estar perto e
não tinham de violar o descanso sabático, que estava quase a começar.
A piedade popular imagina - com bastante realismo que ali estaria a Mãe de Jesus. Os
seus braços voltariam a receber - agora sem vida - o corpo do seu Filho, que tantas
vezes repousara neles durante a infância.
Depois de beijá-Lo com delicadeza, Maria deixaria actuar aqueles amigos e o corpo
de Jesus foi depositado no sepulcro. Eles mesmos se encarregaram de rodar a pedra que
o fechava.
Silêncio, solidão. Maria regressa com João e aqueles poucos amigos, Maria
Madalena, Maria Salomé... Tudo parece ter acabado. Mas é então quando tudo
começa...
Detém-te um bom bocado nesta meditação de Cristo morto e sepultado e, se te pode
ajudar, ora com este
Hino de adoração e acção de graças ao Rei dos céus e da terra, Cristo Jesus,
enquanto descansa no sepulcro:
Eu te adoro, corpo de Cristo, desfigurado, morto e cheio de chagas por meu amor.
Bendito sejas! Que o céu e a terra Te glorifiquem! Eu vos adoro, chagas do meu
Redentor. Benditas sejais, porque fostes recebidas por meu amor! Eu te adoro, cabeça
de Cristo cravada de espinhos! Bendita sejas, porque padeceste por meu amor!
Eu te adoro, rosto de Cristo, desfigurado pela dor. Bendito sejas porque sofreste por
meu amor! Eu vos adoro, olhos piedosos e amorosos do meu Senhor, agora fechados
pela morte. Benditos sejais porque a aceitastes por meu amor! Eu te adoro, língua
divina, amargada pelo fel e pelo vinagre. Bentita sejas porque emudeceste por meu
amor! Eu vos adoro, ouvidos santos do meu Senhor, que ouvistes o clamor do pobre e
do pecador, agora fechados... Benditos sejais porque vos fechastes por meu amor!
Eu vos adoro, mãos divinas do meu Salvador, feridas por fazer bem aos homens.
Benditas sejais, porque trabalhastes por meu amor! Eu te adoro, lado trespassado do
meu Senhor. Bendito sejas porque foste aberto por meu amor! Eu te adoro, Sangue de
Cristo. Bendito sejas, porque jorraste por meu amor! Bendito sejas, Senhor, pela tua
vida e a tua morte, entregue por meu amor! Amen.
TERÇA-FEIRA
SÉTIMA SEMANA
78
«... E, DURANTE O SÁBADO, OBSERVARAM O DESCANSO, CONFORME O
PRECEITO»
Nesta meditação, vamos contemplar a solidão em que se encontra Maria, a Mãe de
Jesus, depois que José de Arimateia e Nicodemos sepultaram o seu Filho.Os
evangelistas não nos transmitiram nada do que aconteceu entre João e Maria, entre
Maria e os discípulos, depois da sua morte. Tudo o que a devoção popular tem dito e
venerado das «Dores de Maria» são consequências lógicas de uma vida humana como
a da Virgem Maria e a de Jesus, que assumiram em tudo a realidade que todos vivemos
perante os acontecimentos. Sem necessidade de imaginarmos coisas extraordinárias,
podemos aproximar-nos da dor e solidão de Maria naquele sábado anterior à
ressurreição...
«Eu vos conjuro, filhas de Jerusalém, que não desperteis o meu amor, até que ele
queira...»
Ao regressar do Cal vário e depois de ter beijado e adorado aquele corpo morto, que
acabavam de descer da cruz, e de ter agradecido a Nicodemos e a José de Arimateia,
Maria regressa à casa de João. . . Corno a esposa do Cântico dos Cânticos, sentiria
aquela solidão de mãe, filha e esposa... Que havia de fazer sem Jesus, sem Aquele a
quem ama? Quem a pode consolar? É hora de estar com Ela, de ficar a seu lado,
contemplando a sua solidão e a sua dor, e dizer-lhe corno o Profeta: «Corno estás
sentada, em solidão, tu, que costumavas ser corno cidade repleta de gente?» Não há
quem Te console em tão grande pena, porque ninguém é capaz de fazê-lo perante urna
dor tão grande...
«E Maria guardava todas estas coisas no seu coração...»
Solidão dolorosíssima de Maria, pelo que recordava, Via e amava. . .
Maria ficaria a sós, naquele sábado anterior à ressurreição, com todas as suaa
recordações: a anunciação do anjo, a espada que lhe profetizara Simeão, a fuga para o
Egipto, a perda de Jesus no Templo de Jerusalém, por ocasião daquela primeira Páscoa
a que o Menino assistira; as Bodas de Caná, a pregação de Jesus...
E, agora, a paixão, corno num filme recente: as injúrias, os maus tratos dos soldados,
os cravos, os espinhos, o caminho do Cal vário, a cruz, os dois ladrões a seu lado, as
últimas palavras de Jesus...
Tudo, tudo se lhe amontoa na mente, causando dor ao seu coração de mãe. Tal como
Jesus que, perante o temor do que se avizinhava, sofrera uma agonia terrível em
Getsémani, Maria sofria agora uma agonia de morte no seu coração de mãe carregado
de recordações. As últimas palavras na cruz eram dor e consolação. Recordava,
sobretudo, a que Ele dirigira a João, um dos filhos de Zebedeu, e a que lhe dirigira a
ela...
Recordava a lança trespassando-Lhe o coração já sem vida e como brotara sangue e
água. .. Sentia também o seu coração atravessado pela lança aguda do sofrimento pelo
Filho, agora morto.
«Hão-de olhar para aquele que trespassaram...»
79
Maria foi a primeira contemplativa da paixão do Senhor. Na sua contemplação, Ela
penetrava frequentemente na grandeza do amor com que seu Filho tinha padecido por
nós, por todos os homens. E, precisamente pela sua união com o espírito de Jesus, sofria
em Si mesma, como corredentora, todas as dores de seu Filho.
Via a traição de Judas e doía-Lhe com dor de mãe. Via os sacrilégios e as
profanações do povo e sofria por aqueles homens que não compreendiam a paixão do
Senhor. . .
Maria amava imensamente o seu Filho e esse amor aumentava a sua dor. Amava-O
como Messias, como Filho de Deus, como Filho das suas entranhas. Se o seu amor
superou qualquer amor de mãe ou de esposa, também a sua dor foi maior do que
qualquer outra dor.
A primeira contemplação de Cristo crucificado, morto e sepultado, o primeiro
«credo» doloroso da história rezou-o Maria na solidão daquele sábado.
Acompanha-a na sua oração e contempla, em silêncio, com ela, a sua solidão.
Maria, quero contemplar, como Tu, a morte de Jesus, morte salvadora, para aumentar
o meu amor e agradecimento a teu Filho Jesus! Imagino a tua infinita dor de mãe
quando O arrancam de teus braços e O sepultam naquele jardim, e tens de voltar à vida
de cada dia carregando com a tua solidão. É a dor que teremos de sofrer em certas
ocasiões, quando acabamos de sepultar um ser querido. Só a fé e o saber que Jesus, teu
Filho, quis assumir contigo todas as dores da humanidade, dará sentido à minha dor.
Obrigado, Mãe, pela tua solidão sofrida no amor, pela tua participação na obra
redentora de Jesus!
QUARTA-FEIRA
SÉTIMA SEMANA
«EIS A TUA MÃE»
A Mãe de Deus é tua Mãe. É este o grande dom que Jesus nos quis fazer desde a cruz,
na pessoa do discípulo João. Nesta meditação, vais abandonar-te nas mãos de Maria, e
sentir a sua protecção de mãe, numa acção de graças profunda e sincera, porque Jesus
quis que a Igreja, toda a humanidade, gozem da protecção de Maria como Mãe.
Ela, a mulher simples de Nazaré, que soube dizer «sim» a Deus em todos os momentos
da sua existência, é hoje a Mãe da Igreja, Mãe de todos os homens, tua Mãe e Mãe de
Deus...
«Bendito o fruto do teu ventre...»
Contempla, agora, com alegria, esta verdade: a Mãe de Deus é minha Mãe! «Mãe da
minha alma, mãe do meu coração!» Jesus, ao morrer, deu-te Maria por mãe, e a sua
última vontade, oferecida em testamento, é irrevocável.
A consequência é clara: és filho de Maria, irmão de Jesus Cristo, filho de Deus...
Que razão tão grande para confiar em Maria!
Maria teve a alegria de levar em seu seio o Filho de Deus. Mas, tal como Jesus, não
considerou isso um privilégio só para Ela, e quis Deus que fosse dada a todos os
homens, exercendo assim a sua maternidade universal. São os grandes milagres do amor
que a todos abraça!
Não se trata unicamente de uma devoção popular;
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trata-se de uma dádiva de Jesus que quis manifestar, dessa maneira, o grande amor com
que Se entregava aos homens, dando-nos inclusivamente a sua Mãe.
«E, desde aquela hora, o discípulo acolheu-a como sua»
Acolher Maria na nossa vida, como mãe, é cumprir a vontade de Jesus que, na pessoa
de João, no-la «confiou».
Não podemos acolher Jesus na nossa vida sem acolher Maria, sua e nossa Mãe.
Como seus filhos, todos nós acudimos a Ela nas nossas múltiplas necessidades. E
sempre foi, para os simples de coração, motivo de grande confiança invocar Maria
como mãe, nos momentos de dificuldade, obsequiá-la com orações e celebrar as suas
festas.
«Sou verdadeiramente feliz, porque tenho uma mãe que não me pode faltar... que pode
socorrer-me em todas as minhas necessidades... que sabe e quer ajudar-me, porque é a
Mãe de Deus e também minha Mãe... Que feliz sou! Nas minhas alegrias e penas, nas
minhas dúvidas e opções, na abundância e na necessidade, nas quedas e nas tentações,
na vida e na morte, poderei exclamar sempre com a certeza de ser escutado:
Mãe, Mãe da minha alma, Mãe do meu coração, sou teu: salva-me! Mãe de Deus e
minha Mãe, és a minha vida e esperança! Com esta confiança, viverei em paz e
morrerei com alegria até poder dar- Te um abraço eterno no Céu, ao ver que fui salvo
pela tua intercessão. E repetirei com todos os bem-aventurados: verdadeiramente a
Mãe de Deus foi e é minha mãe; mãe da minha alma e mãe do meu coração. Assim
seja, assim seja, assim seja...
SÉTIMA SEMANA
«POR QUE BUSCAIS ENTRE OS MORTOS AQUELE QUE ESTÁ VIVO?»
Os Evangelhos não nos narram o momento da ressurreição. Sim, os acontecimentos
que tiveram lugar naquela alegre manhã do domingo, ao terceiro dia depois de Jesus
ter sido morto e sepultado, a verdadeira Páscoa cristã, o triunfo de Cristo sobre o mal
e a morte, é a maior alegria da nossa vida de crentes. E, neste acontecimento, está toda
a força da nossa esperança cristã. «Se morrermos com Cristo, ressuscitaremos com
Ele». A alegria da ressurreição tem de ser o centro da nossa vida cristã, e a
contemplação do seu triunfo o motivo mais forte da nossa esperança.
«... e ressuscitará ao terceiro dia»
E…ao terceiro dia, muito cedo, saem as mulheres com os seus perfumes, insatisfeitas
com as pressas com que O tinham atendido por causa do descanso sabático. Agora,
pensam elas, irão lavá-Lo e arranjá-Lo melhor, embalsamá-Lo e ungi-Lo...
Mas não sabem que Jesus já não precisa de todos aqueles cuidados, porque começa a
viver de um modo totalmente diferente. Já não precisa de que Lhe tratem as
feridas e as lavem, porque triunfou delas. Já não precisa de perfumes que dissimulem a
corrupção da morte, porque saiu dela vitorioso. As mulheres não o sabem. Vai ser o
próprio Senhor quem lho revelará.
«Entrando, não acharam o corpo do Senhor Jesus.
81
Estando elas perplexas com o caso, apareceram-lhes dois homens em trajes
resplandecentes, que lhes disseram: "Por que buscais entre os mortos Aquele que está
vivo?"» Cristo vive, Cristo ressuscitou e já não podemos procurá-Lo entre os mortos,
entre a angústia e a desolação do que é dor, desesperança, fracasso. . . A Vida triunfou
da morte; a alegria, da dor; a esperança, da angústia e do medo.
Congratula-te com Jesus, canta aleluia ao Senhor, canta com alegria a aleluia de Cristo
vencedor da morte e do pecado, de Cristo que é a Vida e nos restitui à nossa condição
de filhos de Deus, de homens livres n'Ele.
«Lembrai-vos do que vos disse na Galileia...»
«Não está aqui: ressuscitou - continuaram os dois homens a dizer às mulheres - como
vos tinha dito. Lembrai-vos de como vos falou, quando ainda estava na Galileia,
dizendo que o Filho do Homem havia de ser entregue às mãos dos pecadores, ser
crucificado e ressuscitar ao terceiro dia. Recordaram-se, então, das suas palavras».
Ressuscitou como tinha anunciado. As suas promessas cumprem-se sempre.
Ressuscitou para nunca mais morrer; porque a morte não teve poder sobre Ele, como o
pecado não o tem sobre o bem, depois que fomos salvos em Cristo.
Mas não acabamos de crer que Cristo ressuscitou para nunca mais morrer, e que isto
significa que a salvação já se realizou, que já não haverá morte eterna, porque a morte
foi vencida pela Vida.
Cristo ressuscita para nossa santificação e não é possível que o autor da Vida e vencedor
da morte seja novamente escravo dela; nem nós, salvos pela sua morte, voltaremos a ser
escravos da nossa, uma vez que ressuscitámos com Ele para a Vida eterna.
Cristo ressuscita imortal para nos enriquecer com o prémio da imortalidade.
«Não temais, ressuscitou como disse...»
Tu também ressuscitas para a Vida todas as vezes que morres com Cristo. Não podes
ter medo, porque Cristo, com a sua morte e ressurreição, conquistou o teu próprio
triunfo, a tua ressurreição.
Quando te sentires atado pelas paixões, quando tiveres medo porque te parece que, em
ti, triunfa a vida de pecado em vez da liberdade alegre dos filhos de Deus, que as
palavras do «anjo» te dêem esperança e certeza: «não tenhas medo:
ressuscitou como disse». A sua palavra cumpre-se sempre; não acaba tudo na cruz; nela
tudo começa, porque Cristo ressuscitado, desligando-Se dos laços da morte, conquistou
com o seu triunfo a liberdade que nós tínhamos perdido pelo pecado.
Senhor, não me deixes cair no desânimo e no temor; reveste-me com a tua fortaleza e
torna-me participante do teu triunfo na ressurreição, para que eu também possa cantar
eternamente a vitória sobre a morte e o pecado. Amen.
SEXTA-FEIRA
SÉTIMA SEMANA
«A PAZ SEJA CONVOSCO»
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Depois da sua ressurreição, dizem os Evangelhos que Jesus apareceu aos seus
discípulos em várias ocasiões e em diversas formas ,., É a presença de Cristo
ressuscitado que procura confirmá-los no que lhes tinha anunciado durante os anos de
pregação. Nesta meditação, vamos contemplar algumas das aparições de Cristo
glorioso aos seus discípulos: o que diz, o que faz, como Se apresenta... A vida gloriosa
de Jesus, a sua vida de ressuscitado tem o sinal da PAZ. Ê anúncio contínuo da alegria
que devemos viver todos os que somos de Cristo e morremos com Ele, a fim de
ressuscitarmos para uma vida nova, a vida do espírito.
«Mulher, porque choras?»
Quarenta dias, dizem os evangelistas, permaneceu Jesus entre os apóstolos depois de
ressuscitar.
Quarenta dias, durante os quais Se apresentava, de quando em quando, sem anunciar
a sua presença.
Durante esse período, exerce diferentes funções. Talvez a principal seja a de consolar,
animar.
Os evangelistas explicam-nos alguns desses momentos em que Jesus Se apresenta
para animar aqueles homens e mulheres que ficaram no desamparo mais absoluto por
«não terem compreendido as Escrituras». Foi Maria Madalena uma das primeiras a ser
consolada. Procura-O, angustia-se ao ver tirada a pedra do sepulcro, fica como louca
perguntando, como a esposa do Cântico dos Cânticos, quem levou o seu Mestre e... Ele
apresenta-Se como «um homem qualquer», mas com a marca inconfundível da sua
consolação: «Maria» - diz-lhe. E acabam-se as dúvidas para ela:
«Rabbuni, meu Mestre!» - responde-Lhe de imediato.
Consola, anima os apóstolos que não acabam de acreditar no que dizem as mulheres
nem a compreender o que diziam as Escrituras: «que tinha de ressuscitar de entre os
mortos. . .» Contempla cada uma dessas presenças de Jesus durante aqueles dias.
Encontrarás reflectidas nelas outras «presenças» de Jesus na tua vida. Presenças de que,
muitas vezes, não te darás conta até que uma consolação ou repreensão sua te faça
compreender que se trata d 'Ele. Porque tanto amor demonstra Ele chamando a Maria
Madalena pelo seu nome como repreendendo os discípulos de Emaús como «homens
sem inteligência e lentos de espírito para crer.. .».
«Subo a meu Pai e vosso Pai...»
Durante a sua vida, Jesus tinha-lhes falado continuamente do Reino, o seu Reino.
Umas vezes, em parábolas, outras claramente, como a amigos. Agora, quando volta a
aparecer-lhes depois da ressurreição, procura confirmá-los na fé de tudo o que
anteriormente lhes tinha anunciado: «Se a Mim Me perseguiram, também vos
perseguirão a vós...
mas tende coragem, porque Eu venci o mundo». E, agora, eles viam Cristo triunfante
confirmando a sua presença entre eles, apesar da sua incredulidade, mesmo que
tivessem de tocar-Lhe nas chagas, como Tomé, ou correr ao sepulcro, como Pedro e
João, e comprovar com os próprios olhos o que as mulheres lhes tinham anunciado.
A saudação de cada uma das aparições é PAZ, palavra que alude ao combate que terão
de travar, mas do qual sairão vitoriosos para viverem a verdadeira paz que lhes tinha
prometido - a sua, não a que dá o mundo, mas a que Ele, Cristo Jesus, lhes tinha
conquistado com a sua morte e ressurreição.
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«Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós...»
«Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas as portas do lugar
onde os discípulos se encontravam, com medo das autoridades judaicas, veio Jesus, pôs-
Se no meio deles e disse-lhes: «A paz seja convosco!» Dito isto, mostrou-lhes as mãos e
o peito. Os discípulos encheram-se de alegria por verem o Senhor. E Ele voltou a dizer-
lhes: «A paz seja convosco! Assim como o Pai me enviou, também Eu vos envio a
vós.» Em seguida, soprou sobre eles e disse-lhes: «Recebei o Espírito Santo.
Àqueles a quem perdoardes os pecados, ficarão perdoados;
àqueles a quem os retiverdes, ficarão retidos».
Estamos chamados a reproduzir a vida de Jesus. Somos seus enviados, como Ele o foi
do Pai. Essa é a grande mensagem de Cristo ressuscitado, essa é a paz que Ele nos
deixa, o envio do seu Espírito, da sua missão na terra. Veio derramar o perdão e pede-
nos a sua mesma entrega à missão que o Pai Lhe encomendara.
Se queres viver a vida de Cristo, se queres ser seu seguidor, viver a sua paz, estás
chamado a prolongar a sua missão, a sentir-te enviado por Ele...
Queres viver a vida do Ressuscitado? Se não amas o próximo como Jesus amou, se não
sentes zelo pelos interesses do Reino como Jesus, se não aspiras na oração a conhecê-
Lo e a amá-Lo cada vez mais. . . quer dizer que ainda não saíste do sepulcro do pecado.
Mas feliz, tu, se vives a vida de Cristo ressuscitado, vida de paz, de amor, de perdão.
Jesus ressuscitado, sê a minha consolação nos momentos de desânimo, e a minha
esperança quando tenho medo. Que eu sinta a tua presença sempre que a dúvida me
assalte, a tua palavra quando caia sobre mim o silêncio da minha própria consciência
desconcertada pelo pecado que há em mim...
Dá-me a tua paz, Senhor, a paz que o mundo não pode dar, porque é a que Tu
conquistaste com a tua morte e ressurreição, e é dom do teu Espírito. Deixa-me que me
aproxime de Ti e toque, se for necessário, as tuas chagas, como Tomé, e me debruce
sobre o teu sepulcro vazio, como Pedro, afim de que creia e dê testemunho de que Tu
estás vivo e reinas pelos séculos dos séculos. Amen.
SÁBADO
SÉTIMA SEMANA
«ENQUANTO OS ABENÇOAVA, SEPAROU-SE DELES E ELEVAVA-SE AO
CÉU»
«É melhor para vós que Eu me vá...», tinha dito Jesus aos apóstolos na última Ceia.
Agora, chegara o momento de Se separar deles: mas, curiosamente, ao verem como Se
vai, depois daqueles dias em que Se apresentara ressuscitado, não sentem tristeza, mas
alegria. E Lucas diz que regressaram a Jerusalém «com grande alegria». A ascensão
de Jesus ao Céu é o princípio de uma vida nova em todos nós, a quem encomendou a
missão de «ir por todo o mundo proclamar a Boa-Nova». Essa é a verdadeira alegria
do ressuscitado, que Cristo vem trazer-nos com a sua ascensão, ao estar «sentado à
direita do Pai» inaugurando o seu Reino. Contemplaremos, aqui, os últimos relatos dos
evangelistas sobre a ascensão e a missão recomendada aos apóstolos.
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«... partiram para a Galileia, para o monte que Jesus lhes tinha indicado»
Passados quarenta dias depois da sua Ressurreição, tendo o Senhor aparecido muitas
vezes aos seus discípulos, ao chegar a hora da sua subida ao céu, chamou a todos e
levou-os ao monte das Oliveiras.
Lá estariam Maria, sua Mãe, Maria Madalena, os Onze... Jesus ia fazer participantes da
sua alegria todos os amigos que O tinham seguido durante a sua pregação.
Tinham-No acompanhado nos momentos de tristeza e fracasso e, agora, vão
acompanhá-Lo na sua glória.
Jesus continua a oferecer-lhes a consolação da sua presença e a coragem para a missão
depois da sua ida para o Pai: «Ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá
sobre vós, e sereis minhas testemunhas... até aos confins do mundo».
Retiraram-se para o monte que Ele lhes tinha dito e receberam o gozo e a alegria da sua
presença e da sua despedida.
A missão de serem testemunhas: também tu, se quiseres gozar da presença de Cristo,
terás que te retirar muitas vezes «para o monte que Ele te indicar» e ser seu
companheiro na dor a fim de sê-lo igualmente na glória.
«Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos»
Nos Actos dos Apóstolos, especifica-se também esta promessa da alegria e da força
que os espera quando receberem o dom do Espírito que, antes da sua paixão e morte,
lhes tinha prometido.
Recordariam certamente aquelas palavras solenes: «Não se entristeça o vosso
coração, nem tenhais medo; convém-vos que Eu Me vá, porque assim virá o
Consolador. .. não vos deixarei órfãos, mas estarei sempre convosco».
E, agora, voltava a repetir: «Ide, fazei discípulos de todos os povos, baptizando-os em
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a cumprir tudo quanto vos
tenho mandado. E sabei que Eu estarei convosco até ao fim dos tempos».
Foi então quando os abençoou e, à vista deles, «foi-Se elevando ao Céu».
É o momento da oração para contemplar o triunfo de Cristo que sobe para a direita do
Pai, vencedor da morte e do pecado, que sobe «para nos preparar um lugar», com a
esperança de não nos deixar órfãos. . .
«Enquanto os abençoava.. .», sim, Ele, Cristo Jesus «de Quem recebemos desde toda a
eternidade, todo o género de bênçãos espirituais...» - como dirá São Paulo - quer agora
significar, com esta última bênção, a sua presença, para sempre, entre nós.
«. .. voltaram para Jerusalém com grande alegria»
A mesma alegria que sentiram os três discípulos privilegiados na Transfiguração do
Tabor: a alegria da presença e bênção de Jesus.
Nos Actos, explica-se o comovedor pormenor de todos olhando para o céu... esperando
ainda disfrutar de uma presença que deixa saudades na alma ao desaparecer. Mas o
realismo da vida a que devem regressar desperta ao ouvirem aquelas palavras dos «dois
homens vestidos de branco»:
«Homens da Galileia, por que estais assim a olhar para o céu? Esse Jesus que vos foi
arrebatado para o Céu virá da mesma maneira como agora O vistes partir para o Céu».
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Não podem ficar ali parados. É evidente: têm de partir para a Galileia, para o mundo
inteiro, e hão-de anunciar a todos os homens a Boa-Nova de Jesus. A alegria que inunda
os seus corações será a prova, o verdadeiro testemunho de uma presença que permanece
apesar de Jesus ter ido para o Pai.
Contempla o triunfo de Jesus e aplica-o à tua própria vida. É exaltado e elevado ao
Céu, porque foi humilhado e rebaixado. Está sentado à direita do Pai e diante d'Ele
todos hão-de ajoelhar-se, no céu, na terra e nos abismos, porque «Se aniquilou a Si
próprio».
Se quiseres reinar com Cristo, terás de morrer com Ele. Faz-te servo de todos por seu
amor. Só «quem se humilhar será exaltado».
E, agora, se quiseres, podes unir-te a esta ousada oração de Santo Agostinho na
meditação da Ascensão de Cristo.
«Senhor, foste meu consolador e não te despediste de mim ... Subindo ao Alto, deste a
bênção aos teus e eu nada vi.., os anjos prometeram que voltaria: de novo ao mundo, e
eu nada vi.., Mas uma coisa me dá consolação: ao subires a: Céu, Tu viste-me, meu
Jesus, porque levavas escrito: o meu nome no teu coração, e, embora pecador, não:
é verdade que me olhaste com amor e te compadeceste de mim, e me abençoaste através
dos séculos' Renova a tua bênção neste dia, meu Jesus, para [';:" a certeza da minha
salvação eterna. Amem>.
DOMINGO
SÉTIMA SEMANA
«EU ESTAREI SEMPRE CONVOSCO...»
Jesus ficou connosco... A sua presença na Igreja é cumprimento da promessa que fez
aos seus apóstolos: é o seu Espírito, como fruto da sua morte e ressurreição. Nesta
meditação, porém, vamos contemplar a presença de Jesus na Eucaristia: Jesus
«verdadeira comida e verdadeira bebida» para os crentes, quis também ficar connosco
nessa presença real que é o centro das nossas igrejas e constitui uma das grandes
consolações da nossa vida de oração: a sua presença no sacrário. Agradecer-Lhe e
adorá-Lo é um dos modos de orar mais enriquecedores.
«Permanecei em Mim e Eu em vós...»
Jesus, na Eucaristia, ora por ti, chama-te e espera-te...
Ora continuamente por ti ao Pai. Enquanto te entregas ao teu trabalho de cada dia, Jesus
fica ali, no sacrário, orando e pensando em ti.
Diariamente oferecido em sacrifício por teu amor.
encontra-Se oculto na Eucaristia, pensando em ti, amandote com amor infinito.
Quando te entregas a um divertimento, certamente esquecido de tudo o que constitui
a vida de Cristo em ti, Ele está contigo e reza por ti, porque «permanece em ti».
Podes também, desde qualquer das tuas actividades, estar com Ele. «Ora comais, ora
bebais, ora durmais, fazei tudo em nome do Senhor Jesus», diz São Paulo. Porque Ele, o
Senhor, está contigo e permanece no seu amor. . . .
«Eu estou à porta e chamo...»
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Sim, Jesus chama-te desde o sacrário. E tu podes sentir o seu apelo na necessidade de
orar, de estar com Ele para que te dê força, luz, consolação. Jesus, «cativo de amor, é o
Bom Pastor que te chama continuamente «com os seus assobios amorosos».
Não reparaste, às vezes, que, quando mais distraído estás em coisas alheias à oração,
sentes desejos de ser melhor, de amar os irmãos, de ser mais generoso...?
Esses desejos e impulsos são, sem dúvida, os «assobios» deste Pastor que,
permanecendo connosco no sacrário, te dirige um chamamento...
«Ninguém pode vir a Mim, se o Pai não o atrair...»
E Jesus exerce continuamente essa atracção desde o sacrário, esperando a tua
companhia e, sobretudo, a tua entrega a Ele e aos irmãos.
Espera que, pouco a pouco, te vás convertendo ao seu amor. Espera que chegues a
gozar dos frutos do seu sacrificio e do seu banquete eucarístico, recordando-te as suas
palavras: «quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida em si mesmo e Eu
ressuscitá-Io-ei no último dia...» À tua espera, dia e noite, no sacrário, Jesus exerce essa
atracção que terás sentido muitas vezes, durante alguns momentos passados na sua
presença.
Nesta meditação, procura penetrar no amor infinito de Jesus, que quis permanecer
connosco. E fá-lo, se puderes, contemplando simplesmente, com um acto de fé
profunda, a presença real de Jesus na Eucaristia.
Eu creio, Jesus, que estás no santíssimo Sacramento; adoro-Te, amo-Te e desejo muito
receber-Te na comunhão. Vem ao meu coração! Nunca Te separes de mim! Adoro-Te,
amo-Te e agradeço-Te, meu Jesus, em nome de todos os que não Te conhecem nem Te
amam. E, já que neste momento não posso receber-Te sacramentalmente, aceita os
meus desejos e dá-me o teu santo e divino amor. Amen
SEGUNDA-FEIRA
OITAVA SEMANA
«RECEBE! O ESPÍRITO SANTO. . .»
A tua alma é templo do Espírito Santo. «... Viremos a ele e faremos nele a nossa
morada». Esta promessa de Jesus é decisiva para compreendermos um dos mistérios
mais maravilhosos da nossa vida em Cristo: a inabitação da Trindade. Os grandes
orantes, entre eles Teresa de Jesus, viveram este mistério com indizível alegria.
O Espírito habita em nós e santifica-nos. Uma meditação sobre estas grandes verdades
reveladas por Jesus «sobre o Paráclito», ou Consolador, far-nos-á penetrar mais nesse
amor infinito de Deus que, em Jesus, quis cumular-nos com toda o género de bênçãos
..., derramando em nós o seu Espírito, a fim de que esteja em nós e connosco até ao fim
dos tempos.
«Eu pedirei ao Pai e Ele vos dará outro Paráclito para que esteja sempre
convosco...»
Não teríamos conhecido o amor infinito de Deus - o seu Espírito - se não nos tivesse
sido revelado por Jesus.
87
O Espírito Santo é a terceira pessoa da Santíssima Trindade, igual ao Pai e ao Filho:
«O Pai e Eu somos um...» É o amor substancial de ambos, Pai e Filho.
Assim, o Pai, ao enviar-nos o Espírito, enviou-nos o seu Amor. . . «É melhor para vós
que Eu vá - tinha dito Jesus aos apóstolos -, pois, se Eu não for, o Paráclito não virá a
vós.. .» Deus, não só quis oferecer-nos os seus dons, mas o Espírito, dador de todos os
dons, para nos santificar e consumar a obra que Jesus começou.
Não nos dá só os frutos, mas a árvore; não só a água, mas a fonte...
É um Espírito puro, benigno, pacífico, caritativo...
vivifica-nos, encoraja-nos, fortalece-nos, consola-nos e une-nos ao Pai. De pecadores,
faz-nos justos; de fracos, fortes; de frios, fervorosos; de tristes, alegres; de ignorantes,
sábios; de soberbos, humildes; de agressivos, mansos; de cobardes, audazes...
Receber o Espírito Santo é receber um espírito de verdade, humildade, paz, caridade.
Porque estes são os frutos da sua presença em nós.
«Quando vier o Espírito convencerá o mundo de pecado, de justiça e de
condenação...»
Existem três espíritos contrários ao Espírito Santo que não Lhe permitem habitar no
nosso coração. São eles: o espírito do «mundo» ou de ambição, do «ter e possuir»; o
espírito de soberba e agressividade, do «poder»; e o espírito da carne ou da sensualidade
ou hedonismo.
O Espírito de Deus, que habita em nós, gera frutos completamente contrários aos que
São Paulo chama «a carne».
Porque Ele é Espírito de amor, humildade, paz, mortificação, mansidão,
simplicidade...
O Espírito Santo, prometido por Jesus, vive em ti, mora em ti pela graça; permanece
em ti pela caridade - «se alguém Me tem amor... Nós viremos a ele e nele faremos
morada»; reina em ti pelo amor e repousa em ti pela paz.
Confia nesse amor infinito de Deus que nos dá o seu Filho e o Espírito.
É a falta de confiança em Deus, que vive em ti e actua em ti, «o pecado que contrista o
Espírito Santo».
«O Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome... vos ensinará tudo…»
Se a vida eterna, segundo nos disse Jesus, é «conhecer o Pai e o seu enviado Jesus
Cristo», essa vida eterna começa em nós pelo Espírito Santo que vem ensinar-nos toda a
verdade e completar tudo o que Jesus nos revelou.
Mas, como é Espírito de verdade, não habita na mentira; como é Espírito de amor,
não habita no egoísmo, no ódio, na inveja; como é Espírito de paz, não convive com as
agressividades e os desejos de poder; como é Espírito de humildade, não habita nos
soberbos...
Pede muitas vezes ao Espírito que venha fortalecer a tua fraqueza, curar os teus
egoísmos, dar-te a paz e a alegria de conhecê-Lo e amá-Lo.
Do que mais precisas, neste mundo, é de luz, fortaleza e consolação... e encontrarás
tudo isso invocando continuamente o Espírito Santo, que é espírito de amor, paz,
benignidade, gozo.
Repete muitas vezes: «Vem, Espírito Santo, Pai dos pobres, consolador dos aflitos,
dador de todo o bem, luz dos corações, fonte de toda a graça. .. Enche o meu coração
com a tua presença; dá-me a tua sabedoria divina para me comprazer no teu
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conhecimento e amor; santifica-me, pacifica-me, inflama-me com a tua caridade, salva-
me com a tua misericórdia... Vem e enche-me com os teus dons e os teus frutos!»
Vem, Espírito divino, enche o meu coração com os teus dons! Dá-me aquela alegria
que Jesus nos prometeu com a tua presença, essa alegria que «nada nem ninguém será
capaz de arrancar-me»! Vem, Espírito divino, dá-me a sabedoria do teu conhecimento,
que excede qualquer outro conhecimento e me faz saborear o teu amor! Vem, Espírito
divino, dá-me a tua paz e a tua alegria, que sejam penhor da felicidade a que estou
chamado, como fruto do teu amor, na vida eterna que consiste precisamente em
conhecer o Pai e o seu enviado, Jesus Cristo. Amen.
TERÇA-FEIRA
OITAVA SEMANA
« O AMOR DE DEUS FOI DERRAMADO EM NOSSOS CORAÇÕES...»
Dedicar uma meditação ao amor de Deus é pouca coisa. Toda a nossa vida deveria
ser uma contemplação contínua desse amor infinito que sustenta a nossa existência.
Deus ama-nos e, além disso, revelou-nos esse amor por meio de seu Filho, Jesus Cristo.
Só quem experimentou, alguma vez, o que é o amor de Deus, pode viver dessa
experiência o resto da sua vida. E, porque Deus é amor, toda a sua intervenção na vida
do homem é amor. Contemplar as maravilhas desse amor nas nossas vidas levar-nos-á
a amá-Lo e servi-Lo também na gratuidade.
«... porque Ele nos amou primeiro...»
«Amei-te com amor eterno.. .», diz o Senhor. Porque, desde toda a eternidade, muito
antes de seres gerado, Deus amou-te, olhou para ti e chamou-te pelo teu nome... Já
desde o seio materno Lhe pertencias e Ele te amava.
Tens de reconhecer nisto o que é o amor de Deus, fonte de todo o amor. Antes de que
tu O amasses e conhecesses, Ele amou-te, comunicou contigo, derramou em teu coração
esse mesmo amor, através do Espírito Santo.
Amou-te ao criar-te, fazendo-te à sua imagem. Na tua pessoa, encontra-se,
abreviado, todo o universo, toda a vida:
o ser das criaturas inanimadas, a vida das plantas, o sentir dos animais, o entendimento
dos anjos. Estes quatro modos de ser e de perfeição estão representados pelos quatro
rios que nascem da fonte do paraíso... e se recolhem depois no homem, rei da criação e
paraíso do próprio Deus, donde saíram os quatro rios.
Admira a grandeza do amor de Deus para com o homem, dotando-o de entendimento e
vontade para poder conhecê-Lo e amá-Lo e entrar em comunicação com Ele.
«Nós conhecemos o amor que Deus nos tem...»
Porque a grandeza de ser pessoa não acaba aí. O maior dom é o da sua graça
sobrenatural, a que nos faz filhos no Filho, herdeiros, em Cristo, do próprio Deus...
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Pela Encarnação, e por amor, Deus fez-Se Homem assumindo a natureza humana, para
que o homem se tornasse Deus... E, não contente com isso, quis que o homem
participasse da sua divindade, por seu Filho Jesus Cristo, dotando-o de uma vida
superior, sobrenatural, gratuita, que lhe permita gozar da filiação divina. De tal maneira
que não só podemos chamar Pai a Deus, como somos seus verdadeiros filhos.
Este modo que Deus tem de amar os homens, comunicando-lhes a sua mesma
natureza, tornando-os participantes do seu amor infinito, pelo Espírito, fazendo-os filhos
de Deus em Cristo e co-herdeiros com Ele da sua glória, nunca poderíamos tê-lo
conhecido se Ele não no-lo tivesse revelado em Jesus. É o próprio Deus quem nos
revelou o seu amor, comunicando-Se connosco.
Não bastaria toda a nossa vida para podermos penetrar nesse amor imenso de Jesus
pelos homens, por ti, por mim, por todos. Não é de admirar que a contemplação desse
amor seja a nossa felicidade eterna.
«Aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor»
E, agora, dedica a tua contemplação, silenciosa e atenta ao teu interior, unicamente a
sentir-te plenamente amado por Deus. A única maneira de aprender a amar é saber-se
infinitamente amado por Deus amor.
Deus amou-te e entregou-Se à morte por ti. Amou-te e pôs os olhos em ti,
pessoalmente; chamou-te pelo teu nome, deu-te incontáveis graças e capacidade de
amar.
Amar será o teu «exercício» sempre que medites e contemples muitas vezes o amor
que Deus tem por ti. Não poderás amar se não te sentires amado. Não saberás o que é o
amor, se não experimentares o amor infinito de Deus na tua vida.
A fonte do teu amor a Deus e aos irmãos nasce do amor que Deus te tem e te
demonstrou. Porque não amar é não conhecer a Deus, que é o próprio Amor. . .
Amar a Deus sobre todas as coisas é o primeiro mandamento. E significa desterrar da
tua vida todos os «ídolos» que te impedem de O amar com o seu mesmo amor. . .
E amar a Deus é amar os irmãos, filhos do mesmo Pai e co-herdeiros do mesmo Reino
de amor.
Obrigado, Senhor, pelo amor infinito que me demonstraste! Amaste-me desde toda a
eternidade. Deste-me o ser pessoa, o poder conhecer, compreender, querer, amar... E,
por cima de todo o dom, Te deste a Ti mesmo em dom, para que eu Te conheça e Te
ame, para que possa experimentar o teu amor! Concede-me a graça de viver e morrer
nesse amor! Que tudo, em mim, seja reflexo desse amor que Tu, Senhor, derramaste no
meu coração por meio do Espírito; que esse amor seja a fonte do meu amor a todos os
irmãos e penhor seguro da minha felicidade eterna. Amen.
QUARTA-FEIRA
OITAVA SEMANA
«SE ALGUÉM QUISER SEGUIR-ME...
DEIXE TUDO»
Seguir Jesus supõe amá-Lo sobre todas as coisas e não antepor nada nem ninguém ao
seu seguimento. Ele mesmo disse que «quem amar o pai ou a mãe mais do que a Ele,
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não é digno d 'Ele». E, como dirá Santa Teresa, o amor prova-se mais com obras do
que com palavras. Fazer uma opção radical por Cristo e pelo Evangelho, supõe um
amor que está sempre disposto a deixar tudo e a dar tudo por Aquele que nos amou e
Se entregou a Si mesmo por amor. Amar Jesus, o Filho de Deus, é cumprir «toda a Lei
e os profetas», porque quem vê Jesus, vê o Pai, quem ama Jesus ama o Pai... Não
podemos ir ao Pai se não formos atraídos por Jesus. Vamos pedir-Lhe, nesta
meditação, que aumente o nosso amor por Jesus Cristo . e a nossa entrega
incondicional a Ele, por amor.
«Se alguém Me ama...»
Jesus fala sempre de seguimento desde a perspectiva do amor. Cumprir os
mandamentos não é, para Ele, uma questão de legalismo, mas um acto de amor: «Se
alguém me ama guardará os meus mandamentos...» É o amor o que deve mover a tua
vida de entrega e o teu cumprimento do Evangelho. E é o próprio Jesus quem te convida
a amá-Lo e a segui-Lo, mas deixando sempre a salvo a tua liberdade: «se alguém me
ama...» Perante as tuas atitudes, a tua vida de oração, de entrega aos irmãos, de
cumprimento dos mandamentos e conselhos evangélicos, pergunta-te: Amo Jesus sobre
todas as coisas? Amo-O sempre e em todo o momento ou só por temporadas e em
ocasiões em que não me resulta tão difícil. . . ?
Só Jesus merece todo o teu amor, e amando-O cumpres toda a Lei.
O amor é o cumprimento da Lei, porque o ultrapassa.
Nunca acabarás de amar suficientemente e, portanto, o amor nunca tem limites, como
acontece com o cumprimento da Lei...
Se não amas Jesus sobre todas as coisas é porque não conheceste ainda o amor que
Ele tem por ti e não experimentaste a alegria de segui-Lo.
«Qual é o primeiro e principal mandamento...?»
Esta pergunta que um escriba fez a Jesus, também tu a podes fazer e ouvir a mesma
resposta: «Amar o Senhor, teu Deus, sobre todas as coisas. . .» E quem é o Senhor, teu
Deus, senão Jesus que desceu do seio do Pai para fazer a sua vontade, para se
aproximar dos homens, lançar-lhes uma ponte e mostrar-lhes o caminho do amor ao
Pai?
Ama a Jesus com todo o teu coração, com toda a tua mente e com todas as tuas forças,
não fazendo nada que não seja por Jesus e para O conheceres e amares cada vez mais.
Se possuires todos os bens e grandezas deste mundo e não gozares da experiência desse
amor de Jesus, e não O amares com todo o teu coração, nunca serás feliz... Serás como o
sarmento que, separado da videira, não só não dá fruto como fica seco e é arrojado
fora...
«Vinde a Mim todos os que tendes sede...»
A tua sede de amor só em Jesus se pode saciar...
Ninguém é mais digno do teu amor que Jesus. Em Cristo Jesus encontrarás todas as
coisas e nada terás se não tiveres o seu amor.
Jesus é o mais fiel de todos os amigos, o mais carinhoso dos pais... é remédio e
médico; pastor e alimento do teu espírito; fonte de água viva que sacia a tua sede
infinita de amar.
Medita no seu amor sem limites e o teu amor despertará:
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ao nascer, fez-Se teu companheiro; ao viver, teu mestre e modelo; na Eucaristia dá-Se-te
como alimento; ao morrer, como preço do resgaste da tua liberdade de filho de Deus.
Perante tanta prova de amor, não é possível senão responder com amor.
Jesus, que me amas mais do que eu me posso amar, quero amar-Te sobre todas as
coisas e cumprir, com esse amor, toda a lei e os profetas. Não farei nada à força, a não
ser pela força do amor. Unido a Ti, poderei viver junto à fonte do amor e, participando
do teu amor, seguir- Te-ei aonde quer que vás, porque só amando-Te a Ti, vivendo
unido a Ti, como sarmento à videira, dareifruto que perdure para a vida eterna. Amen.
QUINTA-FEIRA
OITAVA SEMANA
«QUANDO ORARDES, DIZEI!:
PAI-NOSSO...»
É Jesus quem nos ensina que Deus é Pai. E no-lo ensina com factos e com palavras.
Explica-nos como é esse Pai com parábolas como a do filho pródigo, e alenta-nos a
confiar em Deus Pai, apresentando-nos em Si mesmo, o Filho, tudo o que o Pai é.
Nunca vimos o Pai, mas sim o Filho que Ele enviou... E d 'Ele dão testemunho os
apóstolos. «Quem Me vê a Mim, vê o Pai», disse Jesus a Filipe; por isso, conhecer
Jesus, penetrar nos sentimentos do seu coração, é conhecer o Pai e penetrar nos seus
sentimentos ...
«... façamos uma festa, porque este meu filho estava morto e reviveu»
Jesus atribui a Si próprio diferentes nomes e vale-se de várias imagens que O
definem.
Talvez as duas que melhor nos mostram o coração de Deus - falando ao jeito humano
- sejam as de Pai e Pastor.
Em muitas ocasiões, Jesus mostra-nos o que é o amor de Deus como Pai. E fá-lo por
meio de parábolas, para que se compreenda mais facilmente.
Talvez a mais bela e reveladora seja a que Lucas nos apresenta na do «filho pródigo»
ou, melhor ainda, na do Pai que perdoa. Em poucas imagens se reflecte melhor o amor
compassivo e misericordioso de Deus corno nessa belíssima parábola.
O filho, que pede a parte da herança que lhe corresponde, que vai para longe de casa,
desbarata o dinheiro e se entrega às suas paixões, acaba por padecer fome, miséria,
solidão... E só ao encontrar-se nessa situação de desamparo, cai em si mesmo e pensa
corno, na casa paterna, era bem tratado, não lhe faltava carinho nem a alegria que viera
a perder. Resolve, por isso, regressar. Corre para o pai pensando corno apresentar urna
desculpa e pedir-lhe perdão. Mas as palavras sobram. Bastou a sua atitude, porque há
muito que o pai, que sempre o espera, se assoma à porta de casa para ver se o divisa no
caminho. E, nada mais vê-lo, corre ao seu encontro, abraça-o, veste-lhe a melhor túnica,
celebra um banquete sem sequer deixá-lo confessar a sua culpa. Só fala da alegria de ter
recuperado o filho que julgava perdido.
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Deus, o nosso Pai do céu, é assim, e assim no-Lo mostrou Jesus, em tudo igual ao
Pai.
Nada melhor que o silêncio, a contemplação, para penetrarmos nesse amor cheio de
misericórdia, para conhecermos o amor de Deus que esquece a nossa miséria e se abraça
a ela, alegrando-se com os nossos regressos, as nossas conversões e até os nossos
desejos... Só quando nos sentimos perdoados e amados por Deus, sabemos o que é
charnar-Lhe, na oração: «Abba, Pai!».
«Não vos preocupeis... o vosso Pai celeste sabe do que necessitais»
Duas convicções firmes deverão estar na base da tua confiança e segurança: a
primeira é que nada, absolutamente nada, te poderá acontecer que não tenha passado
pelas mãos do Pai que te ama, e «até os cabelos da tua cabeça estão contados» .
A segunda é que todas as coisas, tanto prósperas corno adversas, são de certo modo
dispostas pelo Pai, para teu bem, pois sabe e deseja que a sua vontade se faça sempre e
em todas as coisas. «Tudo concorre para o bem dos que amam Deus», dirá São Paulo.
Foi Jesus quem nos revelou este amor infinito e providente de Deus, que cuida de nós
corno um bom pai faz com seus filhos: «Em verdade vos digo... não vos inquieteis...
com o que haveis de comer. Nem com o que haveis de vestir.
Porventura não é a vida mais do que o alimento e o corpo mais do que o vestido? Olhai
as aves do céu: não semeiam nem ceifam nem recolhem em celeiros; e o vosso Pai
alimenta-as. Não valeis vós mais do que elas? . . O vosso Pai celeste bem sabe que
tendes necessidade de tudo isso. Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e
tudo o mais se vos dará por acréscimo. Não vos preocupeis, portanto, com o dia de
amanhã, pois o dia de amanhã já terá as suas preocupações...» Esta providência paternal
de Deus é a nossa riqueza fundamental e fonte da nossa confiança. Viver assim, nas
mãos providentes de Deus Pai, que te ama, será o teu principal motivo de paz e
felicidade. Diz-Lhe muitas vezes, na tua oração: «Pai, ponho-me nas tuas mãos...» E
entrega- Lhe as tuas preocupações, que Ele se ocupará de ti.
«... quanto mais o vosso Pai, que está no Céu, dará coisas boas àqueles que lhas
pedirem»
E, agora, depois de contemplares o amor infinito do Pai que perdoa, que abraça o
pecador, e se alegra com a sua conversão, depois de escutares a palavra de Jesus sobre o
Pai, palavra de confiança na sua providência, chegou o momento de orares
insistentemente, como filho.
Desde que Jesus nos revelou que Deus é Pai, a nossa oração mudou. Já não temos «o
espírito de servos para cair no temor, mas o de filhos, que nos faz exclamar: Abba, Pai!»
E esta confiança, este espírito filial é o que nos toma perseverantes na oração. Se temos
confiança no nosso pai da terra, porque geralmente qualquer pai «sabe dar coisas boas a
seus filhos», como não confiar que o Pai do Céu no-las dará se lhas pedirmos com
confiança?
E, se confias em Jesus, no Pai, no seu amor, haverá alguma razão para temeres? Não
há sentimentos de amor paternal que se possam comparar aos do Pai do Céu! Por isso,
em silêncio, contempla este grande mistério de amor, o maior que Jesus nos revelou, e
procura penetrar nele - se te ajudar - com estas palavras que Santa Teresa de Jesus põe
em lábios do Senhor, porque as ouviu no mais íntimo do seu ser:
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«Faz o que puderes e deixa-Me fazer a Mim, e não te preocupes com nada. Meu Pai
compraz-Se contigo e o Espírito Santo ama-te, e Eu amo-te com amor eterno...»
Senhor Jesus, que me ensinaste a chamar Pai a Deus, como Tu, porque me revelaste
que sou filho no Filho: lanço-me nos teus braços de Pai, com toda a confiança! Se, por
desgraça, me afastar de Ti, atrai-me de novo e recebe-me na tua casa, de braços
abertos como o pai do filho pródigo. Confiado no teu amor paternal, farei da minha
vida um contínuo acto de confiança no teu amor providente, sabendo que toda a minha
vida está nas tuas mãos, que nada me pode acontecer que não passe pela tua vontade e
o teu amor de Pai!
SEXTA-FEIRA
OITAVA SEMANA
«EU SOU O BOM PASTOR»
Tomada da vida campestre em que Jesus se inseria, esta é uma das imagens mais belas
que de Si mesmo nos quis dar: o bom pastor. O pastor que está dependente das suas
ovelhas, que trata delas, que as leva ao redil, a pastagens abundantes, que as conta e
chama pelo seu nome, que as atrai com assobios, que não as abandona nos momentos
de perigo. Pastor de um rebanho que O segue, que vai para onde Ele o leva, pastor de
umas ovelhas que O conhecem, que vão a Ele para que as trate e as alivie ...
Nesta meditação, vamos procurar penetrar na imagem belíssima de Jesus como Bom
Pastor que conhece as suas ovelhas e as ovelhas conhecem-No, pedindo-Lhe a graça de
conhecer e amar a Cristo e torná-Lo conhecido e amado.
«Eu sou o Bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas...»
A primeira característica do retrato que Jesus nos faz de Si mesmo como bom pastor
é a de «dar a vida pelas suas ovelhas».
Este dar a vida supõe muitas coisas: supõe alimentá-las, tratá-las, protegê-las. Bom
Pastor é aquele que ama, que não actua por interesse. «o mercenário, o que não é pastor,
e a quem não pertencem as ovelhas, vê vir o lobo, deixa-as sozinhas e foge, e o lobo
arrebata-as e elas dispersam-se.
Pertencer a Jesus significa que a nossa vida é sua, que Ele nos dá a Vida, a vida
verdadeira. «Eu sou o bom pastor;
conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas conhecem- Me, assim como o Pai Me
conhece e Eu conheço o Pai; e ofereço a minha vida pelas ovelhas».
Sim, Jesus veio para que tenhamos vida e a tenhamos em abundância. E, para que O
conheçamos e O sigamos cheios de vida, da sua vida, que é a do Pai.
Alegra-te de pertencer a Jesus como Bom Pastor que Se entrega a ti, fazendo-Se
pastor da humanidade para lhe dar a sua própria vida divina.
«... deixa as noventa e nove ovelhas e vai à procura da que se tinha perdido»
Aparece de novo o amor cheio de compaixão, de misericórdia, de um coração de pai,
nesta imagem do pastor que, tendo cem ovelhas, se lhe perde uma: deixa as noventa e
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nove e vai à procura da que se perdeu. Mas o melhor é quando a encontra, depois de
percorrer caminhos e se arriscar por veredas difíceis, «ao encontrá-la, põe-na
alegremente aos ombros e, ao chegar a casa, convoca os amigos e vizinhos e diz-lhes:
«Alegrai-vos comigo, porque encontrei a minha ovelha perdida!» Contempla este Bom
Pastor em tantas passagens do Evangelho em que Se mostra como nesta imagem. Deixa
as noventa e nove ovelhas e vai à procura da perdida: de Maria Madalena, de Zaqueu,
da mulher adúltera, da samaritana... Contempla-O chorando à vista das «ovelhas
perdidas da casa de Israel»... Vê-o caminhando sem descanso, por todos os povoados da
Judeia, Samaria e Galileia, em busca das ovelhas perdidas... Ouve-O dizer: «tenho
compaixão de toda esta multidão, porque andam errantes, como ovelhas sem pastor» e
alimenta-as com o pão multiplicado. E, sobretudo, sente-O como pastor que dá a vida
pelas suas ovelhas, derramando por nós o seu sangue na cruz.
«Tenho outras ovelhas que não são deste redil...»
Conhecer e amar Jesus, tomá-Lo conhecido e amado, é seguir o Bom Pastor, fazer o
que Ele fez.
Porque Jesus fala de outras ovelhas que não O conhecem, mas às quais se tem de ir
para que haja um só rebanho e um só pastor. . .
«Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil.
Também estas Eu preciso de as trazer. .. e hão-de ouvir a minha voz. . .»
Se Ele é o Bom Pastor, também é a porta do redil pela qual se tem de entrar. Porque
n'Ele está a vida e Ele dá-a «com o poder que recebeu do Pai».
«É por isto - diz depois de falar do único pastor e do único rebanho - que meu Pai Me
tem amor: por Eu oferecer a minha vida, para a retomar depois. Ninguém ma tira, mas
sou Eu que a ofereço livremente. Tenho poder de a oferecer e poder de a retomar. Tal é
o encargo que recebi de meu Pai».
Dar a vida por todas as ovelhas. As que estão no redil e as que estão fora. Esta é a
vontade do Pai.
Penetra, em silêncio contemplativo, no coração de Jesus e nos seus mais íntimos
sentimentos, e pede-Lhe que te faça conhecer, por pouco que seja, a largura, o
comprimento, a altura e a profundidade do seu amor e desejo de dar a vida a todos os
homens, a fim de conseguir que todos sejam um só como o Pai e Ele são uma mesma
coisa. Contempla-O exercendo continuamente, durante a sua vida, o ofício de Bom
Pastor que cuida das suas ovelhas e não esquece as transviadas.. . Ao morrer, converte o
centurião, os soldados confessam que era Filho de Deus... Contempla-O na sua vida
gloriosa, à direita do Pai, entregando-nos o seu amor no Espírito... Vê-O na Eucaristia,
feito sacrifício e pão para nosso alimento de vida.
E contente com o amor deste Bom Pastor, podes dizer-Lhe:
Senhor Jesus, Bom Pastor que dás a vida pelas tuas ovelhas, concede-me a graça de
permanecer sempre dentro do teu redil, ouvir a tua voz e o teu «assobio amoroso».
Quero, Senhor, sentir a tua presença amiga de Pastor que ama todas e cada uma das
suas ovelhas. Alguma vez, poderei sentir-me como a que volta a encontrar- Te, depois
de andar perdida e descansarei nos teus ombros. Outras, correrei ao ouvir a tua voz e
sentirei alegria junto a Ti; e outras ainda, andarei contigo à procura das ovelhas que
ainda não estão no redil, para que, todos juntos, sejamos um contigo e com o Pai, e não
haja senão um só rebanho e um só pastor. Amen.
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SÁBADO
OITAVA SEMANA
«APRENDEI DE MIM, PORQUE SOU MANSO E HUMILDE DE CORAÇÃO»
O coração costuma ser considerado simbolicamente centro do amor, dos sentimentos e
dos afectos. Também, quando falamos do Coração de Jesus, estamos a referir-nos ao
seu amor, aos seus sentimentos, à sua vida humana assumida por nós. É de Jesus, o
Filho de Deus entregue por nós, de Quem falamos quando nos referimos ao seu
Coração, uma devoção nascida no século XIX que tenta apresentar este aspecto de
Cristo, que Se entrega por amor.
«Vinde a mim todos os que estais cansados...»
Procurar no Coração de Cristo o lugar de refúgio, no meio da nossa fraqueza, é uma
resposta a este apelo que Ele mesmo nos fez. É em Jesus onde encontramos o descanso
da fadiga que nos trazem as dificuldades com que tropeçamos todos os dias.
Encontrar Jesus é encontrar o coração de um verdadeiro amigo, que nos traz
felicidade e paz. E é amizade o que Ele nos oferece: «Já não vos chamo servos, mas
amigos». Só um coração como o de Jesus nos pode brindar um amor absoluto, sem
perigo de perdê-lo. Podemos gozar de
todas as amizades e de todos os bens; se não gozarmos da sua amizade, não teremos
nunca paz nem autêntica alegria. Deixa-te invadir por este apelo de Jesus, cheio de
amor:
«Vinde a Mim todos os que estais cansados.. .». E, no meio deste cansaço, que tantas
vezes nos causam as coisas desta vida, penetra no Coração de Jesus, nos seus
sentimentos mais profundos de amor, e deixa-te amar por Ele, porque Ele te aliviará.
«Tende entre vós os mesmos sentimentos de Cristo...»
Mas o Coração de Jesus é também escola onde se aprende a amar corno Ele amou, a
sentir corno Ele, a agir corno Ele...
Ter um coração em harmonia com o de Jesus é viver a sua mesma vida. E só a
contemplação frequente da sua maneira de agir, da sua palavra, da Boa-Nova, o
Evangelho, nos vai introduzindo, pouco a pouco, nos sentimentos e afectos do seu
Coração. Ver corno amou a todos, corno compreendeu os pobres e marginalizados da
sociedade do seu tempo, corno perdoou aos pecadores desprezados por todos, corno
fugiu da mentira e hipocrisia no cumprimento das leis e até no culto a Deus, é entrar no
Coração de Jesus, penetrar nos seus sentimentos e deixar-se contagiar por eles. Porque
foi o próprio Jesus quem nos convidou a aprender da sua maneira de sentir, dos afectos
mais íntimos do seu coração. . .
«...aprendei de Mim, porque sou manso e humilde de coração»
São estas as características do seu coração: a humildade, a simplicidade com que
«não considerou como uma usurpação ser igual a Deus; mas esvaziou-Se a Si mesmo...
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tomando-Se semelhante aos homens e, sendo ao manifestar-Se, identificado como
homem, rebaixou-Se a Si mesmo, tomando-Se obediente até à morte...» É isto o que
tens de aprender na escola do Coração de Jesus: a mansidão e a humildade, que são as
características com que Ele Se apresentou. Sendo Rei de Céus e terra, quis ser
«identificado como homem». Sendo Ele quem governa o universo, quis fazer-Se
«obediente até à morte».
É assim o coração de Jesus, são estes os seus sentimentos, afectos e amor. . . Entrar
no seu coração é penetrar nesses sentimentos e, pouco a pouco, à força de contemplar e
amar, sentir-se transformado por Ele.
Jesus: gostaria de penetrar nos sentimentos do teu coração e aprender a amar com o
mesmo amor com que Tu nos amaste. Porque Tu próprio nos revelaste que nos amas
com o amor que recebeste do Pai e derramaste em nós, pelo Espírito. Concede-me a
graça de sentir, pensar, falar, agir e amar como Tu, para que, aprendendo na escola do
teu coração, possa conhecer- Te e amar- Te, para gozar de Ti eternamente. Amen.
DOMINGO
OITAVA SEMANA
«PERMANECEI NO MEU AMOR...»
«MEU JESUS, PORQUE ME AMAS TANTO?»
Esta meditação será toda ela um diálogo que encerre esta série de reflexões sobre
Jesus Cristo, a sua vida, palavras, mensagem e amor... Vamos reproduzi-la quase com
as mesmas palavras que saíram da pena do seu autor - Santo Henrique de Ossó porque
é uma das mais características do seu fervor e reflecte até que ponto se sentiu invadido
pelo amor de Jesus. Muito mais do que pensar quanto amamos o Senhor - sempre será
pobre e pequeno o nosso amor -, é importante dedicarmos a nossa contemplação a esse
amor infinito de Deus que se manifestou em Jesus. Seria bom que, com um coração
simples e humilde, entrasses neste diálogo orante e repetisses muitas vezes, cheio de
agradecimento para com o Senhor, esta pergunta: «Meu Jesus, porque me amas
tanto?»
«Tanto amou Deus o mundo, que lhe entregou o seu Filho...»
Se não fosse atrevimento, gostaria de Te perguntar, Jesus, e que me respondesses:
porque me amas tanto? Sei com certeza que me amas mais do que eu me posso amar. É
evidente que o teu amor por mim não tem medida.
Não duvido, meu Jesus, nem posso duvidar do amor infinito que me tens, ao ver a
tua cruz, as tuas chagas, o teu coração trespassado pela lança e o teu corpo convertido
em comida e bebida para mim. . .
Amaste-me e entregaste-Te à morte por mim... Não duvido, nem posso duvidar do
teu amor infinito, porque, se as obras são as maiores provas do verdadeiro amor, eu vejo
essas obras tão imensas que superam a capacidade da minha compreensão.
Mas, Jesus, porque me amaste e, sobretudo, porque me amas tanto? Não bastava
amar-me, criando-me e conservando-me, para que me tivesses amado até dar a vida por
mim, salvando-me?
97
Senhor, perante tanto amor, faz que eu Te ame com todo o meu coração, agora e para
sempre.
«Cristo, por amor, tornou-Se obediente até à morte e morte de cruz...»
Porque me amas tanto, meu Jesus? Que me ames, não me surpreende, porque não
podes deixar de amar a obra das tuas mãos. Mas que me ames tanto!
Para me redimires bastaria uma única gota do teu sangue, uma única lágrima dos teus
olhos, um único suspiro ou uma única súplica do teu coração, porque o seu valor
infinito seria suficiente para me redimir, a mim e ao mundo inteiro. . . Mas vejo, Jesus,
que o que bastaria para nos salvar não bastava para nos demonstrares o teu amor infinito
e conquistares, por esse meio, o nosso escasso amor.
Que mais podias fazer para me demonstrar o teu amor do que dar a vida por mim?
E, tendo dado a vida por mim, poderei eu amar, com todo o meu coração, outra coisa
fora de Ti?
Corno posso duvidar do teu amor, depois de teres estado encerrado, corno qualquer ser
humano, durante nove meses, no seio de urna mulher, Maria de Nazaré; e depois de
teres nascido menino pobre e humilde, por mim, em Belém?
Por isso, não posso deixar de perguntar-Te, Senhor: porque me amas tanto?
«Amou-Me e entregou-Se por mim...»
Meu Jesus, porque me amas tanto? Se a prova do amor são as obras, porquê tanta
pobreza, tanta humilhação, tantos trabalhos, tantos desprezos, tantos tormentos? . . .
Porque me amas tanto a ponto de Te ver atado com correntes, corno um malfeitor,
julgado, condenado à morte, crucificado?..
Quem fez tudo isto? O amor! Sim, o amor que vence o próprio Deus. Sim, Senhor, Tu,
que não podes ser vencido por ninguém, foste vencido pelo amor por mim! Porque me
amaste, entregaste-Te à morte por mim. Sendo autor da vida, entregas- Te à morte por
amor a mim.
Tudo isto, porque queres, Senhor, que eu saiba o amor imenso que me tens, porque
vieste trazer fogo à terra, ao meu coração, e nada desejavas tanto como vê-lo abrasado
nas chamas do teu amor divino. . .
Compreendo, agora, porque me amas tanto. O teu pecado é o teu amor, diria
atrevidamente São Bernardo. Este amor, e não Pilatos, foi o que Te condenou à morte!
Jesus, meu amor, morreu por mim e eu já não posso viver senão para Aquele que
morreu por mim. Acabe-se esta vida fria e indiferente, e comece eu a viver uma vida de
contínuo amor por Ti, meu Jesus!
ANEXO 1
Reproduzimos, à continuação, algumas reflexões sobre Santa Teresa de Jesus e sobre a
Companhia de Santa Teresa de Jesus, que reflectem a espiritualidade de Santo
Henrique de Ossó e a sua obra fundamental. Só nos permitiremos algumas correcções
de estilo para tornar mais acessível ao homem de hoje o pensamento do santo.
«Santa Teresa de Jesus»
98
Santo Henrique de Ossó procura, nestas linhas, ajudar-nos a penetrar na
personalidade de Santa Teresa, muito mais do que nas acções da sua vida. Para isso,
recorre a um testemunho da época, o de São Pedro de Alcântara, que a conheceu e a
admirou, e a passagens da própria santa expressas de forma autobiográfica e tiradas
das suas «Contas de consciência», na sua maioria, e do Livro da Vida.
Quem era Santa Teresa de Jesus? Deixemos que um santo fale de uma santa. São
Pedro de Alcântara, contemporâneo de Teresa e admirável pela sua sabedoria e virtudes,
diz assim:
«Teresa de Jesus nunca pediu nem desejou senão cumprir em tudo a vontade de Deus.
Possui uma grande pureza de alma, imensos desejos de agradar a Deus e passaria por
qualquer coisa com tal de tomá-los realidade.
«Ninguém trata com ela que não se sinta estimulado pelas suas palavras e devoção.
Vai crescendo, cada dia, na maior perfeição das virtudes, com profundíssima humildade
e grande desejo de padecer. Consola-se com as dificuldades e murmurações contra ela, e
com as doenças, que são grandes as que tem... As coisas que, na terra, lhe podem dar
contentamento assim como os padecimentos - e são muitos os que tem tido - sofre-os
com a mesma coragem, sem perder a paz nem o sossego da alma. Tem um propósito tão
firme de não ofender a Deus, que fez voto de não deixar de fazer coisa alguma que
entenda ser mais perfeita ou assim lho faça saber quem disso entende. As consolações e
sentimentos de Deus que habitualmente tem e o desfazer-se em seu amor, é verdade que
causam espanto. Costuma ficar extasiada sempre que ouve falar de Deus com devoção e
vigor. . .
«Não pode aguentar que quem trate com ela não lhe diga as suas faltas e a repreenda, o
que aceita com grande humildade.
«É amiga da solidão.
«Tem grande devoção aos santos e, nas festas e mistérios que a Igreja representa,
experimenta grandemente os sentimentos de Nosso Senhor.
«Deus concedeu-lhe um espírito tão forte e corajoso que é de admirar. É muito alheia a
melindres e ninharias de mulheres; muito sem escrúpulo: é rectíssima.
«Deu-lhe Deus o dom de lágrimas suavíssimas, grande compaixão pelo próximo,
conhecimento das suas faltas e estimar muito os bons; rebaixar-se a si própria. E digo
com verdade que fez bem a muitas pessoas e eu sou uma delas.
«Traz habitualmente a lembrança de Deus e o sentimento da sua presença. Possui uma
admirável clareza de entendimento e luz sobre as coisas de Deus» Até aqui, o santo.
Mas oiçamos, agora, a própria Teresa de Jesus:
«Passei como vinte e dois anos da minha vida em grandes securas e nunca me passou
pelo pensamento desejar mais. Durante quarenta anos nunca deixei de sentir dores...
Procurava, quanto podia, não ofender a Deus de nenhuma maneira, e obedecia sempre.
«Às vezes, vêm-me grandes desejos de servir a Deus com uns ímpetos tão grandes,
que não sei como dizê-lo, e com pena de ver o pouco que valho. Então, nenhum
trabalho nem coisa dificil se me põe pela frente, nem morte nem martírio, que eu não
vença com facilidade.
«Amo muito as pessoas que vejo mais aproveitadas e com desejos de servirem Deus,
desprendidas e corajosas, e gosto de conviver com elas, pois parece que me ajudam. As
tímidas parece que me causam aflição e levam-me a invocar a Deus e aos santos, porque
Deus ajuda aos que por Ele se lançam a muito, e nunca falta a quem unicamente confia
99
n 'Ele. Vanglória, que eu saiba, graças a Deus nunca tive, porque vejo claro que não há
nada meu nas coisas que Deus me dá.
«Muitas vezes, a minha súplica é esta: Senhor, ou padecer ou morrer. Não Vos peço
outra coisa para mim. O Senhor sabe-o bem: nem honra, nem vida, nem glória, nem
bem algum no corpo ou na alma me detêm, porque, nem proveito quero, mas a sua
glória...
«Quanto à pobreza, nem mesmo o necessário quereria ter, a não ser de esmola; e
assim, desejo ardentemente estar onde não se coma senão assim.
«Sinto-me com uma fé tão grande de que Deus não pode faltar a quem O serve, nem
tão-pouco as suas palavras, que não posso convencer-me de outra coisa. Sinto tanta
pena e desejo tanto ajudar os pobres que lhes daria o que trago vestido.. .
«O que dizem de mim, as murmurações, que são tantas e em meu prejuízo, não me
fazem mais impressão do que a uma pessoa sem entendimento. Não sinto inimizade por
quem me critica. Todos os agravos desta vida me parecem de tão pouca consistência,
que nem os sinto, porque me parece que andamos num sonho e que, ao despertarmos,
veremos que tudo é nada.
«Durante muito tempo, parecia-me que tinha necessidade dos outros e tinha mais
confiança nas ajudas do mundo;
mas, depois, percebi claramente serem todos uns pauzinhos de alecrim seco, que, ao
agarrar-se a eles, não oferecem segurança, e se quebram com qualquer peso de
contradições ou murmurações. E, por isso, tenho experiência de que o verdadeiro
remédio para não cair é agarrar-nos à cruz e confiar n' Aquele que nela esteve. Tenho-O
por um amigo verdadeiro, e encontro-me com tanta segurança que me parece que
poderia resistir a todo o mundo com tal de que não me faltasse Deus, porque só Deus
basta.
«Antes, costumava gostar muito de que me quisessem bem; mas, agora, já não se me dá
nada disso... Por temperamento, quando queria alguma coisa, costumava ser impetuosa
em desejá-la; agora os meus desejos são com tanta paz que, quando os vejo realizados,
nem sequer ainda sei se me alegro. Porque a pena e o prazer, se não for em coisas de
oração, tudo é com moderação...
«Sinto grandes desejos de que Deus tenha ao seu serviço pessoas com grande
desprendimento, que em nada deste mundo se detenham, porque vejo que tudo é
engano, especialmente os letrados. Como vejo as grandes necessidades da Igreja, o que
muito me aflige, parece-me um engano sofrer por outra coisa, e por isso não faço mais
do que encomendá-las a Deus. Mas vejo que é de mais proveito urna única pessoa em
tudo perfeita, com fervor de verdadeiro amor a Deus, do que muitas com tibieza. .
«Sinto muito a perdição das almas. Parece-me que daria mil vidas para salvar uma única
que fosse!
«Julgo que, mesmo que quisesse ter vanglória, não poderia, porque não vejo como
poder pensar que alguma das virtudes seja minha. . . Isto, certamente, não é humildade,
mas verdade...
«Há dias em que me parece que não vivo, nem falo nem tenho vontade, mas que está
em mim Quem me governa e dá força. . . e ando como se estivesse fora de mim e
encontro grandíssima pena em ter de viver. E o que mais ofereço a Deus é que, apesar
de ser tão custoso viver apartada d' Ele, quero viver por amor a Ele...
«Deus preserva-me tanto de ofendê-Lo que algumas vezes fico espantada, ao ver o
grande cuidado que tem por mim... Seja louvado para sempre. Amem>.
Até aqui, a Santa. Que devemos acrescentar? Que seja admirada, honrada e imitada para
glória de Deus.
100
A COMPANHIA DE SANTA TERESA DE JESUS
A Companhia de Santa Teresa de Jesus foi a fundação de Santo Henrique de Ossó, que
veio completar, de certo modo, as primeiras obras teresianas: a Arquiconfraria de
Maria Imaculada e Teresa de Jesus, e os Rebanhitos do Menino Jesus. O espírito destas
obras ficou recolhido no actual Movimento Teresiano de Apostolado. Nestas reflexões,
explica-se-nos o que pretende ser a Companhia de Santa Teresa. Pode ser interessante
conhecer o que o próprio Fundador quis plasmar, nestas páginas, sobre a sua
fundação, e que ele põe em boca de Santa Teresa, como recurso literário próprio da
sua época, e aqui reproduzimos quase textualmente.
Certamente já ouviste falar da Companhia de Santa Teresa de Jesus, e quererás saber
por mim o que é esta Companhia, em que consiste esta fundação que eu mesma inspirei
em Tortosa como complemento da Arquiconfraria Teresiana e o Rebanhito do Menino
Jesus.
A Igreja tem-me considerado como a nova Débora bíblica, posta à frente de um
esquadrão de homens e mulheres que lutam pela causa de Deus. São eles os Carmelitas
Descalços e as Descalças.
Mas hoje, quando no mundo se vai desertando das filas de Cristo e O deixam só, ao
constar-me que vós, jovens, sois generosas e arrojadas, propus-me formar um exército
aguerrido de jovens que viveis no mundo - fora do claustro a fim de promover guerra ao
espírito do mal, e para que viva e reine Jesus em todos os corações. E este exército sois
vós, as que vos chamais Filhas de Maria e Teresa de Jesus.
Mas não me pareceu isto bastante para o meu plano geral de conquista. Em todo o
exército bem organizado há sempre uma companhia escolhida ou preferida, disposta a
voar em primeira linha ao lugar do perigo, para defender o seu rei e a sua bandeira.
Formam-na sempre gente mais ousada e valente, a que pretende distinguir-se no
trabalho e no prémio, visto que tem por lema: ou vencer ou morrer, vendendo cara a
vida.
E aqui tens a razão da Companhia que leva o meu nome.
De entre todas as teresianas da Arquiconfraria e jovens mais corajosas, vou escolhendo
as melhor dispostas para trabalharem com afinco, não só na própria salvação e
perfeição, com a ajuda de Deus, mas também para zelarem, ao mesmo tempo, com
grande interesse, pela maior glória de Cristo Jesus, estendendo o reinado do seu
conhecimento e amor por todo o mundo, por meio do aposto lado da oração, ensino e
sacrificio.
O seu pedido é serem as primeiras em conhecer-se e conhecer Jesus, amá-Lo sempre e
torná-Lo conhecido e amado por todos os corações, com Maria, José e Teresa de Jesus.
O seu lema é: «Viva Jesus! Só Deus basta!» As suas armas: a oração, o ensino, o zelo
pelos interesses de Jesus, a grandeza de espírito, o sacrifício.
A minha Companhia aspira a ocupar um lugar de preferência no coração e amor de
Cristo. É uma obra de zelo, que aspira ao melhor, ao mais santo, ao mais perfeito, a tudo
o que possa dar maior glória a Deus...
A minha Companhia quer gastar toda a riqueza de bens naturais e sobrenaturais no
que possa fomentar mais e melhor os interesses de Cristo.
101
A minha Companhia quer restaurar, em Cristo, todas as coisas, regenerar o mundo,
educando a mulher segundo o espírito intrépido, franco e alegre, que me animava;
porque, formando a mulher segundo este modelo, tudo poderá melhorar. Todos os
homens foram o que as mulheres quiseram... Educar um menino é educar um homem;
mas educar uma mulher é educar uma família.
Hoje, quando alguns pais descuidam a educação dos filhos, e se pretende desterrar
Cristo Jesus da sociedade e da família, e até da pessoa, secularizando o ensino,
tomando-o ateu ou, pelo menos, indiferente, a existência desta obra de apostolado é da
máxima necessidade...
Estou convencida de que, se for fiel à sua vocação, a Companhia que leva o meu
nome vai ser, nestes últimos tempos, uma das obras de aposto lado mais perseguidas e
mais honradas, porque vai ser uma das que hão-de dar mais glória a Deus.
Das obras de misericórdia, escolhi a primeira, que é ensinar quem não sabe. A outras
congregações religiosas, fui buscar a oração e a acção, quer dizer, como afirma São
Tomás, uma vida contemplativa que estimula a activa. Não só contemplar, mas ensinar
a outros as coisas contempladas...
Os meios que emprega para este fim são dos mais suaves e eficazes. Trabalhar com todo
o empenho por adquirir as virtudes que eu lhes deixei em herança: serem verdadeiras
nas palavras, francas e simples no diálogo, inimigas de toda a hipocrisia e singularidade,
desprendidas de todas as coisas, amáveis, intrépidas e perfeitamente obedientes. Isto é o
que irá formando o coração das minhas filhas.
A Companhia escolhe, depois da oração, o aposto lado do ensino, por ser aquele que
parece favorecer melhor a extensão do Reino do conhecimento e amor de Cristo. As
minhas filhas não devem ser como as fontes que só regam e fertilizam um espaço
limitado de terra, mas como as nuvens que, depois de terem fertilizado um ponto, uma
região, passam a outra para fecundá-la com as suas águas benéficas...
Devem imitar a sua mãe, que era tida por inquieta e andarilha, sempre a procurar a
maior honra do seu esposo Cristo Jesus.
A missão das minhas filhas da Companhia é formar Jesus nas inteligências por meio da
instrução, formar Jesus nos corações através da educação, salvando o maior número
possível de almas... Por isso, as que formam parte da Companhia devem ser almas
realistas, corajosas, decididas com grande determinação a serem as primeiras em
conhecer e amar Cristo e em torná-Lo conhecido e amado, sem cederem nesta
nobilíssima empresa, custe o que custar, murmure quem murmurar, trabalhe o que se
trabalhar, com tal de consegui-lo, ainda que o mundo se afunde... A grandeza de alma e
a fortaleza devem ser os seus distintivos.
E, depois de conheceres o que é a Companhia de Santa Teresa de Jesus, pede ao
Senhor que te dê, pelo menos, este espírito que lhe infundiu Teresa de Jesus, inspirando
esta obra de apostolado da Companhia que leva o seu nome.
ANEXO 2
Quadro de referências
Como algumas das meditações de «Quarto de Hora de Oração», na sua versão
original, foram eliminadas por serem de dificil adaptação à teologia e pastoral do
Concílio Vaticano 11, e o restante foi redigido com esta visão, embora partindo sempre
de textos originais, publicamos um Quadro de referências entre as meditações actuais e
102
as do livro original. Nalgumas ocasiões, uma meditação actual corresponde a várias do
original:
1. « Fizestes- nos Senhor, para ti. . .»
Do fim para que fomos criados
2. Se fores do Movimento Teresiano de Apostolado...
O fim especial de uma jovem teresiana
3. «.. . Destes-lhe poder sobre a obra das vossas mãos» O fim das criaturas
4. «Minha alma tem sede de ti...» Vaidade do mundo
5. «Tudo passa...» Tudo passa. O valor do tempo
6. «Só Deus basta...» Só Deus basta. O valor da alma
7. «Quem perder a sua vida ganhá-la-á» A importância da salvação
8. «Pequei contra vós, senhor, só contra vós...» Dos pecados
9. Vivemos e morremos para o Senhor A morte
10. «Vem, bendito do meu Pai» O juízo: particular e universal
11. «O Reino preparado para ti desde toda a eternidade...» A eternidade
12. «O Reino dos Céus é semelhante a...» A vida lá de cima é a vida verdadeira
13. «O Reino dos Céus sofre violência...» Como vencer o demónio Como vencer-se a si
mesmo
14. «Vinde a mim... e encontrareis descanso» A vida feliz da alma que serve
15. Servir «a dois senhores»?
Os dois senhores
16. «Todo o reino dividido não pode subsistir» As duas bandeiras
1 7 . «Quem dizeis vós que Eu sou?» Jesus Cristo
18 . «Nascido de mulher. . .» Nascimento de Jesus
19. «Não sabíeis que devia estar na casa de meu Pai?» Jesus no templo
20. «Vem e segue-me» Eleição de estado
21. «Jesus desceu com eles a Nazaré» Jesus em Nazaré
22. «Jesus foi levado pelo Espírito santo ao deserto...» Jejum e tentações de Jesus
23. «A tua fé te salvou: Vai em paz» Jesus e o próximo. Conversa com Maria Madalena
24. «...Ficaram admirados de Ele estar a falar com uma mulher;} O que a mulher deve a
Jesus Cristo
25. «Faço sempre o que é do agrado de meu Pai» Jesus e o Pai do céu
26. «Deixai vir a mim os pequeninos...» Jesus e as crianças
2 7. «Eu sou o caminho, a verdade e a vida» Jesus Cristo, caminho, verdade e vida 28.
«Este é o meu filho muito amado: escutai-o» Imitação de Jesus Cristo
29. «Percorria toda a Galileia...» Jesus nos anos da sua pregação
30. «Hossana ao Filho de David...» Entrada de Jesus em Jerusalém
31. «... Tendo amado os seus, amou-os até ao extremo» O lavatório dos pés
3 2. «Filhinhos, já pouco tempo vou estar convosco. . .» O último sermão de despedida
de Jesus
3 3. «Como o Pai me amou, assim Eu vos amei» As últimas pulsações de um coração
divino
3 4. «Meu Pai, se é possível, afaste-se de mim este cálice. . .» Oração de Jesus no horto
35. «Nesta noite, todos ficareis perturbados por minha causa.. .» Traição de Judas.
Negação de Pedro
36. «És, pois, o filho de Deus. . . ?» Jesus diante de Anás, Caifás e Pilatos. Silêncio de
Jesus
37. «Maltratado, humilhado, não abria a boca. ..» Jesus é apresentado a Herodes.
Flagelação de Jesus
103
38. «Tecendo uma coroa de espinhos, puseram-lha na cabeça.. .» A coroação de
espinhos
39. «Eis o homem!...» O «Ecce Homo»
40. «Entregou-O para ser crucificado» Jesus condenado à morte. Nosso Senhor com a
cruz às costas
41. «...quando chegaram ao lugar chamado calvário, crucificaram-No.. .» Crucifixão de
Cristo nosso Senhor
42. «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito...» Agonia e morte de Jesus
4 3 . «Verdadeiramente este homem era Filho de Deus» Descida da cruz e sepultura de
Jesus
44. «.. .E, durante o sábado, observaram o descanso, conforme o preceito» As dores de
Maria. A solidão de Maria
45. «Eis a tua Mãe» A mãe de Deus é minha mãe. Confiança em Maria
46. «Por que buscais entre os mortos aquele que está vivo?» Ressurreição de Jesus
47. «A paz seja convosco» Vida gloriosa de Jesus sobre a terra
48. «Enquanto os abençoava, separou-se deles e elevava-se ao céu» Ascensão de Jesus
Cristo ao céu
49. «Eu estarei sempre convosco. . .» A vida de Jesus no céu. A vida de Jesus na
Eucaristia
50. «Recebei o Espírito Santo...» Amemos o Espírito Santo
51. «O amor de Deus foi derramado em nossos corações...» Amor de Deus
52. «Se alguém quiser seguir-Me... deixe tudo» Amemos Jesus sobre todas as coisas
53. «Quando orardes, dizei: Pai-nosso...» Amemos Jesus, nosso Bom Pai
54. «Eu sou o Bom Pastor» Amemos Jesus, nosso Bom Pastor
55. «Aprendei de Mim, porque sou manso e humilde de coração» Amemos o Coração
de Jesus
56. «Permanecei no meu amor...» Meu Jesus, por que me amais tanto?
ÍNDICE GERAL
Apresentação................................................................................. 5
Prólogo à edição renovada ............................................................ 7
Dedicatória.................................................................................... 11
Advertência................................................................................ ....13
Primeiro Diálogo
ENSINAMENTOS DE TERESA DE JESUS SOBRE A ORAÇÃO 15
Primeira semana
Segunda-feira. «Fizeste-nos Senhor, para Ti...» ............... 29
Terça-feira. Se fores do Movimento Teresiano de Apos-
tolado .................................................................................... 33 .
Quarta-feira. «.. .Deste-lhe poder sobre a obra das tuas
104
mãos» ............................. .... ......... ...... .... ......... .............. ......... ..36
Quinta-feira. «Minha alma tem sede de Ti». .. ................... ………39
Sexta-feira. «Tudo passa...» .............................................. ………42
Sábado. «Só Deus basta...» ............................................... ………..46
Domingo. «Quem perder a sua vida ganhá-la-á» ............... ………50
Segunda semana
Segunda-feira. «Pequei contra Vós, Senhor, só contra Vós………..53
Terça-feira. Vivemos e morremos para o Senhor ........................... 59
Quarta-feira. «Vem, bendito do meu Pai» ............................. …….63
Quinta-feira. «O Reino preparado para ti desde toda a e………….67
Sexta-feira. «O Reino dos Céus é semelhante a...» ......................... 71
Sábado. «O Reino dos Céus sofre violência...» ............................... 74
Domingo. «Vinde a Mim... e encontrareis descanso» ..................... 78
Segundo diálogo
ENSINAMENTOS DE TERESA DE JESUS SOBRE A ORAÇÃO DE
RECOLHIMENTO .............................................................................. 83
Terceira semana
Segunda-feira. Servir «a dois senhores»? ……………………………93
Terça-feira. «Todo o reino dividido não pode subsistir» …………………97
Quarta-feira. «Quem dizeis vós que Eu sou?» ........................................... 101
Quinta-feira. «Nascido de mulher...» ..........................................................105
Sexta-feira. «Não sabíeis que devia estar na casa de meu
Pai?» ... .................. ................ ....... ..... ..................................................... 109
Sábado. «Vem e segue-Me» ....................................................................... 113
Domingo. «Jesus desceu com eles a Nazaré» ............................................. 117
Quarta semana
Segunda-feira. «Jesus foi levado pelo Espírito Santo ao
deserto. ..» .................................................................................................... 121
Terça-feira. «A tua fé te salvou: vai em paz» ............................................... 126
Quarta-feira. «.. .Ficaram admirados por Ele estar a falar com uma mulher»130
Quinta-feira. «Faço sempre o que é do agrado de meu Pai». ……………….134
Sexta-feira. «Deixai vir a Mim os pequeninos...» .......................................... 139
Sábado. «Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida» ............. …………………143
Domingo. «Este é o meu filho muito amado: escutai-O» ... …………………146
Quinta semana
Segunda-feira. «Percorria toda a Galileia...» ...................... …………………..151
Terça-feira. «Hossana ao Filho de David...» .................................................... 155
Quarta-feira. «... Tendo amado os seus, amou-os até ao
extremo» ............................................................................................................ 160
Quinta-feira. «Filhinhos, já pouco tempo vou estar convosco...»……………….166
105
Sexta-feira. «Como o Pai Me amou, assim Eu vos amei» .................................. 170
Sábado. «Meu Pai, se é possível, afaste-se de Mim este
cálice. ..» ............... ................................................................ …………………..175
Domingo. «Nesta noite, todos ficareis perturbados por
minha causa...» ................................................................................................... 180
Sexta semana Segunda-feira. «És, pois, o Filho de Deus...?» ........................... .185
Terça-feira. «Maltratado, humilhado, não abria a boca...» ……………………..190
Quarta-feira. «Tecendo uma coroa de espinhos, puseram-lha na cabeça...» .......195
Quinta-feira. «Eis o Homem!...» ........................................ ……………………198
Sexta-feira. «Entregou-O pàra ser crucificado» ................................................ .204
Sábado. «Quando chegaram ao lugar chamado calvário,
crucificaram-No...» ............................................................................................... 210
Domingo. «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito...» ……………………….215
Sétima semana
Segunda-feira. «Verdadeiramente este homem era Filho de
Deus» ................... ............................ ...... ................ ............................................ 221
Terça-feira. «... E, durante o sábado, observaram o descanso,
conforme o preceito» ...............................................................................................226
Quarta-feira. «Eis a tua Mãe» .................................................................................. 230
Quinta-feira. «Por que buscais entre os mortos Aquele
que está vivo?» ........................................................................................................... 233
Sexta-feira. «A paz seja convosco» ........................... ……………………………….237
Sábado. «Enquanto os abençoava, separou-Se deles e
elevava-Se ao Céu» ............................................................. …………………….242
Domingo. «Eu estarei sempre convosco...» ...................... ………………………247
Oitava semana Segunda-feira. «Recebei o Espírito Santo...» ................... ………..251
Terça-feira. «O amor de Deus foi derramado em nossos
corações...» ..................................... ............................... .......................................... 255
Quarta-feira. «Se alguém quiser seguir-Me... deixe tudo» …………………………..259
Quinta-feira. ~<Quando orardes, dizei: Pai-nosso...» ................................................ 263
Sexta-feira. «Eu sou o Bom Pastor» ........................................................................... 268
Sábado. «Aprende i de Mim, porque sou manso e humil-de de
coração»…………........................................................................................................273
Domingo. «Permanecei no meu amor...» ............................. ………………………..276
Anexo 1 SANTA TERESA DE JESUS ................................................................... 281
A COMPANHIA DE SANTA TERESA DE JESUS ..................... ………………..287
Anexo 2
QUADRO DE REFERÊNCIAS ................................................................................ 291
Índice geral.................................................................................................................. 297
106