ENTRE A FÉ E O TURISMO: O FOTOJORNALISMO DE CANINDÉ SOARES1
Sylvana Kelly Marques da Silva – UFRN/ Natal, Brasil.
Maria Lúcia Bastos Alves – UFRN/ Natal, Brasil.
A tríade fotografia, paisagem e turismo constituem elementos privilegiados para a
análise das performance e produções sócio espaciais no âmbito da arte contemporânea.
Para esta reflexão selecionamos fotografias de paisagens religiosas captadas pelo
fotojornalista Canindé Soares na divulgação do turismo religioso no estado do Rio
Grande do Norte-RN. Profissional liberal o fotógrafo alimenta a imprensa jornalística
do estado e outros meios de comunicação virtual com uma significativa produção de
imagens das festas religiosas do catolicismo popular as quais passam a construir
narrativas de apelo ao fomento do turismo religioso no estado. Sua produção fotográfica
abre espaço para identificar a influência do discurso político em prol do turismo
religioso como campo atrativo a ser explorado e divulgado. Neste artigo priorizamos
imagens fotográficas captadas em eventos no Complexo Turístico Religioso Alto de
Santa Rita, na cidade de Santa Cruz-RN. Para fins metodológicos, recorremos às
proposições teóricas desenvolvidas por Lefebvre (1991a, 1991b), Walter Benjamin
(1987), Guy Debord (2003) e Georges Didi-Huberman (2010, 2013). Em termos
operacionais organizamos as fotografias em séries temporais e temáticas, abordando-as
enquanto um discurso. A fim de ultrapassar as análises binárias dividimos-as em três
níveis de observação experimental: convergente, divergente e insurgente. Às
observações acrescentamos os direcionamentos dados por Georges Didi-Huberman, no
qual afirma que para além de ser um objeto compreendido a partir de si mesmo a
fotografia é um enquadramento recortada pelas distintas relações que a circunscrevem.
Desse eixo desmembram-se questões que norteiam o entendimento do processo de
produção, enquadramento, espetacularização e (re)elaboração espacial, a fim de romper
com a naturalização que padroniza e espetaculariza os espaços, fixando nele as relações
de modo a-histórico.
Palavras-chave: Fotografia. Paisagem. Turismo. Evento Religioso
1 Trabalho apresentado na 30ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de
agosto de 2014, Natal/RN
1. A TRÍADE FOTOGRAFIA, PAISAGEM E TURISMO E A ARTE
CONTEMPORÂNEA
Temos como fio condutor desse texto a análise da dinâmica espacial;
relacionando-a aos elementos da paisagem, da fotografia e do turismo. Pensando nessas
variáveis, precisamente as expressões visuais, partimos do princípio que com as
imagens construídas pelo repórter fotográfico Canindé Soares pode-se analisar a
influencia dos discursos no formato das produções espaciais que emergem com novas
paisagens que marcam os espaços do Rio Grande do Norte, em prol do turismo religioso
como campo atrativo a ser explorado e divulgado. Essas novas paisagens são
construídas a partir da espetacularização de símbolos religiosos e seculares que
envolvem os festejos do catolicismo popular atendendo a interesses político-
econômicos, sobre grande influência do discurso do turismo direcionado pelas políticas
de combate a pobreza.
Os elementos em questão: a imagem fotográfica, a paisagem e o turismo se
estabelecem em elementos socioespaciais marcantes no contexto atual. Correlacionados,
se constituem em uma tríade estratégica para problematizar distintas produções sociais,
visto que carregam em si um espaço que é compreendido como o resultado da produção
social e do conflito dessa produção (LEFEBRVE, 1999; HARVEY, 2005 ). São eles
mesmos elementos construtores e de construções espaciais que de maneira análoga tem
o olhar como condição essencial para a sua existência cultural. A imagem fotográfica, a
paisagem e o turismo constituem-se em uma maneira elaborada de olhar sobre um
determinado recorte espacial e representá-lo.
Em relação à fotografia, é uma produção cultural moderna que fascinou e
ampliou-se diante da perspectiva de ser um instante do mundo real. Com essa
concepção circulou como meio de informação. Walter Benjamin (2012, p. 97) indica
que a evolução da fotografia para desempenhar os papéis sociais e utilitários foi tão
expressiva que logo após o seu invento, a maioria dos pintores de retratos se
transformou em fotógrafos. “Não é por acaso que o retrato era o principal tema das
fotografias” (BENJAMIN, 2012, p. 174). A fotografia movimentou o acesso visual aos
objetos, paisagens e práticas, que ao serem mirados por uma sociedade que se constitui
em torno da lógica da mercantilização das coisas, se tornam irresistíveis e passam a ser
desejados (BENJAMIN, 2012). Diante desse viés, a burguesia abraçou essa forma de
representação imagética com certo fascínio, uma vez que possibilitava a expansão de
seus ideais e ajudava a firmar o desenvolvimento da classe.
Com a multiplicação dos canais de informação e dos dispositivos de reprodução
fotográfica, a fotografia se mantém como uma das mais fortes expressões visuais. É um
discurso que circula rapidamente em diferentes espaços e tempos, construindo
concepções e modos de tratar o tema que sustenta com toda a imediatez que a imagem
oferece. Com o poder de circulação surpreendente a fotografia nos faz ingressar em uma
filosofia do espaço, do sujeito e do mundo que o circunscreve. Em contraposição, os
seus usos e apreensões sociais não se traduzem em “um espelho neutro, mas um
instrumento de transposição, de análise, de interpretação e até de transformação do real,
como a língua, por exemplo, é assim, também, culturalmente codificada” (DUBOIS,
1993, p.26). O que passa a requerer sobre esse tipo de imagem uma leitura reflexiva
associada ao contexto socioespacial em que se insere e aos meios de comunicação no
qual atua como suporte, meios que direcionam a produção do seu sentido.
Já a paisagem é um espaço de representação social que em sua dimensão
histórica esteve interligada à sociedade de diferentes modos, sofreu distintas
interpretações que auxiliaram nas construções de identidades e sentidos por meio de um
processo contínuo e dialético (LEFEBVRE, 1991). Segundo o historiador Alain Corbin
(1989), na história do ocidente, nem sempre as paisagens que hoje são valorizadas,
foram aprazíveis e dignas de deleite, muitos espaços, inclusive, eram considerados
como não propícios aos humanos; como a praia, por exemplo. A partir da reflexão do
autor temos em conta que um espaço representado por uma determinada paisagem
transcende a ideia da apropriação de um espaço físico, natural ou real.
As diferentes paisagens estão além de ser um palco fixo para as tramas humanas,
pois, constituem-se em múltiplos significados culturais (CLAVAL, 2004). Determinam
um modo de ver que enquadra e organiza o mundo externo em uma cena simbólica
(COSGROVE, 1998). No contexto socioeconômico da produção capitalista do espaço a
estética que envolve a paisagem está permeada por diferentes tipos de apologias ao
consumo, caso da apropriação de distintas paisagens pelo turismo. Um bom exemplo é o
da própria praia, que deixa de ser um espaço não propício aos humanos, e passa a ser
uma paisagem qualificada ao consumo e lazer, cujos distintos elementos materiais e
imateriais que a compõe, inclusive os elementos humanos, são valorizados como
mercadoria turística.
É o que podemos dizer que acontece com a paisagem construída e estruturada
nos espaços circunscritos pelos múltiplos sentidos dos eventos culturais intermediados
pelo imaginário do turismo enquanto possibilidade de expansão do próprio evento em
prol do desenvolvimento econômico local. No caso desse artigo, nos referimos as
manifestações culturais que coadunam-se aos eventos tradicionais do catolicismo
popular na cidade de Santa Cruz, interior do estado do Rio Grande, Região Nordeste do
Brasil, espaço em que os bens culturais que emergem estão relacionados a um conjunto
singular de construções discursivas e visuais construídas nas primeiras décadas do
século XX. Entre os discursos e visualidades que formam esse espaço está a reação
conservadora, de uma elite local, contra a sociedade capitalista em prol da estrutura
social colonial. Momento em que as famílias tradicionais da aristocracia agrária
vivenciavam o cotidiano rural e a religiosidade católica com suas festas e rituais; o que
corrobora, posteriormente, para a construção de uma cultura dita tradicional, folclórica e
popular em torno da região (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2006; 2012; 2013).
Recentemente a religiosidade de certos grupos expressos na fé aos santos
padroeiros por meio das procissões, novenas e festividades musicais que incluem
momentos religiosos e profanos, entra no roll dos interesses dos agentes de turismo e
colocam os espaços que a suportam em posição privilegiada para o desenvolvimento da
atividade. Os eventos passam a ser adequados ao seguimento denominado por turismo
religioso; nesse segmento as festas de santos padroeiros são retrabalhadas e entram
como parte dos roteiros de viagem. Conforme, Lefebvre (2001, p.56), era na cidade que
os monumentos e as festas forjavam seu sentido, inclusive às significações oriundas
do campo, da vida cotidiana, da religião e da ideologia política. São eventos
acrescidos da peculiaridade dos diferentes lugares e regiões pressupondo que a “função
da forma espacial depende da redistribuição – a cada momento histórico, sobre o espaço
total – da totalidade das funções que uma formação social é chamada a realizar”
(SANTOS 2002, p.31).
No mercado turístico de bens simbólicos os recursos religiosos são recortados
nos espaços como centro de visitações transformando-se em paisagens. Sobre o turismo
religioso, no que diz respeito à religião católica, é uma atividade que emerge na Europa
do pós-guerra com o decréscimo da prática religiosa institucional e o aumento da
secularização da sociedade em paralelo a difusão das viagens facilitadas pelos meios de
transporte. É um segmento do mercado turístico que combina o religioso/espiritual com
o profano/secular, no qual operadores turísticos e entidades religiosas envolvem-se com
as viagens que abarcam essas esferas religiosas. Para a instituição religiosa, além dos
aspectos econômicos, existe a necessidade de associar à atividade turística as
perspectivas de evangelização e de legitimação do local sagrado, histórico e artístico
visitado (OLIVEIRA, 1998).
publicidade, entre outras dimensões das relações humanas que envolvem a
atividade.
2. CANINDÉ SOARES E A INTERIORIZAÇÃO DO TURISMO
O turismo é uma atividade que se constrói, em grande medida, por intermédio
das paisagens, essas influenciam em diversos deslocamentos turísticos. Direta ou
indiretamente as pessoas vislumbram as paisagens, muitas vezes através de uma
fotografia. A imagem fotográfica constrói uma multiplicidade de significados
simbólicos para a atividade turística que estimula o receptor ao deslocamento. Viajar é
antes de tudo criar um imaginário do que se vai ver e viver, é experimentar os espaços
primeiro na mente por meio das imagens pré-visualizadas, é idealizá-los, planejá-los e
só depois materializá-los. Como afirma Susan Sontag (2006, p. 172) a máquina
fotográfica estimulou novos desejos de visualidades, a relação de consumo com os
espaços foi excitada por esse segmento imagético, propenso e versátil que é a fotografia.
Para construir o desejo do turismo a fotografia precisa ser convidativa ao olhar a
fim de criar expectativas no outro, ainda, se constitui em um artefato que auxilia a
organizá-lo e ordená-lo socialmente. As fotografias em evidência no estado do Rio
Grande do Norte estão sendo, majoritariamente, elaboradas pelo fotojornalista Canindé
Soares. Indiscutivelmente, um dos maiores representantes desse segmento fotográfico
no estado do Rio Grande do Norte. O profissional privilegia o fotodocumentário, em
que se trabalha de maneira projetada, possuindo um conhecimento prévio do assunto e
das condições em que pode desenvolver o plano e a abordagem do tema traçado. A
maioria das fotografias do Canindé Soares têm origens sociais definidas – para a
imprensa ou outros projetos editoriais ligados à produção de informação de atualidade.
No estado do Rio Grande do Norte, em um determinado período, mais
precisamente o de utilização das câmaras analógicas, os profissionais eram contratados
por diferentes agências ou setores da mídia para fazer imagens com foco pré-
determinados. Mas, como tendência global de comercialização de fotografias e a
entrada das imagens digitais, os profissionais, atualmente, constroem suas imagens de
modo “avulso” ou freelancer. Nessa lógica o fotógrafo percorre pontos considerados
estratégicos na dinâmica social das suas relações captando diferentes imagens a fim de
construir um catálogo virtual que poderá ser visitado por uma agência ou um produtor
interessado em comprar as fotografias expostas (MARQUES, 2013).
A trajetória profissional de Canindé Soares, de quase 40 anos, percorre esses
dois momentos distintos de produção imagética e de relações profissionais. Nascido no
interior do estado, no município de São Bento do Trairí, cidade que tem até os dias
atuais metade da sua população ainda vivendo em zona rural, é filho de agricultores que
mudaram-se para a capital do estado em busca de melhores condições de vida. Já
vivendo em Natal, na década de 1970, Canindé começa a fotografar, tinha por volta dos
17 anos de idade e foi motivado pela aproximação que teve com nomes conhecidos da
fotografia natalense, como Fred Galvão, Décio e Lauro que eram donos do Estúdio Blue
Art, localizado na Cidade Alta. Começou fazendo a entrega do material produzido por
esses fotógrafos, ainda no período dos filmes em preto e branco.
Iniciou sua produção fotográfica com o as imagens em preto e branco na
periferia de Natal, cobria pequenos eventos como batizados, casamentos e aniversários
Desse período, não sente saudades, aliás, não gosta nem de lembrar-se do contexto. As
dificuldades enfrentadas pelos escassos recursos financeiros deixaram marcas, o período
das analógicas é caracterizado, para o profissional, pelo alto custo dos equipamentos,
por materiais escassos, comunicação fragmentada e muitas vezes até inviabilizadas.
Enfrentou obstáculos e transpôs fronteiras para construir-se enquanto profissional do
fotojornalismo.
Trabalhou para o tablóide os dois pontos, dois lados da notícia; em sequência
para o Jornal o RN Econômico e; prestou serviço para praticamente todos os jornais do
estado, tendo sido funcionário do Jornal Impresso Tribuna do Norte durante anos; hoje
atua como freelancer. No trabalho que desenvolve, com apoio das redes sociais, faz
parceria com empresas e com os colegas de profissão que prestam assessoria de
imprensa, participou do Sindicato dos Jornalistas do RN em funções de conselheiro até
diretor. Afasta-se aos poucos das coberturas de pequenos eventos festivos para
privilegiar o que gosta de registrar: grandes eventos e paisagens
No decorrer da sua profissão sofreu várias influências, em âmbito internacional
relembra a importância do Henry Cartier-Bresson (1908-2004) para toda uma geração
de fotojornalistas. No Brasil o nome Sebastião Salgado o inspira quando pensa no papel
social que a fotografia tem de denunciar certos contextos sociais. Já as trocas mais
significativas para a construção do seu olhar vem de amigos como o fotógrafo Giovanni
Sergio, Evandro Teixeira e Orlando Brito. Seus registros além de circularem em jornais
e revistas do estado, percorrem também a imprensa nacional e internacional, como o
VG Net (Noruega); Folha de São Paulo, Gazeta Mercantil, Revista Caras, Revista Veja,
Revista Isto É; entre outras.
Fotografou várias personalidades como repórter exclusivo. Entre elas o ex-
presidente norte americano Bill Clinton, o jogador de futebol David Beckham, a modelo
internacional Gisele Bündchen, o jogador Pelé, entre outros. É o primeiro fotojornalista
potiguar a receber o Prêmio Abril de Fotografias, além de prêmios e titulações locais
como o Troféu Cultura; o prêmio Talento Potiguar; Troféu Lambe-lambe da Associação
Potiguar de Fotografia; The Best of the Year, entre outros. Foi agraciado com o título de
Cidadão Natalense pela Câmara Municipal de Natal, em decorrência do arquivo
fotográfico construído da cidade. O Profissional frequentemente concede entrevistas à
mídia televisiva e impressa
“Vem ver Natal” foi o primeiro livro a ser publicado em 2010, a convite da
prefeitura da cidade, esse livro respaldou e incentivou o profissional a organizar a
segunda publicação que foi lançada no ano de 2012 com o título de “Natal por Canindé
Soares”. O segundo livro que já está na segunda edição, vendeu no dia do lançamento
mais de 200 exemplares a um público, majoritariamente, de amigos. Mesmo sendo um
livro com grande apelo turístico teve como público alvo os moradores da cidade e
empresas locais. Nas palavras do autor: “O grande público dos meus livros são as
pessoas que moram em Natal e querem presentear e mostrar aos outros essa cidade. Eu
resumi o que a cidade tem de melhor e de mais bonito”. O terceiro livro, “Natal em
fotos” com textos em português e inglês destaca aspectos culturais, religiosos e sociais e
foi lançado em 2014, antes do evento da Copa do Mundo.
Em seus livros são reveladas vistas aéreas diurnas e noturnas da capital. Luzes,
sombras, altos contrastes e temperaturas quentes propagam diversas paisagens do
litoral. Efeitos de longa exposição dão movimento a apresentações culturais, a
fabricação de artesanatos e constroem caminhos de luzes que enfeitam, elaboram e
dinamizam o imaginário da vida noturna. A arquitetura passada é enquadrada
horizontalmente em posição de destaque, reforçada por cores saturadas, o privilégio são
para os prédios que representam os poderes políticos e as igrejas católicas. Ainda há
espaço para rios, açudes, frutas, grutas, carnavais e procissões. De modo geral, os
espaços privilegiados na fotografia de Canindé Soares são locais que estão sendo
reapropriados em consonância com políticas públicas que se relacionam com a atividade
turística2.
O fotógrafo tem contado com o apoio do estado, de órgãos representantes do
turismo e de empresas privadas para produção de livros com paisagens turísticas, entre
outros projetos ligados a atividade, com maior foco na capital. Entretanto, com o
processo de interiorização do turismo pelo qual passa o Rio Grande do Norte o foco do
profissional tem se direcionado espaços do interior. O grande interesse pelo turismo, de
acordo com Edna Furtado (2005), está relacionado à crença de que uma cidade ao seguir
um modelo de atividade turística adequada eleva-se em vários segmentos econômicos e
sociais.
Dos diferentes propósitos que podem ser classificados como motivadores de
organização da atividade turística nesses espaços estão às festas religiosas. Esses
eventos têm sido apontados como uma alternativa favorável ao estímulo da atividade em
diferentes espaços. Envolvem expectativas proclamadas por diversos segmentos sociais
– governo, igreja, iniciativa privada, população local, peregrinos e turistas - e passam a
fazer parte de uma agenda cultural estabelecida pelos programas de turismo (ALVES,
2013a). As perspectivas que envolvem essas paisagens atraem a atenção do profissional,
que já tem em mente a produção de um novo livro. Segundo Canindé seria um a
publicação em privilégio ao turismo religioso no Rio Grande do Norte, destacando as
principais paisagens culturais e religiosas do povo potiguar, reuniria fotografias de
procissões, espetáculos, festas religiosas, igrejas, espaços de culto, diferentes práticas e
hábitos culturais dos cristãos católicos. O projeto está organizado, porém, no aguardo do
apoio financeiro3.
O estado do Rio Grande do Norte em razão das políticas de incentivo ao
turismo está focado em promover a atividade em eventos que se revestem em cenário de
fé e devoção. Os diferentes modos de intervenção estatal na produção espacial da capital
norte-rio-grandense vem apoiando e sustentando as relações entre a atividade e o
capital. E, atualmente, com o ministério dedicado exclusivamente ao turismo –
Ministério do Turismo (MTUR) desde 2003 – a atividade destaca-se ainda mais nos
planos governamentais.
2 Apesar dos títulos ser referirem a Natal, as fotografias não se limita ao espaço da capital , mas sim as
paisagens mais relevantes culturalmente, economicamente e turisticamente no estado do Rio Grande do
Norte. 3 Afirmação foi coletada em entrevista feita com o fotojornalista em 11 de dezembro de 2015.
Destaca-se, entre as políticas de incentivo ao turismo, o Programa de
Regionalização do Turismo (PRT); cujo objetivo é a mobilização de diferentes agentes
para estimular a atividade e possibilitar o resgate ou aprimoramento de ações realizadas
por outros programas e instituições vinculadas ao turismo, incluindo ações necessárias
e/ou ausentes. O PRT que surgiu dentro da Política Nacional de Turismo (PNT), em
2004, na proposta dos “Roteiros do Brasil” é considerado pelo MTUR como um plano
estruturante para a atividade. E serve como parâmetro para percebermos as
transformações na estruturação de eventos religiosos em destinos turísticos.
3. FOTOGRAFIAS: O IMPACTO VISUAL DAS NOVAS PAISAGENS
A fotografia é um processo técnico a partir do “gesto humano fixado e
cristalizado em estruturas que funcionam”. No seu contexto industrial e massivo, a
técnica é concebida como uma forma de automatização ou de padronização, não deixará
de ser o conhecimento científico materializado nos meios técnicos, uma vez que não se
formam naturalmente, por um encontro fortuito entre o objeto e o suporte de registro.
Contudo, a fotografia só existe quando há uma intenção de produzi-la, por parte de um
ou mais operadores detentores do know-how específico, e quando se dispõe dos aparatos
técnicos para produzi-la (câmera, lente, iluminação, fotômetro embutido ou separado da
câmera, infraestrutura de revelação, entre outros instrumentos), esse desenvolvido
depois de vários séculos de pesquisa científica e produzido em escala industrial por um
segmento específico do mercado.
O espaço gravado pela câmara fotográfica vai depender de um extraordinário
número de mediações técnicas organizadas pelo operador a partir da sua interpretação
de mundo. Nesses termos a paisagem como imagem e representação do espaço é uma
representação de um espaço produzido, ou da história de um espaço produzido, ou de
um espaço desejado. É uma cena, um recorte espacial, aqui considerada captada e
representada por diferentes ângulos de tomadas fotográficas.
Canindé Soares é o que podemos chamar de fotógrafo de paisagens, tem
preferência pelas distintas paisagens urbanas e eventos grandiosos. Com uma câmara
7D da marca Canon e de posse das lentes grande angular ou teleobjetiva busca a beleza,
o charme e o melhor ângulo para o seu objeto, que poderá ser aperfeiçoado com os
recursos que a tecnologia digital oferece, caso o profissional entenda ser necessário.
Soares é um profissional que deixa claro a relação íntima que tem com o estado
do Rio Grande do Norte, tanto quanto espaço, como lugar de vivência. Conhece
distintas paisagens da capital e de diferentes cidades, caminha com segurança em
diferentes zonas, e geralmente é reconhecido pelas pessoas por onde passa, são amigos
de infância, colegas de profissão, parceiros de algum tipo de atividade. E o
fotojornalista não nega que essa intimidade com o espaço que registra e com as pessoas
que vivenciam e organizam esses espaços tem sido primordial para o seu
reconhecimento profissional. Nas redes sociais, ao postar uma imagem fotográfica,
rapidamente consegue concentrar em torno do registro centenas de reações positivas dos
usuários da rede. A visualidade em torno dos registros do profissional é significativa, o
autor, de modo geral, revela o Rio Grande do Norte para os próprios norte-rio-
grandenses a partir do seu olhar e da sua técnica. São expectadores que orgulhosos
legitimam belezas do que é mostrado através do direcionamento de Canindé.
Cada vez mais tem sido constante no site do fotojornalista os espaços que
comportam eventos religiosos, concomitante aos investimentos do poder publico no
interior do estado organizando novos espaços e ampliando o escopo de paisagens
sagradas. O turismo religioso, de modo geral, difere-se de todos os outros segmentos do
mercado turístico por ter como motivação fundamental a fé.
De acordo com a Conferência Mundial de Roma, realizada no ano de 1960, o
turismo religioso se traduz em uma atividade que movimenta peregrinos em viagens de
fé ou de devoção a algum santo. Na prática são viagens destinadas a locais
especificados como sagrados, a congressos e seminários religiosos, a festividades
religiosas celebradas periodicamente, a espetáculos e a apresentações teatrais de cunho
religioso. Estes passeios turísticos estão correlacionados, majoritariamente, ao
calendário e acontecimentos religiosos das localidades receptoras dos fluxos turísticos.
Inseridos nas atividades de cunho turístico, os eventos perdem algumas características
essenciais e passam a figurar como atrativos de distintos visitantes, romeiros e turistas.
Tornam-se espetáculos de forte apelo econômico, com intervenções políticas
promovidas pelo estado, prefeituras e iniciativas privadas, cujos objetivos se pautam na
promoção e incentivos à “preservação” e divulgação das práticas religiosas tradicionais
(ALVES, 2013).
Dos espaços para eventos religiosos que são (re)organizados o repórter
fotográfico Canindé Soares tem registrado e difundido nas diferentes mídias fotografias
de uma paisagem recente na história do rio Grande do Norte: a do Complexo Religioso
de Alto de Santa Rita4, na cidade de Santa Cruz
5. Um recorte espacial feito no Monte do
Cruzeiro para comportar um monumento de concreto armado com 56 metros de altura,
que representa um símbolo da fé do cristianismo católico; a Santa Rita, considerada
também pela religião e por seus fiéis a padroeira da cidade e “madrinha dos sertões”. O
Complexo Turístico Alto de Santa Rita foi inaugurado em 27 de junho de 2010, e a
atração turística baseia-se no tamanho do monumento.
O evento da religião católica de mais destaque na cidade é a Festa de Santa Rita,
que acontece entre os dias 13 e 22 de março, com várias programações
sagradas/profanas que reúnem moradores de bairros periféricos, centrais e
representantes do setor político e comercial da cidade. Nos últimos anos, com a
construção do Complexo, parte da festa foi deslocada para o complexo e novos rituais
foram incorporados. À exemplo missas dominicais celebradas no Santuário, benção do
Santíssimo, além do incentivo por parte da paróquia em organizar romarias em prol da
dinamização do local. É uma nova paisagem que resultou da parceria entre prefeitura
local e governo do Estado, objetivando incorporar a região do Agrestre/Trairi no roteiro
turístico. O complexo obteve cerca de R$ 6.000.000,00 advindos dos recursos
municipais, estaduais e federais.
De acordo com a pesquisa “Festas Religiosas e Políticas Públicas de Turismo:
uma análise do Programa de Desenvolvimento Regional (PRODETUR)” 6 desenvolvida
pela base de pesquisa da Professora Maria Lúcia bastos Alves, o Pároco da Cidade
Padre Vicente Fernandes, afirma que “a grande imagem de Santa Rita de Cássia coloca
a cidade de Santa Cruz na rota do turismo religioso do país (...) e estamos oferecendo
aos católicos do Brasil um lugar com infraestrutura adequada, onde os milhares de
devotos poderão vir vivenciar sua fé e pagar suas promessas”. Entretanto, outras
concepções em relação ao santuário são percebidas, estudantes universitários afirmam
que o incentivo ao turismo religioso não proporcionou melhoria na qualidade de vida
da população. E, afirmam que os incentivos da prefeitura para capacitação de
profissionais que atuassem no âmbito do turismo foram paliativos7. De acordo com
alguns moradores avanços econômicos e sociais que foram observados na cidade não
4 Santuário que abrange uma aérea de 2.800 metros quadrados, composto por igreja, duas capelas,
auditório para 225 pessoas, praça de alimentação, restaurante, salas dos milagres, salas para atendimento
de saúde e administração, lojas de artigos religiosos, pátio de estacionamento e um mirante que contempla
a região serrana do Agreste/Trairí. 5 Município brasileiro localizado na Mesorregião Agreste Potiguar. Está a 111 km de distância da capital
do estado: Natal. A cidade possui aproximadamente 36 mil habitantes (IBGE/Censo 2010). 6 Pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Pesquisa/ CNPq. no biênio 2011 e 2012.
7 Para mais informações sobre a pesquisa ver Alves 2007; Alves 2013a e 2013b.
provém da construção do Complexo Alto de Santa Rita, mas de outros investimentos
nos setor educacional e comercial. Entretanto, eles acreditam que as estratégias
utilizadas pelo poder público local, aliadas à divulgação midiática de um turismo
religioso, oferecem à população a possibilidade de melhoria de vida, uma vez que o
turismo religioso pode gerar empregos, trazendo o desenvolvimento para a cidade.
Um aspecto importante destacado por Alves (2013b) é que apesar da construção
do Complexo Turístico – que reorganiza um movimento religioso que pode fornecer os
marcadores necessários à construção de identidades locais – e do próprio incentivo da
Igreja Católica; os romeiros de Santa Rita, principalmente os provenientes da zona rural,
não se sentem representados pelo monumento construído em termos da devoção. As
preces desses grupos são direcionadas a uma pequena imagem que fica na igreja matriz,
sendo o Santuário lugar mais para visitação. Esse aspecto chama a atenção para a
importância do acervo de imagens da nova paisagem construídos por Canindé Soares,
pois destaca que não há um turismo religioso, esse começa a ser fomentado a partir de
uma rede de relações construídas em prol do turismo religioso . Canindé Soares constrói
essas paisagens ao mesmo tempo em que é construído por toda um arquivo imagético e
discursivo em relação ao espaço em voga e as direciona aos fiéis para que esses criem
uma identidade com o local.
4. DIANTE DA FOTOGRAFIA: NÍVEIS CONVERGENTE, DIVERGENTE E
INSURGENTE:
Procuraremos ir além da dicotomia realidade/ficção, revelação/ocultação; no
qual se compreende que a fotografia evidencia espaços ao mesmo tempo em que os
camufla. Para isso usaremos análises que, é claro, fundamentam-se, nas dicotomias;
realidade/ficção, revelação/ocultação; iconografia/iconologia; descrição/interpretação;
primitivo/complexo. Contudo, ousaremos ir adiante, ancorados nos três níveis de análise
ao qual se refere Lefebvre (1991a); que tem na dedução “meio caminho andado”, na
indução “a outra metade do caminho”, mas, só no terceiro movimento, o de transdução,
é que tem “o caminho inteiro”. Por ser um movimento contínuo, abre-se “o horizonte
para o real e o possível, o investigativo e o explicativo, dialeticamente”. A transdução
instrumentaliza-se com o olhar ao passado, a fim de compreender e atuar no presente
para influenciar o futuro. É o movimento que elabora um objeto teórico, “a partir de
informações que incidem sobre a realidade, bem como a partir de uma problemática
levantada por essa realidade”, pressupondo uma retroalimentação constante entre o
teórico e o empírico. “Ela introduz o rigor na invenção e o conhecimento na utopia”
(LEFEBVRE, 1991b, p.108). Na operação desse conceito Lefebvre dá ao conhecimento
científico a possibilidade de lançar-se ao desconhecido. Para citarmos Wright Mills
(1975), esse seria o caminho profícuo que o pesquisador tem para ir ao encontro da
imaginação sociológica.
Inspirados pelas terminologias “Convergente”, “Divergente” e “Insurgente”
tentaremos construir uma metodologia experimental de análise da fotografia, com
privilégio para as relações socioespaciais. Para tal selecionamos 04 fotos que estão
disponíveis no site do repórter fotográfico. Nesse momento experimental unimos quatro
fotografia em um: grupo A, que tem como tema a inauguração do Complexo, no ano de
2010. A análise será feita a partir dos grupo e não pela imagem individual. As imagens
mostram primeiro o monumento de frente ao expectador, seguimos com a imagem de
um senhora em sinal de devoção, após as faixas de agradecimentos aos organizadores
do Complexo e por fim a imagem do monumento no canto superior direito em posição
lateral, ao descer o olhar na mesma direção da estátua encontra-se a igreja, logo abaixo
do monumento, com privilégio a pequena parte da cidade.
i. O nível convergente: É o primeiro nível privilegia o aparente. São as
representações existentes que correspondem ao conhecimento comum, aos códigos
convencionalizados socialmente, imóveis, distante do real, originários do saber técnico
e ao mesmo tempo ideologizado. Nesse nível, apesar de já termos um escopo de análise,
decidimos mostrar a imagem para diferentes pessoas e foi comum a relação com a
grandiosidade do monumento a um espaço religioso. Chamou atenção às faixas que
expressam o agradecimento em relação à importância de tal obra para o local, mas
também deixa claro para os expectadores a relação forte da obra religiosa com os grupos
políticos. A intenção do fotógrafo na captura dos ângulos é majoritariamente o que está
sendo apreendido pelos receptores, ou seja, recortes que determinam a grandiosidade da
imagem de Santa Rita.
É o monumento construído no ponto mais alto da cidade o que determina seu
sentido e poder. O azul do céu e o verde das matas com contraste forte e definido
circundam a cor fria do concreto, destacando sua forma e força. A única pessoa que
aparece nesse grupo de imagens é uma senhora com os braços levantados inferior diante
de tal monumento, mais ainda, sem rosto, com vestes simples e cabelos mal tratados
representa a humildade de um grupo de fiéis diante de tudo que o monumento
simboliza. Pode ser que agradeça uma graça alcançada ou pode ser que suplique a Santa
os seus desejos que espera ver realizados.
O recorte das faixas não pode ser desprezado pois eles destacam agradecimentos
a dois nomes influentes na política local: são os indivíduos que para esse público
materializaram uma graça com a construção do Complexo. Essas são as vozes que
ganharam eco: da Associação dos Vaqueiros da Região do Trairí e dos que representam
os Moradores do Conjunto Cônego Monte. Por fim, a imagem da Santa Rita em
diagonal aparece no ponto máximo da imagem. É uma alusão a grande benção para a
cidade, logo abaixo está à igreja, que na fotografia se mantém na mesma reta do
monumento, ordem hierárquica dos poderes que socialmente se relacionam e se
circunscrevem. Não há nenhum prédio maior que a Igreja, mas, paradoxalmente, nem
mesmo a igreja ofusca a grandiosidade da Santa Rita, que na religião é uma das
mediadoras de diálogos com o Deus.
ii. O nível divergente: Aqui pensamos no desencontro com a representação
convencional, para revelar os elementos subjetivos localizados no visível se opondo ao
homogêneo em busca das tensões cotidianas das relações sociais. É a adoção de uma
visão não clássica que identifica os diferentes níveis de realidade que envolve o
contexto em que foi captada a imagem. Busca-se os elos por intermédio do significado
oculto no fetichismo das coisas aparentes. Para tal é necessário investigar a realidade
local, quem são os envolvidos com o projeto, como a população se comporta diante de
tal espaço e como esses espaços vão se ligando em uma rede complexa de significados e
construindo e legitimando discursos em prol do turismo.
Canindé Soares representa por meio de suas fotografias empresas, pessoas e
instituições. Nesse caso, os grupos que tem interesse em divulgar a nova paisagem para
fomento do turismo local e também para a divulgação da fé católica. Didi- Huberman
(2013), afirma que essas imagens estão enquadradas por aspectos sociais, culturais e
ideológicos que constroem um discurso. São fotografias que carregam um discurso de
reelaboração e elaboração da paisagem em prol de um vínculo com as políticas de
turismo para fomento da economia. São novos espaços com novos agentes, mas que
remetem-se a um arquivo de imagens culturais já pré-estabelecidos, do próprio povo
nordestinos e suas tradições com a fé católica. Reificados, os fragmentos dessas ditas
tradições, com os seus rituais e mitos, transformados em bens culturais oferecem
suporte à atividade turística que comercializa-os com diferentes roupagens, mas
remetendo ao imaginário dos resquícios de um espaço rural e tradicional, através de
novas elaborações.
Essas políticas públicas de turismo estão relacionadas a toda uma concepção de
turismo que é dirigido para o nordeste, caracterizando-se através de uma externalidade
do olhar, que retira a centralidade e a profundidade do ato religioso em si, associando-se
mais a um espetáculo (DEBORD, 2003). O próprio monumento é um espetáculo. Alves
(2010) afirma que numa expressão típica do catolicismo popular, os devotos, ao se
depararem com a gigantesca estátua, exclamam: “Valei-me Santa Rita!”, fazendo alusão
não só às súplicas costumeiramente dirigidas à santa, como também ao espanto causado
pelo tamanho da gigantesca estátua.
Formas atuais de religiosidade que em coerência com as diferentes dimensões
socioespaciais persuadem peregrinos/turistas a inclinarem-se para a vertente do
consumo das manifestações de fé e eventos. Já que para tornar o espaço comercializável
e convidativo ao turismo, muitas vezes é necessário à ampliação de signos e mitos.
Canindé Soares recortado por seus filtros culturais não fotografa o que vê, mas vê o que
fotografa a partir de categorias de representação, de concepções, de um estilo. As
fotografias expostas atendem a uma demanda de paisagem turística, comercializável,
são espaços considerados comerciais diante do segmento do turismo religioso. Nesse
caso, ele tem em mãos o que já foi construído no imaginário brasileiro sobre o nordeste,
sobre as paisagens do nordeste e das relações dos indivíduos locais com a fé a fim de
recortar sua paisagem (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2006).
As fotografias indicam possibilidades de progresso econômico local fomentados
pelo turismo mesmo remetendo-se a imagens já pré-estabelecidas, pois dialogam com o
novo. Nesse caso é uma dada representação simbólica, que não se limita a uma baliza
temporal, mas é um processo contínuo em constante metamorfose, no qual a fotografia
sempre se prestará aos seus usos. Incentivada pelos grupos que tem interesse nessas
novas representações como políticos, empresários e agentes religiosos, são
materializações que embora destaquem neutralidade e foco na população local acabam
por atender os interesses políticos imediatos dos grupos dominantes. “São as
circunstâncias que envolvem o assunto e a própria representação”, que podemos
observar ao mergulhar no conteúdo dessas imagens (KOSSOY, 2009, p. 132).
iii. O nível insurgente: É o nível que, dialogando com os outros níveis
propostos de modo simultâneo, dedicaremos ao debate sociológico e a proposta de
recriação social, com ênfase no horizonte para o real e o possível, o investigativo e o
explicativo por meio de múltiplos sentidos que envolvem as relações socioespaciais. É o
nível da análise rebelde, visto que buscaremos contestar o pensamento conservador que
constrói seus alicerces de modo hegemônico e o sistema capitalista como um todo,
buscando expressar e denunciar a forma com que as contradições sociais manifestam-se
no espaço urbano e é captado pela fotografia. Buscar-se-á nesse nível propor
infraestruturas e formas organizacionais capazes de apoiar e desenvolver relações
sustentáveis para os cidadãos em geral.
Há na representação da paisagem a espetacularização de um símbolo que
representa uma fé, do mesmo modo em que o monumento se eleva diante da cidade e da
própria instituição católica, acaba por subtrair a população. A população subtraída
dessas imagens pulsa, mas quando aparece está passiva diante do que se construiu. Fica
como uma massa homogenea diante dos diferentes grupos se articulam em função dos
interesses expressos na competência e nas relações de poder, que envolvem a
organização dessa nova paisagem. Políticos, empresários, comerciantes, clero e
moradores locais constroem suas referências mediante os múltiplos significados que as
as novas paisagens propiciam.
O Complexo, surge, portanto, como alternativas de lazer, principalmente para a
população de baixa renda, que não dispõe de recursos para praticar o turismo na
perspectiva capitalista acessível às pessoas de alto poder aquisitivo. Essas pessoas não
consideram suas viagens como um turismo, e muitos desconhecem o significado do
turismo religioso. O que não inviabiliza visitarem o santuário, assistirem missas,
acenderem velas, pagarem promessas e envolverem-se nas atividades consideradas
profanas que giram em torno do complexo, como a participação em bailes, leilões,
consumo de bebidas alcoólicas, compras de lembranças, entre outras.
No campo emergem as disputas de interesses, por parte do poder local,
preocupado em administrar os recursos públicos e aproveitar o fomento ao turismo
religioso como mais uma oportunidade de angariar votos e lucros. Já os residentes na
cidade e adeptos de outras instituições religiosas, a exemplo dos pentecostais, não
aprovam a alocação dos recursos para valorização da fé católica, criticando a posição
assumida pelos políticos que insistem em valorizar esses rituais. As entrevistas apontam
que, apesar de moradores, visitantes e peregrinos considerarem o Alto de Santa Rita um
local que deu visibilidade à cidade, destacou o descontentamento em relação à
mudanças ocorridas nos eventos festivos da santa padroeira. Ao mesmo tempo em que
percebe-se resistências nesse processo de fomento ao turismo religioso, seja por parte
dos moradores, peregrinos e adeptos de outras religiões, há também uma conivência ou
acomodação por parte da população que, mesmo criticando a política local, nada fazem
para enfrentar a situação.
Grupo A: Inauguração/26 de junho de 2010
Fonte: canindesoares.com; Data: 27 de junho de 2010.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sob o ângulo de Canindé Soares percebemos imagens que identificam um
discurso. Esse discurso está sob a influência das políticas de turismo com valorização ao
segmento do turismo religioso. Atualmente, depois de todo o investimento público em
prol do Complexo Religioso Alto de Santa Rita existe na cidade de Santa Cruz uma
expectativa de ser materializada a atividade em seus espaços, essas expectativas vem
trazendo transformações, que nem sempre estão em acordo ou propícias ao bem estar da
população local, ao contrário, muitas vezes o recorte da cidade para a materialização de
espaços destinados ao turismo causa segregação espacial e supervaloriza os bens de
1) Vista Frontal 2) Senhora em Devoção
3) Agradecimentos 4) Vista Lateral
consumo local, excluindo o residente de vivenciar espaços de sua própria cidade. No
mais, segregam outras crenças, visto que a religião católica é a única na atualidade de
origem cristã que carrega o costume da construção de imagens para adoração. Mesmo
outras religiões que fazem parte da cultura brasileira, como as originárias dos
afrodescendentes, não carregam essa prática.
A sociedade é feita de possibilidades diferentes e o projeto turístico é um dos
projetos que no decorrer das décadas ganha força e passa a ser central nas perspectivas
dos gestores da cidade, mas não exclui outras perspectivas, por não ser uma construção
isolada, uma vez que está inserido em um contexto socioeconômico mais amplo. E,
essas fotografias que carregam o discurso das políticas públicas de são de extrema
importância para a consolidação das novas paisagens e para o entendimento dessa nova
dinâmica. A própria identidade que é necessário construir entre os fieis com o espaço
vem sendo alimentada pela fotografia que fixa imaginários, e se de um lado envolve os
indivíduos locais e agrega símbolos na construção de suas memórias espaciais,
fortalecendo as relações de pertencimento e de coletividade, por outro lado, se prestam a
inculcação de ideologias que são encomendadas, planejadas e produzidas servindo a
finalidades concatenadas a lógica capitalista de produção/consumo de espaços, pessoas
e objetos.
Não deixam de ser perspectivas da cidade promovida por grupos que na ânsia de
corresponder aos aspectos sociais, econômicos, políticos e urbanos do que
“majoritariamente” considera-se “ideal” encenam um jogo de contradições, de
manutenção de diferentes lógicas, que muitas vezes até excluem-se. São imagens que ao
articular o turismo, a paisagem e a religião fomentam imaginários que edificados
constituem marcas que se manifestam em todo um sistema de representação, servindo
como referência para a valorização de alguns aspectos espaciais em prejuízo de outros.
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