FUNÇÕES DE LINGUAGEM, PRÁTICAS LINGÜÍSTICAS E SUAS RELAÇÕES COM O ENSINO DE MATEMÁTICA.
Rubens Vito1
Ana Márcia Fernandes Tucci de Carvalho2
RESUMO
A interação humana está em função de premissas comunicacionais e ocorre de acordo com o nível de comunicação que as partes se esforçam por estabelecer durante o processo. Etimologicamente, o ato de comunicar está relacionado ao fato de tornar algo comum, conhecido, que encontrou no uso da linguagem fator de destaque, fazendo com que esta preponderasse sobre os demais modos. Apesar disso, a comunicação em si, é falha. Tem-se, portanto, na linguagem humana, a capacidade de comunicação que tenta se estabelecer por meio de uma língua. Ainda assim, se a linguagem é importante porque visa embasar as ações comunicativas humanas que se desenvolvem naturalmente, tanto mais terá que ser no processo de ensino e aprendizagem, uma vez que, além de ato proposital, ele se desenvolve prioritariamente pela sua utilização, destacando-se ampla e notoriamente, as formas: falada e escrita, não anulando, entretanto, outras formas. A eficácia deste, está em função da qualidade e objetividade daquela. A matemática, como linguagem, tem suas exigências para leitura, compreensão e operacionalidade. Para analisar as dificuldades de entendimento, os desencontros lingüísticos presentes nos enunciados matemáticos e as exigências da linguagem matemática, procedeu-se à filmagem de aulas em três turmas de primeira série, nos turnos matutino e vespertino, do ensino médio do Colégio Estadual Presidente Castelo Branco, ensino médio, normal e profissional, em Toledo, PR. A pesquisa, de cunho qualitativo, teve o intuito de fornecer dados sobre as práticas lingüísticas adotadas pelos professores das respectivas séries. A configuração dessas práticas permitiu classificar as funções de linguagem empregadas e analisar suas implicações no processo de ensino.
Palavras-chave: Educação Matemática. Ensino-Aprendizagem. Linguagem. Entendimento.
1 Mestre em Educação. Docente da rede pública estadual de ensino. Participante do PDE-2008.2 Doutora em Educação Matemática. Docente da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE – Centro de Engenharias e Ciências Exatas – Foz do Iguaçu – PR. Orientadora do PDE.
ABSTRACT
The human interaction is on the basis of assumptions, and communication occurs in accordance with the level of communication that both parts strive to establish during the process. Etymologically, the act of communicating is related to the fact of becoming something common, known. The act of communicating, found in the use of the language a highlighted factor, prevailing over other models. Nevertheless, the communication itself fails. It is therefore in human language that communication skills is supposed to establish by means of a language. Still, if the language is important because it aims to base human communicative actions that develop naturally, the more it has to be in the process of teaching and learning, because besides being proposital, it is mainly developed through its application highlighting widely and notoriously, the forms: spoken and written, not canceling, however, other forms. The effectiveness of it, depends on the quality and objectivity of that. The mathematics, just like any other language, has its requirements for reading, understanding and operational. To examine the difficulties of understanding, the disagreements in linguistic and mathematical language present in the mathematical statements and the requirements of the mathematical language, three classes from the first series have been observed, in the morning and in the afternoon shifts. Classes from high school (Presidente Castelo Branco School)Toledo city, State of Paraná. The research, aiming quality, had the objective to provide data about linguistic practices adopted by teachers of the classes mentioned before. The configuration of these practices allowed to classify the functions of the language used and analyze its implications in the teaching process.
Keywords: Mathematics Education. Teaching-Learning. Language. Understanding.
Introdução
Sabe-se que as linguagens são faculdades humanas que possibilitam às
pessoas expressarem seus pensamentos. As palavras utilizadas na sonoridade
da fala, os gestos, e, dentre tantos outros, os símbolos - considerando
particularmente aqueles da matemática - todos são formas normalmente usadas
pelas pessoas com a finalidade de tentar estabelecer alguma forma de
comunicação entre si. Essas faculdades não apareceram prontas,
desenvolveram-se concomitantemente com a própria evolução humana, tendo
surgido, segundo JESPERSEN, citado por CASSIRER (1977, p. 187), quando a
“comunicabilidade prevaleceu sobre a exclamação”. Passando por um processo
de aprimoramento, estruturação e especificidade, formaram os discursos.
De acordo com o empreendimento comunicacional manifestado, há
possibilidade da interação humana ocorrer, e esta, pressupõe reciprocidade de
ações entre participantes, condicionada aos níveis de comunicação
estabelecidos. Como o processo de ensino e aprendizagem acontece sobre
bases comunicacionais e, como ato proposital que é, exige sua pseudo
eficiência, ou seja, o estabelecimento de um processo/nível de comunicabilidade
é condição pensada sine qua non para a legitimidade da prática pedagógica.
Sobre os estudos referentes à linguagem, considerou-se, entre outras, a
vertente estruturalista, tendo em Jakobson, um de seus representantes. De
acordo com Zuchi (2004), espelhada em Jakobson:
Para que ocorra a comunicação faz-se necessária a presença de elementos considerados fundamentais para a concretização da mesma. Estes elementos são: o emissor, alguém que transmite a mensagem; o receptor ou destinatário, a quem a mensagem se dirige; a mensagem, informação que se pretende transmitir; o código, um conjunto comum ao emissor e ao destinatário formado por elementos e regras que permitem o entendimento da mensagem; o referente, que envolve o assunto, a situação entre emissor e o destinatário e o contexto lingüístico da mensagem; o canal, meio físico para transmitir a mensagem e conexão psicológica que leva o destinatário a se interessar pelo que transmite o emissor e procurar entender a mensagem transmitida. (ZUCHI, 2004, p. 50)
Ainda para esta autora, há considerações extras e relevantes:
[...]é mister uma perspectiva sumária dos fatores constitutivos de todo o processo lingüístico, de todo ato de comunicação verbal. O remetente envia uma mensagem ao destinatário. Para ser eficaz, a mensagem requer um contexto a que se refere (ou “referente”, em outra nomenclatura algo ambígua) apreensível pelo destinatário, e que seja verbal ou suscetível de verbalização; um código total ou parcialmente comum ao remetente e ao destinatário (ou, em outras palavras, ao codificador e ao decodificador da mensagem); e finalmente, um contato, um canal físico e uma conexão psicológica entre o remetente e o destinatário, que os capacitem a entrarem e permanecerem em comunicação. (ZUCHI, 2004, p. 50).
Por isso, configurar as práticas comunicacionais, pelas funções
lingüísticas utilizadas pelos professores sujeitos da pesquisa e analisar suas
implicações na eficácia do processo de ensino, representou o esforço
empreendido no sentido de compreender como essas ações se desenvolveram,
quais foram seus fatores limitantes, como os desencontros lingüísticos
interferiram no processo e que alterações podem ser sugeridas para seu
aprimoramento.
Considerou-se também, CHALHUB (2000), fundamentada em Jakobson,
para tratar das condições e funções da linguagem; e outros referenciais teóricos
como: ORLANDI (2001) e MAINGUENEAU (1997) para os procedimentos de
uma análise de discurso; OTTE (1993) e ALTET (2000) para analisar as
particularidades da linguagem e da linguagem matemática e, HABERMAS
(1982, 1988 e 1989) pelos escritos sobre conhecimento e interesse e pela teoria
da ação comunicativa, infirmando respectivamente sobre a existência de
interesses que comandam os conhecimentos e trazendo uma pragmática
possibilidade comunicativa baseada no acordo entre sujeitos lingüística e
interativamente competentes.
Funções de linguagem e situações de ensino
Sobre as funções de linguagem e as situações de ensino, CHALHUB
(2000), reforça que no estabelecimento dos atos comunicacionais, todos os
elementos constituintes devem estar presentes, como condição de utilização,
base geradora dos mesmos, possibilitando a construção de uma variedade de
práticas lingüísticas, com finalidades próprias. Cada um desses elementos
determina um tipo de função de linguagem, que se apresenta, denominado,
segundo ela, do seguinte modo: função referencial, emotiva, conativa, fática,
poética, e, função metalingüística.
Ainda para esta autora, conforme onde cada função de linguagem se
centraliza, pode ocorrer um emprego específico. Assim, por exemplo:
Se a ênfase estiver no emissor, a função de linguagem estabelecida será
a emotiva, que tem como característica principal revelar suas emoções, seu
“estado de espírito”, propriamente. O emissor fala dele para ele mesmo, num
verdadeiro monólogo.
Se a ênfase e a preocupação do emissor estiver no receptor ou
destinatário, estando a mensagem direcionada exclusivamente para ele, a fim
de provocar-lhe mudança de atitude, a função será a conativa. A intenção é
convencê-lo a ter determinado tipo de comportamento, vindo a adquirir algo, por
exemplo. È apelativa, típica da publicidade e da propaganda.
Aspecto diferente tem-se com a função fática, pois esta, caracteriza-se
pelo fato de a mensagem centrar-se no suporte físico, no canal. O objetivo
desse tipo de mensagem é testar o canal, é prolongar, interromper ou manter a
comunicação com o receptor, não efetivamente no sentido de informar
significados. São repetições ritualizadas, quase que balbúcios, gagueiras,
cacoetes de comunicação (mesmo gestuais), fórmulas vazias, convenções
sociais de superfície, testando assim, a própria comunicação. Tipicamente
encontrada nos cumprimentos pessoais.
A função poética é observada sempre que se enfatiza a elaboração da
mensagem. O texto é construído pelo remetente mediante escolha precisa das
palavras. É típica dos poemas, sendo encontrada também na prosa e, às vezes,
nos anúncios publicitários.
A função metalingüística é aquela que utiliza o código da mensagem
para explicar a ele próprio, privilegiando-o. Esta é a que predomina nos
discursos didáticos. Por exemplo: um texto matemático que explique
matemática contempla este tipo porque utiliza a matemática para explicar a si
mesma.
Para a função referencial, também citada como denotativa, informativa
ou cognitiva, a ênfase é a comunicação pura e simples. Está centrada no
assunto ou referente, tendo como prioridade e preocupação constante a clareza
da mensagem. O emissor se limita a informar, fazendo uso da terceira pessoa
do discurso, propondo uma descrição do contexto. O seu objetivo é traduzir a
realidade, informando ao destinatário, com exatidão, aquilo que se quer
transmitir. É típica dos textos científicos e jornalísticos.
Se for constatado, por exemplo, que os discursos/falas empregados por
professores estão amplamente impregnados da função emotiva da linguagem, e,
sendo esta função, característica da primeira pessoa, apresentará ênfase em
adjetivos, advérbios e pontos de vista empregados pelo emissor. Portanto, não
será a mais apropriada para utilização freqüente no processo de ensino e
aprendizagem, uma vez que este tentará ser intencional em toda a sua duração,
exigindo que se procure considerar na totalidade do discurso/fala, o estudante
como receptor e aquele que irá se apropriar da mensagem para desenvolver
qualitativa e quantitativamente os elementos de sua estrutura cognitiva,
ampliando suas possibilidades de aprendizagem. Isto, sabe-se, é impossível
ocorrer, mas mostra-se desejante.
Apesar de todas as alternativas de comunicação existentes, das funções
que desempenham, dos objetivos a que se destinam, predominam, para o
universo da sala de aula, as formas orais e escritas, fato corroborado também
por Altet, quando escreve:
as finalidades do ensino mudaram, mas o acto de ensinar continua a desenrolar-se entre um professor e os alunos, no microsistema de uma sala de aula e pelo discurso pedagógico. Assim, qualquer que seja a sua finalidade, podemos definir o ensino como um processo interpessoal, intencional, que utiliza essencialmente a comunicação verbal, o discurso dialógico finalizado como meios para provocar, favorecer e garantir o sucesso da aprendizagem. (ALTET, 2000, p. 13).
Por isso, duas funções de linguagem: - a metalingüística, que utiliza o
código da mensagem para explicar a ele próprio e, - a referencial, que se centra
no assunto e tem como prioridade a clareza da mensagem, merecem atenção
especial no desenvolvimento do exercício pedagógico envolvendo
particularmente, a disciplina de matemática.
Práticas pedagógicas
Mediante solicitação feita à direção do colégio e de um termo de
consentimento livre e esclarecido apresentado aos professores e aos estudantes
das turmas consideradas e por eles assinado, algumas aulas foram filmadas.
Dessas filmagens foram feitas transcrições na íntegra e, determinados
trechos considerados interessantes para o desenvolvimento do trabalho, porque
dizem respeito à duração das verbalizações, aos embates argumentativos,
foram analisados. Doravante, P1, P2 e P3, será a denominação de cada docente.
Essas transcrições estão apresentadas a seguir. Após cada transcrição, algumas
considerações foram feitas e, na seqüência, procedeu-se às análises,
embasadas com o respaldo dos referenciais teóricos considerados.
Docência de P1
De uma aula, P1 escreveu: “Potenciação” e listou, no quadro, sete
propriedades dessa operação. Disse: “para a função exponencial tem que
lembrar essas regras básicas. Por isso, é que passei elas (sic) no quadro”. Um
estudante perguntou: “então tem que copiar?”, P1 respondeu: “Isso. Precisa
copiar. Copiem rápido”. Enquanto copiavam, a chamada foi feita pelos seus
respectivos números. Voltando-se para o quadro, P1 escreveu: “Exemplos” e
listou um número de exemplos igual ao de propriedades e, na mesma ordem.
Informando que era uma “introdução para função exponencial”, apontou para as
regras, dizendo: “sete regras básicas”. Com relação à primeira delas, na− =
na
1, disse: “então, o que acontece. Esse a é a base, n, o expoente. Então, toda
vez que se tiver uma potência escrita dessa maneira, a é um número, n, outro
número. Essa é a regra para transformar esse número n num expoente positivo”.
Com relação à segunda propriedade listada, n
m
a = n ma , disse: “esse
aqui, o nosso m e n. Então eu posso passar ele para raiz. Sempre m, n e a vai
ser número. Aqui estão as regras básicas. Vou dar um exemplo. E, apontando
para o primeiro exemplo, 6 – 1, referente à primeira das propriedades listadas,
disse: “eu tenho seis elevado a menos um”. Então, qual é a regra que vou usar”?
A turma respondeu em coro: “a primeira”. Apontando para 16
1, P1 disse: “um
sobre seis elevado a expoente um”. E continuou: “eu posso ter o inverso. Posso
ter um sobre, seis elevado a expoente um e transformar nesse aqui, seis
elevado ao expoente menos um. Então, essas regras aqui são básicas”.
Num momento isolado, resolvendo uma atividade, um estudante pediu
auxílio. P1 disse: “a mesma coisa. Quem é o meu a aqui?”, o estudante disse:
“dois terços”. P1 continuou: “aí o que você vai fazer?”. E, no caderno dele,
escreveu o que falou: “um sobre o meu a que é dois terços elevado a um. Um
sobre. Dois terços elevados a um é dois terços. Quando você tem isso, o que
você faz?”. E respondeu: “conserva a primeira e multiplica pelo inverso da
segunda”.
De outra aula, cujo tema era: “Equações exponenciais”, aula inicial de
assunto, P1 escreveu: “uma equação exponencial é aquela que apresenta a
incógnita no expoente de pelo menos uma potência. São exponenciais, por
exemplo, as equações:” e apresentou alguns exemplos, dentre eles, 2x = 16. E,
em seguida: “um método usado para resolver equações exponenciais consiste
em reduzir ambos os membros da equação às potências de mesma base a, (0 <
a ≠ 1), e daí, aplicar a propriedade: 1xa = 2xa ⇒ 1x = 2x ”.
Continuando, P1 disse: “Pessoal: aquelas propriedades e aqueles
exercícios, quem não terminou, termina em casa. Na próxima aula faremos a
correção. Porque agora, vamos utilizar aquelas propriedades sempre. Equações
exponenciais é só potenciação”. Em seguida, houve a explicação. “Então,
equação exponencial é aquela que apresenta incógnita no expoente”. E, no
quadro apontou para 2x = 16, lendo: “dois elevado a x igual a dezesseis”.
Perguntou: “o que a gente vai procurar?” e P1 mesmo respondeu: “o valor de x”.
Depois: “Como vai ser esse valor de x?”, e, de imediato: “fazendo a
decomposição do dezesseis”. Mais perguntas: “O que acontece?” e, “tem que ter
a mesma?” e mais uma vez, de imediato, a resposta: “ ... base” e reafirmou, “vai
ter que ter a mesma base”. Apontando para o dois elevado a x, perguntou: “que
base tenho aqui?” e a turma respondeu: “dois”. P1 continuou: “então vou ter que
escrever dezesseis na base?”, e, sem demora, “dois.” Após: “decompõe o
dezesseis em fatores primos”, e, “dois elevado a x igual a dois elevado a quarta”,
em seguida, “é a mesma base?”. Da turma, “sim”. Conclusão: “então meu x é
igual a quatro”, assim escrevendo. Seguiram-se outros exemplos.
Considerações da prática de P1
As falas de P1, na maioria das vezes, representam verbalizações da
própria escrita matemática. São leituras diretas dos códigos matemáticos e das
operações que devem ser realizadas, no passo-a-passo resolutivo, até a
obtenção do resultado. Mostram-se diretas e operacionais, procurando atender
apenas, às necessidades do que está sendo apresentado.
Nem sempre se fundamentam nas premissas de serem tradutoras,
decodificadoras da linguagem/simbologia matemática presente, isto é, não estão
explicitadas as preocupações de desvelar o conteúdo/significado desses
códigos. Sua compreensibilidade exige, portanto, que os estudantes já se
apresentem com quesitos como: apropriação de códigos matemáticos,
habilidade de leitura e compreensão dos mesmos e, desenvoltura operacional.
Já esta “prontidão discente” pode, às vezes, não se apresentar do modo e
no patamar que se espera, poderão existir dificuldades de entendimento e, por
conta disso, levar a um comprometimento das aprendizagens, uma vez que as
linguagens utilizadas não se apresentaram de forma organizada, orientada e
ajustada a essas necessidades.
São falas com características da função metalingüística, quando se
apresentam utilizando os códigos da mensagem para explicar a si próprios, mas,
não são metalinguagens na sua plenitude porque o exercício explicativo desses
códigos foi insipiente, uma vez que a prática centrou-se em leituras diretas dos
mesmos.
O modo de pergunta e resposta própria, presente em grande parte do
tempo, até mesmo inconsciente, parece desconsiderar, nesses momentos, a
importância da participação discente, seja como a segunda das partes
fundamentais para o estabelecimento do diálogo, seja como manifestação real
de apropriação do conteúdo apresentado, ou como elemento verificador do nível
de absorção do mesmo e indicativo da necessidade de outras explicações,
sugere uma fala centrada no próprio emissor, portanto, com características da
função emotiva da linguagem.
Docência de P2
Durante o período de filmagem das aulas, a prática de P2 versou sobre o
assunto: “equações logarítmicas”. Como não houve alteração de assunto nesse
transcurso, não houve também, variação significativa de prática. Por isso,
apresentou-se apenas um trecho, que corresponde à solução de uma daquelas
equações. Para o exemplo em pauta, P2 leu o enunciado: “Determine o conjunto
solução das equações” e disse: “vocês têm duas equações aqui”. E, sugerindo
que alguém lesse o enunciado matemático, perguntou: “primeira equação, letra
a, qual é?”. Ao que obteve: “logaritmo de x”. P2 insistiu: “logaritmo de quanto?”, e
obteve: “três elevado ao quadrado, parece”, P2 retomou: “como a gente lê isso?
É o logaritmo de x” e escreveu no quadro: “log x”. Novamente, perguntou: “qual
é a base?”. De uma estudante, obteve: “dois terços”, e de outro, “três”. Fato
confirmado por P2: “a base é três”. E disse: “e aqui está o quadrado”, escrevendo
o expoente dois. Daí falou: “então é o quadrado do logaritmo de x na base três,
menos seis vezes o logaritmo de x na base três, agora é só x”. Com o acréscimo
de “mais nove igual a zero”, a equação foi. conjuntamente, lida e escrita no
quadro. Dizendo: “então essa equação aqui é parecida com uma equação que
vocês já resolvem desde a oitava série. Só que não tinha logaritmo. Você não
tem o logaritmo ao quadrado aqui? O mesmo logaritmo aqui, vezes seis, e aqui
está somando nove? Isto tem aparência de que tipo de equação?”, ao que a
turma respondeu: “segundo grau”. P2 confirmou: “de equação de segundo grau.
Muito bem”. Continuou: “então o que você tem que fazer aqui é converter essa
equação numa equação de segundo grau. Como é que faz isso?”. Para
encaminhar a solução, P2 sugeriu uma comparação com algum modelo já
desenvolvido: “lembra dessa equação aqui?”, e escreveu num canto do quadro,
a equação exponencial: 4x – 6.2x + 8 = 0. Depois de relembrar as transformações
necessárias e de resolvê-la quase que por completo, sob olhares atentos, disse:
“lá vai ser o mesmo caminho”. E, encaminhando o processo, disse: “o logaritmo
de x na base três eu escrevo que ele é igual a y”. E continuou: “aqui se tem o
quadrado do logaritmo, então você vai ter y ao quadrado, certo? Menos o quê?”,
e, trocando logaritmo de x na base três por y, escreveu a equação: y2 – 6y + 9 =
0. E reafirmou: “equação de segundo grau vocês já conseguem resolver. Então
agora, vocês resolvem. Encontrem o y. Resolvam. Encontrem o y. Depois vocês
retornam aqui no logaritmo. Certo? É o mesmo caminho da exponencial. Você
vai trocar aqui o logaritmo de x na base três por y. Antes vocês trocavam, dois
elevado a x por y, três elevado a x por y e assim por diante. Vocês terminam?
Terminam?”. Enquanto desenvolviam, procedeu-se a chamada, pelos seus
nomes. Logo após, P2 retomou: “terminaram? Quanto deu o y aqui?”. Alguém
perguntou: “professor, tem que fazer aquele negócio do delta?”, ao que P2
sugeriu: “ou faz por fatoração”, entretanto, afirmou: “pode fazer pelo delta, mas
vai demorar mais”, e perguntou: “quem fez pelo delta? Quanto encontraram para
o delta?”. Voltando-se para o quadro, P2 fez as operações. Perguntando: “não é
um trinômio quadrado perfeito, isso aqui?”, encaminhou também a solução por
fatoração. Ao final: “não é mais rápido?”, mas, ainda assim disse: ”tanto faz. De
um jeito ou de outro, você encontra o mesmo valor pro y”, e, para terminar:
“onde tem que voltar? Isso, voltar em logaritmo de x na base três igual a y. O
valor de y é?” E escrevendo, falou e perguntou: “logaritmo de x na base três
igual a três. Quem é x?”. Uma resposta surgiu: “três”, ao que P2 sugeriu: “pense
bem. Quem é x?”. Daí sim: “x é vinte e sete”. Ao que P2 reforçou: “x é três
elevado ao cubo. Não é isso? Definição de logaritmo. A base é três. O logaritmo
vale três. Três elevado a três é igual a x.” E, no quadro escreveu a definição: “
Nalog = x ⇔ ax = N”. E reafirmou: “tem que usar”. Depois, perguntou: “pode ser
vinte e sete?”. Confirmou para os estudantes, explicando o procedimento, de
forma verbal apenas e, com um “não acompanharam? Não. Vou repetir”.
Repetiu, explicando o procedimento de forma verbal e, depois, por escrito, no
quadro, ao que ouviu: “agora sim!”.
Considerações da prática de P2
Toda a observação de ocorrência da prática de P2, foi durante o
transcurso de um conteúdo já apresentado. Esses foram momentos específicos
de trabalho do conteúdo em questão. Por isso, suas falas mostram-se
padronizadas, pontuadas, tendo um foco determinado e ajustadas às
necessidades da atividade em desenvolvimento. Têm-se também momentos, em
que representou a verbalização propriamente da escrita matemática. São
perceptíveis também certos cuidados no sentido de procurar tornar a explicação
compreensível, pelos momentos em que acontecem pausas, retomadas de
leituras e a intencionalidade de traduzir a escrita matemática. Há, por isso, uma
preocupação com o estabelecimento do diálogo, com a verificação dos níveis de
entendimento, com a clareza da mensagem, com a leitura e interpretação da
simbologia matemática, elementos esses, constituintes das funções: referencial
e metalingüística da linguagem.
Docência de P3
Quanto à prática de P3, foram escolhidas duas aulas para recortes: uma
de apresentação de assunto, que pelo modo de condução e exploração se
apresentou essencialmente verbalizada, por isso, de extensa transcrição, e
outra, de atividades. P3 iniciou sua jornada, com uma recomendação: “a gente
sabe que tem gente que está super legal, né. Estão indo bem em todas as
disciplinas. Tem alguns ainda, que não estão. Estão em falta com algumas. A
gente gostaria que neste bimestre, todo mundo tivesse aquela dedicação.
Porque não adianta só eu querer. Cada um tem sua vontade para conseguir.
Todo mundo tem capacidade e sabem disso. É só uma questão de vocês se
dedicarem realmente”. Voltando-se para o quadro, escreveu: “Seqüências”. Para
os estudantes, disse: “a gente vai lembrar do dia-a-dia, o que é uma seqüência.
Alguém saberia me dizer? O que vocês conseguem enxergar, no dia-a-dia, que
tem uma seqüência?”. Para essas perguntas, propôs: “vamos pensar?”. Alguém
disse: “dia do mês?”, P3 incentivou: “dia do mês, exatamente”. E, “Por que é uma
seqüência? Por quê?”, adiantou-se: “é uma seqüência crescente. Começa no dia
primeiro. É respeitada uma ordem, que vai de primeiro, depois dois, três, até
chegar no trinta. Então nós temos uma seqüência. Que outra seqüência a gente
encontraria que poderia perceber?”. Alguém disse: “as horas”. P3 incentivou: “As
horas. Exatamente. De zero hora até vinte e quatro horas. Outras ainda?”. Um
estudante sugeriu: “dias da semana”. P3 repetiu: “dias da semana. Então nós
temos uma seqüência que começa no domingo e vai até sábado. Depois
começa repetir”. E continuou: “tem algumas seqüências que são o que: finitas e
outras, infinitas. No caso dos dias da semana, são sete dias. Então, começa no
domingo e vai até sábado. São sete dias, nesta ordem. Muda a ordem? Então
observem que numa seqüência existe uma quantidade (pausa), dias da semana
e existe uma ordem a ser seguida. Não há uma troca. Começa na segunda,
depois o próximo já é sexta. Existe uma ordem a ser respeitada. Alguma outra aí
que vocês lembram?”. Sem esperar: “E seqüência numérica, que seqüência a
gente poderia citar? Que outra seqüência numérica eu tenho uma ordem que
poderia perceber?”. Uma resposta surgiu: “números da chamada”. P3 confirmou:
“existe uma ordem, com certeza. Dos números, ainda, que vocês conhecem.
Tem uma seqüência assim, que vocês podem, que tem algum critério utilizado?”.
Pausa. “Ninguém lembra de nada, agora?”. Pausa. “Que tipos de números que
existem?”. Alguém respondeu: “naturais”. P3 confirmou: “naturais. Exato. Quais
são os números naturais, então?”. E alguns estudantes responderam: “zero, um,
dois, três ...”. Ao que P3 concordou: “zero, um, dois, três, ...,. Não existe uma
seqüência? Começa com qual?”. E um grupo de estudantes respondeu: “zero”.
“Zero”, confirmou P3. “e a seqüência, é de quê sempre?”. Conjuntamente
responderam: “de um em um”. P3, reforçou: “então é respeitada uma ordem. E
ainda, a diferença é de um em um. Existem ainda, outras seqüências que a
gente consegue perceber, assim, que tem o mesmo acréscimo?”. De alguns
estudantes, ouviu: “números pares”. Confirmou: “números pares. Que mais?”.
Dos mesmos ouviu: “números ímpares”. Confirmou: “ímpares também, com
certeza. Bom, essas seqüências de números, elas são infinitas. Em que
momento eu poderia dizer que elas poderiam ser finitas?”. Breve pausa. P3
retomou: “números ímpares: um, três, cinco, sete, ... , assim sucessivamente...
agora se eu disser: números ímpares até vinte, eu estou limitando. Só quero os
que vão até vinte, que estão compreendidos entre zero a vinte, seria de um até
dezenove. Daí eu estaria limitando. Bom. Que outros tipos de seqüência, ainda
vocês conseguem perceber? Em matemática a gente só estuda números ou
não? Que mais a gente estuda?”. Um estudante respondeu: “triângulos”.
“Triângulos”. Confirmou P3. E acrescentou: “a gente consegue estudar
triângulos, com certeza. Geometria. Exatamente. Que mais?”. Uma pergunta
diferente apareceu: “é possível uma seqüência de números iguais?”. P3
respondeu: “pode ter uma seqüência de números iguais. Pode ter. A gente vai
ver também. Então, vamos tentar colocar, aqui no quadro, algumas seqüências e
eu quero que tentem descobrir que critério foi utilizado para essas seqüências”.
Listou: “2, 3, 5, 8, ---, 2, 4, 8, 16, ---, 1, 5, 9, ---, 18, 15, 12, ---, e, 4, 12, 36, ---.”
Disse: “então, observem aqui. Eu coloquei algumas seqüências. Eu quero que
vocês coloquem qual é o próximo termo”. Algum tempo depois. “estão
conseguindo fazer? Pensando? Alguém já conseguiu pensar na primeira
seqüência?”. Com um “sim”, perguntou: “qual é o próximo termo?”, alguém
respondeu: “doze”. P3 confirmou: “doze. Por que doze? O critério é: mais um
aqui, mais dois aqui, mais três aqui, e, conseqüentemente, mais quatro. Não foi
um valor fixo a ser acrescentado. Não foi uma constante. Sempre o acréscimo
em relação ao anterior era um a mais. Então, automaticamente, teria que ser
doze. Já na segunda seqüência, qual foi o critério utilizado?”, uma resposta
surgiu: “multiplicado por dois”. Houve confirmação: ”o critério aqui é
multiplicação por dois. Então, automaticamente, eu tenho trinta e dois. Já na
próxima seqüência, qual foi o critério?”. Da resposta obtida: “mais quatro”,
confirmou: “mais quatro. Logo. Aqui vai ser o quê?”, e, numa resposta conjunta:
“treze”. “na outra, menos três”, continuando, P3 perguntou: “e a última seqüência
dada?”. “Vezes três?”. “Confirmado. Vezes três. O triplo. É sempre o triplo.
Quanto que dá? Cento e oito”. Prosseguiu: “Então vocês viram que tem
seqüência que tem sempre o mesmo valor, que está sendo multiplicado, ou
adicionado ou subtraído. E esta aqui, foi a diferente, né”, apontando para a
primeira. “Nós vamos trabalhar, agora com seqüências que tem o mesmo
acréscimo, seja ele, multiplicando, ou, (inaudível) ... a gente viu aqui, neste caso,
multiplicando. Esse valor que nós vamos sempre multiplicando tanto pode ser
positivo, quanto negativo ou fracionário, qualquer valor, é real. Bom, a colega ali
falou o seguinte: se poderia ter uma seqüência em que todos os termos fossem
iguais. Vamos tentar colocar o que ela falou?”, e escreveu uma seqüência de
cincos. “Com certeza, o próximo termo seria cinco. Há algum acréscimo aqui?
Não. Como não houve acréscimo, vou indicar por zero. Estão percebendo?
Todos os termos se mantiveram os mesmos. Ela é chamada, constante”. Citou e
comentou também um exemplo para uma oscilante ou alternante. Em seguida,
disse: “são vários tipos de seqüências que a gente está conseguindo perceber e
que a gente vai estudar. Detalhadamente, dois tipos. As que têm acréscimos e
as que são multiplicadas”. Explorou outros exemplos e depois formalizou: “a
esse tipo de sucessão ali, nós vamos chamar de progressão aritmética”. Daí
escreveu: “Progressão Aritmética”, e perguntou: “Que é uma P.A.?”, e escreveu:
“P.A. é uma seqüência de números reais onde cada termo, a partir do segundo,
é igual ao anterior somado a uma constante, chamada razão”. Leu o escrito.
Citou outro exemplo, o dos números pares de dois a doze, e disse: “cada termo
a partir do segundo é o anterior somado a uma constante. Constante é aquele
valor fixo, que chamamos razão. Como uma seqüência tem uma ordem, nos
vamos enumerar”, e escreveu uma seqüência literal com índices informando a
posição de cada elemento. P3 ainda comentou: “pessoal, conseguiram
entender? Numa seqüência sempre tem um critério que precisa ser utilizado”. E,
para finalizar, apontando para a seqüência de números pares de dois a doze,
perguntou: “o que a gente consegue perceber nessa seqüência? É limitada. Ela
tem o primeiro termo, o último termo, ela tem uma quantidade de termos e, um
número de termos”.
Numa das aulas de atividades em classe, a correção de um exercício teve
o seguinte desenvolvimento: P3 perguntou: “o número nove, qual era a situação
dada?”. Alguém se prontificou e leu: “qual é o vigésimo termo da progressão
aritmética: (–8, -3, 2, 7, ..)”. P3 anotou: “a20 = ?”, e perguntou: “qual é a
progressão?”. O estudante repetiu e foi anotado no quadro. De P3, “Bom. O que
é para calcular? Vigésimo termo. Por isso, colocamos interrogação. Quais os
termos conhecidos agora?”. Uma resposta surgiu: “primeiro termo”, e o seu valor
foi anotado. Outra resposta: “número de termos”. P3 interferiu: “se quero achar o
vigésimo termo, estou limitando até o vigésimo. Então, vai ter vinte termos”, e
anotou o valor desse dado. Um terceiro dado: “a razão é igual a 5”. Neste
momento, P3 perguntou: “como é que vocês encontraram a razão? Observando,
dá para saber. Mas como seria a maneira correta?”. Alguém respondeu: “sete
menos dois ou dois menos menos três”, ao que P3 falou: ”Isso. Sete menos dois.
É mais fácil trabalhar com os positivos. Se eu quisesse fazer com dois números
negativos, como é que eu faria? Poderia fazer assim: menos três menos o
menos oito”, frisando a operação com os sinais e dizendo que a opção era
deles. Assim, o exercício foi lido, traduzido e os dados foram marcados no
quadro. A operacionalização ficou para os estudantes.
Considerações da prática de P3
A prática lingüística de P3 apresenta-se com uma riqueza maior de
detalhes, maior variabilidade de termos, inclusive daqueles específicos do
assunto, comparativamente com outra de aspectos operacionais, apenas.
Mostra-se contextualizada, pelo leque de sugestões apresentadas. Pelas
tentativas de troca, demonstra preocupação em estabelecer e sustentar o
diálogo como forma de se fazer entender, o que sabemos ser impossível, mas
desejável. Revela a intenção de adaptá-la ao nível de compreensão dos
estudantes, pelo modo como conduz e explora os exemplos que obteve, os
conceitos que precisa transmitir ou a maneira como disseca os dados fornecidos
numa atividade. Tem a preocupação de transmitir informação, explorando a
veiculação de um conceito por um exemplo citado. Essas características são
constituintes das funções: referencial e metalingüística da linguagem.
Análises
Para análise dessas práticas docentes ressalta-se a pontualidade que os
dados obtidos das filmagens, cujas partes foram transcritas, mostram. Esses
dados procuram revelar os procedimentos adotados pela docência na
apresentação e desenvolvimento dos conteúdos daqueles momentos.
Entretanto, uma vez classificadas, as funções de linguagem permitem
ponderações sobre a eficiência com que o processo de ensino e aprendizagem
foi desenvolvido, sob o viés da pseudo comunicação. Para Altet
o que caracteriza de facto a comunicação pedagógica é que não se trata de uma simples emissão ou difusão de mensagens, mas de uma troca finalizada numa aprendizagem, por meio de um processo interactivo de ensino-aprendizagem em que o emissor procura modificar o estado do saber do receptor, o que torna fundamental a presença de um duplo feedback receptores-emissor, mas também emissor-receptores. (ALTET, 2000, p. 63).
Este feedback sugerido pode ou não acontecer lingüisticamente mediante
diálogo. Porém, a sua realização não é atividade nada trivial porque, segundo
Habermas,
o diálogo da linguagem cotidiana se movimenta a meio caminho do monólogo e da impossibilidade da comunicação semântica enquanto tal. Nisto exprimem-se continuamente as manifestações da vida. Devido a seu sentido individual, elas não se prestam a uma comunicação imediata e precisam por isso, ser apropriadas hermeneuticamente pelo interlocutor como algo estranho, isto é, ser interpretadas a partir daquilo que se comunicou. O fato de o emprego da linguagem exigir ininterruptamente a compreensão hermenêutica pode ser visto na profunda discrepância entre a objetivação lingüística de um conjunto vital por um lado e, por outro, a totalidade da vida enquanto tal. (HABERMAS, 1982, p. 176).
Considerando o ensino como um processo que procura ser conduzido
propositalmente/intencionalmente pelo professor, mediante tentativa constante
de estabelecimento do diálogo, sua fala, seu discurso procura, embora não
consiga, adequadamente se sustentar nos elementos constitutivos do código, ao
mesmo tempo em que teor e clareza sejam os sustentáculos da composição da
mensagem. Enfim, considerar que sua fala esteja predominantemente
embasada nas funções representadas por esses elementos para ter como alvo o
estudante e possibilitar que o entendimento tente se estabelecer, como condição
inicial para que a aprendizagem aconteça e, em contrapartida que o ensino se
concretize, é o que busca continuamente.
Conforme Maingueneau (1997) o discurso, seu significado, ação e
importância, são apresentados como “modo de considerar a linguagem” e
também como “actividade de sujeitos inseridos em contextos determinados” (p.
34). Para Orlandi (2001, p. 26) o termo discurso é considerado “ ... não como
transmissão de informação mas como efeito de sentidos entre interlocutores ...”,
construído pelo movimento de troca argumentativa entre as partes. Faz-se muito
presente nas leituras desses autores a necessidade de criação de sentido para
aquilo que se manifesta lingüisticamente. A criação deste sentido é de
fundamental importância para o meio educacional, uma vez que o processo de
ensino, para ser eficaz, necessita de um contexto, que, para ser bem explorado,
depende do sentido dado. Disto se pode inferir que a linguagem surge como um
movimento nos dando a idéia de interação entre interlocutores. Esta
interatividade pretendida exige mais que a presença física entre sujeitos
capazes lingüisticamente, pois, a interação pedagógica pode ser definida, de
acordo com Altet (2000, p. 64), como: “a acção em reciprocidade do professor
com um ou vários alunos, num processo de tratamento da informação em
situação de ensino-aprendizagem”. Ela considera ainda que: “a interacção
pedagógica não é apenas verbal: ela pode ser, também, não-verbal e latente e é
sustentada por percepções recíprocas, expectativas, representações, papéis de
um lado e do outro e que interagem mutuamente”. Já, Maingueneau informa
sobre seu estabelecimento, do seguinte modo:
Para que haja verdadeiramente interacção, e não se esteja apenas em presença de indivíduos que falam, devem estar reunidas várias condições: os locutores devem aceitar um mínimo de normas comuns, empenhar-se na troca, assegurar conjuntamente sua gestão, produzindo sinais que permitem mantê-la, sincronizando seu uso da palavra com seus gestos, etc.[Contrato, Cooperação. Regulador.] Numa interacção defrontam-se as estratégias dos interlocutores que têm de, constantemente, negociar, esforçando-se por pôr a normas a seu favor. Mesmo que se reserve a noção de interacção para as autênticas trocas entre interlocutores, falar-se-á da dimensão interacional de qualquer enunciação, mesmo que ela seja escrita, porque se postula que << a interacção verbal constitui a realidade fundamental da língua. (BAKTINE, 1977, p. 136. apud MAINGUENEAU, 1997, p. 60).
A referida “actividade de sujeitos inseridos em contextos determinados”,
citada anteriormente, quando transferida para o universo da sala de aula,
sugere: envolvimento, participação ativa e manifestada, movimento e troca,
definidos de antemão, isto é, tendo como propósito estabelecido um acordo
necessário para buscar o entendimento comunicacional, fundamento para a
eficácia da tentativa do processo de ensino e aprendizagem.
De acordo com Habermas, para se atingir o entendimento num processo
comunicacional alguns quesitos precisam estar explicitados, pois que:
entenderse es um proceso de obtención de um acuerdo entre sujetos lingüística e interactivamente competentes, [...], los procesos de entendimiento tienen como meta um acuerdo que satisfaga las condiciones de um asentimiento, racionalmente motivado, al contenido de uma emisión. Un acuerdo alcanzado comunicativamente tiene que tener uma base racional; es decir, no puede venir impuesto por ninguna de las partes, ya sea instrumentalmente, merced a una intervención directa en la situación de acción, ya sea estratégicamente, por medio de un influjo calculado sobre las decisiones de un oponente. (HABERMAS, 1988, p. 368).
Este acordo a que se refere Habermas pressupõe que o professor
explicite, de antemão, com seus estudantes certas condições incluindo: objetivos
que se pretende atingir com determinado conteúdo, caminhos a ser percorridos,
e, particularmente que o professor organize metodologicamente o conteúdo para
os estudantes ajustando sua linguagem, procurando sintonizá-la com o
desenvolvimento cognitivo individual. Esse ajuste de linguagem sugere a
exploração adequada dos recursos da língua, pois, de acordo com Falcão (2003,
p. 53) “a língua corrente se apóia numa quantidade considerável de meios
auxiliares, tanto prosódicos quanto pragmático-contextuais, como a flexão, a
pontuação, melodia, ritmo” que podem ser utilizados como possibilidades de
construção de falas que se transformem em caminhos para se atingir, ler,
compreender, traduzir e operar matematicamente, isto é, inserir-se neste
universo metalingüístico e se apropriar dele, já que, para este autor, “a notação
matemática, por sua vez, busca expressar estruturas por meios exclusivamente
formais” (FALCÃO, 2003, p. 53). De acordo com Otte
sem metacomunicação não há matemática, porque não há uma distinção entre coisa e signo. Essa distinção só existe relativamente a um intérprete, isto é, a um novo signo. Conhecimento é, portanto, a metaoperação que designa o sentido de um signo. Isto, na matemática, geralmente acontece de forma completamente operacional. O sentido de uma relação matemática, de uma equação por exemplo, está em efetuar certas conclusões. A equação deve ser resolvida. Um conceito matemático é um esquema operacional. A matemática assenta em formalização, isto é, em forma, isto é, em sentido, ou seja, na fusão de uma idéia com seu sentido. (OTTE, 1993, p.23).
Porém, segundo Falcão (2003, p. 76), “no contexto da sala de aula,
dificilmente as trocas argumentativas estão presentes como recurso didático
importante para a construção de significado em matemática”, mesmo
considerando a argumentação como um processo discursivo que possibilite
mudança conceitual.
Cumpre lembrar que a procura pelo entendimento, mesmo que nunca
alcançado, mostra-se assentada no diálogo, impondo uma prática argumentativa
que se pretenda ser fluente e freqüente. Há uma trajetória de aceitação,
troca/mudança, construção a ser percorrida para que as partes – aqui
notadamente a parte discente – se tornem capazes lingüisticamente. De acordo
com D’Ambrosio
embora os mecanismos de captar informação e de processar essa informação, definindo estratégias de ação, sejam absolutamente individuais e mantenham-se como tal, eles são enriquecidos pelo intercâmbio e pela comunicação, que efetivamente são um pacto (contrato) entre indivíduos (D’AMBROSIO, 1998, p. 24).
Apesar disso, existem limites comunicacionais intransponíveis, conforme
bem assevera Habermas
Não importa o quanto uma expressão verbal possa estar adequada a uma dada situação, sendo capaz de expor o que lhe é específico em termos semânticos, uma cesura entre ela e aquilo que se tenciona em base de relações vitais individuais permanece sempre em aberto, um hiato que deve ser, sempre e a cada vez, superado pela interpretação. O trabalho da interpretação é facilitado pelo fato de as significações não serem objetivadas exclusivamente na dimensão da linguagem mas também, em termos extraverbais, no plano das ações. (HABERMAS, 1982, p. 176).
Ainda, para o mesmo autor,
Também as ações necessitam de decodificação hermenêutica, eis que o sujeito inconfundível e único não se exprime mais diretamente em ações que obedecem a normas gerais, nem nas categorias genéricas da compreensão, própria à linguagem ordinária. Como as condições individuais da vida não se traduzem integralmente nem na linguagem nem nas ações, o sujeito que fosse tomado ao pé da letra e imediatamente identificado com suas ações manifestas, seria mal-entendido. (HABERMAS, 1982, p. 177).
Assim, o estabelecimento da comunicação plena é inatingível. Por isso, é
possível afirmar que há dificuldades de entendimento nesta disciplina, a
matemática, como haverá em outra qualquer.
Conclusão
A busca da eficácia do processo comunicacional embora seja uma
constante, principalmente para o profissional da educação, representado pelo
professor, no exercício da regência de classe, não ocorre. Uma vez que se
parte do pressuposto de que a comunicação não se estabelece plenamente
entre ele e o estudante, por mais que se otimizem os processos lingüísticos,
sempre existirão lacunas.
Dado que por circunstâncias quaisquer, as várias funções de linguagem
poderão estar presentes nos atos pedagógicos, deve-se também considerar
que a intencionalidade do processo pressupõe, que cada profissional observe a
freqüência de utilização dessas funções e priorize aquelas, onde a preocupação
com a manutenção da comunicação seja prioridade, como forma de possibilitar
ao menos uma pseudo interação. É mister considerar que a interação é
caracterizada pela reciprocidade e que este é um aspecto ainda visivelmente
ausente em grande parte do tempo, conforme se pode observar pelo teor dos
transcritos, e continuará sendo.
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