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AMBIENTE NA TERRA Evolução
11 TÓPI
CO
Henrique E. Toma
11.1 Introdução11.2 O nascimento da química de coordenação11.3 Isomeria óptica11.4 A vida de Alfred Werner11.5 Uma reflexão sobre a controvérsia Jorgensen-Werner11.6 O legado de Alfred Werner para o Brasil
ALFRED WERNER: ESTEREOQUÍMICA E QUÍMICA DE COORDENAÇÃO
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ALFRED WERNER: ESTEREOQUÍMICA E QUÍMICA DE COORDENAÇÃO 11
11.1 IntroduçãoAlfred Werner (1966-1919), figura 11.1, nasceu em 12 de dezembro de 1866 em
Mullhausen, cidade localizada na província de Alsace, ainda sob domínio da França. Em 1870, com a derrota da França na guerra da Prússia, essa cidade passou para a Alemanha até o final da Primeira Guerra Mundial, sendo retomada pelos franceses em 1918. Em 1885, quando prestava serviço militar em Karlsruhe, teve opor-tunidade de assistir a palestras de Engler na Escola Técnica dessa cidade. Em 1886, ingressou na ETH (Eidgenössische Technische Hochschule ou Escola Técnica Federal) de Zurique, graduando-se em Química em 1889. Essa escola foi fundada em 1854 e tem uma tradição muito impor-tante: por ela passaram nada menos que 21 laureados com o Prêmio Nobel em Química, Física ou Medicina. Após a graduação, foi trabalhar com o prof. Hantzsch, desenvol-vendo sua tese de doutorado sobre o arranjo espacial dos átomos em moléculas nitrogenadas.
Segundo Werner, nos compostos de nitrogênio a valência estaria associada à formação de
três ligações direcionadas para os três vértices de um tetraedro. O nitrogênio ocuparia o quarto
vértice (11.1):
Em 1891, Werner publicou um trabalho sobre a teoria da afinidade e valência, onde substi-
tuiu o conceito de valência constante introduzido por Kekulé pela ideia da afinidade que um
átomo central exerceria sobre os demais átomos no espaço ao seu redor. Após o doutorado
em 1892, Werner foi trabalhar com Berthelot, no Collège de France, em Paris, e retornou a
Zurique em 1893 como candidato ao cargo de professor assistente na ETH.
Nesse concurso, Werner apresentou um projeto de pesquisa onde colocou toda sua habilidade
Figura 11.1: O jovem Alfred Werner
N
H
H
H 11.1
168
AMBIENTE NA TERRA Evolução
em lidar com arranjos espaciais (estereoquímica) adquirida desde a época do doutorado. Sua arrojada
proposta de trabalho contemplava uma visão futurística do que viria a ser a química de coordenação,
rompendo com o conceito tradicional de valência para dar lugar à sua ideia de afinidade química.
Contratado em 1893, passou a substituir o prof. Victor Merz em suas aulas de Química Orgânica.
11.2 O nascimento da química de coordenaçãoPara entender as ideias introduzidas por Alfred Werner é necessário resgatar o conceito de
valência utilizado para descrever a capacidade de combinação dos elementos químicos. O modelo
vigente na época era baseado na hipótese de Kekulé, de que a valência é uma característica do
elemento, assim como o peso atômico, e portanto deveria ser invariável. Esse modelo era bem
aceito, pois aplicava-se admiravelmente bem para os compostos de carbono, onde o elemento
é sempre tetravalente. Não estava consolidada a ideia de que as moléculas tinham uma geome-
tria ou distribuição espacial específica, e muito menos, a relação da estrutura com a valência.
Quando se aplicava os princípios de valência para os compostos inorgânicos, uma confusão ge-
neralizada se estabelecia. Por exemplo, a valência do ferro, baseada no composto FeCl3, deveria
ser sempre 3. A estrutura proposta (sem visão espacial) seria a (11.2):
Assim, no FeCl2, a valência 3 deveria ser mantida, por se tratar de uma característica do
elemento (cf. Kekulé), o que levaria a uma estrutura do tipo (11.3):
Sob o ponto de vista histórico, o primeiro composto de coordenação que se tem notícia foi
descrito em 1704 por Diesbach, um fabricante de tintas artísticas de Berlim, que introduziu o
famoso pigmento azul da Prússia, hoje conhecido como ferrocianeto férrico, Fe4[Fe(CN)
6].13H
2O,
cuja fórmula e estrutura só foi elucidada em 1977. Esse composto apresenta uma intensa cor azul
11.2FeCl3 = Fe
Cl Cl
Cl
11.3Fe2Cl3 = Fe Fe
Cl
Cl
Cl
Cl
169
ALFRED WERNER: ESTEREOQUÍMICA E QUÍMICA DE COORDENAÇÃO 11
associada a uma forma peculiar de interação da luz com os íons metálicos em dois estados de
oxidação. É um dos pigmentos mais utilizados ainda hoje nas tintas de impressão.
Em 1708, a combinação da amônia com sais de cobalto foi descrita por Tassaert, porém, só
em 1822, L. Gmelin isolou e caracterizou o composto lúteo (amarelo) cristalino, atualmente
conhecido como oxalato de hexaamincobalto(III), Co2(NH
3)12
C6O
12. Frémy preparou em 1851
o composto purpúreo (vermelho) de fórmula Co(NH3)5Cl
3, e observou que à temperatura am-
biente, apenas 2/3 dos íons de cloro formam precipitado de AgCl quando tratado com íons de
prata. Nas décadas seguintes, os estudos de compostos de íons metálicos, como cobalto, crômio
e platina com amônia, foram conduzidos por O. Gibbs em Harvard, Blomstrand em Lund,
e Sophus Mads Jorgensen (1837-1914) em Copenhagem. As primeiras propostas estruturais
para esses compostos foram feitas por Graham, nas quais um ou mais átomos de hidrogênio
da amônia seriam substituídos pelo metal. Essas ideias foram sendo aprimoradas por Rieset,
Gerhardt, Wurz, Hofmann e Boedecker. Para ser coerente com a valência 3 atribuída do cobal-
to, Hofmann havia proposto a seguinte estrutura para o composto lúteo: (11.4)
S. M. Jorgensen criticou a validade dessa estrutura, por não conseguir explicar como a saída
de uma amônia tornaria um dos átomos de cloro menos reativo que os demais, quando tratado
com íons de prata.
A partir de 1882, com os trabalhos de Raoult e Van't Hoff, já era possível avaliar o peso
molecular dos compostos solúveis, através do uso das propriedades coligativas. Em 1869, o quí-
mico sueco Christian Wilhelm Blomstrand (1826-1897), inspirado nos modelos dos compostos
orgânicos, introduziu o sistema de cadeias com o nitrogênio no estado pentavalente. Manteve
a composição dimérica, para ser coerente com a fórmula Fe2Cl
6 que havia sido proposta ante-
riormente com base na determinação do peso molecular (11.5):
Em 1884, Jorgensen mostrou através da determinação de peso molecular e medidas
de condutividade que o complexo lúteo não podia ser um dímero. Considerando os
11.4Co NH3-NH3-NH3-NH3-Cl
NH3-Cl
NH3-Cl
11.5Co(NH3)6Cl3 =
3
Co NH2 NH4
Cl
170
AMBIENTE NA TERRA Evolução
experimentos já feitos de precipitação com íons de prata, Jorgensen reformulou a proposta
de Blomstrand para (11.6):
Para o composto purpúreo obtido pela retirada de uma amônia, após o aquecimento do
composto lúteo, propôs a seguinte estrutura (11.7):
De acordo com essa estrutura, um dos cloros difere dos demais por estar diretamente ligado ao
átomo de cobalto, ao passo que os outros dois estão ligados ao átomos de nitrogênio. O átomo de
cloro ligado ao metal não mais reagiria com íons de prata, explicando os resultados observados expe-
rimentalmente. As explicações de Jorgensen eram muito convincentes e foram bem aceitas na época.
Em 1892, esse quadro seria bastante abalado com a proposta radicalmente diferente, feita
por Alfred Werner. Estereoquímica e valência foram os dois pontos principais da proposta de
Werner, que levaram a Química a um novo patamar, praticamente remodelando a Química
Inorgânica. Atualmente, não é possível discutir a química de um composto sem levar em conta
a sua estereoquímica. Essa preocupação já estava presente na imaginação de Werner, desde o
início de seu doutorado com os compostos de nitrogênio. Como suporte para suas conclusões,
Werner fez uso de medidas de condutividade e construiu um quadro sistemático, utilizando
dados conhecidos para a série dos complexos de cobalto com nitrito e amônia (Figura 11.2):
11.6Co3
NH3-NH3-Cl
NH3-NH3-Cl
NH3-NH3-Cl
NH3-NH3-Cl
NH3-NH3-Cl
NH3-NH3-Cl
11.7Co NH3-NH3-NH3-NH3-Cl
NH3-Cl
Cl
Figura 11.2: Classificação do tipo de complexo formado entre cobalto, amônia e nitrito com base em medidas de condutividade
171
ALFRED WERNER: ESTEREOQUÍMICA E QUÍMICA DE COORDENAÇÃO 11
Depois, construiu o mesmo quadro para a série de complexos de platina (Figura 11.3)
O padrão de condutividade apontava para a existência de um número definido de íons em
cada composto, sugerindo a existência de uma unidade principal que seria uma estrutura com-
plexa formada a partir de vários grupos ou íons, além de íons adicionais que ficariam fora dessa
estrutura. A unidade principal teria como centro o elemento metálico, com as demais espécies
dispostas de forma coordenada ao seu redor, definindo a primeira esfera de coordenação. Essa
unidade ficou conhecida como complexo e foi diferenciada por Werner, através da colocação
de um parênteses, como em [Co(NH3)6]3+. O elemento metálico exerceria uma força de atração
direcionando as espécies ao seu redor, denominadas ligantes, de maneira organizada, levando
a uma geometria bem definida. A esse conceito de atração ou afinidade, Werner chamou de
valência secundária (ou valência de coordenação), para diferenciar do conceito tradicional de
valência fixa proposto por Kekulé. A valência secundária não é fixa e define o número de co-
ordenação do complexo, normalmente igual a 2, 4, 6 ou 8, sem exclusão dos números ímpares.
Nos complexos conhecidos, os números de coordenação 6 e 4 são os mais frequentes. O arranjo
espacial dos ligantes ditos coordenados ao metal define a estereoquímica dos complexos.
Em 1895, com apenas 29 anos de idade, chegava ao topo da carreira como professor de
Química da ETH. Nesse ano adotou a cidadania suíça, recusando várias ofertas de trabalho em
outras instituições europeias.
A grande força do modelo proposto por Werner está na exploração da estereoquímica.
Esse foi um assunto explorado em seu livro Lehrbuch der Stereochemie, publicado em 1904,
Figura 11.3: Classificação do tipo de complexo formado entre platina, amônia e cloreto com base em medidas de condutividade
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AMBIENTE NA TERRA Evolução
considerado um marcou nesse campo. Por isso, Werner é considerado o pai da estereoquímica
moderna. No ano seguinte, publicou sua grande obra, Neuere Anschauengen auf dem Gebiete der
Anorganische Chemie, o grande marco do surgimento da química de coordenação e da nova
abordagem da Química Inorgânica através dos novos conceito de valência e estereoquímica.
Segundo Werner, as medidas de condutividade para o complexo lúteo Co(NH3)6Cl
3 corres-
pondem à fórmula [Co(NH3)6]Cl
3, com três íons cloreto não participando da esfera de coor-
denação. A estereoquímica esperada para o número de coordenação 6 poderia ser octaédrica,
bipirâmide trigonal, ou hexagonal (11.8):
Para o complexo purpúreo, Co(NH3)5Cl
3, as medidas de condutividade corresponderiam à
formula [Co(NH3)5Cl]Cl
2 com um íon cloreto coordenado ao cobalto e dois íons fora da esfera
de coordenação.
O aquecimento prolongado do complexo purpúreo leva à formação de um complexo
de fórmula Co(NH 3)4Cl
3, cuja medida de condutividade é coerente com [Co(NH
3)4Cl
2]
Cl. Entretanto, Werner observou que esse composto admite duas formas, de coloração verde
(práseo) ou violeta (vióleo). A existência dessas duas formas foi atribuída ao fenômeno de
isomeria geométrica, onde os ligantes ocupam posições não equivalentes na esfera de co-
ordenação. A estereoquímica octaédrica admite somente duas possibilidades, conduzindo aos
isômeros cis e trans (11.9):
11.8
11.9
173
ALFRED WERNER: ESTEREOQUÍMICA E QUÍMICA DE COORDENAÇÃO 11
No caso da bipirâmide trigonal, e do hexagonal, seriam esperados 3 isômeros, conforme
indicado na ilustração. Todos os esforços de Werner de obter uma terceira forma foram inúteis.
Esses resultados foram se repetindo para outros complexos de cobalto(III) e de platina (IV),
sustentando uma estereoquímica octaédrica como sendo a dominante no caso do número de
coordenação 6.
No caso do número de coordenação 4, as geometrias regulares esperadas corresponderiam
ao tetraedro e ao quadrado. Em complexos do tipo [Pt(NH3)2Cl
2] eram conhecidos 2 isômeros,
correspondendo às formas cis e trans esperadas para uma configuração quadrada (11.10):
No caso do tetraedro não seria possível a existência de dois isômeros. Portanto, através da
síntese dos possíveis isômeros dos complexos, era possível chegar à estereoquímica mais prová-
vel. Atualmente, isso é feito por meio de medidas espectroscópicas ou de difração de raios-X.
Na época de Werner, a síntese química era a estratégia mais importante da estereoquímica.
Werner também obteve complexos com a etilenodiamina (en = NH2CH
2CH
2NH
2) no
lugar da amônia, de composição [Co(en)3]Cl
3 e [Co(en)
2Cl
2]Cl. O primeiro admitia apenas
uma forma geométrica, de coloração amarela. O segundo podia ser isolado em duas formas, correspondendo aos isômeros cis (vióleo) e trans (práseo) compatível com a estereoquímica octaédrica (11.11):
Esse fato já havia sido observado anteriormente por Jorgensen, que forneceu a seguinte estrutura para os isômeros vióleo e práseo (11.12):
11.10Pt
NH3 NH3
Cl Cl
Pt
NH3 Cl
Cl NH3
11.11
174
AMBIENTE NA TERRA Evolução
A evolução dos trabalhos de Werner continuou despertando muitas críticas dos quí-micos tradicionais, como Jorgensen. A discussão gerada é conhecida como controvérsia Jorgensen-Werner e sua origem envolve aspectos que merecem ser discutidos. Entretanto, o volume de dados acumulados mostrava cada vez mais a superioridade e a capacidade de previsão da teoria de Werner. Em 1907, Jorgensen deixou de fazer oposição aberta à nova teoria, contudo, ainda havia pendências a serem resolvidas.
11.3 Isomeria ópticaWerner tinha conhecimento dos trabalhos de Louis Pasteur, que isolou pela primeira vez,
em 1848, os isômeros ópticos do tartarato de sódio e amônio, pela separação manual dos seus cristais e demonstrou depois que as soluções giram o plano da luz polarizada do mesmo ângulo, porém, em sentidos opostos. O experimento de Pasteur ainda é considerado a mais bela descoberta científica da Química em todos os tempos, por marcar o início das pesquisas em estereoquímica, que deram grande notoriedade a Alfred Werner. À Pasteur cabe a citação: ”O acaso só favorece à mente preparada.”
Assim, Werner mostrou que os complexos [Co(en)3]
Cl3 e do cis-[Co(en)
2Cl
2]Cl admitem duas formas es-
paciais não superponíveis, comportando-se como o objeto e sua imagem diante do espelho. Ele conseguiu resolver os isômeros em 1911.
A teoria de coordenação de Werner acabou se im-pondo por ser mais racional e, em parte, pela própria atuação do seu criador, como cientista e professor. Em 1913, por suas contribuições, Alfred Werner (Figura 11.4) foi finalmente reconhecido com a outorga do Prêmio Nobel de Química
A isomeria óptica dos complexos de cobalto não
Co NH2-NH2-NH2-NH2-Cl
CH2-CH2Cl
CH2-CH2Cl
Co NH2-NH2-NH2-NH2-Cl
CH2-CH2Cl
CH2-CH2Cl
11.12
vióleo práseo
Figura 11.4: Alfred Werner na época do Prêmio Nobel
175
ALFRED WERNER: ESTEREOQUÍMICA E QUÍMICA DE COORDENAÇÃO 11
poderia ser explicada pelos modelos de Jorgensen e deveria colocar um fim na polêmica controvérsia. Mesmo assim, a sombra de Jorgensen persistia. Muitos ainda argumentavam que a atividade óptica era uma propriedade inerente aos compostos orgânicos, sem ter qualquer relação com a estereoquímica. A única forma de acabar com essa dúvida seria sintetizando e resolvendo os isômeros ópticos de um complexo que não contivesse carbo-no. Esse foi de fato o último grande desafio a Alfred Werner. Em 1914, Werner resolvia os isômeros ópticos do complexo [Co{(OH) -
2Co(NH
3)4}
3]Br
6 fornecendo o primeiro exemplo
de compostos opticamente ativos, sem conter carbono (Figura 11.5).
Jorgensen, que morreu nesse ano, é frequen-
temente lembrado pelo rigor de sua conduta
científica, que pode ser considerada a mais correta.
Essa é a conduta preconizada nos dias atuais, tanto
no ensino como na pesquisa científica. Contudo,
perdeu para uma conduta mais arrojada, com um
caráter mais especulativo, utilizando hipóteses e
modelos que não podiam ser inteiramente com-
provados na época.
11.4 A vida de Alfred WernerRecém-contratato na ETH-Zurique, Werner casou-se com Emma Giesker em 1894. Era
uma pessoa muito sociável, gostava de jogar bilhar, xadrez e os jogos de carta suíços. Passava
seus dias de lazer nos Alpes. Seus alunos mais destacados foram Jantsch, Karrer e Pfeiffer. Tinha
intensa atividade internacional, como membro de academias e conferencista. Werner era um
conferencista talentoso e entusiasta, com enorme capacidade de dar explicações simples para
problemas complexos. Recebeu vários títulos honorários e condecoracões, além do Prêmio
Nobel de Química em 1913. Nesse ano já estavam começando seus problemas com arterios-
clerose. Em 1915 deixou de ministrar conferências e em 15 de novembro de 1919 morreu com
apenas 53 anos.
Figura 11.5: Estrutura do complexo [Co{(OH)2Co(NH3)4}3]Br6
176
AMBIENTE NA TERRA Evolução
11.5 Uma reflexão sobre a controvérsia Jorgensen-Werner
A controvérsia Jorgensen-Werner que se estabeleceu durante os anos 1893-1907 merece, de
fato, uma profunda reflexão.
Jorgensen tinha o perfil de um cientista experiente, bem consolidado em suas pesquisas.
Utilizava o conhecimento e os modelos aceitos na época e era um experimentalista criterioso,
sempre utilizando medidas experimentais para deduzir ou comprovar suas hipóteses. Suas pro-
postas tinham como objetivo sempre serem coerentes com os modelos científicos de seu tempo.
Werner, ao contrário, com o espírito criativo e desprendimento típico dos jovens, ousava
desafiar as teorias da época. Substituiu o conceito de valência fixa estabelecido por Kekulé pelo
conceito de afinidade e propôs que os compostos apresentam geometrias e arranjos espaciais
típicos em função dos números de coordenação envolvidos. O problema é que na época ainda
não se dispunha de ferramentas de determinação estrutural que permitissem comprovar suas
hipóteses e, portanto, validar sua teoria. Assim, as conclusões, muitas vezes, eram feitas pelo
critério de exclusão, como é o caso da proposição da estereoquímica com base no número de
isômeros espaciais conhecidos.
A controvérsia Jorgensen-Werner ilustra duas condutas científicas distintas, que na realidade
sempre foram parte da história. O aparecimento de uma nova teoria é facilitado quando não
existe outra dominante, capaz de sufocá-la em sua origem. As grandes revoluções científicas têm
privilegiado as mentes jovens, mais desinibidas e sem medo de errar. A história nos ensina que
precisamos ser críticos na experimentação e argumentação científica, porém, ao mesmo tempo,
atentos para o inexplicável e o imprevisível. Lá está o germe de uma nova teoria e de um novo
avanço na ciência.
11.6 O legado de Alfred Werner para o BrasilO desenvolvimento da Química, como ciência no Brasil, é um capítulo recente da história
que está fortemente ligado ao nome do prof. Heinrich Rheinboldt (1891-1955). Sua biografia
já foi magistralmente retratada pelo prof. Paschoal Ernesto Américo Senise (vide sugestão de
177
LOUIS-NICOLAS VAUQUELIN 11
Louis-Nicolas Vauquelin* 16.05.1763 Saint André† 14.11.1829 d'Hébertot
Henrich Limpricht* 1827 Göttnguen† 13.05.1909 Greifs
Friedrich Wöhler* 31.07.1800 Eschershelm† 23.09.1882 Göttinguen
Hans von Pechmann* 01.04.1850 Nürnberg† 19.04.102 Tubingen
Edgar Léon WaldemarOtto Wedekind* 31.01.1870 Altona† 22.10.1928 Erfurt
Friedrich Stromeyer* 02.08.1776 Göttnguen† 18.08.1835 Göttnguen
Robert W. Bunsen* 30.03.1811 Göttnguen† 16.08.1899 Heildelberg
Johan F. Gmelin* 08.08.1748 Tübingen
† 01.11.1804 Göttnguen
Rudolf Schmitt* 05.08.1830 Wippershain
† 18.02.1898 Radebeul
Arthur Rudolf Hanstzsch* 07.03.1857 Dresden† 14.03.1935 Dresden
Alfred Werner* 12.12.1866 Mulhouse
† 15.11.1919 Zürich
Paul Pfeiffer* 21.03.1875 Wuppertal
† 04.03.1951 Bonn
Heinrich Rheinboldt* 11.08.1891 Karlsruhe† 05.12.1955 São Paulo
Hermann Kolbe* 27.09.1818 Elliehausen
† 25.11.1884 Leipzig
Leopold Gmelin* 02.08.1788 Göttinguen† 13.04.1853 Heildelberg
Figura 11.6: Árvore genealógica de Alfred Werner e Heinrich Rheinboldt
178
AMBIENTE NA TERRA Evolução
leitura) e não será aqui reproduzida. Em 2005, uma publicação sobre o legado de Alfred Werner,
na Revista Química Nova (vide sugestão de leitura), motivou uma pesquisa do dr. Max Buschoff
sobre a história de Rheinboldt na Alemanha. Essa pesquisa, a ser publicada oportunamente,
permitiu levantar a genealogia de Rheinboldt, ilustrada na figura 11.6.
No topo dessa cadeia está Friedrich Stromeyer (1776-1735), que iniciou seus estudos de
Farmácia com Johann Friedrich Gmelin, prosseguindo depois com Louis-Nicolas Vauquelin e
ocupando a cátedra de Gmelin em Göttingen, em 1805. A sucessão de nomes que aparece nessa
cadeia é impressionante, aparecendo de um lado Robert W. Bunsen e, ao longo da sequência,
Alfred Werner e seu discípulo Paul Pfeiffer. Do outro lado encontramos Leopold Gmelin,
Wöhler etc. até chegar a Wedekind.
Rheinboldt foi discípulo de Edgar L. W. O. Wedekind e assistente do prof. Paul Pfeiffer,
um dos mais notáveis alunos de Alfred Werner. A influência de Pfeiffer na vida de Rheinboldt
foi muito grande. Ernesto Giesbrecht, saudoso professor de Química Inorgânica da USP, e
discípulo de Heinrich Rheinboldt fez seu pós-doutorado com Paul Karrer (Prêmio Nobel de
Química de 1937), outro notável ex-aluno de Werner. Através de Rheinboldt e Giesbrecht, a
influência direta de Alfred Werner na Química brasileira não pode deixar de ser lembrada.
Bibliografia
AARON, J. I. The development of modern chemistry. New York: Harper &Row,1966.GOULD, R. F. Advance in Chemistry Series - ACS - Washington DC,Werner Centennial, 1967.RHEINBOLDT.H. História da balança e a vida de J. J. Berzelius. São Paulo: EDUSP/ Nova Stella, 1988.SENISE, P. Origem do Instituto de Química da USP - reminiscências e comentários, São Paulo: IQ.USP-SBQ, 2006.TOMA, H. E. Um século depois do Neuere Anschauungen.in: Revista Química Nova, v. 28, n.6, p.1.134, São Paulo: Química Nova, 2005.