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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS CLSSICAS E VERNCULAS
MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS EM REDE NACIONAL
TICIANA LOSANO
Estratgias de leitura no ensino de lngua portuguesa:
a observao das escolhas lexicais e seu efeito de sentido
nos contos de Lygia Fagundes Telles
SO PAULO
2015
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS CLSSICAS E VERNCULAS
MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS EM REDE NACIONAL
Estratgias de leitura no ensino de lngua portuguesa:
a observao das escolhas lexicais e seu efeito de sentido nos
contos de Lygia Fagundes Telles
Ticiana Losano
Dissertao apresentada ao Programa de
Mestrado Profissional em Letras em Rede
Nacional do Departamento de Letras Clssicas e
Vernculas da Faculdade de Filosofia, Letras e
Cincias Humanas da Universidade de So Paulo.
Orientadora: Prof. Dr. Elis de Almeida Cardoso Caretta
SO PAULO
2015
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A todos aqueles que acreditam
no poder transformador da educao
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AGRADECIMENTOS
CAPES, pela concesso da bolsa de mestrado, que trouxe o suporte financeiro
necessrio durante minha trajetria estudantil e possibilitou a realizao desta
pesquisa.
minha orientadora, Prof. Dr. Elis de Almeida Cardoso Caretta, por sua pacincia
e carinho, pelas conversas e sugestes, por sua viso experiente e crtica, por toda
sua dedicao e imensa contribuio em minha vida acadmica e profissional.
Prof. Dr. Maria Helena da Nbrega e Prof. Dr. Alessandra Ferreira Ignez, pelo
tempo investido e ateno dedicada na leitura de meu trabalho e pelas preciosas
contribuies dadas no exame de qualificao.
A todos os docentes envolvidos no processo de implantao do Mestrado
Profissional em Letras (PROFLETRAS), cujos ideais para realizao desse curso me
inspiraram para concretizao deste trabalho e, principalmente, para exercer uma
prtica educativa mais consciente.
s unidades escolares em que trabalhei durante a realizao do curso, que sempre
me apoiaram e contriburam para que este trabalho fosse concludo.
minha famlia, por toda pacincia e compreenso.
Finalmente, para meus queridos alunos, que me inspiram, a cada dia, a ser uma
professora melhor, e por me mostrar que todo o esforo e dedicao valem a pena.
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O texto, assim como o tapete, um chamariz. Juntamente com o
protagonista do conto, o leitor pouco a pouco vai sendo seduzido pela cena
de caa bordada no tapete, vai se aproximando das figuras ali desenhadas,
corrodo pela incerteza de saber se caador ou a caa, at abandonar-se
quele tempo/espao e se distanciar de si mesmo, absorto na
contemplao, completamente esquecido de sua identidade e pronto para
se fundir nas malhas daquele imaginrio. Imaginrio mais concreto do que a
prpria pgina do livro. O bom texto literrio exige esse deslocamento do
leitor, assim como a cena do tapete exerce seu chamado sobre o
protagonista. Ambos, protagonista e leitor, atravessam o espao tnue que
separa a realidade da representao, trilhando a prpria urdidura de fios e
traos sua frente para o confronto com outra realidade. Essa a tradio
da narrativa, o aprisionamento do leitor, uma qualidade que os textos da
autora mantm de modo admirvel.
Snia Rgis A densidade do aparente
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RESUMO
A presente pesquisa tem por objetivo elaborar uma proposta de ensino de
lngua portuguesa que vise direcionar alunos do 9 ano do Ensino Fundamental II a
aplicar estratgias de leitura tendo como foco o texto literrio, mais especificamente
a estratgia de observar as escolhas lexicais realizadas por um escritor, para que
possam fazer uso dessas observaes na interpretao textual. Para isso, partimos
da anlise das escolhas lexicais de Lygia Fagundes Telles, observando o papel dos
recursos expressivos encontrados em trs contos da autora: Natal na Barca, Verde
Lagarto Amarelo e A caada. Procurou-se dar nfase ao papel das palavras que
exercem funo caracterizadora na construo de elementos descritivos nos contos
literrios estudados. Com base na anlise estabelecida, apontam-se
direcionamentos para a prtica pedaggica, que visem repensar o ensino da lngua
presente nos currculos escolares atualmente, buscando-se observar estratgias do
ensino da leitura que refletem sobre questes lingusticas, discursivas e estticas do
texto. Na anlise dos contos, procurou-se mostrar como a construo da
caracterizao do ambiente e das personagens por meio das escolhas lexicais ajuda
a criar a atmosfera do texto, imprimindo uma imagem que se agrega produo de
efeitos de sentido, assim como a averiguar como os elementos expressivos no texto
podem colaborar com seu entendimento, possibilitando leitura crtica e apreciao
esttica. Para se atingir o objetivo proposto, esta pesquisa se baseou na Morfologia,
na Lexicologia, na Estilstica e na Semntica, tanto para a anlise do corpus quanto
para a elaborao da sequncia didtica. Aps a aplicao da sequncia didtica
em sala de aula, verificou-se que os estudantes tm dificuldade em sistematizar
conceitos gramaticais e utiliz-los na anlise textual. Pde-se observar, ainda, que
quando existe uma estratgia clara e delineada para o aluno, este pode ser
conduzido a compreender um texto com mais autonomia.
Palavras-chave: conto; Lygia Fagundes Telles; escolhas lexicais; estratgia de
leitura; ensino.
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ABSTRACT
This research aims to develop a Portuguese Language teaching proposal to direct
students of 9th grade of elementary school to apply for reading strategies focusing on
literary text, specifically the strategy to observe the lexical choices made by a writer, so that
they can make use of these observations in textual interpretation. For this, we start from the
analysis of lexical choices of Lygia Fagundes Telles, noticing the role of some expressive
resources found in three short-stories by the author: Natal na barca, Verde lagarto amarelo
and A caada. The study of these short-stories tries to emphasize the role of words which
have important functions in the construction of descriptive elements in the literary texts. The
established analysis intends to give some directions to the pedagogical practice, rethinking
the teaching of this language in school curriculum, seeking for reading and teaching
strategies that could reflect on language, discursive and aesthetic issues in the text. In the
analysis of the short-stories, we tried to show how the construction of the characterization of
the environment and the characters help to create the atmosphere of the text. Resulting on
an image that adds to the meaning of the text and its impression effect, and also find out
how the expressive elements in the text can collaborate with their understanding, enabling
critical reading abilities and aesthetic appreciation. To achieve this purpose, this research
was based on Morphology, Lexicology, Stylistics and Semantics for the analysis of the
corpus and also for the elaboration of didactic sequence applied in the classroom. After the
research application in the classroom, it was found that students have difficulty in
systematize grammatical concepts and use them in textual analysis. It was also observed
that when there is a clear and definite strategy for the student, it can leads to understand
the text with more autonomy.
Keywords: short-story, Lygia Fagundes Telles, lexical choices, reading strategy,
instruction.
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SUMRIO
INTRODUO ........................................................................................................... 9
CAPTULO I - QUESTES DE ESTILO................................................................... 15
1.1 Definies de estilo ......................................................................................... 15
1.2 O estilo de Lygia Fagundes Telles .................................................................. 17
CAPTULO II ASPECTOS LEXICAIS .................................................................... 20
2.1 O conceito de lxico ........................................................................................ 20
2.2 Unidades lexicais e unidades gramaticais ....................................................... 22
2.3 O lxico e suas funes expressivas .............................................................. 24
2.4 Campos lxico-semnticos.............................................................................. 27
CAPTULO III PALAVRAS COM FUNO CARACTERIZADORA....................... 30
3.1 A abordagem gramatical ................................................................................. 30
3.2 Ampliando conceitos ....................................................................................... 33
CAPTULO IV ENCAMINHAMENTOS DIDTICOS: O CONTO EM CENA .......... 41
4.1 Definio do conto e suas caractersticas ....................................................... 41
4.2 A Caada: Caando... Ou sendo caado? ...................................................... 48
4.3 Verde Lagarto Amarelo: a disputa entre irmos .............................................. 54
4.4 O jogo de contrastes em Natal na Barca ......................................................... 60
CAPTULO V - PERSPECTIVAS DIDTICAS ......................................................... 67
5.1 O lxico e a estilstica no ensino da lngua...................................................... 67
5.2 A leitura e a compreenso do texto ................................................................. 71
5.2.1 Uma proposta de leitura dos contos de Lygia Fagundes Telles em sala de
aula .................................................................................................................... 74
5.2.2 Resultados e discusso ............................................................................ 80
CONSIDERAES FINAIS ..................................................................................... 87
REFERNCIAS ........................................................................................................ 91
ANEXOS .................................................................................................................. 95
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INTRODUO
A educao, assim como a sociedade, tem, ao longo dos anos, passado por
significantes transformaes, o que tambm se verifica com o ensino de Lngua
Portuguesa. Segundo Rojo (2008), o ensino da lngua portuguesa esteve pautado,
por muito tempo, na gramtica histrica e normativa. Somente nas dcadas de 1960
e 1970, com a democratizao do ensino, a lngua portuguesa passou a ser
trabalhada na escola como instrumento de comunicao e expresso da cultura
brasileira.
Ainda assim, na dcada de 1980, o texto era usado como pretexto para o
ensino das regras gramaticais (GERALDI, 1984). Somente na dcada de 1990, com
o avano das novas tecnologias, a discusso contra um ensino escolarizado e
descontextualizado se intensifica. A partir disso, muitos documentos so elaborados
- dentre eles os Parmetros Curriculares Nacionais (PCN) -, a fim de promover
debates sobre a funo da escola: o que ensinar e para que ensinar.
Desvencilhar-se da herana conteudista que por tantos anos guiou os
currculos escolares, entretanto, no tem sido tarefa fcil. Muitos alunos ainda
alegam no conseguir vincular os contedos ministrados em sala de aula com
atividades prticas. No caso da disciplina de Lngua Portuguesa, no parecem
conseguir transportar os aprendizados supostamente adquiridos a contextos de
anlise, de interpretao ou de produo escrita. Na ltima dcada, resultados de
avaliaes do ensino tm mostrado que o nvel de aprendizagem dos estudantes
brasileiros no satisfatrio. o caso do Programa Internacional de Avaliao de
Estudantes (PISA), por exemplo. O PISA avalia os alunos na rea de leitura,
matemtica e cincias. Em leitura avaliada a capacidade de um indivduo de
entender, empregar e refletir sobre textos escritos, para alcanar objetivos,
desenvolver conhecimentos e participar da sociedade1. Na ltima avaliao do
PISA, cuja nfase foi dada leitura, observou-se que o Brasil ocupa a 53 posio
em um ranking de 65 pases, sendo que 59,4% dos alunos apresentam baixo ndice
de proficincia.
1http://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/pisa/documentos/2012/relatorio_nacional_pisa_200
9.pdf, p.19.
http://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/pisa/documentos/2012/relatorio_nacional_pisa_2009.pdfhttp://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/pisa/documentos/2012/relatorio_nacional_pisa_2009.pdf
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O atual quadro da educao brasileira mostra que, apesar dos anos de
escolarizao, os alunos no apresentam habilidades suficientes para compreender
um texto alm de sua simples decodificao. Portanto a presente pesquisa se
justifica na necessidade da adoo de novas propostas de ensino que visem
trabalhar com o texto de forma que os discentes possam compreend-lo de maneira
perspicaz, observando os fatores lingusticos que contribuem com o sentido do texto,
para que possam dessa maneira posicionar-se em relao a ele de forma crtica e
apreciar sua construo esttica.
A hiptese estabelecida por esta pesquisa que as escolhas lexicais revelam
determinada inteno de um enunciador e conferem maior expressividade ao texto.
Ao analis-las, o aluno poder ser capaz de interpretar um texto com base no
somente em suas informaes explcitas, como tambm perceber as informaes
implcitas, podendo refletir sobre como a anlise do uso da linguagem e seus
recursos expressivos imprimem condies para compreenso do texto.
Os recursos expressivos de uma lngua podem revelar muito de seu sistema,
assim como o vocabulrio de um texto. Contudo, o que se tem percebido que o
estudo do lxico nas escolas brasileiras tem sido realizado de maneira bastante
reduzida. o que observa Antunes (2012). A autora aponta que estudos lexicais tm
se resumido ao significado bsico das palavras, alm disso, na anlise textual, o
aluno no convocado a argumentar sobre seu entendimento, fazendo a verificao
com o apoio dos sentidos expressos por palavras ou expresses dentro de um
contexto de enunciao. Portanto, nesse tipo de abordagem restrita, o ensino do
lxico no atinge a dimenso da textualidade, uma vez que o lxico no visto
como componente fundamental da construo dos sentidos do texto. Para a autora
falta ver o lxico como elemento da composio do texto, em suas funes de criar
e sinalizar a expresso dos sentidos e intenes, os nexos de coeso, as pistas de
coerncia (ANTUNES, 2012, p. 24).
Os estudos lexicais tm sido cada vez mais fracionados, ou completamente
marginalizados em detrimento dos estudos gramaticais. O lugar assumido pela
gramtica no ensino da lngua no , entretanto, menos fragmentado. Na concepo
do texto, os sentidos pretendidos so estabelecidos pela conjuno das unidades
lexicais com as unidades gramaticais, conforme aponta Antunes (2012). Sendo
ambas responsveis pela construo do sentido do texto, e admitindo que o domnio
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da gramtica e do lxico se sobrepe de certa maneira, no h como estabelecer
uma dicotomia absoluta. Contudo, tais unidades diferem-se principalmente na
amplitude do conjunto em que se inserem, sendo que os elementos gramaticais
responsabilizam-se pelo padro estrutural do texto, enquanto os elementos lexicais
preenchem os espaos indicados pelo gramatical.
O ensino da gramtica - apesar de ainda ser bastante valorizado no mbito
escolar, principalmente pela dificuldade dos docentes de desvencilharem-se de
padres mais tradicionais de ensino - tambm tem enfrentado muitos problemas na
educao contempornea. Principalmente pelo fato de se pautar na memorizao de
regras e nomenclaturas, a gramtica passou a ser rechaada pelos alunos das
escolas brasileiras, como observam Kleiman e Sepulveda:
Estudos sobre o ensino de gramtica em sala de aula mostram que,
geralmente, o professor focaliza o ensino de novas nomenclaturas e a
definio de novos objetos lingusticos, no levando em conta
aspectos da situao do aluno, como faixa etria, interesses e
saberes, nem a falta de atividades didticas que facilitem a
aprendizagem (2012, p.13).
Porm, a gramtica foi detectada como nico problema no ensino da lngua
portuguesa e, de um extremo a outro, o termo gramtica tornou-se quase que
condenvel. Estudar a lngua enquanto sistema tem seu valor na escola; por meio
desse estudo que o aluno poder refletir sobre sua prpria lngua e us-la com
eficincia, segundo intenes e objetivos dentro de uma determinada situao de
comunicao. O conhecimento especfico do funcionamento das regras no pode
deixar de ser abordado pelo professor de lngua portuguesa, pois este o papel que
lhe compete.
Ainda h muito que ser revisto no ensino gramatical, mas aboli-lo no pode
ser uma alternativa. Muitos argumentos justificam o ensino da gramtica, entre eles:
O conhecimento sobre o funcionamento da prpria lngua permite o
distanciamento que torna possvel a conscientizao lingustica do
falante. Sem esse distanciamento e objetivao da lngua, baseados
em conhecimentos especficos, explcitos, fica impossvel ajudar a
melhorar seu texto para exprimir aquilo que ele quer, de fato, dizer. O
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processo de reflexo que consiste na explicitao e sistematizao
dos conhecimentos sobre a lngua est diretamente relacionado a
uma melhor compreenso do que se deseja expressar (KLEIMAN e
SEPULVEDA, 2012, p.40-41).
O ensino da lngua e o ensino da literatura parecem estar dissociados, como
se o conhecimento lingustico em nada contribusse para compreenso do texto.
Isso se constata quando o aluno ingressa no Ensino Mdio. A prtica
descontextualizada ao qual foi submetido durante todo seu ensino bsico se reflete
na impossibilidade de compreender textos que exigem muito mais do que uma
leitura horizontal. Por isso, esse tipo de proposta deve ser revisto j no ensino
fundamental.
Diante desse quadro, pretende-se com este trabalho, buscar diferentes
estratgias que possam contribuir para prticas de ensino mais contextualizadas e
eficazes, a fim de colaborar com o desenvolvimento da competncia leitora dos
alunos do Ensino Fundamental II. O objetivo central da presente pesquisa verificar,
por meio de elaborao e aplicao de sequncia didtica, se a anlise das
escolhas lexicais pode auxiliar os alunos do 9 ano na interpretao textual. Nosso
foco observar as palavras que caracterizam as personagens e o ambiente de um
conto. Alm disso, pretende-se avaliar a possibilidade de que os alunos
desenvolvam maiores habilidades lingusticas por meio da observao do
vocabulrio de um texto e que consigam estabelecer relaes entre a anlise
gramatical e os sentidos do texto, a fim de que essa observao constitua uma
estratgia de leitura capaz de ser aplicada na compreenso de outros textos
literrios.
Para tal observao, este trabalho se dividir em cinco partes. Iniciamos com
uma parte terica, objetivando fornecer subsdios para o trabalho do professor em
sala de aula. No primeiro captulo faremos uma breve discusso sobre os conceitos
de estilo, buscando explorar tambm o universo do estilo literrio e, em seguida,
observar o estilo de Lygia Fagundes Telles, escritora cuja pequena parte da obra foi
escolhida para ser levada para sala de aula, por ter uma linguagem de fcil acesso
aos estudantes, e escolhas de palavras fundamentais para construo do sentido do
texto.
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No segundo captulo, iniciamos a discusso sobre o lxico e suas funes
expressivas. Apresentamos nesse captulo qual o conceito de lxico que adotamos
para a presente pesquisa e buscamos diferenciar as unidades gramaticais e as
unidades lexicais, visto que no h como trazer uma proposta de estudo voltado
para a educao bsica, sem que a sistematizao gramatical esteja presente. As
questes gramaticais da lngua so exploradas nesta pesquisa com o objetivo de
ampliar seus conceitos e discutir a insuficincia do ensino que se mostre puramente
gramatical. Alm disso, nesse captulo tambm exploraremos os campos lxico-
semnticos, com o objetivo de mostrar a importncia da relao semntica das
palavras na compreenso textual.
No terceiro captulo, iremos abordar a funo caracterizadora das palavras
lexicais do ponto de vista morfolgico, estilstico e semntico, com nfase nos
adjetivos, substantivos e verbos. Quando adotamos um ponto de vista mais amplo e
amparado por diferentes estudos, percebemos que a funo de atribuir uma
caracterstica no fica restrita ao adjetivo. Na anlise textual, observar outras
classes que exercem essa funo de grande importncia para o entendimento do
texto.
O captulo quatro destina-se aplicao da parte terica na anlise de trs
contos de Lygia Fagundes Telles: A caada, Verde lagarto amarelo e Natal na barca.
Essa anlise pretende fornecer o embasamento terico necessrio para o docente,
que fizer a aplicao da sequncia didtica. Esses contos foram eleitos por
apresentarem muitos elementos descritivos que contribuem com o sentido do texto:
o estado de esprito oposto de duas mulheres, em Natal na barca; a comparao
entre dois irmos, em Verde lagarto amarelo; e o contraste entre o caador e o
homem, que representado como caa, em A caada. Esses contos fazem parte
da obra Antes do Baile Verde (publicada em 1970), que rene dezoito contos de
Lygia Fagundes Telles. Por mais simples que paream, as narrativas so capazes
de surpreender o leitor e avivar seus pensamentos. Sendo o ensino de lngua
portuguesa cada vez mais centrado na abordagem dos gneros textuais,
discutiremos tambm como as caractersticas do gnero conto podem ser
trabalhadas com alunos do 9 ano.
O captulo cinco mostra a aplicao de uma sequncia didtica que ser
norteada pelos pontos apresentados na fundamentao terica. Ser feita a
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apresentao da proposta, tal como sua implicao para o ensino. Depois,
discutiremos a metodologia utilizada, os instrumentos de anlise e o resultado
obtido. Mostraremos uma proposta de sequncia didtica para que os alunos
possam observar os efeitos expressivos das partes descritivas do texto, assim como
a importncia das escolhas lexicais, dos efeitos de sentido e dos efeitos estilsticos,
de forma que possam analisar e interpretar o texto sob essa perspectiva.
Por ltimo sero tecidos comentrios sobre os resultados obtidos, de modo
que o estudo possa contribuir com a prtica docente. Esperamos que os professores
possam usufruir desta pesquisa e aplicar a sequncia didtica sugerida em sala de
aula.
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CAPTULO I - QUESTES DE ESTILO
1.1 Definies de estilo
A palavra estilo tem origem no latim stilus, empregada para designar espcie
de ponteiro antigamente usado para escrever sobre a camada de cera das tbuas
(CUNHA, 1986, p. 331). Com o tempo, o objeto manejado para escrever passou a
significar a prpria escrita e depois o que tem de caracterstico na linguagem. Hoje,
a palavra serve para designar tudo que apresenta caractersticas particulares, desde
as coisas banais s altas criaes artsticas (MARTINS, 2012).
Encontrar um conceito para estilo uma tarefa complexa. Vrias definies
foram dadas a essa palavra com o passar dos anos e, medida que se transformam
as culturas e os padres sociais, esse conceito se modifica em diferentes perodos e
grupos (SPENCER e GREGORY, 1974). Contudo, no nos cabe uma abordagem
diacrnica desse conceito, uma vez que uma abordagem histrica da definio de
estilo merea um estudo mais aprofundado. Considerar definies to diversas s
nos afastaria de uma maneira de precisar a palavra.
Apresentar alguns conceitos, entretanto, necessrio para nortear este
trabalho. Enkvist (1974) faz um estudo minucioso sobre o estilo e descreve seis
abordagens possveis para sua definio:
1) Estilo como uma concha que envolve o pensamento;
2) Estilo como escolha;
3) Estilo como conjunto de caractersticas individuais;
4) Estilo como desvio de uma norma;
5) Estilo como conjunto de caractersticas coletivas;
6) Estilo como relaes entre entidades lingusticas.
Martins (2012) lembra que um critrio no exclui o outro, o que torna mais
difcil definir um termo to inconstante e abstrato. Wartburg e Ullmann (1975)
apontam que para uns o estilo consiste na utilizao de recursos expressivos da
lngua, enquanto para outros o estilo est ligado marca da personalidade do autor.
No h, portanto, um parmetro consensual para definir o que estilo.
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Cmara Jr. (1978, p. 13) diz que o estilo definio de uma personalidade
em termos lingusticos. Bechara (2009), que tomou como base algumas citaes de
Cmara Jr. para dar noes de estilstica em sua Moderna Gramtica Portuguesa,
define estilo como conjunto de processos que fazem da lngua representativa um
meio de exteriorizao psquica e apelo (BECHARA, 2009, p. 615).
Parece-nos vlida a observao de que ambas as definies abordam o uso
da lngua como recurso para exteriorizao do sujeito. Para Spencer e Gregory
(1974, p. 75 e 76) se o estilo em literatura o produto de um uso particular e, em
certa medida nico, da lngua, est ento relacionado com, e dependente de, certas
noes da funo prpria da lngua como um todo.
Os autores supracitados no pargrafo anterior buscam uma aproximao da
literatura e da lingustica. Segundo os autores esse elo se d pela linguagem:
[...] a consequente necessidade de ver a linguagem usada em
literatura em termos de linguagem como um todo, significa que parte
da discusso que segue deve devotar-se a considerar a contribuio
que se pode dar ao estudo do estilo pelas teorias, processos e
atitudes da lingustica geral e descritiva, cujo interesse particular e o
estudo sistemtico da totalidade dessa parte da atividade humana
chamada linguagem (SPENCER e GREGORY, 1974, p. 76).
Pensando na contribuio que a lingustica pode trazer ao estudo do estilo,
eles definem que quando a linguagem o principal foco de ateno no processo
dialtico isto quando a resposta principalmente quanto ao uso da prpria
linguagem diz-se que o crtico est examinando o estilo do texto (SPENCER e
GREGORY, 1974, p.78).
Apesar de trazer uma aproximao com a lingustica, o que ser muito vlido
para o presente estudo, esse conceito no abrange totalmente as questes que
gostaramos de abordar no ensino. Para o estudo em questo, h uma pea chave
que deve ser levada em conta na conceituao de estilo, trata-se da expressividade.
Contudo, so de suma importncia, como apontam Spencer e Gregory, as
contribuies da lingustica para a compreenso dos fatores estilsticos. Esse um
fator relevante que nos levou a considerar para este trabalho o conceito de estilo
utilizado por Grillo e Vlkova Amrico (2013), extrado de um dicionrio de termos
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lingusticos, em seu estudo sobre a perspectiva bakhtiniana referente s questes
de estilstica no ensino da lngua:
Um dos diferentes modos de diferenciao da lngua; subsistema
lingustico com seu lxico peculiar, bem como com composies,
usos e construes fraseolgicas, distinguindo-se de outros modos
por meio dos recursos expressivo-avaliativos de composio de seus
elementos e normalmente ligado a determinadas esferas de uso do
discurso [...] (AKHMNOVA2, 2010, apud GRILLO e VLKOVA
AMRICO, 2013, p. 96).
Apesar de a definio de estilo ter se baseado em um dicionrio de origem
russa, tal definio pode ser facilmente aplicada ao ensino brasileiro e, portanto,
ser utilizada para nortear o presente trabalho. Um dos motivos pelo qual se optou
por usar essa definio o fato de a estilstica russa no se restringir ao estilo de
autores e correntes literrias, ela aborda a questo de forma mais abrangente,
incluindo, por exemplo, a sociolingustica e a anlise do discurso (GRILLO e
VLKOVA AMRICO, 2013).
O outro motivo que nos faz adotar tal conceito o uso do termo recursos
expressivo-avaliativos. Para Wartburg e Ullmann (1974, p. 193) a expressividade
compreende tudo o que ultrapassa o lado objetivo e intelectual da linguagem, a
comunicao de fatos ou de ideias. Bally (1941), pioneiro nos estudos da estilstica,
diz que expressivo toda linguagem que pode ser associada a uma emoo. Para
esses autores a noo de expressividade est estritamente ligada escolha e a
afetividade, e no h como falar de estilo sem falar em escolhas entre alternativas
que podem acrescentar uma carga expressiva ao texto.
1.2 O estilo de Lygia Fagundes Telles
Lygia Fagundes Telles uma das principais escritoras brasileira. Membro da
Academia Brasileira de Letras, a escritora paulista tem quatro romances publicados,
2 AKHMNOVA, Olga. Slovar lingvisttcheskikh terminov [Dicionrio de termos lingusticos]. Moscou: Knjni Dom Librokom, 2010.
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Ciranda de Pedra (1954), Vero no aqurio (1963), As Meninas (1973) e As Horas
Nuas (1989). A autora ganhou muita notoriedade com seus contos, tambm
publicados em antologias como Antes do Baile Verde (1970), Filhos Prdigos (1978)
e A Estrutura da Bolha de Sabo (1991). Tanto no romance, como no conto, Lygia
Fagundes Telles recebeu importantes prmios da literatura, nacionais e
internacionais. Foi vencedora do prmio Jabuti mais de uma vez, recebeu o Primeiro
Prmio no Concurso Internacional de Escritoras na Frana e ganhou o prmio
Cames em 2005, considerado um dois mais importantes para o ofcio de escritor.
O estilo que pretendemos abordar o estilo da autora como contista. Os
contos so parte fundamental da carreira da escritora, como observa Lucas (1990).
Ele afirma que a autora tinha vocao para o gnero, portanto no o cultivou apenas
como ponto de passagem para o romance, como fizeram outros escritores. O autor
v os contos de Lygia Fagundes Telles como unidades polissmicas, devido ao
espao que sua prosa cede poesia e frequncia da escolha de temas e das
situaes que envolvem uma atmosfera de mistrios (LUCAS, 1990). Para Paes
(2002), Lygia Fagundes Telles utiliza o poder da metfora e do smbolo para
condensar uma multiplicidade de sentidos. Lamas (2004, p. 89) completa que os
contos se abrem a muitas facetas, apontando simbolismos e caminhos vrios.
Os contos de Lygia Fagundes Telles esto marcados pelo simbolismo, pela
interioridade humana e pela presena de fortes emoes, como amor, dio, inveja,
sofrimento, solido, entre outros. Alm disso, a presena do fantstico, em alguns de
seus contos, fica configurada pelo desenlace em suspenso. A concluso da narrativa
fica sob a responsabilidade do leitor.
Sobre a temtica dos contos da autora, Lamas observa:
O conto de Lygia Fagundes Telles percorre sendas vrias, desde
temas corriqueiros e cotidianos de histrias simples, abarcando
tambm situaes complexas e estranhas, at desembocar no
sobrenatural e no fantstico, rompendo com limites racionais do
humano (2004, p.115).
Para adentrar o gnero fantstico e mergulhar no ntimo da conscincia
humana, Lygia Fagundes Telles faz uso de uma linguagem nada rebuscada, quase
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coloquial. Seu estilo sutil, a narrativa fluida, o que faz com que o efeito final seja
ainda mais arrebatador.
Dimas (2009), no posfcio do livro reimpresso Antes do Baile Verde, que ele
intitulou Garras de Veludo, bem explica o estilo da escritora, usando uma
comparao em que diz A grande dama no conta: ela murmura, fala baixinho.
Aproxima-se do leitor como seus gatos, de que ela gosta tanto (2009, p. 181). O
autor compara o fazer-literrio de Lygia Fagundes Telles ao felino: dcil, silencioso,
mas com garras retrteis, e quando menos se espera... o arranho, suficiente para
que faa com que se lembre de no mais se aproximar to confiante! E adverte
Fique esperto! No confie no ron-ron de Lygia Fagundes Telles (DIMAS, 2009,
182).
A metfora utilizada por Dimas (2009) tima definidora do estilo de Lygia
Fagundes Telles. A linguagem da autora clara, concisa, tem ritmo. Contudo, como
iremos observar na anlise dos contos, suas palavras convergem para o efeito de
sentido do conto, para o seu simbolismo. Por isso, o estilo de Lygia Fagundes Telles
demonstra uma linguagem bem pensada, premeditada, que prepara suas palavras
para dar o bote. Essa observao tambm feita no ensaio de Paes (2002, p.75)
ao afirmar que No se trata, pois, de adornos de linguagem, mas de imagens em
abismo ou snteses miniaturais das linhas de fora da ao dramtica, cujos
significados vm ampliar com um leque de conotaes.
So as escolhas lexicais de Lygia Fagundes Telles que fazem com que sua
linguagem, mesmo que substantivada, como Rgis (2002) julgou ser, ambiente o
conto de maneira que seu texto expresse toda carga emocional a que se prope. Do
ponto de vista lexical, isso ocorre devido ao tratamento que a autora d
caracterizao do ambiente e das personagens, com a criao da cena, a
identificao com os atores, tanto nas suas caractersticas fsicas, quanto nas suas
caractersticas emocionais; e ao valor semntico das palavras que foram escolhidas
justamente para garantir a expressividade do texto.
Muitos dos contos de Lygia Fagundes Telles poderiam figurar nos livros
didticos do 9 ano do Ensino Fundamental. Alm de sua inquestionvel qualidade
literria, a linguagem simples utilizada pela autora ajudaria os alunos a lerem o texto
com facilidade, mas no deixaria de ser uma leitura desafiadora, sem ser impossvel.
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20
CAPTULO II ASPECTOS LEXICAIS
2.1 O conceito de lxico
No decorrer da apresentao do presente trabalho temo-nos referido diversas
vezes a termos como lxico, unidades lexicais, unidades do lxico etc., portanto,
cabe aqui uma definio. No existe um conceito fechado para definir o lxico, a
dificuldade de se precisar o termo fez com que Martins (2012) citasse trs conceitos,
utilizados por Rey-Debove, sendo eles: 1) conjunto de morfemas de uma lngua,
nesse critrio se estabelece que os morfemas so as unidades significativas
mnimas, de natureza lexical (classe aberta) e natureza gramatical (classe fechada);
2) conjunto de palavras de uma lngua, conceito que tem como imagem o dicionrio;
3) conjunto de unidades ou palavras de classe aberta de uma lngua.
No entanto, Martins (2012) aponta algumas ressalvas para a adoo dessas
definies. No segundo conceito, por exemplo, se faria necessria uma definio do
que se considera por palavra. O mesmo acontece com o terceiro conceito, em que
seria necessrio fazer uma definio precisa de palavra de classe aberta, o que
implica tambm definir as palavras de classe fechada.
Castilho (2012) faz distino entre o lxico mental, o lxico dos lexicgrafos e
o lxico dos gramticos. O primeiro conceito o que nos interessa para o presente
estudo, a respeito do lxico mental o autor diz:
Seu objeto so matrizes cognitivas armazenadas no crebro,
associadas sua representao lingustica. Estuda-se o lxico mental
focalizando a associao entre essas matrizes e as formas e os
significados lexicais e gramaticais ativados durante a produo e a
compreenso da lngua (CASTILHO, 2012, p. 109).
Antunes (2012) observa que a relao do ser humano com o mundo no se
d diretamente, ela intermediada pelas coisas e pelas palavras. Segundo a autora,
construmos categorias cognitivas das coisas e as palavras expressam tais
categorias, dessa forma, a palavra a representao lingustica dessas categorias
cognitivas que construmos e armazenamos (ANTUNES, 2012, p. 28).
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21
Genouvrier e Peytard definem o lxico como conjunto de todas as palavras
que, num momento dado, esto disposio do locutor (1974, p.279). Nessa
definio, o locutor tem disposio um inventrio de palavras. As palavras que ele
pode oportunamente empregar constituem seu lxico individual. Uma parte desse
lxico pode ser utilizada num ato de fala determinado, conforme as solicitaes do
momento e, ao conjunto de palavras utilizadas efetivamente nesse ato de fala
especfico, d-se o nome de vocabulrio. Temos, portanto, o lxico global, que
consiste em todo o inventrio de itens lexicais disponveis para o falante; o lxico
individual, constitudo pelas palavras dos quais o falante tem conhecimento e que
podem ser utilizados nas situaes que considerar oportunas; e, por fim, o
vocabulrio, parte do lxico individual que efetivamente utilizado num contexto de
fala especfico.
Existem alguns critrios que influenciam esse ato de fala e, portanto,
condicionam a escolha das unidades lexicais utilizadas na atividade discursiva. De
acordo com Cardoso e Ignez (2012, p.17):
Os falantes de uma lngua tm a sua disposio todo o conjunto
lexical e dele podem extrair as palavras que desejam para expressar
suas ideias, sentimentos etc. Embora todas as palavras pertenam
igualmente a esse enorme conjunto, as escolhas so limitadas pelas
circunstncias.
o que tambm observa Antunes (2012), que elenca alguns desses fatores
determinantes para as escolhas lexicais, entre eles:
1) O que se tem a dizer;
2) Para que se diz;
3) Para quem se diz;
4) Em que gnero o texto ir realizar-se;
5) Que suporte carrega esse gnero;
6) A modalidade de uso da lngua (oral ou escrita);
7) O nvel de formalidade do texto;
8) O espao de atuao (cena ou contexto).
So esses os fatores que fazem com que o enunciador escolha entre um item
lexical ou outro na realizao do discurso, alm disso, o efeito expressivo que se
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22
quer dar ao texto tambm ir contribuir para tais escolhas, sobretudo no texto
literrio. como se considerssemos mais um item entre os primeiros que foram
listados: o que se diz, para que se diz, para quem se diz e como se diz. Esse ltimo
considera a inteno do autor e a impresso que ele quer causar no seu leitor.
Conforme Antunes:
Pensar nos efeitos decorrentes da escolha das palavras
reconhecer que, em um texto, uma palavra expressa mais que um
sentido; ela serve tambm expresso de uma inteno, de um
propsito (s vezes, mais de um!), em funo do que determinadas
palavras (e no outras) so particularmente escolhidas (2012, p.43).
De acordo com essas observaes, o conceito de lxico adotado para a
presente pesquisa bastante amplo, trata-se de um repertrio de palavras rico e
dinmico, que se encontra disposio dos falantes de uma lngua para serem
utilizados num dado momento de comunicao, cuja organizao enunciativa
condicionada por circunstncias discursivas.
2.2 Unidades lexicais e unidades gramaticais
A distino entre as unidades do lxico e as unidades da gramtica tem sido
adotada por muitos autores que tm se debruado sobre o estudo do lxico e da
estilstica lxica. Tal distino tambm importante para a presente pesquisa, uma
vez que nos dispomos a elaborar uma proposta didtica que vise enfatizar os
elementos lexicais, sem, contudo, desprezar a sistematizao gramatical.
Antunes (2012), por exemplo, admite que tal distino uma opo
metodolgica de estudo e que as unidades do lxico e os elementos da gramtica,
em conjuno, contribuem construo dos sentidos do texto. Contudo,
necessrio precisar esses conceitos, para que possamos deixar claro com quais
unidades queremos trabalhar neste estudo.
Martins (2012) considera a existncia de duas espcies de palavras: as
palavras gramaticais, cuja significao s pode ser apreendida no contexto
lingustico, e as palavras lexicais, que tm significao extralingustica, por terem
capacidade de, mesmo que isoladas, despertarem uma representao na mente
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humana. So consideradas palavras lexicais os substantivos, os adjetivos, os
advrbios e os verbos, excluindo-se os verbos de ligao e os auxiliares.
Encontramos tambm em Lapa (1998) diviso semelhante entre palavras, que
corrobora essa ideia. Para ele, existem as palavras reais, que carregam o sentido da
frase, constitudas pelo substantivo, adjetivo, verbo; e os instrumentos gramaticais,
que estabelecem ligao entre idias, englobando os artigos, as preposies, as
conjunes e por vezes tambm os advrbios, numerais e pronomes. Porm,
importante ressaltar que se trata de uma diviso terica, pois dentro de um
enunciado as palavras lexicais tambm necessitam de um componente gramatical.
Antunes diz que as unidades do lxico so:
[...] as unidades cujo significado remete s coisas, aos fenmenos do
mundo da experincia, do mundo extralingustico, a seus modos de
existir, a suas propriedades e manifestaes; estabelecem, portanto,
a vinculao entre a lngua e a experincia; tm ndices de frequncia
variveis, pois dependem do gnero e do tema em desenvolvimento
(2012, p. 32).
J os elementos da gramtica so definidos pela autora como:
[...] unidades cujo significado remete ao interior do prprio sistema
lingustico, constituindo-se em ndices da funo e da relao que as
formas constituintes de um enunciado exprimem; so de alta
frequncia e costumam ocorrer em todo tipo de gnero de texto
(2012, p. 32).
Todo item lexical carrega em si a responsabilidade do significado da frase,
possui significado extralingustico e seu uso est condicionado a situaes de
comunicao especficas. J as unidades gramaticais esto mais ligadas s
construes estruturais do texto. Isso tambm foi observado por Genouvrier e
Peytard (1974), que elencam duas principais diferenas entre as unidades do lxico
e as unidades da gramtica.
Na primeira delas, os autores afirmam que tudo o que pode nomear a
experincia vivida por ns lexical, enquanto aquilo que se limita a expressar uma
modalidade do elemento designado gramatical. Assim, em o carro, a palavra carro
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designa um elemento extralingustico e, portanto, carrega o sentido da frase,
enquanto que o artigo limita-se a determin-lo. O segundo fator considerado a
amplitude dos conjuntos lexicais e gramaticais. Os elementos lexicais, embora com
ndices de frequncia variveis, como observado por Antunes (2012), pertencem a
conjuntos bastante amplos, ao passo que os elementos gramaticais pertencem a
conjuntos limitados.
A partir de um padro estrutural, poder-se-ia preencher as lacunas com
inmeros substantivos e verbos, porm a quantidade de artigos e de preposies
bem mais limitada. Com isso vemos assim que o gramatical representa, num
enunciado, o padro que o estrutura, ao passo que o lexical, fornece as palavras
suscetveis de insero nos espaos indicados pelo gramatical (GENOUVRIER e
PEYTARD, 1974, p.297).
Portanto, adotamos como foco na presente pesquisa as unidades lexicais, o
que significa que vamos nos concentrar nos adjetivos, nos substantivos e nos verbos
em nossa anlise, sem o propsito de explorar unidades gramaticais como as
conjunes, os pronomes, os artigos, as preposies etc. A adoo de tal conceito
no significa que a sistematizao da gramtica deixar de ser abordada quando
apresentarmos a proposta didtica, apenas demonstra que determinadas palavras
apresentam mais possibilidades na explorao dos sentidos do texto e delimita os
itens que sero enfatizados em nossa anlise.
2.3 O lxico e suas funes expressivas
Existem certos fatores determinantes para certas escolhas lexicais e tais
escolhas podem no somente determinar uma posio, como tambm uma
inteno, por vezes com valores expressivos, o que pode refletir determinado estilo.
Faz-se necessrio, para explorar as funes expressivas do lxico, adentrar o
campo da estilstica.
Uma vez que a estilstica volta-se para o estudo da linguagem e seu estilo, e
que vimos que o conceito de estilo bastante complicado de se delimitar, podemos
observar que o escopo da estilstica bastante amplo.
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25
A estilstica interessa-se pela fora expressiva das palavras, pelos contedos
emotivos da linguagem, pelos desvios da norma, pelos neologismos, pela sinonmia,
pelas metforas, pelas escolhas realizadas no cdigo lingustico e muito mais.
Em seu estudo detalhado sobre a estilstica, Martins (2012) discute sobre as
vertentes da disciplina dividindo-as em estilstica do som, estilstica da frase,
estilstica da enunciao e estilstica da palavra. A esta ltima que pretendemos
nos ater neste trabalho.
Segundo o trabalho da autora, o estudo da estilstica da palavra, ou estilstica
lxica, envolve os aspetos expressivos das palavras ligados aos seus componentes
semnticos e morfolgicos, os quais, entretanto, no podem ser completamente
separados dos aspectos sintticos e contextuais (MARTINS, 2012, p. 97).
A estilstica lxica importa-se com a tonalidade emotiva das palavras. Martins
(2012) divide as palavras com tonalidade emotiva em grupos: palavras com
significado afetivo, palavras que exprimem julgamento, palavras que exprimem
avaliao, palavras com sentido avaliativo relacionado a prefixos e sufixos e
palavras evocativas. com base no estudo dessa autora, e de outros autores que
complementam esse estudo, que procuramos explicar cada um desses grupos:
Palavras com significado afetivo: so aquelas que exprimem sentimentos,
emoes, um estado psquico. Destacam-se nesse grupo os adjetivos e os
substantivos abstratos. Para Lapa (1998), as palavras distinguem-se por seu
valor sentimental ou intelectual. Apesar de aceitar a dificuldade dessa
distino, o autor considera que para se escrever bem necessrio que seja
feita uma reflexo na escolha das palavras, pois umas despertaro mais
nossa inteligncia e outras nossa sensibilidade. Sendo assim, s palavras de
significado afetivo atribudo maior valor sentimental. Sobre o significado
afetivo das palavras, pode-se dizer ainda que
implica a compreenso de que os sentidos das palavras podem
assumir, para alm de seu valor descritivo, um componente afetivo,
derivado das determinaes culturais de cada grupo ou das
particularidades do enunciador em certo evento comunicativo; assim
que a palavra indelicado soa menos ofensiva que a palavra
grosseiro ou estpido; evidentemente, tais significados afetivos
decorrem da forma como as pessoas, em seu convvio social,
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constroem e sedimentam a percepo que tm das coisas; so,
portanto, deslizes de sentido que se vo registrando em sintonia com
as particularidades de viso de cada grupo social (ANTUNES, 2012,
p.43-44).
Palavras que exprimem julgamento: destacam-se nessa classe os adjetivos
que atribuem qualidades marcadas por uma oposio (positivo/negativo,
bom/mau). Como na frase Ele usa uma camiseta barata. Em certos
contextos, o adjetivo barata pode estar associado m qualidade da roupa,
aos padres de moda, ou falta de poder aquisitivo. O contrrio poderia ser
observado em Ele est usando uma camiseta cara.
Palavras que exprimem avaliao: quando o elemento de avaliao est
anexado palavra. Por exemplo, a palavra barraco, no sentido de moradia,
que pode ser mentalmente associada pobreza, misria, periferia etc. O uso
dos prefixos e sufixos tambm pode carregar os lexemas de elementos
avaliativos. Eles podem adquirir valores pejorativos (livreco), ou valores
sentimentais como ternura (professorinha) e amor (mezinha). Para Lapa
(1998), os sufixos interessam muito mais a estilstica, pois neles que a
descarga das paixes se d com maior energia, enquanto que os prefixos
esto quase sempre ligados a uma ideia intelectual.
Palavras evocativas: so palavras que nos remetem a uma determinada
poca, ambiente, meio social etc. So de grande interesse da estilstica e
fazem parte dessa classe os estrangeirismos, os neologismos, os arcasmos,
as grias, os indigenismos e os regionalismos.
As escolhas lingusticas so de fundamental importncia na expresso verbal,
sendo que uma palavra pode assumir maior expressividade do que a outra, apesar
de ter o mesmo significado, muda-se o efeito de sentido. Conforme afirma Monteiro
(2009, p. 99): A escolha de um elemento em vez de inmeros outros disponveis no
cdigo uma questo de mbito estilstico. Cada unidade lexical se liga a uma srie
virtual que permite mltiplas variaes.
Para fins de exemplificao, pode-se construir uma frase com a seguinte
seleo: O homem retornou a sua casa. O enunciado encontra-se dentro dos
padres da lngua culta, contudo, se a inteno a de dar maior expressividade
frase pode-se dizer: O homem retornou ao seu lar. Ao substituirmos a palavra casa
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pela palavra lar, demos maior expressividade ao local de regresso do homem que
agora pode ser associado a aconchego, descanso, famlia etc.
Portanto, muito importante que se observem as escolhas lexicais, tanto na
leitura do texto quanto em sua produo, pois estas revelam, alm da
intencionalidade do autor, quais recursos expressivos o autor utilizou e se esses
recursos atingem o efeito de sentido esperado.
2.4 Campos lxico-semnticos
Quando lemos ou escrevemos, nosso crebro relaciona os itens lexicais
selecionados a uma outra gama de palavras. Seja pelo seu significado, seja pelo seu
aspecto formal, somos levados a fazer associaes que nos remetem a diversos
lexemas diferentes. De acordo com Ullmann:
[...] todas as palavras esto cercadas por uma rede de associaes
que as ligam com outros termos. Algumas dessas associaes
baseiam-se em ligaes entre os sentidos, outras so puramente
formais, enquanto que outras, finalmente envolvem ao mesmo tempo
a forma e o significado (1964, p. 498).
Saussure, considerado pai da lingustica moderna, havia analisado que um
termo converge em uma constelao com um nmero to vasto de palavras cuja
soma indefinida. Bally introduziu o conceito de campo associativo, definindo-o
como halo que circunda o signo cujas franjas se confundem com o ambiente. De
acordo com Ullmann:
[...] o campo associativo de uma palavra formado por uma
intrincada rede de associaes, baseadas algumas na semelhana,
outras na contiguidade, surgindo umas entre sentidos, outras entre
nomes, outras ainda entre ambos. O campo por definio aberto, e
algumas das associaes esto condenadas a ser subjetivas, embora
as mais centrais sejam em larga medida as mesmas para a maioria
dos locutores (1964, p. 500 - 501).
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28
Depois, com outros tericos, alm dos campos associativos, passou-se a
observar outras possibilidades de associao. Os estudiosos expandiram os
conceitos da teoria dos campos e diferentes nomenclaturas foram sendo agregadas
teoria, como campos lexicais, campos semnticos, campos conceituais etc.
Para fins didticos, citamos os conceitos elaborados por Henriques (2011),
que define campo associativo como aquele que permite qualquer associao
coerente, semntica ou no, para reunir palavras; campo conceitual como
contingente de palavras agrupadas por fator ideolgico, por meio de uma rede de
interligaes e associaes de sentido; por fim, o campo semntico, que agrupa
linguisticamente um contingente de palavras, tambm por meio de associaes e
interligaes de sentido.
O exemplo prtico trazido por Henriques (2011) na aplicao das definies
de cada um dos campos sugere uma constelao com a palavra escravido. O autor
sugere que o campo conceitual contenha palavras que se associassem a ideia de
restrio de liberdade, vnculo que restringe a liberdade ou algo difcil de livrar-se.
Portanto poderiam integrar esse campo palavras como cativeiro, sacerdcio ou
submisso. Como exemplo de campo semntico poder-se-ia elencar palavras da
mesma famlia etimolgica, ou com a mesma formao sufixal, o caso das
palavras escravido, escravizar, escravatura (semelhana no radical) e escravido,
aptido, vermelhido (semelhana no sufixo formador de substantivo abstrato).
Em seus estudos o autor considerou uma vasta possibilidade para os campos
associativos, como a associao semntica (cativeiro, clausura); identidade sonora
na terminao (rapago, combusto); identidade de famlia etimolgica (escravizar,
escravatura), entre outros. Entretanto, nosso objetivo abordar apenas a
associao semntica, tendo em vista que objetivamos que a construo de um
campo lexical contribua para o entendimento de um texto, portanto, necessrio
observar os sentidos das palavras. Dessa forma, adotamos essa perspectiva, e
denominamos campo lxico-semntico.
Por conta da abrangncia do campo associativo, muitos autores no fazem
essa subdiviso, adotando esse termo de forma genrica, isso uma prtica
comum. J Henriques (2011) afirma que os campos semnticos privilegiam a
estrutura lexical como um todo, enquanto os campos conceituais constituem
esquemas representacionais da sociedade.
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O autor supracitado afirma que as associaes se constroem a partir do
raciocnio humano, da a importncia dessa teoria para a presente pesquisa.
Segundo Ullmann:
a teoria dos campos fornece um mtodo valioso para abordar um
problema difcil, mas de crucial importncia: a influncia da linguagem
no pensamento. Um campo semntico no reflete apenas as ideias,
os valores e as perspectivas da sociedade contempornea; cristaliza-
as e perpetua-as tambm; transmite s geraes vindouras uma
anlise j elaborada da experincia atravs da qual ser visto o
mundo, at que a anlise se torne to palpavelmente inadequada e
antiquada que todo o campo tenha que ser refeito (1964, p. 523).
Ullmann (1964) defende a ideia de que os campos semnticos tm um papel
na organizao das experincias humanas, percebe-se que o conceito que ele
aborda no o mesmo descrito por Henriques (2011). O que nos importa aqui
observar que tais campos podem refletir a influncia que a linguagem tem no
pensamento, dessa forma, a investigao dos campos lxico-semnticos de um
texto podero auxiliar-nos na elaborao de atividades que nos permitir analisar
como os alunos organizam seu pensamento diante do vocabulrio de um texto e
como a estrutura desse campo como um todo poder ajudar na interpretao desse
texto.
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CAPTULO III PALAVRAS COM FUNO CARACTERIZADORA
3.1 A abordagem gramatical
J mencionamos que vamos trabalhar com as unidades lexicais nesta
pesquisa, e que isso implica nos concentrar na classe dos adjetivos, dos
substantivos e dos verbos. Neste item, pretendemos explorar como a gramtica
aborda essas palavras do ponto de vista morfolgico e mostrar que a abordagem
gramatical no suficiente para analisar os elementos descritivos de um texto.
Os gramticos latinos no faziam distino entre adjetivo e substantivo,
ambos eram reunidos na classe dos nomes. De acordo com Castilho (2012), a
gramtica latina reunia, tanto substantivo como adjetivo na classe dos nomes, sob
especificao de nomen substantium e nomen adjectium. A razo disso era,
sobretudo, a forma como os substantivos e os adjetivos eram afetados pela mesma
categoria do gnero e do nmero.
No sculo XVIII a gramtica romnica comea a tratar substantivo e adjetivo
separadamente, portanto Castilho (2012) descreve alguns argumentos que
diferenciam essas duas palavras, a fim de demonstrar suas diferenas morfolgicas.
Alguns deles como a flexo3 admitida pelos adjetivos por meio do acrscimo de
determinados sufixos, como em branqussimo. Para o autor, quando um sufixo
superlativo se aplica ao substantivo, ocorre sua recategorizao, ou seja, a mudana
de classe gramatical. Dessa forma, Castilho (2012) mostra por meio do exemplo: o
governador candidatssimo a presidncia da Repblica, que o substantivo
candidato, agregado ao sufixo, assume funo adjetiva na sentena. Outro
argumento apresentado o fato de os adjetivos aceitarem os sufixos vel, como em
amvel e provvel, assim como aceitar o sufixo mente, que os transformam em
advrbios, como em facilmente. O ltimo ponto de distino morfolgica apontado
3 Referimo-nos aqui como flexo do adjetivo por assim ser tratado na gramtica em anlise. Contudo,
acreditamos, assim como muito estudos em voga h bastante tempo inclusive, no se tratar de uma flexo, j que
confere palavra valores expressivos. Trata-se de um sufixo derivacional, como observado por Mattoso Cmara
Jr. (1970) por no ter obrigatoriedade na sistematizao da lngua e por seu uso ficar condicionado a vontade do
falante.
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a derivao de quantificao aceita pelo adjetivo, expressa por oso e al. Assim,
palavras como estudioso e sensacional inserem-se na classe dos adjetivos, de
acordo com a viso gramatical, enquanto mesa e cadeira, por exemplo, s podem
fazer parte da classe dos substantivos, por no aceitarem esse tipo de derivao em
seu uso comum na lngua, como mesal e cadeiral, ou mesosa e cadeirosa.
Para Castilho (2012), procurar uma distino taxativa para as classes de
palavras algo bastante complicado, pois muitas relaes podem ser reconhecidas
em membros de categorias diferentes. o caso da adjetivao, assegurada por
alguns processos gramaticais que se do conforme o autor ilustra:
1. Atravs da intensificao, um substantivo torna-se adjetivo: Fulano
muito homem.
2. Atravs da sufixao gramatical, um verbo torna-se adjetivo: o
caso dos particpios passados. Os particpios sempre foram
considerados como verbos no prototpicos, meio verbos, meio
adjetivos, e disso decorre sua denominao.
3. Substantivos se recategorizam como adjetivos. Assim, vermelho
deriva do substantivo diminutivo vermiculus; louro deriva do
substantivo laurus (CASTILHO, 2012, p. 516 grifos do autor).
Compreender o processo de adjetivao permite que percebamos
conscientemente que muitas palavras podem atuar como elementos
caracterizadores, sem a exata necessidade de encaix-las nessa ou naquela
categoria.
No h dvidas que o adjetivo tem um papel fundamental na descrio. Na
gramtica de Cunha e Cintra (2013) esse , de fato, o papel atribudo ao adjetivo. Os
autores conceituam que o adjetivo essencialmente um modificador do substantivo;
caracteriza seres, objetos ou noes nomeadas pelo substantivo, atribuindo-lhes
qualidade ou defeito, modo de ser, aspecto ou aparncia, estado; pode tambm
estabelecer relaes como o substantivo, de tempo, espao, matria, finalidade,
procedncia, entre outros.
Bechara (2009, p.142) define o adjetivo como classe de lexema que se
caracteriza por constituir a delimitao, isto , por caracterizar as possibilidades
designativas do substantivo, orientando delimitativamente a referncia a uma parte
ou a um aspecto do denotado.
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Cunha e Cintra (2013) tambm abordam que algumas palavras pertencentes
a outras classes gramaticais podem servir para caracterizar o substantivo, portanto,
valem semanticamente como adjetivos. Os autores analisam que alguns
substantivos podem funcionar como instrumentos de caracterizao quando: o
substantivo principal est associado a outro substantivo em forma de aposto (o tio
Joaquim); quando o substantivo empregado em locues, precedido de preposio
(barco a vela = veleiro)4; quando o adjetivo substitudo por um substantivo abstrato
(Sofreu o destino cruel / Sofreu a crueldade do destino).
Nas gramticas consultadas, algumas formas verbais tambm so vistas com
funo de nomes. Esse tratamento dado ao que a gramtica intitula como formas
nominais do verbo. Para Bechara (2009), a funo adjetiva atribuda aos verbos do
particpio e do gerndio, como nos exemplos citados pelo autor: homem sabido
(particpio) e gua fervendo (gerndio). O mesmo observado por Castilho (2012).
Ambos consideram que, quando desempenham funo nominal, o infinitivo tem a
funo de substantivo, o particpio de adjetivo e o gerndio de adjetivo ou advrbio.
J Cunha e Cintra (2013) enfatizam a funo caracterizadora ao particpio,
quando este exprime o estado sem estabelecer relao temporal, confundindo-se
com o adjetivo. Contudo tambm abordam que a forma infinitiva do verbo pode ter
sentido narrativo ou descritivo, em frases nominais, como em horas depois, e a
mulher a gritar, o uso do infinitivo nessa frase descreve a ao da mulher, por isso
no deixa de atribuir-lhe uma caracterstica.
Acreditamos que a possibilidade de um verbo atribuir uma caracterstica um
processo que est muito mais ligado ao contexto do que a sua forma verbal.
Podemos, por exemplo, perceber o uso do gerndio com funo adjetiva na frase O
cantor, suando, entrou no palco, em comparao a O cantor suava quando entrou
no palco (= cantor suado). O mesmo ocorre com o uso do particpio em A garota
tinha suspirado a manh toda, em que outras formas verbais podem tambm A
garota suspirou a manh toda. A prpria carga semntica do verbo suspirar j
imprime uma caracterstica atitude da garota, em um contexto especfico pode
significar um lamento, ou mesmo um desejo.
4 Bechara (2009) tambm se refere a essa forma de caracterizao, a qual ele se refere como locuo adjetiva.
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No encontramos nas gramticas citadas nenhuma referncia semntica ao
uso dos verbos como elementos caracterizadores, ou sobre seu efeito estilstico. Por
isso defendemos que tais noes precisam ser ampliadas pela estilstica e pela
semntica.
3.2 Ampliando conceitos
na rea da Estilstica que encontramos uma viso ampla dos itens lexicais
que podem exercer uma funo caracterizadora, nessa rea so abordadas outras
classes de palavras que tambm podem cumprir essa funo, como os substantivos,
os adjetivos e os verbos.
Nos estudos de Lapa (1998) encontramos uma anlise dos efeitos estilsticos
vistos sobre o prisma das classes de palavras. Para ele, o adjetivo elemento
fundamental na caracterizao dos seres, portanto tudo quanto sirva para
caracterizar, jeito de entonao, palavra ou frase, vale como adjetivo (LAPA, 1998,
p.119). Ele observa algumas possibilidades de palavras e locues que assumem
funo adjetival na lngua portuguesa, so elas: entonao, substantivos
expressivos que trazem consigo um elemento caracterizador, substantivos que
caracterizam outros substantivos (caso frequente com o uso do nome das cores),
substantivos precedidos de preposio, oraes com uso do pronome relativo,
formas verbais com funo de adjetivos. Lembrando que, para Lapa (1998), os
adjetivos so palavras reais, portanto, carregam em si a responsabilidade do sentido
da frase.
O autor tambm observa os pontos de contato entre o substantivo e o
adjetivo, e conclui que as duas classes pouco se diferenciam. Segundo o autor:
[...] o substantivo pouco se difere do adjetivo; no fundo, so dois
aspectos duma mesma realidade lingustica. A prpria origem do
nome tem mais de adjetivo do que substantivo. Com efeito, ao
princpio, todos os seres foram designados por uma qualidade
fundamental que os caracteriza (LAPA, 1998, p. 110 111).
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Os processos de caracterizao com o emprego dos substantivos so
bastante frequentes, Martins (2012) tambm observa como forte recurso estilstico o
uso dos substantivos abstratos no lugar dos adjetivos, para ela:
Atravs do adjetivo o falante caracteriza emocionalmente o ser de
que fala; atravs do substantivo abstrato destaca o sentimento, a
qualidade, o estado, apresentando-os com mais realce, menos presos
ao ser (MARTINS, 2012, p. 106 107).
Como j observamos, ela destaca os adjetivos como palavras que exprimem
um significado afetivo, um julgamento, um elemento de avaliao. Cardoso (2013,
p.17) observa que mesmo que o texto seja puramente referencial, objetivo, ele
carrega consigo um aspecto intencional, seja o desejo de impressionar o
destinatrio, seja um desejo de marcar uma posio. Da a importncia de se
observar os elementos selecionados para fazer a caracterizao, pois esses
elementos podem revelar uma suposta intencionalidade do autor, uma posio do
enunciador, uma opinio emitida, entre outros. Como resume Monteiro:
a interpretao dos enunciados algo extremamente complexo, pois
o processo de escolha e combinao dos elementos pode ser
condicionado por fatores extralingusticos, entre os quais o
conhecimento de mundo ou as experincias e vivncias individuais
(2009, p. 150).
Lapa (1998) observou ainda a existncia de adjetivos de valor intelectual e
adjetivos de valor afetivo. Ele aponta que certas palavras tm um significado
objetivo, de representao puramente intelectual, outras so acompanhadas de
sentimentos.
Bally (1941) exemplifica como um adjetivo pode assumir um carter subjetivo
e afetivo, fazendo uso do vocbulo dramtico ele explica:
Assim o adjetivo dramtico, em a arte dramtica, acrescenta ao
substantivo um carter especfico, sem trazer emotividade ou
subjetivismo; mas em um incidente dramtico, o mesmo adjetivo
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expressa um valor subjetivo e descarrega uma corrente de
afetividade, mesmo que seja fraca5 (1941, p. 25 - Traduo nossa).
Conforme apontado por Lapa (1998), a afetividade atribuda ao adjetivo
depender de um contexto e do substantivo que acompanhar o adjetivo.
Outra caracterstica apontada pela Estilstica a posio do adjetivo na frase.
Em geral, os adjetivos pospostos tm como objetivo atribuir ao substantivo
caracterstica que se exime de carga conotativa, ou seja, o adjetivo que precede o
substantivo estaria empregado no seu sentido verdadeiro, enquanto o adjetivo
anteposto parece impregnar-se de sentimentos, adquirindo carter mais afetivo. o
que podemos observar na crnica Onde j se viu?6, de Tatiana Belinky: Tanta
criana rica no sabe o que perde, no lendo, e este menino pobre que
certamente no era um pobre menino sabe o valor que tem essa maravilha que se
chama livro!.
A autora deixa claro que a expresso menino pobre se distingue da
expresso pobre menino. A alternncia da posio do adjetivo marcou diferentes
significados, na primeira frase feita uma referncia condio financeira do
menino, enquanto na segunda o intuito dizer que o menino no era desprovido de
inteligncia, tolo.
Portanto, a posio do adjetivo no texto altera seu sentido, confere-lhe mais
ou menos expressividade, por isso deve ser levada em conta na anlise textual.
Assim como Lapa (1998) desenvolveu as caractersticas do adjetivo em seus
estudos estilsticos, na Semntica encontramos inteno semelhante na pesquisa de
Catherine Kerbrat-Orecchioni.
Kerbrat-Orecchioni (1980) dedicou-se ao estudo da subjetividade da
linguagem. Nesse estudo, desenvolveu um captulo sobre o adjetivo, no qual props
que algumas unidades lexicais so mais objetivas, enquanto outras unidades so
mais subjetivas.
5 Texto original: As el adjetivo dramtico, en el arte dramtico, aade al sustantivo um carter especfico, sin traza de emotividad ni de subjetivismo; pero en un incidente dramtico el mismo adjetivo expresa um valor
subjetivo y descarga uma corriente de afectividad, por dbil que sea. 6 BELINKY, Tatiana. Onde j se viu? So Paulo: tica: 2004.
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Embora admita a linha tnue que se estabelece nessas divises, a autora faz
a distino da categoria dos adjetivos, dividindo-os em objetivos e subjetivos. Estes
ltimos tambm apresentam uma subdiviso, conforme o esquema apresentado
pela prpria autora, que ilustramos a seguir.
Esquema 01: Categoria dos adjetivos de acordo com Kerbrat-Orecchioni (1980, p.84)7.
Os adjetivos subjetivos esto no nvel interpretativo da linguagem, so
apreendidos pelo contexto e sua principal caracterstica atribuir um julgamento de
valor do enunciador.
Para Kerbrat-Orecchioni (1980), os adjetivos afetivos podem tanto designar
uma propriedade do objeto que est sendo determinado, como tambm indicar uma
reao emocional do falante diante do objeto. A autora demonstra como o uso dos
7 Termos utilizados no esquema: Adjetivos; Objetivos (solteiro/casado, adjetivos de cores, macho/fmea);
Subjetivos; Afetivos (pungente, engraado, pattico); Avaliativos; No Axiolgicos (grande, longe; quente; numeroso); Axiolgicos (bom, bonito, bem). Traduo nossa.
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adjetivos do segundo caso, em que o falante expressa reao emocional, poderia
ser prejudicial em textos judicirios, exemplificando com frases como pobre vtima
ou assassino cruel. Ao se afirmar que certos textos precisam ser dotados de
objetividade e deles devem ser excludos qualquer trao de emoo ou sentimento,
admite-se que certos adjetivos possuem uma carga maior de afetividade.
Alm do contexto, significantes prosdicos, tipogrficos ou sintticos (caso da
anteposio do adjetivo) tambm contribuem para atribuir valor afetivo ao adjetivo.
Ullmann (1964) tambm abordou a anteposio do adjetivo como artifcio emotivo, o
que ele chamou de artifcio sinttico. Para ele, certas lnguas permitem que as
palavras possam ser livremente movidas com intuito de realces e efeitos emotivos,
alm disso, pode-se tambm obter efeitos sutilmente irnicos.
Ainda segundo Ullmann (1964, p. 285) O valor emotivo do adjetivo em
posio anterior pode ser reforado pela repetio [...] ou pelo uso do mesmo
adjetivo em dois lugares opostos dentro da mesma orao. Percebe-se que esses
estudos semnticos esto bastante prximos dos estudos estilsticos.
Prosseguindo com a classificao proposta por Kerbrat-Orecchioni, temos os
adjetivos avaliativos no-axiolgicos. Pertencem a essa classe os adjetivos que
independem de um juzo de valor ou engajamento afetivo do locutor, os adjetivos de
avaliao no axiolgica pressupem uma avaliao qualitativa ou quantitativa
ligada a duas normas: qualidade interna ao objeto; e avaliao especfica do
enunciador. Nas palavras da autora o uso de um adjetivo avaliativo relativo ideia
que o locutor tem da norma de avaliao aplicado a categoria de um dado objeto8
(KERBRAT-ORECCHIONI, 1980, p. 86 traduo nossa). Entretanto, a autora
ressalva que essa categoria faz uso estrito da definio lexical, inserido em um
contexto as palavras podem tornar-se mais afetivas ou axiolgicas.
Os adjetivos de natureza axiolgica tambm dependem da observao de
duas normas: interna a classe do objeto; interna ao sujeito da enunciao e relativa
ao seu sistema de avaliao. Os adjetivos de natureza axiolgica, portanto,
determinam um julgamento de valor, positivo ou negativo. De acordo com Kerbrat-
Orecchioni, so duplamente subjetivos, pois manifestam uma posio a favor ou
8 Texto original: lusage dum adjectif valuatif est relatif lide que le locuteur se fait de la norme dvaluation
pour une catgorie dobjets donne.
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contra um objeto determinado e refletem uma competncia ideolgica particular do
enunciador.
Ullmann (1964) tambm analisou palavras cuja funo principal era a de
exprimir um elemento de avaliao ou comentrio emotivo. Segundo ele, nessas
palavras o elemento emotivo parte integrante de seu significado central. o caso
de adjetivos como bom, estpido, divertido etc. Alm dos adjetivos, ele observa que
algumas palavras contm um elemento de avaliao sobreposto ao significado
principal, exemplificando com a palavra rabiscar, que combina a ideia de escrever a
maneira desleixada de praticar essa ao, indicando a falta de cuidado.
J havamos discutido, no segundo captulo, a respeito das palavras que
exprimem uma avaliao. O interessante de se observar no exemplo fornecido por
Ullmann que ele no apenas considera o substantivo rabisco, como tambm o
verbo rabiscar. Isso mostra que a funo caracterizadora de uma palavra est ligada
a carga semntica que lhe atribuda.
Por isso, quando mencionamos a abordagem gramatical, dissemos que os
verbos tm importante papel na descrio, no somente por apresentar formas
nominais, mas, como tambm j discutimos no presente trabalho, por apresentarem-
se como uma palavra real e serem nucleares na organizao de frases verbais.
Entretanto, os referenciais tericos de que dispomos atualmente, deixam de
abordar com profundidade essa caracterstica dos verbos. Tanto na gramtica,
quanto na estilstica, o foco das formas verbais como caracterizadoras est nas
formas nominais do verbo. Essas reas concentram-se mais nos verbos no
gerndio, no particpio e, algumas vezes, no infinitivo, para fornecer exemplos de
estruturas verbais que podem exercer funo caracterizadora.
A leitura dos textos literrios que nos dispomos a analisar no presente estudo
mostra que no podemos deixar de levar em conta a existncia da funo
caracterizadora dos verbos. Isso justifica a observao dessas trs classes
gramaticais, mesmo que os verbos caracterizadores apaream em menor frequncia
do que os substantivos ou os adjetivos. Um exemplo da importncia de se levar em
conta outras formas verbais que podem exercer caracterizao pode ser verificada
nos seguintes fragmentos do conto Verde Lagarto Amarelo:
Ao contrrio, engordei, no est vendo? (TELLES, 2009, p. 22)
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Mas, filho, comendo de novo?! Quer engordar mais ainda? Hum?... (TELLES, 2009, p.28)
O verbo engordar destacado nos trechos acima mostram uma caracterstica
da personagem Rodolfo. Ele era gordo, tipo fsico que enfatizado no conto para
mostrar o sentimento de inferioridade que ele tem. Sem fazer uso de um adjetivo,
percebemos essa caracterstica sendo ressaltada pelo verbo engordar,
principalmente na fala da me de Rodolfo, que o repreende por estar comendo. Ela
destaca que engordar ainda mais, ou seja, ele j gordo, e a me teme que esse
vcio possa agravar-se, tornando-o ainda mais desagradvel aos olhos maternos.
Trata-se, portanto, da identidade fsica de uma personagem sendo descrita pelo uso
de um verbo.
Outro exemplo de uma personagem sendo descrita por meio do uso de verbo
pode tambm ser observado no conto A caada. O verbo tremer utilizado no
pretrito imperfeito do indicativo, caracterizando a personagem:
O homem acendeu um cigarro. Sua mo tremia. (TELLES, 2009, p. 68)
Nessa passagem, o verbo indica que a mo da personagem estava trmula.
Trata-se de uma caracterstica psicolgica que a personagem apresentava naquele
momento: trmulo, nervoso, ansioso. O que definir a funo caracterizadora de um
verbo , principalmente, o contexto em que se insere e os significados evocados
pela carga semntica de determinado lexema.
O mesmo j observamos em relao funo expressiva dos substantivos.
Lapa (1998) diz que certas palavras j expressivas caracterizam-se por si s. O
exemplo, dado pelo autor, a palavra antros. O uso de adjetivos para caracteriz-la
dispensvel, visto que o substantivo j remete a um lugar fechado, escuro,
asqueroso.
O uso dos verbos ou dos substantivos na descrio modifica a perspectiva da
representao imaginativa da cena. Para Monteiro (2009, p. 113), a representao
da realidade efetiva-se atravs de uma viso esttica ou dinmica. Para o autor, os
verbos constroem uma representao dinmica, cintica, enquanto os substantivos
demonstram uma representao esttica. Ainda segundo Monteiro (2009), frases
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nominais permitem que sejam projetados nas descries cada elemento da imagem
projetada, o que favorece os aspectos sensoriais.
Retomando o conto A caada, podemos observar o uso dos substantivos
nessas construes frasais que convergem, justamente, para imagem esttica da
cena representada:
Em redor, tudo parado. Esttico. No silncio da madrugada, nem o piar de um pssaro, nem o
farfalhar de uma folha. (TELLES, 2009, p. 72)
As unidades lexicais que constituem o perodo contribuem para o efeito de
sentido do texto. O uso de substantivos e a substantivao dos verbos no lugar de
frases verbais fazem com que o leitor projete a cena como uma pintura, uma
imagem esttica, remetendo aos sentimentos que a personagem vive no conto.
Como explica Monteiro:
s vezes, as construes nominais se encaixam numa sequncia de
frases verbais que sustentam o fio narrativo, como se o ambiente
passasse a influir na prpria ao. Essa tcnica agua a capacidade
imaginativa, levando o leitor a visualizar nitidamente os objetos
descritos (2009, p. 114).
o que ocorre em A caada, em que o ambiente o elemento central de todo
o conto.
Podemos concluir, dessa forma, que os elementos descritivos de um texto
podem ser elaborados por meio do uso de substantivos, adjetivos e verbos (em
menor escala). Esse uso fica condicionado inteno do escritor e o efeito de
sentido pretendido ao realizar a descrio de uma personagem ou de um ambiente,
pois, a descrio exerce papel fundamental no sentido global do texto. Por isso a
observao desses elementos de extrema importncia quando desejamos realizar
uma leitura mais eficiente.
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CAPTULO IV ENCAMINHAMENTOS DIDTICOS:
O CONTO EM CENA
4.1 Definio do conto e suas caractersticas
Quando Mrio de Andrade escreveu o conto Vestida de Preto, iniciou-o com a
seguinte frase: Tanto andam agora preocupados em definir o conto que no sei
bem se o que vou contar conto ou no, sei que verdade. Muitos ter icos
buscaram definir o conto medida que esse gnero ganhava mais notoriedade no
meio literrio. Gotlib (2002), ao buscar uma soluo para o questionamento do que
seria um conto, lembra que sua tradio comeou oralmente, desde as sociedades
primitivas. Cada civilizao, cada cultura, desenhou seu modo de contar histrias, o
que faz com que seja muito mais complexo atingir uma definio exata para o
gnero conto.
Ao se tomar como ponto de partida o contar histrias como definio para o
conto poder-se-ia enumerar uma srie gigantesca de textos que correspondem a
esse conceito, como os mitos, os contos maravilhosos, as fbulas, alguns episdios
bblicos, as histrias contadas no Oriente etc. Tendo uma gama de textos to
diferenciada, esse ponto de vista para a definio do gnero ainda bastante
nebuloso.
Portanto, tarefa muito mais expressiva seria observar suas delimitaes, ou
como diz Passos (2001, p. 67) em se tratando de conto, devemos aceitar as
restries de um estudo sobre traos que o delineiam. Dessa forma, os estudiosos
do conto passaram a compar-lo com outros gneros, observando suas
especificidades.
Para Moiss (1967, p. 37) o conto , do prisma de sua histria e de sua
essncia, a matriz da novela e do romance, mas isso no significa que deva poder,
necessariamente, transformar-se neles. Na mesma linha de pensamento, do conto
comparado ao romance, citamos novamente Passos (2001, 67), que diz comparado
ao romance, o conto configura-se breve e condensado, estando, em certos casos,
prximo de outra forma de grande presena histrica, mas de perfil igualmente
difcil, a novela. H entre esses dois autores, apesar do largo espao de tempo de
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seus estudos, um consenso de uma delineao do conto: histria que no deve ter
grande extenso. Esse um ponto de comum acordo entre os tericos do conto,
que, ao deline-lo, no deixam de citar sua forma intensa e breve.
De fato, esse passou a ser o conceito mais marcante para o gnero em
questo, um texto narrativo em que os acontecimentos e os conflitos decorrem de
forma breve, mas que causam forte impacto ao leitor. Como acrescenta Lucas:
A dimenso do conto e a particularizao de seu conflito fizeram-no
distinguir-se da outra grande forma narrativa, o romance: enquanto este,
dadas a complexidade da ao e a metamorfose de relaes que o torna
homlogo prpria sociedade, que se v transcrita repetidas vezes no
relato romanesco, aquele tende a captar a individualidade. (1982, p. 105)
Em seu conhecido estudo, Alguns Aspectos do Conto, Julio Cortzar faz a
mesma analogia, e utilizando uma metfora para referir-se a intensidade que abarca
o conto, diz que o texto trava um combate com o leitor, nessa luta o romance
ganharia por pontos enquanto o conto ganha por nocaute (CORTZAR, 2013).
Esse contista e terico buscou nos ensaios e nos contos de Edgar Allan Poe
as caractersticas que faziam de um texto um bom conto. Entre elas, Cortzar
destaca a intensidade como acontecimento puro. O autor cita o exemplo da
descrio dos ambientes que nos obriga a ler o conto como se estivssemos dentro
dele (CORTZAR, 2013). Segundo Passos (2001), cada palavra escrita no conto
deve contribuir para esse acontecimento, todos os eventos do conto devem girar em
torno de um efeito nico de sentido, um desgnio preestabelecido.
Essas definies do gnero marcam no somente sua ruptura com o
romance, mas tambm afastam o conto moderno dos antigos contos de tradio
oral, alguns conhecidos como contos maravilhosos, estudados detalhadamente pelo
russo Vladmir Propp, cujas caractersticas apontadas em seu estudo no mais se
aplicam aos contos como conhecemos hoje. Basta pensarmos nos termos da lngua
inglesa que tem um nome diferente para cada uma dessas histrias, sendo o conto
de tradio oral tale, e o conto praticado por Poe no sculo XIX, short-story. Gotlib
(2002) aponta que o termo short-story, escrito com hfen, foi primeiramente utilizado
por Brander Matthews, pois este queria diferenciar no s a extenso do conto
(utilizando o termo short story, sem hfen), mas a sua natureza (GOTLIB, 2002).
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Historicamente, muitas formas assumiram o nome de conto. Ao pensarmos
numa definio que contemple os contos em circulao na atualidade, considera-se
a histria de breve extenso, cujo tempo, personagens, espao, situao,
contribuem para a unidade de sentido, capaz de causar forte impacto.
Enquanto gnero textual, observa-se tambm uma grande diversidade de
contos. Na escola, as crianas, provavelmente, tm o primeiro contato com o gnero
pela oralidade, por meio dos contos de fadas. Ao ingressarem no Ensino
Fundamental II, os alunos ampliam seu repertrio com a leitura, interpretao e
anlise de contos maravilhosos. medida que avanam nas sries escolares, outros
textos literrios vo adentrando o universo dos estudantes, como poemas, histrias
de terror e de mistrio, crnicas, entre outros, convivendo com outros gneros que
no pertencem esfera literria. O conto literrio (como vamos nos referir ao gnero
que vamos trabalhar na proposta didtica) costuma ser abordado no 9 ano do
Ensino Fundamental II. Nesse segmento, espera-se que os alunos leiam,
interpretem e analisem esses textos, assim como possam reconhecer os elementos
composicionais desse gnero.
A definio do conto, feita para os alunos, tambm comea por sua extenso.
O conto apresentado como uma histria curta, organizado numa tipologia
narrativa. A fim de compreender como a teoria do conto transmitida aos
educandos, observamos como o conceito do conto e as atividades sobre o gnero
se apresentam em dois livros didticos em que esto presentes contos literrios.
No livro Jornadas.port Lngua Portuguesa, do 9 ano, elaborado por Dileta
Delmanto e Laiz B. de Carvalho, o conto literrio inicia a primeira unidade. O texto
em anlise o conto Piquenique, de Moacyr Scliar. Os exerccios presentes na
seo Como o texto se organiza, trazem em seu enunciado ou em boxes
explicativos algumas definies conceituais. O conto definido como narrativa
breve em que a ao o elemento mais importante. Por isso a caracterizao das
personagens, do espao e do tempo restrita (DELMANTO e CARVALHO, 2012, p.
19). Nota-se que essa definio traz uma observao que vai de encontro com o
trabalho proposto na presente pesquisa.
O problema de tal definio achar que todo o conto, devido a sua brevidade,
abre mo da caracterizao. J citamos o trabalho de Cortzar (2013) em que o
autor escreve sobre a intensidade do conto. Para ele, a intensidade pode ocorrer de
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duas maneiras. A primeira consiste, como diz o autor, na eliminao de todas as
ideias ou situaes intermdias, nesse caso, o autor pode renunciar, inclusive, a
descrio dos ambientes. J na segunda maneira, o escritor aproxima lentamente o
leitor do que est sendo contado. Esse tipo de intensidade tambm chamado de
tenso. Nessa modalid