Download - Exercicios de Semantica
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EXERCCIOS DE SEMNTICA
Joo Vasco Coelho
Coimbra * MMIX
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Os exerccios
Interregno.......................................................................................... 3 Especulao. ..................................................................................... 4 Arroz doce......................................................................................... 5 Vulnerabilidade................................................................................. 8 Pessimismo ....................................................................................... 9 Gnero............................................................................................. 10 Estatuto ........................................................................................... 11 Verdade........................................................................................... 12 Repasto ........................................................................................... 13 Normopatia ..................................................................................... 14 Sociopatia........................................................................................ 15 Porrada............................................................................................ 16 Conversa ......................................................................................... 17 Dar .................................................................................................. 18 Rir ................................................................................................... 19 Fazer ............................................................................................... 20 Palavras........................................................................................... 21 Teleologia ....................................................................................... 22 Discurso publicitrio ....................................................................... 23 Adjectivo......................................................................................... 25 Empenho ......................................................................................... 26 Meio................................................................................................ 27 Amigos............................................................................................ 28 Potencial.......................................................................................... 29 Monocultura.................................................................................... 31 Ansiedade........................................................................................ 32 Poltica ............................................................................................ 34 Amor ............................................................................................... 36 Silncio ........................................................................................... 37 Trabalho .......................................................................................... 38 Vida................................................................................................. 39
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Interregno.
Por vezes, h pessoas que batem de frente com a insolvente
indiferena dos procedimentos do Estado, verdades rgidas dispostas
em estantes, que assistem, perplexas, a esta amostra de realidade s
avessas, sem nada poderem fazer, pois so de contraplacado, uma
matria que no , ainda, um cidado, e no pode, portanto,
denunciar ou injuriar mediocridades alheias. O mundo estar, talvez,
em intervalo. Gente h que aparenta viver no seu prprio jardim-de-
infncia. Estar vivo, um exerccio lgubre, violento, virulento para
o incauto Homem-mdio. Assim se v, um mundo em intervalo. Os
infinitos pessoais so reduzidos. A ignorncia normalizada,
banalizada. Todo o dilogo evento, performance. Turpor. Muito
perfeito, aborrecido, dispensvel. Sofrida pose canalizada. Ser,
talvez, um caso de salincia na percepo. Uma hiprbole meditica.
Para conselhos e orientao, valha-nos, talvez, o Borda dgua. A
alegria leviana, por tal, h que desta efectuar parcos consumos,
com decoro e moderao.
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Especulao.
O mundo, agora de compreenso mais difcil depois das brincadeiras
de especulao que nos assolam o esprito, to distante e to ausente
das virtuais mecnicas bolsistas. Uma substncia amorfa, aptica
a ainda chamada economia, gua sulfurosa, um holograma-avatar
que nos invade o dia-a-dia. O valor da transaco rebenta-nos na
mo; pobre do leitor que, sem aviso, se perde num odor
nauseabundo, indexado ensima abstraco. Que pretendem as
pessoas, assim deste jeito? Nova quitina, a aparncia de um exo-
esqueleto refeito, pensado e definido a preceito. Odor de fraude,
impunidade e desrespeito de gnese opaca, difcil de balizar.
Importante , certamente, o indivduo que se pe a jeito. Um ensejo
secular, que nem o mais potente CIF parece poder neutralizar.
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Arroz doce.
Esperana. Apesar da especulao metafsica de niilistas, o apego
essncia material das coisas, e pirotecnicas maneiristas de senhores
feudais, relembram-se velha quimera, o arroz doce das avs, uma
mania em pires tosco, a fumegar. Perante um vislumbre de divindade
assim servido, os seres humanos so mais iguais. O arroz-doce das
avs, servido ao neto e ao senhor feudal, muito tem contribudo para o
progresso moral da civilizao, alienando as sortes precrias dos
indivduos incautos, assim surpreendidos com tamanha manifestao de
cultura e humanidade, demarcada com trao grosso de canela. Como
diria Machado de Assis, bem-aventurados os que assim no descem.
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Colo.
O colo nunca falha: colo fiel, que resgata a angstia da meditao
insolente. Colo refgio, quando o mundo persiste em avanar do
lado avesso. Colo amigo, onde brindamos aos ideais esfumados, aos
sonhos e aspiraes que teimam em no aparecer. No colo figuram
as palavras todas. No colo, as certezas so sempre afirmadas.
Derramadas. No colo jaze quase sempre a verdade. Do muito colo se
pode fazer de uma existncia, uma travessia um pouco menos
solitria.
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Vazio.
No pode haver uma relao entre duas pessoas, se no existir o
fomento do vazio; o vazio condio e cenrio de apario da
essncia de cada uma dessas pessoas. H, pois, ritmo e
disponibilidade (irregular) no vazio. O vazio empresta volume
expectativa. O vazio contribui para o achamento de si. O vazio no
, de modo inequvoco, ausncia e opresso. O vazio que se v ,
efectivamente, o vazio que se conhece.
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Vulnerabilidade.
O criador deve construir a sua casa sempre beira do abismo.
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Pessimismo.
Da lgica totalitria e niilista da vida mutilada prpria do tempo que
o nosso, outra coisa no se pode (ou deve) esperar que no
diferente. O pessimismo surge, aqui, como inefvel/ incontornvel
postulado/performativo tico. A interrupo do ritmo veloz e voraz
do quotidiano, sem contemplaes, emerge como possvel panaceia.
Antdoto mirfico, contudo. Habituamo-nos, com negligncia,
desateno no dia-a-dia, e ao seu apelo melanclico. H que reaver a
lucidez, face desmesura e vertigem horizontal do vazio. Uma
aragem libertria. Torpedear o devir da histria. A passagem do
tempo como escrito-dito, ordenado e no-decorativo, incuo. Um
vaivm veemente de palavras plenas. Amor que no carece, em
definitivo, de explicaes.
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Gnero.
O gnero , abreviando, o parente afastado do sexo, ao operar no
contexto social como classificador (de diferenas) dos indivduos,
um lugar de inscrio e legimitao de relaes de subordinao e
desqualificao (social e simblica). A assimetria de gnero
assunto sobre o qual j se verteu boa e apaixonada tinta; trata-se,
contudo, de uma quantidade de lquido ainda insuficiente, dada a
prevalncia de modos seculares de pensar o homem e a mulher que
sustentam a marginalizao histrica do universo feminino, e o
remetem para uma esfera de invisibilidade. Neste quadro, a viso de
supremacia masculina associa-se, enquanto fenmeno psicolgico e
social, a uma estrutura psquica de tipo autoritrio, e a uma tipologia
de organizao social que premeia, enfatizando, a
heterossexualidade monogmica como ideal de gesto do corpo e
dos afectos. Por esta e outras evidncias, gostaramos de ter uma
prole de filhas. Tanto mais que os meninos suam muito nos recreios,
e comem muito po com marmelada.
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Estatuto.
Na sociedade da superfcie, na busca trpega pela visibilidade, h
lixo pelo meio, cognio em retrocesso, tiramisu e Bolacha Maria,
esquinas sujas e palidez em excesso. A vida, e a procura incessante
de um estatuto social, continuam, contudo, para alm do nosso
enfado e fadiga.
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Verdade.
Apesar da boa vontade, a passagem do tempo tende a fazer-se sentir
em todo o seu esplendor. A verdade, vestida agora de traje
tecnocrata e preocupao economicista, esboroa-se, pois, no esvaziar
de cada segundo. Existem momentos, porm, onde o sentido das
coisas se perfila, ainda assim, de modo aparentemente translcido; a
vertigem do fluir do tempo e seus efeitos deleutrios ensaiam uma
exposio que, a uma certa luz, se afigura como suportvel e
construtiva. H quem arrisque mesmo falar de desenvolvimento,
termo de significado exguo em poca de contnuas irrupes de
descontinuidade - da passagem do tempo erguem-se iderios
pessoais feitos de verdades de pacotilha, frutos de um instante, de
um sucedneo de circunstncias.
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Repasto.
Estar mesa uma conduta que deve situar-se muito para alm da
refeio, e do elidir de urgncias imediatas de alimentao. Quando
se est mesa, transcendem-se necessidades de nutrio, e celebra-
se o facto de um conjunto de pessoas se dispr volta de um tampo
de mesa, falando e interagindo de um modo que doutra forma no
seria possvel. No necessrio que o repasto seja uma ddiva divina
produzida pelo tmpero organolptico dos seus constituintes; o
repasto vale mais por ser um pretexto, um motivo para o encontro e
o estacionamento temporrio dos espritos.
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Normopatia.
Pretender previsibilidade e constncia para a existncia pedir
demais inocncia.
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Sociopatia.
J muito se sabe acerca dos cenrios de neurose e dilacerao turva
do entendimento da realidade material, do indviduo que, refm da
sua exuberante anarquia emocional, obedece cegamente ao impulso,
compulso que se pretende redentora, concretizando sugestes
absurdas que uma mente desesperada faz a si prpria. Alm de
criatura social e intelectual, o Homem apresenta-se como micro-
cosmos nervoso em salas de reunio, repasto e decantao dos males
de esprito. Entre gravatas regimentais e exaltaes do ego, o curto-
circuito neurtico espreita ao dobrar de cada esquina.
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Porrada.
Observando o pico quotidiano de um qualquer confessionrio da
modernidade, um caf-pastelaria-ou semelhante, mais no se regista
que a apologia diria da auto-estima e da auto-comiserao, a
sublimao de uma esttica da fragilidade, da melancolia e da
depresso. Entre um caf e um retalho de pastelaria fina, v-se bem
que a vida , no essencial, aquilo que nos cansa e mata, e, neste
contexto, a porrada o paliativo que nos dignifica, e que nos
aproxima da eternidade e do endeusamento desejado.
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Conversa.
Se existe um reduto da espiritualidade humana, acreditamos que ele
reside na conversa. A conversa um interldio que se tem, do qual
se usufrui, havendo, inclusiv, quem d muita conversa. A conversa
, portanto, tambm um bem que se troca. Nada de mais expectvel,
em tempo histrico de mercadorizao da experincia humana.
Neste contexto, h quem advoge as propriedades teraputicas de uma
narrativa, de um transaco dialgica, de uma recomposio do nexo
e do significado de uma vivncia pessoal. E h tambm quem inverta
o sentido primordial do conceito, desconversando. A desconversa
equipamento fundamental, ao que parece, dos novos gladiadores da
comunicao de consumo rpido: mais do que discutir a substncia
das ideias do adversrio, deve partir-se, com urgncia, para a sua
desconsiderao, tentando, deste modo, a sua menorizao e
desautorizao. O imprio do fait-divers adquire aqui, novo
cabimento aparentemente impoluto.
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18
Dar.
Daquele instante, recordamos no o frio, ou a abundncia da ddiva,
mas sim, as mos muito penhoradas que uma vez se estenderam
nossa frente, segurando um certo objecto, e fizeram com que, por um
momento, naquele mesmo momento, acreditssemos que da em
diante, tudo passaria a ser assim.
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19
Rir.
H, por certo, um lugar onde as pessoas que se riem se renem, sem
que a tristeza disso saiba, para que isto lhes suceda de uma forma
que no gera consequncias. Talvez o riso seja apenas das vsceras e
no da tmpera, e por isso a nostalgia o deixe acontecer.
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20
Fazer.
As pessoas fazem as coisas porque tm de as fazer, porque est na
sua condio. Depois, j no com elas, o que est feito j est para
fora de si, autonomiza-se, e diz sempre, em sub-texto, vrias e outras
coisas. A pessoa que faz, enquanto autora do que feito, assiste ao
espectculo da sua criao, incrdula, por vezes, por lhe ter servido
de veculo. H que continuar a fazer, at prova existir em sentido
contrrio.
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21
Palavras.
Da leitura de uma gramtica moderna constata-se que, em matria de
semntica frsica, os nomes uniformes podem ser, quanto ao gnero,
epicenos, sobrecomuns e comuns de dois, e no que toca a
propriedades semnticas dos grupos nominais, podemos identificar
nomes no contveis no massivos e, mais tarde, a definio de
modalidade epistmica ou dentica. Em tempo histrico de evoluo
massiva da tecnologia, interrogamo-nos se a vida tem mesmo de ser
assim, sujeitas que esto as palavras, anteriormente singelos redutos
de humanidade, a obstinados cortejos sacrificiais. H mais mundo e
mais beleza nas palavras, do que aquela que diariamente nos
servida de rao. No final, restam sempre e s as palavras; e um
impulso, incontido, de as libertar.
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22
Teleologia.
Como a aco demonstra a inteno para o futuro, h que deixar,
talvez, tudo para o dia de amanh, para que o futuro saiba que pode
contar sempre connosco.
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23
Discurso publicitrio (para papel higinico).
Aqui, tudo branco, largo e muito fino, para que pessoas boas (e
honestas), saibam que as suas experincias de empenho demorado
representam fielmente o mundo que as rodeia.
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24
Parentalidade.
Com a ingenuidade de crer no bater das asas de uma borboleta,
crianas que gostam de presunto e acreditam em lugares pequenos,
onde noite pousam drages, vo coleccionando afectos na
esperana v de um dia poderem vir a parar o tempo. Os afectos so
pequenos seres que, ao longe, proporcionam o enlevo
de semi-deuses, escultores de um instinto de quem tudo se pode
esperar. A contabilidade dos pecados e suas grandes sombras
quebram, porm, este feitio de um dia se vir a poder parar o tempo.
Por isso, importante saber contar desde cedo, e isso deve ser
transmitido s crianas, gostem ou no de presunto.
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25
Adjectivo.
A proximidade do adjectivo revela, por vezes, que por debaixo de
sua singela roupagem, as suas costas so profundamente tortas. O
adjectivo, assim decifrado num palco feito de usura quotidiana, no
se intimida, e oferece gentilmente a sua fragilidade - um interior
habitado de memria e incontida intimidade. Adjectivar , como
sempre foi, coreografia sempre refeita. Uma tecnologia mais-que-
perfeita. Ou melhor, um corpo em plano inclinado para a direita.
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Empenho.
Entre uma tisana e a letargia, um pouco de clcio para a ossatura
debilitada: a alma de uma relao, de trabalho, de amizade, comrcio
ou amor, no se deixa capturar facilmente; necessrio, para a
abstrair e tornar inteligvel, o esforo e o aborrecimento, termo-nos
importunado e sofrido nos lugares que a enformam e circunscrevem.
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27
Meio.
A mediao est, definitivamente, em crise. Se todo o tempo
"real", no h figuras de interface entre o ser e o agir, no h espao
e lugar para o pensar. O pensar sempre uma distncia, uma lentido
do tempo. As instituies sociais cuja razo de existncia pode ser
encontrada no "meio" - partidos, sindicatos, parlamentos,
associaes, escolas, famlias, igrejas, academias - perdem poder de
modo acelerado, sendo curto-circuitadas pela acelerao vertiginosa
da vivncia da passagem do tempo. Nenhum de ns tem mo no
tempo. No meio, parece-nos, pois, que nos dias de hoje, dificilmente
se encontra a virtude.
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28
Amigos.
Os amigos sabem, porque o pressentem por entre a embriaguez da
sua sintonia, que a vida , por vezes, simplesmente estar. Apenas os
amigos, com a sua alma nica que se difunde pela existncia
material de vrios corpos, podem salvar um solo estril, uma terra
devastada.
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29
Potencial.
H tempos em que se diz, de modo brando e insuspeito, que uma
pessoa, em vez de no ter mais idade, ainda no tem idade para
assegurar uma dada diligncia. Decorre esta lenta e trgica
transformao, no entender de poetas e prosadores, do fluir
inexorvel da vida. De um sentido de urgncia, da necessidade
despojada de despertar da letargia, da reinveno de verdades e
certezas. Pelo caminho, lembrando Lavoisier, h algo que
certamente se transforma. A concretizao, talvez, do que foi
ilustrado, noutros tempos, como potencial, imitao de vida. O
desenho em baixo relevo de um estado de adultez a aquisio de
uma pose, numa palavra.
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30
Fadiga.
Com o desaparecimento das grandes fices ou narrativas
ideolgicas que sustentaram os tempos modernos, e a expanso
correlativa dos mercados da alma, o indivduo, entregue que est a si
prprio, entrar crescentemente em colapso. Gerir a economia do
destino pessoal uma tarefa de complexidade no despicienda; a
sobrevivncia errncia e ao paradoxo da estrutura da existncia,
um motivo de decepo e perplexidade acrescida. Viver todos os
dias, nestes termos, cansar cada vez mais. O ser humano , em
rigor, a nica espcie com a capacidade de se projectar e
perspectivar no futuro. Pelo constatado, tem valido de muito.
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Monocultura.
Com virtude e menos f ilimitada, possvel vislumbrar, no esprito
do tempo, o afundar gratuito da generosidade do silncio em crateras
feitas de incria, um despejo de palavras que aparecem, de repente,
em cena, no escrutnio do agora, um soluo romntico que se
pressente, e, ainda assim, nos escapa. Pobres vocbulos, moedas sem
valor, perdidos nestes solilquios mudos de homens proverbiais,
pardos nas suas narrativas contradas, carentes de factos falecidos e
registo em caderno de argolas, um encargo responsvel que mudasse
a sua vida, uma dieta fontica feita de monocultura e presena em
comentrios sobre a epiderme de Michael Jackson.
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Ansiedade.
No saber novecentista, a ansiedade, entendida enquanto condio,
estado ou resposta, do esprito e das vsceras, a uma disposio
indutora de perturbao, no configurava um quadro nosogrfico
com existncia legimitada. At, ento, falava de um problema de
nervos, que se naturalizava amide no meio de um esforado
suspiro. Neste momento, a ansiedade uma marca da
contemporaneidade, quem sabe subdiagnosticada. valorizao do
que se apresenta, possui e ostenta com espectacularidade - o xito, o
dinheiro, a beleza, a jovialidade, a assertividade, a clareza e o
pragmatismo das ideias -, associa-se a mais profunda ausncia de
sossego. No um sossego de propsito hednico. Simplesmente,
sossego.
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Tentar.
Deve considerar-se uma qualidade a vertigem de tentar at s ltimas
consequncias. O vigor da vigilncia e da intuio deve, pois,
ensinar-se. H pessoas que vivem s escondidas dentro de seus
corpos e casas. Ficam, depois, verdes, processando actos de pequena
loucura que, lenta e silenciosamente, se transformam em pedra. A
matria de compreender deve, pois, ensinar-se. H que tentar, e, no
final, ir tentando.
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Poltica.
Instrumento de participao na sociedade, prtica que se trafica entre
travessas de carne assada. Em compartimentos parcamente
iluminados, nas confrarias da deciso, os confrades, anmicos na sua
temporria penhora ideolgica, falam de alcatro e da necessidade de
dois e dois serem cinco, apesar das evidncias de contradio.
Sabendo do interesse como mercadoria, a anuncia colectiva. E
pronto. Fez-se poltica.
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Risco.
A procura de equilbrio seria mais fcil, sem dvida, se o trabalho
fosse efectivamente algo alheio vida pessoal. Contudo, para a
maioria dos indivduos, se a realizao vem atravs do mundo, o
trabalho que os torna sujeitos-protagonistas de aco social. Num
cenrio feito de futuros tendencialmente incertos, este um exerccio
exigente. Um exemplo , por exemplo, a cultura vigente de
glorificao do risco. No mundo actual, a estabilidade quase um
sinnimo de morte, e o destino importa menos que o acto de partir.
Como observam os profetas contemporneos da agonia das
estruturas sociais, o risco um teste de carcter: o mais importante
fazer o esforo, arriscar, mesmo se o indivduo souber que est
destinado ao fracasso.
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Amor.
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37
Silncio.
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38
Trabalho.
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39
Vida.
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Exerccios de semntica
Joo Vasco Coelho * MMIX