H.G.WELLS
OTESOURONAFLORESTA
FREEBOOKSEDITORAVIRTUAL–CLÁSSICOSESTRANGEIROSTERROR–HORROR-FANTASIA
Título:OTESOURONAFLORESTA.
Autor:H.G.Wells(1866–1946).
Tradução: Autor desconhecido do início do séc. XX. Conto publicadooriginalmentenarevista“EuSeiTudo”,ediçãodeoutubrode1917.Atualizou-seaortografiaefizeram-sepequenasadaptaçõestextuais.
Imagemdacapa:Bykst/Pixabay.
Leiautedacapa:Canva.
Série:ClássicosEstrangeiros–vol.25.
Editor:FreeBooksEditoraVirtual.
Site:www.freebookseditora.com
Direitosdaobraeda tradução:Originale traduçãodedomíniopúblico (art.41,caputeart.40,“caput”eparágrafoúnicodaLeinº9.610,de19defevereirode1998).
Direitos da adaptação textual: © Paulo Soriano. Proibida a reprodução semautorizaçãopréviaeexpressadoeditor.
Ano:2017.
Sitesrecomendados:
www.triumviratus.net,www.contosdeterror.com.br
SumárioOTESOURONAFLORESTA
SOBREOAUTOR
OTESOURONAFLORESTAO barco aproximava-se da terra. A baía ia-se alargando e um recorte de
espumabranca,quebanhavaosrochedosdamargem,marcavaopontoemqueopequeno rio se lançava nomar.Uma linha de verdemais escuro indicava seucursosinuoso,desdeaencostaassazdistante.
A floresta chegava até a beira da praia. No horizonte, em vago contornosemelhanteaodasnuvens,erguiam-semontanhasque,assimdelonge,tinhamoaspectodeondascongeladas.
O mar era calmo: um marulho apenas perceptível. No céu, estrelasrutilavam.
Obacoparou.Umdosremadoresdisse,estendendoumbraço:
—Deveseraquiporperto.
Ooutrohomem,sentadoàproa,examinavaatentamenteamargem.Tinhasobreosjoelhosumafolhadepapelamarelecidopelotempo.
—Venhaveristo,Evans—respondeueleafinal.
Falavamemvozbaixa.OquesechamavaEvansatravessou,cambaleando,obarcoeolhouporcimadoombrodocompanheiro.
Sobre o papel estava grosseiramente traçada uma espécie de mapa comdizeres que mal se podiam ler, e um desenho em que se podia distinguir,vagamente,atraçodelápisquaseapagado,odesenhodabaía.
—Éissomesmo.Estalinhacaprichosaéorio.Seeuagorapudessebeberumpouco d’água, seria capaz de uma arrancada...O lugar deve ser este aqui,marcadocomumacruz.
—Sim.Evejaesta linhaprateada:vaidaembocadurado riodiretoaumbosque de palmeiras.A cruz está justamente no ponto em que a linha corta acorrente.Teremosdeassinalarolocalquandoentrarmosnoestuário.
—Mas—perguntouaindaEvans—,oquesignificamestesriscos?Pareceaplantadeumacasa,deumaedificaçãoqualquer.Tambémnãocompreendooquepodemsignificarestestracinhosaquidirigidosnumeoutrosentido.Eestesrabiscos...
—Istoéescritachinesa.
—Naturalmente,vistoqueeleerachinês.
—Eramtodos.
Osdoishomensficaramimóveisdurantealgunsminutos,examinandocomatençãoaterra.Obarcoderivavalentamente.
—Bem,agoracabeavocêremar—disseEvans.
Hookerdobrouomapa,semseapressar,meteu-onaalgibeira,passoucomprecaução para o lugar de Evans e tomou os remos. Seus movimentos eramlânguidos,comoosdeumhomemcujasfoçasestavamquaseesgotadas.
Ooutro,sentado, fitavacomosolhossemicerradosaespumadorecifedecoral, que parecia aproximar-se. Embora estivesse quase a alcançar o tesouro,não se sentia exaltado. A tensão nervosa necessária à luta em que se tinhaapoderado do mapa e depois aquela longa viagem à noite, sem víveres, semágua... tudoissotinha-ofatigadoatalpontoqueelesesentiaagoraincapazdeuma sensação nova. Tentou recobrar a energia concentrando sua imaginaçãosobre as luzentes barras de ouro de que os chineses haviam falado. Mas seuespíritorecusava-seareconstruiravisãoqueohaviadeslumbradonoprimeiromomento,eoruídomonótonodomardava-lheumasonolênciairresistível.
E,naquelasemi-inconsciência,reviumaisumavezanoiteemqueHookersurpreenderaosegredodoschineses.
Foranumaclareiradopequenobosque,umaclareiraqueaLua iluminavafortemente. Os três chineses estavam agachados em torno de uma pequenafogueira, de modo que suas silhuetas apareciam vermelhas de um lado, pelofulgordasbrasas,eprateadasdoouro,peloluar.
Hooker,queestivarapormuitotempoemXangaiecompreendiamelhorochinês, foraoprimeiroaperceberosentidogeraldapalestrae fizera-lhesinalparaprestaratenção.
Entãocompreenderamque se tratavadeum tesouro:umgaleão espanhol,vindo das Filipinas, naufragara ali e a sua tripulação enterrara no litoral ocarregamento de ouro que trazia, com a esperança de vir buscá-lomais tarde.Mas, depois, buscando terra habitada em barcos pequenos, haviam morridotodosnomar,ouperdidosnasilhotasáridasdosarredores.Otesouroalificaraignorado, durante dezenas de anos, até que um dos três chineses, Chang-hi,
descobrira-oporacaso.
EeraChang-hiquemagorarevelavaosegredoadoiscompatriotasparaquejuntosfossembuscá-loembenefíciodeumamisteriosaempresarevolucionária,insistindo em afirmar que o ouro estava em absoluta segurança, porque seriaimpossívelencontrá-losemroteirooumapaquetraçaraealitinhaemseupodere,também,semasuapresença.
Imaginema impressãoquepoderiacausarsemelhantepalestra,caindonosouvidosdedoisinglesessemrecursos,quetinhamdeixadotodososescrúpulosemaventurasdetodoogêneropelovastomundo...
OsonhodeEvansprecipitou-seeeleviu-senomomentoemqueagarraraChang-hi pelo rabicho. O chinês tentara resistir. Depois, vendo-se perdido,começaraavociferarameaçasterríveis,afirmandoejurandoque,mesmodespoisde o terem massacrado, e terem deitado mão ao roteiro, não haveriam dealcançaroouro,poismorreriamantesdisto!
Tolices!Oidiotaqueriaimpressioná-los.
UmchoquebruscodespertouEvans.TinhamchegadoàentradadoestuárioeHookerexplicava:
— Ali estão as três palmeiras. O lugar dever ser na direção daquelearvoredo.É seguir em linha retadaspalmeirasaoarvoredoeencontraremosoouronopontoemqueessalinhacortaorio.
Porém,Evansmalouvia.Otormentodasedetornara-sealucinante.Curvou-sesobreabordadaembarcaçãoeapanhouaágua,quecuspiucomfúria.Aindaerasalgada.
— Vamos seguindo — rosnou ele em tom de súplica exasperada. —Enquanto não alcançarmos o rio, não conte comigo para coisa alguma. Estoumorrendodesede.
Hooker começou a remar, mas seus movimentos pareciam-lhe de umamorosidade intolerável. Tomou-lhe os remos e bracejou com fúria. Agora eraHooker quem se curvara à proa e, de instante a instante, provava a água,sacudindoacabeçacomdesespero.
Quando, afinal, a água tonou-se boa, Hooker não teve tempo parapronunciar uma palavra.Apenas avisou ao amigo comumgesto e começou abeberansiosamente.
Depois, renovados de ânimo, procuraramum lugar onde desembarcassemmaispróximosdogrupodepalmeirasafimdealcançaralinhaideal,quedeviaconduzi-losaotesouro.
Saltaram.Levavam,paraabrircaminhonomato,apenasumremo—largoepesado— e um machado nativo, em forma de L, com uma pedra polida naextremidade.
Começaram a rasgar um atalho através de um emaranhado de cipós ebambus. Os primeiros passos foram penosos, mas em pouco entraram numaregião de árvores mais espaçadas e maiores. Tiveram sombra, encontraramfrutas...
Mas,desúbito,tiveramumasurpresaalarmante:encontravam-sediantedeoutro atalho aberto no mato, uma verdadeira picada, que, recente, eraevidentementeobrahumana.
Seguiramporelacomprecauções,deolhosabertosemãoscrispadassobreasimprovisadasarmas.
Maisalgunspassoseviramentreostroncosumlargofileted’águabrilhanteaoSolnascente.Eraorio.
—Devemosestarperto—disseHookercomvozsurda.
E o coração batia-lhe no peito com força. De um lado, havia um charcoimensoetraiçoeiro,emqueEvanschegouaenterrar-seatéosjoelhos,contendoaspragaspelapreocupaçãodequepodiaserouvido;dooutro,avegetaçãomuitoespessadesafiavaosesforçosdedoishomens.Diantedeles,abria-semisteriosoesombriooatalho,quenãopodiaserocaminhodeChang-hi,porqueeleestivaraalicincoanosantes.Auberdadeprodigiosadaquelesolonãodeixariaabertoumcaminho há tanto tempo no meio da floresta. Alguém passara por ali mesesantes.Diasantes,talvez.
Observando atentamente o rio, os dois aventureiros notaram que, àesquerda, uma pequena cachoeira assinalava a curva, a curva junto à qualdeveriaestarotesouro.
—Tenhoaimpressãodequenosdesviamosumpoucodalinhareta.
—Não—afirmouEvans.
Mas não teve coragem de acrescentar que se julgava no bom caminho,
porqueaqueleeraocaminhoqueooutroseguira,ooutroantesdeles.
Caminharammais um pouco.O atalho terminava em uma clareira.O rioestavaadoispassos.
Devia ser ali. Olharam em torno. O terreno estendia-se pantanoso eacidentado.
—Ondeestará?—perguntouHooker,volteandodevagar.
Chang-hifalaraempequenosmontesdepedras.
Fitaram-se profundamente, com olhar cheio de recordações sangrentas, evoltaramaobservarosolo.
—Oqueseráaquilo?—Evansexclamou,desúbito,estendendoobraço.
Hookerolhounaqueladireçãoeviualgoazul.
Subiramaummontículoparaobservarmelhoredistinguiramumbraço,quesaía do solo, com amão crispada...Adiantaram-se rapidamente.Amanga quecobria esse braço era de lã azul. O morto era um chinês: estava hirto,horrivelmentecontorcido,meioenterradoemumaescavaçãoapenascomeçada.
Osdois aventureiros curvaram-se em silêncio, observando aquele cadáverdemauagouro,quetinhaaoladoumaenxadadeformatochinêseváriaspedrasespalhadas.
—Maldição!— resmungou Hooker.— Então não era apenas Chang-hiquemconheciaosegredo.
Evans empalideceu e começou a desfiar todo o medonho repertório depragasqueaprenderanaÁfricaenaAustrália.
Seucompanheiro,maiscalmo,ajoelhou-seatentoenotouqueomortotinhaopescoço, os pulsos e os tornozelosmuito inflamados.Depois, examinando aescavação,teveumgritodealegria.
—Eh,Evans!Não foi nada.Tudovai bem.Oouro ainda está aqui.Esseidiotanãochegoualevarcoisaalguma.
Evanscurvou-setambéme,nameia-luzdaclareira,distinguiuumasbarrasamarelas,queapareciamaindaenvoltasemterra.
Então, atirou-se numa ânsia febril, afastando a terra com as mãos. Um
espinho feriu-o no dedo. Ele o arrancou com as unhas e continuou extraindobarrasdemetaldochão.
Àprimeiraquequeconseguiulevantar,exclamoucomexpressãotriunfante:
—Somenteoouroeochumbopodempesarassim!
Entretanto, Hooker parecia intrigado com o aspecto do chinês morto emurmurava:
— Este canalha veio apenas com um dia de avanço sobre nós. Não hádecertonemvinteequatrohorasqueestámorto.Masdequeteriaelemorrido?Quer me parecer que foi picado por alguma serpente excepcionalmentevenenosa. Em todo caso, resta saber como diabos ele conhecia o lugar dotesouro.
Porém,Evansnemoouvia.Queimportaumchinêsmorto,quandosetemàmãoumabarradeouro?
— Mas que trabalheira! — exclamou ele, com um riso nervoso eirresistível. — Se cada uma das barras pesa tanto como esta, vamos ter quecarregá-las uma a uma. E mesmo não poderemos conduzir todas numa sóviagemcomumacanoatãopequena.
Tiroucasaco,abriu-onochãoedepôsdentrodeleaprimeirabarradeouro.Quandoiaapanharasegunda,umnovoespinhoferiu-onamão.Nãoseimportoucomissoeatirouumaterceirabarradeourodentrodocasaco.
— Pronto! — exclamou. Isto é o máximo que podemos carregar numaviagem.Vamosandando.
E, vendoqueHooker continuava imóvel diantedo chinêsmorto, teveummovimentodemau-humor.
—Ó,homem!Vocêestámagnetizandoessedefunto?Vamoscomisso!
Hookervoltou-setãopálidoquetambémpareciamorto.
—Émuitoestranho—disseele.—Muitoestranho.Deque teriamorridoessehomem,santoDeus?
—Ora,adeus!Morreueacabou-se—disseEvansbrutalmente.—Tambémnóshaveremosdemorrerumdia.
—Maseuachoessessintomasesquisitos...
—Ora,nãomeaborreça!Deuagoraparaestudarmedicina?
— Cale-se!—murmurou o outro.— Em tudo isto, há indícios que meassustam.
—Certo.Masnósviemosaquiparacarregarouroeestamosperdendoumtempo precioso. Vamos levar estas barras até o barco. Se andarmos ligeiro,podemosfazerquatroviagensantesdanoite.
Hookernãosemoveu.Parecia refletireoseuolhar inquietoobservavaasárvores dos arredores. Voltou a olhar o rosto disforme do chinês morto eestremeceuviolentamente.
Evansimpacientava-se.
—Vemounãovem?
Hooker agarrou duas pontas do casaco, Evans levantou as outras duas epuseram-seacaminho.
Mas,aofimdealgunspassos,Evanscambaleou.Detendo-se,disse:
—Nãoseioqueé isto.Estousentindoumaaflição!...Umadorvaganosbraços...umaespéciedecansaçoangustiante...
Hookerfitava-ocomosolhosdilatadosporumpavorintenso.
— O que é que você está sentindo? — perguntou ele com a vozestrangulada.
—Nãosei—murmurouEvans.
Deixoucairocasacoe,encostando-seaumtroncodeárvore,passouamãopelatesta,gemendo:
—Queaflição!
Tentou segurar-se ao tronco, mas suas mãos pareciam entorpecidas e eleresvalou,caiueficouestendidonosolocomocorpohorrendamenteestorcido,arquejando...
EntãoHookerviuqueopescoçoeospulsosdocompanheirocomeçavamaficaravermelhados.
Essa verificação causou-lhe tamanho choque que ele sentiu as pernassumiremsobocorpoecaiudejoelho,apoiandoasmãossobreasbarrasdeouro.
Maslogoergueu-senumsalto.Sentiraumespinho,ocultonaterraagarradaàs barras de ouro, picar-lhe a ponta de um dedo. Com um rugido abafado etrêmulo,olhouparaoferimentoeficougeladodehorror.
—Deus!
Foiessaaúnicapalavra.Oespinho longoemuito finoelebemconhecia.Era um daqueles que os nativos dakays usavam em suas zarabatanas e cujovenenonãoperdoa.
OolhardeHookervagueouemtorno.Evanscontinuavaimóvel,contorcido,esuabocamuitoabertaparecia sorver inutilmenteoar.Apequenadistânciaamanchaazulassinalavaamãodochinês,quepareciachamá-lo.
HookercompreendiaagoraporquerazãoChang-hiinsistiaemafirmarqueo tesouro estava em segurança, que só ele poderia buscá-lo sem perigo.CompreendiaagoraoríctuszombeteirodesuabocaquandoEvanslheesmagavaacabeçaapauladas.
—Evans!
Seu grito foi inútil. Agora, o companheiro manifestava vida apenas pelopequeninotremorquelhemoviaospés.
Aoredor,erasilênciocompleto.
Hookerlevouodedoàbocaecomeçouachuparoferimentocomaânsiaque lhecavavaopeito.Mas já sentiaumadormênciaem todoobraçoe tinhadificuldadededobrarasfalanges.
Então compreendeu que a sucção era inútil e, num desânimo completo,deixou-secair,sentadoalimesmo,entreEvansjásemimortoeoouro,quejánãolhemereciaaatenção.Encostouosombrosaotroncodamesmaárvoreaqueoseucompanheiroseagarraraeajeitou-sebemparamorrerassim.
AcaretamacabradeChang-hinãolhesaíadamemória.Adorsurdaia-seestendendodosbraçosaosombroseaopescoço, tomava-lheagargantacomaintensidadequeaumentavaacadainstante.
Felizmente, uma sonolência invencível tambémvinhapouco a pouco, e odesgraçadoteveaesperançadeficarinsensívelantesdemorrer.
Acima, o vento começou a zunir com força, desfolhando grandes floresazuis,queelenãoconhecia,equecaíamesvoaçandocomoflocosdeneve.
SOBREOAUTOR
Herbert George Wells (1866 — 1946), conhecido como H. G. Wells, ésobretudoconhecidoporsuasmagníficasobrasdeficçãocientífica:“AMáquinado Tempo”, “A Ilha doDr.Moreau”, “OHomem Invisível” e “AGuerra dosMundos” são, indiscutivelmente, obras-primas do gênero. Mas o brilhanteescritor inglês dedicou-se, também, a engenhosas narrativas fantásticas e dehorror.Dentreelas,“OTesouronaFloresta”destaca-sepela tensãocrescenteepelocrueldesfecho.