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Equilíbrio Ácido-Básico
Liga Acadêmica de Medicina Intensiva
Rafael Rodrigues
Introdução
• O organismo humano depende de inúmeras reações químicas que para ocorrerem dependem de uma concentração adequada de íons hidrogênio
• Portanto, variações tênues do equilíbrio ácido-básico são toleradas
• A concentração de íons hidrogênio é medida pelo co-logaritmo de sua concentração
• A expressão mede a quantidade de íons H em líquidos extracelulares
• O ph sanguíneo é discretamente alcalino : 7,35 a 7,45
• O organismo possui sistemas tampão, que são mecanismos bioquímicos capazes de minimizar as alterações no ph sanguíneo
• CO2 + H2O ↔ H2CO3 ↔ H+ + HCO3-
• Distúrbios primários
• Distúrbios secundários
• Sistema tampão
• Sistema respiratório
• Sistema renal
Conceito de ânion gap
• Independentemente do pH, há um equilíbrio eletrolítico no sangue, que deve ser mantido com a concentração de cátions igual a de ânions
• Na+ : principal cátion• Cl- e ânion bicarbonato: principais ânions• Os demais íons são denominados não-
mensuráveis devido à sua baixa concentração
• Dessa forma temos:Cátions = ânions
• Bic + Cl- + ânions não-mensuráveis = Na+ + cátions não-mensuráveis
• Na+ - Bic - Cl- = ânions não-mensuráveis - cátions não-mensuráveis
• AG = ânions não-mensuráveis – cátions não-mensuráveis
• AG= Na+ - (Bic + Cl-)
Cátions Ânions
Cátions não-mensúráveis: (K+, Ca²+, Mg²+
Na+
Ânions não-mensuráveis
Cl-
HCO³-
• O ânion gap aumentará: aumento dos ânions não-mensuráveis ou redução dos cátions não-mensuráveis
• O ânion gap diminuirá: redução dos ânions não-mensuráveis ou elevação dos cátions não mensuráveis
• O principal ânion não-mensurável é a albumina, mas também há o fosfato, o sulfato, o lactato e os cetoânions
• Os principais cátions não-mensuráveis são cálcio, magnésio, potássio e gamaglobulinas
Distúrbios primários
• Se dão pela alteração na concentração de bicarbonato e/ou PaCO2
• São eles: acidose metabólica, alcalose metabólica, acidose respiratória e alcalose respiratória
Acidose metabólica
• É definida por uma diminuição dos níveis sanguíneos de bicarbonato (22mEq/L)
• Pode ocorrer por 3 causas:– Acúmulo de substâncias ácidas– Perda de fluídos contendo bicarbonato– Retenção apenas de H+
• Na primeira situação: acúmulo de substâncias ácidas que se dissociam em H+ e base aniônica
• O Bic é consumido para tamponar o excesso de H+ e as bases aniônicas (carga negativa) se acumulam
• A perda de Bic pode ocorrer em diarréias e causas renais como acidose tubular renal
• Nesse caso serão acidoses hiperclorêmicas com AG normal
• Manifestações clínicas:– Aumento da ventilação (respiração de
Kussmaul): tentativa de eliminar o CO2, aumentando o pH sanguíneo
– Diminuição da contratilidade cardíaca e vasodilatação arterial periférica
– Ocorre venoconstrição e aumento da resistência vascular pulmonar
– Diminui o limiar para fibrilação ventricular– Atenua a resposta cardiovascular às
catecolaminas – Depressão do SNC
• Aumenta a resistência à insulina
• Inibe a glicólise anaeróbica???
• Reduz a síntese de ATP e aumenta a degradação protéica
• Aumenta a tendência à hiperpotassemia
• Desloca a curva de dissociação da hemoglobina para a direita
Acidose láctica
• Principal causa de acidose metabólica: pode ser por ácido L-láctico ou D-láctico
• O ácido L-láctico deriva da glicólise anaeróbica
• Ocorre em choques sépticos, cardiogênico e hipovolêmico, insuficiência cardíaca e parada cardiorrespiratória
• Pode ocorrer nos quadros de intoxicação por cianeto e monóxido de carbono
• Drogas como biguanidas, anti-retrovirais, isoniazida e ácido acetilsalicílico (bloqueiam a fosforilação oxidativa mitocondrial)
• Ácido D-láctico é produzido pela degradação dos carboidratos da dieta pelas bactérias colônicas e é prontamente absorvido
• Acidose láctica por anti-retrovirais:– Acidose láctica grave e sintomática é pouco
comum na vigência de tratamento com anti-retrovirais.
– O que ocorre normalmente é a hiperlactatemia levando a uma acidose leve a moderada (subclínica)
– O uso conjugado de didanosina com estavudina parece conferir maior risco
– Os ITRAN interferem no funcionamento normal da mitocôndrias (bloqueio do ciclo de krebs e da fosforilação oxidativa) com ativação de glicólise anaeróbica
• Propõe-se como tratamento para acidose láctica (com resultados pouco conclusivos) o uso de vitaminas e aminoácidos como: riboflavina, tiamina, L-carnitina e vitaminas C, E, e K
• Cetoacidose– É a acidose que ocorre pelo acúmulo de
substâncias ácidas produzidas pelo fígado na impossibilidade de se utilizar a glicose
– Os três corpos cetônicos principais são: acetona, ácido acetoacético e ácido hidroxibutírico
– Ocorre nas seguintes situações: D.M. tipo I, intoxicação alcoólica e jejum prolongado
– A.G. elevado
• Com a administração de insulina ocorre diminuição da produção de corpos cetônicos e eliminação de cetoânions pelo rim
• A eliminação de cetoânions é rápida, porém a eliminação de íons H+ é mais devagar, o que gera outro tipo de acidose na fase de resolução da doença, com H+ elevado (acidose hiperclorêmica com ânion gap normal)
• Intoxicação por etilenoglicol
• Intoxicação por metanol
• Intoxicação por salicilatos*
Insuficiência renal
• Na IRC, a produção de amônia está comprometida (o que leva à retenção de H+).
• Na fase terminal da doença, quando clearance de creatinina é < 20ml/mim ocorre retenção também de ácido súlfurico (derivado do metabolismo de proteínas)
• A.G. aumentado
• Na IRC com clearance de creatinina entre 20 e 50 ml/mim não há acúmulo de ácido sulfúrico
• Acidose hiperclorêmica com ânion gap normal
• Na IRA a acidose tende a ser mais rigorosa pois os pacientes constumam apresentar estados hipercatabólicos (grande produção de H+)
• A.G. muito aumentado
• IRA: reposição de bicarbonato quando Bic < 15 mEq/L e o pH <7,2
• IRC: reposição de bicarbonato quando Bic < 20 mEq/L (para evitar desmineralização óssea decorrente da acidose crônica)
• IRA: deve-se manter Bic> 15 mEq/L e o pH > 7,2
• IRC: Bic entre 20 e 24 mEq/L
Acidose tubular renal
• Na ATR tipo I ocorre a deficiência de secreção de H+ nos túbulos distais do néfron
• Conseqüentemente há secreção de K+• Vem geralmente acompanhada de
nefrolitíase (cálculos de fosfato de cálcio) e nefrocalcinose
• O tratamento pode ser com citrato de potássio
• Na ATR tipo II ocorre um defeito da reabsorção de HCO3- filtrado no túbulo contorcido proximal
• Ocorre bicarbonatúria em um primeiro momento, com bicarbonato sérico chegando a 15-18 mEq/L até que o túbulo distal comece a reabsorver o bicarbonato
• Não há também no túbulo proximal a reabsorção de substâncias como aminoácidos, glicose, fosfato e ácido úrico
• Ocorre a Síndrome de Fanconi (glicosúria sem hiperglicemia na urina tipo I)
• A ATR tipo IV é associada com hipoaldosteronismo hiporreninênico
• A falta de aldosterona culmina com perda renal de Na+ e retenção de K+ e H+
• Gera um quadro de acidemia com hiperpotassemia????
• Causas: nefropatia diabética, nefropatia obstrutiva, AIDS, IECA, AINES, ciclosporina, espironolactona, amilorida, triantereno, pentamidina, trimetoprima
Tratamento
• Efeitos indesejáveis do uso de bicarbonato de sódio:– Piora da hipóxia tecidual:
• A administração de bicarbonato de sódio desvia a curva de dissociação da hemoglobina para a esquerda
• Efeito deletério em quadros de choque, acidose láctica ou cetoacidose diabética
• Particularmente importante no quadro de cetoacidose diabética
• Hipervolemia e hipernatremia– a solução de bicarbonato de sódio a 8,4% é
muito rica em sódio– A hipernatremia resultante pode induzir
hipervolemia e até edema agudo de pulmão (pacientes com ICC ou IR)
• Acidose liquórica paradoxal– com a correção da acidose pelo NaHCO3, o
líquor, que era mais alcalino que o plasma (hiperventilação conpensatória) se torna ácido
• Hipocalcemia sintomática– O aumento do ph sanguíneo leva a ligação
do cálcio ionizado à albumina– Causa sintomasde hipocalcemia
• Redução do pH intracelular e retenção do gás carbônico– na administração de NaHCO3, há formação
de H2O e CO2 (reação da esquerda). A eliminação de CO2 está comprometida nos casos de hipovolemia e hipoperfusão tecidual
• Hipopotassemia:– Na alcalemia o H+ tende a sair da célula em
troca da entrada de k+
• Alcalose rebote:– Na correção excessiva de acidose com A.G.
aumentado, os ânions são convertidos em bicarbonato, aumentando ainda mais o pH
Método de reposição de NaHCO3
• Clássico:– Déficit de bicarbonato (mEq/L): excesso de
base X peso X 0,3– Calcula-se 1/3 do total encontrado e infunde-
se em 8 horas.– 1 ml de NaHCO3 a 8,4% tem 1ml de HCO3- e
1ml de Na+
• Método atual:– Déficit em Bic (mEq) = (Bic desejado – Bic
encontrado) X peso X 0,6– A concentração encontrada deverá ser
infundida em não menos que 2 a 3 horas– Após esse período o paciente deverá ser
reavaliado quanto a nova reposição– Não se deve infundir mais que 100 ml/h de
NaHCO3 a 8,4%
Alcalose metabólica
• Alcalose metabólica primária é conceituada como o aumento do bicarbonato > 26 mEq/L independentemente do pH
• Se dá pela perda de H+ ou pela excesso de oferta de Bic na tentativa de correção da acidose metabólica
• Situações como hipovolemia ( com hipocloremia e hipopotassemia) e hiperaldosteronismo (com hipopotassemia) cursam com alcalose metabólica
• Causas especias de alcalose metabólica:– Alcalose de contração: quando há diminuição
aguda do volume extracelular (uso de diuréticos) ???
• Alcalose pós-hipercapnia crônica:– Pacientes com insuficiência respiratória
desenvolvem acidose respiratória que é compensada pelo aumento do HCO3-. Na correção da PaCO2 (ventilação mecânica), apresentam alcalemia, pois a compensação renal é mais demorada
• Vômitos e drenagem gástrica:– Perda de suco gástrico por vômitos ou
drenagem gástrica cursa com alcalose (perda de ácido clorídrico) e hipopotassemia (por retenção de H+ no túbulo distal)
• Diuréticos de alça e tiazídicos:– A não reabsorção de Na+ na alça de Henle
ou no túbulo contorcido distal faz com que ele seja reabsorvido no túbulo coletor, havendo maior excreção de K+ e H+ nessa região ( a ativação da aldosterona nessa região também contribuirá para excreção de K+ e H+)
Manifestações clínicas
• Em geral os sintomas decorrem da hipovolemia ou dos distúrbios hidroeletrolíticos associados
• Astenia, câimbras, hipotensão postural, polidpsia, poliúria, parestesias e espasmos musculares.
Avaliação da alcalose metabólica
• Para melhor avaliação diagnóstico-terapêutica as alcaloses são divididas em cloreto-responsivas e cloreto-resistentes por meio da dosagem de cloro urinário
Tratamento
• Cloreto –sensíveis– Déficit de cloreto (mEq/L): 0,3 X peso (Kg) X
(100 – cloro plasmático)– Volume de NaCl a 0,9% (L): déficit de
cloreto/154
• Em situações de emergência:– Ácido clorídrico 0,1 N (100 mEq/L)
• Cloreto-resistentes: tratamento baseia-se na causa do distúrbio subjacente
Acidose respiratória
• Acidoses de causa respiratória são decorrentes do aumento de PaCO2
• Toda acidose respiratória tem como mecanismo a hipoventilação pulmonar
• CO2 + H2O ↔ H2CO3 ↔ H+ + HCO3-
• É definida como PaCO2 > 45 mmHg• Podem ser agudos ou crônicos > 45
mmHg• Gera estímulo para retenção renal de
bicarbonato (resposta renal começa em 12 a 24 h e só é concluída em cerca de 5 dias)
• Acidose respiratória aguda: doença pulmonar grave com falência da musculatura respiratória, obstrução grave das vias aéreas (corpo estranho, edema de glote, secreção, etc)
• Acidose respiratória crônica: doença pulmonar obstrutiva crônica
• Demais causas podem ser divididas de acordo com a origem em:– Central– Vias repiratórias– Parênquima– neuromuscular
Quadro clínico
• Aumento rápido dos níveis de PaCO2 pode resultar num quadro de ansiedade, dispnéias, confusão mental, psicose, alucinações, podendo até evoluir para o estado de coma
• Na hipercapnia crônica: distúrbios do sono, perda de memória, sonolência diurna, modificações da personalidade, dificuldade de coordenação e distúrbios motores 9tremores, abalos mioclônicos e asterixe)
Tratamento
• A acidose respiratória aguda deve ser prontamente revertida: medidas para garantir uma ventilação alveolar adequada e garantia de oferta de oxigênio ( pode até ser intubação traqueal e ventilação mecânica)
• Acidose respiratória crônica: abandono do tabagismo, fisioterapia respiratória, reabilitação cardiopulmonar
Alcalose respiratória
• Mecanismo: hiperventilação com diminuição da PaCO2
• Definida como PaCO2 < 35mmHg
• Pode ser dividida em aguda e crônica
• Causas:– Salicilatos são a causa mais comum de
alcalose respiratória induzida por fármacos: estimulação direta dos quimiorreceptores bulbares
– Outros fármacos: teofilina e aminofilina– Estado gravídico: estímulo da progesterona
no centro da respiração– Septicemia por gram-negativos ????– Síndrome da hiperventilação: casos de
ansiedade importante
Quadro clínico
• Diminuição do fluxo sanguíneo cerebral, tonturas, confusão mental e convulsões
• Em pacientes cardiopatas: arritmias cardíacas decorrentes da diminuição de oferta de oxigênio pela hemoglobina (efeito Bohr)
• Gera deslocamento intracelular de Na+, K+, PO4- e reduz o Ca2+ ionizado
Tratamento
• Tratar a causa base
• Alguns casos de hipocapnia grave necessitam de ventilação mecânica