Cláudia Toledo
Vicente Riccio Netto
III SEMINÁRIO NACIONAL
E I INTERNACIONAL EM
DIREITO E INOVAÇÃO
1ª Edição
Juiz de Fora
Faculdade de Direito da UFJF
2014
III Seminário de Direito e Inovação da UFJF
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SUMÁRIO
Fundamentação dos direitos humanos a partir de Kant e Alexy ................................................ 4
Veículos aéreos não tripulados (vant) no brasil: abordagem jurídica, econômica e ética .......... 6
Por uma revisão crítica do direito societário em nome de um efetivo regime de
responsabilidade empresarial ................................................................................... 8
Direito fundamental a uma tributação justa .............................................................................. 10
Metodologia da pesquisa em direito aplicada à biopirataria amazônica .................................. 12
Propriedade intelectual, doenças negligenciadas e a teoria crítica: a defesa do direito dos
abandonados por meio da racionalidade comunicativa. ........................................ 14
A realidade prisional brasileira sob o enfoque da teoria abolicionista de louk hulsman.......... 16
Privacidade e anonimato: a autorregulação existencial como um mecanismo biopolítico de
redistribuição do poder .......................................................................................... 18
O papel inovador do tribunal constitucional como arena social argumentativa: a participação
da sociedade no controle de constitucionalidade do brasil. ................................... 20
A qualificação humana da pessoa: um enquadramento ético-jurídico para o embrião oriundo
das técnicas de reprodução assistida ...................................................................... 22
A resolução nº 2013 do conselho federal de medicina e a produção dos bebês-medicamentos
............................................................................................................................... 24
O vazio ético-normativo na regulamentação das técnicas de reprodução assistida ................. 26
O “marco civil da internet” e a esfera pública habermasiana ................................................... 28
Imagem, provas em vídeo e a justiça ........................................................................................ 29
A qualificação do lucro da intervenção como enriquecimento sem causa ............................... 31
Expressão, dissuasão e internalização: a segurança jurídica na teoria de robert alexy ............ 33
Educação para que te quero? O INEP e a definição de qualidade educacional diante do art.
205 da constituição federal. ................................................................................... 35
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A operatividade das cláusulas e remédios contratuais na solução de abusos em relações
empresariais ........................................................................................................... 37
Um novo olhar sobre o direito à vida: reflexões sobre o caminho metodológico capaz de
reconhecer e sustentar o direito de morrer ............................................................. 39
Projeto parental e testamento biológico – limites e possibilidades de sua realização no brasil41
A tutela das relações contratuais sem negócio jurídico fundante ............................................. 43
ISBN 978-85-66252-03-3
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FUNDAMENTAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS A PARTIR DE KANT E ALEXY
Paola Durso Angelucci
O resumo levanta a hipótese de fundamentação dos direitos humanos no princípio da
autonomia. Para tanto, utilizamos o argumento de autonomia presente em Alexy e seus pontos
comuns com o pensamento kantiano. A partir de Alexy, tratamos a fundamentação dos
direitos humanos como um caso especial de fundamentação das normas morais, em que as
noções de dignidade e autonomia são complementares. A metodologia utilizada consiste em
uma análise descritiva e compreensiva da “autonomia” presente na teoria do discurso de
Alexy e em Kant.
Segundo Alexy, a fundamentação dos direitos humanos tem como ponto de partida
uma das teses centrais da teoria do discurso, segundo a qual, no processo de argumentação, a
liberdade e a igualdade são pressupostas pelos interlocutores. Ou seja, a prática discursiva
pressupõe o respeito à autonomia dos participantes. Entende-se que as pessoas devem
determinar seu comportamento através da adoção livre de princípios que elas julguem válidos
segundo sua própria reflexão.
Alexy afirma que aquele que reconhece o outro como ser autônomo, o reconhece
como pessoa. E, ao reconhecer como pessoa, o participante atribui dignidade ao outro
indivíduo. Finalmente, ao atribuir dignidade, o participante reconhece a existência de direitos
humanos. No mesmo sentido, Kant afirma que o homem, como fim em si mesmo, não possui
um preço (ou valor relativo), mas um valor acima de qualquer preço, ou seja, dignidade.
Segundo Kant, as únicas regras morais aceitáveis são aquelas que podem ser
adotadas por todos. Isto fica claro a partir do imperativo categórico, que constitui a lei
fundamental da razão pura prática: devemos agir de tal modo que a máxima da nossa ação
possa valer como lei universal. Da mesma forma, em Alexy, uma norma é considerada correta
e, portanto, válida, quando resulta de um discurso prático racional, sendo que um discurso
prático será racional quando forem cumpridas as condições da argumentação, as quais
expressam as ideias de universalidade e autonomia. Ou seja, uma norma só encontrará
aprovação universal em um discurso se todos aqueles que quiserem, puderem dele participar.
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Alexy acrescenta, ainda, que um indivíduo participa genuinamente do discurso moral
quando deseja solucionar conflitos por meio do consenso. Assim, a conexão entre a
capacidade discursiva e o interesse de agir em direção ao consenso implica o reconhecimento
do interlocutor como autônomo. Aqui há, portanto, uma conexão com a razão prática de
Kant, que consiste na capacidade de determinar a vontade no sentido da ação moral. Se, como
assevera Kant, a autonomia da vontade é o único princípio de todas as leis morais e dos
deveres a elas relacionados, e se consideramos, como Alexy, que a fundamentação dos
direitos humanos é um caso especial dentro da fundamentação das normas morais, é com base
na autonomia que encontraremos uma fundamentação racional que justifique a existência dos
direitos humanos.
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VEÍCULOS AÉREOS NÃO TRIPULADOS (VANT) NO BRASIL: ABORDAGEM
JURÍDICA, ECONÔMICA E ÉTICA
Daniel Domingues Gonçalves
É cada vez mais comum se observar no espaço aéreo nacional Veículos Aéreos Não
Tripulados (VANT), que são definidos como ''uma plataforma aérea de baixo custo
operacional que pode ser operada por controle remoto ou executar perfis de voo de forma
autônoma''. Mesmo esse conceito deve ser revisto devido aos avanços tecnológicos. Sendo seu
uso para fins comerciais ou militares, vários questionamentos jurídicos, éticos e econômicos
são levantados.
Do ponto de vista jurídico, a normatização existente se mostra insuficiente
principalmente quando falamos de aspectos de segurança do espaço aéreo nacional. Já é voz
comum entre os especialistas que a lei deve ser atualizada, de forma que seu uso não seja
prejudicial a coletividade devido a um uso indiscriminado decorrente da falta de legislação
específica.
Por outro lado, é clara a responsabilidade da ANAC uma vez que a própria lei o
define como tal, de modo que, como agência reguladora, cumpre a mesma especificar as
condições de tal uso, em se tratando de uso civil.
Cumpre é claro esclarecer que as possibilidade econômicas decorrentes de tal avanço
tecnológico colocam ainda mais o direito em uma situação de pressão, devido a
multiplicidade de possibilidades comerciais. Impossível ainda esquecer a sua utilização pelo
próprio estado, que aumenta o seu leque de instrumentos existentes para devida coleta de
dados, que podem ao fim, contribuir para o devido dimensionamento de políticas públicas,
principalmente quando nos referimos a dados geográficos.
Por fim, envolve ainda um aspecto ético compreensível, devido ao fato que tais
veículos têm a capacidade de realizar observações em locais muitas vezes inacessíveis a
veículos aéreos comuns, sem esquecer o fato que, pela inexistência de tripulação, fica
facilitada a observação de locais perigosos. Assim é pertinente sem dúvida a reflexão de até
onde os direitos e garantias individuais poderiam ser violados pela omissa legislação
existente.
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Dessa forma, uma legislação específica e atualizada cumpre a função de dar
segurança jurídica, estabelecendo critérios econômicos e éticos para o uso do VANT no
Brasil.
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POR UMA REVISÃO CRÍTICA DO DIREITO SOCIETÁRIO EM NOME DE UM
EFETIVO REGIME DE RESPONSABILIDADE EMPRESARIAL
Luciana Tasse
Juliana Martins de Sá Müller
O Direito Societário vigente reside sobre um paradoxo regulatório que produz
distorções especialmente quanto ao regime de responsabilidade dos entes corporativos. Isso
porque a atividade empresária, tal como se organiza atualmente, assume a estrutura de grupo
societário, pela qual um conjunto de sociedades empresárias, ainda que conservando
formalmente a sua autonomia jurídica, subordina-se à direção econômica unitária de uma
sociedade controladora. Pode-se dizer que o surgimento dos grupos de sociedades ensejou
verdadeira crise nos quadros jurídico tradicionais, uma vez que o princípio clássico da
autonomia societária, que permite a atribuição de personalidade jurídica à sociedade e a
limitação da responsabilidade dos sócios, está em absoluta contradição com o princípio do
controle societário, traço distintivo e condição de possibilidade dessa nova forma de
organização empresarial. Por isso mesmo, a aplicação automática dos parâmetros clássicos de
responsabilidade, concebidos para a sociedade empresária única, ao grupo de sociedades, é
insuficiente e enseja deturpações quando se tem em vista a realidade empresarial, como se vê
na evasiva pela subcapitalização de subsidiárias para a exploração de atividades de risco, além
da conveniente dificuldade de delimitação necessária da unidade causadora do dano - ainda
que, de fato, seja óbvio o grupo multissocietário responsável e beneficiário. Vê-se, portanto
que as violações de Direitos Humanos por esses entes privados, nomeadamente as
corporações, trazem para o Direito o problema de como efetivamente assegurar a
responsabilização pelas suas atividades, bem como a reparação para os indivíduos e
comunidades vítimas de tais violações. Diante disso, fica evidente a necessidade de se
reconsiderar criticamente a teoria do Direito Societário, como um imperativo da razão cívica,
não apenas porque a sua teoria se vê confrontada internamente por princípios contraditórios,
mas, em especial, pela necessidade de se resguardarem efetivamente todos os indivíduos
sujeitos aos impactos da atividade empresarial na totalidade de seus direitos. Para tanto,
propõe-se uma pesquisa qualitativa, valendo-se do método dedutivo de análise de conteúdo, a
fim de se construir uma rede analítica de conceitos que permita explorar como deve se dar,
efetivamente, o Direito Societário, aqui entendido como uma vertente jurídica balizada pelas
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razões cívicas, para, a partir dessa conformação teórica, se discutir o sistema de
responsabilidade empresarial, dado que dentre as inúmeras barreiras de acesso à justiça e
responsabilização em casos de violações de direitos humanos pela atividade empresária, a
própria estrutura jurídica desses empreendimentos constitui um impasse.
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DIREITO FUNDAMENTAL A UMA TRIBUTAÇÃO JUSTA
Profa. Dra. Elizabete Rosa de Mello
Tratar de “Direito Fundamental a uma Tributação Justa” é um desafio, eis que cada
país e cada ente Federativo brasileiro utilizam seus critérios e formas de tributação. Ademais,
a maioria dos tributos brasileiros, como os impostos, não são vinculados, isto significa que
não há contraprestação por parte do ente Federativo quando o contribuinte efetua o pagamento
de um imposto, assim cobra-se de quem tem o dever de contribuir e a Lei Orçamentária
determinará a destinação do recurso, que pode ser para suportar ou não uma necessidade
social.
O cumprimento da obrigação tributária está condicionado à distribuição da carga
tributária entre os cidadãos-contribuintes. Esse é o grande problema, principalmente
considerando o regime federativo adotado pela nossa Constituição. Segundo o modelo, o
poder de tributar é repartido pelos entes políticos com base nas funções que competem a cada
um e nas espécies tributárias previstas na Constituição Federal.
A equação que coloca em um dos lados o quantum necessário para atendimento das
necessidades públicas e em outro o potencial de contribuição de cada um, demanda
permanente ajuste, revelando o eterno dilema entre as políticas públicas e a justiça
distributiva, de caráter eminentemente privado.
É sob esse ângulo de visão que a capacidade contributiva, refletida nos princípios da
igualdade de benefício e da igualdade de sacrifícios, é frequentemente violada, vez que os
recursos oriundos da arrecadação de tributos não retornam na mesma proporção em que são
pagos pelos contribuintes. É válida essa afirmação, em que pese a significativa redução das
desigualdades sociais e de renda em nosso país. Não se pode negar que a superação do déficit
de conforto e satisfação das necessidades sociais ainda hoje exige esforço demasiadamente
grande dos brasileiros pertencentes às classes menos favorecidas.
Para se ter uma tributação realmente justa, antes de saber o quanto se vai arrecadar é
preciso estabelecer os parâmetros de aplicação dos recursos arrecadados. Políticas de
redistribuição de renda, em geral, levam em conta aspectos pessoais dos contribuintes ou
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pontos específicos das políticas de desenvolvimento, quando deveriam considerar a sociedade
como um todo.
A tributação justa é um direito fundamental do indivíduo, calcada no conceito de
modelos jurídicos baseados nos fatos, preconizada na elaboração das normas jurídicas
tributárias com o caráter estruturante do sistema. Igualmente, a jurisprudência dos Tribunais e
as decisões administrativas dos Conselhos de Contribuintes devem pautar-se pela coerência e
permanência, gerando as saudáveis sensações de segurança e certeza nos contribuintes.
Mecanismos poderão ser criados para tornar todos os tributos vinculados e reduzir a
carga tributária no Brasil, isto não significa que serviços e obras públicas serão paralisados,
pelo contrário, serão planejados, por meio de uma gestão das receitas públicas, conforme
preconiza a Lei de Responsabilidade Fiscal em vigor desde o ano de 2000.
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METODOLOGIA DA PESQUISA EM DIREITO APLICADA À BIOPIRATARIA
AMAZÔNICA
Marcelo de Castro Cunha Filho
Marcos Vinício Chein Feres
O desenvolvimento de qualquer pesquisa científica pressupõe que todas as suas fases
estejam respaldadas por uma metodologia consistente desenhada na fase do projeto.
Entretanto, apesar da imprescindibilidade do plano metodológico, inúmeros acadêmicos da
área do direito vêm denunciando a má qualidade das pesquisas do campo em razão da
inobservância total ou parcial de padrões metodológicos aplicados às pesquisas jurídicas. Em
razão disto, torna-se indispensável a explicitação e a defesa da metodologia aplicável junto ao
desenvolvimento de qualquer pesquisa da área do direito. Este é, afinal, o objetivo deste
trabalho. Pretende-se estabelecer aqui os principais pontos metodológicos a serem observados
no posterior processo de investigação do assunto. Entre eles, destacam-se a fixação de um
marco teórico defensável do ponto de vista racional, a problematização do tema, o
levantamento da hipótese e os necessários procedimentos metodológicos que deverão orientar
a coleta de dados. A teoria do reconhecimento de Axel Honneth, aliada à noção de
comunidade personificada de Ronald Dworkin, consiste no referencial teórico da pesquisa. A
partir do enfoque honnethiano, ressalta-se a necessidade de se fomentar, através dos mais
diversos âmbitos sociais, entre eles o institucional jurídico, o estabelecimento de condições
comunicativas básicas entre os indivíduos que cristalizem relações de reconhecimento
recíproco entre os mesmos, tanto no que diz respeito às características abstratas dos sujeitos
como às suas propriedades concretas, como a cultura e a estima social. Esse momento ético
ideal, no qual o outro é chamado a constituir e a ter sua esfera de direitos e deveres constituída
pelas relações de reconhecimento recíproco, pode ser muito bem ilustrado pela ideia de
comunidade personificada de Dworkin. Com base neste referencial, questiona-se se o
patenteamento de conhecimento tradicional amazônico pela indústria convencional distorce as
condições sociais básicas de reconhecimento de uma ou de ambas as formas culturais de
produção de conhecimento. Levanta-se a hipótese de que a apropriação de conhecimento
tradicional através do direito de patentes interfere negativamente nas condições sociais
básicas de reconhecimento do modo de produção de conhecimento de grupos tradicionais e,
consequentemente, de sua cultura e seu ambiente social. Para a verificação da hipótese, deve-
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se comprovar o nexo de causalidade entre o direito de patentes e o impacto social negativo
que ele gera sobre comunidades tradicionais. Para tanto, a pesquisa valer-se-á dos
procedimentos de análise de conteúdo da legislação específica e de análise de casos de
processos e/ou produtos advindos de conhecimento tradicional que foram apropriados por
patentes. O primeiro procedimento metodológico deverá ser aplicado para comprovar a
existência de eventuais elementos do direito de propriedade intelectual que fomentem relações
sociais lesivas ao reconhecimento da cultura de comunidades tradicionais. A segunda classe
de procedimentos deverá demonstrar o impacto, se existente, que os possíveis elementos
legais exercem sobre o reconhecimento social desses grupos e deverá, consequentemente,
ajudar a elucidar se o fato afeta a possibilidade de integrá-los como partícipes de uma
comunidade fraterna que preza pela igualdade de reconhecimento entre os indivíduos.
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PROPRIEDADE INTELECTUAL, DOENÇAS NEGLIGENCIADAS E A TEORIA
CRÍTICA: A DEFESA DO DIREITO DOS ABANDONADOS POR MEIO DA
RACIONALIDADE COMUNICATIVA.
Thais Miranda Moreira
Rafael Alem Mello Ferreira
Rosângela Aparecida da Silva
Esta investigação vale-se de orientações teóricas e filosóficas que dão sustentação à
teoria crítica do direito. Sua ousadia, se é que existe, reside na tentativa de enxergar o Direito
como agente catalisador de procedimentos emancipatórios, ou seja, viabiliza a obtenção das
potencialidades renegadas em uma sociedade marcada pela irracionalidade.
Nossa análise desenvolver-se-á sobre as perspectivas da teoria crítica capitaneada por
Jurgen Habermas, notadamente em suas obras A mudança estrutural da esfera pública, Teoria
do Agir Comunicativo e Direito e Democracia. Segundo Axel Honneth, Habermas, ao se
desvincular do paradigma da filosofia da consciência e inaugurar o paradigma da filosofia da
linguagem, retira a teoria crítica da aporia em que se encontrava, consagrando uma nova
forma de conciliar a teoria e a prática para alterar a realidade.
Passamos, então, a enfrentar o problema de como os institutos jurídicos que tutelam a
propriedade intelectual lidam com as doenças negligenciadas no contexto das sociedades
modernas. Ao analisarmos a atuação jurídica, devemos considerar a conjuntura do mundo da
vida colonizado pelos sistemas do dinheiro e do poder. A escolha das doenças as quais se
dedicam esforços na busca da cura e tratamento, portanto, esbarra nessa colonização. Nesse
intuito, Marcelo Neves salienta que (...) a modernidade exigiria positivamente a construção
de uma esfera pública, topos democrático discursivamente autônomo com relação aos meios
sistêmicos de poder e dinheiro.
Doenças graves que afetam populações que não podem pagar por tratamento não são
pesquisadas, a tutela da propriedade intelectual acaba por fomentar apenas a pesquisa em
doenças rentáveis, e significam nada mais que um prêmio para os pesquisadores/empresas. Se
não invertemos a lógica dessa racionalidade estaremos contribuindo para a manutenção dessa
realidade. O direito deve aqui ser manejado como a mola propulsora de um novo equilíbrio,
deixando de ser apenas um elemento de integração social e de manutenção do status quo.
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O objetivo não é clamar pelo fim do capitalismo ou do sistema de dominação
burocrática, mas que o Direito possa cumprir o seu papel fundamental, que é o de viabilizar a
construção de barragens democráticas contra “a invasão colonizadora dos imperativos
sistêmicos em áreas do mundo da vida”. Uma mudança nos processos de legitimação pautada
pelo discurso objetiva um novo balanço entre as forças de integração social para que o poder
sócio integrador da solidariedade possa prevalecer sobre os poderes colonizadores, e com isso
asseverar as demandas orientadas pela prática, oriundas do mundo da vida.
Por fim, o modelo de circulação de poder pode permitir a formação racional da
opinião e da vontade dos cidadãos por meio do desenvolvimento de uma esfera pública que,
através do direito, é capaz de influir no núcleo sistêmico de tomada de decisões, permitindo
que o prêmio estatal atribuído à proteção intelectual deixe de exacerbar a negligência de
doenças que acometem uma população carente e excluída.
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A REALIDADE PRISIONAL BRASILEIRA SOB O ENFOQUE DA TEORIA
ABOLICIONISTA DE LOUK HULSMAN.
Arnaldo Alves Pereira
Lucas Botelho Carneiro
INTRODUÇÃO – A nossa sociedade, e nisso nos incluímos, já incorporou e se
acostumou à ideia de pena decorrente de um ato ilícito, de modo que falar em abolição do
sistema penal parece algo distante e até impossível. Daí a importância da obra intitulada
“Penas Perdidas: O Sistema Penal em Questão” de autoria do penalista e criminólogo Louk
Hulsman, que muitas vezes parece sugerir ideias não factíveis quando analisadas
superficialmente. Cabe ao crítico atento, antes de realizar um julgamento precipitado, refletir
sobre a realidade do sistema penal, e a suposta segurança que o mesmo traz. E é com o
objetivo de reflexão e crítica que pretendemos investigar a realidade prisional brasileira.
METODOLOGIA – O trabalho busca analisar dados estatísticos datados de 1990 até
pesquisas mais atuais referentes à criminalidade e sistema carcerário brasileiro, a fim de
entender a Teoria Abolicionista de Louk Hulsman.
DISCUSSÕES – O que a política criminal brasileira (repressiva e punitiva)
representa desde a década de 90, pode ser observado nos números alarmantes colhidos do
sistema prisional. Tais dados demonstram o seguinte: o sistema penal não é eficiente quanto a
prevenção, resolução e punição de crimes; opera de forma seletiva (a maioria dos presos é
compostas pelos pobres e marginalizados) e viola diariamente os direitos humanos do presos.
Hulsman critica toda essa lógica e propõe uma abolição de todo o sistema penal. Para o autor
a sociedade deveria se guiar pela solidariedade e se aproximar dos conflitos buscando
resolve-los de uma maneira alternativa à punição penal. Segundo a principal crítica
direcionada à sua teoria, com a abolição do sistema a sociedade estaria à mercê da violência.
Tal crítica parte do pressuposto de que o sistema penal exerce a função essencial de proteção
da sociedade. Porém o que se vê através da análise de dados empíricos é que a maioria dos
crimes violentos (92% no caso dos homicídios), não foram investigados, julgados e tiveram
seus autores punidos. Isso sem levar em conta a cifra negra e o desrespeito à direitos
humanos.
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CONCLUSÃO – Ainda que se diga que a teoria abolicionista de Hulsman é
“inocente”, “ambiciosa”, “dependente de evolução moral” ou quaisquer outras ideias a que se
possa chegar, antes disso é preciso reconhecer que a sua obra contribui enormemente para: a)
detectar os vícios do sistema; b) refletir sobre um direito penal frio e descomprometido com a
realidade dos fatos e, mais além, que sequer cumpre com um de seus princípios basilares, que
seria, ao menos em tese, consolidar um direito penal mínimo. O sistema penal é cruel,
obsoleto e ineficaz. As máscaras do sistema já estão no chão para quem quiser ver. Resta
agora lutar pelas reformas necessárias.
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PRIVACIDADE E ANONIMATO: A AUTORREGULAÇÃO EXISTENCIAL COMO
UM MECANISMO BIOPOLÍTICO DE REDISTRIBUIÇÃO DO PODER
Murilo Ramalho Procópio
O objeto da presente pesquisa se volta para a investigação do fenômeno social de
manifestações políticas individuais e coletivas exercidas sem a identificação prévia dos
sujeitos, analisando uma possível relação entre a proteção de ações políticas anônimas e o
direito à privacidade, nos seus atuais contornos teóricos. Dessa forma, pode-se resumir o
problema da presente pesquisa no seguinte questionamento: é possível fundamentar a tutela
da manifestação política anônima com base no direito à privacidade?
A hipótese por nós levantada em relação ao problema em questão é no sentido de
confirmar a possibilidade de construção de um direito à manifestação política anônimo
organizado sob a lógica do direito à privacidade, o que tentará ser realizado através da
formulação de um sistema analítico de conceitos, obtidos através de pesquisa bibliográfica.
Este sistema, por sua vez, orbitará em torno de dois eixos teóricos principais. Primeiramente,
recorre-se à noção de HARDT e NEGRI (2005), segundo a qual admite-se a existência de
sujeito político coletivo na contemporaneidade - a multidão - composta pela união de
inúmeras singularidades e de suas respectivas reivindicações. Este sujeito seria responsável
por desenvolver alternativas à apropriação do tempo e das formas de trabalho - principalmente
imaterial - pelo sistema capitalista, através de iniciativas produtivas organizadas em rede e de
forma cooperativa, consistindo, simultaneamente, uma forma de materialização da ação
política democrática, na medida em que suas formas de organização e participação tendem a
se moldar sem as hierarquias e os individualismos do sistema capitalista.
O segundo eixo teórico a ser trabalhado se refere ao conceito de privacidade no
contexto da sociedade de vigilância, conforme RODOTÀ (2007). Este se refere, em termos
extremamente resumidos, à existência de normas jurídicas que regulam e ampliam a
capacidade do sujeito de autodeterminar as próprias escolhas existenciais, escapando a
classificações e retaliações próprias de uma sociedade marcada pela vigilância das
comunicações e pela imposição de padrões comportamentais, seja por grandes indústrias de
comunicação ou por Estados autoritários.
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A pesquisa até aqui desenvolvida confirmou a possibilidade de uma aproximação
teórica entre esses dois eixos conceituais, na medida em que ambos abordam – embora através
de diferentes perspectivas – as consequências do processo de mercantilização dos afetos e das
subjetividades, bem como a possibilidade de resistência comum e coletiva, seja através da
ação política radicalizada ou por meio da autodeterminação protetiva das informações
pessoais.
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O PAPEL INOVADOR DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL COMO ARENA
SOCIAL ARGUMENTATIVA: A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NO
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DO BRASIL.
Mario Cesar da Silva Andrade
Recentes decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) em sede de controle de
constitucionalidade prometem significativa repercussão na proteção dos direitos fundamentais
e na vida institucional do Estado Democrático de Direito brasileiro. Exemplificam isso, os
julgamentos sobre a constitucionalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias, da
“Lei da Ficha Limpa”, das relações homoafetivas, entre outros.
Atualmente, existe a possibilidade de o processo de decisão do STF ser enriquecido
dialógica e democraticamente com a participação de setores sociais interessados, através de
associações e instituições representativas, e de técnicos especializados, em audiências
públicas. Contudo, os mecanismos institucionais que viabilizam essa participação parecem
permanecer muito aquém do seu potencial reflexivo-emancipatório.
Porém, a utilização dos institutos do amicus curiae e das audiências públicas pelo
STF (e pelas cortes constitucionais em geral) pode servir de mecanismo institucional apto a
continuar a tarefa da Constituição de compatibilizar Estado de Direito e Democracia e de
reconstruir os direitos fundamentais sob uma proposta de maior legitimidade democrática para
o processo decisório?
Os institutos jurídicos de participação social no processo decisório do STF, em sede
de controle de constitucionalidade, não têm liberado seu potencial reflexivo-emancipatório e
de reconstrução institucional, nem parecem ter proporcionado uma renovação na legitimação
democrática das decisões do Tribunal, apesar do incremento argumentativo do processo
decisório. Isso pode ser explicado por dois fatores: (1) a transposição ao STF do juízo técnico
dos experts, característico das perícias presentes nas instâncias ordinárias; e (2) a busca
apenas formal por legitimação democrática, desconsiderando o caráter sócio-dialógico e
pluralista do percurso argumentativo.
A despeito da íntima conexão entre Estado de Direito e Democracia, há entre esses
dois princípios uma intrínseca tensão, em parte compatibilizada no texto constitucional, mas,
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em parte, persistente, que se evidencia nas demandas sociais, mas que também aparece nas
questões sob o juízo do controle de constitucionalidade, por exemplo, na definição do âmbito
de proteção dos direitos fundamentais, de seus conteúdos essenciais e do mínimo existencial.
Numa realidade desencantada pela ciência (Weber), mas não consolada pela sua
“falseabilidade” (Popper), revela-se um futuro em aberto, em que só a
“destranscendentalização” dos envolvidos pode liberar a “intersubjetividade reprimida”
(Habermas). Para diversos segmentos sociais, isso pode ser a saída de uma posição de
rebaixamento para uma autorrelação nova e positiva, em uma estrutura de experiência de
respeito e reconhecimento recíprocos (Honneth).
A tomada de decisões do STF em sede de controle de constitucionalidade é ainda
fundamentada no paradigma da filosofia da consciência, na razão centrada no sujeito,
exclusivamente monológico. Todavia, os tribunais constitucionais podem ser uma instância
social de atualização do Estado Democrático de Direito, de compatibilização entre as
garantias estabilizadoras do Estado de Direito e as demandas de modificação social da
Democracia, bem como de atualização dos direitos fundamentais, em um contexto
efetivamente integrador. Mas esse projeto só será legítimo e eficaz se pautado em
procedimentos de compreensão mútua para a formação de decisões potencialmente
consensuais, marcados pelo diálogo social pluralista.
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A QUALIFICAÇÃO HUMANA DA PESSOA: UM ENQUADRAMENTO ÉTICO-
JURÍDICO PARA O EMBRIÃO ORIUNDO DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO
ASSISTIDA
Kalline Carvalho Gonçalves Eler
Luciana Gaspar Melquíades Duarte
A problemática do embrião extracorporal demanda ao Direito decidir se tais seres
são ou não pessoas para então definir quais seriam os seus direitos personalíssimos.
Erigiu-se, a partir do dualismo antropológico cartesiano e do entendimento lockeano
sobre identidade pessoal, a ideia de que nem todos os homens são pessoas. Sob este
entendimento, o termo ‘pessoa’ passou a ser utilizado para designar aqueles que detêm
racionalidade e autodeterminação, em suma, consciência.
A consciência, todavia, conforme a fenomenologia husserliana, encontra-se na
dimensão metafísica e seu desenvolvimento, ainda que em potencial, é inerente à essência
humana. Se a consciência é o elemento que caracteriza tanto o homem quanto a pessoa,
qualquer homem é pessoa, mesmo que não haja uma racionalidade atual. Portanto, inexistem
quaisquer requisitos extrínsecos a serem cumpridos pelo homem para merecer a qualificação
de pessoa, basta ser humano.
O conceito de pessoa não pode ser definido a partir da constatação de determinadas
qualidades específicas. A escolha de certas características será sempre arbitrária e implicará a
aceitação de que alguns detêm autoridade e poder para decidir em quais condições se é ou
deixa de ser pessoa.
A função cognitiva não define a pessoa, não há uma vinculação necessária entre
ambas. A pessoa não se confunde com suas propriedades; do contrário, deixaria de ser pessoa
quando não mais as possuísse. É porque os homens são tratados como pessoas que o
desenvolvimento dessas habilidades torna-se possível. A pessoa só conseguirá enxergar-se
como agente autônomo e imputável se a continuidade de si mesma e seu desenvolvimento
natural não forem interrompidos.
A pessoa também não é um estado porque não surge pouco a pouco. A personalidade
é qualitativa; não admite gradações: se é ou não é pessoa. Inexiste transição entre o algo e o
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alguém, segundo a Teoria da Personalidade de Spaemann, logo, o embrião não pode ser tido
como uma pessoa em potencial.
Do ponto de vista ontológico, a relação de uma fase com outra sucessiva do ciclo
vital não é uma relação de potência e ato, posto que em qualquer momento do ciclo manifesta-
se todo o organismo conforme sua fase correspondente.
Sustenta-se que, uma vez que o embrião já reúne todas as características necessárias
para o desenvolvimento do ser humano nascido, e que, como ele, transforma-se
continuamente, até a morte, em razão da multiplicação e da mutação de suas células, não se
logra fundamento válido para exclui-lo do conceito de pessoa, o que o faz merecedor de
reconhecimento e proteção jurídica.
Por essa razão, os atos de intervenção na vida embrionária precisam considerar uma
realidade comunicativa e não reificante. Ainda que a obtenção do consenso seja contrafática,
ele deve ser o pressuposto a guiar as atividades daqueles que lidam com a vida em sua
origem. Os interesses do embrião devem ditar os limites da sua manipulação.
Entendimento em sentido contrário implicaria uma visão mercadológica dos seres
oriundos do processo de fertilização in vitro que, como produtos, poderiam ser fabricados,
barateados, pesquisados, destruídos, enfim reificados sem qualquer reflexão ética mais
profunda.
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A RESOLUÇÃO Nº 2013 DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA E A
PRODUÇÃO DOS BEBÊS-MEDICAMENTOS
Kalline Carvalho Gonçalves Eler
Luciana Gaspar Melquíades Duarte
Este resumo dedica-se à problemática da produção de embriões, mediante o emprego
de técnicas de reprodução assistida, com o propósito de seleção daqueles HLA-compatíveis
com algum filho do casal já afetado por doença que tenha como modalidade de tratamento
efetivo o transplante de células-tronco ou de órgãos.
Esta prática é disciplinada, atualmente, apenas pela Resolução do Conselho Federal
de Medicina nº 2.013 (BRASIL, 2013), recente e carecedora da devida interpretação sobre os
preceitos constitucionais vigentes.
Adotando-se as linhas metodológicas do tipo jurídico-compreensiva e jurídico-
propositivo, sustenta-se, ainda que de forma incipiente, a quase total ausência de proteção
jurídica dada ao embrião oriundo de técnicas de fertilização in vitro com o propósito de
permitir o tratamento de irmão enfermo. Aponta-se, assim, a necessidade de se realizar uma
ponderação entre os direitos fundamentais em conflito: direito à saúde do ser já existente e os
direitos personalíssimos do embrião gerado.
De acordo com a Resolução nº 2013 (BRASIL, 2013) estaria autorizada a
“produção” de embriões cujo material biológico será destinado a tratar outra pessoa, ou seja, a
geração de seres humanos com uma finalidade específica, o que é incompatível com a
dignidade humana, de acordo com a formulação kantiana, referência teórica deste trabalho,
que concebe o ser humano como um fim em si mesmo. Não é compatível com o princípio
dignidade humana a geração de um ser mediante ressalva que somente após um exame
genético será considerado digno de uma existência e de um desenvolvimento.
Alinha-se à pesquisa em apreço, outrossim, a teoria pós-positivista, na perspectiva da
teoria dos direitos fundamentais de Alexy (2002), que se orienta pela análise dos direitos
fundamentais colidentes mediante emprego da técnica da proporcionalidade, bem como a
teoria do Direito como integridade de Dworkin (2007), que implicará a extração do peso a ser
conferido aos direitos conflitantes na comunidade política destinatária da decisão. Sob este
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25
viés teórico será possível a análise da colisão entre o direito a saúde e o direito à dignidade
humana.
Ademais, o Diagnóstico Genético Pré-implantacional, ao tomar para análise duas
células do embrião que tem somente oito, aumenta a probabilidade deste ser, se nascido,
sofrer graves enfermidades, ligadas ao imprinting genético, risco que é pouco divulgado pelas
clínicas de fertilização. Outro aspecto a ser examinado consiste no congelamento ou
destruição de um elevado número de embriões no emprego técnica em questão. Em 2005, os
resultados atualizados das experiências do Instituto de Genética Reprodutiva de Chicago,
conjuntamente com outros centros da Austrália, Bélgica e Turquia, demonstraram que dos
1.130 embriões produzidos, apenas 123 eram compatíveis e, por isso, foram implantados;
destes apenas 13 nasceram, revelando uma eficiência do método de 1,15%.
Aufere-se, portanto, que o diagnóstico pré-implantacional caracteriza uma técnica
que outorga a alguns seres humanos a capacidade de decidir sobre a vida de outros. A
ponderação quanto aos direitos à saúde e à vida do embrião gerado in vitro não está sendo
realizada para solucionar a problemática em apreço.
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O VAZIO ÉTICO-NORMATIVO NA REGULAMENTAÇÃO DAS TÉCNICAS DE
REPRODUÇÃO ASSISTIDA
Kalline Carvalho Gonçalves Eler
Luciana Gaspar Melquíades Duarte
Diante do avanço do progresso científico no campo biomédico, torna-se notória a
necessidade de respostas jurídicas para as sociedades tecnologicamente avançadas. As
alterações constantes no plano tecnológico devem ser acompanhadas por uma mudança no
ambiente jurídico-institucional.
No que concerne às tecnologias reprodutivas, constata-se uma lacuna entre a
formulação ética e a normatização jurídica. A regulamentação da matéria tem sido conduzida
pelo Conselho Federal de Medicina. Enquanto órgão definidor dos preceitos da ética médica,
isto é, das regras de conduta para o exercício da Medicina, o Conselho, a princípio, não teria
legitimidade social para dispor acerca de questões que atingem a toda a sociedade, problema
sobre o qual se debruça na pesquisa em questão.
Observa-se, nas resoluções que tratam das técnicas de reprodução, a estipulação de
deveres e direitos para os usuários dos serviços, de modo que as regras de conduta
profissional dos médicos tornaram-se os únicos parâmetros morais de julgamento para os
casos de conflito.
A regulação da reprodução assistida restringe-se à crítica e ao controle interno da
classe médica, dependendo tão-somente da consciência e boa vontade dos especialistas na sua
própria prática. Percebe-se a existência de um viés exclusivamente cientificista nos os
projetos de lei em tramitação que acaba por favorecer os interesses dos profissionais
envolvidos no campo e por silenciar as vozes dissonantes na matéria, negligenciando por
completo alguns direitos fundamentais do novo ser gerado.
Sustenta-se que, diante da importância dos bens jurídicos em jogo, a saber, dignidade
humana e vida, é imperiosa uma regulamentação jurídica mais discutida das técnicas de
reprodução assistida. A ausência de leis acaba por abandonar a questão ao crivo exclusivo do
saber médico, excluindo a influência de outros conhecimentos como a Psicologia,
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Antropologia, Filosofia, da Ética e até a própria Ciência do Direito. Não se verifica um
incentivo ao debate democrático.
Reconhece-se, entretanto, que mesmo a edição de lei específica para regulamentar a
matéria mostrar-se-á, após algum tempo, insuficiente, visto ser impossível prever todos os
eventuais conflitos. A despeito disso, a deflagração de um processo legislativo acerca dessa
temática é imprescindível para que a discussão em torno das tecnologias reprodutivas envolva
os diversos setores da sociedade.
A pesquisa proposta alinha-se à vertente das pesquisas jurídico-propositivas. A partir
da Teoria do Agir Comunicativo de Habermas, aponta-se a necessidade de estabelecimento de
canais de discussão entre a sociedade e o Poder Público, a exemplo das audiências públicas,
de maneira a permitir a formulação de uma disciplina jurídica para a reprodução assistida que
incorpore de fato os valores da comunidade política.
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O “MARCO CIVIL DA INTERNET” E A ESFERA PÚBLICA HABERMASIANA
Mariana Colucci Goulart Martins Ferreira
Alexandre Ribeiro da Silva
Tramita no Legislativo pátrio um projeto de lei que pretende regulamentar o uso da
Internet no Brasil, conhecido como "Marco Civil". Em seu artigo 4º, inciso II, objetiva "a
participação na vida cultural e na condução nos assuntos públicos”, enquanto que o caput de
seu artigo 7º compreende a Internet "como essencial ao exercício da cidadania e ao usuário".
Almeja-se o estabelecimento de princípios, garantias e direitos dos usuários e
delimitação de deveres e responsabilidades dos prestadores de serviços, definindo o papel do
Poder Público quanto ao desenvolvimento do potencial social da Internet como esfera pública
para discussões. Conforme sua exposição de motivos, “por meio da abertura e da transferência
permitiu-se a franca expressão pública de todos os grupos sociais, por meio de um diálogo
civilizado e construtivo”. Hipoteticamente, busca-se reconhecer o meio virtual como um novo
meio de formação da opinião pública.
Ocorre que, segundo Jürgen Habermas, uma esfera pública deve ser capaz de
traduzir a própria opinião pública gerada neste espaço, convertendo-a em ação política
coletiva de forma participativa e democrática. Assim, uma discussão na qual os debates
racionais gerariam ações políticas efetivas somente seria viável dentro de um “lifeworld”, ou
seja, dentro de uma visão de mundo que nos informa que não apenas as experiências
subjetivas dos indivíduos participantes do debate, mas também as suas experiências sociais de
relação com os outros indivíduos, que condicionam e são condicionadas pelo seu horizonte
cognitivo através das suas competências linguísticas e vivências.
Destarte, o pensamento habermasiano problematiza o “Marco Civil” por entender
que a Internet não seria uma forma viável de desenvolvimento de uma esfera pública devido à
alta fragmentação discursiva por ela induzida, o que reduziria a ação comunicativa a meras
“opiniões públicas”. Segundo o filósofo, por sua própria forma, a rede mundial é incapaz de
mediar debates entre a sociedade e o Estado que visem a escolhas coletivas objetivando ações
políticas democráticas, construídas através da argumentação racional entre indivíduos livres e
conscientes, respeitada a pragmática universal.
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IMAGEM, PROVAS EM VÍDEO E A JUSTIÇA
Beronalda Messias da Silva
Palavras-chave: imagens, justiça, provas em vídeo.
Desde que os sistemas processuais modernos começaram a abandonar o modelo
inquisitorial de acusação, o que resultou um enorme progresso para as ciências penais
(BRUSA, 1927, p.07), a lógica de valoração das provas passou por uma copernicana
mudança. A partir do século XII a função de inquirir, acusar e julgar deixava aos poucos de se
concentrar na pessoa de um único Estado-julgador para um terceiro investigador ou acusador.
Essa passagem de um sistema inquisitório para um modelo acusatório contribui de
maneira contundente para a consolidação de algumas garantias fundamentais como o direito
ao contraditório e a ampla defesa, o que resultou, na prática, em uma mudança do paradigma
da retórica judicial.
Nesse período de transição, o julgador, antes investido de juízo imparcial das
próprias inquirições, passou a ser um analisador das provas, com isso, a pedra angular das
tomadas de decisões judiciais passou a ser precipuamente os recursos linguísticos
contraditórios verbais e textuais da ação.
Com o advento progresso informático e tecnológico dos últimos vinte anos, o sistema
de valoração das provas começou a vivenciar uma nova grande mudança. A retórica judicial,
que tradicionalmente sempre foi rica em palavras, passou então a ter que trabalhar com o
aspecto visual (FEIGENSON, SPIESEL, 2009, p. XI).
Essa progressiva mudança do paradigma da escrita para o eixo audiovisual tem
provocado no meio acadêmico alguns debates acerca das implicações da utilização da
tecnologia nos tribunais. As discussões mais recentes levantam a problemática da capacidade
mimética da imagem, bem como a preponderância desta com relação à palavra, seriam as
provas audiovisuais mais persuasivas que os vestígios textuais e orais?
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Com o intuito de encontrar fundamentos científicos e empíricos para o impacto da
tecnologia na justiça, algumas vozes dentro da direito começam a expressar algumas ideias
que cruzam a base da teoria cognitiva e da neurociência com os clássicos campos da ciência
jurídica, chamando a atenção acerca do poder persuasivo ou até mesmo enganador da imagem
e a sua prevalência sobre a palavra.
Nesse sentido, Sherwin evidencia que o impacto psicológico cognitivo e sensorial de
uma imagem tende a ser maior do que das expressões não-visuais (2011, p.02). As percepções
visuais são, portanto, diferentes das palavras isoladas (id. ibid., p. 05), e as provas digitais
visuais podem ser emocionalmente mais poderosas que as textuais ou orais (id. ibid., p. 153).
Feigenson e Spiesel, por sua vez, ao desenvolveram as suas ideias no campo da
teoria do discurso e da retórica visual, salientam que de um modo geral, as imagens tem o
poder de induzir de maneira mais intuitiva e eficaz a crença em alguma coisa, diferentemente
de como acontece com as palavras (2009, p. 05).
Apesar dos aspectos controvertidos da imagem e da importância que ela tem dito
para os deslindes judiciais hodiernos, no Brasil a questão ainda é pouco discutida e o processo
legislativo tem encontrado dificuldade de atualizar o ordenamento jurídico frente aos
dinâmicos fatos informáticos.
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A QUALIFICAÇÃO DO LUCRO DA INTERVENÇÃO COMO ENRIQUECIMENTO
SEM CAUSA
Felipe Ramos Ribas Soares
Raquel Bellini de Oliveira Salles
Palavras-chave: Lucro da intervenção; Enriquecimento sem causa; Responsabilidade civil;
Função.
O lucro da intervenção pode ser sinteticamente conceituado como a vantagem
diretamente obtida por aquele que, sem autorização, interfere em bens jurídicos ou direitos de
outrem. É o que se verifica, por exemplo, nos casos de uso da imagem de uma pessoa com o
fim de alavancar as vendas de uma revista e de uso de um bem imóvel alheio, sem autorização
do titular, para fins comerciais.
Percebe-se que a solução jurídica, na experiência brasileira, vem sendo dada pela
responsabilidade civil, ora por meio da indenização de lucros cessantes, ora pela reparação de
danos extrapatrimoniais, à qual correntemente (porém acriteriosamente) se atribui uma função
punitiva. Nesta segunda hipótese, a vantagem obtida pelo interventor constitui um fator
agravante capaz de majorar a quantificação do quantum reparatório.
Todavia, tendo em vista a unidade e coerência do ordenamento jurídico como um
sistema, no qual se colocam articuladamente diversas fontes normativas, necessário se faz
uma análise (qualificação) do fato (lucro) a fim de se identificar o instituto cuja função e
estrutura sejam mais adequadas, evitando-se, por conseguinte, que outro instituto seja
utilizado com desvio de função.
Assim, entende-se que o enriquecimento sem causa, em lugar da responsabilidade
civil, é o instituto mais adequado para qualificar o lucro da intervenção, mas vem sendo
subutilizado pela jurisprudência e doutrina pátrias, o que pode ser explicado pelo fato de
somente ter sido previsto, enquanto ato unilateral fonte de obrigação, no código civil de 2002,
bem como por sua aplicabilidade subsidiária, nos termos do artigo 886 do referido código, e,
ainda, pela atribuição à responsabilidade civil de uma função (punitiva) que não lhe é própria.
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Importa frisar que, diversamente do enriquecimento sem causa, a responsabilidade
civil apresenta-se como instituto apto a solucionar hipóteses de dano patrimonial ou
extrapatrimonial, estabelecendo uma obrigação de indenizar a fim de que a vítima da lesão
seja, tanto quanto possível, restituída ao seu status quo ante. Logo, a sua função primordial é
a reparatória. Já o enriquecimento sem causa tem por função precípua, enquanto fonte de
obrigação de restituir, a retirada, do patrimônio do enriquecido, das vantagens não justificadas
juridicamente, atribuindo-as a quem de direito. Figura-se, neste ponto, criticável o
entendimento no sentido de que o enriquecimento sem causa, para operar a respectiva sanção,
seria condicionado ao empobrecimento do sujeito titular do bem ou direito usurpado.
A qualificação do lucro da intervenção como hipótese de enriquecimento sem causa
e, não, de dano apresenta-se, portanto, mais adequada tanto sob a perspectiva conceitual
quanto estrutural e funcional, conferindo uma solução melhor balizada no sistema normativo.
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EXPRESSÃO, DISSUASÃO E INTERNALIZAÇÃO: A SEGURANÇA JURÍDICA NA
TEORIA DE ROBERT ALEXY
Fellipe Guerra David Reis
A teoria da Dupla Natureza do Direito, formulada pelo jusfilósofo alemão Robert
Alexy postula que o direito comporta tanto uma dimensão real ou factual como também uma
dimensão ideal. A primeira estaria representada pelos elementos da emissão autoritativa e da
eficácia social; enquanto a segunda pelo elemento da correção de conteúdo, isto é, questões de
distribuição e sopesamento que, em outras palavras, traduzir-se-iam em questões de justiça. A
emissão autoritativa e a eficácia social compõe o Princípio da Segurança Jurídica e este, ao
determinar uma sanção pelo descumprimento de uma norma jurídica, resolve o problema da
cooperação e coordenação no universo das normas sociais.
Contudo, buscar-se-á demonstrar, segundo as teorias de Robert Cooter e Richard
McAdams, que não somente a sanção – traduzida no efeito de dissuasão –, mas também a
internalização da lei e seu efeito expressivo são formas de interação entre normas jurídicas e
normas sociais eficazes para a solução dos problemas de cooperação e coordenação sociais.
Assim, muito embora a dissuasão desempenhe relevante papel na interação entre
normas jurídicas e sociais, sendo o exclusivo foco da teoria alexyana assim como de outras
Teorias do Direito, a internalização – entendida como a capacidade da lei levar o indivíduo a
acreditar intimamente no objeto da norma, isto é, um comprometimento deste com a norma –
e a expressão – capacidade da lei criar pontos focais em questões de cooperação e
coordenação sociais, induzindo no indivíduo a crença de que outros pensam de acordo com a
norma jurídica, direcionando seu comportamento – são importantes instrumentos para a
solução do Problema do Conhecimento exposto por Alexy.
De outra forma, mas ainda com base nos três efeitos antes mencionados, intentar-se-á
também analisar a afirmação de Robert Alexy de que uma Teoria do Direito de matriz pós-
positivista, tal como defendida por ele, é capaz de garantir maiores ganhos em segurança
jurídica se comparada à uma teoria de matriz exclusivamente positivista, como a de Kelsen e
de H.L.A. Hart, na medida em que reduz significativamente o espaço de discricionariedade do
aplicador da norma, especialmente se se está diante de uma lacuna no sistema jurídico.
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Deste modo, a mais completa compreensão das diferentes formas de interação entre
normas sociais e normas jurídicas, através dos efeitos de dissuasão, expressão e
internalização, para além de corroborar a teoria alexyana a amplia, conduzindo a um melhor
entendimento da relevância do Princípio da Segurança Jurídica para os ordenamentos
contemporâneos. Este, por sua vez, se mostra não só como ferramenta apta a solucionar os
problemas de cooperação e coordenação sociais, mas, em última análise, também e
especialmente como instrumento da própria eficácia do Direito.
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EDUCAÇÃO PARA QUE TE QUERO? O INEP E A DEFINIÇÃO DE QUALIDADE
EDUCACIONAL DIANTE DO ART. 205 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Brahwlio Soares de Moura Ribeiro Mendes
Propõe-se no trabalho uma análise da relação entre direito, justiça e educação.
Tematizando não o direito ao acesso escolar, nem mesmo o dever inafastável de entregar boa
parte de nossas duas primeiras décadas de vida à escola, mas sim a qualidade dessa
escolarização. A quem incumbe decidir sobre o que será considerado uma educação de boa
qualidade? Tal decisão é indissociável daquela sobre que tipo de sociedade se quer ter, sobre
como deve ser o futuro das novas gerações que são inseridas no sistema escolar antes mesmo
de se assenhorarem das próprias vidas. Sinto que uma questão tão séria sobre o ser e dever ser
da sociedade não pode furtar-se ao crivo da justiça. Ou seja, o senso de justiça de cada ser
humano não pode cochilar enquanto sua espécie é entregue a qualquer modelo educacional.
Nesse cenário apresenta-se o direito institucionalizado com o Estado, o qual põe em vigor um
ordenamento normativo iniciado na Constituição Federal. Tal direito posto não elimina os
mencionados sensos de justiça subjetivos, mas vale-se do Estado para instituir e garantir um
ordenamento de normas objetivas destinadas a regular a vida dos habitantes de determinado
território. A Constituição de 1988, fundante do atual Estado brasileiro, dedica uma seção
específica à normatização da educação no país, seu primeiro artigo determina que devem ser
três os objetivos do processo educativo: o “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (art. 205, CF). Se do ponto
de vista subjetivo devemos utilizar nossos sensos de justiça para julgar que tipo de educação
deve ser oferecida, do ponto de vista objetivo esse julgamento deve realizar-se em vistas às
finalidades constitucionalmente postas à educação. Portanto, pela própria normatividade
constitucional já se fazem inválidas as pretensões de que a educação sirva apenas à produção
de mão de obra qualificada, reduzindo a existência humana à função laborativa. Do mesmo
modo, a escola não pode ter sua qualidade medida apenas por seus índices de aprovação em
exames seletivos. Em atenção à necessidade de acompanhamento dos níveis de qualidade
escolar o Estado conta com os importantes serviços do INEP, Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, uma autarquia federal vinculada ao Ministério da
Educação. Haveria, entretanto, uma necessidade de nova elaboração dos modelos de avaliação
da qualidade educacional realizada pelo INEP. Atualmente seus principais esforços
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investigativos dirigem-se a questões socioeconômicas dos educandos, evasão escolar e
avaliação dos níveis de proficiência em português e matemática. Como o próprio instituto
apresenta em obra intitulada Indicadores de Qualidade na Educação (2006), a qualidade
educacional é algo que não pode ignorar questões como amizade, respeito, solidariedade,
alegria, conhecimento dos próprios direitos e deveres incluindo sua participação na
construção de ambos, atenção às problemáticas do próprio entorno, etc. Uma avaliação
constitucionalmente adequada, portanto, deve atentar-se ao art. 205, CF, ampliando a atuação
do INEP para investigações realmente hábeis a promover uma escolarização germinadora de
seres humanos plenamente desenvolvidos como pessoas preparadas para a cidadania e
qualificadas para o trabalho.
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A OPERATIVIDADE DAS CLÁUSULAS E REMÉDIOS CONTRATUAIS
NA SOLUÇÃO DE ABUSOS EM RELAÇÕES EMPRESARIAIS
Ana Leticia Salomão e Ribeiro
Raquel Bellini de Oliveira Salles
Palavras-chave: Contratos empresariais; Concorrência; Abuso.
A livre concorrência favorece a harmonia entre os diversos partícipes da atividade
econômica. Contudo, as vulnerabilidades de certos agentes no campo empresarial, sobretudo
em situações de dependência, podem caracterizar contratos férteis para a prática de abusos, o
que interfere negativamente na estrutura do livre mercado e, reflexamente, nos interesses da
coletividade. Mostra-se, nesse contexto, necessário enfrentar o problema do abuso do direito
no âmbito contratual sob as perspectivas da dependência econômica e do abuso de posição
dominante, buscando-se conferir às cláusulas e remédios contratuais uma operatividade
adequada e suficiente para coibir tais abusos.
O direito antitruste, orientado pelos princípios da ordem econômica, busca prevenir
práticas lesivas à estrutura do livre mercado, como a eliminação da concorrência, a dominação
do mercado e o aumento arbitrário de lucros. Porém, quando é o contrato o meio de tais
práticas, a incidência apenas dos princípios da ordem econômica e do próprio direito
antitruste não se revela suficiente para remediar os abusos e promover uma tutela equilibrada
e efetiva dos interesses envolvidos na relação empresarial, devendo-se, também, buscar
soluções jurídicas nos princípios do direito contratual e nos respectivos instrumentos de
tutela. Evidencia-se, pois, a relevância de se compreender o ordenamento jurídico como um
sistema de normas articuladas e em perspectivas interdisciplinares. Importa, pois, investigar
como os princípios da ordem econômica podem incidir no âmbito dos contratos.
Diversas podem ser as manifestações de abuso do direito nas relações contratuais
empresariais como expressão de práticas abusivas no mercado e ofensivas à livre
concorrência, sobretudo quando tais relações forem marcadas por alguma espécie de
vulnerabilidade de um dos contratantes (não paritárias). Vale destacar, exemplificativamente:
o uso de “condições gerais” não claramente informadas; o uso de linguagem rebuscada ou
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com excesso de termos técnicos, especialmente em contratos de adesão; a denúncia ou
resilição unilateral, não raro perpetrada em lapso de tempo insuficiente para a recuperação de
investimentos; a resolução por inadimplemento mínimo; o exercício de cláusula resolutiva
expressa sem a devida comunicação ao outro contratante; a prática de cláusula penal
excessivamente onerosa, a admitir revisão judicial com base na equidade, conforme autoriza o
artigo 413, parágrafo único, do código civil; a previsão de cláusulas abusivas com exigências
excessivas de garantias para o adimplemento; a imposição de cláusulas de exclusividade
incompatíveis com a dinâmica do mercado; o estabelecimento de consumo mínimo de
insumos em patamares incongruentes com os índices de procura (a exemplo da galonagem
mínima em contratos de fornecimento de combustíveis); as cláusulas de prorrogação
automática do contrato; a imposição de contratos conexos excessivamente onerosos como
condição para a contratação principal (a exemplo das locações de equipamentos).
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UM NOVO OLHAR SOBRE O DIREITO À VIDA: REFLEXÕES SOBRE O
CAMINHO METODOLÓGICO CAPAZ DE RECONHECER E SUSTENTAR O
DIREITO DE MORRER
Leandro Antonio Borges
Avanços tecnológicos vem permitindo a postergação do processo de morte. Porém,
tais avanços criam um dilema diante da concepção que o paciente possa ter da própria vida e
os limites de sua autonomia e liberdade para recusar a submissão a tratamentos médicos.
Neste contexto, o Direito se obriga a inovar e a repensar o cabedal normativo e
prescritivo que refletem o conceito abstrato de vida digna. Isto porque, os avanços
tecnológicos de postergação do processo de morte, cada vez mais sofisticados, colocam em
muitos momentos, dúvidas sobre os fundamentos que sustentam e justificam a dogmática
jurídica sobre o tema, reforçando a ideia do direito de morrer como uma faceta do direito à
vida.
Neste trabalho propomos refletir sobre a tensão entre a luta pelo reconhecimento da
igualdade por meio do reconhecimento das diferenças.
A questão é como identificar uma estratégia metodológica capaz de reconhecer e
sustentar um exercício de liberdade diante da morte, de modo a posicionar uma concepção
individual que uma pessoa possa ter sobre sua própria vida, dentro dos limites culturalmente
reconhecidos pela comunidade. Para isso, se faz necessário uma metodologia que permita
caminhar por uma reconstrução do significado do direito à vida, permitido a refletir sobre uma
dinâmica de relativização do conceito de morte digna que respeite as diferenças.
Para controlar o percurso metodológico, adotaremos, como referencial teórico, uma
investigação do processo de institucionalização do direito e da estima social fundado na teoria
da luta por reconhecimento de Axel Honneth (HONNETH, 2003).
Acreditamos que a identificação adequada do percurso metodológico de
reconstrução crítica e evolutiva de um conceito dinâmico de morte digna, referenciado pelo
marco teórico da luta por reconhecimento de Axel Honneth (HONNETH, 2003), poderemos
apresentar fundamentos que lancem um novo olhar sobre o direito à vida, de modo a
incorporar percepções que o indivíduo possa ter sobre a própria identidade, incluindo seu
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conceito de vida/morte digna, conjugado com certos limites razoáveis e moralmente
entranhados na sociedade.
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PROJETO PARENTAL E TESTAMENTO BIOLÓGICO – LIMITES E
POSSIBILIDADES DE SUA REALIZAÇÃO NO BRASIL
Laira Carone Rachid Domith
Laura Dutra de Abreu
Lilia Brum de Cerqueira Leite Ribeiro
Palavras-chave: Planejamento familiar; testamento genético; reprodução assistida post
mortem; melhor interesse da criança.
Os pilares do Direito de Família brasileiro estão inscritos no texto constitucional, que
garante aos casais a liberdade na elaboração de seu projeto parental, desde que fundado na
dignidade da pessoa humana e na paternidade responsável, subsistindo, consequentemente, o
dever de responsabilização dos pais no sentido da proteção integral e defesa do melhor
interesse de sua prole, seja ela biológica, adotiva ou socioafetiva, além de prever a igualdade
dos filhos, independentemente de sua origem. Ademais, garante, pluralidade no que diz
respeito à forma de composição das famílias, exemplificando que poderão decorrer de
matrimônio, união estável ou configurarem-se monoparentais.
Se, num primeiro momento, cogitava-se a monoparentalidade decorrente da morte de
um dos genitores ou da guarda unilateral exercida por apenas um deles, através das técnicas
de reprodução assistida, passou-se a discutir a possibilidade jurídica da monoparentalidade
programada, possibilitada através das “produções independentes” e das procriações post
mortem, sendo esta última hipótese o substrato fático deste estudo, que analisa a possibilidade
jurídica do “testamento genético ou biológico” no Brasil enquanto disposição de última
vontade daquele que deseja ter um filho mesmo após a morte.
Este testamento, de origem israelita, consiste em documento público através do qual
uma pessoa expressa sua vontade de forma escrita, consentindo na utilização de seus gametas
(espermatozoides/óvulos) bem como de embriões que carreguem sua carga genética para fins
de reprodução assistida post mortem. Tal possibilidade existe a partir do momento em que tais
gametas e/ou embriões encontram-se crioconservados em clínicas reprodutivas.
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A discussão da legitimidade do testamento biológico deve ser precedida da
investigação acerca da legitimidade da reprodução post mortem, considerando que sua
realização impacta na vida da criança a ser gerada e na dos demais filhos do de cujus, caso
existam. Não se pode perder de vista que, em se tratando de uma vida que será “criada em
laboratório”, o mais acertado seria a intromissão do Estado em todo o procedimento, no
intuito de garantir que a mesma seja concebida em condições ideais, o que logicamente é
impossível no âmbito das gestações decorrentes de relações sexuais, mas é uma realidade nas
ações de adoção, que só é deferida após detida análise sobre suas reais vantagens para o
adotado.
O testamento biológico, sendo negócio jurídico, só seria válido se o testador fosse
capaz, se o objeto fosse lícito ou juridicamente possível e se sua forma estivesse prescrita ou
não defesa em lei. Sendo assim, a licitude de seu objeto estaria condicionada à verificação
judicial das condições fáticas do núcleo familiar pelo qual a nova vida será acolhida.
Partindo-se do deferimento judicial do testamento biológico – condição para que se
aperfeiçoe – há que se pensar, ainda, na fixação de um prazo limite para que a reprodução
post mortem se realize, sob pena de acarretar insegurança jurídica aos herdeiros do de cujus.
Utilizando o ordenamento civil brasileiro como inspiração, poderia ser fixado o mesmo prazo
de dois anos que legitima a entrada da prole eventual de pessoa determinada pelo testador em
sua sucessão.
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A TUTELA DAS RELAÇÕES CONTRATUAIS SEM NEGÓCIO JURÍDICO
FUNDANTE
Tatiana Paula da Cruz
Raquel Bellini de Oliveira Salles
Palavras-chave: Contrato; Negócio jurídico; Vontade; Atividade; Causa; Tipicidade social.
O contrato foi tradicionalmente concebido como espécie de negócio jurídico,
entendido este como ajuste de vontades com vistas à produção de efeitos jurídicos. Contudo, é
preciso redimensionar o contrato segundo a contemporânea perspectiva social e econômica.
Os contratos sem negócio jurídico são, hoje, uma realidade, desempenhando funções e
configurando relações jurídicas com amparo constitucional.
Dois são os exemplos mais comuns de atividades contratuais sem qualquer negócio
jurídico: o “contrato realidade” no Direito do Trabalho, que impõe o reconhecimento de
vínculo trabalhista em situações em que não há manifestação das partes no sentido de
contratar, e as aquisições feitas por incapazes, a configurarem atividade econômica
desprovida de fonte negocial ou com fonte negocial inválida.
A tutela das relações contratuais sem negócio jurídico preconiza que a vontade não é
mais o único elemento de coordenação entre sujeitos, sendo necessário admitir-se uma
objetivação daquelas relações, para que se conforme, a partir de uma série de atos
coordenados, um contrato, mesmo que formalmente não estejam presentes os elementos
constituintes do negócio jurídico.
Para se compreender adequadamente a tutela dos contratos sem negócio jurídico é
relevante recorrer ao conceito de causa. A causa determina a razão de ser de cada um dos
contratos e é responsável por lhes atribuir uma tipicidade, sendo que a tipificação pode ser
estabelecida por lei ou pelo reconhecimento social dos efeitos de determinado contrato,
mesmo sem previsão legislativa. Os contratos sem negócio fundante, assim, são socialmente
típicos, desde que sua causa não afronte os valores e princípios do ordenamento, sobretudo os
de índole constitucional.
III Seminário de Direito e Inovação da UFJF
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Os contratos sem negócio jurídico, bem como os contratos fundamentados em
negócio, têm uma estrutura e esta é formada por “(a) dois ou mais centros de interesses; (b)
coordenação de condutas entre esses centros que deflagra a mínima unidade de efeitos e (c)
cumprimento da função social da atividade desenvolvida (...)”.
Os princípios, com sua força normativa, têm atuação decisiva na tutela das relações
desprovidas de negócio fundante. Os mais relevantes princípios capazes de estabelecer a
coordenação entre os centros de interesses são: o princípio da boa-fé no contratual, que poderá
criar deveres principais fixando a coordenação entre os centros de interesses; o princípio da
vedação ao enriquecimento sem causa, a coibir acréscimos patrimoniais decorrentes de
injustificada ingerência na esfera jurídica alheia; e o princípio da proteção da aparência,
invocado pelo legislador para tutela de relações como a representação aparente, a fim de
prestigiar a confiança depositada nas relações sociais.
Constata-se que as atividades econômicas desenvolvidas fora da seara do negócio
jurídico vêm se manifestando com progressiva frequência, merecendo atenção, tutela e
reconhecimento como efetivas relações contratuais, conferindo-lhes a possibilidade de uso de
instrumentos como a execução específica de obrigações e a indenização em perdas e danos.