III Simpósio de Psicologia Hospitalar do Centro-oeste Mineiro:
daquilo que se repete: o sujeito e seus tropeços
Alexandre Simões Abril de 2012
Aquilo que insiste é aquilo que se repete?
Localizações pontuais da repetição em Freud
Wiederholung:
repetição
Situações nas quais seus pacientes (por meio de lembranças, atos, ideias, sonhos, sintomas, relações amorosas) se
mostravam embaraçados com um sofrimento que, a despeito de ser tomado como tal, não cedia.
Uma manifestação clínica bastante reconhecida deste Wiederholung:
pacientes que nos relatam circunstâncias ou impasses distintos
ocorridos em suas vidas e que trazem uma sensação de familiaridade
fronteiriça com o déjà-vu:
mudam-se os cenários e pessoas, todavia, mantém-se a trama
Daí, a noção de ‘insistência conservadora’ ou de compulsão à repetição
repetição
compulsão
Menciono aqui uma situação na qual uma paciente se depara, em meio a uma intensa dificuldade de relacionamento com sua filha adolescente, com o
significante ‘mãe demais’
Aos poucos, ela vai se dando conta (e isto comporta
repercussões) de que o mãe demais é proliferante: ele se
introduz na sua relação com a própria mãe e com seus alunos (ela é professora universitária),
servindo-lhe, igualmente, como uma cifra para a sua
culpabilidade
Mais uma cena da repetição em Freud: o ato de reviver episódios que não são
recobertos inteiramente pelo prazer
fazer prazer
O ato de reviver episódios que não são recobertos inteiramente pelo prazer
fazerprazer
Na experiência clínica da psicanálise, é bastante comum nos depararmos com tal circunstância: a
irredutibilidade do fazer ao prazer.
Em nossa atualidade, ela está cada vez mais envelopada pela atmosfera ora do acidente, ora da
inevitabilidade:
os recorrentes acidentes (por exemplo, através dos meios de transporte) protagonizados pelo paciente, as constantes fraturas em seu corpo, as intercorrências médicas que agora fazem parte de sua vida, o encontro – tal qual uma goteira que não cessa - com a droga, com os cuidados
com o peso corporal, etc.
Mais de um paciente, sob modos diversos, me expõe uma forma de agir bastante curiosa:
Diante de uma adversidade (por exemplo, a cena dos
desencontros familiares) eles se cortam seguidamente com
estiletes, de forma tal que realizam incisões e mutilações
superficiais sobre a pele.
Estas incisões que marcam as pernas e braços são um tanto quanto dolorosas e incômodas e, em dado
momento, são os recursos que estas pessoas têm para demarcar, de forma entalhada, seu lugar diante do Outro.
Há um ‘resíduo’, um ‘excedente’ na relação entre o fazer e o prazer
O que faz com que o ato que se repete não esteja inteiramente regulado pela lógica do prazer
Isto conduz Freud, bem como a todos
nós, a fazer as seguintes perguntas:
O que sustenta a repetição?
O paciente, quando é tomado pela repetição, está investido de quê?
REPETIÇÃO:
poeticamente, todos nós temos alguma
ressonância, em nós, da “pedra no meio do
caminho”
No meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedratinha uma pedra no meio do caminhotinha uma pedrano meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimentona vida de minhas retinas tão fatigadas.Nunca me esquecerei que no meio do caminhotinha uma pedratinha uma pedra no meio do caminhono meio do caminho tinha uma pedra.
Carlos Drummond de Andrade
Na cena clínica há uma dimensão
fundamental na qual a repetição não é só referida, falada ou
descrita, mas é posta em ato.
Transferência como uma arena na qual a
repetição se apresenta
Freud argumenta que enquanto o paciente se encontra em tratamento
analítico, ele inexoravelmente irá se
deparar com esta compulsão à repetição.
A repetição é uma maneira de recordar sem que a pessoa se dê conta do que está ocorrendo, ou seja, quando o
paciente repete, ele atua
sem saber que está repetindo
O íntimo êxtimo
Trabalhando na perspectiva da primeira tópica, Freud acredita que para lidar com a repetição e
superar a resistência é preciso tornar consciente o que está inconsciente
A repetição, neste quadro, é definida como algo que faz oposição ao saber
Vale indagar:
O que querem nossos pacientes, por meio daquilo que neles insiste
em repetir?
O que pode uma análise face à pedra no meio do caminho?
Localizações pontuais da repetição em Jacques Lacan
Atenção: a repetição que interessa à experiência clínica possibilitada pela psicanálise não coincide com um sentido
habitual que podemos dar à noção de repetição
Ou seja: não está em jogo a reprodução do idêntico
Diferentemente de uma mera reedição
a repetição é a própria pulsação – aquilo que insiste - que marca a articulação do sujeito
com o objeto
Automaton -> repetição que faz fronteira com o significante (o
significante atribui ao sujeito o seu lugar) -> regular, serial,
automático -> submetimento
Tiquê-> repetição que faz fronteira com o objeto -> encontro
Lacan nos convida a discernir duas dimensões da repetição:
automaton
tiquê
Duas dimensões articuláveis, mas não igualáveis:
Ressaltaria aqui, a título de exemplo, um analisando que
me fala de sua intensa atração por mulheres e, ao
mesmo tempo, da impossibilidade de sustentar,
com ao menos uma delas, uma relação que, segundo ele, o “levasse para outro
lugar”.
A captura é bem reveladora quando ele, ao detalhar suas investidas, diz que se
interessa particularmente “por mulheres que sejam cobiçadas por
outros homens” e que, ao estarem ao lado dele, deixam no ar: “o que ele
tem? Como ele consegue?”
Em um momento inicial, Lacan (tanto quanto Freud) aborda o inconsciente como memória.
Em pouco tempo, a experiência clínica o conduz às impossibilidades e tropeços deste modelo.
Lacan, posteriormente, nos propõe que uma análise avança menos por conta do circuito do conhecimento, e muito mais pela via proporcionada pelas experiências do engano.
Em outros termos, o Inconsciente é apresentado como um modo de saber que atua sobre o corpo do ser falante, por meio
de uma ausência.
Tiquê e nó:
Uma paciente, em meio a um momento bastante tenso de sua vida (que terá como um dos
resultados a separação de seu marido), inicia um périplo por vários médicos, clínicas e exames
invasivos por conta de sintomas bem difusos que se instalaram em seu corpo. No período de apenas
um ano, ela chegou a ser reconhecida em três categorias diagnósticas distintas e muito severas,
com prognósticos sombrios.
Nada, ainda foi muito esclarecido, a não ser a insistência repetitiva do elemento opaco que habita o corpo desta
mulher.
Na prática do analista:
ter conduzido um tratamento não serve em muito, em certo nível, para dirigir outro. Não apenas não
serve, mas, de algum modo, é preciso esquecer um tratamento para conduzir outro.
Esta é a conhecida tese de Freud: cada tratamento deve ser conduzido pelo analista como se fosse o primeiro.
Em suma:
O automaton deve possibilitar a tiquê
Até lá!
Acesso a este conteúdo:www.alexandresimoes.com.br
ALEXANDRE SIMÕES
® Todos os direitos de autor reservados.
Prosseguiremos amanhã, com o tema de encerramento: Transferência: via de saída deste circuito