Epilepsia na atenção primária: 10 passos fundamentais
Katia Lin, MD, PhD Profa. Adjunta de Neurologia Hospital Universitário – UFSC
www.neurologiahu.ufsc.br
PASSO 1 – Reconhecer sua importância
2014 – Katia Lin
A epilepsia é a segunda doença neurológica mais vista na atenção primária de saúde, estando à frente
das doenças cerebrovasculares.
1-2% brasileiros 130 000 PCE (IBGE, 2014)
PASSO 2 – Diagnóstico
2014 – Katia Lin
Eu tenho uns lapsos de memória, saio do ar e depois não lembro de
mais nada…
2014 – Katia Lin
PASSO 2 – Diagnóstico
• Tontura, vertigem… • Desmaios, síncope, apagões, escurecimentos… • Fico esquisito, meus amigos dizem que eu faço coisas
estranhas as quais não me lembro… • Se eu estiver de pé, eu simplesmente caio…
• Dizem que eu caio e me bato todo, mas não me lembro de nada…
Ocorrência de sinais e/ou sintomas transitórios decorrentes de atividade neuronal excessiva ou
síncrona no cérebro.
• Elementos para a definição: – Modo de início e término: limitado no tempo, com um início e
término claros – Aumento anormal da sincronia neuronal – Manifestação clínica típica e estereotipada
Crise epiléptica
Fisher et al. Epilepsia 2005;46(4): 470-472. 2014 – Katia Lin
Definição
Epilepsia é um distúrbio cerebral caracterizado pela predisposição persistente em gerar crises epilépticas e
pelas consequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais desta condição. A definição de
epilepsia requer a ocorrência de pelo menos uma crise epiléptica.
Epilepsia
Fisher et al. Epilepsia 2005;46(4): 470-472. 2014 – Katia Lin
Definição
• Epilepsia é uma doença cerebral definida por quaisquer das seguintes condições: 1. Pelo menos duas crises não provocadas
ocorrendo em um intervalo maior de 24 horas; 2. Uma crise não provocada com possibilidade de
recorrência similar àquela após duas crises não provocadas (~60%);
3. Diagnóstico de uma síndrome epiléptica.
Epilepsia
Fisher et al. Epilepsia 2014;46(4): 470-472. 2014 – Katia Lin
Definição Operacional
PASSO 3 – Diagnóstico Diferencial
Crise epiléptica
Síncope Distúrbios psiquiátricos
Migrânea
Vertigem Distúrbios do movimento
AIT
Distúrbios do sono
2014 – Katia Lin
Alterações transitórias da consciência – DDx
Crise epiléptica
Síncope Distúrbios psiquiátricos
Migrânea
Vertigem Distúrbios do movimento
AIT
Distúrbios do sono
2014 – Katia Lin
Síncope
• Perda transitória da consciência, com perda do tônus postural
• Seguida de recuperação espontânea, sem confusão pós-crítica e sem seqüelas neurológicas
Lempert. J Royal Soc Med 1996;89: 372-5. 2014 – Katia Lin
Síncope
Síncope CTCG Evento precipitante 50% Nenhum Queda Flacidez ou rigidez Rigidez Abalos musculares 80%, geralmente < 30 segs.,
arrítmicos, multifocais ou generalizados
Sempre, 1-2 mins., rítmicos, generalizados
Olhos Abertos, pode haver desvio lateral ou para cima
Abertos, desvio tônico e sustentado
Alucinação Tardia Pode preceder o evento nas crises focais/parciais
Incontinência Comum Comum Mordedura lingual Rara Comum Confusão pós-ictal < 30 segs. 2-20 mins. Prolactina, CK Normais Elevados
Lempert. J Royal Soc Med 1996;89: 372-5.
CLASSIFICAÇÃO DAS CRISES
• Estabelecimento do diagnóstico da crise e da síndrome epiléptica
• MAE escolhida de acordo com o tipo de crise
PASSO 4
2014 – Katia Lin
ILAE Commission. Epilepsia 1981;22:489-501.
Crises epilépticas
Parciais (Focais, locais)
Parciais simples
Parciais complexas
Secundariamente generalizadas
Generalizadas
Ausências
Mioclonias
Atônicas (Astáticas)
Tônicas
Clônicas
Tônico-clônicas
Classificação das Crises Epilépticas, ILAE 1981
• Crises parciais: as primeiras manifestações clínicas e EEG indicam a ativação inicial de um sistema de neurônios limitado a uma parte de um hemisfério cerebral
• Crises generalizadas: as primeiras manifestações clínicas indicam o envolvimento inicial de ambos os hemisférios cerebrais
Crises focais Crises parciais motoras
Crises parciais somatossensoriais
Auras viscerais e experienciais → parada comportamental e turvação de consciência → automatismos oroalimentares e manuais → postura distônica do MS contralateral
DISTRIBUIÇÃO DAS CRISES EPILÉPTICAS
Adaptado de Pellock J. Epilepsia 1994;35(Suppl 4):S11-S18.
Focais e evoluindo para crises bilaterais
Crises generalizadas
Crises focais
Tônico-clônicas
Tônicas Mioclônicas
Atônicas
Ausências
Crises focais constituem aproximadamente 60% de todas as crises epilépticas
PASSO 5 – Investigação
• Eletrencefalograma: sua sensibilidade é relativamente baixa (50%), devendo ser repetida em privação de sono quando normal. Útil para a classificação do tipo de crise e síndrome epiléptica.
• Ressonância magnética de encéfalo: mandatório para a detecção da anormalidade estrutural subjacente necessário para o diagnóstico sindrômico de pacientes com epilepsia e guiar terapêutica (p.ex. tratamento cirúrgico).
Harden, et al. Neurology, 2007. King, et al., 1998.
Schreiner & Pohlmann-Eden, 2003.
2014 – Katia Lin
PASSO 6 – Iniciar Tratamento
• Pelo menos 50% dos pacientes com epilepsia recém diagnosticada respondem à primeira MAE administrada
• Risco de acidentes com lesões e morte • Objetivo do tratamento: controle total das crises com o
mínimo de eventos adversos
Kwan & Brodie, 2000. 2014 – Katia Lin
Risco de recorrência • Crise epiléptica única è 30% de chance de ter uma segunda
crise • Duas crises è 80% de chance de ter uma terceira crise • As crises que ocorrem na vigência de quadro febril em
crianças, sobretudo entre 6-60 meses de idade (crises febris), não configuram uma forma de epilepsia.
• Crises sintomáticas agudas: ocorrem em associação temporal nítida com insultos cerebrais ou sistêmicos agudos, de modo a se identificar uma relação causal, não havendo tendência à recorrência das crises quando o insulto precipitante é tratado
Hauser. Arch Neurol, 1986.
• Crise sintomática aguda
Não há tendência à recorrência ! • Crise não-provocada
– Crises ou cluster de crises ocorrendo dentro de 24 horas em paciente > 1 mês de idade, ocorrendo na ausência de um fator precipitante agudo
– Relacionado à lesão cerebral estática ou progressiva Risco de recorrência de crises !
ILAE Commission. Epilepsia, 2010.
Estratégias de tratamento
Epilepsia recém-diagnosticada
1a Monoterapia
2a Monoterapia / Politerapia
Refratariedade
Politerapia, VNS, Protocolo de pesquisa
Seizure-free
Avaliação pré-operatória com VEEG
Rever diagnóstico
Rever diagnóstico
www.epilepsycases.com Jette N et al. Development of an online tool to determine appropriateness for an epilepsy surgery evaluation. Neurology 2012 Sep 11; 79:1084.
Recomendações gerais para a monoterapia inicial em adultos
Crises AAN ILAE SANAD
Objetivo Apenas novas DAEs
1ª monoterapia inicial
Antigas x novas DAEs
Focais LTG, TPM, OCBZ CBZ, PHT LTG
Generalizadas ----- Nenhum VPA
Ausência LTG Nenhum -----
Crises focais: carbamazepina, fenitoína Crises generalizadas: valproato Beydoun, et al. 2012.
Marson, et al. Lancet, 2007. Glauser, et al. Epilepsia, 2006.
2014 – Katia Lin
PASSO 7 – Escolha do tratamento
Comprimidos de 200 mg Iniciar com 1 cp 2x/dia Aumentar cada 1-2 semanas Dose média = 600-1000 mg/dia ÷ 8/8 horas EA: rash, diplopia, tontura, cefaleia, NxV, neutropenia, hipoNa
Comprimidos de 100 mg Iniciar com 1 cp 2x/dia Aumentar cada 1-2 semanas Dose média = 300 mg/dia ÷ 12/12 horas EA: rash, nistagmo, ataxia, NxV, hiperplasia gengival, depressão, sonolência, anemia, hirsutismo, acne
Comprimidos de 250 mg Iniciar com 1 cp 2x/dia Aumentar cada 1-2 semanas Dose média = 1500 mg/dia ÷ 12/12 horas EA: tremor, ganho de peso, dispepsia, NxV, edema MMII, alteração capilar e alopécia
PASSO 8
MANUTENÇÃO DO TRATAMENTO PRINCÍPIOS GERAIS
• A medicação, de modo geral, deve ser aumentada
lentamente até atingir a dose eficaz ou surgirem efeitos colaterais não-toleráveis
– Não está claramente definida a dose mínima. A dose máxima é aquela que o paciente toma sem apresentar efeitos colaterais “inaceitáveis”
2014 – Katia Lin
Crise
Clínico Geral na Emergência ou UBS
Neurologista ou Centro de Epilepsia se
disponível no local
Paciente livre de crises por 2 anos?
Crises controladas em 3 meses?
Continuar tratamento com Clínico Geral
Crises controladas após 9-12 meses?
Sim Não
Diagnóstico
Ao Neurologista ou Centro de Epilepsia
Ao Centro de Epilepsia
Avaliação para retirada de DAEs
Não
Sim
Sim
Mensagem final
• A epilepsia é a segunda doença neurológica mais vista na atenção primária de saúde.
• O diagnóstico é fundamentalmente clínico e um exame de EEG normal não descarta a hipótese de epilepsia.
• Seus principais diagnósticos diferenciais são síncope e distúrbios psiquiátricos (sobretudo crises psicogênicas não-epilépticas).
• O controle adequado das crises pode ser alcançado em 50-70% dos casos, com o uso das medicações antiepilépticas tradicionais (todas disponíveis pelo SUS) em monoterapia e desde que em doses adequadas, podendo ser manejadas na Unidade Básica de Saúde (UBS).
• O estado de mal epiléptico é uma emergência neurológica de alta morbimortalidade. Há protocolos clínicos bem definidos para o seu manejo imediato na sala de emergência e na unidade de terapia intensiva.
2014 – Katia Lin