CENTRO DE ESTUDOS FIRVAL
DANIELA MARIOTTO DE AZEVEDO
O IDOSO ALTAMENTE DEPENDENTE E O
CUIDADOR FAMILIAR: UM ESTUDO DE CASO SOBRE
AS REPERCUSSÕES NA QUALIDADE DE VIDA DE
QUEM CUIDA
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS
2011
Idoso dependente e qualidade de vida do cuidador familiar.
2
O IDOSO ALTAMENTE DEPENDENTE E O CUIDADOR FAMILIAR: UM
ESTUDO DE CASO SOBRE AS REPERCUSSÕES NA QUALIDADE DE VIDA
DE QUEM CUIDA
HIGHLY DEPENDENT ELDER AND THE FAMILIAL CAREGIVER: AN
STUDY OF CASE ABOUT THE REPERCUSSION IN THE QUALITY OF LIFE
OF THE CAREGIVER
1Daniela Mariotto de Azevedo: Terapeuta Ocupacional, curso de pós
graduação em Gerontologia pela Uni Capital, São Paulo. E-mail:
2Manuela Lazarini Muriano: Terapeuta Ocupacional do setor de planejamento
do Departamento Regional de Saúde – DRS XVII Taubaté, pós graduação em
Musicoterapia pela Faculdade Paulista de Artes, formação em Método Bobath.
E-mail: [email protected]
Correspondência / Correspondence Daniela Mariotto de Azevedo
E-mail: [email protected]
Idoso dependente e qualidade de vida do cuidador familiar.
3
Resumo: Objetivo: Avaliar a qualidade de vida do cuidador familiar do idoso
altamente dependente, verificando o nível de sobrecarga, bem como apontar
os fatores que interferem direta ou indiretamente em seu cotidiano e o quão
significativos são, na perspectiva do cuidador. Entrelaçar as ações da Terapia
Ocupacional em propostas que auxiliem no enfrentamento da nova dinâmica
familiar. Método: estudo de caso. Foi avaliado um cuidador familiar – filha – do
paciente idoso dependente. A pesquisa foi realizada no domícilio do sujeito da
pesquisa, com a aplicação de dois instrumentos de avaliação da qualidade de
vida: Inventário do Fardo do Cuidador (Zarit Burden Interview, 1987) e
WHOQOL – BREF (World Health Organization Quality of Life). Resultado: o
score atingido na Escala de Zarit foi de 51 pontos, incluindo essa pontuação,
em nível de sobrecarga moderada a severa, antecedendo somente o último
grau, de sobrecarga severa. No WHOQOL- bref, o índice chegou a 73 pontos,
na somatória total das 26 questões divididas nos 4 domínios. Média calculada
de 11,23, correspondendo a 45,19% de déficit na avaliação da qualidade de
vida total. Conclusão: Os resultados obtidos comprovam que o idoso altamente
dependente gera um ônus físico, emocional e psicológico para o cuidador
familiar, tendo este déficit em sua qualidade de vida, devido às circunstâncias
muitas vezes, extrema, quando nos referimos aos cuidados dispensados ao
seu idoso. A terapia ocupacional entra então com a orientação quanto as
adaptações necessárias para a realização das atividades de vida diária e a
possibilidade de reorganizar a dinâmica familiar, investindo na qualidade de
vida desse cuidador, minimizando conseqüências negativas em sua saúde
global.
Idoso dependente e qualidade de vida do cuidador familiar.
4
Palavras-chave: Idoso fragilizado. Cuidador familiar. Qualidade de vida.
Abstract: The objective of this study is to evaluate the quality of life of the
familial caregiver of a highly dependent elder. It was verified the level of burden,
as well the factors that interfere directly or indirectly in the routine and
perspective of life of the familial caregiver. The relationship between the actions
of the Occupational Therapy and the new family dynamics of the caregiver is an
challenge. This work evaluated a case study of a family caregiver, in this
specific case, the daughter of the dependent elder patient. The research was
carried out in the residence of the caregiver, and we used two instruments of
evaluation of the quality of life: Zarit Burden Interview Scale (Zarit, 1987) and
World Health Organization Quality of Life (WHOQOL – BREF). The result
showed a Zarit score of 51 points, equivalent with a scale of moderated to
severe burden, preceding only the last scale, of severe burden. In the
WHOQOL- bref was obtained an index of 73 points, the sum total of the 26
questions divided in 4 domains. On the other hand, it was obtained an average
of 11.23, corresponding to 45.19% of deficit in the evaluation of the quality of
total life. Finally, the results obtained verify that the highly dependent elder
generate a psychological, emotional, and physical impact for the familial
caregiver, influenced this deficit in the quality of life, due to the circumstances
many times, extreme, when we refer to the cares excused to the elder. The
occupational therapy has the possibility of reorganize the dynamic family,
investing in the quality of life of the familial caregiver, minimizing negative
consequences in their health.
Idoso dependente e qualidade de vida do cuidador familiar.
5
Keywords: familial caregivers; dependent elder, quality of the life
INTRODUÇÃO
O envelhecimento da população vem crescendo largamente,
acompanhado do aumento da expectativa de vida. Esse cenário tem sentido
uma crescente modificação no perfil de saúde da população, pela maior
longevidade e aumento da prevalência de doenças crônico-degenerativas que,
se não tratadas devidamente ao longo dos anos, poderão comprometer a
independência e a autonomia dos pacientes idosos.1
Sendo a autonomia definida como a capacidade de tomada de decisão
e independência, como a habilidade para fazer algo por si mesmo, a
mensuração do nível de autonomia e/ou independência é uma forma de avaliar
a saúde e qualidade de vida da pessoa idosa, considerando as limitações
próprias do envelhecimento fisiológico, bem como, alterações funcionais
orgânicas.2
No entanto, o crescente número de idosos portadores de incapacidade
parcial ou total, devido principalmente ao aumento da longevidade atual dos
brasileiros e da alta freqüência das doenças crônicas e degenerativas, instiga a
uma reflexão que abrange o próprio idoso, a família, os profissionais e os
serviços de saúde específicos.3
O idoso altamente dependente requer assistência intensiva, e neste
caso a tarefa de cuidar na maioria das vezes recai sobre a família e a
predispõe a uma série de situações adversas que implicam mudanças no estilo
Idoso dependente e qualidade de vida do cuidador familiar.
6
de vida de quem cuida.4 Essa situação é capaz de abalar toda a dinâmica
familiar, que quase sempre assume a responsabilidade do cuidado, seja por
instinto, disponibilidade e/ou capacidade, ou por obrigação e dever que o
cuidador familiar tem com o idoso.5
A experiência de assumir a responsabilidade por idosos dependentes
tem sido relatada pelos cuidadores familiares, como uma tarefa muitas vezes
exaustiva, decorrente do envolvimento afetivo e das migrações da atenção das
necessidades do cuidador para as necessidades do idoso dependente. Dessa
forma, uma nova dinâmica se inicia, já que o cuidador passa a assumir
atividades que antes eram desempenhadas pelo próprio idoso, provocando, na
maioria dos casos, inúmeras restrições e sobrecarga de tarefas. Ao longo do
tempo, as mudanças no cotidiano da família do idoso dependente trazem
complicações de menor ou maior significância, de acordo com a maneira com
que o indivíduo que cuida reage e encara a nova situação, onde o foco central
é sempre a doença/dependência do seu idoso.6
A estrutura familiar, subdividida em pais, filhos, e consequentes
gerações, cada qual desempenhando funções específicas, tende a se
reorganizar a fim de contemporizar a nova faceta das relações intergeracionais
que se alteram quando o indivíduo provedor passa a ser aquele que necessita
de cuidados. Tal processo, de curso progressivo, pode ter efeitos devastadores
na família que passa a gerir os cuidados ao seu idoso dependente7. As
sobrecargas físicas e psíquicas a que esses cuidadores estão expostos, não
raro levam a má qualidade de vida desses indivíduos que terminam por
Idoso dependente e qualidade de vida do cuidador familiar.
7
assumir as incumbências, antes realizadas pelo idoso, somadas as novas
atividades que adentram na rotina diferenciada.8
Estudos revelam uma interferência significativa na vida dos cuidadores
dos idosos, principalmente os acometidos por transtornos demenciais, casos
que levam os mesmos a uma gradativa dependência, necessitando de
cuidados intensivos, expondo o cuidador a estresse prolongado: atenção
constante ao idoso, desequilíbrio financeiro, estresse emocional, alteração na
dinâmica de atividades diárias do familiar, entre outros.9 Assim sendo, torna-se
altamente necessário, que o cuidador tenha suporte estratégico emocional,
social, não somente quanto ao saber específico do cuidar de outrem, mas para
auxiliá-lo a manter sua própria saúde e cuidado de si mesmo, evitando
possíveis riscos de adoecimento, devido a sobrecarga a que são impostos.
No processo degenerativo das doenças crônicas, o nível de
incapacidade devido às gradativas perdas funcionais, se eleva fazendo com
que o idoso deixe de realizar suas atividades de vida diária, passando essas a
serem realizadas pelo cuidador. Nessa dinâmica de relações intimamente
elaboradas pela necessidade dos cuidados básicos dispensados pelo cuidador
familiar ao seu idoso dependente, entra em cena uma nova perspectiva: o olhar
sobre quem cuida. As múltiplas demandas decorrentes da crescente
dependência geram um ônus físico, psicológico e social ao cuidador, que tende
a integrar em sua rotina uma ampla carga de novas tarefas.
Nesse contexto, a necessidade de uma atuação frente às novas
condições de vida do cuidador familiar é de extrema importância, visto que,
aquele que cuida precisa gozar de qualidade de vida, para que possa gerar,
Idoso dependente e qualidade de vida do cuidador familiar.
8
por sua vez, um contexto de saúde favorável ao idoso recebedor dos cuidados,
agregando equilíbrio e estabilidade às questões físicas, emocionais e
psicológicas de ambos.
A Terapia Ocupacional, sendo uma área do conhecimento, voltada aos
estudos, à prevenção e ao tratamento de indivíduos com alterações cognitivas,
afetivas, perceptivas e psicomotoras, através da sistematização e utilização da
atividade humana como base terapêutica, vem corroborar na reconstrução do
cotidiano fragmentado do cuidador, devido a necessidade do longo período de
atenção dispensado ao idoso altamente dependente.10
Sendo assim, a avaliação do cuidador é um instrumento capaz de
elucidar os fatores possivelmente afetados na qualidade de vida do mesmo,
podendo propiciar intervenções apropriadas pelos profissionais de saúde, no
resgate a integridade da saúde física, emocional e psicológica de quem cuida.
Portanto, o objetivo deste estudo foi analisar a qualidade de vida do
cuidador familiar do idoso altamente dependente, verificando o nível de
sobrecarga da tarefa de cuidar; apontar os fatores que interferem direta ou
indiretamente em seu cotidiano e avaliar o quão significativos são, na
perspectiva do cuidador, bem como entrelaçar as ações da Terapia
Ocupacional em propostas que auxiliem no enfrentamento da nova dinâmica
familiar.
METODOLOGIA
Idoso dependente e qualidade de vida do cuidador familiar.
9
Trata-se de um estudo de caso, observacional, com aplicação de
instrumentos validados de avaliação de qualidade de vida, respondidos pelo
cuidador do paciente idoso dependente.
A abordagem foi realizada no domicílio do sujeito da pesquisa, na
cidade de São José dos Campos, São Paulo, durante o mês de fevereiro e
março de 2011. O estudo foi realizado em quatro visitas domiciliares
(anamnese, duas visitas para aplicação dos protocolos de avaliação, feedback
ao sujeito da pesquisa). O sujeito da pesquisa – o cuidador familiar – tem 49
anos, é filha da paciente idosa, de 83 anos, portadora de atrofia cerebral,
estando esta acamada há seis anos. Neste caso específico, o cuidador acima
descrito tem o auxilio da irmã mais nova, de 26 anos, com quem divide as
tarefas da rotina familiar.
A aceitação em participar da pesquisa foi dada por escrito, através de
um termo de consentimento livre e esclarecido, redigido de acordo com as
normas do Conselho Nacional de Saúde, previamente assinado pelo
pesquisador terapeuta ocupacional responsável e pelo próprio sujeito da
pesquisa.
Para o alcance do objetivo optou-se pela utilização de dois instrumentos
de avaliação do cuidador: Inventário do Fardo do Cuidador (Zarit Burden
Interview, 1987) e o WHOQOL – BREF (World Health Organization Quality
of Life).
A Escala de Zarit é uma escala de enfrentamento, administrada aos
cuidadores, composta por 22 itens. Propõe avaliar o impacto percebido no ato
de cuidar sobre a saúde física e emocional, atividades sociais e condição
Idoso dependente e qualidade de vida do cuidador familiar.
10
financeira. Foi traduzida para o português e validada no Brasil em 2002. As
perguntas referem à relação entre o cuidador/pessoa alvo de cuidados e a
avaliação das condições do nível da saúde, bem-estar psicológico, financeiro e
social. As alternativas de respostas são: nunca=0, raramente=1, algumas
vezes=2, frequentemente=3, ou sempre=4. Os escores podem variar tendo de
0-88. Por meio dessa escala tem-se a possibilidade de obter o nível de
sobrecarga que varia de pequena com escore de até 20 (vinte) pontos,
moderada de 21 (vinte e um) a 40 (quarenta) pontos, moderada a severa de 41
(quarenta e um) a 60 (sessenta) pontos e sobrecarga severa quando se obtém
acima de 61 (sessenta e um) pontos. 11,12
O WHOQOL-BREF é uma versão abreviada do instrumento de
avaliação da qualidade de vida inicialmente com 100 questões, o WHOQOL-
100, propriedade da Organização Mundial da Saúde (OMS), que foi traduzido
em mais de 20 idiomas. A versão em português do WHOQOL-100 foi
desenvolvida pelo Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade
de Medicina (FAMED), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS), sob a coordenação do professor Marcelo Pio de Almeida Fleck. 13 A
versão abreviada é composta de 24 questões resumidas em quatro domínios
além de duas questões referentes à qualidade de vida global e estado de
saúde geral, compondo 26 questões.14 Os quatro domínios são:
I - físico (dor e desconforto; energia e fadiga; sono e repouso; atividades
da vida cotidiana; dependência de medicação ou tratamentos e capacidade de
trabalho);
Idoso dependente e qualidade de vida do cuidador familiar.
11
II - psicológico (sentimentos positivos; pensar, aprender, memória e
concentração; autoestima; imagem corporal e aparências; sentimentos
negativos; espiritualidade, religiosidade e crenças pessoais);
III - relações sociais (relações pessoais; suporte social e atividade
sexual);
IV - meio ambiente (segurança física e proteção; ambiente no lar;
recursos financeiros; cuidados de saúde e sociais; disponibilidade e qualidade;
oportunidade de adquirir novas informações e habilidades; participação e
oportunidade de recreação/lazer; ambiente físico: poluição, ruído, trânsito,
clima e transporte).
Para formar cada domínio foi escolhida a pergunta mais geral de cada
faceta do WHOQOL-100, sendo uma questão por faceta de cada domínio. É
utilizado para avaliar a percepção individual, dentro do contexto e sistemas de
valores, objetivos de vida e preocupações. 14
Os resultados obtidos através do Inventário do Fardo do Cuidador foram
analisados, bem como o resultado subjetivo do WHOQOL-Bref, instigando
propostas terapêuticas ocupacionais, na reorganização do contexto do
cuidador familiar.
O projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética
em Pesquisa da Universidade do Vale do Paraíba (nº H155/CEP/2010),
estando de acordo com os Princípios Éticos segundo as Diretrizes e Normas
Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos conforme
Resolução do Conselho Nacional de Saúde.
Idoso dependente e qualidade de vida do cuidador familiar.
12
RESULTADOS
A aplicação da escala de Zarit trouxe um resultado bastante significativo,
onde o cuidador pode ser avaliado quanto a sua perspectiva de sobrecarga,
quando relacionado aos cuidados com o idoso altamente dependente. Atingiu
um escore de 51 pontos, classificando-o no nível de sobrecarga moderada a
severa (41 a 60 pontos). Para este questionário, quanto maior a pontuação,
maior a sobrecarga, sendo o máximo de 88 pontos, inserido o indivíduo
cuidador em um dos 4 níveis de sobrecarga, segundo Tabela 1.
Com o questionário WHOQOL-BREVE, somaram-se 73 pontos nas 26
questões, duas gerais de qualidade de vida e 24 divididas nos 04 domínios
(físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente).
O domínio III (relações sociais) atingiu a maior média em relação aos
outros domínios. A média de cada domínio e o total está descrito na Tabela 2,
conforme cálculo realizado através da planilha do Microsoft Excel.15
Segundo o cálculo de escores e estatística do WHOQOL-bref utilizando a
planilha do Microsoft Excel, o percentual da qualidade de vida do cuidador
familiar do presente estudo, atingiu 45,19%, segundo Figura 1.15
Quando analisadas as facetas individualmente, identificou-se que dez
delas apresentaram escores de 25%, dez apresentaram escores de 50%,
quatro obtiveram escores de 75% e apenas uma faceta apresentou escore
100%15, conforme identificado na figura 2.
Idoso dependente e qualidade de vida do cuidador familiar.
13
DISCUSSÃO
Os cuidados domiciliares são elementos fundamentais aos pacientes
idosos altamente dependentes, visto a imprescindível ação quando
relacionamos cuidados e bom prognóstico. Na maioria das vezes uma única
pessoa da família se encarrega de todos os cuidados do paciente, sendo esses
mais exigentes quanto maior for o grau de dependência.16
No presente estudo, ambos os questionários foram eficazes para
avaliação da qualidade de vida da cuidadora familiar da idosa dependente.
Vindo de encontro à literatura, fica claro que as doenças crônicas,
particularmente as de natureza sequelar ou degenerativa, não tem previsão de
encerramento dos cuidados, visto que esses normalmente aumentam com a
progressão da patologia, fato esse que predispõe o cuidador a intensa carga
física, psicológica, emocional e social.16
O nível de sobrecarga moderado a severo encontrado com a aplicação
da escala de Zarit denota resultado positivo na avaliação da qualidade vida em
declínio, uma vez que de um total de 88 pontos, o escore atingido foi de 51
pontos, ou 58%. Falta de tempo para cuidar de si mesmo, perda de
privacidade, tensão psíquica e emocional, vida social e saúde prejudicadas
foram fatores de maior relevância identificados nas respostas do cuidador ao
questionário.
Os resultados encontrados com o WHOQOL-bref indicam escores
baixos de qualidade de vida do sujeito da pesquisa. Na subdivisão dos
domínios, 80% das facetas, atingiram escores inferiores ou iguais a 50%,
Idoso dependente e qualidade de vida do cuidador familiar.
14
revelando assim um déficit na qualidade de vida, onde apenas 20% dos
escores atingiram 75% ou mais. A pontuação média de cada domínio,
convertida nas porcentagens alertam para o maior comprometimento físico,
psicológico e social, que não passaram dos 47%. Tal resultado nos sugere que
a sobrecarga de tarefas e responsabilidades intensificam a rotina do cuidador
gerando um ônus em sua saúde física e psíquica.
Um estudo realizado por Schnaider, Silva e Pereira (2009), demonstrou
que a necessidade de prestar cuidados sistematicamente e a tensão
provocadas pela complexidade que envolve sua administração, podem fazer
com que os cuidadores se tornem pacientes em potencial, já que eles muitas
vezes não conseguem cuidar de si próprios, de sua saúde, relegando-se a um
segundo plano, devido à rotina estafante ao qual são expostos.16
Os resultados encontrados no presente estudo vêm confirmar a
literatura, uma vez que é possível identificar os baixos escores nos domínios
marcadores da qualidade de vida: déficit físico, ônus emocional e psicológico,
rompimento de relações sociais e inadequação do ambiente, em virtude de
mudanças, muitas vezes abruptas em virtude da progressão e aumento da
dependência do idoso. Esse estresse vem de encontro ao impacto causado na
vida do cuidador familiar, que tem seu cotidiano fragmentado e
consequentemente a despersonalização devido à migração do foco de vida.
Dor, fadiga, sono prejudicado, tristezas, dúvidas, necessidade de
tratamentos e recursos médico e/ou terapêuticos, autoestima e percepção
individual potencialmente afetada, são fatores identificados nos resultados
obtidos, que vem confirmar estudos contidos nas literaturas, que denotam a
Idoso dependente e qualidade de vida do cuidador familiar.
15
importância da ação frente aquele que cuida de idosos dependentes, para que
o mesmo goze de saúde e condições básicas para exercer a função de
cuidador familiar.17
A aplicação de ambos os questionários utilizados no presente estudo
permitiu identificar as esferas mais afetadas na qualidade de vida do cuidador
familiar, embora seja possível observar interferência em todas as áreas
pesquisadas. Tais constatações refletem a relevância que as condições e a
forma de enfrentamento da dinâmica do cuidar, podem influir, de maneira
positiva ou negativa na qualidade de vida da díade cuidador- idoso
dependente.18
Os escores atingidos revelam que, de fato, a exaustiva tarefa de cuidar,
contemporizada em uma rotina extenuante de cuidados contínuos, acabam
interferindo diretamente no contexto de vida do cuidador, afetando toda a
esfera física, emocional, psicológica e social, conforme revelado nos escores
dos domínios do WHOQOL-bref.
A interrupção do cotidiano e fragmentação do aspecto individual
enquanto ser humano nos levam a refletir sobre a necessidade de uma ação
frente à promoção da saúde do cuidador familiar, bem como um
replanejamento da rotina, em busca de melhor qualidade de vida e bem-estar.
Segundo estudo similar encontrado na literatura, os riscos à saúde física
e mental do cuidador familiar são decorrentes dos altos níveis de estresse e
conflitos presentes no ambiente doméstico, e pela falta de atenção e cuidados
dirigidos a si mesmo.19
Idoso dependente e qualidade de vida do cuidador familiar.
16
Assim sendo, o conhecimento dos fatores que interferem diretamente na
qualidade de vida de quem cuida, parece possibilitar ações que permitam
elaborar planos e práticas, que evitem a ocorrência dos mesmos e/ou introduzir
novas dinâmicas que diminuam os danos a saúde dos cuidadores.
CONCLUSÃO
A vida é um grande conjunto de ações e fazeres dependente da história
dos sujeitos e de seus meios social e cultural. Dessa forma, possibilitar a
qualidade de vida aos cuidadores de idosos dependentes, ainda que sob
condições extremas, é dever dos profissionais de saúde que devem atuar
frente a essa parcela da população, muitas vezes escondidas sob
problemáticas complexas que envolvem os idosos altamente dependentes.
Sendo assim, podemos pensar em estratégias que venham de encontro
a reestruturação da dinâmica familiar, bem como o estabelecimento de nova
rede social capaz de reintegrar o cuidador à comunidade, onde esse possa ter
acesso a suporte físico e emocional para o enfrentamento mais positivo na
tarefa do cuidar.
Pensando-se na limitação do indivíduo idoso altamente dependente e
seu cuidador familiar, as possibilidades de intervenção se expandem, partindo
do princípio em que o próprio domicílio oferece instrumentos valiosos na
reconstrução da identidade e qualidade de vida do cuidador.
Nesse ponto, a terapia ocupacional pode exercer um papel fundamental
através de sua atuação frente à dinâmica do idoso e seu cuidador familiar
Idoso dependente e qualidade de vida do cuidador familiar.
17
contribuindo com a organização da rotina, manutenção das atividades
significativas para o paciente e cuidador, desenvolvimento de ações
preventivas e hábitos de vida saudáveis, relacionados ao trabalho, postura,
atividade física e alimentação, orientação e realização de medidas de conforto
e controle de sintomas, apoio ao cuidador no desenvolvimento de suas funções
no que se refere ao uso da tecnologia assistiva, adaptações de materiais e do
ambiente necessários para a realização das atividades de vida diária (AVDs),
criação de espaços de convivência e interação, apoio, escuta e orientação ao
familiar e/ou cuidador. Isso posto, já que a terapia ocupacional busca a
ampliação da autonomia e das possibilidades do fazer, resgatando
capacidades remanescentes e fortalecendo a funcionalidade, possibilitando a
construção de brechas de vida, potência e singularidade, em um cotidiano por
vezes empobrecido e limitado pela doença.20
Portanto, sua atuação vem de encontro a ressignificação do sentido de
vida e recomposição do cotidiano, instrumentalizando o cuidador para ser o
próprio artífice das transformações em sua vida.
Idoso dependente e qualidade de vida do cuidador familiar.
18
TABELAS
Tabela 1 – Divisão dos níveis de sobrecarga da Escala de Zarit, com destaque
ao resultado da avaliação do cuidador alvo da pesquisa.
NÍVEL DE SOBRECARGA PONTOS
Pequena 0 - 20
Moderada 21 - 40
Moderada a Severa 41 - 60
Severa acima de 61
Tabela 2 - Estatística Descritiva WHOQOL-bref.
DOMÍNIO MÉDIA
I - Físico 11,43
II - Psicológico 11,33
III - Relações Sociais 14,67
IV - Meio Ambiente 10,5
Auto-avaliação da QV 8,00
TOTAL 11,23
Figura 1 – Percentual geral dos domínios do WHOQOL-bref.
Idoso dependente e qualidade de vida do cuidador familiar.
19
46,43
45,83
66,67
40,63
45,19
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Físico
Psicológico
Relações Sociais
Ambiente
TOTAL
Figura 2 – Distribuição das facetas dos domínios do WHOQOL-bref e porcentagens.
25,00
50,00
25,00
100,00
50,00
25,00
50,00
25,00
50,00
75,00
50,00
50,00
25,00
50,00
75,00
75,00
50,00
50,00
25,00
25,00
50,00
25,00
75,00
25,00
25,00
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Dor e desconforto
Energia e fadiga
Sono e repouso
Mobilidade
Atividades da vida cotidiana
Dependência de medicação ou de tratamentos
Capacidade de trabalho
Sentimentos positivos
Pensar, aprender, memória e concentração
Auto-estima
Imagem corporal e aparência
Sentimentos negativos
Espiritualidade/religião/crenças pessoais
Relações pessoais
Suporte e apoio pessoal
Atividade sexual
Segurança física e proteção
Ambiente do lar
Recursos financeiros
Cuidados de saúde
Novas informações e habilidades
Recreação e lazer
Ambiente físico
Transporte
Auto-avaliação da Qualidade de Vida
Idoso dependente e qualidade de vida do cuidador familiar.
20
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