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RevistaExpedies: Teoria da Histria & HistoriografiaV. 4, N.1, Janeiro-Julho de 2013
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ENTRE A GESCHICHTE E A ANTINOMI A DO PASSADO:
O CONCEITO DE AO NA TEORIA DA HISTRIADE HANNAH ARENDT
Between Geschichte And Antinomy Of The Past: The Concept Of Action In
The Theory of Historyof Hannah Arendt
lvaro [email protected]
Resumo: O conceito de ao encontrado na teoria da histria desenvolvida por HannahArendt contribui, criticamente, para contrapor as filosofias do progresso histrico, em especialas constitudas nos oitocentos europeu, que formalizaram uma frmula para a disciplina do
pretrito denominada, em lngua alem, Geschichte. Atravs de uma avaliao sobre as noesde teleologia e progresso, h uma contribuio para se pensar a histria atravs de outro escopoterico, em uma relao entre a desconstruo das meta-narrativas e a presentificao dasestruturas temporais. Ao condicionar o passado a uma categoria temporal anticronolgica,Hanna Arendt sujeita o conhecimento histrico a uma analise conceitual das refernciastericas, para assim promover a aproximao da histria com a sua filosofia poltica.
Palavras-Chave:Teleologia, Teoria da Histria. Filosofia Poltica.
Abstract: The concept of action found in the "theory of history" developed by Hannah Arendtcontributes critically to counteract the philosophies of historical progress, especially those
formed in eight European, formalizing a formula for the discipline of the past called, in german,Geschichte. Through a review of the notions of teleology and progress, there is a contribution tothinking through the history of another theoretical scope, in a relationship between thedeconstructionof meta-narratives andpresentificationtemporal structures. By conditioning thepast to a temporal category that rejects chronological, Hanna Arendt subject historicalknowledge to a conceptual analysis of the theoretical references, thus fostering closer linksbetween history and political philosophy.
Keywords: Teleology. History Theory. Political Philosophy.
O conceito de histriaem Hannah Arendt a antinomia do fazer histria damaneira moderna, em especial das meta-narrativas que foram influenciadas pelas
filosofias da histria. Para a autora a escrita do passado um dilogo entre opensadore
osfenmenos polticos originrios, independente de qualquer estruturao teleolgica e
causal. Ao condicionar o passado a uma categoria temporal anticronolgica, H. Arendt
140Professor-especialista de Histria da Amrica e Histria e cultura afro brasileira da UniversidadeEstadual de GoisUEG e membro do grupo de pesquisa em imagens tcnicas GPTEC. Mestrando em
filosofia poltica pela Universidade de Braslia UnB sob a orientao do professor-Doutor ErickCalheiros.
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sujeita o conhecimento histrico a uma analise conceitualdas referncias tericas, para
assim promover a aproximao da histria com a sua filosofia poltica.
Nesta teoria historiogrfica, influenciada pelas teses de Martin Heidegger e
Walter Benjamin (Cf. DUARTE, 2000), H. Arendt desenvolveu um mtodo contrrio sconcepes temporais homogneas ou vazias, e considerou o tempo como uma
constituio das experincias, numa orientao saturadas de agoras (BENJAMIM,
1987, p. 229). O tempo nessa perspectiva era a abertura dialgica para as trs
temporalidades, definidas dialogicamente no presente, dada a condio de
inteligibilidade da ao construda atravs das noes de imprevisibilidade,
irreversibilidade e natividade, logo contrrio ao teor da irrevogvel da causalidade
(DUARTE, 2000, pp. 16-17). Assim a autora produz uma compreenso historiogrfica,que se afasta do horror naturalista do tlos moderno e aproxima o conhecimento
histrico de uma dimenso tica contida em sua filosofia poltica.
Durante a modernidade, o conhecimento histrico era tido como uma
orientao do agir, um saber que orientava a ao dos homens atravs do tempo. Na
lngua alem, a histria era definida como Geschichte, que seria o acontecimento em si
ou, respectivamente, uma srie de aes cometidas ou sofridas(KOSELLECK, 2006,
p. 48). A geschichtecarregava em seu contedo a transcendncia aos atos humanos edeterminava suas aes produzindoos acontecimentos histricos, o que possibilitava a
confeco de uma teoria geral para a histria. Este holismo historiogrfico, mediante a
racionalidade condicionava as temporalidades a um processo atravs de uma finalidade
(tlos) e de uma naturalidade das causas humanas, que orientava os homens para um
lugar determinado que se aproximava de uma perspectiva da filosofia da histria,
como observa o historiador Reinhart Koselleck:
O conceito coletivo singular de histria [Geschichte] comeou a seimpor, emergiu tambm o conceito de filosofia da histria. esse omomento em que proliferam as histrias conjeturais, hipotticas oupresuntivas. Iselin, em 1764, Herder, em 1774, e Kster, em 1775,lanaram as bases de uma filosofia da histria para eruditos. Aofaz-lo, imitaram de certa maneira os procedimentos dos autoresocidentais, retomando literalmente ou reformulando, a partir daperspectiva da filologia histrica, os questionamentos propostos pelosprimeiros. Tiveram, entretanto, como perspectiva comum, a destruioda idia do carter modelar dos acontecimentos passados paraperseguir em lugar disso a singularidade dos processos histricos e a
possibilidade de sua progresso. (KOSELLECK, 2006, pp. 53-54)
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Para essas filosofias da histria, a harmonia superava a contingncia, uma vez
que ao definir o mtodo histrico como um desdobramento de uma lei natural, vlida
para todas as pocas e atores, a histria se aproximava dos sistemas fsicos newtonianos.Como sugere o historiador Franois Dosse:
medida que a filosofia da natureza guiada pelo princpiomecnico, a histria, considerada como natureza, deve ser vistasegundo um princpio de gerao mecnica, segundo uma teleologiaque designa, em Kant, o mtodo de estudo da natureza para tornarevidentes os princpios de unidade e de coerncia. A histriacosmopoltica, segundo Kant, , portanto, concebida maneira de umsistema de corpos celestes e sua referncia o modelo astronmico.
Mas, a essa unidade que a histria da humanidade, Kant d umadireo que a da realizao progressiva do direito doshomens.(DOSSE, 2003, p. 231)
Assim, como paradigma histrico, durante a passagem dos sculos XVIII ao
XIX, as posies nticas da geschichte, possibilitaram interpretar o tempo atravs de
sua essncia. De acordo com Hannah Arendt, a ideia de progresso da modernidade
moldou a temporalidade a uma expresso das leis universais e naturais, as meta-
narrativas histricas reconheciam a primazia das condies racionais sobre a natureza epressupunha sua inteligibilidade atravs da sistematizao dos eventos e da
possibilidade da revelao auto-evidente do sentido histrico. Esta especfica construo
histrica possibilitou a harmonizao das hipteses aos fatos sociais, pois:
O significado esta contido no processo como um todo, do qual aocorrncia particular deriva sua inteligibilidade, que no somentepodemos provar isso, no sentido de uma deduo coerente, comopodemos tomar praticamente qualquer hiptese e agir sobre ela, como
uma sequncia de resultados na realidade que no apenas fazemsentido, mas funcionam.(ARENDT, 2005, p. 123)
Assim, com a descoberta do sentido do processo na modernidade, a histria
(geschichte) passa a ser percebida como uma filosofia, cujo sentido, no mais a busca
da recordao atravs dos atos, mas da racionalizao dos processos prvios aos
eventos:
Na poca moderna a Histria emergiu como algo que jamais fora
antes. Ela no mais comps dos feitos e sofrimentos dos homens, eno contou mais a estria de eventos que afetaram a vida dos homens;
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tornou-se um processo feito pelo homem, o nico processo global cujaexistncia deveu exclusivamente raa humana. (ARENDT, 2005, p.88)
A geschichte passa a ser um processo organicamente fundamentado em umaviso holstica, a espcie humana segue uma inteno da natureza, segundo a
expresso de Kant. A ideia de um ordenamento processual dos eventos humanos que
permitiu a emergncia de uma astcia da razo para Hegel ou a luta de classes para
Marx, estas vises promoveram uma trama teleolgica e mecnica sobre as aes
humanas, como observa o historiador Reinhardt Koselleck:
O trabalho da histria, para usarmos as palavras de Hegel, umaespcie de agente que domina os homens e fragmenta sua identidadenatural. Tambm aqui na lngua alem fez o seu trabalho. Asignificao plena e o antigo ineditismo da palavra Geschicthe diziamrespeito exatamente ao fato de se tratar de um coletivo singular.(KOSELLECK, 2006, p. 50)
Esse pensamento sistmico na histria impunha um senso de limitao do
tempo-presente, estabelecendo uma narrativa orientada apenas para os processos, e em
ltima instncia, para o futuro. No sculo XIX, em especial, a aparncia e a
essncia foram instrumentalizadas em uma ideia progressiva e fundamentavam os
elementos para a emancipao da humanidade. Essas estruturas filosficas
possibilitavam as meta-narrativas do passado a constituio de uma trama teleolgica,
que concebia as aes e os eventos como parte de um encadeamento processual em um
fenmeno contnuo que ia do momento da manifestao da razo a emancipao da
espcie.
Em contraponto a essas teses, Hannah Arendt anseia restituir a ao, no mais
como funoda razo ou da produo, mas sim, como a mais alta atividade dohomem (ARENDT, 2005, p. 119). Sobre este pressuposto, de crtica teleologia
histrica dos modernos e de uma nova categoria para a ao, que Hannah Arendt
constri seu entendimento sobre as noes de tempo e passado, em especial, atravs da
crtica as obras de Karl Marx. Arendt funda os princpios de sua teoria da histria em
uma compreenso antinmica das aes e dos eventos humanos, para assim
desconstruir, atravs da crtica as teses marxistas, as filosofias do progresso e o
historicismo.
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O historicismo marxista pressupunha enfaticamente a negao da contingncia
em seu pensamento, fundamentava-se em uma trama teleolgica, definida de forma a
priori, em uma unidade do tempo regida por uma continuidade meta-histrica, que se
desenvolve atravs de um movimento (revoluo) e de um repouso (sociedade semclasses). Para Hannah Arendt, K. Marx, discpulo de Hegel refletia essa permanncia do
movimento atravs de uma dialtica, como um saber absoluto que rege a sequncia das
estruturas sociais e temporais.
Hegel acreditava haver demonstrado uma identidade ontolgica entrematria e pensamento. Para Hegel, portanto, no teria grandeimportncia que se iniciasse esse movimento do ponto de vista daconscincia, que em dado momento comea a se materializar, ouque se escolhesse como ponto de partida a matria, que, movendo-seem direo espiritualizao, torna-se consciente de si mesma.(Nota-se quo pouco Marx duvida destes princpios de seu mestre pelopapel por ele atribudo autoconscincia na forma de conscincia declasse na Histria). (ARENDT, 2005, pp. 66-67)
A ao do tempo era compreendida com um desdobrar da lei histrica, um
caminhar movido pelo tlos, que governava a razo e a ao humana, uma vez que para
Marx a histria de toda sociedade at nossos dias a histria da luta de classes
(MARX; ENGELS, 2001, p. 23). O fatalismo, ou a contingncia, eram negados, pois
partiam do princpio da ao indeterminada, contrariando assim um vislumbre de
conceber o mundo como um todo orgnico. Segundo as palavras de Marx, este,
pressupunha uma condio determinada para a ao social:
Ao passo que o homem produz universalmente; produz apenas sob odomnio da necessidade fsica imediata, ao passo que o homem produzmesmo livre da necessidade fsica imediata e s produzverdadeiramente sendo livre da mesma; s produz a si mesmo, aopasso que o homem reproduz a natureza inteira; o seu produto
pertence imediatamente ao seu corpo fsico, ao passo que o homem sedefronta livre com o seu produto. (MARX; ENGELS, 1983, pp. 156-157).
Assim, a essncia humana estava inserida em um holismo, que conectava o
trabalho humano (ao) como condio de emancipao s leis histricas ( tlos). Ao
condicionar a ao humana ao movimento dialtico, Marx, pressupe a existncia de
uma conscincia que produz os modos de vida e estes condicionados a materialidade
que os circunda. E de uma forma determinada pelos meios e pelos modos os homens
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por sua conscincia e sua produo, tanto com o que produzem quanto tambm com o
como produzem. Portanto, o que os indivduos so depende das condies materiais da
sua produo. (MARX; ENGELS, 1983, p. 187). Neste sentido, os homens ao
instrumentalizarem os meios, tambm fabricam as relaes de produo, a suaconscincia e concomitante a sua Histria.
Nessa construo holstica, que H. Arendt define como as relaes prprias do
homo laborans (Cf. ARENDT, 2007), este, participa como agente e produtor de um
universo material, que se desdobra na possibilidade de superao da contradio
inerente ao modo de produo capitalista. No qual, pela tcnica geradora de uma
produtividade autossuficiente extinguir o trabalho e consequentemente propiciar uma
comunidade socializada que reproduz a natureza do trabalho (ou de sua ausncia),para assim emancipar as capacidades, fsicas e mentais do ser humano para uma
igualdade socialista, pois de acordo com Marx:
O desenvolvimento de toda a capacidade dos indivduos enquanto tais,porque somente em comunidade com os demais cada indivduoconsegue os meios para cultivar seus prprios dons em todas asdirees; s em comunidade, portanto possvel a liberdade pessoal(BERMAN, 1986, p. 96)
Neste mbito o conceito de revoluoem Marx, seria um curso externo as aes,pois seria evidente atravs da contradio dos modos de produo, obrigando os sujeitos
envolvidos a partilhar de um movimento inexorvel e transcendental da Histria
(geschichte), assim, segundo H. Arendt:
Se o novo contedo metafrico da palavra revoluo proveiodiretamente das experincias daqueles que primeiro fizeram e depoisdecretaram a Revoluo em Frana, bvio que isso teve ainda maiorverossimilhana para aqueles que observaram o seu rumo, como
espetculo, do exterior. O que parecia mais evidente neste espetculoera o fato de que nenhum dos seus atores podia dominar o curso dosacontecimentos, de que este curso tomara uma direo que pouco ounada tinha que ver com as intenes e objetivos voluntrios doshomens que, pelo contrrio, se viam obrigados a submeter a suavontade e objetivos fora annima da revoluo, se que queriamrealmente sobreviver (ARENDT, 2001, p. 42).
O tempo em Marx a uno da realidade ao devir, em uma relao de ser e
de possibilidade em um logosrevolucionrio. A contingncia, no se configura como
categoria inesperada, mas a um propsito engajado em um sentido de realizao, uma
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vez que a revoluo condicionada pelos modos e no pelas aes. Um resultado dessa
filosofia do progresso condicionar, epistemologicamente, a definio do homem,
principalmente, por suas condies histricas.
Ao confeccionar esta crtica ao pensamento marxista H. Arendt objetivavapropor uma antinomia ao sentido processual da histria, para assim, revelar a aoe o
discurso, como categorias bsicas para a condio humana na contemporaneidade. A
importncia que a autora da sobre a indeterminao dos eventos, expe o ponto fulcral
de sua filosofia e orientam seus leitores a compreender a histria independente da
teleologia histrica.
Nos eventos histricos delimitados pelas estruturas teleolgicas, as cronologias
estabelecem condies e limites para as aes futuras. neste ponto que reside contradio, entre a afirmao de um modelo metafsico e a contingnciado fenmeno
de possibilidade geracional do novo. Por isso as escatologias modernas, que
alimentaram as ideias marxistas, projetaram uma condio temporal reificada,
diminuindo a importncia da imprevisibilidade e da poltica, como observa Hannah
Arendt.
Certamente, a garantia de que no fim a anlise apia-se em poucomais que uma metfora no a base mais slida onde erigir uma
doutrina, mas isso, infelizmente, o marxismo compartilha com muitasoutras doutrinas filosficas. A sua grande vantagem torna-se clara tologo seja comparada a outros conceitos da Histria tais como eternasrepeties de acontecimentos, o crescimento e a queda dos imprios,a sequncia casual de acontecimentos essencialmente desconexos todos eles podendo ser igualmente documentados e justificados,porm nenhum capaz de garantir uma continuidade de tempo lineare progresso contnuo na Histria. E o nico conceito alternativo nessecampo, a antiga noo de uma Era de Ouro no princpio, da qual tudose teria originado, implica na desagradvel certeza de um contnuodeclnio. Certamente, h alguns efeitos melanclicos na reconfortanteideia de que precisamos apenas de caminhar em direo ao futuro, o
que no nos dado evitar, de todo modo, para que encontremos ummundo melhor. H em primeiro lugar o simples fato de que o futuroda humanidade em geral nada tem a oferecer vida individual cujanica certeza a morte. E se no se levar isso em conta, se s sepensar em generalidades, h o argumento bvio contra o progressoque, de acordo com as palavras de Herzen: O desenvolvimentohumano uma forma de injustia cronolgica, uma vez que aosretardatrios dado tirar proveito do trabalho de seus predecessoressem pagar o mesmo preo. Ou nas palavras de Kant: Ser sempreintrigante (...) que as geraes anteriores paream levar adiante a suatarefa somente em benefcio do prximo (...) e que somente a ltimatenha a boa sorte de habitar a obra j terminada. (ARENDT, 2005,pp. 43-45).
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Esta censura s meta-narrativas histricas, em especial a marxista, partem da
viso histrica de H. Arendt, ou seja, sua sustentao do princpio da liberdadeerigido
pelas aesem se construir o novo (Initium). Mas tambm, pela negao de conceberum mundo manipulvel pela emancipao do gnero humano, pois, segundo a viso de
Marx, havia um imperativo classista, os proletrios deveriam fazer a histria e derivar
da luta, a conscincia social. Contudo, neste ato de fazer histria, emerge um
problema epistemolgico, pois,
Se se toma a histria como o objeto de um processo de fabricao ouelaborao, deve sobrevir um momento em que esse objeto completado, e que, desde que se imagina ser possvel fazer ahistria, no se pode escapar consequncia de que haver um fimpara a histria. Sempre que ouvimos grandiosos desgnios em poltica,tais como o estabelecimento de uma nova sociedade na qual a justiaser garantida para sempre, ou uma guerra para acabar com todas asguerras, ou salvar o mundo inteiro para a democracia, estamos nosmovendo no domnio desse tipo de pensamento. (ARENDT, 2005, p.114).
Essa necessidade de marcar posio s pr-determinaes da histria moderna,
mesclam tanto uma orientao na filosofia poltica quanto uma teoria da histria na obra
de Hannah Arendt. Ao confrontar as posies histricas dos modernos a filosofa alemacreditou ter encontrado uma possibilidade de compreenso dos fenmenos a partir de
uma reconciliao com a realidade. O memorvel impedia a histria de ter um fim
atravs do milagreque possibilitava a novidade, articulada ao princpio da ao, uma
compreenso histrica inserida na contingncia, assim:
No pode ser nunca o desgnio da ao e que no entanto surgirinevitavelmente das realizaes humanas aps a prpria ao terchegado a um fim, era agora perseguido com o mesmo mecanismo deintenes e meios organizados empregado para atingir os desgnios
particulares diretos da ao concreta. (ARENDT, 2005. P, 113).
Neste sentido, o tempo em que decorre a ao, parte de duas premissas, a
imprevisibilidade e a irreversibilidade. Assim a natureza da imprevisibilidade, ou a
possibilidade para iniciaralgo, (archein), se desenvolve em simultaneidade com a ao
e jamais por categorias a priori:
da natureza do incio que se comece algo novo, algo que no pode
ser previsto a partir de coisa alguma que tenha ocorrido antes. Esse
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cunho de surpreendente imprevisibilidade inerente a todo incio e atoda origem. (...) O novo sempre acontece revelia da esmagadorafora das leis estatsticas e de sua probabilidade que, para fins prticose cotidianos, equivale certeza; assim, o novo sempre surge sob odisfarce do milagre. (ARENDT, 2007, pp. 190-191).
A ideia do novo, como semntica da imprevisibilidade, a contra resposta s
propostas de previsibilidade das cincias fundamentadas na estatstica e na
probabilidade, permitindo assim, compreender a ao como uma fora regida pela
promessa, a soberania do contrato mtuo (ARENDT, 2007, p. 256). Essa soberania
definida pela impossibilidade de calcular o futuro, e seus limites so os mesmos limites
inerentes prpria faculdade de fazer e cumprir promessas (ARENDT, 2007, p. 256),
ou seja, a aono tempo presente, regida pelo princpio dapromessaentre os homens,independente de qualquer estruturao previa dos eventos histricos. Somente na esfera
dapromessa, como uma conjuno mtua de esforos, pode-se antecipar uma questo,
mas nunca prever, pois, a capacidade de dispor do futuro como se este fosse o presente,
isto , do enorme e realmente milagroso aumento da prpria dimenso na qual o poder
pode ser eficaz.(ARENDT, 2007, p. 257).
Assim, o tempo da ao sempre mantido pelo presente, em uma constante
tenso entre apromessae as aesimprevisveis. Hannah Arendt concebe que apenas apromessa pela soberania na presena dos outros permite existncia humana a
propenso a ser um iniciador, pois a ao que permite ao homem lembrarsua origem
e encenara estria (story)da humanidade (CORREIA; NASCIMENTO; BREA, 2008,
p. 25). Este algo que se inicia, tambm pressupe a premissa da irreversibilidadeda
ao, uma vez que os sujeitos foram criados no mundo e em um tempo especfico, estes
se tornam parte do mundo, podendo no futuro serem esquecidos, mas no desditos.
H no pensamento arendtiano um estatuto de verdade antinmica, quando esta
versa sobre a imprevisibilidade e a irreversibilidadeda ao, condicionando-as como
premissas do seu conceito de natividade, ela os concebe como garantia de um factum
(fato) dapluralidade humanae no da naturalidade histrica. O princpio de natalidade
tanto serve para fundamentar a questo da liberdade, quanto, para referenciar a histria
entre os homens numa perspectiva posterior, rompendo assim com ageschichte:
A ao, nica atividade que se exerce diretamente entre os homens
sem mediao das coisas ou da matria, corresponde condio
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humana da pluralidade, ao fato de que os homens, e no o Homem,vivem na Terra e habitam o mundo (...) A ao seria um luxodesnecessrio, uma caprichosa interferncia com as leis gerais docomportamento, se os homens no passassem de repetiesinterminavelmente reproduzveis do mesmo modelo, todas dotadas da
mesma natureza e essncia, to previsveis quanto a natureza e aessncia de qualquer outra coisa. (ARENDT, 2007, pp. 15-16).
Assim, h no pensamento da filosofa, uma implicao sobre a narrao dos
tempos passados, a partir da natividade surge o inesperado e o prometido, como
discursos que significam as atividades da vida pblica. Neste caso, a histria seria a
elaborao de um juzo que conferem existncia impossibilidade de definio do
homem, ou pelas palavras da autora:
A impossibilidade de solidificar em palavras, por assim dizer, aessncia viva da pessoa, tal como se apresenta na fluidez da ao e dodiscurso, tem profundas consequncias para toda a esfera dos negcioshumanos, na qual existimos basicamente como seres que agem efalam (ARENDT, 2007, p. 194).
O juzo pelo qual justifica viver entre os homens, bem como de narrar
historicamente suas aes e atos, se constri pela necessidade, em uma vida poltica, de
contraparticipao de atos e palavras (logan kai pragmaton koinonein), (ARENDT,
2007, p. 209). A faculdade do julgar conectadas as categorias de aoe a natalidadepermite uma inverso ao sentido processual da histria, em sentido estrito o inicio
sempre desemboca no fim, ao constituir oiniciocomo capacidade inerente aos homens
envoltos no tempo presente H. Arendt concilia s teses de Walter Benjamim a
desconstruoHeideggeriana, propondo um tempo antinmico, saturados de agoras:
Todas as atividades humanas possuem um elemento de ao e,portanto, de natalidade. Alm disto, como a ao a atividade poltica
por excelncia, a natalidade, e no a mortalidade, pode constituir acategoria central do pensamento poltico, em contraposio aopensamento metafsico. (ARENDT, 2007, p. 17).
A destituio do um sentido histrico que englobasse a noo de aodecorre da
concepo de que a condio humana no mesmo que a natureza humana
(ARENDT, 2007, p. 17), ou seja, no existe aquilo que permanece idntico, para
Hannah Arendt a histria era a novidade da novidade. O ato, e no a ao, podia ser
concebido como memorvel em uma objetividade sem a excluso do eu (Cf. ARENDT,
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2005, p. 79), ou seja, a questo era pensar o ser como uma cadeia de mudanas
indefinidas, no qual se permite, politicamente, mudar continuamente o mundo.
A ao humana, projetada em uma teia de relaes onde finsnumerosos e antagnicos so perseguidos, quase nunca satisfaz suainteno original; nenhum ato pode jamais ser reconhecido por seuexecutante como seu com a mesma alegre certeza com que uma obrade arte de qualquer espcie ser identificada por seu autor. Quem querque inicie um ato deve saber que apenas iniciou alguma coisa cujo fimele no pode nunca predizer, ainda que to-somente por seu prpriofeito j alterou todas as coisas e se tornou ainda mais impredizvel.(ARENDT, 2005, p. 120).
A aopertence ao mundo entre os humanos, relativa aos assuntos mundanos,
sendo uma capacidade humana, na medida em que se empenha em fundar e preservar
corpos polticos, cria a condio para a lembrana, ou seja, para a histria(ARENDT,
2007, pp. 16-17). Neste mbito, entre a transformao da aoem ato,a poltica subjaz
a histria, pois a ltima resguarda a memria individual e coletiva, e apresenta o limite
entre o dito e o no dito, o visto e o ouvido. A condio contratual da poltica permite o
aparecimento da promessa como instncia de credibilidade aos corpos polticos que
incidem para a tenso existente entre a memria individual (fragmentria) e a coletiva
(que anseia pela identidade) e projetam, para H. Arendt, um sentido para a histria.
H uma aparente contradio neste conceito de histria, entre um sentido de
histria que busca a verdade, mesmo ressaltando a negao as meta-narrativas, e uma
histria antinmica que compreende a aocomo algo inesperado, contidas na ideia de
uma cadeia de milagres. Os limites entre a radicalidade da ao, proposta pela autora, e
a permanncia de uma identidade coletiva e histrica subjaz na construo de um corpo
poltico, ou seja, a ao s compreendida pela histria, quando decorrida dos atos
promovidos no espao pblico, consequentemente somente seus testemunhos esto emuma tenso entresere aparecernos negcios humanos, assimcomo exps a professora
Maria de Ftima Simes Francisco:
Os testemunhos s podem ter eficcia na perpetuao da ao, sehouver um conjunto de homens convivendo continuamente com ainteno deliberada de compor simultaneamente o palco para aperformance dos atos e o pblico para testemunh-los. Assim, ahistria mais profunda da polis, a que leva em considerao suasexperincias subjacentes, nos indica que ela foi fundada com opropsito de criar um tal corpo permanente de homens, capaz de erigir
em seu interior um espao destinado, de um lado ao desempenho da
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ao e do discurso e, de outro, a servir de pblico para tal desempenhoe, por esse meio, compor uma memria no mais passvel de seperder, uma vez que seria transmitida s futuras geraes desseprprio corpo coletivo. (CORREIA; NASCIMENTO, 2008. p. 99)
Assim o corpo poltico constitudo atravs de um estatuto de verdade
performativa, a aoe o discurso da histria tornam-se coincidentes quando so frutos
da dimenso poltica. A imprevisibilidadee a irreversibilidade, inerentes ao espao do
litgio pblico, marcariam a diferenas entre os homens, possibilitando a confeco de
narrativas sobre algo memorvel e a continuidade da vida em conjunto pela promessa
da liberdade. O preo para a liberdade era para H. Arendt, a constante participao no
mundo pblico, segundo, Renata Torres Schittino:
O que Arendt quer defender com a sua teoria da ao, que nos parecerealmente uma teoria da histria, mas no uma filosofia da histria, que a histria no est determinada por nenhum sentido prvio e nemmesmo pode ser controlada pelo homem. Na concepo arendtianaesse o preo da liberdade. Garantir a possibilidade de contingncia o mesmo que assegurar a possibilidade de liberdade. O homem s livre porque no h nada determinado em relao aos feitos e eventos.Por destacar a presena de um quinho de causalidade em toda aohumana, e, com isso, afirmar a prpria liberdade da ao, a autoraaufere que todo acontecimento guarda afinidade com um milagre. O
evento no est dado por nenhuma ordem causal e no determinadopor nenhuma necessidade prvia ou sentido da histria, por isso,quando vem ao mundo, sempre como uma imprevisibilidade.(NASCIMENTO; BREA; MILOVIC, 2010, p. 194)
A condio anti-aprioristica da histria articulada nessa teoria da histria,
que procura encontrar uma dimenso performativa da verdade, ou seja, um aspecto
poltico e indeterminado para a disciplina do pretrito. Uma vez que a principal celeuma
de Hannah Arendt, como afirma Renata Torres Schittino, enfatizar o aspecto da
contingncia, das possibilidades existentes na pluralidade do ambiente social em sua
perspectiva histrica, e no a indiferena dos atos humanos (NASCIMENTO; BREA;
MILOVIC, 2010, p. 197).
As tenses que fazem parte do espao pblico esto compreendidas em uma
justificativa de permisso aos homens agirem livremente, mesmo em desacordos, mas
que compartilham o mundo em comum. Assim, a compreenso fenomenolgica da
histria em H. Arendt pressupe, mediante a uma histria poltica, fundada na categoria
da ao, conceber a teia de relaes humanas independente das manipulaes
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processuais dagesthiche, para assim, construir uma narrativa que assegure apluralidade
humanainserida em uma condio humana, ao invs de uma historiografia da essncia
humana.
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