FACULDADE MERIDIONAL - IMED
ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO
Henrique Bertosso
“Quem Guarda os Guardas?” Um estudo sobre o poder dos
gerentes de agências bancárias frente ao controle eletrônico
organizacional
Passo Fundo
2015
Henrique Bertosso
“Quem Guarda os Guardas?” Um estudo sobre o poder dos
gerentes de agências bancárias frente ao controle eletrônico
organizacional
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Administração da Escola de
Administração da Faculdade Meridional –
IMED, como requisito parcial para a obtenção
do grau de Mestre em Administração sob a
orientação do Prof. Dr. Jandir Pauli.
Passo Fundo
2015
B547q Bertosso, Henrique
“Quem guarda os guardas?” um estudo sobre o poder dos
gerentes de agências bancárias frente ao controle eletrônico
organizacional. / Henrique Bertosso. – Passo Fundo: IMED,
2015.
108 f.; il.; 30 cm.
Orientador: Prof. Dr. Jandir Pauli
Dissertação (Mestrado) – Faculdade Meridional – IMED
Escola de Administração – Programa de Pós-Graduação em
Administração. Passo Fundo, RS, 2015.
Bibliografia: f. 95 – 99.
1. Panóptico digital. 2.Poder. 3.Gerentes de Bancos.
I.Pauli, Jandir. II.Faculdade Meridional - IMED. Programa
de Pós-Graduação em Administração. III.Título
CDD 22 ed. 658.4
Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário Alvarito Baratieri – CRB-14º/273
Dedico esta pesquisa a todos que acreditam
que a educação é o único caminho para o
desenvolvimento pessoal e da sociedade.
AGRADECIMENTOS
À Deus, esta força superior que nos presenteou com o livre arbítrio e com a
inteligência, que é fonte de todos os avanços da humanidade.
À minha família, pela paciência e pela compreensão quanto as minhas ausências, e me
que me estimulou a estudar e me tornar uma pessoa melhor.
Ao Prof. Dr. Jandir Pauli, meu orientador, que teve papel fundamental na organização,
escrita e execução deste estudo. Levo sua postura profissional e sua busca pelo conhecimento
como exemplo para toda minha vida.
À CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, pelo
suporte financeiro.
Aos Professores e funcionários do Programa de Pós-graduação em Administração da
IMED. Suas aulas, ensinamentos, ajudas e conselhos foram fundamentais para superação de
momentos de dificuldade.
Aos colegas Mestres e futuros Mestres da primeira turma do Mestrado em
Administração da IMED. As conversas, os desabafos, as ajudas, as dicas se tornaram o apoio
que precisava em momentos de angústia e dúvidas.
Aos meus queridos amigos, cuja presença eu precisei abrir mão em função dos
estudos. Sua compreensão me deu segurança de que ao fim desta jornada vocês estariam me
aguardando.
À Prof. Dra. Christine da Silva Schroeder, Profa. Dra. Rosana da Rosa Portella
Tondolo, Prof. Dra. Janaina Macke, Prof. Dr. João Alberto Rubim Sarate pela valorosa
contribuição na Banca de Defesa desta Dissertação.
Aos gerentes de agências bancárias que aceitaram participar das entrevistas. Sua
disponibilidade e interesse em participar da pesquisa garantiram a consecução dos objetivos e
colaboraram de forma significativa para o futuro da função do gerente.
À Professora Vânia Gisele Bessi, pelas aulas que serviram de inspiração para esta
pesquisa.
À Direção, Professores, funcionários e acadêmicos da FABE, pelo apoio nos
momentos difíceis, pelo incentivo à realização do Mestrado, e pela vibração em momentos de
alegria.
Enfim, agradeço a todos que de alguma forma colaboraram para esta conquista.
O povo foge da ignorância
Apesar de viver tão perto dela
E sonham com melhores tempos idos
Contemplam esta vida numa cela.
Zé Ramalho
RESUMO
Os estudos sobre poder ocupam lugar de destaque nas pesquisas organizacionais. Na Teoria
Clássica da Administração a separação entre os que pensam e os que executam tornam o
gerente o foco de exercício do poder. Em abordagens mais recentes, se entende o poder como
diluído na estrutura organizacional. Uma destas perspectivas propõe uma releitura do
panóptico de Bentham (2008), a partir do contexto organizacional. Com a inserção da
tecnologia da informação, cria-se o panóptico digital, no qual o sistema realiza o controle,
inclusive sobre os próprios vigilantes. Portanto, a grande inovação do panóptico digital é a
possibilidade de o gerente vigiar os funcionários, e ao mesmo tempo, a organização vigiar os
gerentes. Assim, este estudo, inserido na linha de pesquisa “Estudos Organizacionais
Contemporâneos”, aborda a hierarquia, o poder e a inserção da tecnologia da informação nas
organizações com o objetivo de compreender a percepção dos gerentes de agências bancárias
quanto ao seu poder frente à equipe, em face ao funcionamento do panóptico digital. Para
tanto, esta pesquisa de caráter qualitativo exploratório utilizou a entrevista e a observação
como técnicas de coleta de dados, buscando a triangulação das informações. Foram realizadas
quatorze entrevistas com gerentes de agências bancárias públicas e privadas, acompanhadas
de observações do pesquisador, e o tratamento das informações foi realizado a partir da
análise do discurso. A busca pela compreensão das relações de poder seguiu o proposto por
Foucault (2012; 2014) e abordou a materialização do poder do panóptico digital; os
dispositivos do poder do panóptico digital; e os dispositivos disciplinares, representados pelo
olhar hierárquico, a sanção normalizadora e o exame. A análise dos dados coletados revelou
que o gerente não é mais responsável pela concepção do trabalho, pois o gerente passou a ser
um executor de tarefas ou ainda um vendedor. Quanto a sua equipe, o gerente necessita buscar
amparo nela para realização de suas atividades, até mesmo porque o sistema reforça a
separação hierárquica. Além disso, o gerente não detém a informação, pois ela está
disseminada e disponível ao público interno. Há, também, a completa sujeição ao sistema de
estabelecimento e controle de metas por parte dos gerentes de agência, afinal o poder está no
sistema. Nesta perspectiva, o gerente passa a ser visto, vigiado e monitorado por todos: seus
subordinados (bancários), seus pares (outros gerentes) e superiores (a superintendência).
Palavras-chave: Panóptico digital. Poder. Vigilância. Gerentes. Bancos.
ABSTRACT
The studies about power occupy a prominent place in organizational research. In the Classical
Management Theory the separation between those who think and those who execute makes
the manager the focus of the exercise of power. In more recent approaches, power is
understood as diluted in the organizational structure. One of these perspectives proposes a
rereading the panopticon of Bentham (2008), from the organizational context. With the
inclusion of information technology, it creates the digital panopticon in which the system
performs control, including the control on the vigilantes. Therefore, the great innovation of
digital panopticon is the possibility of the manager oversee the employees, and at the same
time, the organization monitor managers. Thus, this study inserted in the research line
“Contemporary Organizational Studies” addresses the hierarchy, the power and the insertion
of information technology in organizations aiming to understand the perception of bank
branch managers about their power the team, due to the operation of digital panopticon.
Therefore, this exploratory qualitative research used the interview and observation as data
collection techniques, seeking the triangulation of information. Fourteen interviews with
public and private bank branch managers were held, accompanied by observations of the
researcher, and the processing of information was carried out from the discourse analysis. The
quest for understanding the power relations followed the proposed by Foucault (2012; 2014)
and addressed the materialization of the power of digital panopticon; the power of devices of
digital panopticon; and disciplinary measures, represented by hierarchical look, normalizing
sanction and examination. Analysis of the data collected revealed that the manager is no
longer responsible for the conception of work, because the manager has become a task
executor or a salesperson. Considering his team, the manager needs to seek refuge in it to
carry out its activities, even because the system reinforces the hierarchical separation. In
addition, the manager does not hold the information, because it is disseminated and available
to the workforce. There is also a complete subjection to the establishment system and control
targets by the agency managers after all power is in the system. In this perspective, the
manager is seen, watched and monitored by everyone: his subordinates (bank official), peers
(other managers) and upper (Superintendence).
Keywords: Digital panopticon. Power. Surveillance. Managers. Banks.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - O panóptico de Bentham.......................................................................................... 25
Figura 2 - Transações Bancárias por Origem, de 2009 a 2013 (em bilhões) ........................... 41
Figura 3 - Comportamento dos Usuários (% da Soma do Volume de Transações) ................. 41
Figura 4 - Desenho da pesquisa ................................................................................................ 45
Figura 5 - Informação para o cliente procurar o gerente .......................................................... 58
Figura 6 - Localização da mesa do gerente .............................................................................. 68
Figura 7 - Fachada de vidro da agência .................................................................................... 69
Figura 8 - O semáforo do controle de metas da agência do Banco X ...................................... 74
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Operacionalização dos elementos conceituais da pesquisa .................................... 49
Quadro 2 - Estudos correlatos ................................................................................................ 101
Quadro 3 - Roteiro da entrevista............................................................................................. 107
Quadro 4 - Caracterização dos entrevistados ......................................................................... 108
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 13
1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA E DO PROBLEMA DE PESQUISA ................................. 16
1.2 JUSTIFICATIVA DO ESTUDO ...................................................................................... 18
2 REFERENCIAL TEÓRICO .......................................................................................... 20
2.1. O PODER DISCIPLINAR ................................................................................................ 20
2.2. O PANÓPTICO ................................................................................................................. 24
2.3. O PODER HIERÁRQUICO E A HIERARQUIA NAS ORGANIZAÇÕES ................... 29
2.4. O CONTROLE ATRAVÉS DAS NOVAS TECNOLOGIAS .......................................... 34
2.5. O TRABALHO BANCÁRIO ............................................................................................ 39
3. ASPECTOS METODOLÓGICOS ................................................................................... 44
3.1. DELINEAMENTO DA PESQUISA ................................................................................. 45
3.2. PARTICIPANTES ............................................................................................................ 46
3.3. TÉCNICAS DE COLETA DE DADOS ........................................................................... 48
3.4. ANÁLISE DE DADOS ..................................................................................................... 50
4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS COLETADOS .................................................. 53
4.1. A MATERIALIZAÇÃO DO PODER ............................................................................... 53
4.1.1. Privilégios e funções do gerente ................................................................................... 53
4.1.2. A diferenciação interna dos bancários ....................................................................... 56
4.1.3. Os meios de exercício do poder ................................................................................... 61
4.2. OS DISPOSITIVOS DO PODER ..................................................................................... 66
4.2.1. A organização dos indivíduos no espaço .................................................................... 67
4.2.2. O controle sobre o tempo ............................................................................................. 70
4.2.3. A vigilância .................................................................................................................... 73
4.2.4. O registro contínuo do conhecimento ......................................................................... 77
4.3. OS DISPOSITIVOS DISCIPLINARES ............................................................................ 78
4.3.1. O olhar hierárquico ...................................................................................................... 78
4.3.2. A sanção normalizadora .............................................................................................. 82
4.3.3. O exame ......................................................................................................................... 84
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 89
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 95
APÊNDICES ......................................................................................................................... 100
APÊNDICE 1 – ESTUDOS CORRELATOS ........................................................................ 101
APÊNDICE 2 – ROTEIRO DA ENTREVISTA .................................................................... 107
APÊNDICE 3 – CARACTERIZAÇÃO DOS ENTREVISTADOS ...................................... 108
1 INTRODUÇÃO
“Nunca foi tão fácil engajar pessoas” (SIGOLLO, 2014, s/p.). Esta afirmação,
realizada por Jacob Morgan em entrevista recente, reflete um pensamento atual, pelo qual os
colaboradores das empresas são “facilmente” engajados, principalmente pela quebra da
barreira entre chefes e subordinados. A tecnologia e os meios de comunicação são fatores que
reforçam essa percepção. Entretanto, a simples ausência do gerente não significa que os
colaboradores estejam livres, pois o controle pode permanecer, mas de outras formas.
Ao longo do tempo, a sociedade buscou maneiras diversas de controle social, político
ou econômico, com destaque o controle do processo produtivo, ou, especialmente sobre os
trabalhadores. Para isso, o controle do tempo do indivíduo se tornou uma das alternativas
mais eficazes. A própria noção de tempo sofreu significativas alterações, especialmente a
partir da Revolução Industrial, quando a tarefa ditava o horário, perpassando pela inserção do
relógio nas rotinas e culminando com o controle rígido de horários dos trabalhadores. Este
resgate histórico do controle do tempo citado por Thompson em sua obra Costumes em
Comum (1998) atravessa a Revolução Industrial e mantem-se na sociedade contemporânea,
representada pela concepção de que todo o tempo deve ser consumido, negociado, utilizado.
Assim, o comportamento dos funcionários na organização traz a tônica do poder, pois
sua rotina de trabalho possui elementos de vigilância e controle amplamente abordados na
Teoria Clássica da Administração, sutilmente presentes na Teoria da Gestão de Pessoas, e
bastante abordados na Teoria Estruturalista. Nesta linha, em Vigiar e Punir (2014), Michel
Foucault efetua uma revisão histórica do nascimento do controle sobre os indivíduos como
evento característico da modernidade. Sua obra faz uma arqueologia das formas de reclusão e
disciplinamento desde o suplício dos prisioneiros da idade média, até a ideia moderna de
cárcere. Com o decorrer dos anos, a punição física, utilizada como exemplo aos demais, deu
lugar ao cerceamento da liberdade, nas prisões. Já na visão moderna, o sujeito que comete um
delito deve ser objeto de tentativas de “recuperação”, seguida de sua socialização e reinserção
na sociedade. Mesmo com práticas tidas como “civilizadas”, percebe-se que o poder
disciplinar e o controle do indivíduo considerado culpado ainda existem. Importa salientar que
esta arqueologia do poder nas prisões desenvolve-se para uma arqueologia do poder social.
Durante o desenvolvimento da sociedade moderna percebe-se que o exercício do poder foi
absorvido, através de inúmeras instituições, inclusive as organizações.
14
Diante deste cenário de preocupação com controle disciplinar e do tempo, e pelas
alterações nas formas de controle, Foucault (2014) efetua uma revisão do conceito de
panóptico. O panóptico se trata de um conceito arquitetônico de prisão, em formato circular,
em que os detentos são permanentemente vigiados, enquanto os vigias veem sem serem
vistos. O panóptico demonstra o percurso disciplinar para uma sujeição voluntária,
eliminando a necessidade de violência para o controle dos indivíduos. O dispositivo físico do
panóptico não é necessariamente uma representação do poder, mas um instrumento que
coloca o poder em atividade (FOUCAULT, 2014).
Na contemporaneidade, todavia, uma análise das manifestações de controle precisa
considerar a revolução tecnológica. A era digital, que concentra grande parte dos avanços
tecnológicos, propiciou a criação de mecanismos de controle cada vez mais sofisticados.
Percebe-se o surgimento e ampliação dos mecanismos de vigilância na vida cotidiana, muitas
vezes com nossa anuência. Com normalidade observa-se a instalação de câmeras de vigilância
nos locais públicos, a utilização de equipamentos dotados de GPS e com acesso à internet, que
possibilitam a localização de qualquer pessoa em qualquer lugar. Em função da sensação de
segurança que estes equipamentos transmitem, as pessoas aceitam e se sujeitam à vigilância
constante. As imagens por satélite, os supercomputadores, os rastreadores de veículos,
notebooks e celulares, ou a robotização são outros exemplos da inserção de aparatos
tecnológicos na vigilância e controle dos indivíduos. Ocorre, ainda, a invasão dos dispositivos
de controle na vida privada. Aparelhos televisores com acesso à internet, sites de
relacionamento, sites de compras on-line que gravam e arquivam preferências formam um
banco de dados consistente sobre a vida e as compras dos indivíduos.
Nas empresas, os sistemas de vigilância e controle se mostram cada vez mais
refinados, abrangentes e presentes em todos os processos organizacionais. As tecnologias da
informação e comunicação (TICs) e as tecnologias da informação (TI) avançam,
impulsionadas pela quase onipresença da internet. Softwares, hardwares e sistemas de
comunicação tem ocupado cada vez mais espaço no cotidiano das empresas, inclusive no
controle do trabalho e das rotinas de todos os colaboradores.
Esta evolução constante da tecnologia possibilitou o surgimento do conceito de
panóptico virtual, panóptico digital, ou ainda vigilância eletrônica. As diferentes
nomenclaturas utilizadas pela literatura disponível podem ser consideradas similares, e neste
estudo passarão a ser representadas por panóptico digital. Pereira, Segre e Nascimento (2013),
Correio (2010), Bauman (1999), Clarke (1988), Chevitarese e Pedro (2005) e Elmer (2003)
podem ser citados como base para o conceito de panóptico digital, sendo que este “pode ser
15
considerado como uma analogia dos mecanismos de vigilância mediada por dispositivos
tecnológicos.” (CORREIO, 2010, p. 187). Muito mais do que a substituição do inspetor
(indivíduo) pela máquina (sistema informatizado), a ideia da vigilância eletrônica ultrapassa o
controle visual e atinge a rotina do trabalho, através do sistema que registra todas as ações do
funcionário; que emite relatórios de atividades e ações desenvolvidas; que dita o fluxo de
trabalho; e que direciona os esforços através do estabelecimento e controle das metas.
Ocorre, portanto, uma vigilância presente em todo lugar, através de equipamentos
tecnológicos como câmeras e monitores; e através de programas de controle do tempo e do
trabalho, como softwares e sistemas pertencentes à empresa. Neste contexto, não há mais a
necessidade da presença física do inspetor, pois a tecnologia exerce esta função de forma
contínua, porém invisível. Nas organizações, o panóptico digital influencia e afeta as relações
e a própria estrutura da empresa, com impacto na concepção de hierarquia, pois a ausência
física do inspetor pode estimular os funcionários a um sentimento de “empoderamento”, em
que as pessoas se sentem como sendo os próprios chefes (PEREIRA; SEGRE;
NASCIMENTO, 2013). Todavia, a vigilância permanece constante, não mais pelo olhar do
gerente, mas pelos equipamentos tecnológicos.
Por um lado, o funcionário da organização vislumbra um novo modelo organizacional,
no qual a aparente diminuição do poder dos gerentes sinaliza um aumento da autonomia e
liberdade para os funcionários. Por outro lado, a lógica bastante eficaz de poder, representada
pelo panóptico digital, torna a vigilância cada vez mais abrangente, pois observa toda a
organização, e mais efetiva, pois é capaz de observar cada funcionário, individualmente e a
todo o momento. Diante do sistema de controle de metas, controle do tempo, controle de
produtividade, sistema de câmeras, e outros, cada funcionário se torna um caso específico,
pois a tecnologia possibilita a individualização do controle.
Este sistema de vigilância mostra-se tão eficiente que o indivíduo aceita sua submissão
ao sistema, ao mesmo tempo em que corrobora e o fortalece, diminuindo as suas resistências.
O funcionário, subordinado ou gerente, se torna tanto objeto do poder e da vigilância, como
também sujeito, pois legitima, aceita e confirma os instrumentos de poder (FOUCAULT,
2014). Neste sentido, ocorre a completa sujeição do indivíduo, que se submente
voluntariamente à vigilância. Portanto, o poder apresenta suas duas dimensões: positiva e
negativa. Por um lado, a face destrutiva do poder, exemplificada pela punição ou castigo; por
outro lado, positiva, o poder torna os indivíduos produtivos, ao passo que os organiza e é
capaz de fazer com que os próprios dominados assimilem o discurso do poder.
16
1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA E DO PROBLEMA DE PESQUISA
Observou-se, no último século, um avanço da ciência da administração. A Teoria
Clássica da Administração, promovida por Taylor e Fayol previa a separação entre aqueles
que pensavam e aqueles que faziam. Essa separação estimulou e fomentou o poder dos
gerentes, pois eram eles que garantiam que “os que fazem” estariam realmente fazendo. A
partir desta teoria, diversas outras surgiram, e o poder foi sendo deslocado conforme a
concepção de empresa. Ainda no século passado, a teoria estruturalista atribui o poder à
estrutura (física e hierárquica), e mais uma vez, o gerente ganha destaque. Entretanto,
Foucault (2012) apresenta sua teoria sobre o poder, afirmando que o poder está nas relações.
Nesta visão, o poder segue uma lógica de microfísica, na qual ele se encontra diluído na
hierarquia da empresa.
Diante da evolução da tecnologia e da revolução digital, percebe-se impactos na
configuração organizacional, sendo que os gerentes também são afetados por esta
transformação. A função gerencial sempre foi provida de uma aura (status) de poder,
motivada pela autonomia que estes funcionários sempre detiveram, e pela possibilidade de
tomada de decisões que poderiam afetar seus subordinados. Porém, com o surgimento,
desenvolvimento e proliferação das TIs, é possível questionar se há uma perda de autonomia
destes gerentes. Inicialmente, pode-se citar que eles próprios são objeto deste controle
constante, tendo sua vida profissional controlada sistematicamente. Se por um lado um
sistema de controle libera os gerentes para realização de outras atividades, por outro lado,
minimiza o controle que ele possuía.
Cabe destacar que não se espera esgotar a discussão acerca do poder, pois se trata de
um tema amplo e com diferentes interpretações. Esta pesquisa não se caracteriza como uma
coletânea de teorias sobre o poder, muito menos de um guia definitivo deste campo, mas sim
o que se pretende é analisar como ele se manifesta (FOUCAULT, 2014), por meio dos efeitos
do panóptico digital no poder dos gerentes. Da mesma forma, esta pesquisa não objetivou
estudar a relação entre poder, mas sim estudar o indivíduo, e como o poder é exercido. Neste
contexto, a posição hierárquica pode ser menos importante do que o domínio dos
instrumentos de controle, sendo que os processos de “achatamento” dos níveis hierárquicos, e
o surgimento de equipes sem chefe, ou autogerenciadas confirmam esta visão (HAMEL,
2011). As empresas desprovidas de níveis hierárquicos já são realidade, e em um contexto em
que todos os funcionários também são gerentes uns dos outros o autor afirma “primeiro
vamos demitir todos os gerentes” (HAMEL, 2011, s/p).
17
Nesta pesquisa, optou-se por estudar o setor bancário. Ao longo do século XX, este
setor vivenciou profundas transformações, principalmente relacionadas à inserção de
tecnologia no trabalho e metodologias de controle. O Brasil é reconhecido mundialmente pelo
avanço de seu sistema bancário, agilidade e rapidez no processamento de documentos e
solicitações. Ainda, na sociedade brasileira, o setor bancário tem-se mostrado como
vanguarda nos processos, sinalizando as mudanças que serão percebidas nas demais
organizações ao longo do tempo.
Assim, o objeto analítico deste estudo é a relação de poder dos gerentes de agências
bancárias; já o objeto empírico são os gerentes de agências bancárias. Nesta perspectiva, cabe
o seguinte problema de pesquisa: Qual a percepção dos gerentes de agências bancárias
quanto ao seu poder frente à equipe em face ao funcionamento do panóptico digital?
Portanto, as variáveis deste estudo concentram-se na tecnologia da informação (TI)
associada ao trabalho bancário, a hierarquia e o poder disciplinar. Assim, esta pesquisa estuda
a combinação destes elementos e o impacto no poder dos gerentes bancários. Buscando
responder o problema de pesquisa proposto, se estabelece o objetivo geral desta pesquisa:
Compreender qual a percepção dos gerentes de agências bancárias quanto ao seu poder
frente à equipe em face ao funcionamento do panóptico digital. Para chegar ao objetivo geral,
têm-se os seguintes objetivos específicos:
a) Desenvolver um estudo teórico relacionando o panóptico digital e as alterações no
poder dos gerentes frente à equipe;
b) Realizar um estudo empírico com gerentes de agências bancárias sobre o panóptico
digital e as alterações em seu poder frente à equipe;
c) Contribuir para a compreensão do fenômeno, relacionado ao panóptico digital e as
alterações no poder dos gerentes frente à equipe.
Para tanto, este estudo se utilizou de uma pesquisa exploratória de caráter qualitativo
com os gerentes de agências bancárias. Foram entrevistados quatorze gerentes de agência
bancária, além da observação do pesquisador, que buscou a triangulação dos dados coletados.
O corpus da pesquisa, organizado pelo pesquisador e composto pelas entrevistas e
observações possibilitou a análise por meio da técnica de análise de discurso, que, mais do
que o conteúdo da fala, busca entender os sentidos do discurso.
18
1.2 JUSTIFICATIVA DO ESTUDO
O estudo das organizações e de como elas controlam eletronicamente o trabalho e a
produtividade dos funcionários justifica-se pela relevância tanto teórica como prática, além da
importância social do tema. Os estudos relacionados à vigilância e controle do trabalho
mostram-se como um tema estudado e discutido ao longo do tempo. Entretanto, a inserção da
tecnologia nestes mecanismos de controle ainda é pouco estudada, e pela sua natureza
dinâmica, necessita de estudos constantes que possam colaborar com a teoria relacionada ao
assunto. Quanto às produções relacionadas ao controle digital nos bancos, destaca-se Grisci et
al. (2011), Weber e Grisci (2011), Cardoso (2010), Bessi (2009), Zimmer (2009), Bessi et al.
(2007), além dos estudos relacionados ao controle em outros setores, como Call Centers, onde
cita-se Castanheira e Chambel (2010) e Castanheira e Chambel (2012).
Em pesquisa realizada nas bases de dados internacionais Sage Journals, Emerald
Insight e EBSCO Host foi possível localizar diversos estudos relacionados ao tema desta
pesquisa, conforme Apêndice 1. A pesquisa nas bases de dados foi realizada em junho de
2015 com as palavras-chave “panopticon”; “dataveillance”, “manager” e “power”. Destacam-
se os estudos de Holland, Cooper e Hecker (2015), Kietzmann e Angell (2010), Dixon (2007)
e Barratt (2002), que tratam do panóptico de Bentham e de Foucault e o contexto de inserção
da tecnologia.
No caráter prático, o estudo se justifica pela relevância da gestão no contexto
contemporâneo. A complexidade das organizações tem exigido dos profissionais uma grande
capacidade de gestão de pessoas, gestão de equipes, além da busca por melhor utilização dos
recursos tecnológicos disponíveis. Verifica-se uma crescente utilização da informática, dos
sistemas de gestão, e da inserção da tecnologia da informação do dia a dia das empresas.
Portanto, um estudo que estabeleça uma relação entre a utilização de novas tecnologias no
controle pode auxiliar as estratégias competitivas das empresas, além de colaborar para a
melhora das relações dos gerentes com suas equipes.
Além da contribuição teórica e prática, o estudo possui relevância social significativa.
O trabalho se mostra como uma das características da sociedade capitalista, tendo passado por
diversas e profundas alterações nos últimos séculos. Portanto, o estudo do contexto do
trabalho é sempre relevante do ponto de vista social, pois alterações no trabalho influenciam
toda a sociedade. Nesta perspectiva, a inserção da tecnologia no contexto organizacional
merece estudos, buscando contribuir para o desenvolvimento das organizações, bem como
com a gestão das pessoas e o bem-estar no trabalho.
19
Ainda, o contexto bancário ganha destaque, tanto pela importância das instituições
financeiras na sociedade, como pelo número de empregados. O setor bancário brasileiro,
surgido em 1808 com a criação do Banco do Brasil (ASSAF NETO, 2011), possui
significativa influência em todos os setores da economia. Direta ou indiretamente, os Bancos
são responsáveis pelo financiamento de investimentos, ou ainda pelo repasse de recursos
governamentais às empresas.
Portanto, estudar o setor bancário já se justifica pela importância na sociedade
brasileira, reforçada pelo número de agências espalhadas pelo Brasil: mais de 20 mil agências
(BACEN, 2015; DIEESE, 2015). Quanto a seus funcionários, o setor bancário emprega mais
de 468 mil funcionários
(DIEESE, 2015), demonstrando a relevância econômica e social.
Somada a capilaridade de sua rede de atendimento e o número de funcionários, percebe-se a
vanguarda que o setor bancário possui. As inovações tanto em tecnologia aplicada às
empresas, como em modelos de gestão, são estudadas e aplicadas pelos bancos, geralmente
antes de sua utilização em outros ramos. Portanto, estudar o setor bancário e sua relação com
os funcionários pode se mostrar como indicativo do futuro de empresas de outros setores, e
também dos rumos que a sociedade manifestará.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
Este estudo busca analisar a questão do poder em um ambiente de controle e vigilância
eletrônica organizacional, sendo que os conceitos abordados no referencial teórico iniciam
com o poder disciplinar, especialmente na visão de Foucault (2012; 2014). A partir disto, são
analisados os conceitos de panóptico, com os textos de Bentham (2008), Bentham e Bowring
(1843) e Foucault (2014) em sua obra Vigiar e Punir. Ainda, atendendo a contextualização do
problema, o item seguinte trata do poder hierárquico e a hierarquia, com base em Foucault
(2014) e autores da área da administração, seguido do item sobre o controle através das novas
tecnologias, com influência nas obras de Gandy (1989) e Elmer (2003). Ao final do
referencial teórico, tem-se a discussão sobre o trabalho bancário que estuda o objeto empírico
desta pesquisa, e cita os estudos de Camargo (2009), Pereira, Segre e Nascimento (2013),
além dos dados da Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN, 2014).
2.1. O PODER DISCIPLINAR
Vivemos em uma sociedade aparentemente livre, em que nossa possibilidade de
escolhas é ilimitada. Entretanto, o conjunto irritantemente opressivo de restrições,
constrangimentos e pressões fazem de nossa escolha pouco mais que ilusão, tornando ínfimo
o poder do indivíduo (ABRAMOVAY, 2004). “O poder moderno não é mais, essencialmente,
uma instância repressiva e transcendente (o rei acima dos seus súditos, o Estado superior ao
indivíduo), mas uma instância de controle, que envolve o indivíduo mais do que o domina
abertamente” (LEBRUN, 1984, p. 85, grifo do autor). Neste contexto, Lebrun (1984) cita que
as proibições diminuíram, a pena de morte foi abolida, os regimes das prisões foram
abrandados, porém, o sistema de controle disciplinar, ou o poder disciplinar permanece,
ganhando força inclusive em nossa vida privada.
O poder é largamente discutido nas teorias organizacionais, em que se situa o clássico
Weber (1864-1920) e os autores contemporâneos Bourdieu (1930-2002) e Foucault (1926-
1984). Motta e Alcadipani (2004) afirmam que o poder, para Foucault não se trata de um
ponto apenas teórico, mas sim como parte de nossa experiência. Para Foucault (1983; 2012)
não é possível identificar um ponto central de poder, ou um único foco, pois o poder está em
toda parte. Conforme o autor, o poder vem de todos os lugares, porém não é abrangente, pois
age em cada indivíduo. “O poder não se dá, não se troca nem se retoma, mas se exerce, só
existe em ação, como também da afirmação que o poder não é principalmente manutenção e
21
reprodução das relações econômicas, mas acima de tudo uma relação de força” (FOUCAULT,
2012, p. 274).
Ainda, o autor estabelece algumas precauções metodológicas quanto ao estudo do
poder. Em primeiro lugar, ele não deve ser analisado pelo centro, mas nas suas extremidades,
que é onde se localizam suas ramificações, corporificando-se em técnicas e instrumentos. Em
segundo lugar, o poder deve ser estudado em seu alvo (objeto) ou campo de concentração,
pois é de onde ele produz seus efeitos reais. Desta maneira, deve-se evitar a “pergunta sem
resposta: quem tem o poder e o que pretende, ou o que procura aquele que tem o poder?”
(FOUCAULT, 2012, p. 283). Em terceiro lugar, torna-se difícil dividir o poder entre aqueles
que o possuem e aqueles que lhe são submetidos. “O poder deve ser analisado como algo que
circula, ou melhor, como algo que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali,
nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem” (p. 284).
Assim como os indivíduos se movimentam na organização, o poder circula entre os
indivíduos, tornando-os centros de transmissão. Em quarto lugar, o poder não deve ser
analisado de cima para baixo, mas sim se deve analisar o poder de forma ascendente,
iniciando com os “mecanismos infinitesimais que tem uma história, um caminho, técnicas e
táticas e depois examinar como esses mecanismos de poder foram e ainda são investidos,
colonizados, utilizados, subjugados, transformados, deslocados, desdobrados, etc., por
mecanismos cada vez mais gerais e por formas de dominação global” (p. 285). Em quinto
lugar, o poder é acompanhado de uma base ideológica, entretanto, esta ideologia não se forma
na base:
Houve provavelmente, por exemplo, uma ideologia da educação; uma ideologia do
poder monárquico, uma ideologia da democracia parlamentar etc.; mas não creio que
aquilo que se forma na base sejam ideologias: é muito menos e muito mais do que
isso. São instrumentos reais de formação e de acumulação do saber: métodos de
observação, técnicas de registro, procedimentos de inquérito e de pesquisa,
aparelhos de verificação. Tudo isso significa que o poder, para exercer-se nesses
mecanismos sutis, é obrigado a formar, organizar e pôr em circulação um saber, ou
melhor, aparelhos de saber que não são construções ideológicas (FOUCAULT,
2012, p. 288-289).
Conforme a sistematização de Motta e Alcadipani (2004), a analítica do poder de
Foucault analisa três mecanismos de poder: os suplícios, as disciplinas e a biopolítica. Os
suplícios remetem à época das monarquias pré-capitalistas, e que se baseavam em rituais
sanguinários de tortura, humilhação e massacre público. No final do séc. XVIII, a nova ordem
capitalista buscou evitar que os crimes fossem cometidos, ao invés de somente punir os
criminosos. Da mesma forma, os suplícios passaram a ser considerados desumanos e imorais.
22
O espetáculo de tortura pública cedeu lugar às disciplinas, sendo que a disciplina se restringe
ao corpo individual, enquanto a biopolítica age sobre o corpo coletivo, ou seja, a população.
Assim, a disciplina ganha destaque nas obras de Foucault, especialmente em Vigiar e
Punir (2014). Para o autor, a disciplina é a busca constante pela obediência, no objetivo de
distribuir de forma produtiva os indivíduos no espaço. Para esta distribuição, o sistema
disciplinar utiliza diversas técnicas, como a cerca, o quadriculamento e as localizações
funcionais.
Tratando-se da cerca, Foucault (2014) cita que, por vezes, existe a necessidade de um
local fechado em si mesmo, que separe o indivíduo dos outros. Assim como nos colégios e
nos quartéis, o autor cita as fábricas como locais que necessariamente devem ser “cercados”,
isolados do mundo exterior:
A fábrica parece claramente um convento, uma fortaleza, uma cidade fechada; o
guardião „só abrirá as portas à entrada dos operários, e depois que houver soado o
sino que anuncia o reinício do trabalho‟; quinze minutos depois, ninguém mais terá
o direito de entrar; no fim do dia, os chefes de oficina devem entregar as chaves ao
guarda suíço da fábrica que então abre as portas. É porque, à medida que se
concentram as forças de produção, o importante é tirar delas o máximo de vantagens
e neutralizar seus inconvenientes (roubos, interrupção do trabalho, agitações e
„cabalas‟); de proteger os materiais e ferramentas e de dominar as forças de trabalho
(FOUCAULT, 2014, p. 140).
Quanto ao quadriculamento, observa-se a necessidade de que cada indivíduo esteja no
seu posto, e cada lugar seja ocupado por um indivíduo. Desta maneira, “importa estabelecer as
presenças e as ausências, saber onde e como encontrar os indivíduos, instaurar as
comunicações úteis, interromper as outras, poder a cada instante vigiar o comportamento de
cada um, apreciá-lo, sancioná-lo, medir as qualidades ou os méritos” (FOUCAULT, 2014, p.
140).
Já as localizações funcionais determinam que todo espaço livre deva estar pronto para
vários usos. Os lugares determinados auxiliam a vigilância, além de evitar comunicações
indesejadas. Fica claro que, em um sistema disciplinar, a pessoa não é foco como indivíduo,
mas sim como posição ocupada. Cada um se torna parte do sistema pelo lugar que ocupa na
série, e pela distância que separa um indivíduo do outro.
Conforme Ferreirinha e Raitz (2010), diversos mecanismos fazem parte do sistema
disciplinar: seja pela distribuição dos corpos no espaço; pelo controle das atividades, na
rigidez do cumprimento de horário; pela penetração do tempo nos corpos; pela eficiência,
rapidez e utilidade dadas pelos corpos disciplinados; na percepção de corpo-objeto; seja pela
utilização exaustiva, extraindo cada vez mais tempos disponíveis. Diante disto, a posição de
23
cada indivíduo determina sua própria existência. O lugar na fila, ou seja, o ponto em que se
cruzam uma linha e uma coluna torna-se o foco e o objeto de vigilância. “A unidade não é,
portanto, nem o território (unidade de dominação), nem o local (unidade de resistência), mas a
posição na fila” (FOUCAULT, 2014, p. 143, grifo do autor). Portanto, a disciplina
individualiza os corpos, pois os distribui e os faz parte de uma rede de relações.
O corpo singular torna-se um elemento, que se pode colocar, mover, articular com
outros. Sua coragem ou força não são mais as variáveis principais que o definem;
mas o lugar que ele ocupa, o intervalo que cobre, a regularidade, a boa ordem
segundo as quais opera seus deslocamentos (FOUCAULT, 2014, p. 161).
O indivíduo, assim, torna-se apenas “um corpo disciplinado” (dócil) e pronto para
satisfazer os desejos de seu dominador. Estando ele dominado, o passo seguinte é a sua
utilização exaustiva. O controle do horário torna-se a garantia da não-ociosidade, pois não se
pode perder sequer um instante produtivo. Para Foucault (2014) a disciplina busca uma
utilização crescente do tempo, extraindo instantes disponíveis, até a exaustão, como se o
tempo fosse inesgotável.
Partindo-se da disciplina, e da “fabricação” de indivíduos, se alcança o poder
disciplinar. Nesta máquina de poder, os indivíduos são ao mesmo tempo objetos e
instrumentos de seu exercício, na qual o poder disciplinar busca “adestrá-los”. Para Foucault
(2014), o poder disciplinar se utiliza de três instrumentos simples: o olhar hierárquico, a
sanção normalizadora e sua combinação num procedimento que lhe é específico, o exame.
O olhar hierárquico se refere à capacidade do poder disciplinar de tudo ver
permanentemente. A este olho perfeito nada escapa, estando no centro da vigilância. Já a
sanção normalizadora diz respeito à penalidade que “compara, diferencia, hierarquiza,
homogeniza, exclui” (FOUCAULT, 2014, p. 180). As punições vão do castigo “leve” às
humilhações. Em todos os casos, como afirma Châtelet e Pisier-Kouchner (1983 apud Pereira,
2003) vigilância e penalidade objetivam impor, moral e materialmente, o poder da norma.
Já o exame é o instrumento que combina a hierarquia da vigilância e a sanção que
normaliza. Este instrumento tem por função qualificar, classificar e punir. Pela importância do
exame, no poder disciplinar, ele é altamente ritualizado, pois “manifesta a sujeição dos que
são percebidos como objetos e a objetivação dos que se sujeitam” (FOUCAULT, 2014, p.
181). O exame, para Ferreirinha e Raitz (2010), se mostra como um instrumento de
objetivação do exercício do poder e do poder disciplinar. Ainda, os indivíduos permanecem
vigiados, pois os documentos captam, classificam, qualificam, quantificam e fixam os
24
resultados. Por isso, o exame é envolvo de todas as técnicas documentárias, personificando o
indivíduo, e transformando-o em um caso.
Na análise de Pereira (2003) o “adestramento” dos corpos foi incorporado à cultura
ocidental. As técnicas se sofisticaram, acompanhadas dos discursos voltados ao
“adestramento das inteligências”, direcionando o pensar e interferindo nas ações dos
indivíduos. Assim, é inevitável a relação entre a disciplina e o adestramento. Sobre o
adestramento, destaca-se a descoberta do corpo como objeto e alvo do poder, sendo este corpo
que “se manipula, se modela, se treina, que obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças
se multiplicam” (FOUCAULT, 2014, p. 134). É considerado dócil um corpo que pode ser
“submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado” (FOUCAULT,
2014, p. 135).
Para tanto, o poder disciplinar implica uma coerção ininterrupta, constante, durante o
máximo de tempo, por todos os espaços e todos os movimentos. “Esses métodos que
permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de
suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as
disciplinas” (FOUCAULT, 2014, p. 135, grifo do autor).
Confirmando esta visão, Fischer (1996) afirma que o poder não se trata de uma
unidade global, que pode ser observada e analisada, mas sim uma prática social. O poder é
construído historicamente e ordena as multiplicidades humanas. Portanto, tanto Foucault
como Fischer concordam que o poder não pode ser atribuído a determinada pessoa ou grupo,
tampouco possui um ponto central. “Por não constituir uma entidade que possa ser possuída, o
poder difunde-se através do corpo da organização, manifestando-se por meio de práticas e
relações cuja eficácia baseia-se na capacidade de ocultar as contradições existentes”
(FISCHER, 1996, p. 72).
2.2. O PANÓPTICO
No ano de 1787, cartas escritas em Crecheff, na Rússia, pelo filósofo inglês Jeremy
Bentham (1748-1832), e encaminhadas a um endereço específico na Inglaterra, continham o
projeto arquitetônico de uma prisão. O plano ficou conhecido como panóptico. Bentham,
autor dos projetos, estabeleceu que o edifício fosse circular e que a circunferência fosse
ocupada pelos prisioneiros (celas). As celas devem se voltar ao centro do edifício, onde se
localiza a torre central (chamada por Bentham de apartamento ou alojamento do inspetor).
Nesta construção, há uma janela voltada ao exterior, que garante iluminação, e uma grande
25
abertura, com grades, voltada ao interior. Esta abertura voltada ao interior garantiria uma
perfeita visão da cela pelo inspetor, na torre central (BENTHAM, 2008; BENTHAM;
BOWRING, 1843). Pode-se visualizar este projeto arquitetônico na Figura 1.
Figura 1 - O panóptico de Bentham
Fonte: Bentham e Bowring (1843, p. 173).
Em uma das cartas, o autor cita pontos essenciais de seu plano, a saber: “ver sem ser
visto” (proporcionado pela centralidade da situação do inspetor e a forma circular do edifício);
as pessoas a serem inspecionadas devem “sempre sentir-se como se estivessem sob inspeção
ou, pelo menos, como tendo uma grande possibilidade de estarem sob inspeção, pois para a
máxima proporção de tempo possível, cada homem deve realmente estar sob inspeção”
(BENTHAM, 2008, p. 28-29). Da mesma forma, como vantagens de seu projeto, o autor cita
a aparente onipresença do inspetor, combinada com a extrema facilidade de sua real presença.
Uma vantagem colateral é o número de inspetores exigidos, que pode ser reduzido, pois os
presidiários não sabem quando e por quem estão sendo vigiados. Outra vantagem é a
vigilância sobre os próprios guardas, ou como o próprio autor cita: “quem guarda os próprios
guardas?” (BENTHAM, 2008, p. 30-31).
Assim, o projeto se baseia em três elementos arquitetônicos: o espaço fechado, a
divisão em celas, e a torre central. Em virtude de suas características, o autor prevê que este
26
modelo pode ser utilizado em casas penitenciárias, casas de correção, prisões, manufaturas,
hospícios, hospitais, escolas (BENTHAM, 2008).
Quase dois séculos depois, Michel Foucault em sua obra Vigiar e Punir (2014) resgata
o conceito pensado por Bentham e realiza uma análise, não arquitetônica do projeto, mas sim
de sua capacidade de instrumento de demonstração do poder. Inicialmente, Foucault (2014)
afirma que o princípio da masmorra fora invertido, pois de suas três funções básicas – trancar,
privar de luz e esconder – no panóptico resta apenas a função trancar. A escuridão da
masmorra favorecia o esconder-se, enquanto a plena luz é possível captar qualquer alteração
da normalidade.
Em Vigiar e Punir o que eu quis mostrar foi como, a partir dos séculos XVII e
XVIII, houve verdadeiramente um desbloqueio tecnológico da produtividade do
poder. As monarquias da Época Clássica não só desenvolveram grandes aparelhos
de Estado – Exército, polícia, administração local –, mas instauraram o que se
poderia chamar uma nova “economia” do poder, isto é, procedimentos que
permitissem fazer circular os efeitos de poder de forma ao mesmo tempo contínua,
ininterrupta, adaptada e “individualizada” em todo o corpo social. Essas novas
técnicas são, ao mesmo tempo, muito eficazes e muito menos dispendiosas (menos
caras economicamente, menos aleatórias em seu resultado, menos suscetíveis de
escapatórias ou de resistências) do que as técnicas até então usadas e que
repousavam sobre uma mistura de tolerâncias mais ou menos forçadas (desde o
privilégio reconhecido até a criminalidade endêmica) e de cara ostentação
(intervenções espetaculares e descontínuas do poder cuja forma mais violenta era o
castigo “exemplar”, pelo fato de ser excepcional). (FOUCAULT 2012, p. 45, grifo
do autor).
Para o autor, a comunicação entre os indivíduos reféns do panóptico se restringia ao
seu contato com o vigia, pois as paredes impedem comunicação com seus pares. Esta falta de
comunicação com os companheiros é o que garante a ordem, pois para quem controla é
possível verificar uma pluralidade, enquanto para os detentos, verifica-se apenas solidão:
Se os detentos são condenados não há perigo de complô, de tentativa de evasão
coletiva, projeto de novos crimes para o futuro, más influências recíprocas; se são
doentes, não há perigo de contágio; loucos, não há risco de violências recíprocas;
crianças, não há “cola”, nem barulho, nem conversa, nem dissipação. Se são
operários, não há roubos, nem conluios, nada dessas distrações que atrasam o
trabalho, tornam-no menos perfeito ou provocam acidentes (FOUCAULT, 2014,
p.194-195).
Nesta engrenagem, o detento aceita que está em um processo contínuo de visibilidade,
que torna o poder, instrumentalizado pelo panóptico, permanente. Assim, os detentos,
considerados objetos do poder, se tornam, eles mesmos, portadores deste poder. É a aceitação
da visibilidade, sua sujeição à vigilância, que garantem o perfeito funcionamento do
27
panóptico. Para isso, “é ao mesmo tempo excessivo e muito pouco que o prisioneiro seja
observado sem cessar por um vigia: muito pouco, pois o essencial é que ele se saiba vigiado;
excessivo, porque ele não tem necessidade de sê-lo efetivamente” (FOUCAULT, 2014, p.
195).
Para que o sistema panóptico desempenhe suas funções, é necessário que o poder seja
visível e inverificável. Enquanto visível, o poder é demonstrado pela torre central, que se
ergue frente à abertura das celas, e por onde os detentos são vigiados, e também sua única
fonte de informação e comunicação. Enquanto inverificável, o detento nunca deve saber se
está sendo vigiado, mas deve ter a certeza que sempre pode ser observado. E, justamente por
esta dúvida de estar sendo ou não observado, que se torna imprescindível que o vigia
permaneça oculto, sem que os detentos percebam qualquer sombra que possam denunciar a
posição ou a ação do vigia. No “anel periférico, se é totalmente visto, sem nunca ver; na torre
central, vê-se tudo, sem nunca ser visto” (FOUCAULT, 2014, p. 195). Sabendo-se que o vigia
deve permanecer em constante anonimato, pouco importa quem seja o observador. Foucault
(2014) cita que na falta do diretor, qualquer pessoa pode fazer funcionar a máquina do
panóptico, inclusive seus criados.
Neste ponto, o autor realiza uma análise sobre a sujeição que o detento é induzido.
Não é mais necessária a utilização da força para “obrigar o condenado ao bom
comportamento, o louco a calma, o operário ao trabalho, o escolar à aplicação, o doente à
observância das receitas” (FOUCAULT, 2014, p. 196). Assim, tanto para Bentham como para
Foucault, o dispositivo panóptico significaria o fim das grades, das correntes e das fechaduras.
Entretanto, mesmo sem a coerção física, o objeto do panóptico se vê submetido, por sua
conta, às limitações do poder e faz com que esse poder se manifeste sobre si mesmo,
espontaneamente, desempenhando o papel de objeto e de executor de sua vigilância.
Assim como Bentham, Foucault (2012) cita que o poder gera custo econômico (vigias
e a própria estrutura). Mas há, também, um custo político do poder exercido. “Se a violência
for grande, há o risco de provocar revoltas; ou, se a intervenção for muito descontínua, há o
risco de permitir o desenvolvimento, nos intervalos, dos fenômenos de resistência, de
desobediência, de custo político elevado” (FOUCAULT, 2012, p. 330). Portanto, a violência
através de “espetáculos de tortura” tornou-se excessivamente onerosa e com resultados pouco
importantes.
Outro ponto a se destacar é a vantagem citada por Bentham em vigiar os vigias.
Foucault (2014) retoma este ponto e cita que o panóptico pode ser utilizado como aparelho de
controle sobre os próprios vigias. O diretor pode facilmente observar seus empregados a seu
28
serviço: “enfermeiros, médicos, contramestres, professores, guardas; poderá julgá-los
continuamente, modificar seu comportamento, impor-lhes métodos que consideram melhores;
e ele mesmo, por sua vez, poderá ser facilmente observado” (FOUCAULT, 2014, p. 198). Da
mesma forma, o superior do Diretor pode verificar, com facilidade, como o estabelecimento
sob seu controle se apresenta. Nesta visão, Zimmer e Hoppen (2009) afirmam que todos estão
sob o campo de visão do panóptico, inclusive os próprios guardas. Sob um olhar amplo, o
efeito do sistema panóptico pode elevar-se em diversos níveis, desde o detento até os
funcionários que lá operam.
Neste mesmo sentido, Segnini (1996), ao analisar a questão do poder afirma que “o
poder na vigilância hierarquizada funciona como uma máquina na qual a chefia é apenas uma
das peças de engrenagem” (SEGNINI, 1996, p. 106). Assim, a vigilância não permite que
nada permaneça às escuras, porque tudo é controlado por meio do olhar.
Voltado ao ambiente organizacional, Oliveira, Zambalde e Tonelli (2009), afirmam
que despersonalização do poder pode afetar aqueles que antes tinham a função de vigiar, e
agora também são vigiados.
Por sua vez, a produção do conhecimento acerca das atividades e comportamento
dos funcionários é altamente desejada pelos dirigentes organizacionais, assim, ao
utilizarem as ferramentas tecnológicas, os gerentes promovem a transparência dos
indivíduos, em benefício dos propósitos empresariais. Portanto, as práticas de gestão
de pessoas produzem efeitos sobre a subjetividade dos indivíduos, com a finalidade
de transformá-los em recursos previsíveis e gerenciáveis (OLIVEIRA;
ZAMBALDE; TONELLI; 2009, p.11).
Portanto, a máquina do panóptico se constitui em uma maneira de exercer poder, pois
aperfeiçoa seu exercício. Através da redução dos vigias, com multiplicação do número de
vigiados, ele assegura uma economia em material, em pessoal e em tempo.
Assim, fica claro que através da sujeição voluntária e espontânea do indivíduo objeto
do panóptico, objetiva-se a criação de uma sociedade disciplinar. A disciplina busca aumentar
as aptidões, as velocidades, os rendimentos, e consequentemente os lucros, fabricando
indivíduos úteis (FOUCAULT, 2014). Nesta sociedade disciplinar, a ordem social é alterada,
e o indivíduo cuidadosamente fabricado, com treinamento minucioso e concreto das forças
úteis.
A ordem é garantida, segundo Pereira, Segre e Nascimento (2013) pelo mecanismo de
ordem psicológica embutida, e que introduz a ideia de que mais importante do que vigiar o
tempo inteiro, é ter consciência de estar sendo vigiado. Desta forma, “a finalidade do pan-
óptico não era punir, mas que as pessoas vigiadas tivessem a oportunidade de não cometer
29
nenhuma infração, já que tinham a consciência de que estavam sendo vigiadas” (PEREIRA;
SEGRE; NASCIMENTO, 2013, p.73).
Corroborando, em uma pesquisa com uma instituição bancária, realizada por Segnini
(1996) no período de 1965 a 1985, verifica-se que a própria arquitetura possibilita o controle.
Ao eliminar as paredes divisórias, o banco estudado por Segnini trouxe os trabalhadores “às
claras”, pois todos podem ser observados. Mais do que isso, pode-se determinar onde estão, o
que estão fazendo, bem como avaliar a qualidade e a quantidade do serviço realizado. Ainda,
este controle se estende a todos os setores, pois “a própria diretoria [...] trabalha
conjuntamente em torno de uma única mesa. São 21 diretores, sem salas privativas, em
permanente processo de troca de informações e, sobretudo, de controle único” (SEGNINI,
1996, p. 107).
O autor conclui, então com uma questão instigante: “Devemos ainda nos admirar que a
prisão se pareça com as fábricas, com as escolas, com os quartéis, com os hospitais, e todos se
pareçam com as prisões?” (FOUCAULT, 2014, p. 219). Para Zimmer e Hoppen (2009), ao
resgatar o panóptico de Bentham, Foucault descobriu a alegoria adequada ao instrumento de
vigilância e exercício de poder numa sociedade disciplinar. O panóptico praticamente
estabelece uma capacidade divina de saber tudo, ao mesmo tempo em que automatiza o poder
e tira sua individualização, pois a vigilância é exercida por qualquer pessoa.
Os autores concluem que, mesmo vivendo em uma nova era, não significa que as
ideias de Foucault sobre o panóptico estejam ultrapassadas. Para Zimmer e Hoppen (2009)
elas continuam tão fortes e representativas, mesmo em um contexto tão complexo em que
vivemos. No período contemporâneo, as organizações vivem uma constante revolução
tecnológica, que coloca em xeque as formas tradicionais de gestão a todo o momento. Assim,
a questão de hierarquia nas organizações necessita de uma reflexão contínua, pois as práticas
que deram origem a administração, como o exército, não possuem a mesma aplicação, visto
que necessitam se adequar a inserção da tecnologia nas organizações. Entretanto, mesmo com
os avanços na gestão, a vigilância e o controle baseados na hierarquia continuam sendo um
ponto a ser estudado.
2.3. O PODER HIERÁRQUICO E A HIERARQUIA NAS ORGANIZAÇÕES
O trabalho, como esforço produtivo, mostra-se parte da natureza, seja em qualquer
espécie, em que instinto e execução não podem ser separados. “A aranha tece sua rede de
acordo com uma incitação biológica e não pode delegar esta função a outra aranha; ela
30
desempenha essa atividade porque é de sua própria natureza” (BRAVERMAN, 2014, p. 53).
Já os seres humanos, diferentemente dos animais, possuem uma motivação ao trabalho, em
que “a unidade de concepção e execução pode ser dissolvida. A concepção pode ainda
continuar e governar a execução, mas a ideia concebida por uma pessoa pode ser executada
por outra” (BRAVERMAN, 2014, p. 53, grifo do autor).
A ciência da administração, desenvolvida no último século, possui diversas ideias
precursoras, e que possibilitaram a sistematização e organização de seus conceitos.
Maximiano (2011) cita que as principais influências da administração são oriundas da Grécia
antiga, Roma antiga e Igreja Católica, e das organizações militares. Motta e Vasconcelos
(2006) afirmam que já existiam estruturas burocráticas no antigo Egito, na China e no Império
Romano.
A Grécia contribuiu significativamente com a democracia (2.500 anos), a ética e a
qualidade. Já os romanos possuíam grandes habilidades administrativas, pois foram capazes
de manter o domínio sobre o território que hoje corresponde à Europa, desenvolvendo
diferentes tipos de executivos. A hierarquia romana era composta por reis, imperadores,
césares, cônsules, magistrados e outros. Com a decadência do Império Romano, a Igreja
Católica iniciou sua construção histórica como instituição independente, herdando diversas
tradições administrativas, especialmente a administração do território. “Com suas dioceses,
províncias e vigários, a Igreja copiou não apenas o tipo de organização geográfica, mas
também a linguagem que os romanos usavam para designar os administradores locais”
(MAXIMIANO, 2011, p. 28).
Quanto às organizações militares, há mais 3.000 anos os exércitos buscam soluções
administrativas para gerenciamento de grandes contingentes de pessoas, em operações que,
além de complexas, são arriscadas. “Conceitos sobre estratégia, planejamento, logística e
hierarquia, que são usados hoje não apenas nas Forças Armadas, mas também em todos os
tipos de empreendimentos, nasceram com os militares do passado distante” (MAXIMIANO,
2011, p. 29). Já Morgan (2010) cita Frederico, “o Grande”, da Prússia, governante que tentou
instituir a organização mecanicista no militarismo. Em seu reinado (de 1740 a 1786),
Frederico esteve determinado a transformar o exército que herdou, composto de criminosos,
mendigos, mercenário estrangeiro e recrutas mal intencionados, em um grupo organizado.
Frederico utilizou muitas práticas do exército romano e das armadas europeias do
século XVI, introduzindo inovações próprias. Entre essas reformas estava a introdução de
soldados rasos e uniformes, a extensão e padronização de regulamentos, especialização
crescente de tarefas, o uso de equipamento padronizado, a criação de linguagem de comando
31
e o treinamento sistemático que envolvia exercícios de guerra e disciplina (MORGAN, 2010,
p. 25-26). Para manter o controle sobre seus comandados, Frederico defendia o princípio de
que seus soldados deveriam temer os seus oficiais mais do que o inimigo. Neste sentido,
desenvolveu distinção entre funções de orientação e comando, além de controles
descentralizados.
Quanto ao controle de grande número de pessoas, a antiguidade e os tempos medievais
estão repletos de exemplos de povos que buscaram a instauração de uma forma primitiva de
gerência. “A prova disto são as pirâmides, a Muralha da China, as extensas redes de estradas,
aquedutos e canais de irrigação, os grandes edifícios, arenas, monumentos, catedrais etc.”
(BRAVERMAN, 2014, p. 65). O trabalho, nestas sociedades antigas já previa uma divisão
entre a mão de obra bruta (muitas vezes, escrava) e o planejamento e engenharia. Porém, o
objeto do trabalho, naquele contexto, não era a acumulação de capital ou riquezas, mas a
glória dos governantes, a expansão dos territórios, ou a utilização da mão de obra excedente.
Apenas com o desenvolvimento de tecnologias, e o surgimento do capitalismo industrial, é
que o trabalho passa a ser realizado com a intenção de melhoria na produtividade e na
acumulação de riquezas por parte do capitalista. A partir do trabalho em grupo, ou no mesmo
ambiente, sentiu-se a necessidade de uma coordenação, para “ordenar as operações,
centralização do suprimento de materiais, um escalonamento mesmo rústico das prioridades,
atribuições de funções, manutenção dos registros de custos, folhas de pagamento, matérias-
primas, produtos acabados, vendas, cadastro de crédito e os cálculos de lucros e perdas”
(BRAVERMAN, 2014, p. 61).
Em 1911, o engenheiro Frederick Taylor publicou, nos Estados Unidos, seu livro mais
conhecido: Princípios de Administração Científica; e em 1916, na França, foi publicado o
livro Administração Geral e Industrial, do também engenheiro Henri Fayol (MOTTA e
VASCONCELOS, 2006). Estas obras deram início aos estudos relacionados à eficiência no
trabalho, controle dos tempos e movimentos, e a inserção do planejamento na rotina das
organizações.
Tamanha importância das obras de Taylor e Fayol, que a própria definição da
administração pertence à Fayol: “planejar, organizar, coordenar, comandar e controlar”
(MOTTA, 2003, p. 76). Neste contexto, a função de controlar torna-se pertinente, pois os
preceitos da Escola Clássica e da Administração Científica são a hierarquia e o controle dos
tempos e movimentos, além da instituição dos métodos científicos na administração. Para
Taylor e Fayol, o operário deveria realizar apenas (e estritamente) as operações planejadas.
32
É evidente a importância do gerente para a Teoria Clássica da Administração, pois ela
é baseada na separação entre os que pensam e os que executam. Para os autores da Teoria
Clássica, o poder está com os gerentes, pois apenas deles partirão as decisões de toda a
organização. A divisão do trabalho entre os que pensam e os que executam, instituída pelos
pensadores do início do século XX, resultou em um “trabalho relativamente cego dos
operários e de seus supervisores mais baixos, já que a prática sem ideia é cega por definição.
É como se houvesse criado um grupo e um cérebro que agissem numa harmonia complexa,
baseados num mecanismo de vigilância à distância” (MOTTA, 2003, p. 67-68).
No contexto apresentado, se ampliam os quadros administrativos e a
departamentalização da empresa. “A organização já é vista como um sistema de papéis, na
medida em que as pessoas não importam – o que importa é a sincronia desses papéis”
(MOTTA, 2003, p. 75). Assim, “a autoridade formal organiza-se numa cadeia de comando,
também chamada hierarquia, que define a importância relativa das posições dentro da
estrutura” (MAXIMIANO, 1995, p. 47, grifo do autor).
Pode-se afirmar que a hierarquia se estende da autoridade superior aos agentes
inferiores:
A via hierárquica é o caminho que seguem, passando por todos os graus da
hierarquia, as comunicações que partem da autoridade superior ou que lhe são
dirigidas. Esse caminho é imposto, ao mesmo tempo, pela necessidade de uma
transmissão segura e pela unidade de comando. Mas ele não é sempre o mais
rápido; às vezes, é desastrosamente longo nas empresas muito grandes,
principalmente no Estado (FAYOL, 1990, p. 57, grifo do autor).
Portanto, as pessoas que estão em determinado nível possuem autoridade sobre as que
estão no nível inferior. Da mesma forma, as que estão em nível inferior prestam contas para as
que estão acima. “Essa disposição de autoridade de níveis chama-se hierarquia ou cadeia de
comando. A quantidade de níveis chama-se número de escalões hierárquicos”
(MAXIMIANO, 2011, p. 185, grifo do autor). Para Motta e Vasconcelos (2006) a estrutura
burocrática, onde a hierarquia está estabelecida, é definida por regras explícitas e
prerrogativas de cada cargo, bem como a autoridade e seus limites. Este argumento, inclusive,
serve como base à Teoria Estruturalista, que define que o poder está na estrutura, e, sendo o
gerente parte importante da estrutura, o poder do gerente é reforçado.
Neste contexto de hierarquia, Foucault (2014) cita como hierarquia e poder
hierárquico estão presentes nas atividades rotineiras. “Nas salas de refeições, fora preparado
um estrado um pouco alto para colocar as mesas dos inspetores dos estudos, para que eles
33
possam ver todas as mesas dos alunos de suas divisões, durante as refeições” (FOUCAULT,
2014, p. 170). Ainda, “haviam sido instaladas latrinas com meias-portas, para que o vigia para
lá designado pudesse ver a cabeça e as pernas dos alunos, mas com separações laterais
suficientemente elevadas para que os que lá estão não se possam ver” (FOUCAULT, 2014, p.
170).
O mesmo se afirma das grandes oficinas e das fábricas:
À medida que o aparelho de produção se torna mais importante mais complexo, à
medida que aumentam o número de operários e a divisão do trabalho, as tarefas de
controle se fazem mais necessárias e mais difíceis. Vigiar torna-se então uma função
definida, mas deve fazer parte integrante do processo de produção; deve duplicá-lo
em todo o seu comprimento. Um pessoal especializado torna-se indispensável,
constantemente presente, e distinto dos operários: na grande manufatura, tudo é feito
ao toque da campainha, os operários são forçados e reprimidos. Os chefes,
acostumados a ter com eles um ar de superioridade e de comando, que realmente é
necessário com a multidão, tratam-nos duramente ou com despreza; acontece daí
que esses operários ou são mais caros ou apenas passam pela manufatura.
(FOUCAULT, 2014, p. 171-172).
Portanto, o controle não se restringe à produção (matéria-prima, instrumentos,
dimensões e qualidade dos produtos), mas sim as atividades do próprio homem, seu
conhecimento técnico, a maneira de fazê-lo, sua rapidez, seu zelo, seu comportamento
(FOUCAULT, 2014).
Nesta perspectiva, observa-se um impacto quanto à chefia da empresa. Braverman
(2014) cita que a função administrativa de controle, no passado desempenhada pelo
capitalista, depois pelo chefe, dá lugar a uma rede de departamentos. Assim, não há mais um
único gerente, mas um “departamento inteiro que imita em sua organização e em seu
funcionamento a fábrica de onde ele brotou” (BRAVERMAN, 2014, p. 228).
A função especial de administração é exercida não mais por um único gerente, nem
mesmo por uma equipe de gerentes, mas por uma organização de trabalhadores sob
controle de gerentes, assistentes de gerentes, supervisores etc. Assim, as relações de
compra e venda da força de trabalho, e, em consequência, de trabalho alienado,
tornou-se parte do aparelho gerencial em si mesmo (BRAVERMAN, 2014, p. 228,
grifo do autor).
Ainda sobre hierarquia, vê-se surgir um novo formato de equipe, as equipes
autogerenciadas, ou equipes sem gerentes. De acordo com Attaran e Nguyen (1999) estas
equipes são grupos de funcionários que são responsáveis por um conjunto de
responsabilidades, sendo autossuficientes tanto com o produto final como com o processo.
Para Maximiano (1995), a equipe autogerenciada não é um conjunto de pessoas sem líder,
34
mas sim “grupo de pessoas com um objetivo, que pode decidir como fazer para alcançá-lo, e
que trabalha dentro de uma área de autonomia definida de comum acordo com a
administração” (MAXIMIANO, 1995, p. 97).
Como características das equipes autogerenciadas, Maximiano (1995) cita as oito
principais:
1) Objetivos claros; 2) Clareza e conhecimento por parte de todos os integrantes das
tarefas necessárias para realizar os objetivos; 3) Intercâmbio de papéis: a maior parte
da equipe pode realizar quase todas as tarefas. Os integrantes são multifuncionais e
polivalentes; 4) Os papéis de liderança podem ser desempenhados por diferentes
pessoas e também são intercambiáveis. Quem é líder num momento pode ser
liderado em outra; 5) As funções de apoio à operação ou objetivo principal estão
embutidas no próprio grupo: controle de qualidade, manutenção, suprimentos. Em
certos casos, o grupo assume funções de apoio administrativo, como seleção
treinamento de pessoal; 6) A equipe dispõe de todas as informações necessárias para
lastrear o processo decisório; 7) A equipe tem autonomia para tomar as decisões que
afetam mais de perto a realização das tarefas: distribuição e intercâmbio de tarefas,
compensação de faltas, planejamento de faltas, planejamento de férias, requisição de
materiais e serviços, seleção, treinamento e transferências de pessoal. Em certos
casos, a compra de suprimentos está incluída dentro do poder de decisão. 8) Clareza
quanto à divisão do poder de decisões entre as equipes e a administração superior.
Há clareza quanto a quais decisões podem ser tomadas sem consulta em qualquer
nível, quais precisam de aprovação e quais devem ser tomadas colaborativamente
(MAXIMIANO, 1995, p. 97).
Cabe destacar, ainda, que a autonomia de uma equipe autogerenciada não é
completa, porque o controle hierárquico ainda existe. Proença (2010) cita a questão de
autonomia, e afirma que o controle existe sobre os resultados da equipe, e não mais sobre os
métodos e procedimentos de trabalho. Diante disto, ocorre uma coesão entre os membros da
equipe, que agem como vigias e vigilantes, através da pressão dos pares.
2.4. O CONTROLE ATRAVÉS DAS NOVAS TECNOLOGIAS
O controle e a vigilância, sistematizados nas organizações, remete ao início do século
XX. Uma bela ilustração deste contexto é o filme Tempos Modernos, do cineasta Charles
Chaplin (1889-1977), lançado em 1936. O filme retrata a tentativa de sobrevivência de um
trabalhador em um mundo moderno e industrializado, no qual a figura do chefe é representada
pelo executivo sentado em sua mesa, e provido de um equipamento tecnológico, semelhante a
um televisor. Através deste equipamento o chefe transmite mensagens aos seus funcionários,
além de controlar o andamento e a velocidade da produção.
O contexto apresentado no filme reflete a Escola Clássica de Administração e o
Movimento da Administração Científica, em que os expoentes são Frederick Taylor (1856-
35
1915) e Henri Fayol (1841-1925). Segundo Motta e Vasconcelos (2006) o racionalismo,
encabeçado por René Descartes (1596-1650) no século XVII, não havia afetado o campo do
trabalho, até o século XX. As máquinas tornaram o trabalho mais eficiente, entretanto, antes
da Escola Clássica e da Administração Científica não havia uma racionalização do trabalho
nas organizações e da execução das tarefas.
Outro importante administrador do início do Século XX foi Henri Ford (1863-1947),
que desenvolveu e aperfeiçoou o sistema de produção em massa em sua fábrica de
automóveis, nos Estados Unidos. De acordo com Motta e Vasconcelos (2006), o sistema de
produção fordista praticamente eliminou os movimentos desnecessários, por meio de uma
rígida divisão do trabalho, tanto horizontal como verticalmente. Com a evolução das
máquinas, o fordismo proporcionou o surgimento da linha de montagem, que, em conjunto
com o momento econômico, foram fundamentais “para a consolidação da sociedade
industrial, porém sofreu com os efeitos da rigidez de seu modelo e os problemas ligados ao
controle de pessoal” (MOTTA; VASCONCELOS, 2006, p. 33).
Pode-se citar, também, a obra “1984”, publicada em 1949 pelo jornalista e romancista
britânico George Orwell (1903-1950). O enredo de “1984” (ORWELL, 2009) tem como
cenário a fictícia Oceânia que é controlada por um Partido que monitora rigidamente a
população. Este Partido não se propõe ao benefício próprio, nem ao benefício da sociedade,
mas se interessa apenas pelo poder em si. A sociedade fictícia é completamente dominada
pelo Estado, através da vigilância do Grande Irmão (Big Brother). Ninguém escapa à
vigilância do Grande Irmão, que é o líder máximo. Nesta sociedade tudo é feito
coletivamente, mas cada indivíduo vive sozinho. Cartazes espalhados em locais públicos
mostram a figura do Grande Irmão e o célebre slogan “O Grande Irmão está de olho em
você”, como de fato está, principalmente pelas teletelas. As teletelas, que são uma espécie de
televisor, são capazes de monitorar, gravar e espionar a população, pois estão espalhadas em
locais públicos e privados, escutando vinte e quatro horas por dia. As teletelas, como
dispositivos eletrônicos, são capazes de transmitir mensagens e monitorar ao mesmo tempo, e
nos fazem refletir sobre as formas de poder e os dispositivos utilizados para sua manutenção.
No serviço de escritório, Braverman (2014) cita o surgimento da máquina de cartões
perfurados, em 1885, que foi utilizada nos Estados Unidos para tabular o censo de 1890. Esta
invenção mostrou-se como um avanço técnico, mas principalmente um avanço conceitual,
pois possibilitou a leitura e interpretação de dados sem a participação humana direta. Com
esta invenção, o sistema mecânico passa a ser projetado para “controlar não o movimento,
mas a informação” (BRAVERMAN, 2014, p. 276, grifo do autor).
36
Já Castells (2009) cita como marco da revolução da tecnologia da informação a década
de 1940, com a Segunda Guerra Mundial, pelo desenvolvimento do primeiro computador
programável e o transistor. Porém, a difusão ampla das novas tecnologias da informação
ocorreu apenas na década de 1970. Nesta mesma época, pesquisadores americanos realizaram
um avanço significativo: o funcionamento da primeira rede de computadores. Observou-se,
então, grandes avanços tecnológicos nas últimas décadas do séc. XX “no que se refere a
materiais avançados, fontes de energia, aplicações na medicina, técnicas de produção (já
existentes ou potenciais, tais como a nanotecnologia) e tecnologia de transportes, entre outros
(CASTELLS, 2009, p. 67-68).
Entre as tecnologias da informação, incluo, como todos, o conjunto convergente de
tecnologias em microeletrônica, computação (software e hardware),
telecomunicações/radiofusão, e optoeletrônica. Além disso, diferentemente de
alguns analistas, também incluo nos domínios da tecnologia da informação a
engenharia genética e seu crescente conjunto de desenvolvimento e aplicações
(CASTELLS, 2009, p. 67, grifo do autor).
Neste ritmo, a organização tende a eliminar o trabalho mecânico e de rotina, pois serão
realizados pelos avanços tecnológicos. Já no nível mais alto, a tendência é de concentração de
tomada de decisão em profissionais cada vez mais especializados, que utilizam a TI como
base de suas decisões. A autonomia cada vez maior dos níveis mais altos contrasta com a
rotinização e automação dos níveis mais baixos. “Em um estágio mais avançado desse
processo de reintegração de tarefas, também desaparece a supervisão de gerentes de nível
médio, e os controles e procedimentos de segurança são padronizados no computador”
(CASTELLS, 2009, p. 312).
Tanto Castells (2009) como Braverman (2014) concordam que os avanços
tecnológicos, especialmente os ligados aos sistemas de informação vêm desempenhando um
papel importante nas rotinas empresariais. Os sistemas de informação podem ser entendidos
como a representação do poder, pois centralizam a rotina e as estratégias das empresas,
formando uma rede de dados, informações e controles. Assim, chega-se ao ponto defendido
por Castells (2009), de que o poder está na tecnologia, ou melhor, o poder é exercido pela
rede.
Concordando com essa visão, Maximiano (1995) cita que os robôs e processos
automatizados interferiram de forma profunda em todas as ocupações, diminuindo a
necessidade tanto de trabalho operacional como gerencial. Como a tecnologia da informação
37
incorporou muitas atividades de planejamento e controle, a consequência foi a eliminação dos
cargos cujos ocupantes as desempenhavam (MAXIMIANO, 1995, p. 28).
Inúmeras tarefas que exigiam intervenção humana para ser executadas e gerenciadas
passaram por esse processo. Planejamento e controle da produção, contabilidade,
fechamento de movimentos em agências bancárias, controle de estoques e até
mesmo a antiga arte de vender sofreram modificações. Aliás, para que vendedor? Os
computadores do fornecedor e do comprador não podem “conversar” entre si e fazer
a atualização automática dos estoques? Por falar nisso, para que supervisores e
administradores de vendas? (MAXIMIANO, 1995, p. 28).
Portanto, percebe-se que o controle esteve presente nas organizações e na sociedade,
deste o surgimento da administração como ciência, cada época com os equipamentos
tecnológicos que possuía. Sobre a organização moderna, percebe-se que a precisão mecânica
estabelece o ritmo de operação das organizações, conforme cita Morgan (2010):
A vida organizacional é frequentemente rotinizada com a precisão de um relógio.
Espera-se que as pessoas cheguem ao trabalho em determinada hora, desempenhem
um conjunto predeterminado de atividades, descansem em horas marcadas e então
retomem as suas atividades até que o trabalho termine. Em muitas organizações, um
turno de trabalho substitui outro de maneira metódica de tal forma que o trabalho
possa continuar ininterruptamente 24 horas por dia, todos os dias do ano.
Frequentemente o trabalho é muito mecânico e repetitivo. Qualquer pessoa que
tenha observado o trabalho de produção em massa na fábrica, ou em algum grande
“escritório fábrica” [...] notará a maneira maquinal pela qual tais organizações
operam. Elas são planejadas à imagem das máquinas, sendo esperado que os seus
empregados se comportem essencialmente como se fossem parte de máquinas (p.
22).
Neste sentido, o próprio Foucault sugeriu que o panóptico se baseia na
descentralização de informação. Sabendo-se que a tecnologia da informação vem ocupando
espaços, surge o termo dataveillance1, que implicou descentralizar o modo de vigilância, e
possibilita (via base de dados em rede) controlar indivíduos geograficamente dispersos
(ELMER, 2003). Assim, somos monitorados, e nossas ações são armazenadas em bancos de
dados, ou verificadas de forma instantânea, em sistemas de controle de produção, controle de
metas, controle de acessos.
Elmer (2003) destaca ainda, que existem três pontos importantes sobre a vigilância
eletrônica: em primeiro lugar, a vigilância em sistemas e ambientes fechados cede espaço para
a sociedade disciplinar, que tem como base os bancos de dados; em segundo lugar, o autor
discute que a ideia de alguém vigiando muitos vem sendo substituída pela ideia de sinóptico,
1 Dataveillance é um termo em língua inglesa originado da junção das palavras data (dados) e surveillance
(vigilância).
38
onde muitos vigiam um; e em terceiro lugar, a coerção e utilização da força para controle
estão superados, pois percebe-se uma voluntariedade do “vigiado”, em se submeter e em
fornecer informações. Quanto ao efeito sinóptico, destaca-se que a tecnologia proporciona
essa possibilidade, pois o indivíduo que se sujeita, e fornece informações, pode ser verificado,
monitorado e vigiado por diversos outros, sem necessidade de proximidade física nem
geográfica.
De acordo com a Gandy (1989), os dispositivos tecnológicos possuem diversas
utilizações relacionadas à vigilância, como notar a presença ou ausência de pessoas ou
objetos, determinando sua identidade, e inclusive o seu estado de espírito. Câmeras em
miniatura, dispositivos de escuta, equipamentos médicos que examinam material genético, são
outros exemplos de equipamentos. Mas, principalmente, a tecnologia tem propiciado o
armazenamento, recuperação e processamento destes dados.
Neste sentido, Gandy (1989) já previa que as novas tecnologias seriam mais
automáticas. Quando o indivíduo entra em uma garagem, por exemplo, inicia a criação de um
registro de observação, como data e hora de entrada e saída. O login e logon em um sistema
documenta o trabalho realizado, bem como as mensagens e documentos trocados. Nestes
exemplos, os indivíduos colaboram voluntariamente para a vigilância, mesmo que não tenham
consentido plenamente.
Nas empresas, em busca de maior eficiência na produção e gestão, tanto grandes
como pequenos empregadores usam sistemas computadorizados para registrar e
comparar o trabalho dos empregados em relação a padrões ou metas, e ligar as suas
respostas individuais às mudanças do ambiente de trabalho. É irônico, talvez, que o
setor que é vigiado de forma mais completa e contínua é aquele que contém
trabalhadores da informação, que tem por finalidade a coleta e tratamento de dados
(GANDY, 1989, p. 66, tradução nossa).
Deste modo, “o impacto da obra de Foucault, aliado a uma rápida disseminação da TI
em ambientes organizacionais, serviu como ponto de partida para diversos estudiosos se
apropriarem da figura do panóptico para analisar a questão da vigilância nesses contextos”
(ZIMMER; HOPPEN, 2009, p.5). Desta ideia, surge a vigilância eletrônica, que se utiliza de
dispositivos tecnológicos.
Hoje, essa estrutura pan-óptica de controle e vigilância total se renova e expande por
meio das TICs. Um dos aspectos centrais da estrutura pan-óptica disciplinar, o
confinamento, é substituído pelo controle contínuo por meio do ambiente integrado
em rede por diversos dispositivos, no qual se preserva a característica “vê-se tudo,
sem nunca ser visto”. Na verdade, a essência do confinamento, a nosso ver,
permanece, pois a característica onipresente das TICs integra-se na vida dos
funcionários quase que como uma prótese, de modo a confiná-lo em qualquer
39
ambiente (casa, trabalho, lazer, entre outros) por meio da rede. Particularmente a
internet surge e potencializa a estruturação das empresas em rede, que é a grande
estrutura pan-óptica da atualidade (PEREIRA; SEGRE; NASCIMENTO, 2013,
p.73).
Confirmando esta visão, Pereira, Segre e Nascimento (2013) citam que a torre fixa do
panóptico agora é substituída pelas TICs, ampliando sua abrangência. Onde quer que se esteja
e para onde quer que se vá, o “panóptico eletrônico” estará presente (PEREIRA; SEGRE;
NASCIMENTO, 2013, p. 73).
Assim, define-se vigilância eletrônica como “a forma de monitoramento remoto (à
distância) de pessoas dentro de um contexto organizacional por meio de dispositivos
tecnológicos diversos (câmeras de TV, microfones ou computadores, por exemplo)”
(ZIMMER; HOPPEN, 2009, p. 2). Para Gandy (1989), “tecnologia de vigilância moderna é
um sistema integrado de hardware e software que inclui dispositivos para detecção, medição,
armazenamento, processamento e troca de dados e informações sobre o meio ambiente” (p.62,
tradução nossa). Para além disso, tem-se um paradoxo, em que há uma sensação de
empoderamento causado pela contínua conectividade, e ao mesmo tempo a impossibilidade
de se afastar desta mesma conectividade. Portanto, o anseio de estar permanentemente
conectado torna-se uma armadilha, que possibilita o controle externo sobre o indivíduo
(PEREIRA; SEGRE; NASCIMENTO, 2013, p.72).
2.5. O TRABALHO BANCÁRIO
O Sistema Financeiro Nacional pode ser entendido como um “conjunto de instituições
financeiras e instrumentos financeiros que visam em uma última análise, transferir recursos
dos agentes econômicos (pessoas, empresas, governo) superavitários para os deficitários”
(ASSAF NETO, 2011, p. 38). No Sistema Financeiro Nacional observa-se a existência de
dois tipos de instituições financeiras, as bancárias e as não bancárias. As instituições
financeiras bancárias compreendem os bancos e são responsáveis por captar recursos e
realizar empréstimos e financiamentos para pessoas físicas e jurídicas.
Camargo (2009) realiza um resgate histórico da evolução do sistema bancário no
Brasil, iniciado com a criação do Banco do Brasil, em 1808. A criação deste banco foi
possível graças a vinda de D. João VI e da Família Real ao Brasil. Já em 1863 instalam-se os
primeiros bancos estrangeiros (London & Brazilian Bank e o The Brazilian and Portuguese
Bank). No último século, o setor bancário passou por seu momento de fortalecimento e
40
nacionalização, especialmente depois de 1920, até 1964. Este momento de nacionalização
viveu mudanças a partir de 1964, quando a presença de bancos estrangeiros foi ampliada, e o
setor bancário do país passou por um momento de internacionalização. Já no final do séc. XX
viveu-se um período de crise, recessão e instabilidade, que afetam a sociedade, mas não
impactaram o setor bancário, que se utilizou da alta inflação para manter seus ganhos
financeiros.
A partir de 1994, com a estabilização da economia, os bancos precisaram encontrar
novas formas de receita, voltando-se para a ampliação da oferta de crédito, de acordo com
Camargo (2009). Além disso, os bancos redirecionaram seus negócios, e, por outro lado
iniciaram um processo de redução das despesas administrativas e com pessoal, que segundo
Camargo (2009) deveu-se a crescente informatização do setor e início do serviço de
atendimento bancário por internet (e-banking). Com o objetivo de diminuir os custos de
operação, o setor bancário vem diversificando as formas de atendimento, pois “apesar da
importância ainda significativa das agências bancárias, o processo de automação dos serviços
bancários cresce de forma acelerada, com expressiva ampliação da parcela de serviços
efetuados por meio da internet banking e dos canais de autoatendimento” (CAMARGO, 2009,
p. 91).
Uma tendência semelhante foi observada por Hirschhorn, em sua análise dos bancos
americanos, e por Castano em seu estudo do sistema bancário espanhol. Enquanto a
maior parte das operações de rotina continuam sendo automatizadas (caixas
eletrônicos, serviços de informação por telefone, banco eletrônico), os bancários
restantes trabalham cada vez mais como vendedores, para oferecer serviços
financeiros aos clientes, e como controladores do reembolso do dinheiro vendido
(CASTELLS, 2009, p. 313).
Segundo informações da Febraban (2014), a população com acesso à Internet vem
aumentando a taxa de 12% a.a., enquanto as transações via internet banking vem crescendo a
taxa média de 23% a.a. (Figura 2).
41
Figura 2 - Transações Bancárias por Origem, de 2009 a 2013 (em bilhões)
Fonte: FEBRABAN (2014).
No geral, os usuários vêm alterando seu perfil de utilização, e verifica-se que o
número de pessoas que realizam transações via internet banking e mobile banking
ultrapassaram os usuários que utilizam outros canais (agências, ATMs e contact center),
conforme Figura 3.
Figura 3 - Comportamento dos Usuários (% da Soma do Volume de Transações) Fonte: FEBRABAN (2014).
42
Antes da década de 1990, o principal meio de relacionamento dos bancos com os
clientes eram as agências, telefone, ou os caixas eletrônicos (ATM). De forma rotineira, os
clientes e usuários dos serviços bancários se deslocavam até às agências para realizar
pagamentos e depósitos. Com a automação do atendimento, intensificou-se o uso de ATMs,
especialmente em operações de consultas, saques e emissão de extratos. “Esse primeiro
movimento foi importante para que os clientes se acostumassem com o atendimento sem
interação humana e ganhassem maior confiança nos serviços oferecidos por máquinas,
habilitando-os a realizar transações que envolvessem movimentação financeira”
(FEBRABAN, 2014, p. 18). Desde então, os bancos investiram significativas somas de
recursos para ampliar o número de operações e a experiência dos usuários. Somente em 2013,
o setor bancário brasileiro investiu mais de R$ 20,6 bilhões (FEBRABAN, 2014, p. 38) em
despesas e investimentos em tecnologia.
Ainda sobre a década de 1990, percebeu-se que uma série de serviços prestados pelos
operadores de caixa, nas agências bancárias passou a ser realizado via atendimento eletrônico,
como caixas automáticos, internet, home banking ou office banking (PEREIRA; SEGRE;
NASCIMENTO, 2013, p. 67). Após este processo de automação, e consequentemente “a
redução dos postos de trabalho, as TICs continuaram a gerar mudanças importantes nas
práticas laborais. Na atualidade, os sistemas integrados de gestão, as telecomunicações e seus
diversos dispositivos intensificam e controlam a produtividade nesse setor” (PEREIRA;
SEGRE; NASCIMENTO, 2013, p. 67). Os autores realizam, ainda, uma ligação entre a
utilização da TICs e, por conseguinte, redução de postos de trabalho, ao novo perfil esperado
de funcionário bancário. A nova configuração do trabalho, com inserção de produtos e a
necessidade de vendas redefine o papel profissional do bancário, “um perfil multifuncional,
com habilidade para a venda de produtos (seguros, aplicações, etc.) e para a identificação do
perfil de cada cliente, a fim de atendê-lo de acordo com suas necessidades e características.
Ou seja, o funcionário do setor bancário se transforma em um agente de resultados”
(PEREIRA; SEGRE; NASCIMENTO, 2013, p. 69).
A cobrança direta executada pelo “chefe” é substituída, agora, pelas normas
expressas na intranet ou no webmail. A liberdade no tempo de execução das tarefas
é rastreada pelo número de vezes e horas de acesso ao sistema. A noção de local de
trabalho é flexibilizada pelo uso da telefonia móvel e dos computadores conectados
ao sistema da empresa por meio da Internet. Assim, as TICs, junto com as mudanças
organizacionais, aparecem como um meio eficaz e sutil de controle (PEREIRA;
SEGRE; NASCIMENTO, 2013, p. 67).
43
Este novo contexto, de reconfiguração do papel do trabalhador através das TICs
“amplia o controle, em particular sobre os aspectos cognitivos dos funcionários, haja vista que
o processo de informatização exige uma maior compreensão das tarefas e dos procedimentos
executados na empresa” (PEREIRA; SEGRE; NASCIMENTO, 2013, p. 67). Para estes
autores as TICs ampliam o controle sobre o indivíduo no trabalho, pois elas “ajudam a
organizar o trabalho nas empresas, de modo que se torne mais previsível, rotineiro, rígido e
controlável” (PEREIRA; SEGRE; NASCIMENTO, 2013, p. 67).
44
3. ASPECTOS METODOLÓGICOS
O método se trata da ordem dos processos empregados para se chegar a um objetivo
ou resultado desejado, pois a sistematização dos processos dá segurança ao trabalho e
economia na pesquisa, tornando-se fator decisivo para a consecução de certo fim (CERVO et
al., 2007). Veiga-Neto (2009) cita que, para Foucault, o método não é um caminho seguro,
porque nada mais é previsível. “Não há um solo-base externo por onde caminhar, senão que,
mais do que o caminho, é o próprio solo sobre o qual repousa esse é que é construído durante
o ato de caminhar” (VEIGA-NETO, 2009, p. 89). O próprio Foucault desenvolveu suas
pesquisas com métodos inovadores, pois utilizou a genealogia como interesse na gênese do
problema; e arqueologia, como estudo das regras de pensamento de determinada época
(COSTA et al., 2013). Assim, o método deveria se assemelhar a uma perspectiva de trabalho
ou a uma vigilância epistemológica de um raciocínio contínuo (VEIGA-NETO, 2009).
Portanto, nesta parte do estudo, se busca sistematizar e organizar os processos aplicados.
Ainda, nesta etapa do estudo, cabe citar que Foucault (2012) orienta que o estudo do
poder deve ser guiado para “a dominação, os operadores materiais, as formas de sujeição, os
usos e as conexões da sujeição pelos sistemas locais e os dispositivos estratégicos”
(FOUCAULT, 2012, p. 289). Portanto, o poder não deve ser analisado pela intenção:
Não analisar o poder no plano da intenção ou da decisão, não tentar abordá-lo pelo
lado interno, não formular a pergunta sem resposta: “quem tem o poder e o que
pretende, ou o que procura aquele que tem o poder?”; mas estudar o poder onde sua
intenção – se é que há uma intenção – está completamente investida em práticas
reais e efetivas; estudar o poder em sua face externa, onde ele se relaciona direta e
imediatamente com aquilo que podemos chamar provisoriamente de seu objeto, seu
alvo ou campo de aplicação, quer dizer, onde ele se implanta e produz efeitos reais.
Portanto, não perguntar por que alguns querem dominar, o que procuram e qual é
sua estratégia global, mas como funcionam as coisas no nível do processo de
sujeição ou dos processos contínuos e ininterruptos que sujeitam os corpos, dirigem
os gestos, regem os comportamentos, etc. Em outras palavras, em vez de perguntar
como o soberano aparece no topo, tentar saber como foram constituídos, pouco a
pouco, progressiva, real e materialmente os súditos, a partir da multiplicidade dos
corpos, das forças, das energias, das matérias, dos desejos, dos pensamentos etc.
(FOUCAULT, 2012, p. 283).
Sendo assim, este estudo, que tem como objetivo compreender qual a percepção dos
gerentes de agências bancárias quanto ao seu poder frente à equipe em face ao funcionamento
do panóptico digital, considera o poder disciplinar, o poder hierárquico, a tecnologia da
informação e suas relações com o poder dos gerentes de agências bancárias (Figura 4).
45
Figura 4 - Desenho da pesquisa Fonte: Elaborado pelo autor (2015).
O desenho da pesquisa, elaborado a partir dos autores constantes no Referencial
Teórico, busca demonstrar a estrutura de poder e seus pontos de integração, como forma de
entendimento do funcionamento do panóptico digital, e culminando com a intenção deste
estudo: o estudo do poder dos gerentes frente a inserção da tecnologia na vigilância e controle
nas organizações. Ainda, o desenho da pesquisa (Figura 4) busca agrupar os itens que
compõem a estrutura teórica em três dimensões distintas, porém, interligadas: a dimensão
organizacional (representada pelo poder hierárquico e pela hierarquia); a social (representada
pela tecnologia da informação e pelo panóptico digital); e a dimensão teórica (que abrange o
poder disciplinas, vigilância e o panóptico).
Além do texto que introduz os aspectos metodológicos, esta etapa do trabalho está
assim estruturada: Delineamento da pesquisa, onde consta a natureza e nível da pesquisa; os
participantes da pesquisa; a forma de coleta de dados e construção do roteiro de entrevista; e,
finalmente, a análise dos dados.
3.1. DELINEAMENTO DA PESQUISA
Esta pesquisa, de natureza qualitativa, apresenta-se como escopo exploratório. A
pesquisa qualitativa é a “metodologia de pesquisa não estruturada e exploratória baseada em
pequenas amostras que proporciona percepções e compreensão do contexto do problema”
(MALHOTRA, 2012, p. 111). Este método difere da pesquisa quantitativa pela forma de
coleta e tratamento de dados, e principalmente por não utilizar instrumentos estatísticos. Desta
forma, a pesquisa qualitativa proporciona uma compreensão do contexto do problema,
46
interpretando aspectos mais profundos e complexos do comportamento das pessoas
(MARCONI; LAKATOS, 2011; MALHOTRA, 2012). Ela fornece uma “análise mais
detalhada sobre as investigações, hábitos, atitudes, tendências de comportamento etc.”
(MARCONI; LAKATOS, 2011, p. 269).
Já a pesquisa exploratória mostra-se como “o passo inicial no processo de pesquisa
pela experiência e um auxílio que traz a formulação de hipóteses significativas para
posteriores pesquisas” (CERVO et al., 2007, p. 63). Este tipo de pesquisa possui objetivos
definidos, ainda que não elabore hipóteses, muito menos as teste no trabalho. Os estudos
exploratórios “têm objetivo familiarizar-se com o fenômeno ou obter uma nova percepção
dele e descobrir novas ideias” (CERVO et al., 2007, p. 63).
Diante disto, justifica-se a caracterização deste estudo como qualitativo exploratório
pela forma como o estudo será desenvolvido. Esta pesquisa se preocupa em uma aproximação
com o campo de estudo: a inserção da tecnologia no controle organizacional, e sua influência
no poder dos gerentes. Assim, os dados coletados não representam números, nem foram
objeto de análises estatísticas; mas sim a triangulação de dados como fala, discurso,
documentos e observação fornecerão dados qualitativos.
3.2. PARTICIPANTES
Uma das vantagens do método qualitativo é o contato prolongado do investigador com
o indivíduo, grupos, ambiente, ou situação investigada (MARCONI; LAKATOS, 2011).
Assim, escolher os casos, grupos ou materiais “certos” tornam-se relevante, diante de um
universo infinito de escolhas, de acordo com Flick (2009a).
E, com o que escolhemos, queremos fazer afirmações que se possam generalizar de
uma ou de outra forma – na maioria dos casos, pelo menos para além das situações
de pesquisa e das quatro ou quarenta pessoas que entrevistamos, por exemplo. Dado
que esse problema é semelhante na pesquisa qualitativa e em outras formas de
pesquisa social de uma forma muito geral, continuaremos a usar o termo
“amostragem” aqui (FLICK, 2009a, p. 43-44).
Neste estudo, optou-se por investigar os gerentes de agências bancárias, constituindo-
se nos participantes da pesquisa. Com a finalidade de delimitação, elegeu-se os gerentes de
agências pertencentes aos bancos registrados no BACEN (155 instituições, entre Bancos
Comerciais, Múltiplos e Caixa Econômica). A escolha dos respondentes se deu por
possibilidade de acesso, caracterizando-se como amostragem por conveniência. Esta
47
modalidade é uma “técnica de amostragem não probabilística que procura obter uma amostra
de elementos convenientes. A seleção das unidades amostrais é deixada a cargo do
entrevistador” (MALHOTRA, 2012, p. 275). Ainda sobre a seleção intencional, Creswell
(2010) cita que o pesquisador seleciona intencionalmente os participantes e os locais que
melhor o ajudarão a entender o problema e a questão de pesquisa, sendo que esta
característica é típica da pesquisa qualitativa. “Isso não sugere, necessariamente, uma
amostragem ou seleção aleatória de um grande número de participantes e locais, como é
tipicamente observado na pesquisa quantitativa.” (CRESWELL, 2010, p. 212, grifo do autor).
Cabe citar, ainda, que no ramo bancário é comum a utilização da terminologia
“gerente” para diversas funções. Entretanto, neste estudo se optou por delimitar aos
indivíduos que exercem o poder hierárquico (FOUCAULT, 2014) na agência. Portanto, a
coleta dos dados se restringiu ao primeiro gestor da agência bancária, mencionado como
gerente, gerente geral, administrador, gestor; e neste estudo citado apenas como gerente.
Ainda, delimitou-se a coleta de dados a agências com mais de 12 funcionários, pois há maior
possibilidade de observação de pontos importantes deste estudo, como a resolução de
controvérsias, o controle de equipes, e a gestão do tempo da equipe.
A partir dos indivíduos selecionados, não há como prever o número de respondentes,
portanto, o tamanho da amostra não é definido previamente (FLICK, 2009b). Neste ponto,
chega-se a questão de quando interromper a adição de novos respondentes. Para Flick (2009b)
e Bauer e Aarts (2002), o momento correto de interromper a integração de novos casos é o
momento em que não estão sendo encontrados dados adicionais: a saturação teórica. Assim, a
coleta de dados deste estudo foi interrompida no momento em que as respostas começarem a
se repetir, ou seja, quando a fala dos entrevistados não mais acrescentou informações
relevantes para a resposta do problema de pesquisa (quatorze entrevistas). Para se identificar
este momento em que as respostas passaram a se repetir, utilizou-se a sugestão de Fontanella
et al. (2011), onde a análise é realizada por categoria (ou subtema). Na décima quarta
entrevista o gerente não mais acrescentou pontos importantes novos, sendo apenas uma
“repetição” das falas anteriormente citadas por outros gerentes. Em termos gerais, o discurso
dos gerentes se mostrou homogêneo, não apresentando diferenças significativas entre a fala,
mesmo de bancos diferentes.
Para a efetivação desta pesquisa, realizou-se contato via e-mail com os gerentes de
agência bancária. O endereço de e-mail dos gerentes foi levantado pelo site dos bancos,
informações dos sindicatos, e rede de contatos do pesquisador. A partir do contato inicial,
alguns gerentes responderam o e-mail, demonstrando interesse em participar da pesquisa.
48
Então, foi realizado o agendamento da visita e coleta de dados com quatorze gerentes de
agência bancária, que atuam nos municípios de Passo Fundo (RS), Marau (RS), Carazinho
(RS) e Casca (RS).
3.3. TÉCNICAS DE COLETA DE DADOS
Referente à coleta de dados tem-se “o estabelecimento dos limites para o estudo, a
coleta de informações por meio de observações e entrevistas não estruturadas ou
semiestruturadas, de documentos e materiais visuais, assim como do estabelecimento do
protocolo para o registro das informações” (CRESWELL, 2010, p. 212). Neste estudo, a
técnica de coleta de dados utilizada foi a entrevista e a observação. Muito além de uma
simples conversa, a entrevista é uma conversa orientada para um objetivo proposto, ou seja,
direcionada para a obtenção de informações importantes, além de compreender as
experiências do entrevistado (CERVO et al., 2007; MARCONI; LAKATOS, 2011).
As entrevistas qualitativas são muito pouco estruturadas. O principal interesse do
pesquisador é conhecer o significado que o entrevistado dá aos fenômenos e eventos
de sua vida cotidiana, utilizando seus próprios termos. A entrevista permite o
tratamento de assunto de caráter pessoal. Todavia, seria aconselhável o uso de um
roteiro simples, que guie o entrevistador pelos principais tópicos, caso ele seja
iniciante (MARCONI; LAKATOS, 2011, p. 280).
Neste sentido, Marconi e Lakatos (2011) citam que o pesquisador tem liberdade para
direcionar a entrevista na direção que achar adequada, visando explorar da melhor forma
possível uma questão pré-determinada. Este tipo de pesquisa caracteriza-se como
despadronizada, semi-estruturada, assistemática, antropológica, ou livre. Quanto aos cuidados
no momento da entrevista, Godoi e Mattos (2010) citam que o entrevistador deve atuar de
maneira sutil, provocando o entrevistado a falar, sem conduzir sua fala. “A habilidade do
entrevistador reside em conduzir a fala, omitindo-se ao máximo em conduzir o sujeito, em
emitir opiniões, independente do uso auxiliar de roteiros e guias” (GODOI; MATTOS, 2010,
p. 313). Diante destas citações, torna-se evidente a necessidade de elaboração de uma
estrutura básica a ser seguida pelo pesquisador: o roteiro de entrevista (Apêndice 2). De
nenhuma forma espera-se tornar a entrevista pouco flexível ou excessivamente formal, mas
um trajeto, ou caminho a seguir garantirá confiabilidade e seriedade da pesquisa. Para este
estudo optou-se por elaborar questões amplas, com o intuito de estimular a fala dos
entrevistados, conforme Quadro 1. As questões seguiram o proposto por Foucault (2014) e
49
abordam a materialização do poder do panóptico digital, os dispositivos do poder do
panóptico digital, e os dispositivos disciplinares.
Quadro 1 - Operacionalização dos elementos conceituais da pesquisa
Categoria Componente da categoria Corpus
A materialização
do poder do
panóptico digital
A diferenciação interna dos bancários Entrevista
Observação do site dos bancos
Privilégios e funções do gerente
Entrevista
Observação do sistema de normas e
procedimentos
Os meios de exercício do poder Entrevista
Os dispositivos
do poder do
panóptico digital
A organização dos indivíduos no espaço
Entrevista
Observação da disposição dos móveis das
agências bancárias
Observação da fachada das agências
O controle sobre o tempo Entrevista
A vigilância Entrevista
Observação do sistema de controle de metas
O registro contínuo do conhecimento Entrevista
Observação do sistema de informática
Os dispositivos
disciplinares
O olhar hierárquico Entrevista
Observação do sistema de controle de metas
A sanção normalizadora Entrevista
O exame Entrevista
Observação do sistema de controle de metas
Fonte: Elaborado pelo autor (2015).
Além da entrevista, se buscou a construção de um corpus de materiais para análise e
entendimento dos discursos. De acordo com Bauer e Aarts (2002), a noção de corpus pode ser
definida como uma coleção finita de materiais, determinada pelo pesquisador, sendo possível
a utilização de qualquer material que possua função simbólica. Em se tratando de escolha pelo
pesquisador, observa-se uma inevitável arbitrariedade, conforme citado pelos autores.
Entretanto, mesmo com possibilidade de se utilizar diversos e diferentes materiais, o corpus
deve possuir “relevância, homogeneidade e sincronicidade” (BAUER; AARTS, 2002, p. 55).
Para este estudo, optou-se por utilizar a política de metas da instituição, e informações
coletadas via observação da rotina dos gerentes e da disposição dos móveis e equipamentos
no ambiente; constituindo-se o corpus da pesquisa.
No mesmo pensamento, Creswell (2010) e Flick (2009b) sinalizam a utilização de
outros dados além da entrevista, nomeando esta técnica de triangulação de dados. Esta
palavra-chave é utilizada para indicar a combinação de diferentes métodos, grupos de estudo,
ambientes locais e temporais e perspectivas teóricas distintas no tratamento de um fenômeno
(FLICK, 2009b). Da mesma forma, “os pesquisadores qualitativos geralmente coletam
múltiplas formas de dados, tais como entrevistas, observações e documentos, em vez de
50
confiarem em uma única fonte de dados” (CRESWELL, 2010, p. 208). Pode-se citar o estudo
de Azevedo et al. (2013) que buscou organizar e sistematizar as principais questões e aspectos
inerentes a triangulação. A triangulação pode combinar métodos e fontes de coleta e análise
de dados. Assim, entrevistas, questionários, observação e notas de campo, documentos podem
contribuir para o exame do fenômeno sob múltiplas perspectivas e dimensões mais profundas
(AZEVEDO et al., 2013). A operacionalização dos elementos extraídos da teoria encontram-
se sistematizados no Quadro 1. Tanto a operacionalização dos elementos conceituais quanto a
elaboração do roteiro de entrevistas seguiu a sistemática indicada por Foucault para análise
das relações de poder: a materialização do poder; os dispositivos do poder; e, os dispositivos
disciplinares.
Sobre as observações qualitativas, Creswell (2010) cita que são as observações
realizadas pelo pesquisador, onde ele realiza anotações de campo sobre o comportamento e as
atividades que os indivíduos realizam no local em que a pesquisa está sendo realizada. Ainda,
o autor cita a necessidade de utilização de um protocolo para registrar os dados observados na
pesquisa. Diante disso, este estudo se utilizou da entrevista e da criação de um corpus de
pesquisa, buscando a triangulação dos dados. Os encontros formais de entrevista se
mostraram oportunidades de observação, e que permitiram a triangulação dos dados. As
observações se direcionaram a localização das mesas da agência, o layout (padrão visual) da
agência, as atividades realizadas pelo gerente, os contatos feitos entre o gerente e clientes ou
entre gerentes e funcionários, e, ainda, a observação do sistema de informática, nas agências
onde houve autorização.
3.4. ANÁLISE DE DADOS
Os dados e informações, por si só, não representam uma análise realizada. A análise
dos dados busca, então, extrair sentido dos dados coletados. Envolve preparar os dados para
análise, conduzir análises, aprofundar sistematicamente o processo de compreensão dos
dados, representar os dados e realizar uma interpretação do significado mais amplo dos dados
(CRESWELL, 2010).
Inicialmente, cabe citar que as pesquisas qualitativas possuem passos sistemáticos, que
envolvem “gerar categorias de informações (codificação aberta), selecionar uma das
categorias e posicioná-la dentro de um modelo teórico (codificação axial), e então explicar
uma história a partir da interconexão dessas categorias (codificação seletiva).” (CRESWELL,
2010, p. 217). Para o autor, é possível destacar seis passos para organizar a análise dos dados
51
qualitativos, iniciando pela organização e preparação dos dados, envolvendo a transcrição das
entrevistas e digitação das anotações de campo. Este passo é seguido pela leitura dos dados,
buscando um percepção geral das informações e reflexão do significado global, seguida da
codificação, que se descreve como a organização em blocos ou segmentos de texto.
Em sequência, cita-se a descrição como próximo passo no processo de análise de
dados. Neste passo, busca-se descrever o local ou as pessoas; as categorias ou temas para
análise. Assim, é possível informar como os temas serão representados na narrativa
qualitativa, inclusive com cronologia de eventos ou por temas. Só então os dados estarão
prontos para o sexto passo, a interpretação, e extração de um significado dos dados. Neste
ponto é possível a “comparação dos resultados com informações coletadas da literatura ou de
teorias. Dessa maneira, os autores sugerem que os resultados confirmam informações
passadas ou delas divergem.” (CRESWELL, 2010, p.224).
Neste estudo, optou-se por utilizar a análise do discurso. Esta técnica combina
procedimentos analíticos linguísticos com análises de processos de conhecimento e
construções. Estas análises não se restringem aos “aspectos formais” das apresentações e dos
processos linguísticos (FLICK, 2009b). Para Maingueneau (1997; 1999) a linguística é capaz
de balancear a “rigidez” de seu núcleo com uma “periferia cujos contornos instáveis estão em
contato com as disciplinas vizinhas (sociologia, psicologia, história, filosofia, etc.).”
(MAINGUENEAU, 1997, p. 11). Ainda, pode-se citar que a análise do discurso é tanto “uma
reorientação teórica da relação entre o linguístico e o extralinguístico, como também por uma
mudança da postura do observador em face do objeto de pesquisa” (ROCHA; DEUSDARÁ,
2005, p. 319).
Devido a complexidade e amplitude da análise do discurso, pode-se dizer que não
existe apenas uma linha de análise, mas “ao menos 57 variedades de análise de discurso”
(GILL, 2002, p. 246). O que esses diferentes estilos parecem ter em comum, ao tomar como
objeto o discurso, é que partilham de “uma rejeição da noção realista de que a linguagem é
simplesmente um meio neutro de refletir, ou descrever o mundo, e uma convicção da
importância central do discurso na construção da vida social” (GILL, 2002, p. 244).
Neste sentido, para Caregnato e Mutti (2006) o dizer é marcado por uma ideologia.
Assim, “o sujeito não é individual, é assujeitado ao coletivo, ou seja, esse assujeitamento
ocorre no nível inconsciente, quando o sujeito se filia ou interioriza o conhecimento da
construção coletiva, sendo porta-voz daquele discurso e representante daquele sentido”
(CAREGNATO; MUTTI, 2006, p. 681). Para a análise de discurso, esse assujeitamento é “o
movimento de interpelação dos indivíduos por uma ideologia, condição necessária para que o
52
indivíduo torne-se sujeito do seu discurso ao, livremente, submeter-se às condições de
produção impostas pela ordem superior estabelecida, embora tenha ilusão de autonomia”
(FERREIRA, 2001, p. 12).
É possível citar, também, a aproximação da análise de discurso com a ciência da
administração. De acordo com Rodrigues e Dellagnelo (2013, p. 632) a utilização da análise
de discurso pode “estabelecer um novo senso comum emancipatório” para a administração,
pois uma nova forma de entender os discursos pode alterar os entendimentos encobertos pela
definição política e ideológica que os encobrem. Assim, para os autores (2013), a construção e
consolidação da empresa se baseia em importantes instituições que “também constroem e
disseminam discursos que a sustentam e são sustentados por aquela primeira” (RODRIGUES;
DELLAGNELO, 2013, p. 632). Portanto, a utilização da análise de discurso neste estudo se
justifica pela relevância do estudo de diferentes pontos de observação de um mesmo tema,
pois a própria ciência da administração se originou e se baseia em outras ciências e outros
conhecimentos originados de contextos diferentes.
Em se tratando de pesquisa qualitativa, os autores citam a relevância da validade e da
confiabilidade do estudo. Para Creswell (2010) a validade tem relação com a precisão dos
resultados, empregando procedimentos. Já quanto à confiabilidade, existe a necessidade de os
pesquisadores documentarem todos os procedimentos de seus estudos. Neste sentido, os
registros e os procedimentos ajudarão o pesquisador a definir se o autor vê o que ele acha que
vê (FLICK, 2009b; CRESWELL, 2010). A partir disto, esta pesquisa buscou a triangulação
de dados, com entrevistas, observações do sistema, observações da mobília, observação da
fachada. Os dados coletados foram registrados através da transcrição dos arquivos de áudio
(para as entrevistas) e a elaboração de um diário de campo (para as observações). Os dados
foram agrupados em cada uma das categorias elencadas e auxiliaram o pesquisador na
compreensão do fenômeno, bem como na validade e confiabilidade desta pesquisa.
53
4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS COLETADOS
A partir do levantamento teórico, apresentado no Capítulo 2, os meses de agosto,
setembro e outubro de 2015 foram destinados à coleta dos dados para a pesquisa. As
entrevistas ocorreram no período indicado, com duração média de 35 minutos, sendo a
entrevista mais curta 22 minutos e a mais longa 42 minutos. As entrevistas foram transcritas e
codificadas pelo autor em agosto, setembro e outubro de 2015. As observações realizadas pelo
pesquisador foram organizadas em um diário de campo. Os entrevistados se caracterizam
como gerente de agência bancária, sendo que optou-se por padronizar a nomenclatura, tendo
em vista os diferentes nomes em cada banco (gerente geral, gerente, administrador). Pode-se
observar as principais características dos entrevistados no Apêndice 3. Optou-se por analisar
os dados coletados conforme a sistemática indicada por Foucault (2012; 2014) para análise
das relações de poder: a materialização do poder; os dispositivos do poder; e, os dispositivos
disciplinares.
4.1. A MATERIALIZAÇÃO DO PODER
Foucault apresenta a materialização do poder através de diversos mecanismos, pois o
poder não é algo que se possua, mas sim que se exerça, que circula (FOUCAULT, 2014)
Neste estudo, a materialização do poder pode ser analisada a partir de três elementos: os
privilégios e funções do gerente; a diferenciação interna dos bancários; e, os meios de
exercício do poder.
4.1.1. Privilégios e funções do gerente
Pondera-se ser importante, ao iniciar o estudo sobre o poder dos gerentes, entender a
visão que os gerentes de agência bancária têm sobre sua própria função. Os entrevistados
elencam entre as principais funções do gerente a representação do banco em eventos e
atividades, além da gestão de pessoas e equipes e a participação efetiva em negociações com
clientes.
Inicialmente, pode-se citar que os gerentes concordam que a função de representação
do banco é uma das atribuições do gerente, tanto em atividades externas como internas.
Quanto às atividades externas, destacou-se participação em eventos da comunidade, além de
visitação de clientes e empresas. Quanto à representação interna, o gerente é percebido pelos
54
funcionários como “o banco”, portanto ele precisa estar ciente da estratégia e do
direcionamento do banco para repassar aos funcionários: “[...] o gerente tem que ter a
percepção do DNA do banco e passar para o funcionário, que ele sinta isso, né, [...]
disseminar a forma de trabalho do banco, aonde o banco quer chegar” (GERENTE 5).
Nesta direção, todos os gerentes citaram que o estímulo ao trabalho em equipe e a
gestão das pessoas da agência destacam-se como atividades do gerente. Para o Gerente 1, “é a
equipe agência”, na qual o papel do gerente é garantir que todos os setores trabalhem de
forma colaborativa, porque “[...] tem que fazer que esse convívio dê resultado, a interação
entre gerações... praticamente três gerações dentro do banco”. Nesta lógica, o gerente
encontra-se na liderança de uma equipe de trabalho com diferentes habilidades, e que
realizam diferentes atividades, portanto, sua capacidade de gerenciamento e estímulo ao
trabalho em equipe é importante.
Quanto à gestão das pessoas nas agências, os gerentes são unânimes na importância da
figura do gerente como motivador e líder. Cita-se o Gerente 6 que afirma que “é uma função
nossa, do gestor, que demanda muito: pensar sobre as pessoas”. Para o Gerente 10, entre as
funções do gerente, “primeiramente cuidar da parte pessoal, funcionários, eu acho que isso é
bem importante porque a gente trabalha com pessoas, e cada vez mais qualificadas e tu tem
que efetivamente administrar”.
Pode-se perceber que a política geral de gestão de pessoas é institucionalizada, através
de um plano de funções. Porém, a forma como o gerente conduz a gestão das pessoas dentro
de cada agência varia conforme o estilo de gestão. Neste ponto, o gerente se apega ao poder
que lhe resta, ou seja, fragmentos que o poder central do banco ainda não padronizou como se
pode observar no discurso:
A gestão de pessoas é calcada em cima da nossa gestão. Existe uma diretriz geral,
mas a gente tem mais autonomia para administrar um pouco, com exceção de que
por ser banco público não tem demissões, mas a gente tem autonomia de
movimentar... tem bastante autonomia pra fazer isso aí. A agência tem os segmentos
e a gente pode circular as pessoas nesses segmentos, a gente como readequar a
necessidade da nossa agência, e do colega. Colega quer crescer, trocar de segmento,
a gente tem que ter essa sensibilidade de tentar, de ver que ele quer um crescimento
e ajudar ele no crescimento, porque o banco precisa que eles cresçam, porque temos
que formar os nossos sucessores (GERENTE 7).
É possível perceber, na fala citada, alguns pontos que evidenciam a perda de poder,
como no trecho “[...] a gente tem mais autonomia para administrar um pouco[...]”,
contrastando com a aparente preocupação do gerente com a intenção de troca de setor do
funcionário. Todavia, não fica claro no discurso dos gerentes a real preocupação com as
55
pessoas, mas uma possível necessidade de trabalho em equipe para atingimento das metas
organizacionais: “Se não trabalhar em equipe, hoje, tu não desenvolve, porque o banco
instituiu o sistema de metas, e está tudo vinculado, o meu sucesso depende do sucesso dos
outros” (GERENTE 7).
Neste sentido, as metas são citadas em diversos momentos quando os gerentes falam
sobre as equipes:
Com base no cadastro do perfil dos clientes da agência é definida a meta da agência
para o semestre. Então vem pra agência, a nossa função é de liderança e treinamento.
Tem que treinar toda a equipe para que trabalhem em conjunto pra desenvolver e
atingir a meta que a empresa deseja [... ] nós passamos treinando e cobrando metas,
né. Cobrando metas e organizando a equipe para atingir as metas, que vem tudo
pronto. A gente nem escolhe, já vem pronto pra nós. A gente não discute, a gente só
recebe e divide aqui, tanto pra cada um e vamos ver (GERENTE 1).
Somos os executivos, somos os executores. Tem uma direção pensante que faz as
estratégias, como a gente vai atuar, e repassa. Ainda tem uma intermediária, que é a
superintendência nossa. Vem essa estratégia, e nós aqui como gestores locais temos
que colocar em prática, executar essa estratégia. Nós somos gestores mas não somos
muito pensantes, nós somos mais executores (GERENTE 6).
Outro ponto importante da função do gerente, citado pelos respondentes é o
direcionamento aos negócios. “O foco de atuação do gerente geral é na parte mercadológica,
nas operações de crédito, nos negócios banco-cliente, do cumprimento das metas, é onde o
gerente geral vai atuar com mais força, vai ser a área de atuação dele” (GERENTE 9). A
destinação do tempo do gerente para a realização de negócios pode ser entendida como um
privilégio da função, tendo em vista que a operacionalização, geralmente, é repassada para
outro funcionário, subordinado na agência:
O gerente é o responsável, é a pessoa que tem que dar o direcionamento [...] claro
que, operacionalmente, não é o gerente geral que vai ficar colocando a proposta de
crédito no sistema, ou vai ficar preenchendo proposta de seguro, não é ele que vai
fazer, mas ele tem que (silêncio) o funcionamento do negócio, ele tem que conhecer,
saber um pouco de tudo (GERENTE 4).
Neste ponto, inclusive, pode-se citar trechos de entrevistas em que o gerente menciona
a grande quantidade de atividades que o gerente necessita desenvolver:
Tudo o que é bronca, é coisa, eu tô envolvido. Eu... desde o menor trabalho do
funcionário, nas férias o funcionário: “eu queria tirar no mês tal e ele não consegue,
ele vem aqui”. De maneira geral tudo o que é bronca é comigo. Passa por setores,
mas ninguém vem no banco e diz: “eu quero falar com o supervisor de atendimento,
naquela área, eu quero falar com o subgerente, eu quero falar com o gerente, eu
quero tirar um extrato, eu vou falar com o gerente” (GERENTE 1).
56
Fora a quantidade de acompanhamento que se tem, de sistema de metas, de
despesas. Hoje muito voltado ao resultado, porque tem um sistema que te dá o teu
resultado, quanto que tu ganha de tarifa, quanto que tu ganha no crédito, quanto que
tu ganha na captação, né (GERENTE 4).
[...[o próprio nome já diz, é geral, é tudo (GERENTE 10).
Mas tem que estar sabendo de tudo porque tu é o responsável pela dependência
(GERENTE 11).
Eu tenho que fazer dentro das metas que são estabelecidas, eu tenho que fazer a
gestão da minha equipe e dos negócios da minha agência para atingir todas essas
metas, então eu tenho que conseguir gerenciar minha equipe pra que, por exemplo,
se eu começar a fazer muita hora extra pra atender as metas quantitativas e de
volume eu bato na meta de despesas, né. Se eu começar a dar muito crédito, abrir a
torneira como a gente costuma dizer, eu vou ter problema de inadimplência na outra
ponta. Então, na verdade, é amarrado. E o meu sistema é gerenciar a equipe pra isso.
Alguns clientes maiores, prospecção de clientes, visitar clientes, né, clientes
maiores, e treinamento de equipe e suporte. Quanto tu chegou aqui, por exemplo, a
colega estava com uma dificuldade e a gente tem que tentar auxiliar. De maneira
genérica, sem discriminar atividades, é isso que a gente faz (GERENTE 3).
Então, quanto à função do gerente, destaca-se a sua função representativa. Para a
sociedade, o gerente é o banco. Para os funcionários, o gerente representa o banco. Talvez
esta diferenciação possa estar relacionada à quantidade de normas, especialmente relacionadas
à gestão de pessoas, que estão disponíveis aos funcionários, e ao gerente, cabe cumprir, e
realizar pequenas adaptações. Neste sentido, sua figura quanto às metas também se torna de
representação e de execução, pois ele mesmo é objeto da determinação superior, e não mais o
determinador dos rumos de sua unidade. Pode-se, inclusive, associar esse esvaziamento a uma
sujeição, onde os próprios gerentes aceitam que sua influência e sua autonomia cedam lugar à
execução de estratégias estabelecidas sem sua participação. Esta perda deve ser percebida pela
sua equipe, tendo em vista que o poder “não se dá, não se troca nem se retoma, mas se exerce,
só existe em ação” (FOUCAULT, 2012, p. 274).
4.1.2. A diferenciação interna dos bancários
Uma das bases da Teoria Clássica da Administração é a separação do trabalho entre os
que pensam e planejam, e aqueles que executam. Esta diferenciação foi notada como grande
avanço, pois pela primeira vez o poder pôde ser analisado sob a perspectiva dos que pensam a
organização, em detrimento aos sujeitados ao poder, ou seja, os operários e executores. Eis
que nesta configuração, a figura do gerente foi elevada ao pedestal máximo, pois era o grande
representante da empresa, e, portanto, detentor de todo o poder.
57
Entretanto, com os estudos de Foucault, o poder deixa de ser analisado sob a lógica de
sujeito e objeto, mas sim sob a perspectiva de que o poder está localizado nas relações, em um
mecanismo que o autor denomina “a microfísica do poder”. Para Foucault (1983; 2012) o
poder não possui um ponto central, pois está localizado em toda parte, em todo lugar. Assim,
a forma mais adequada de definição é que o poder não possa ser possuído, mas sim exercido
(FOUCAULT, 2012).
Diante disso, não cabe uma avaliação das diferenças entre os níveis hierárquicos da
organização, mas sim o entendimento de onde o poder está. Neste sentido, fica claro na fala
do Gerente 6 que o poder de determinação de normas não é exercido pelo gerente: “a diretriz,
a estratégia e a norma vem da matriz, a gente só pode ver a melhor maneira de que isso seja
aplicado, mas a gente não pode criar normas, eu tenho que seguir a norma institucional”.
Portanto, não se evidencia a diferenciação entre o gerente e seus subordinados, pois
ele mesmo é sujeito da norma institucional. Ainda, o sistema também é mencionado de forma
positiva, pois o próprio sistema controla o acesso de informações de acordo a função do
funcionário, conforme Gerente 1 “[...] pelo fechamento do sistema hoje em dia e pelo
bloqueio que você pode acessar umas áreas e outras não, a própria tecnologia resguarda muita
coisa, porque conforme a hierarquia, o nível dentro do banco, você consegue acessar”. Ainda
com relação ao sistema, o Gerente 10 relata que “[...] dentro do que o sistema libera, o próprio
funcionário pode atender”. Mais uma vez, o sistema é o responsável pelo controle de acesso
aos dados, diminuindo a diferenciação entre o trabalho do bancário e do gerente de agência
bancária.
Um ponto que merece destaque é o retorno do tema representatividade fora da agência.
Tanto o Gerente 2, como o Gerente 8 e o Gerente 11 citam que o gerente realiza visitas a
clientes de maior importância econômica, e representatividade social. Talvez, este seja ainda o
maior diferencial entre o trabalho do bancário e do gerente. Esta tentativa de manutenção do
poder é reforçada pela hierarquia e pela separação em setores, que direciona os clientes que
não são tão representativos aos bancários, e encaminha apenas casos de maior importância ao
gerente.
Mas tu tem que ficar em permanente contato com os maiores, fazendo uma rede de
relacionamento com pessoas que tem mais, como posso te dizer, assim, influência:
presidente de sindicato, entidades, associações, prefeitos, políticos. Então tu tem que
ter esse relacionamento com essas pessoas [...] porque tu representa o banco
(GERENTE 2).
Muitas vezes a decisão é tomada gerencial [...] operações de empresa, muitas vezes
está formando parecer de informação, tem toda uma atenção maior, muitas vezes
58
você vai atender um empresário que precisa de um sigilo maior... uma conversa em
separado (GERENTE 8).
Tem que ter um fluxo no banco [...] é que você tem outras funções, outras
responsabilidades que são, pro negócio, prioritárias, né [...] claro que o cliente é
prioridade, mas o andamento da coisa tem que seguir (GERENTE 11).
Porém, percebe-se um esforço dos bancos em diminuir essa diferenciação. Em uma
busca pela página dos cinco maiores bancos do país, em diversos anúncios existe a
informação “procure seu gerente”, conforme ilustrado na Figura 5. Assim, o cliente
experimenta uma aproximação com o gerente, que antes parecia impossível. Ao gerente cabe
aceitar a publicidade apresentada pelo banco e adequar sua rotina de trabalho.
Figura 5 - Informação para o cliente procurar o gerente Fonte: Dados da pesquisa (2015).
Ainda dentro deste tópico sobre a diferenciação do trabalho, buscou-se entender como
funciona o acesso às informações no banco. De acordo com Foucault (2014), um dos
objetivos do poder é estabelecer comunicações úteis, ou seja, ao mesmo tempo em que se
evitam comunicações desnecessárias, se padronizam as comunicações úteis. Esta citação,
parte do quadriculamento, é um dos componentes do sistema disciplinar, sendo que a
necessidade de controle da comunicação é essencial para o disciplinamento, e para o exercício
do poder.
Quando questionados sobre o acesso às informações, os gerentes concordaram que
todos os funcionários tem acesso. Os gerentes relatam que existe um sistema (banco de dados)
com as normas e procedimentos a serem seguidos, e que este sistema está aberto e disponível
para todos. Nas palavras dos gerentes:
59
Acesso a todo mundo. O banco hoje prioriza a informação, que se tenha informação,
tem todas as normas do banco, administrativas, instruções comerciais, o que tu
quiser tem ali (GERENTE 4).
Então, nada do que a gente faz, faz porque eu quero fazer, e nem sempre o cliente
tem a percepção que tudo é regulamentado, tem norma pra tudo. E essa informação
está disseminada (GERENTE 5).
[...] isso, até questões pessoais, regulamento de funcionários, por exemplo, dizendo
o que tem direito, isso é público, claro dentro do banco, só nos computadores do
banco, não pode acessar de casa (GERENTE 9).
O funcionamento está claro para todos os funcionários, igual, e em todas as
agências. É um padrão (GERENTE 11).
Está normatizado. Nós temos uma estrutura de normas e procedimentos muito
burocrática, ela não te dá muita possibilidade de mudança ou de adequação. Existe
uma norma, um check-list, um passo a passo, e a gente tem que se guiar por ali
(GERENTE 12).
Todos os processos do banco, hoje em dia, são normatizados, né, então você sabe o
que pode e o que não pode fazer (GERENTE 13).
Isso aí é uma coisa que está institucionalizada, as normas, está tudo normatizado e
todos tem acesso (GERENTE 14).
Os gerentes informaram que o banco possui um sistema de banco de dados que
compila todas as normas e procedimentos necessários, sendo o acesso liberado a todos os
funcionários. Dois gerentes autorizaram a observação do sistema de normas e procedimentos.
O acesso é realizado através de senha, e se mostra como uma página da internet (no caso rede
fechada, uma intranet) que apresenta um sumário com as normas, separadas por assunto. A
navegação é amigável e possibilita busca direta, através de uma tecla de atalho.
Destaca-se, também, o resgate histórico realizado por dois gerentes quanto ao acesso
às informações. O controle das normas e procedimentos fazia parte da função do gerente,
sendo mais uma demonstração de seu poder. Naquele período, as normas e procedimentos se
resumiam a livros impressos, e estavam localizados atrás da mesa do gerente. Sendo assim, o
gerente tinha a autonomia para liberar ou não o acesso às normas:
Isso mudou muito nos últimos anos, por que no passado essas instruções normativas
eram todas impressas e ficavam atrás da mesa do gerente, e aí sim só o gerente tinha
acesso a ela. Então por exemplo, se eu queria saber como fazer alguma coisa eu
dependia do gerente me autorizar a pegar aquela instrução. Então o gerente tinha
assim, hum [...] (silêncio) um poder, um domínio sobre a equipe. Porque eles
podiam gestionar, eu te dou essa informação ou não te dou [...] e não faz muito
tempo (GERENTE 3).
[...] muitas vezes, quando aquela pessoa mais sedenta chegava no gerente: “deixa eu
dar uma olhada, eu quero ver como que faz” [...] “Porque, tu quer tomar o meu
lugar?”. Ele tinha o controle das normas do banco. Se tu era um escriturário
60
responsável pelo desconto de cheque, tu sabia como fazer aquilo ali e pronto
(GERENTE 4).
Ainda com relação às informações, a maioria dos gerentes citou a importância da
disseminação das informações aos funcionários, especialmente em relação à criação de
pessoas preparadas para assumir outras funções. Por um lado, este argumento simboliza a
sujeição do gerente ao sistema, tornando-o um corpo dócil (FOUCAULT, 2014), pois ele
aceita que o controle de acesso seja realizado pelo sistema, e não mais pelo gerente. Isto fica
claro na citação do Gerente 13 “[...] é muito bom porque cria uma horizontalidade no
conhecimento. O meu funcionário pode saber mais do que eu”; e na citação do Gerente 10
“[...] hoje em dia quanto mais o funcionário souber melhor, e isso é bom até mesmo para
oxigenar as lideranças dentro do banco, tem que existir”. Por outro lado, ao liberar o acesso à
informação, o banco (o sistema através da TI) fomenta a criação de um grupo de funcionários
polivalentes, ou seja, com múltiplos conhecimentos. Pode-se analisar este ponto através das
localizações funcionais, que compõem o sistema disciplinar. Para Foucault (2014), os lugares
determinados auxiliam a vigilância, além de evitar comunicações indesejadas. Assim, a
pessoa não é foco como indivíduo, mas sim como posição ocupada. Cada um se torna parte do
sistema pelo lugar que ocupa na série, e pela distância que separa um indivíduo do outro.
Outro ponto destacado pelos gerentes é o conhecimento das regras na questão de
pessoal. Da mesma forma que os procedimentos de trabalho, as normas quanto ao
regulamento de funcionários também estão acessíveis a todos. Já nos primeiros dias de
empresa, o bancário passa por treinamento, onde conhece todas as normas relacionadas a
questões pessoais. “Quando já entra na empresa, faz treinamento na central em Porto Alegre,
recebe todas as informações, os manuais, a visão, onde tudo está regrado, o que pode e o que
não pode e as penalidades em caso de descumprimento” (GERENTE 1). Tanto o Gerente 1,
Gerente 2 e Gerente 14 realizaram essa ligação entre a disseminação das informações com
possíveis sanções ou penalidades em caso de descumprimento. Destaca-se, então, que também
nas normas relacionadas aos funcionários o gerente possui autonomia ou privilégios.
Cabe citar uma diferenciação encontrada entre o bancário e o gerente de agência,
quanto ao acesso às informações. Os gerentes relataram que o sistema de controle das metas
tem acesso restrito ao gerente, “o que tem grau de sigilo para acessar é a nossa estratégia, que
algumas têm grau gerencial, ou grau empregados. Cabe ao gerente disseminar e dar o
andamento” (GERENTE 6). Neste ponto, os gerentes concordam que, mesmo sendo um
privilégio, as informações sobre metas devem ser repassadas aos funcionários: “esse tipo de
informação, por exemplo, resultados, o gerente é o porta-voz” (GERENTE 7); ou ainda “a
61
única questão são os relatórios da agência, que eu faço questão de passar, mas que são mais
restritos [...] como eu te digo, o gerente é o banco, então ele tem que estar dispondo isso, essa
informação” (GERENTE 5).
Referente à questão do controle de metas, vista como um privilégio do gerente, pode-
se associar a teoria do panóptico, pois o gerente observa o andamento da consecução dos
resultados, ao mesmo tempo em que é “observado pelo sistema”. De acordo com Foucault
(2014), a comunicação entre os indivíduos reféns do panóptico (bancários ou gerentes) se
restringe ao seu contato com o vigia (gerentes ou o sistema), pois as paredes impedem
comunicação com seus pares. Esta falta de comunicação com os companheiros é o que
garante a ordem, pois para quem controla é possível verificar uma pluralidade, enquanto para
os detentos, verifica-se apenas solidão.
4.1.3. Os meios de exercício do poder
Após o estudo da função e da diferenciação interna do gerente, a materialização do
poder merece análise sob o ponto de vista dos meios de exercício do poder. Com a evolução
da complexidade das organizações, as tarefas de controle se tornaram cada vez mais
necessárias e difíceis (FOUCAULT, 2014). No passado, “os chefes, acostumados a ter com
eles um ar de superioridade e de comando, que realmente é necessário com a multidão,
tratam-nos duramente ou com despreza; acontece daí que esses operários ou são mais caros ou
apenas passam pela manufatura” (FOUCAULT, 2014, p.172). Entende-se que a capacidade de
argumentação, o domínio das normas e procedimentos, o controle dos recursos econômicos, e
o controle dos processos burocráticos são pontos importantes dos meios de exercício do
poder, nas organizações contemporâneas.
Inicialmente, buscou-se entender como a argumentação do gerente influencia o
trabalho dos bancários da agência. Como citado na primeira parte da análise dos dados, o
gerente absorveu diversas atividades, se tornando o grande “resolvedor” de problemas da
agência. De acordo com o Gerente 2 “na maior parte dos casos que cai pro gerente são
problemas [...] quando tá tudo bem, dificilmente vai vir pro gerente, agora quando chega é um
abacaxi, que tu vai ter que resolver”. Ainda o Gerente 2 cita que no passado o gerente se
mantinha em uma sala separada, sem atendimento a clientes, e por vezes, sem conversar com
os funcionários. Esta realidade não pode ser imaginada no contexto atual dos bancos. O
sistema facilita a distribuição das atividades aos bancários, o que torna o gerente parte do
62
processo. Isto fica claro na fala do gerente: “hoje em dia não, o gerente é mais um
funcionário, porque é ele que está na frente de tudo, ele passou da parte de trás, pra frente, pra
linha de frente „eu tô aqui‟ e aí tem que ter esse jogo de cintura, tem que conversar bastante,
tem que ter uma sensibilidade na hora de contatar pessoas” (GERENTE 8).
Foi citada, também a necessidade de dar informações corretas aos clientes, buscando
auxiliá-lo na escolha do melhor produto financeiro. Mais uma vez, a disseminação das
informações estimula esse comportamento: “o gerente ainda tem uma imagem bastante
prostituída [...] empurrar as coisas, empurrar produtos que o cliente não escolheu [...] e hoje a
informação está disseminada, então você tem que ser claro, sim e não (GERENTE 5)”.
Ainda em relação à argumentação, os gerentes dão destaque à importância da maneira
como conversam com os funcionários. Tendo em mente que a informação já não é um
privilégio do gerente, este profissional precisa utilizar se sua capacidade de envolvimento,
diálogo, convencimento para que os funcionários trabalhem de acordo com a estratégia da
empresa. Esta tarefa se mostra como um desafio, pois “tem que saber a hora de cobrar um
pouquinho a mais, de que jeito [...], porque é complicado, tu tem que administrar”
(GERENTE 9).
Ainda, foi citado pelos gerentes de bancos públicos ou de economia mista a
dificuldade de gerenciar uma equipe de funcionários concursados:
No banco privado, se não servir, ele troca, ele demite, pega outro, e o banco público,
a empresa pública não, ele tem que se submeter [...]como que tu vai fazer com que a
empresa ande como tem que andar se tu não tem condições de você direcionar os
recursos humanos. Você não contrata os melhores e nem demite os piores, nós não
temos alçada pra isso. É só a nível de diretoria, e é muito difícil, é só em casos
graves, problemas de roubo, processo administrativo, com provas concretas, senão
você não troca, não faz nada. (GERENTE 1).
Nestes casos, o poder de contratação e demissão também deixou de ser exercido pelo
gerente, tornando a sua rotina diária uma busca por motivar os funcionários. Diante disso, o
poder de argumentação frente aos clientes e funcionários ganhou importância, tanto no
relacionamento com o cliente como com os funcionários.
Pode-se citar, como outros meio de exercício do poder, o domínio das normas e
procedimentos pelo gerente, bem como o controle dos processos burocráticos. Como ficou
claro no item em que se abordou a disseminação das informações, os bancários possuem
informações liberadas das normas, procedimentos e formas de realizar todas as atividades.
Portanto, não se trata mais de um privilégio do gerente, mas sim um poder que não é mais
exercido por ele, e sim pelo sistema. Os gerentes citam que o sistema de gestão do
63
conhecimento centraliza as informações. “As unidades criam manuais [...] unidade de crédito,
unidade de cartões, unidade de recuperação de crédito [...] cria manuais com fotos de telas pra
que facilite o nosso processo. Então, existe um setor de gestão do conhecimento, para que o
conhecimento seja acessível a todos” (GERENTE 3).
Cabe citar, neste ponto, a referência que o conceito de panóptico traz sobre as
comunicações: “se são operários, não há roubos, nem conluios, nada dessas distrações que
atrasam o trabalho, tornam-no menos perfeito ou provocam acidentes” (FOUCAULT, 2014,
p.195). Neste sentido, a comunicação do funcionário sobre as normas e procedimentos se
restringe ao sistema, não sendo afetado por intermediários. Os intermediários podem ser
entendidos como os gerentes (que poderiam filtrar as informações bem como boicotar o
acesso) ou os outros bancários (que poderiam repassar informações erradas ou boicotar o
acesso). Assim, a comunicação do detento com a torre central e a ausência de comunicação
entre os detentos (no panóptico original) pode ser entendida como a comunicação do
funcionário com o sistema, bem como a ausência de comunicação entre o funcionário e o
gerente ou o funcionário e os outros funcionários.
Conforme citado por Foucault (2014), o poder não está concentrado em uma única
pessoa, mas está nas relações. Da mesma forma, Foucault (2012) cita a microfísica do poder,
e de como os mecanismos de poder se apresentam nas mínimas partes. Sendo assim, o poder é
percebido em todas as relações na empresa, não apenas na figura do cargo, mas nas relações
diárias. Eis que o controle dos processos burocráticos e dos procedimentos escapa das mãos
do gerente, sendo absorvido integralmente pelo sistema. Partindo-se da ideia de sujeição
voluntária (FOUCAULT, 2014), tanto bancários como gerente de agência percebem os pontos
positivos desta mudança. Aos funcionários, cabe a aceitação como forma de libertação em
relação ao gerente, pois todos tem acesso às instruções normativas. Aos gerentes, cabe a
aceitação como pretexto a formação de uma equipe multifuncional e preparada para assumir
outros cargos. Ocorre, porém, que os gerentes cederam esse poder ao sistema, e em diversos
momentos se deparam com uma situação onde os funcionários têm mais informações sobre
determinado assunto do que o próprio gerente.
E, finalmente, como meio de exercício do poder pode-se citar o controle dos recursos
econômicos administrados. Em diversos momentos Foucault (2014) cita o poder econômico
do capitalista como meio de exercer o poder, pois era o detentor do capital, da estrutura, e do
modo de fazer. Portanto, um dos pontos investigados junto aos gerentes é a forma como os
recursos financeiros são administrados, no sentido de empréstimos concedidos.
64
Inicialmente, os gerentes abordaram a importância de gerenciar os conhecimentos e
informações dos bancários em um banco de dados confiável: o cadastro. Todos citaram que a
elaboração de um cadastro bem feito é imprescindível para o negócio, e o primeiro passo para
estabelecimento de limites de crédito. “A função do cadastro [...] é colocar todos os dados
com comprovantes: identidade, CPF, comprovante de residência e comprovante de renda, o
contracheque oficial da empresa, a carteira de trabalho, o imposto de renda” (GERENTE 10).
Além das informações básicas, são incluídos dados referentes à vida financeira do cliente
como “situação patrimonial, bens, renda, se tu tem folha no banco ou não tem, o histórico, se
é uma pessoa que teve títulos protestados, paga em atraso, paga em dia” (GERENTE 4).
A partir das informações cadastrais inseridas no sistema de cadastro, a análise do
cadastro e cálculo do limite de crédito para cada cliente é estabelecido pelo sistema do banco.
“Não é mais o gerente do banco que estabelece quanto o cliente A, B ou C pode tomar de
crédito” (GERENTE 11). O sistema do banco estabelece o limite total para cada cliente,
conforme os gerentes:
Aí existe um programa de credit score que diz quanto o sistema libera com base na
tua pessoa e ali tu vai dividindo entre cartão de crédito, cheque especial, no crédito
parcelado (GERENTE 4).
Hoje tu tem sistemas que conseguem trabalhar com muitas variáveis. Tu pode pegar
dois clientes que tem a mesma renda [...] um mora de aluguel e tem filhos e o outro
mora com os pais e é solteiro. [...] o credit score dele vai puxar isso, essas
informações, e vai ser atribuídos valores aos filhos, em termo de gastos e vai ser
atribuídos valores como aluguel, e ele vai ter um custo maior (GERENTE 5).
O sistema faz uma escoragem pra esse cliente, baseado nisso ele define um limite
para esse cliente (GERENTE 7).
Aquela autonomia, de que você é meu amigo, meu conhecido, de dar mais ou menos
não existe mais. Então, já vem pronto do sistema. (GERENTE 12).
Os gerentes informaram que não possuem liberdade para modificar o limite
estabelecido, pois o sistema utiliza parâmetros “fechados” de cálculo. Conforme o Gerente 8
“a única coisa que a gente pode fazer é [...] direcionar pra um produto um valor maior. [...] a
autonomia está no direcionamento”. Assim, cabe ao gerente o direcionamento entre as
diferentes linhas de crédito do banco do limite calculado pelo sistema. Neste ponto, os
gerentes concordam que sua função é de dar o toque humano no cálculo realizado pelo
sistema, sendo que a “a função do gerente tá justamente em enxergar se esse limite que o
sistema definiu estatisticamente é o limite que está de acordo com o cliente, ou não
(GERENTE 13). Em diversos momentos da entrevista, os gerentes relataram que as visitas
65
realizadas aos clientes servem de subsídio a esta “reconsideração” do limite calculado,
inclusive culminando com a afirmação “o gerente são os olhos do banco pra corrigir os erros
do sistema” (GERENTE 13).
Além das visitas demonstrarem a situação real do cliente, a presença do gerente na
comunidade garante uma visão social do cliente. Muito além da questão econômica, o gerente
levanta informações sobre a vida particular, que podem influenciar o pagamento de seus
compromissos:
O sistema não consegue ver o que o ser humano vê. Tu tá inserido na comunidade e
tu vê uma pessoa que tá com a renda elevada, mas e o aspecto comportamental dela?
Ela costuma beber muito, isso ou aquilo, ou ela gasta muito, de forma desmedida.
Ainda mais em cidade pequena se fica sabendo disso com certeza. Então, essas
informações tu tem que levar em consideração, porque em um momento qualquer
pode haver um comprometimento. Por mais que o sistema tenha calculado, ele não
vai ver isso. É fundamental um cadastro bem feito, mas também aquela percepção
no entrevistar. Isso se consegue uma expertise com o tempo. [...] Às vezes o cliente
trás a renda, e tu vê que é um pouco além, às vezes comparando a renda com o valor
da conta de luz, tem um valor irrisório, alguma coisa não bate porque quem tem uma
renda maior tem um consumo de energia maior. O sistema não vai ver isso.
(GERENTE 5).
Portanto, o gerente não realiza o cálculo do limite de crédito do cliente, mas o distribui
entre os produtos disponíveis. Entretanto, ao observar situações onde o limite tenha sido
superestimado, ou apresente fatos que desabonem o cliente, o gerente pode diminuir o limite
estabelecido. Porém, o gerente não possui o poder de elevar o limite calculado pelo sistema,
conforme citado pelo Gerente 13 “a gente nota com frequência: „tu é o gerente, dá um
canetaço‟ [...] isso no banco não existe mais porque tudo é o sistema que diz” e pelo Gerente 6
“eu nunca vou poder extrapolar parâmetros que o sistema me der [...] se o sistema não der,
não aprovar o crédito, eu não tenho autonomia para fazer isso, eu não tenho caneta”.
Quando questionados sobre a possibilidade de estabelecer limites de crédito superiores
aos calculados pelo sistema, os gerentes informaram que é possível, entretanto, a decisão não
é mais do gerente, mas de um comitê formado em uma instância superior. “Existe
flexibilização, mediante uma ponderação que justifique uma majoração de limite”
(GERENTE 4), pois “o gerente pode encaminhar pareceres [...] esses comitês fazem uma
análise muito crítica” (GERENTE 7).
Fica claro, neste sentido, que o gerente age como um suporte (ou agente corretivo) ao
cálculo realizado pelo sistema. A definição dos recursos econômicos é baseada na análise
realizada pelo sistema, e eventuais elevações são autorizadas por um comitê de crédito
superior ao gerente. Chama atenção a sujeição (FOUCAULT, 2014) que os gerentes
66
apresentam em relação a esta estrutura, pois em diversos momentos das entrevistas foi
mencionado o lado positivo de retirar das funções do gerente esta “responsabilidade”: “Me dá
uma insegurança por eu não poder garantir pro meu cliente que eu tenho como atender ele [...]
porque eu vou depender de uma segunda análise [...] porém me dá uma segurança que se eu
atender ele, eu não errei sozinho. Eu errei mas com base em [...] um segundo olhar”
(GERENTE 13).
Retomando o conceito de panóptico, Foucault (2014) cita que o controle exercido por
meio do panóptico é o oposto do princípio da masmorra. Antes, o prisioneiro era trancado em
local escuro e de difícil visualização, mas no panóptico, os detentos foram trazidos à luz.
Neste princípio, tudo deve ser passível de visualização, ou como cita Segnini (1996, p. 106),
“nada permaneça às escuras, porque tudo é controlado por meio do olhar”.
Diante da teoria do panóptico, e dos relatos efetuados pelos gerentes, pode-se iniciar a
ligação entre a vigilância e a ascensão dos mecanismos eletrônicos de controle. O panóptico
digital, simbolizado nas agências bancárias pelo sistema, vem tomando espaço do gerente e
exercendo o poder que antes era do gerente da agência. Os meios de exercício do poder,
demonstrados pelo controle dos processos burocráticos e das normas e procedimentos, além
do controle dos recursos econômicos foram absorvidos pelo sistema. Neste contexto o gerente
não mais exerce o poder sobre sua equipe através destes meios. Resta ao gerente, ainda, a
capacidade de argumentação como um dos meios que o sistema não absorveu. Nesta nova
estrutura cabe ao gerente a argumentação junto à equipe, buscando o processo de sujeição dos
bancários ao estabelecido pelo sistema.
Neste ponto, encerra-se a discussão sobre a materialização do poder. Até aqui, pode-se
citar como achado desta pesquisa a busca de amparo na equipe por parte do gerente, já que
este não concebe mais o trabalho. Outro ponto importante é a sujeição do gerente ao sistema
de metas, o que transforma o gerente em um executor de tarefas e em um vendedor, de acordo
com o estabelecido pelo sistema. É possível destacar ainda, que o gerente não detém a
informação, pois os bancos liberaram o acesso às normas e procedimentos a todos os
funcionários, o que afetou o poder exercido pelo gerente, pois informação é poder.
4.2. OS DISPOSITIVOS DO PODER
Bentham (2008) e Foucault (2014) escrevem sobre o panóptico e como este
instrumento de materialização do poder traz “à luz” os prisioneiros. Neste estudo, observa-se
a função do gerente de agência bancária sob a óptica da teoria do panóptico. Para tanto, cita-
67
se como dispositivos do poder a organização dos indivíduos no espaço, o controle sobre o
tempo, a vigilância e o registro contínuo do conhecimento.
4.2.1. A organização dos indivíduos no espaço
O espaço físico ganha destaque na obra de Foucault (2012; 2014), pois permite trazer
“à luz” os indivíduos, além de possibilitar o controle de forma mais efetiva e barata. Em
diversos pontos, Foucault (2014) cita a cerca, como maneira de controlar os indivíduos; o
quadriculamento como forma de ordenar; e as localizações funcionais como garantia de que
cada posto está pronto para receber um indivíduo. O próprio panóptico se trata de uma
estrutura física que serve como inspiração para uma teoria de demonstração do poder. O
projeto se baseia em três elementos arquitetônicos: o espaço fechado, a divisão em celas, e a
torre central (BENTHAM, 2008).
Especificamente no setor bancário, a arquitetura e a disposição dos funcionários e das
mesas tem significativa importância. Conforme demonstra Segnini (1996), ao eliminar as
paredes divisórias, o banco trouxe os trabalhadores “às claras”, pois todos podem ser
observados. Mais do que isso, pode-se determinar onde estão, o que estão fazendo, bem como
avaliar a qualidade e a quantidade do serviço realizado. Ainda, este controle se estende a
todos os setores, pois “a própria diretoria [...] trabalha conjuntamente em torno de uma única
mesa” (SEGNINI, 1996, p. 107). Para esta pesquisa, investigou-se a disposição das mesas dos
funcionários (organização física) e a organização em setores (organização do trabalho).
Quando questionados sobre a disposição das mesas de trabalho no espaço da agência,
os gerentes, na maioria, demonstraram dúvida, ou desconhecimento:
Eu não saberia te dizer se tem algum critério, isso é feito pela engenharia do banco,
até por questões de segurança, eu acredito, é layout de agência [...], e isso já vem
pronto pra nós. A gente pode alterar depois, se quiser, por exemplo trocar a minha
mesa de lugar, eu poderia, mas no geral a estrutura vem definida pela engenharia, até
porque eles definem também aonde vão instalar as câmeras de vigilância e coisas do
tipo (GERENTE 3).
Fica claro que a organização das mesas não segue um padrão definido pelo gerente,
mas sim pelo setor de engenharia. De forma institucional, é pensado um padrão visual e uma
estratégia de disposição das mesas. Como observador, em todas as agências as mesas estavam
dispostas lado a lado, criando uma espécie de barreira que separa o espaço do público com o
espaço dos funcionários. As mesas estão agrupadas por setor, e os clientes são encaminhados
68
pelo sistema “dispensador” de senhas à mesa correta. Conforme cita o Gerente 12 “tentou-se
deixar próxima as de perfil parecido [...] por exemplo pessoa jurídica, uma do lado da outra,
porque tem que ter uma sinergia, um contato entre as carteiras, até pra trocar experiência,
auxiliar uma na outra”.
Há, de certa forma, uma hierarquia na posição das mesas, onde as que estão
localizadas na entrada da agência são responsáveis pelo primeiro atendimento (básico). Na
sequência estão as mesas dos gerentes de carteira, e depois do gerente da agência. Esta
disposição busca reforçar o status do gerente como último recurso na resolução de problemas,
pois existem “níveis” hierárquicos que o cliente precisa passar para ter acesso ao gerente da
agência. Nas palavras do gerente “eu acredito que tenha que ter um fluxo dentro do banco, tu
vai passar pelo atendente” (GERENTE 4).
Da mesma forma, observou-se que a mesa do gerente de agência é localizada de modo
que possa ter o controle visual da maior quantidade possível de funcionários, geralmente no
canto do espaço da agência. Ilustra o comentário do Gerente 5 “eu fico com a visão geral da
agência, e consigo ver todo o contexto”, e a Figura 6, na qual exemplifica-se a localização da
mesa do gerente em duas agências.
Figura 6 - Localização da mesa do gerente Fonte: Observação da pesquisa (2015).
69
Entretanto, mesmo com esta aparente separação do gerente (por localizar-se ao fundo e
por ter visão de toda a agência), a mesa do gerente não fica mais localizada em uma sala
fechada, mas sim junto com os outros bancários. “Hoje em dia não, o gerente é mais um
funcionário, porque é ele que está na frente de tudo, ele passou da parte de trás, pra frente
[...]” (GERENTE 8). Neste ponto, a lógica do panóptico também faz sentido, porque segundo
Foucault (2014) é possível vigiar os próprios vigilantes, e estando os gerentes no mesmo
patamar dos bancários, pode haver uma vigilância ascendente, ou seja, os próprios bancários
controlam as atividades realizadas pelo gerente. Sendo assim, a torre do panóptico não pode
ser representada pelo gerente, pois uma das premissas da teoria do panóptico, defendida por
Bentham (2008) e Foucault (2014) é que o poder deve ser visível, mas inverificável. Isto
reforça a ideia central deste estudo que traz o sistema de informação como a representação da
torre do panóptico. Neste sentido, a Figura 7 ilustra a fachada de uma agência que,
envidraçada, simboliza a constante visibilidade que o gerente e os bancários estão expostos.
Figura 7 - Fachada de vidro da agência
Fonte: Pesquisador (2015).
Foi possível entender, também, a separação dos indivíduos em setores. Mesmo
observando que todas as agências estão dispostas como grandes espaços abertos, os
funcionários estão divididos em setores. Assim, a cerca, citada por Foucault (2014), não é
uma separação física, mas sim uma separação intangível. Os gerentes mencionaram que os
setores são definidos conforme o perfil do cliente, sendo que “a gente tem um setor de pessoa
física, pessoa jurídica, um setor de caixas [...] como não dá misturar tudo isso, deixar tudo
junto, porque muitos vão só ao caixa, outros só na pessoa física, outros só na jurídica”
(GERENTE 14). Cabe destacar uma fala, em que fica evidente a necessidade de utilização de
70
todo o tempo do funcionário (FOUCAULT, 2014): “Às vezes a gente vai ter pessoas com
duplicidade de funções [...] vou ter um caixa que quando tem pouco movimento atende na
área comercial, quando tem mais movimento ele vai ter que ir pro caixa, tesouraria
(GERENTE 13)”.
4.2.2. O controle sobre o tempo
O controle sobre o tempo é um tema amplamente estudado em diferentes contextos.
Thompson (1998) aborda o controle do tempo na era pré-industrial, utilizando registros
históricos para demonstrar a incessante necessidade de medir e utilizar o tempo. Nas
manufaturas surgidas na Revolução Industrial o controle do tempo ganha destaque,
especialmente com a figura do gerente, que é o detentor do “relógio-ponto”, e dita o ritmo de
trabalho dos funcionários. Posteriormente, com a Teoria Clássica da Administração, os
estudos dos tempos e movimentos foram a base para o olhar mecanicista da organização. Em
todos estes momentos históricos, houve a concepção de que todo o tempo deve ser
consumido, negociado, utilizado. Para Foucault (2014, p. 140) “a fábrica parece claramente
um convento, uma fortaleza, uma cidade fechada; o guardião só abrirá as portas [da fábrica] à
entrada dos operários, e [...] quinze minutos depois, ninguém mais terá o direito de entrar
[...]”. Neste sentido, para Foucault (2014), a disciplina busca uma utilização crescente do
tempo, extraindo instantes disponíveis, até a exaustão, como se o tempo fosse inesgotável.
No contexto deste estudo, buscou-se entender como se estabelece a distribuição das
atividades entre os bancários, na agência. Neste item, a hierarquia foi citada como responsável
pela distribuição das atividades. Cada agência possui gerentes de contas, que gerenciam
carteiras de clientes, que recebem autonomia para gerenciar as atividades dos funcionários sob
sua observação. Ao gerente geral cabe direcionar o funcionário a determinado setor, conforme
suas aptidões, “porque eu não vou conseguir atingir todas as metas sozinho [...] eu tenho que
pegar um funcionário, identificar o perfil dele e colocar em uma função, para atingir
determinadas metas, outro funcionário eu coloco na outra” (GERENTE 3). Depois de
direcionados aos setores, cabe ao gerente de contas observar as atividades realizadas pelo
funcionário, conforme informa o Gerente 12: “tu vai distribuir isso por carteira, e cada gerente
de carteira vai redistribuir, vai assumir uma parte, vai distribuir outra pros seus funcionários
[...], e fazer o acompanhamento se ele está ou não executando as atividades”.
Neste sentido, foi questionado, também, como o gerente da agência controla as
atividades quando ele não está presente na agência. Neste ponto, o sistema foi novamente
71
mencionado, por diversos gerentes, pois ele compila as informações e disponibiliza aos
interessados.
Se o gerente da agência não estiver, quando ele voltar vai ter os números de tudo o
que aconteceu? (PESQUISADOR)
Resultados sim. Atividade é um pouco mais particular, vai depender do dia a dia,
então, da quantidade de serviço [...] então cada carteira administra o seu, né [...]
porque são processos, coisas operacionais, que durante o dia tu consegue ou não
fazer, mas daí esse acompanhamento da parte operacional depende de carteira fazer
a sua (GERENTE 2).
Portanto, mesmo na ausência do gerente de agência, os funcionários continuam
vigiados. Porém, esta vigilância é exercida pelo sistema de informações (em relação a
resultados) e pelo gerente de carteira (em relação ao tempo e às atividades).
Entendida a distribuição das atividades, buscou-se compreender como é realizado o
controle do tempo das atividades desenvolvidas pelos bancários. Neste ponto, cabe destacar a
autonomia do gerente em estabelecer os horários dos funcionários, a preocupação com a
legislação trabalhista, o controle realizado pelo sistema, e o atendimento do que a instituição
estabelece aos gerentes de agência. Em diversos pontos, fica claro como a autonomia do
gerente é limitada, tanto pela legislação como pelas normas da instituição.
Os gerentes destacaram que cabe a eles o estabelecimento do horário de entrada e
saída do funcionário: “a gente define, por exemplo, se um funcionário chega as nove, um às
oito e meia, o outro as nove e trinta [...] somos nós que definimos o horário que ele chega e
que ele sai [...] nós definimos se ele faz hora extra ou não, e o tamanho de intervalo deles
(GERENTE 3). Entretanto, essa autonomia é limitada à legislação trabalhista, conforme
citado por diversos gerentes. Assim, a legislação funciona, também, como um “controlador”
das atividades do gerente, delimitando o campo de atuação e decisão quanto ao horário de
trabalho dos funcionários.
O ponto mais evidente, e mais citado pelos gerentes, é a inserção da tecnologia no
controle do horário dos funcionários. Cada banco possui seus próprios meios eletrônicos, seja
controle por senha, por cartão de acesso, ou os dois conjugados, porém, em todos os bancos o
controle de horário é realizado pelo sistema, por meio tecnológico:
Agora é tudo automatizado. O funcionário só trabalha com cartão digital, identidade
digital, com senha e tudo e no tempo pré-determinado pra ele. Existe tolerância de
cinco a dez minutos pra mais ou pra menos e ele não consegue trabalhar antes
porque o computador não liga antes, e nem ficar mais. O sistema diz quando está se
aproximando o fim da jornada e diz quando é o início, e ele não consegue trabalhar
72
antes e nem ficar mais, senão no outro dia vai dar uma ocorrência [...] Ele digita o
ponto eletrônico e quando ele sai também, e se ele não digitar a saída do ponto o
sistema desliga automático e ele não consegue trabalhar. Mesmo que ele troque de
computador, o sistema pega pela matrícula dele e ele não consegue trabalhar de
graça. Está tudo vinculado ao teu cartão, a tua senha [...] A empresa sabe dia, hora,
minuto, segundo e o que você acessou, inclusive o que você fez na máquina, sabe
tudo [...] tal hora o que você acessou, se tu imprimiu um relatório, qual é a
impressora que tu mandou imprimir, eles controlam tudo (GERENTE 1).
O controle de entrada e saída, a gente tem o ponto eletrônico [...] O sistema só libera
pra ele acessar no momento que registrar o ponto. É tudo controlado: algumas
funções de seis horas, outras funções de oito horas, as horas extras (GERENTE 6).
O controle sobre as atividades sempre foi realizado pelo gerente, representante do
capitalista. Na Revolução Industrial o controle era feito por meio do controle físico, onde o
portão era chaveado e ninguém mais entrava ou saía. A dinâmica da cerca, citada por Foucault
(2014) como um local fechado em si mesmo, ganha um novo papel no panóptico, onde não há
locais escondidos ou escuros, e sim visibilidade. Porém, no panóptico, a “cerca” física ainda é
o grande instrumento para o exercício do poder, pois através das paredes das celas é possível
realizar o controle dos detentos. Ocorre, entretanto, que no panóptico digital as paredes são
quebradas e o controle não é mais físico. Os funcionários não estão mais reclusos em espaços
fechados por paredes, mas sim fechados em um espaço de tempo, vigiados e controlados pelo
sistema, que controla as entradas, as saídas e as atividades desempenhadas pelo bancário (no
caso deste estudo).
Em que posição fica o gerente de agência, neste contexto? O gerente necessita
conciliar a realização das atividades, pelos funcionários, e o estabelecido como meta pelo
banco. Os gerentes citam que o banco estabelece metas relacionadas à hora extra e
prorrogação de horários, então eles necessitam administrar o orçamento estabelecido pelo
banco. O Gerente 6 afirma que “para hora extra a gente tem que autorizar antes no sistema,
tem que ter a dotação orçamentária [...] a gente já sabe o valor que tem para o mês, e,
administrativamente, adequa como vamos gastar esse dinheiro, qual o segmento e quais dias”.
Também se pode citar o Gerente 1 “em caso de dias atípicos, que há prorrogação é autorizado
pelo superior. No caso de prorrogação de jornada de trabalho vai ter um supervisor que vai
fazer essa autorização. Se não, é o horário normal dele, de entrada e saída, tudo
automatizado”. Então, observando a necessidade, e possuindo orçamento, o gerente insere a
autorização de prorrogação de horário, ou de horas extras no sistema, e o sistema controla o
curso destas horas adicionais. Novamente, mesmo com a interferência do gerente, o controle
do horário é realizado pelo elemento tecnológico.
73
4.2.3. A vigilância
Após entendida a distribuição dos indivíduos no espaço e o controle do tempo, a
vigilância se destaca como um dos dispositivos do poder. Assim, nas entrevistas, se buscou
entender como é a vigilância sobre os bancários, e como se estabelece a vigilância por parte
da superintendência sobre os gerentes. Bentham (2008) e Foucault (2014) citam que um dos
pontos essenciais do panóptico é a permanente sensação de vigilância. De fato, a vigilância
ganha importância nos estudos de Foucault, pois se destaca como dispositivo do poder, e
fundamental para a sujeição do indivíduo e exercício pleno do poder.
É importante analisar, inicialmente, o discurso dos gerentes quanto à vigilância. Os
gerentes demonstraram que exercem controle e vigilância sobre os funcionários, como “a
gente exerce um controle, e se não tiver um cuidado muito grande a gente acaba sendo
controlador demais [...]” (GERENTE 7). Em diversos momentos os gerentes demonstraram
que precisam vigiar os funcionários, tanto para os funcionários não se distraiam, como para o
atingimento de metas:
E esse controle [de entrada e saída] a gente faz direto no sistema [...] mas a gente
costuma controlar isso, porque às vezes eles batem o ponto e não começam a
trabalhar, né, bate o ponto e quando tu vê tá lá nos fundos ou tomando um cafezinho,
bate o ponto e vai numa loja do outro lado da rua, então essas coisas acontecem [...]
não é comum, mas às vezes acontecem. Então tem o registro do tempo, mas também
da utilização do tempo, porque em uma jornada de seis horas, se você perder quinze
minutos é cinco por cento, mais até (GERENTE 3).
A gente observa também as metas, e quando olhamos que uma pendência está um
pouquinho elevada, nós vamos direcionar um pessoal para trabalhar pendência
(GERENTE 4).
Porém, observando um contexto mais amplo, a vigilância não é exercida pelo gerente,
mas sim pelo sistema. Os gerentes são unânimes em citar que a maior parte dos controles e da
vigilância é realizado pelo sistema, que “observa” ininterruptamente todos os funcionários.
[...] na verdade hoje em dia é tudo eletrônico, assinatura digital, o que você faz não
precisa rubricar que você fez, no papel, porque fica registrado quem fez, a hora que
eu cheguei e a hora que eu sai, a hora que eu acessei sistema [...] se eu estou
acessando aqui, eu não estou lá fora. Se eu estava lá como que eu estava aqui ao
mesmo tempo, então alguém trabalhou com a minha senha [...] O banco que fica
como vigilante. [...] hoje o caixa, a autenticação que ele fez fica registrado, então
sabe quem trabalhou naquele dia, o IP da máquina, quem fez o depósito [...] mas
pela própria automação bancária, as centrais identificam pelo perfil do cadastro
(GERENTE 1).
74
Portanto, a posição de vigilância do gerente se refere ao “abastecimento” de
informações ao sistema, e o controle físico de que o informado ao sistema realmente acontece.
Assim, o controle visual é importante, mas a maior vigilância ocorre por meio do sistema, que
converte o trabalho dos bancários e do próprio gerente em números: “mas o maior
acompanhamento é lá na rubrica, se cresceu ou se não cresceu [...] o número acaba traduzindo
a realidade, né” (GERENTE 4).
Assim, os bancos desenvolveram um sistema de controle de metas complexo e
avançado. De acordo com a observação realizada em dois bancos diferentes, pode-se verificar
a complexidade do sistema, e por outro lado, a tentativa de simplificação da demonstração dos
dados, visando facilitar o entendimento por todos. Um dos bancos apresenta uma grande
planilha online, com indicadores “realizado anterior”, “realizado”, “orçado”, “% orçado” e ao
compilar todas as informações o sistema atribui à agência uma classificação. As agências com
maior atingimento de metas aparecem com uma medalha de ouro, e a nomenclatura “ouro”;
um degrau abaixo se tem as agências “prata”; abaixo “bronze”; e, finalmente as agências sem
classificação, onde as metas apresentam pequeno percentual de atingimento. No segundo
banco observado, o sistema é muito parecido, entretanto, a classificação das agências é
visualizada através de um “semáforo” eletrônico, onde o sinal “verde” simboliza o topo;
“amarelo” as agências do segundo grupo de atingimento; “vermelho” as agências com pior
classificação (Figura 8). Destaca-se que a classificação das agências é uma informação livre
dentro do banco, expondo à agência (principalmente o gerente) a avaliação de seus pares.
Figura 8 - O semáforo do controle de metas da agência do Banco X Fonte: Elaborado pelo autor a partir da observação (2015).
75
Sobre isso, o Gerente 8 cita que “cada carteira tem o seu [sistema de controle de
metas], cada um tem o seu acompanhamento, e cada gerente vai cuidar da sua carteira, mas o
administrador da agência cuida de todas as equipes”. Nesta linha, o Gerente 2 afirma que não
é necessário fazer controles manuais, ou extras, porque “pelo olhar do banco a gente tem tudo
no sistema, é simplesmente nós acompanhar por aí. E, obviamente acompanhar todas as
carteiras, acompanhar [...] porque o resultado das carteiras é o resultado do gerente”
Os gerentes foram questionados, ainda, sobre como a vigilância é exercida quando o
gerente geral não está na agência. Os gerentes informaram que os resultados do trabalho dos
funcionários são compilados pelo sistema de tal forma que não é necessária a presença física
do gerente. “Não precisa ter, hum, [...] estar constantemente o gerente na agência para poder
ela [a agência] andar, né. Então ele tem que distribuir as tarefas, tem que acompanhar os
resultados, né, mas não é necessária a presença dele” (GERENTE 8). Ainda, o Gerente 10 cita
que “se eu estiver em um treinamento ou tiro férias, eu volto e o sistema me dá tudo pronto,
inclusive a parte de gestão do conhecimento, diz tudo o que mudou nas normas”.
Neste sentido, remete-se ao conceito de panóptico, onde a certeza de poder ser vigiado
é garantida pela torre central (sistema), mesmo que não haja um vigilante (gerente de agência)
na torre. Foucault (2014) cita como essencial que o poder seja visível e inverificável,
corroborando a afirmação de que mesmo sem a presença na agência do gerente, a vigilância é
realizada. Com essa visão, a própria presença do gerente, ou então a necessidade de um
gerente para cada agência fica em xeque. Podendo um mesmo vigia vigiar diversos grupos,
não há necessidade de um número tão grande de vigilantes. Castells (2009, p. 312) concorda,
citando que “em um estágio mais avançado desse processo de reintegração de tarefas, também
desaparece a supervisão de gerentes de nível médio, e os controles e procedimentos de
segurança são padronizados no computador”.
A partir desta visão de vigilância eletrônica, se chega ao elemento central deste estudo:
a inserção do gerente como parte desta “engrenagem” do poder, e não mais como
“controlador” dos mecanismo do poder. O poder de observar, de serem os “olhos do banco”
se torna insignificante se comparado com o aparato de controle que o sistema informatizado
possui. Então, analisado até aqui, o gerente não estabelece os objetivos da agência, não
estipula a quantidade de funcionários, não estabelece normas e procedimentos, e, não domina
a vigilância sobre os funcionários. Para reforçar esse cenário, ainda há a questão hierárquica
do relacionamento do gerente com o superintendente. O Gerente 5 cita “[...] consolido essas
informações, e repasso, até determinado horário, à minha gerência regional, que consolida as
76
agências e repassa à diretoria [...]”, e o Gerente 12, ao comentar sobre a vigilância sobre o
atingimento de metas questiona “que é o que vai responder para o superintendente?”.
Quanto à Superintendência, os gerentes informaram que existe uma hierarquia, na qual
o gerente de agência “olha” para os gerentes de contas; por outro lado, o superintendente
“olha” para os gerentes de agência:
As metas eles acompanham diariamente [...] só pra você ter uma ideia eu tenho tele
reuniões, que é por telefone, que a gente entra numa central e o superintendente nos
passa orientações semanalmente, e uma vez por mês eu tenho reuniões presenciais
na superintendência, reuniões do tipo um dia inteiro. Eles acompanham todos os
nossos números, qualquer número que comece a cair, por exemplo, um desempenho
que é médio, começa a reduzir essa média, volume de negócios, por exemplo, eles já
nos questionam. Então, existe uma equipe na superintendência que está lá para
munir o superintendente de informações, pra que ele venha, através disso, nos cobrar
e acompanhar o nosso trabalho (GERENTE 3).
Ele [o superintendente] tem uma rede de agências [...] ele tem que acompanhar de
todas [as agências] [...] cada um vai acompanhando o seu, vai acompanhar o gerente
das suas agências e ele vai ter que responder perante o superintendente estadual
(GERENTE 9).
Temos reuniões periódicas, teleconferências, onde além das instruções normativas
que vem diariamente direto pra nós da diretoria, também nós temos assim encontros
para direcionamento. Então a diretoria elabora as metas, os projetos da empresa,
repassa ao superintendente, ele passa pra nós e nós repassamos para os demais
colegas. Tem hierarquia nisso também (GERENTE 11).
Ainda, o Gerente 3 informa que ocorre um controle sobre o tempo de trabalho do
gerente: “se eu quiser ir visitar um cliente eu posso pegar e ir visitar o cliente. Por outro lado
eu corro risco de ser interpelado: „Onde você está que não está na agência?‟”. Mesmo não
sendo costumeiro, o gerente relatou que “ele não é um controle constante, mas é um controle
que acontece”.
Diante disso, remete-se ao projeto do panóptico, que segundo Bentham (2008), possui
a vantagem de possibilitar a vigilância sobre os próprios guardas. Foucault (2014) também
cita essa grande vantagem, informando que o diretor pode observar os empregados a seu
serviço, inclusive seus gerentes: “enfermeiros, médicos, contramestres, professores, guardas;
poderá julgá-los continuamente, modificar seu comportamento, impor-lhes métodos que
consideram melhores; e ele mesmo, por sua vez, poderá ser facilmente observado”
(FOUCAULT, 2014, p. 198). Neste mesmo sentido, Segnini (1996), ao analisar a questão do
poder afirma que “o poder na vigilância hierarquizada funciona como uma máquina na qual a
chefia é apenas uma das peças de engrenagem” (SEGNINI, 1996, p. 106). Assim, a vigilância
não permite que nada permaneça às escuras, porque tudo é controlado por meio do olhar.
77
4.2.4. O registro contínuo do conhecimento
Finalmente, entre os dispositivos do poder, pode-se citar o registro contínuo do
conhecimento. Esta necessidade de extrair o conhecimento da mente dos funcionários é um
dos grandes desafios que os administradores enfrentam. A gestão do conhecimento se torna
papel fundamental, especialmente em empresas que operam com bens intangíveis, como os
bancos. No setor bancário, os conhecimentos são registrados de duas maneiras distintas, mas
sempre por intermédio do sistema computadorizado.
Em primeiro lugar, o “como fazer” já foi perfeitamente sistematizado por meio das
normas e procedimentos, conforme discutido no item que versa sobre a diferenciação interna
dos bancários (item 4.1.2 deste estudo). Nas palavras dos gerentes “nós temos uma estrutura
de normas e procedimentos muito burocrática, ela não te dá muita possibilidade de mudança
ou de adequação [...] existe uma norma, um check-list, um passo a passo, e a gente tem que se
guiar por ali” (GERENTE 12); “o funcionamento está claro para todos os funcionários, igual,
e em todas as agências [...] é um padrão” (GERENTE 11); “acesso a todo mundo [...] o banco
hoje prioriza a informação, que se tenha informação, tem todas as normas do banco,
administrativas, instruções comerciais, o que tu quiser tem ali” (GERENTE 4).
Em segundo lugar, o conhecimento dos bancários sobre os clientes e sobre o mercado
possui um sistema de registro complexo. O sistema possui um campo onde o bancário registra
suas informações sobre o cliente, como produto ofertado, compra realizada ou não, e porque;
enfim, todas as informações coletadas e que podem ser úteis para uma utilização futura (pelo
mesmo bancário ou por outro qualquer): “nós temos um gerenciador que o cara registra as
atividades que está fazendo” (GERENTE 4).
Um dos bancos permitiu ao pesquisador acesso a este sistema de registro dos
conhecimentos. O sistema apresenta os dados do cliente que está sendo atendido e diversos
campos nos quais o bancário pode incluir informações sobre o produto ofertado e sobre o
andamento da negociação. Informações pessoais do cliente também são incluídas neste ponto,
pois podem subsidiar futuros atendimentos. Desta forma quando o cliente for abordado por
telefone, ou presencialmente na agência, não apenas os dados básicos de cadastro, mas as
informações mais detalhadas são expostas ao atendente.
Assim, a discussão sobre os dispositivos do poder possibilita enumerar achados
pertinentes ao trabalho do gerente de agência bancária. Fica evidente que há uma vigilância
constante por parte do sistema sobre o gerente, fomentada pelo controle do superintendente, e
que age da maneira como previsto no panóptico: vigiando os vigias. Neste contexto, o gerente
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passa a ser visto, tanto pelos funcionários, como pelos outros gerentes, transformando o
ambiente de trabalho do gerente em uma “casa de vidro”, onde o gerente está totalmente
exposto. Também foi possível compreender que o sistema colabora tanto na separação
hierárquica (entre setores e entre funções), como no controle do tempo dos funcionários
(controle de entradas e saídas, e determinação do trabalho a ser executado). Conclui-se que o
tema central desta discussão sobre os dispositivos do poder envolve o sistema, que impacta de
forma significativa na autonomia e no poder do gerente de agência bancária.
4.3. OS DISPOSITIVOS DISCIPLINARES
Na discussão abordando o poder disciplinar, é inevitável citar o adestramento dos
corpos, teorizado por Foucault (2014), e ampliado para o “adestramento das inteligências”,
que direciona o pensar e interfere nas ações dos indivíduos. É considerado dócil um corpo que
pode ser “submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado”
(FOUCAULT, 2014, p. 135).
Para tanto, o poder disciplinar implica uma coerção ininterrupta, constante, durante o
máximo de tempo, por todos os espaços e todos os movimentos. Para Foucault (2014), o
poder disciplinar se utiliza de três instrumentos simples: o olhar hierárquico, a sanção
normalizadora e sua combinação num procedimento que lhe é específico, o exame. Com base
nos textos de Foucault (2014), o roteiro de entrevista utilizou esta subdivisão, que se
apresenta analisada nesta etapa do estudo.
4.3.1. O olhar hierárquico
O olhar hierárquico se refere à capacidade do poder disciplinar de tudo ver
permanentemente. Para isso, o panóptico (FOUCAULT, 2014) se mostra como um grande
instrumento, pois possibilita que o prisioneiro seja vigiado ininterruptamente, ou ao menos
tenha a impressão de sê-lo. Mas, além da ideia inicial do panóptico, a inserção da tecnologia
neste instrumento (o panóptico digital) potencializou o alcance e tornou a vigilância ainda
mais presente. Neste estudo, nos bancos, buscou-se entender a hierarquia da agência, e como
a tecnologia (representada pelo sistema) influencia a hierarquia.
Para o primeiro entendimento sobre o funcionamento da hierarquia, foi questionado
como ela age na rotina de trabalho. Os gerentes informaram que possuem um grupo de
gerentes de contas que os auxiliam no dia a dia da agência: “nós temos aqui na agência alguns
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gerentes com apoios vinculados a ele [...] depois se pensa no todo, que chega na minha
gestão” (GERENTE 12). Em diversos momentos, os gerentes citaram a importância destes
gerentes de contas para o sucesso da agência, como o Gerente 1 afirma “tem metas individual,
que é um percentual, vamos dizer 50% é individual, 25% é o segmento, pessoa física ou
jurídica, e 25% é a agência [...] então, se a pessoa não colaborar em todos os setores [...] por
mais sucesso que ela tenha, ela não atinge se os outros não atingirem também”.
Foi citado, também, o auxílio que estes níveis hierárquicos têm na gestão das pessoas
na agência.
Cada gerente de carteira ou de setor cuida de seus funcionários [...] acompanha o
horário de entrada e saída, hum, as atividades, a questão de folgas também [...]
primeiro é definido a nível de setor pra depois a gente definir a nível de agência, né
[...] o gerente tem que saber de tudo, ao menos estar acompanhando (GERENTE 9).
Nós temos aqui na agência alguns gerentes com apoios vinculados a ele e ele faz a
administração de pessoas também, ponto eletrônico, horas, atividades (GERENTE
12).
Outro ponto destacado é a baixa autonomia do gerente quanto ao estabelecimento de
níveis hierárquicos e contratação e demissão de funcionários. Nos bancos privados, não há
concurso público, nem estabilidade, entretanto, o tema demissão não foi citado. Já nos
gerentes de bancos públicos, foi citada a impossibilidade de demissão de funcionários, como
na fala do Gerente 2 “o poder de demissão é bem restrito, tu vai demitir se a pessoa fizer
alguma bobagem, então tu tem que tentar convencer cada vez mais as pessoas a fazer o que
precisa”; do Gerente 6 “estão todos com concurso público, então não temos, hum, demissão
[...] a gente não demite ninguém que não seja por justa causa”; do Gerente 3 “em alguns casos
o gerente pode encaminhar até mesmo a demissão do funcionário [...] porque mesmo sendo
concursado, se não condiz com o regulamento interno, existe a previsão [...] isso é
normatizado, o que o gerente pode fazer e como ele deve fazer”. É importante salientar, na
fala do Gerente 3, que até a possibilidade de demissão está normatizada, então, mesmo o
poder de iniciar um processo de demissão está sob controle do banco. A normatização fica
clara na citação:
Os dias de pico [...] tinha filas nas ruas [...] se fosse tudo dentro do banco, o banco
não ia dar conta [...] daí o pessoal fala “coloca mais”, mas essa quantidade de
funcionário é medida pelo patrão, pela diretoria [...] nós não temos autonomia pra
colocar um caixa a mais, um atendente a mais, nós temos um número reduzido
(GERENTE 13).
80
Na sequência, se abordou a inserção do sistema na vigilância hierárquica, ou seja, no
olhar hierárquico. Em todos os discursos, citaram-se as metas e o controle delas, inclusive
afirmando que a avaliação do funcionário depende do atingimento das metas. O Gerente 1
afirma que “essas metas vão desde a economia de uma folha de papel, água, luz, telefone,
tudo. [...] cada semestre a meta pode aumentar ou diminuir, depende da receita e da despesa,
tudo é medido, tudo é controlado”.
Então, a entrevista com os gerentes abordou o controle que o sistema exerce sobre o
trabalho. Neste ponto os gerentes de agência foram unânimes quanto à onipresença do sistema
em todas as atividades da agência, tanto relacionadas a despesas, metas, materiais, acessos, e,
inclusive, a gestão de pessoas.
Tudo integrado [...] tem um só sistema, sistema integrado de despesa [...] é
controlado diariamente, mensalmente, e a meta fecha sempre no semestre. [...] o
banco controla muito isso, controla até a quantidade de impressões [...] certos
relatórios não há mais necessidade de serem impressos, pois fica armazenado por
tempo suficiente pra uma pesquisa. Então sempre é pra ser mais produtivo, e
consequentemente mais receita, mais resultado [...] o controle de metas é tudo
automatizado pelo sistema. Pra saber quem fez vai a matrícula do funcionário [...]
então o sistema de avaliação busca isso, o resultado individual, do setor e mais o
resultado da agência, [...] a formação individual da pessoa [...] e mais a carteira que
ele pontua, e dentro da carteira se ele é gerente de conta ou só atendente, conforme o
nível que ele está tem uma avaliação, um peso. Então o caixa tem um peso com o
que ele desenvolve no caixa, autenticações [...] ele [o sistema] conta quanto mais ele
autenticar. Já o operador de negócios pessoa física é pelo volume de negócios que
ele realiza [...] a empresa sabe dia, hora, minuto, segundo e o que você acessou,
inclusive o que você fez na máquina, sabe tudo, a tal hora o que você acessou, se tu
imprimiu um relatório, qual é a impressora que tu mandou imprimir, eles controlam
tudo (GERENTE 1).
Hoje em dia se não tivesse a parte informatizada, do sistema do banco, seria quase
que impossível tu fazer tudo o que nos é pedido, né. Obviamente quanto mais
ferramenta tu tem, mais cobrado tu é [...] e aí, ele [o banco] te dá a ferramenta, ou
melhor, essa ferramenta te dá os públicos que tu tem que fazer o contato “olha, esse
cliente tem mais propensão a isso...” então ele te dá o público e vai te cobrar para
que você faça o contato. Da mesma forma o acompanhamento das metas, então ele
[o banco] te dá um sistema que te dá um acompanhamento diário, e em muitos
casos, on line, pra poder te cobrar e dizer “oh, tu tá fazendo ou não tá fazendo” [...]
por um lado facilita, por outro lado aumenta a cobrança [...] isso aí é diário e às
vezes on line (GERENTE 2).
O sistema já te dá esse suporte, e tu consegue fazer um acompanhamento mais
detalhado. Tem um sistema bem interessante dentro do banco que te dá praticamente
um balancete mensal “olha, a tua receita foi tanto, a despesa foi tanto, daí tu vai ver
quanto que transitou de cartão de crédito na rede de adquirentes de cartão, quanto
que tu recebeu de tarifa, quanto que foi o teu resultado menos o que foi provisionado
pra crédito em liquidação” (GERENTE 13).
É tudo sistema, é tudo on line. A gente não tem mais processos manuais, então a
gente tem essa hierarquia que passa da agência para a superintendência, pra
superintendência nacional, para as diretorias [...] estamos on line, e temos vigilância
on line. Então, se eu fiz uma operação aqui diferente do normal, diferente da rotina,
no mesmo momento vai startar [enviar] uma mensagem pra mim e pro
81
superintendente, que a agência operou com isso aqui. “Tá certo?” É só pra ter um
acompanhamento on line. Então no mesmo momento que fizer uma operação
diferente do que é normal, ela já cai no sistema de monitoramento e já vai uma
informação pra que a gente verifique se está tudo certo. Acaba sendo vigiado e
controlado. Então, o sistema de controle todo on line [...] ela [a vigilância] é diária e
on line, a toda hora nossos processos estão sendo verificados e auditados na central
(GERENTE 14).
Fica evidente na fala dos gerentes a abrangência do sistema de controle. A vigilância
realizada por meios eletrônicos toma uma proporção difícil de ser imaginada, pois é realizada
a todo o momento, e em todos os campos de atuação do bancário e do gerente. Neste ponto é
possível realizar uma analogia ao panóptico (FOUCAULT, 2014), atribuindo a função da
torre central ao sistema eletrônico. O sistema, assim como a torre, observa de forma
ininterrupta os indivíduos sob sua guarda. Neste mecanismo, não há espaço para fuga ou
omissão, pois todos estão expostos e submetidos à vigilância.
Ainda relacionado ao panóptico (FOUCAULT, 2014), observa-se o surgimento dos
corpos dóceis, através da sujeição voluntária dos bancários e dos gerentes:
Ele [o sistema] dá uma segurança muito boa, até porque (silêncio) neste momento o
gerente não está se comprometendo [...] eu acredito e quero acreditar que o sistema
ajuda [...] principalmente na parte de crédito eu acredito que ele ajuda porque evita
erros grotescos. [...] a questão de gestão de equipes ele também me ajuda, né, ele me
dá os números tudo calculado, o que os meus funcionários produzem ele me mostra,
mostra os horários que os funcionários chegaram e saíram, o quanto eu preciso para
atingir a minha meta, quando que são as férias, o sistema já me dá pronto: “você tem
„xis‟ funcionários com férias vencendo”; se tem funcionários com direito a folgas,
até tal data você tem [...] essas coisas assim o sistema me dá tudo pronto, então essa
parte de gestão de equipe é fácil, o difícil é você conseguir, por exemplo, motivar
pessoas, que isso o sistema não faz. Ele não faz todo o trabalho (GERENTE 3).
O positivo é que, antigamente era o gerente que decidia o crédito, e aí ia o feeling
nosso, mas a gente, às vezes errava, porque não tinha um sistema que desse
credibilidade aquela minha percepção. Hoje a gente tem tudo on line, interligado
com os demais bancos, com o sistema financeiro, então eu tenho como verificar que
aquele cliente que eu estou trabalhando está realmente compatível com o que ele
quer (GERENTE 6).
Com toda essa quantidade de informação, de regra, de tecnologia, de dinâmica, não
tem mais como não ter sistema [...] nos ajuda em tudo (GERENTE 10).
Isso dá segurança operacional [...] e o sigilo bancário [...] na quebra de um sigilo tu
facilmente descobre quem foi o responsável [...] dá segurança pra todos, pra
empresa, principalmente pra empresa (GERENTE 14).
Assim, o controle hierárquico se manifesta por meio do olhar, do controle, da
vigilância. A fala dos gerentes confirma a teoria do panóptico, pois os sujeitos se submetem
ao poder exercido, vislumbrando, inclusive, os benefícios deste controle. Não se pode negar
que as instituições percebem grandes benefícios com a centralização de informações em um
82
único sistema, principalmente a redução dos níveis hierárquicos e do número necessário de
funcionários. Não cabe a crítica ao poder exercido pelo sistema, mas sim o entendimento das
funções hierárquicas neste novo contexto. A conclusão deste ponto do estudo é a correta
localização do gerente na estrutura do panóptico: de torre central para vigia da torre central.
Mesmo parecendo um pequeno ajuste nos termos utilizados, há grande diferença, pois, no
“anel periférico, se é totalmente visto, sem nunca ver; na torre central, vê-se tudo, sem nunca
ser visto” (FOUCAULT, 2014, p. 195). Sabendo-se que o vigia deve permanecer em
constante anonimato, pouco importa quem seja o observador. Foucault (2014) cita que na falta
do diretor, qualquer pessoa pode fazer funcionar a máquina do panóptico, inclusive seus
criados.
4.3.2. A sanção normalizadora
A sanção normalizadora diz respeito à penalidade que “compara, diferencia,
hierarquiza, homogeniza, exclui” (FOUCAULT, 2014, p. 180). Nas entrevistas, os gerentes de
agência foram questionados sobre o papel do gerente nos processos disciplinares, e se há
alguma sanção aos bancários e aos gerentes quando do não atingimento de metas.
Quanto aos processos disciplinares, os gerentes informaram que o próprio sistema
regula os acessos e evita que muitos erros e infrações ocorram: “pelo fechamento do sistema
hoje em dia e pelo bloqueio que você pode acessar umas áreas e outras não, a própria
tecnologia resguarda muita coisa, porque conforme a hierarquia, o nível dentro do banco você
consegue acessar [...] abre pouco espaço para isso ocorrer” (GERENTE 1). Entretanto,
quando um funcionário infringe alguma norma ou procedimento, o gerente se utiliza de
procedimentos pré-estabelecidos para conduzir o processo disciplinar:
Roubo, furto, e outras coisas que não devem ser feitas e estão previstas no
regulamento (GERENTE 7).
Controles e procedimentos, padrão pra tudo, caso ocorra algum, hum, procedimento,
processo fora da norma prevista, primeiro a gente abre um processo de verificação
pra ver se há necessidade de abrir um processo [...] então a gente abre esse processo,
analisa, e nós como gestor podemos chegar a conclusão e opinar que aquilo não tá
atingindo ou não ofendeu a norma [...] caso tenho ofendido a norma a gente deve
abrir um processo para que seja amplamente verificado e, ao final do processo, o
colega que praticou seja advertido, punido, enfim, ou ao final seja isentado, mas há
uma investigação [...] ele começa na agência e pode chegar até o comitê da matriz
em Brasília (GERENTE 9).
Primeiro é o diálogo, uma observação verbal, se for mais relevante a gente faz por
escrito, e comunica aos superiores imediatos pra auxiliar, no sentido de corrigir e
não de punir. Só se for causo de roubo, daí fica tudo interno, por causa do sigilo
83
bancário, e o funcionário é responsabilizado dentro do regulamento de pessoal, tudo
com regramento, conforme a penalidade e da auditoria interna do banco e auditoria
externa do banco (GERENTE 14).
Ocorre, então, que o gerente cumpre os procedimentos determinados na norma da
instituição. Quanto a estas normas, o Gerente 14 afirma que o gerente obedece a alçadas para
determinação do fluxo do processo administrativo: “o banco trabalha muito com alçadas, né
[...] então dependendo do tipo de processo envolvido, vai ser ou não responsabilidade da
gerência [...] então tem casos que não é da alçada do gerente”.
Questionou-se, também, se há alguma sanção quando do não atingimento de metas por
parte dos bancários. Os gerentes não citaram nenhuma punição direcionada ao bancário, como
cita o Gerente 2 “até hoje eu não vi nenhuma penalidade, né, óbvio que tu sempre vai ter uma
preferência de nomeação, na carreira profissional, se tu conseguir atingir melhores resultados
[...] mas até o momento eu nunca vi nenhuma punição, eu não acompanhei, né”. Assim, fica
claro que mesmo não havendo uma penalidade “institucionalizada”, as nomeações e
promoções são baseadas no desempenho em relação às metas. Da mesma forma, o gerente de
agência também é avaliado e sofre penalidades.
A primeira reação quando questionados sobre uma possível penalidade para os
gerentes em caso de não atingimento de metas, foi dúvida, ou silêncio prolongado: “eu
também não vi [...] é, (silêncio) o que aconteceu é de, hum, isso que já tem visto (silêncio),
mas não foi dito, né” (GERENTE 2). Entretanto, diversos gerentes citaram que o gerente que
não atinge a meta estabelecida pelo banco (e controlada pelo sistema) tem penalidades
referentes à ascensão profissional:
A meta do gerente geral não é uma meta individual, mas a meta da agência é a meta
dele. Então, todos aqueles que gerenciam uma carteira são avaliados por um índice
de desempenho [...] e esse índice de desempenho forma um ranking, né [...] ocorre
que se ele [...] em três semestres ele não atingir novecentos pontos, ele perde a
carteira dele, e se ele for gestor de agência ele perde um nível. As agências vão do
nível “F” até o “A”, e sendo gestor de agência ele perde um nível, o que acarreta
perda salarial. Então, por exemplo, um gestor pessoa física, em quatro semestres ele
não atingiu a meta em três, e não precisam ser sequenciais, ele perde a carteira dele,
assim como na pessoa jurídica. Já os gestores de agência, como tem nível, se ele for
do último nível, ele perde a gerência, e se for de nível acima, ele vai pra uma
agência menor. Então se ele continuar não atingindo metas, ele vai perdendo nível
(GERENTE 3).
É um banco com ingresso por concurso público, se não houver um sistema que tu
beneficie quem produz e deixe de beneficiar quem não produz, fica muito fácil de se
ter uma estagnação (GERENTE 4).
Se atingir o objetivo vai refletir na parte financeira. Se não atingir o objetivo,
certamente vai ter um lucro menor, e aí impacta também o crescimento da unidade, a
manutenção da classe da agência. E dentro da agência a gente tem o objetivo medido
84
no segmento, onde cada gerente tem o seu objetivo. Se não atingir o outro segmento
vai ter que cobrir aquilo ali. E a meta do gerente geral é a meta da agência
(GERENTE 6).
O sistema faz todos os cálculos, tipo assim, a pessoa que vai tomar a decisão ela só
vai assinar a carta, porque se você não atingiu a meta, você já sabe, o sistema vai me
dar isso pronto (GERENTE 8).
Nunca vi nenhum gerente perder comissão por causa disso: “Ah, não deu resultado,
algum semestre, numa agência” [...] já aconteceu de, de certa forma, ele ser preterido
e ter ido para uma agência de nível menor. Então a penalidade é a dificuldade de
ascensão, e às vezes dependendo se o resultado for ruim, de tu ir pra uma agência
um pouco menor, né [...] aí sim eu entendo que de certa forma é uma penalidade,
mas foram poucos casos. O banco, por enquanto, nunca vi ninguém perder emprego,
perder comissão, perder a função por causa disso, né. Mas efetivamente (silêncio), o
que acontece mais... o que eu vi acontecer por não atingimento de metas foi isso [...]
tu tá numa agência dum nível intermediário e vai pra uma menor. Mas é usado, mais
pra premiar, e óbvio, se tu não faz o resultado (silêncio) eles analisam a praça, vê
qual que foi a situação, mas na grande maioria os promovidos é que apresentam
melhores resultados, né (GERENTE 11).
Fica evidente que as penalizações direcionadas ao gerente são muito mais fortes do
que as direcionadas aos bancários. De certa forma, a teoria do panóptico (FOUCAULT, 2014)
auxilia na compreensão, pois os bancários (os prisioneiros do panóptico) estão em constante
vigilância, em que não há espaço para erro ou não cumprimento do estabelecido. Porém, o
gerente (vigilante da torre) precisa de mais ameaças e normas para que se efetive a sujeição de
seus corpos, e principalmente, que realizem o estabelecido pelo banco.
Foi citado, também, que existe a sanção normalizadora realizada a condutas
consideradas pouco éticas. O Gerente 5 afirma que “o banco tem até penalizado gerentes que
estão em destaque, por um desvio de conduta, em termos de cobrança”, sendo que a função do
gerente ganha novos contornos, inclusive com o avanço e disseminação do debate sobre o
assédio moral: “Havendo a detecção disso, essa questão de assediar os funcionários, a questão
de expor um funcionário por uma meta” (GERENTE 5).
4.3.3. O exame
O exame é o instrumento que combina a hierarquia da vigilância e a sanção que
normaliza. Este instrumento tem por função qualificar, classificar e punir (FOUCAULT,
2014). O exame se mostra como um instrumento de objetivação do exercício do poder e do
poder disciplinar. Ainda, os indivíduos permanecem vigiados, pois os documentos captam,
classificam, qualificam, quantificam e fixam os resultados. Assim, neste estudo, foi
questionado sobre o controle de metas da agência e o domínio quanto aos controles internos.
85
Entende-se que as metas representam a materialização o poder, pois operam no mesmo
sentido do exame, citado por Foucault (2014), especialmente como forma de operar a
vigilância e no procedimento de sanção, quando não há o seu cumprimento. No tocante ao
controle das metas, os gerentes citaram como é o estabelecimento destas metas, destacando
que este procedimento não tem interferência do gerente:
As metas eles medem pelo volume de negócios. A tua agência comporta tanto. Vem
um modelo pronto, e tu, na função de gerente tem que só adequar a aquilo [...] vem
determinado [...] a meta é feita assim. Então praticamente tu só... a tua autonomia
cada dia tu perde mais [...] ela vem pré-definida [...] é tudo cumpra-se. E nós
passamos treinando e cobrando metas, né. Cobrando metas e organizando a equipe
para atingir as metas, que vem tudo pronto. A gente nem escolhe, já vem pronto pra
nós. A gente não discute a gente só recebe e divide aqui, tanto pra cada um e vamos
ver (GERENTE 1).
O banco vai distribuindo por camadas: tem a diretoria, a nível nacional, que distribui
para as superintendências estaduais, e vem distribuindo para as regionais, para as
agências e carteiras, né. É um processo [...] mais massificado e centralizado. Nós
simplesmente acompanhamos essa... a execução das (silêncio) metas, no caso [...] a
distribuição não é feita pelo gerente. O gerente vai simplesmente tentar atingi-las,
né, daquilo que nos enviaram (GERENTE 2).
Eu tenho que fazer dentro das metas que são estabelecidas, eu tenho que fazer a
gestão da minha equipe e dos negócios da minha agência para atingir todas essas
metas, então eu tenho que conseguir gerenciar minha equipe (GERENTE 3).
O banco estabelece. Semestralmente o banco estabelece [...] ele faz a média de
quanto tu tiveste no semestre, adiciona um percentual que ele queira crescer naquele
produto e te projeta uma meta, então ali que tu tem que atingir. Então fica livre para
a diretoria do banco estabelecer o norte do negócio, e as agências vão executar, né,
se faz um plano de ação dentro das agências, e aí entra o gerente: “como vamos
fazer?” (GERENTE 4).
A gente tem a nossa alta direção em Brasília que pensa e faz as estratégias. Nas
estratégias estão definidos nosso objetivos, nossas metas, o que que nós temos que
atingir. Então vem uma meta para a superintendência e ela vai distribuir para as
agências conforme o mercado (GERENTE 6).
Fica claro que a participação do gerente no estabelecimento das metas não existe. Este
procedimento pode ser entendido como uma demonstração do poder, exercido pelo banco
sobre o gerente. Mais uma vez, observa-se a aceitação do estabelecido, inclusive nas falas
relacionadas à reconsideração de metas estabelecidas. O Gerente 9 afirma que “às vezes
alguns ajustes podem ter a intervenção do gerente, mas daí temos que mandar para a
superintendência dizendo: „olha, tem alguma distorção‟ [...] mas não é o gerente que faz”. A
partir da meta estabelecida e disponibilizada no sistema de informações, a agência, e o gerente
da agência passam a ser acompanhados e vigiados pelo próprio sistema, que, parafraseando
Foucault (2014), qualifica, classifica e pune. O sistema tem acompanhamento diário, e em
muitos aspectos, acompanhamento on line, conforme afirma o Gerente 6 “nós temos um
86
sistema diário, que é medido diário aonde a gente está sendo medido pra ver quanto a gente
está conseguindo atingir daquele objetivo”.
Também foi questionado sobre outro tipo de exame, o controle dos procedimentos
internos, ou controles internos. Os gerentes citaram que no passado ocorriam auditorias
internas, nas quais um funcionário do banco permanecia vários dias observando os contratos e
documentos. Esta modalidade de controle presencial não está sendo utilizada atualmente,
pois, conforme informa o Gerente 4 “hoje tem tanta situação sistêmica que o próprio sistema
não permite algumas falhas”. Assim, dispensa-se a necessidade de auditor no local.
Entretanto, como bem explicado pelo Gerente 3, o banco possui um sistema de “sorteio”,
onde um setor específico envia, via sistema, solicitação de contratos para verificação. Então,
por amostragem todos os contratos são verificados, mesmo que não sejam efetivamente. O
importante é a certeza de que podem ser auditados. Esta afirmação se aproxima muito do
panóptico, onde Foucault (2014, p. 195) afirma que “é ao mesmo tempo excessivo e muito
pouco que o prisioneiro seja observado sem cessar por um vigia: muito pouco, pois o
essencial é que ele se saiba vigiado; excessivo, porque ele não tem necessidade de sê-lo
efetivamente”:
Existe uma coisa que se chama controles internos [...] ele sorteia agências e de cada
agência ele faz um sorteio e determina: “eu quero um contrato de tal tipo, eu quero
um cadastro de cliente, faturamento do cliente, proposta de seguro de vida, eu quero
tudo isso”, e a gente manda pra eles. Então esse sistema de controles internos existe
e eles punem todos os funcionários de administração da agência, todo mundo
(GERENTE 3).
Neste modelo de “exame”, a função do gerente é acompanhar o recebimento da
solicitação, pelo setor responsável, e acompanhar o envio da documentação solicitada. O
Gerente 2 cita que “os processos que são pedidos pra nós, a gente tem que acompanhar, pra
mandar para o núcleo de controle. Então a gente acompanha isso aí, até porque a gente tem
prazo, e se envolve nesse sentido, centraliza o acompanhamento”. Ainda, o Gerente 14 afirma
que existe também um processo de controle interno on line, principalmente nas tarefas
automatizadas: “uma operação [...] diferente da rotina, no mesmo momento vai „startar‟
[enviar] uma mensagem pra mim e pro superintendente [...] „Tá certo?‟ [...] ela já cai no
sistema de monitoramento e já vai uma informação pra que a gente verifique se está tudo
certo. Acaba sendo vigiado e controlado”.
Fica claro que o controle das metas e o controle interno são exemplos do exame,
citado por Foucault (2014). No exame, se combina a vigilância constante do sistema e a
sanção aplicada aos funcionários que não atingem o esperado. Neste ponto, o gerente é o
87
funcionário que mais é influenciado, pois o sistema vigia os números da agência
constantemente, e expõem os dados de cada agência a outros gerentes. Nesta lógica, a
exposição (por vezes negativa) do gerente significa o motivo para a sanção, que diversas
vezes se apresenta de forma indireta, como a estagnação na carreira, ou de forma direta, como
o retrocesso em “níveis” de agência.
Em atividade de observação, foi possível compreender a dificuldade de atingimento
das metas estabelecidas, e a falta de ingerência no estabelecimento destas metas. Sob a ótica
da análise do discurso, fica evidente que há um constrangimento até mesmo em falar sobre o
assunto, pois ao assumir este discurso, o gerente está aceitando a perda de espaço para o
sistema, significando perda de seu status. Há, então, um discurso de impossibilidade de
enfrentamento da situação, pois eles não vislumbrar um caminho diferente do apresentado,
mas uma luta pessoal para manutenção dos pontos em que o sistema ainda não exerce o poder.
Outro ponto a se destacar é a presença do “eles” no discurso dos gerentes. Em diversos
pontos, os gerentes citaram uma força extra-agência, que domina as normas, domina os
recursos financeiros, estabelece as metas, vigia, controla e expõe para punição:
E isso são políticas da empresa que conforme concorrência, mercado, crise
econômica, enfim, eles direcionam [...] está dando muito problema da economia,
eles restringem valores para aquele setor [...] a empresa sabe dia, hora, minuto,
segundo e o que você acessou, inclusive o que você fez na máquina, sabe tudo, a tal
hora o que você acessou, se tu imprimiu um relatório, qual é a impressora que tu
mandou imprimir, eles controlam tudo [...] conforme o assunto você encaminha para
a alçada superior, e eles decidem (GERENTE 9).
O sistema do banco ele vai tá, os cálculos, eles reduzem pra que, digamos, um
faturamento de vinte mil ele liberava cem, agora com faturamento de vinte mil libera
vinte [...] e aí a gente faz essa questão de... (silêncio) encaminhar pra comitê
superior para que eles reavaliem o limite do cliente [...] a gente pode alterar depois,
se quiser, por exemplo trocar a minha mesa de lugar, eu poderia, mas no geral a
estrutura vem definida pela engenharia, até porque eles definem também aonde vão
instalar as câmeras de vigilância e coisas do tipo, né [...] então, sim, existe esse
controle... não é costumeiro, porque justamente eles colocam nessas funções quem
eles confiam, né, mas sim, acontece [...] as metas eles acompanham pontualmente,
diariamente, essas sim eles fazem [...] eles acompanham todos os nossos números,
qualquer número que comece a cair, por exemplo, um desempenho que é médio,
começa a reduzir essa média, volume de negócios, por exemplo, eles já nos
questionam [...] ele sorteia agências e de cada agência ele faz um sorteio e
determina: eu quero um contrato de tal tipo, eu quero um cadastro de cliente,
faturamento do cliente, proposta de seguro de vida, eu quero tudo isso e a gente
manda pra eles (GERENTE 3).
Eles analisam a praça, vê qual que foi a situação, mas na grande maioria os
promovidos é que apresentam melhores resultados, né (GERENTE 11).
Assim, os dados coletados e analisados permitem compreender a submissão que os
gerentes de agência são acometidos, muitas vezes sem entender quem (ou o quê) está
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exercendo o poder. Após análise do discurso dos gerentes, fica claro que o poder está no
sistema, especialmente quando se observa as falas relacionadas ao controle de metas e quando
a presença de uma força poderosa, chamada de “eles”. Na maior parte das entrevistas os
gerentes concordaram que há o estabelecimento de metas e de tarefas, e o controle e
vigilância, exercidos por uma instância superior, mas que nem os gerentes conseguiram
definir com clareza (talvez não o saibam). De qualquer forma, demonstra-se uma sujeição
completa ao poder exercido pelo sistema e ao controle de metas, sendo inclusive visto como
algo positivo (sujeição voluntária). O discurso do banco é tão penetrante na visão de trabalho
do gerente, que ele reproduz o discurso do banco, legitimando-o e dando força a esse sistema.
Essas conclusões podem ser facilmente comparadas aos textos de Foucault (2012; 2014), em
que há uma sujeição voluntária ao poder; há uma distribuição do poder, estando ele em todas
as relações, nos níveis infinitesimais; há um aparente desejo de reforçar esse poder por parte
dos sujeitados ao poder; e, há uma constante vigilância por parte de todos, em relação ao
gerente, sistematizado no panóptico digital.
Diante destas reflexões, pode-se afirmar que é possível compreender a lógica do poder
na relação do gerente de agência bancária através da teoria do panóptico digital. Estes
conceitos auxiliam a organização e o entendimento do contexto analisado, pois estudar o
poder não é uma tarefa fácil, especialmente nas relações de agência bancária nas quais não há
um poder visível, pois a face do poder facilmente identificável é a tela do computador.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A questão central deste estudo é compreender qual a percepção dos gerentes de
agências bancárias quanto ao seu poder frente à equipe, em face ao funcionamento do
panóptico digital. Para isso, realizou-se um estudo teórico relacionando o panóptico digital e
as alterações no poder dos gerentes frente à equipe, além da realização de um estudo empírico
com gerentes de agências bancárias sobre o panóptico digital e as alterações em seu poder
frente à equipe. No estudo empírico realizou-se observações e quatorze entrevistas por meio
de um roteiro pré-estabelecido com gerentes de agências bancárias. As variáveis elencadas,
citadas por Foucault (2014), foram a materialização do poder do panóptico digital; os
dispositivos do poder do panóptico digital; e, os dispositivos disciplinares.
A partir do estudo teórico e empírico, pode-se citar os principais achados da pesquisa
em relação ao poder dos gerentes de agência bancária. O primeiro achado é que o gerente não
é mais responsável pela concepção do trabalho, pois em diversos momentos os gerentes
informaram que não detêm o controle do número de funcionários, não estabelecem as
estratégias (metas) e não tem autonomia para realização de diversos procedimentos. Esta
constatação vai de encontro à Teoria Clássica da Administração, que prediz que há uma
separação entre os que executam e os que planejam. De fato, este achado vai contra, inclusive,
à própria definição de administração, que é “planejar, organizar, coordenar, comandar e
controlar” (MOTTA, 2003, p. 76). Sendo assim, é possível até mesmo questionar se o gerente
de agência bancária pode ser considerado um administrador.
Esse entendimento abre caminho para o segundo achado da pesquisa: o gerente é um
executor de tarefas. Em diversas falas, os gerentes afirmaram que perderam a autonomia de
decisão e de ação, como quando citam o poder do carimbo (no caso, a perda de poder do
carimbo). Com a perda do status de indivíduo que concebe o trabalho, o gerente se iguala aos
funcionários na condição de executor de tarefas determinadas por alguém (em diversos pontos
citado como “eles”). Talvez, esta situação seja fruto de uma ação orquestrada pelos próprios
bancos, no sentido da centralização das decisões estratégicas, e unificação do discurso
institucional. Assim, pode-se retomar a Teoria Clássica da Administração, afirmando que este
achado reforça a separação do planejamento e da execução. Ora, uma aparente contradição
pode ser notada entre os dois primeiros achados, entretanto, perfeitamente ligados, pois a
separação entre execução e planejamento está cada vez mais clara, porém, a função de
planejamento não está mais sob a alçada do gerente.
90
Outro achado deste estudo é que o gerente tornou-se um vendedor de produtos do
banco e responsável pela imagem externa da agência (junto à comunidade). A partir da
meta estabelecida, o gerente passa para a função de executor das vendas, ou melhor, como
representante dos vendedores, que são os bancários. Assim, o gerente necessita buscar
amparo na equipe para realização de suas atividades, que se define como outro achado da
pesquisa. Neste ponto se inverte a lógica de que o gerente é o comandante da equipe,
exercendo o poder sobre ela. Como prevê Foucault (2012), o poder está nas relações, e na
lógica atual das agências bancárias, são os bancários que definem se o gerente terá sucesso ou
não em suas metas. Assim, cabe ao gerente o papel de motivador e treinador dos funcionários,
pois eles é que exercem o poder da realização das atividades sobre o gerente. Há de se
destacar, ainda, que o sistema reforça a separação hierárquica, pois as metas estabelecidas
para a agência são redistribuídas para os setores, garantindo que todos estarão vinculados (e
engajados) com o cumprimento das metas. Assim, reforça-se a citação inicial de que “nunca
foi tão fácil engajar pessoas” (SIGOLLO, 2014, s/p.), pois o indivíduo na agência se sente
“livre” do gerente, porém totalmente submetido ao sistema.
Outro ponto que merece destaque é que o gerente não detém a informação. Sob o
argumento de transparência e disseminação das informações, os bancos tornaram acessível ao
público interno todas as normas, procedimentos, direitos, padrões de atendimento e de
conduta, o que tornou os gerentes reféns de toda essa informação. Então, sendo que a
informação também é poder, o gerente perde sua importância no mesmo ritmo em que os
funcionários ampliam seu acesso à informação.
Há, também, a completa sujeição ao sistema de estabelecimento e controle de
metas por parte dos gerentes de agência, que, retira do gerente a função de planejador, e o
coloca na posição de executor vigiado e controlado. Diante disso, pode-se concluir que o
poder está no sistema, que estabelece, informa, gerencia, mostra, vigia, controla, solicita. Em
todos os discursos, o sistema aparece de forma direta e indireta, penetrando nas atividades e
na organização do trabalho. Talvez, este achado responda à inquietação levantada pelo
pesquisador da citação do “eles”. Quem são “eles”? Uma possível resposta é que o “eles” são
todos os controles do sistema, que não possuem um ponto único de partida, mas sim que
condensam todas as estratégias da empresa, e que tornam o trabalho bancário uma atividade
monótona, desprovida de concepção e sem um ponto central de poder que não seja o próprio
sistema.
Nesta perspectiva, o gerente passa a ser visto, vigiado e monitorado por todos, pois
como executor, ele se encontra na linha de frente do atendimento, perdendo seus privilégios,
91
como uma sala separada ou um ambiente diferenciado. Estando a mesa do gerente lado a lado
às mesas dos bancários, o gerente se iguala, e perde parte de seu status. Da mesma forma, o
sistema (“eles”) expõe o gerente aos seus subordinados (bancários), seus pares (outros
gerentes) e superiores (a superintendência), pois mostra o atingimento, e principalmente o não
atingimento, das metas estabelecidas. Sendo assim, o gerente se encontra em uma situação
delicada, pois é refém do sistema, vigiado e controlado pelo sistema, e só pode contar com a
sujeição de forma voluntária de sua equipe. Cada vez mais, o gerente precisa rever sua forma
de gestão de equipes, pois se mostra uma de suas únicas alternativas ao contexto apresentado.
Diante de tudo isso se pode afirmar que é possível analisar o contexto da inserção
da tecnologia na função do gerente de agência bancária pela teoria do panóptico digital.
Os detentos do panóptico podem ser associados aos bancários; os vigias da torre podem ser
representados pelos gerentes de agência bancária; e a torre central pode ser representada pelo
sistema. De acordo com essa associação, a citação de Bentham (2008) e de Foucault (2014)
ganha força, pois é possível vigiar os que vigiam, ou ainda guardar os próprios guardas. O
gerente de agência bancária, conforme citado neste estudo, deixa a posição de controlador
para se submeter ao controle do sistema, se tornado uma peça da engrenagem do panóptico
digital nos bancos. Este achado corrobora o trabalho realizado por Pereira, Segre e
Nascimento (2013) que citam que a torre fixa do panóptico agora é substituída pelas TICs,
ampliando sua abrangência. Esta ideia pode ser considerada uma implicação teórica da
pesquisa, pois reforça a teoria dos autores do panóptico, bem como confirma a teoria do
panóptico digital. Pode-se ir além quando se realiza a vinculação com a Teoria Clássica da
Administração, pois ela previa a separação entre os executores e os que planejam, reforçando
a presença e a importância do gerente. Este estudo demonstrou que a Teoria Clássica da
Administração não pode ser aplicada neste contexto, pois a importância maior está no sistema
e não no gerente.
No campo gerencial, este estudo apresenta relevantes implicações. O ponto de partida
deste estudo foi a inserção da tecnologia nas empresas, o que foi confirmado pela pesquisa
empírica. Entretanto, o resultado surpreende pela amplitude de alcance da tecnologia, pois
muito mais do que controles técnicos, a tecnologia está presente em praticamente todas as
rotinas de trabalho do gerente de agência bancária. Esta aparente onipresença do sistema é
destacada, inclusive, na concepção do trabalho, afetando o modo de fazer, o sentido do fazer,
e o sentido do trabalho. Como citado no início deste estudo, entende-se que o setor bancário é
um dos setores que mais investe em tecnologia, e um dos setores que desenvolve estratégias
92
de gestão de forma pioneira. Portanto, estudar o setor bancário pode indicar o rumo dos
demais setores, no médio e longo prazo.
Reforça-se esse argumento quando se observa a pró-atividade que o sistema exige dos
bancários. O sistema desenvolvido ao longo dos últimos anos analisa o banco de dados, cruza
informações, relacionando aos produtos que o banco oferece, e fornece ao bancário uma lista
de clientes potenciais para determinado produto. Esta prática, já tradicional nos bancos, tem
aparecido (em menor proporção) em algumas empresas de outros ramos. Portanto, existe a
possibilidade que seja o padrão de trabalho em diversos setores, crescendo na medida em que
estes setores possam investir em tecnologia de coleta e armazenamento de dados, e
cruzamento de informações.
Outra implicação gerencial é a indicação de que os dados coletados e armazenados
pelas empresas devem apresentar absoluta fidedignidade e correção. Ao longo dos próximos
anos, diversos setores investirão em tecnologia da informação e necessitarão de dados
confiáveis para suas análises. Nos bancos, a confiabilidade dos dados já é prática comum,
tanto pela exigência da legislação, como para adequação a normas internacionais (como os
Acordos de Basiléia), e pela necessidade de prospecção de novos clientes. Neste ponto, pode-
se afirmar que a confiabilidade do sistema aumenta sua assertividade.
Relacionado ao poder do gerente, esta pesquisa indica que os gerentes de agências
bancárias têm observado uma relativa diminuição de sua importância, na unidade em que
atuam, na mesma medida em que cresce a importância do sistema. Sendo assim, é possível
vislumbrar um gerente sendo responsável por mais de uma unidade, ou até mesmo uma
unidade sem gerente. Nos dois casos, o sistema de informática pode garantir que o trabalho
seja executado da maneira como planejado. Ainda, outra tendência observada é o surgimento
das equipes autogerenciadas, nas quais os próprios funcionários gerenciam suas atividades,
sem a necessidade de um gerente responsável. Neste ponto, a questão mais importante é se as
equipes autogerenciadas significam que não há gerente, ou então que todos são os gerentes. O
poder não está na hierarquia como previa a Teoria Clássica da Administração, mas o poder
está na estrutura (digital e das relações), como previa a Teoria Estruturalista. Diante desta
inquietação surge uma sugestão de pesquisas futuras quanto às equipes autogerenciadas, e
como se estabelecem as relações de poder em uma estrutura flexível e livre de hierarquia.
Alguns estudos relatam experiências de equipes autogerenciadas, como Alievi e Antinarelli
(2015) e Hamel (2011).
Por certo esta pesquisa não objetivou encerrar as discussões e os estudos sobre a
inserção da tecnologia nas organizações. Como incitação ao tema, e a novas pesquisas, este
93
estudo atingiu seus objetivos. Entretanto cabe citar uma limitação deste estudo: a teoria
escolhida. Optou-se por observar o fenômeno da inserção da tecnologia no trabalho do
gerente de agência bancária pela “lente” do panóptico de Bentham e Foucault, o que se
mostrou perfeitamente coerente. Porém, este fenômeno poderia ser analisado por outras
abordagens que, provavelmente, também conseguiriam achados significativos.
É preciso citar, também, o tipo de pesquisa utilizado. Optou-se pelo método
qualitativo, com triangulação de dados, a partir da realização de entrevistas e observações. A
triangulação dos dados reforça o caráter científico desta modalidade de pesquisa, pelo seu
caráter profundo de análise e entendimento. A pesquisa utilizou a análise de discurso, de
maneira que todas as intenções dos respondentes foram analisadas, e não apenas a fala.
Assim, entende-se que o método utilizado possibilitou importantes achados, sendo um ponto
forte deste estudo.
Finalmente, pode-se observar no discurso dos gerentes uma busca pela manutenção de
seu status do gerente, o que dificultou o entendimento do fenômeno da inserção da tecnologia
no trabalho do gerente. Portanto, pode haver coisas que não foram citadas pelos gerentes de
agência bancária. Fica, então, a sugestão para que em uma pesquisa futura se busque
informações junto aos funcionários quanto ao poder dos gerentes. Talvez, o funcionário que
observa o trabalho do gerente no dia a dia auxilie no entendimento do panóptico digital no
trabalho dos gerentes de agência bancária. Neste sentido, a pesquisa não buscaria entender a
percepção dos gerentes quanto ao seu próprio poder, mas sim a percepção dos funcionários
quanto ao poder dos gerentes. Ainda, sugere-se a aplicação de estudos similares a este, em
outras organizações que apresentem grandes investimentos em tecnologia na gestão, como as
empresas de softwares, equipamentos eletrônicos e inclusive de vendas diretas, como é o caso
de cosméticos.
Outra sugestão de pesquisa futura é o entendimento de como as estratégias são
calculadas pelo sistema informatizado. A ciência da computação é uma área que vem
experimentando significativos avanços, mas deve haver um centro onde as estratégias são
traçadas e pensadas. Um estudo nos bancos, em seus patamares mais elevados, como
diretorias, poderia auxiliar no entendimento deste fenômeno, pois se não houver um gestor
que elabore estas estratégias, se vislumbra um futuro no qual o poder não será exercido pelo
gestor, mas sim pelo programador do sistema. Ora, não há inocência em todas essas alterações
citadas, pois a economia de mercado em que vivemos pressiona as organizações a se tornarem
mais eficazes e produzirem mais com menos recursos. Portanto, a inserção da tecnologia no
ambiente organizacional é um caminho sem volta e que se ampliará nos próximos períodos. O
94
desafio, então, é a reflexão de como essas alterações podem ser gerenciadas com o objetivo de
diminuir os impactos negativos e ampliar os impactos positivos sobre os funcionários e sobre
os gerentes.
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138f. Tese (Doutorado em Administração) - Programa de Pós-Graduação em Administração –
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APÊNDICES
101
APÊNDICE 1 – ESTUDOS CORRELATOS
Quadro 2 - Estudos correlatos
NR. ANO TÍTULO DO ESTUDO AUTOR PERIÓDICO MÉTODO
UTILIZADO CONTRIBUIÇÕES
01 2015
Electronic Monitoring
and Surveillance in the
Workplace: The effects
on trust in management,
and the moderating role
of occupationl type
HOLLAND, P.
J.; COOPER, B;
HECKER, R.
Personnel
Review
(Impact
Factor 0.921)
Estudo quantitativo
com dados de 500
trabalhadores,
retirados da
pesquisa Australian
Electronic
Workplace, de 2012
As análises de regressão identificou que o
monitoramento e a vigilância eletrônica tem, em
média, uma relação negativa com a confiança na
gestão. O estudo constatou a relação entre
monitoramento eletrônico e vigilância e confiança na
gestão só foi evidente para os trabalhadores manuais.
02 2012
Capitalism or
Information Society?
The fundamental
question of the present
structure of society
FUCHS, C.
European
Journal of
Social Theory
(Impact
Factor 0.679)
Ensaio teórico com
dados secundários
acerca da tecnologia
da informação e
comunicação
internacional
Não se pode centrar na noção de que forças
informacionais governam a sociedade, pois vivemos
no capitalismo. Porém, as forças produtivas
informacionais entram em conflito com as relações de
produção capitalista, como em compartilhamento de
arquivos na internet, propriedade intelectual, softwares
livres.
03 2012
Deconstructing the
Manager: Discourses of
power and resistance in
popular cinema
PANAYIOTOU
, A.
Equality,
Diversity and
Inclusion: An
International
Journal
(Impact
Factor 0,383)
Analisa a formação
discursiva de
administradores e
empregados em
filmes populares
A análise revela dois discursos aparentemente
concorrentes que cercam as representações de gestores
que englobam tanto uma descrição do poder e a
resistência a este poder. Neste sentido, tanto para
gestores quanto geridos, a construção do poder é
altamente contextual e aberto a mudanças.
04 2012 Social Implications of
Technology: The past,
STEPHAN, K.
D.; MICHAEL,
Proceedings
of the IEEE
Revisão
bibliográfica crítica O texto examina algumas tecnologias e seu impacto na
sociedade. Preveem-se implicações sociais, inclusive
102
the present, and the
future
K.; MICHAEL,
M. G.; JACOB,
L.; ANESTA, E.
P.
(Impact
Factor 1,908)
com a relação entre tecnologia e a mente humana, o
que pode levar a uma humanidade redesenhada: a
tecnologia se tornaria sociedade.
05 2011
The Counter-Control
Revolution: “Silent
control” of individuals
through dataveillance
systems
ORITO, Y.
Journal of
Information,
Communicatio
n & Ethics
Society
(Impact
Factor 0,155)
Análise de business
cases
Intencionalmente ou não, a arquitetura de sistemas de
vigilância determina que tipos de informação que um
indivíduo pode acessar ou receber. Isto significa que a
classificação social ocorre com base no processamento
de informações pessoais pelos sistemas; e, como
resultado, a liberdade intelectual dos indivíduos
poderia ser restringida sem ele perceber que isso está
acontecendo. O mesmo ocorre em organizações
empresariais, em que não são os indivíduos que
controlam os tipos de informação que irão adquirir e
transmitir, mas sim a organização.
06 2010
„Invisible Walls‟ and
„Silent Hierarchies‟: A
case study of power
relations in an
architecture firm
BROWN, A. D.;
KORNBERGE
R, M.; CLEGG,
S. R.; CARTER,
C.
Human
Relations
(Impact
Factor 2,398)
Estudo de caso em
uma empresa de
arquitetura
O estudo revela que criatividade e identidade criativa
dos arquitetos pode ser compreendida como efeitos do
poder. Os autores sugerem ampliar o debate com
outros profissionais de serviços da “imaginação”.
07 2010
Living in the Control
Society: Surveillance,
users and digital screen
technologies
BEST, K.
International
Journal of
Cultural
Studies
(Impact
Factor 0,459)
Pesquisa qualitativa
por meio de
entrevistas
A vigilância eletrônica ainda é percebida como um
local específico; Vigilância eletrônica é percebida
pelos entrevistados como algo inevitável, e que não
necessita consentimento.
08 2010 Panopticon Revisited KIETZMANN, Communicatio
ns of the ACM Revisão
O texto aproxima o conceito de panóptico de Bentham
e Foucault à inserção de câmeras de vigilância e outros
103
J.; ANGELL, I. (Impact
Factor 2,763)
bibliográfica equipamentos tecnológicos.
09 2010
Self-managed Work
Teams: An enabling or
coercive nature
PROENÇA, T.
The
International
Journal of
Human
Resource
Management
Estudo de caso em
duas empresas
industriais
portuguesas
O artigo examina a natureza das equipes
autogerenciadas, discernindo uma dupla face
habilitação e coercitiva.
10 2010
The Post-panoptic
society? Reassessing
Foucault in surveillance
studies
CALUYA, G.
Social
Identities
(Impact
Factor 0,718)
Revisão
bibliográfica crítica
O texto sugere que a teoria de Foucault pode auxiliar
no entendimento do contexto atual de vigilância
eletrônica.
11 2007
From Taylorism to the
Omnipticon: Expanding
employee surveillance
beyond the workplace
SPRAGUE, R.
D.
Journal of
Computer &
Information
Law
Revisão
bibliográfica
O texto trata da privacidade e tecnologia no local de
trabalho. Determinar se um empregador tenha
invadido a privacidade do funcionário envolve um
equilíbrio entre a expectativa razoável do empregado
de privacidade e necessidade comercial legítima do
empregador para a intrusão (mais a exigência
secundária pelo delito de ingerência na vida privada
que a intrusão deve ser altamente ofensivo para um
razoável pessoa).
12 2007
Transforming Power:
Expanding the
inheritance of Michel
Foucault in
Organizational Studies
DIXON, M. A.
Management
Communicatio
n Quarterly
(Impact
Factor 2.085)
Ensaio teórico
A teoria de Foucault é pertinente aos estudos
organizacionais. As relações voluntárias, muitas vezes
não relacionadas à tarefa são poderosas na vida
organizacional.
104
13 2006
Changes in Managerial
Work: Tech Managers
at Dotcom
AKELLA, D.
Global
Business
Review
(Impact
Factor 0.211)
Estudo de caso em
uma empresa de
software (Dotcom),
na Índia
Existem alterações no trabalho dos gerentes. O Papel
do gerente é de guia, líder ou treinador, que manipula
sutilmente os funcionários dando-lhes a ilusão de
“auto” motivação e “auto” controle. Computadores e
tecnologia se tornaram essenciais para o desempenho
de suas funções, que se restringem a comunicação com
os funcionários.
14 2006 Michel Foucault in the
Social Study of ICTs
WILLCOCKS,
L. P.
Social Science
Computer
Review
(Impact
Factor 1,364)
Revisão crítica
bibliográfica
Potencial de utilização de Foucault na reconstrução do
crescente interesse na gestão do conhecimento apoiada
nas TICs e sistemas relacionados, auxiliando na
compreensão do controle na modernidade líquida.
15 2006
Technologies of The
Self: Virtual work and
the inner panopticon
JACKSON, P.;
GHARAVI, H.;
KLOBAS, J.
Information
Technology &
People
(Impact
Factor 0,530)
Estudo de caso em
uma empresa de
engenharia
Escandinávia
Verificou-se que a totalidade dos modos de relações de
poder que operam sobre os trabalhadores virtuais de
conhecimento neste estudo de caso compreende um
conjunto complexo e sofisticado de controle e
restrição. Embora observações iniciais indiquem que o
controle é restrito a um pequeno conjunto de controles
diretos, a pesquisa leva a observação de uma teia
complexa, penetrante de restrições integradas e
sobrepostas que emanam do panóptico externo e
interno.
16 2004
„My Own Utopia‟. The
economics of Bentham‟s
Panopticon
GUIDI, M. E. L.
The European
Journal of the
History of
Economic
Thought
(Impact
Revisão
bibliográfica
O texto discute a teoria do panóptico de Bentham e
seus aspectos mais controversos. O receio desta utopia
totalitária da sociedade de controle é explicitada.
105
Factor 0;237)
17 2004
Surveillance
Technology, Privacy
and Social Control
KIM, M.
International
Sociology
(Impact
Factor 0,812)
Estudo de caso
sobre o Cartão
Nacional de
Identificação
Eletrônica, na
Coréia do Sul
Ocorre a dependência de tecnologias de vigilância
sofisticadas, discretas, e “menos” ilegal. O indivíduo
escolhe “dar” poder às tecnologias de controle.
18 2003 A Diagram of Panoptic
Surveillance ELMER, G.
New Media &
Society
(Impact
Factor 2,007)
Ensaio teórico
Este artigo critica uma série de recentes tentativas de
delinear uma teoria contemporânea de vigilância
panóptica. Inspirando-se na obra de Foucault, Varela,
Deleuze e Guattari, uma teoria esquemática de
vigilância é desenvolvido, uma que questiona a
interligação entre consumo, vendas, distribuição e
dados de produção.
19 2003
Foucault‟s Theory of
Governance and the
Deterrence of Internet
Fraud
BERESFORD,
A. D.
Administratio
n & Society
(Impact
Factor 0,687)
Ensaio teórico e
observação de
grupos e sites da
internet
A teoria de governança de Foucault pode definir o
individualismo e o ambiente social relacionado a
fraudes realizadas pela internet
20 2003
The End of
Management?
Managerial pasts,
presents and futures
MORRIS, J.;
REED, M.
Management
Research
News (Impact
Factor 0,385)
Revisão
bibliográfica
Os estudos sugerem alterações na função do gerente,
com implicações em sua identidade profissional.
21 2003
Trust me, I‟m Your
Boss: Trust and power
in supervisor-supervisee
communication
WILLEMYNS,
M.; GALLOIS,
C.; CALLAN,
V. J.
The
International
Journal of
Human
Resource
Pesquisa
quantitativa com
157 indivíduos que
trabalhavam, e que
são estudantes de
Embora possa ser ilusório acreditar que qualquer
organização pode desfrutar de total confiança entre
gestores e colaboradores, está claro que certas
características de comunicação podem resultar em
maior confiança, até mesmo, em algum grau, dentro
106
Management
(Impact
Factor 0,916)
psicologia das limitações de fatores organizacionais.
22 2002
Foucault,
Foucauldianism and
Human Resource
Management
BARRATT, E.
Personnel
Review
(Impact
Factor 0,744)
Ensaio teórico
O texto analisa a capacidade da teoria de Foucault em
analisar a administração de recursos humanos. O autor
sugere que a gestão pode utilizar a teoria de disciplina
e engajamento.
23 1997
The Future Role of Bank
Branches and Their
Managers: Comparing
managerial perceptions
in Canada and Spain
MOUTINHO,
L.; DAVIES, F.;
DENG, S.;
PERIS, S. M.;
ALCANIZ, J. E.
B.
International
Journal of
Bank
Marketing
(Impact
Factor 0,523)
Pesquisa
quantitativa com
gerentes de
agências bancárias
no Canada e
Espanha
As agências bancárias não desapareceram, mas
evoluíram para atender o novo contexto. O papel do
gerente também foi modificado. Os resultados indicam
claramente que os gerentes de agências bancárias estão
colocando ênfase na gestão de recursos humanos e
comportamento organizacional em termos de
motivação contínua dos funcionários, bem como sobre
os programas de formação eficazes para a equipe e a
gerência.
Fonte: Dados da pesquisa (2015).
107
APÊNDICE 2 – ROTEIRO DA ENTREVISTA
Qual a sua idade?
Qual o seu tempo de banco?
Qual o seu tempo como gerente de agência?
Quadro 3 - Roteiro da entrevista
Categoria Componente da
categoria Pergunta
A
materialização
do poder do
panóptico
digital
A diferenciação
interna dos
bancários
1. Qual a diferença entre o trabalho do bancário e do gerente de
agência?
2. Os bancários possuem o mesmo acesso à informação que o
gerente?
Privilégios e
funções do
gerente
3. Como é o trabalho do gerente de agência bancária,
atualmente?
4. Quais os privilégios do gerente de agência bancária, em
relação aos bancários?
Os meios de
exercício do poder
5. Como a argumentação do gerente influencia o trabalho dos
bancários da agência?
6. Como é o domínio das normas e procedimentos pelo
gerente?
7. Como é o controle dos recursos econômicos administrados
pela agência?
8. Como é o controle dos processos burocráticos na agência?
Os dispositivos
do poder do
panóptico
digital
A organização dos
indivíduos no
espaço
9. Como funciona a distribuição das mesas de trabalho no
espaço da agência?
10. Como funciona a separação dos setores na agência?
11. A localização da mesa do gerente atende a algum critério?
O controle sobre o
tempo
12. Como funciona a distribuição das atividades na agência?
13. Há controle do tempo das atividades desenvolvidas pelos
bancários? Quem controla?
A vigilância
14. Há vigilância sobre os bancários? Quem vigia?
15. A quem os bancários prestam conta de seu trabalho? E na
ausência do gerente?
16. Como se dá a vigilância por parte do Superintendente?
O registro
contínuo do
conhecimento
17. Como se dá o registro dos conhecimentos dos bancários?
18. A quem os bancários informam sobre dados e informações
dos clientes?
Os dispositivos
disciplinares
O olhar
hierárquico
19. Como é o funcionamento da hierarquia? Como ele age?
20. Como o sistema de informação auxilia na vigilância
hierárquica?
A sanção
normalizadora
21. Qual o papel do gerente nos processos disciplinares?
22. Há alguma sanção quando do não atingimento de metas por
parte dos bancários? E dos gerentes?
O exame 23. Como é realizado o controle de metas da agência?
24. Como é realizado o controle quanto aos procedimentos
internos (controles internos – raiting)?
Fonte: Elaborado pelo autor (2015).
108
APÊNDICE 3 – CARACTERIZAÇÃO DOS ENTREVISTADOS
Quadro 4 - Caracterização dos entrevistados
Idade
(anos)
Tempo de
banco
(anos)
Tempo de
gerente geral
(anos)
Sexo Município de
localização da agência
Instituição
Gerente 1 53 26 14 Masc. Marau RS Pública
Gerente 2 35 15 5 Masc. Marau RS Economia mista
Gerente 3 28 9 4 Masc. Passo Fundo RS Pública
Gerente 4 34 9 4 Masc. Passo Fundo RS Pública
Gerente 5 45 24 12 Masc. Carazinho RS Privada
Gerente 6 54 26 18 Masc. Marau RS Pública
Gerente 7 36 12 4 Fem. Passo Fundo RS Pública
Gerente 8 51 22 8 Masc. Passo Fundo RS Privada
Gerente 9 55 32 13 Masc Passo Fundo RS Economia mista
Gerente 10 47 21 8 Masc. Casca RS Pública
Gerente 11 58 28 7 Fem. Passo Fundo RS Pública
Gerente 12 32 13 2 Masc. Marau RS Privada
Gerente 13 35 10 3 Masc. Passo Fundo RS Privada
Gerente 14 52 30 14 Masc. Passo Fundo RS Economia mista
Fonte: Dados da pesquisa (2015).