Consenso de Hipotermia Induzida da SNN Janeiro 2012
HIPOTERMIA INDUZIDA NO TRATAMENTO DA ENCEFALOPATIA HIPOXICO-ISQUMICA NEONATAL
CONSENSO NACIONAL
GRUPO DE TRABALHO: Andr Graa, Filomena Pinto, Ana Vilan, Alexandra Dinis, Isabel Sampaio, Cristina Matos, Manuela Rodrigues, Farela Neves
INTRODUO
A encefalopatia neonatal, definida genericamente por um quadro de coma e convulses no
perodo neonatal precoce, muitas vezes consequncia de um processo de hipoxia-isqumia no
perodo perinatal, denominando-se nesses casos como encefalopatia hipoxico-isqumica (EHI).
Esta situao, com uma incidncia estimada de 2-6/1000 nascimentos nos pases desenvolvidos,
uma causa importante de morbilidade e mortalidade (1) (2).
A fisiopatologia da leso celular na EHI inclui um padro bifsico de morte celular (1), pensando-se
actualmente que o perodo mais relevante para o estabelecimento da leso neuronal ocorre nas
horas ou dias aps a recuperao do insulto hipxico (2). Numa primeira fase ocorre morte celular
por falncia energtica secundria a uma depleo de ATP provocada pela hipoxia, o que
condiciona severamente a funo membranar, que provoca a acumulao intra-celular de clcio,
sdio e gua com o consequente edema citotxico e morte celular primria. Com a reanimao
ocorre a reperfuso e reoxigenao dos tecidos comprometidos, iniciando-se uma srie complexa
de processos bioqumicos interligados entre si e que podem originar a morte celular secundria,
designadamente a formao de radicais livres, libertao de neurotransmissores excitatrios
como o glutamato e citoquinas pro-inflamatrias, que condicionam processos de disfuno micro-
circulatria cerebral, leso celular directa e de estimulao da apoptose (morte celular
programada) (2). Este processo de leso celular secundria prolonga-se por horas a dias depois do
insulto inicial, constituindo uma oportunidade de interveno teraputica (1) (3).
No sentido de intervir sobre esta janela teraputica, tm sido testadas sem sucesso vrias
abordagens teraputicas no sentido de diminuir a mortalidade e as sequelas, entre as quais
diversas abordagens farmacolgicas (3), designadamente os inibidores da produo de xantinas,
como o alopurinol (4), o sulfato de magnsio (5), os bloqueadores dos canais de clcio (6) e os anti-
convulsivantes (7), entre outros.
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Nos ltimos anos, a hipotermia induzida tem vindo a ser objecto de mltiplos ensaios clnicos
aleatorizados (8) (9) (10) (11). A evidncia actual, baseada nos resultados destes estudos e em vrias
revises sistemticas disponveis na literatura (12) (13) (14) (15), demonstra ser uma tcnica segura e
eficaz na reduo do risco de morte ou sequelas na EHI moderada a grave, em recm-nascidos
(RN) de termo sujeitos a asfixia perinatal aguda. Os mecanismos envolvidos incluem a diminuio
do metabolismo cerebral, a reduo do edema cerebral citotxico e da presso intracraniana e a
inibio da apoptose (16) (17).
Nos estudos descritos no foram observados efeitos secundrios clinicamente significativos na
aplicao desta tcnica a RN de termo. Como esperado, est descrita uma diminuio da
frequncia cardaca sem repercusso hemodinmica (tipicamente uma diminuio de 10 bpm por
cada grau de reduo da temperatura), trombocitopenia ligeira, alteraes da coagulao e
hipocalimia ligeiras (8) (9) (10) (11). A excreo e metabolismo de alguns frmacos de uso comum no
perodo neonatal (morfina, anti-convulsivantes, gentamicina) podem ser alterados pela
hipotermia ou pela insuficincia renal muitas vezes associada doena de base, com necessidade
de monitorizao e alterao da posologia (18) (19).
Deste modo, perante a evidncia crescente da segurana e eficcia e na ausncia de outras
intervenes teraputicas disponveis, esta tcnica tem mesmo sido considerada recentemente
uma abordagem standard of care no tratamento de recm-nascidos com encefalopatia hipxico-
isqumica (20) (14) (21) (22) (23).
O conhecimento desta realidade nos pases desenvolvidos levou a que diversas unidades que no
participaram em estudos de hipotermia iniciassem os seus programas, o que j aconteceu em
Portugal h cerca de dois anos. Numa tentativa de optimizao do processo de identificao dos
casos, tratamento no hospital de origem, transporte inter-hospitalar, tratamento na unidade com
programa de hipotermia e programa de seguimento dos sobreviventes, foi solicitado a este grupo
a redaco de uma proposta de consenso que se descreve de seguida.
TRATAMENTO COM HIPOTERMIA INDUZIDA
A seleco dos RN a tratar baseia-se numa avaliao inicial de rastreio, que permita identificar
todos os RN que possam beneficiar do tratamento. Esta avaliao deve basear-se em critrios
objectivos e disponveis nos hospitais referenciadores, nomeadamente a acidose grave ou o ndice
de Apgar baixo aos 10 minutos de vida, assim como o desenvolvimento de um quadro de
encefalopatia ou convulses. Posteriormente ser desencadeado o transporte do RN para a
unidade de tratamento, onde ser feita uma avaliao clnica e electrofisiolgica com EEG de
amplitude integrada (aEEG), de forma a confirmar a indicao do tratamento para o RN.
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1. INCLUSO DE UM RN NO PROTOCOLO
Deve preencher 1 critrio A + 1 critrio B
A. Critrios sugestivos de asfixia:
ndice de Apgar 5 aos 10 minutos de vida;
Necessidade mantida de manobras de reanimao aos 10 minutos de vida;
Acidose com pH < 7.0 nos primeiros 60 minutos de vida (incluindo gases do cordo);
Dfice de bases igual ou superior a 16 mmol/L nos primeiros 60 minutos de vida.
B. Convulses ou encefalopatia moderada a grave, definida por alterao do estado de
conscincia, tnus, reflexos ou autonomia respiratria.
C. Critrios de excluso
Nos estudos de hipotermia induzida foram utilizados critrios de excluso relativamente estritos,
que tm vindo a ser colocados em causa desde que a hipotermia comeou a ser utilizada de forma
generalizada. So exemplos desses critrios:
Idade gestacional inferior a 36 semanas;
RN com mais de 6 horas de vida quando feito o contacto com a unidade de tratamento;
RN que no possa chegar unidade de tratamento antes de completar 12 horas de vida;
Malformaes congnitas major;
Necessidade de cirurgia nos primeiros 3 dias de vida;
Paragem cardio-respiratria ps-natal.
Por outro lado, as recomendaes para a utilizao da hipotermia induzida de forma generalizada
(20) aconselham a utilizao de protocolos similares aos estudos clnicos ou seja, pressupondo-se a
excluso daqueles casos. O grupo redactor deste consenso recomenda assim que em todas estas
situaes deve ser considerado o tratamento aps discusso com a unidade de tratamento e
obtido o respectivo consentimento informado junto dos pais.
Confirmando-se os critrios para hipotermia e a aceitao do RN pela unidade de tratamento, o
hospital referenciador dever combinar os detalhes do transporte com o sistema de transporte
neonatal da regio (adiante designado por INEM-RN).
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2. CUIDADOS NO HOSPITAL DE ORIGEM E DURANTE O TRANSPORTE
Cuidados iniciais aps ser colocada a indicao para hipotermia induzida
A. Suporte de vida
As medidas de suporte de vida recomendadas so as habitualmente utilizadas no local de
nascimento at chegada do INEM-RN, pelo que no so recomendados procedimentos
especficos, chamando-se no entanto ateno para:
o Importncia crucial da evico da hipocapnia nestes bebs, devendo manter-se
pCO2 superior a 45 mmHg quando medido a 37C (ver adiante)
o A bradicardia sinusal fisiolgica, devendo-se esperar valores de frequncia
cardaca entre 100 e 110 bpm para uma temperatura entre 34C e 35C
o O volume total de lquidos de manuteno dever ser de 40 cc/kg/dia, podendo
ser dados bolus de volume adicionais se ocorrer hipotenso; no caso de existir um
hematcrito baixo (
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Monitorizar temperatura rectal de forma contnua (ideal) ou intermitente cada 20
minutos, de forma a evitar oscilaes da temperatura para fora do intervalo pretendido de
34-35C
No caso de haver oscilaes podem ser tomadas medidas adicionais para atingir a
temperatura requerida:
o Hipotermia excessiva (Temperatura rectal < 34C) Devem ser tomadas uma ou
mais das medidas seguintes:
Cobrir o RN com uma ou mais cobertas;
Colocar luva com gua quente ou bolsa de gel aquecido perto do RN (sem
contacto directo com o RN);
Ligar a incubadora no mnimo.
o Hipotermia insuficiente (Temperatura rectal > 35C) Devem ser tomadas uma
ou mais das medidas seguintes:
Retirar qualquer medida de aquecimento que tenha sido adoptada (luvas,
cobertas ou incubadora ligada);
Abrir as portas da incubadora;
Colocar uma ou mais luvas com gua fria ou bolsa de gel arrefecido a 10C
perto do RN (sem contacto directo com o RN).
C. Acessos vasculares
A colocao de cateteres umbilicais no hospital de origem fundamental para assegurar a
qualidade do transporte e do tratamento com hipotermia.
Devem ser colocados cateter umbilical venoso e arterial.
O cateter venoso umbilical dever ser de duplo lmen sempre que disponvel, dado que
estes doentes exigem uma