IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem
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Imagens da Morte, Imagens de Vida:
O Caso Dos Cemitérios de Londrina E Ibiporã
Mariana de Mello Arrigoni1
Resumo
O tema central a ser desenvolvido neste trabalho é o uso de imagens fotográficas nos
cemitérios de Londrina e Ibiporã. Na cidade de Londrina serão analisadas fotografias e
epitáfios presentes nos túmulos do cemitério São Pedro, enquanto o cemitério a ser
estudado na cidade de Ibiporã é o São Lucas, ambos são alguns dos mais antigos de suas
cidades. Busca-se entender a intencionalidade das pessoas ao escolher determinada
fotografia para caracterizar o ente falecido, sendo possível perguntar: que mensagem
essas pessoas buscavam transmitir? Também é possível perceber os valores defendidos
pela sociedade, como o trabalho, determinados tipos de vestimenta, a pose, a frase
escolhida para o epitáfio, a religião, entre outros. O cemitério é capaz de ser um museu
a céu aberto, já que evidencia aspectos importantes da vida social por meio de como o
morto é visto e retratado pela sociedade. A intenção não é fazer análises
individualizantes dos mortos retratados pelas fotografias e epitáfios em seus túmulos,
mas inserir suas características em um contexto social, em que as pessoas, ao olhar o
túmulo/fotografia/epitáfio, interpretarão as intenções dos familiares ou do próprio
falecido ao escolher aquela fotografia/epitáfio. Dessa forma, o cemitério não pode ser
considerado apenas local de morte, mas de vida e memória, como local que possui
histórias a serem contadas.
Palavras-chave: fotografia, cemitério, memória.
Abstract
This research’s central point is how the photographs are used in cemeteries of Londrina
and Ibiporã cities. In Londrina the photographs and epitaphs that will be analyzed are at
1 Acadêmica do curso de História (Universidade Estadual de Londrina - UEL). Bolsista PIBIC CNPq/UEL, orientada pelo Prof. Dr. Alberto Gawryszewski, departamento de História da UEL.
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São Pedro’s cemetery, while the cemetery studied in Ibiporã is São Lucas’, both the
oldest in their cities. The research search to understand what intentions people had when
they chose that specific photograph to characterize the dead loved one, being possible to
ask: what message those people wanted to pass on? Also is possible to realize the values
which are defended by society, like work, specific kind of clothing, the pose, the line
chosen as epitaph, religion, and others. Cemetery can be an outdoor museum, once that
it shows important aspects of social life by the way the dead one is seen and retracted by
society. It is not the intention to make individualized analytics of the dead ones retracted
by the photographs and epitaphs on their graves, but put their characteristics in a social
context, in what people, when look to the grave/photograph/epitaph, will interpret the
intentions of the relatives or the dead one himself to choose that photograph/epitaph. So,
cemetery can’t be considered only place for death, but life and memory, as a place that
own histories to be told.
Keywords: photograph, cemetery, memory.
Sumário
1. INTRODUÇÃO. 2. O LUGAR DO CEMITÉRIO NA MENTALIDADE POPULAR
AO LONGO DA HISTÓRIA. 3. A FOTOGRAFIA E A MEMÓRIA DO MORTO. 4.
ANÁLISE DAS FOTOGRAFIAS CEMITERIAIS. 4.1. Homens. 4.2. Mulheres. 4.3.
Casais. 4.4. Crianças. 4.5. Profissões. 4.6. Epitáfios. 5. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS.
1. Introdução
As imagens cemiteriais não são mais negligenciadas pelos
pesquisadores, estão incorporadas no estudo das imagens como categoria específica.
Muitos historiadores têm pesquisado sobre o tema, porém a maioria deles pesquisa
sobre mausoléus e artes tumulares propriamente ditas, enquanto que este trabalho visa
dissertar sobre as fotos e epitáfios presentes nos túmulos. Para isso serão pesquisadas
fotografias de cemitérios de Londrina e Ibiporã como fontes primárias, sendo
posteriormente analisada no seu contexto próprio, qual seja, a sociedade.
As fontes utilizadas para esse trabalho historiográfico serão
fotografias de lápides e túmulos, fotografias dos mortos presentes nos túmulos, dos
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epitáfios, das capelas e jazigos e da estatuária cemiterial. Serão analisadas apenas
fotografias dos cemitérios São Pedro e São Lucas, localizados nas cidades de Londrina e
Ibiporã, abrangendo em média desde a década de 1940 até o ano 2000.
Não é objetivo do trabalho fazer um histórico das famílias dos mortos
ou dos mausoléus, túmulos ou estatuária. Pelo contrário, buscar-se-á demonstrar como
foi construída a memória do morto e de sua infinitude pela família. Ao registrar dados
sobre o falecido nas lápides, utilizando escritos ou imagens sobre a vida e a morte, nota-
se a preocupação de posicionamento diante da morte e da vida do morto. Frases mais
elaboradas ou apenas a recorrente “Saudades da família” transmitem a ideia dos valores
vigentes individual e coletivamente. Assim, ao escolher uma imagem e colocar uma
frase, o familiar não deixa a memória apenas para os conhecidos e descendentes, mas
para toda a sociedade, já que o cemitério é um lugar público. Logo, a intenção do
trabalho vai além da esfera individual, busca alcançar a mentalidade social acerca da
morte e da vida nas representações cemiteriais.
2. O lugar do cemitério na mentalidade popular ao longo da História
A mentalidade acerca da morte sofreu diversas alterações ao longo da
História de acordo com a época e local em que determinada sociedade estava inserida.
No entanto, de acordo com o autor francês Philippe Ariès, “As transformações do
homem diante da morte são extremamente lentas por sua própria natureza ou se situam
entre longos períodos de imobilidade.” (2003, p. 20)
Durante a Antiguidade, os cemitérios localizavam-se longe das
cidades, já que, apesar de terem familiaridade com a morte, os antigos temiam a
proximidade dos mortos por crerem que estes influíam diretamente em suas vidas.
Veneravam as sepulturas dos antepassados e cultuavam seus mortos para evitar que
ficassem descontentes com os vivos e voltassem para assombrá-los. (ARIÈS, 1989, p.
34)2
Porém, com a disseminação do cristianismo, tal mentalidade começou
a mudar, uma vez que se passou a acreditar que os mortos não eram capazes de voltar
após a morte, uma vez que estariam desfrutando da vida eterna no paraíso celeste ou
sofrendo no inferno as punições pelos males cometidos.
2 O trecho do artigo que trata da relação das sociedades com o cemitério foi baseada, em boa parte, no livro “O homem diante da morte”, de Philippe Ariès.
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Os cristãos almejavam serem aceitos no céu na presença de Deus
quando morressem. E acreditavam que morrer sem sepultura os afastaria de tal destino.
Essa atitude foi seguida da prática do enterro ad sanctos, ou seja, próximo ao santo.
Nesta forma de enterramento, buscava-se situar a lápide ao lado do túmulo de um
membro do clero ou santo que havia morrido, acreditando que estas pessoas estariam
mais perto da salvação divina. “O principal motivo do enterro ad sanctos foi assegurar a
proteção do mártir, não só ao corpo mortal do defunto, mas também ao seu corpo
inteiro, para o dia do despertar e do julgamento” (ARIÈS, 1989, p. 37). Esse costume –
enterrar perto de clérigos ou igrejas, ou dentro destas – perdurou até o século XVIII.3
Cumpre ressaltar que tal prerrogativa (o enterro ad sanctos) cabia
apenas à nobreza, uma vez que os pobres do medievo não possuíam nem ao menos
sepulturas, mas eram enterrados em valas comuns que chegavam a abrigar até mil e
quinhentos cadáveres. (ARIÈS, 1989, p. 61)
Durante a Idade Média, portanto, os cemitérios – que voltaram a se
localizar no interior das cidades – não eram apenas um lugar para enterrar os mortos.
Adquiriram um sentido bastante religioso, onde se fazia intercessões para que os
falecidos fossem admitidos por Deus no paraíso, e um sentido social, posto que muitas
atividades rotineiras aconteciam no cemitério, desde sermões dos padres e leituras de
sentenças judiciais até feiras e festas.
Os residentes não eram os únicos a frequentar o cemitério sem
prestar atenção à vista e aos odores das valas e dos ossários. O
cemitério servia de foro, de grande praça e de passeio público,
onde todos os habitantes da comunidade podiam se encontrar, se
reunir, passear, para seus assuntos espirituais e temporais, para
diversões e amores. (ARIÈS, 1989, p. 69).
No século XVIII, devido ao positivismo, que centrou o foco de
estudos no homem, os cemitérios ficaram proibidos dentro das cidades na Europa, por
motivos sanitários e de higiene. Desde o século XV tentou-se proibir os enterramentos
no interior das cidades, proibição que só foi levada a cabo três séculos depois, o que
mostra que o imaginário acerca da morte se modifica de maneira realmente lenta.
“Chegou um momento em que desapareceu a distinção entre os bairros periféricos –
3 “Somente em 1851, o Interment Act (Lei Funerária) proibiu o sepultamento no interior das igrejas.” (VOVELLE, Michel. Imagens e Imaginário na História. 1997, p. 352)
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onde se enterrava ad sanctos, porque se estava extra urbem – e a cidade, sempre
proibida às sepulturas”. (ARIÈS, 2003, p. 38)
Sem a possibilidade de se enterrar perto das sepulturas de santos ou
das igrejas, a mentalidade também mudou. Passou a almejar-se ser enterrado perto dos
familiares falecidos, uma vez que cresceu a valorização dada à família na época
moderna. A partir do século XV, é possível perceber esse desejo nos testamentos, em
que o testador determinava onde gostaria de ser enterrado, perto da esposa, do marido,
dos filhos, seja no cemitério, seja na igreja. Porém, nessa época, nem todas as sepulturas
eram identificadas, sendo difícil saber exatamente onde o corpo de alguém se
encontrava. Logo, o que se buscava era ser enterrado no mesmo sítio, não
necessariamente perto do corpo do ente morto.
Atualmente, raro é o túmulo que não possui nenhuma identificação. A
especificação das informações sobre o defunto nas lápides são uma forma de identificar
a família e, ainda mais importante para este trabalho, de resguardar a memória do
morto, para que não caia no esquecimento daqueles que ainda estão vivos e visitam o
cemitério.
3. A fotografia e a memória do morto
A fotografia é a maneira mais comum de caracterização do morto nos
cemitérios. Isso porque atualmente é um suporte bem mais barato do que enfeites de
cobre ou gesso, por exemplo. Também é mais recorrente do que os epitáfios, que
também serão abordados neste artigo.
A fotografia foi “popularizada” no século XIX, com a confecção das
“cartes des visites”, cartões pequenos, de sete centímetros por dez centímetros com o
retrato de uma pessoa feitos em estúdio. Também havia cartões de celebridades que
podiam ser colecionados, o que tornou a fotografia mais conhecida e disseminada.
(FABRIS, 1998, p. 17).
No entanto, neste período a fotografia foi “popularizada” apenas entre
aspas, uma vez que não era acessível a muitas camadas da sociedade. O termo
“popularizada” aqui significa apenas que a fotografia passou a ser mais conhecida no
fim do século XIX. Ainda na década de 50 do século XX, no Brasil, a fotografia era um
instrumento caro e de difícil acesso, uma vez que era necessário pagar a revelação do
negativo.
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Para se estudar a fotografia deve-se ter em mente que, ao contrário do
que pensavam os intelectuais do século XIX, ela é muito mais do que mera cópia da
realidade. Antes, envolve a vontade de um agente de captar determinado aspecto da
realidade, sendo assim a interpretação de um sujeito. (SONTAG, 1981, p. 7) Deve-se
questionar qual a realidade por trás do documento além de interpretar o que apenas está
retratado na fotografia. A fotografia oferece ao historiador o desafio de chegar àquilo
que o olhar fotográfico por si só não revelou.
Para tal, ele necessita conhecer as intenções – ou seja, a interpretação
da realidade – do autor, bem como interpretar os signos presentes nas fotografias.
(CARDOSO; MAUAD, 1997, p. 405). Os signos são os símbolos presentes nas
fotografias que podem ter algum significado específico. No caso das imagens
cemiteriais, por exemplo, seriam a presença do terno e do bigode nos homens ou do uso
do lenço pelas mulheres.
Toda fotografia nasce da vontade de um indivíduo, que deve ser
levada em consideração ao interpretá-la. “O produto final, a fotografia, é portanto
resultante da ação do homem, o fotógrafo, que em determinado espaço e tempo optou
por um assunto em especial e que, para seu devido registro, empregou os recursos
oferecidos pela tecnologia.” (KOSSOY, 2001, p. 37)
Entretanto, no caso da fotografia cemiterial essa intencionalidade não
interessa tanto à análise da imagem. A fotografia presente no túmulo, normalmente, é
escolhida dentre aquelas que o morto já possuía. Exemplificando, é escolhido o retrato
que estava no álbum da família, que foi tirado em uma festa. Todo o significado que a
imagem possuía – o de alegria da festa, presença da família, etc. – é substituído por
outro – o da caracterização do ente falecido. Logo, pouco importa a intenção com que a
imagem foi produzida, o que faz diferença é a sua escolha para ornar o túmulo. Nesse
sentido, a fotografia possui duas intencionalidades: a do momento em que foi tirada e a
do momento em que foi escolhida para caracterizar a pessoa falecida em sua lápide.
Outra especificidade da imagem cemiterial é que está relacionada com
os sentimentos dos vivos para com o morto. Desde tempos remotos a confecção de
máscaras mortuárias e altares que lembrem o ente falecido fazem parte do trabalho de
luto, diminuindo o espaço deixado pelo morto na família. De maneira semelhante à
fotografia, são uma maneira de afastar o luto e manter a memória daquele que já se foi.
(SOARES, 2007, p. 19)
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A presença da fotografia ou do epitáfio no túmulo é uma maneira de
transmitir às gerações posteriores e à própria sociedade quem foi aquela pessoa em vida.
Quem vê a imagem no túmulo percebe quem era a pessoa, se era casado, se tinha filhos
e até mesmo sua profissão ou o time para o qual torcia.
A imagem, associada ao epitáfio, é uma maneira de afirmar a
individualidade do morto perante a ameaça do perecimento, inerente à morte. Assim,
além de afastar a dor do luto, as fotografias também são capazes de amenizar o medo da
morte. Amenizam o temor de o falecido ser esquecido e simplesmente perecer no
túmulo e, mais do que isso, de ocorrer um desligamento entre o parente que morreu e
aqueles que ainda vivem (Idem, 2007, p. 40).
Essa preocupação com o desaparecimento da memória do morto deve
ser analisada tendo em vista que se está em sociedade, uma vez que o homem que não
vive em sociedade não pode temer o esquecimento. Representar o morto é uma maneira
de exorcizar tal medo da morte, já que se garante que ali representado ele não seja
esquecido.
O afeto ao morto produzirá, em maior ou menor escala, a memória
deste. Quanto mais amada for a pessoa perdida, maior a importância
conferida aos pertences, aos lugares e aos artefatos produzidos para
representá-la, no caso específico, os registros imagéticos. É esse
conjunto memorial que ajudará o trabalho de luto, a ocupação do
vazio deixado pelo morto e o cultivo de lembranças. (SOARES, 2007,
p. 42)
Nenhuma imagem ou frase é escolhida de graça, todas procuram transmitir
alguma intenção ou mensagem para os receptores. Quem escolhe a mensagem possui
uma intenção tripla: espera que aqueles que a veem solidarizem-se com os seus
sentimentos em relação à pessoa morta; procuram diminuir a sua dor da perda; e ainda
buscam evitar que a memória do falecido fique perdida.
A análise das fotografias que será feita no próximo capítulo terá em vista
todos esses aspectos, levando em consideração primeiro que quem escolhe as imagens e
epitáfios nunca está vazio de intenções.
4. Análise das fotografias cemiteriais
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Os cemitérios visitados e fotografados foram os cemitérios São Pedro,
localizado na cidade de Londrina, e o São Lucas, da cidade de Ibiporã. Ambos os
cemitérios são muito antigos, tendo sido inaugurados no ano de 1935.
É possível notar observando as fotografias presentes nos túmulos
algumas características bastante recorrentes na sociedade, e outras, ainda que não
recorrentes, são bem marcantes das práticas sociais. Pode-se interpretar as práticas
sociais perfeitamente por meio destas fontes.
Para facilitar a análise, as imagens foram distribuídas em categorias e
por meio destas é que serão analisadas.
4.1. Homens
As fotografias de homens permitem notar um traço recorrente: a vasta
maioria possui semblante sério, sem sorrir. Isso deve-se ao fato de que, principalmente
há alguns anos atrás, buscava-se transmitir seriedade para demonstrar o bom caráter, a
retidão moral, entre outros valores. E ao contrário do que se pode imaginar, o costume
de tirar fotos com a compleição séria também está entre os jovens, não só entre os mais
velhos.
Além do semblante sério, também é possível perceber nas fotografias
acima o uso do terno, ou ao menos da camisa, para transmitir formalidade. Além do
status social, que sempre valorizou o terno como vestimenta de “doutor” e símbolo de
elegância.
Entre as fotografias de homens, há outros signos presentes. Um destes
signos é o chapéu, que décadas atrás era usado por todas as camadas sociais, desde
trabalhadores do campo até os membros das elites urbanas. O chapéu, por sua vez é
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encontrado em retratos de homens mais velhos, que viveram nesta época, não sendo
muito presentes em retratos de jovens. Pode-se perceber, novamente, a presença
marcante do terno/camisa nos retratos dos senhores abaixo.
O primeiro senhor traz uma feição mais alegre, sorrindo. Ele é o mais
simples – aparentemente – dos três, não usa terno, apenas uma camisa. Os dois outros
estão sérios e vestindo roupas formas. O terceiro está claramente posando para a foto,
traz um ar imponente.
Outro signo bastante presente nas fotografias de homens é o bigode,
também por transmitir seriedade, mas também maturidade, experiência. Este pode ser
encontrado até mesmo nos retratos de homens mais jovens, ainda que haja muitos
retratos de idosos de bigode.
A primeira foto tem um rapaz sorridente, que morreu em 1982. Esta
fotografia foi colada ao lado da placa com seu nome e datas de nascimento e
falecimento. Há uma fotografia mais séria em preto e branco acima da placa, mas a
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família posteriormente optou por colocar esta, mais descontraída, junto daquela. A data
de falecimento é 19/08/1982, o rapaz tinha vinte e cinco anos, logo, a imagem é
contemporânea à sua morte.
Na segunda e na terceira fotografias, ambas em preto e branco, há
rapazes formalmente vestidos, com sorrisos discretos, ainda demonstrando seriedade e o
bigode feito. Ambos morreram jovens, com cerca de 40 anos nas décadas de 1970 e
1980.
4.2. Mulheres
Os túmulos de mulheres não apresentam uma grande uniformidade.
Porém, é possível perceber uma característica comum: as senhoras mais velhas
normalmente estão mais sérias nas fotografias, enquanto as mais jovens podem
apresentar um sorriso. As roupas são discretas, raramente se encontra decotes. Também
é possível perceber a presença de joias, como brincos e colares.
As fotografias acima são exemplos de mulheres que foram retratadas
em seus túmulos de maneira séria. A primeira, vestida de maneira mais formal, faleceu
em 1979, e as outras em 1991 e 1992, respectivamente. É possível perceber que a
mulher do meio possui brincos. Apesar de morrerem mais de dez anos depois da mulher
da esquerda, as roupas são parecidas no que tange à discrição, apesar de serem um
pouco menos formais do que da primeira.
No entanto, há fotografias, ainda que poucas, de mulheres, senhoras,
retratadas sorrindo. Se o retrato da mulher séria indica retidão de caráter, o sorriso
indica que aquelas mulheres foram felizes em vida, sendo opção da família transmitir à
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sociedade que aquela pessoa viveu uma boa vida, estando pronta para deixar essa
existência e desfrutar também do paraíso celestial.
Nas fotos acima, constata-se uma menor seriedade, tanto na feição dos
rostos quanto na maneira que a foto foi tirada. Ao contrário das fotos anteriores, estas
não foram tiradas de frente, a não ser pela inferior esquerda. Os rostos estão, se não
totalmente, levemente virados de lado, e há desde um sorriso discreto, como a fotografia
superior direita, até sorrisos mostrando os dentes. Estas mulheres morreram entre 1979
e 1999, ou seja, não é um padrão a escolha de retratos com semblante sério para
ornamentar túmulos de mulheres, ainda que os sorrisos sejam mais raros.
As fotos de moças jovens, por sua vez, mantêm a formalidade dos
trajes, porém trazem uma austeridade menor quanto à pose. As fotos não são
necessariamente tiradas de frente, como se fossem fotos de documentos. Ainda há
utilização de acessórios e penteados “da moda”, da época em que viviam, além de se
poder perceber padrões comportamentais. Nas fotografias abaixo, há muitos signos
possíveis de se interpretar. Primeiramente, o cabelo das jovens. A jovem da primeira
foto faleceu em 1962, e apresenta um penteado preso, bastante formal. A moça do meio
faleceu em 1971 e a da direita em 1974, também estão com o cabelo penteado, mas
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soltos, menos formais do que o da primeira. Ainda, a moça da foto da direita tem nas
mãos uma taça de bebida, o que pode significar que ela viveu uma boa vida, ou pode ser
também símbolo de status.
Além disso, observando as placas com as datas de nascimento e
falecimento destas mulheres, percebe-se que morreram com 57, 19 e 23 anos. No caso
das duas últimas, a foto provavelmente é contemporânea à suas mortes. Já em se
tratando da primeira, escolheram pôr em sua lápide uma foto de sua juventude, o que
pode ser interpretando como uma escolha estética ou para que a sua juventude seja
eternizada como aspecto constante da sua personalidade.
4.3. Casais
No caso dos casais, os retratos normalmente estão juntos, no mesmo
suporte, ou ao menos próximos no túmulo. Muitas vezes possuem também a mesma
placa. Será possível notar que mesmo quando o casal morre em datas bem distintas a
família busca colocá-los juntos na lápide. Tal ato pretende mostrar que eles viveram a
vida como um casal e assim partiram, uma vez que a religião católica, por exemplo, não
permite o divórcio. Dessa maneira, colocar o casal no mesmo suporte passaria a
mensagem de que ainda que um já houvesse partido, eles permaneceram juntos perante
Deus, merecendo ser recompensados após a morte, pois seguiram os preceitos da Igreja.
Nos retratos de casais, fica evidente a força da família, já que busca-se
valorizar o elo do matrimônio:
O hábito generalizou-se a partir do século XV e expressa bem os
progressos de um sentimento que sobrevivia à morte; talvez, aliás,
tenha sido no momento da morte que ele começou a se impor à
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consciência lúcida: se a família representava então um papel fraco no
tempo banal da vida cotidiana, nas horas de crise, quando um perigo e
impunha uma última solidariedade até depois da morte. (ARIÈS,
1989, p. 80)
Assim, mesmo se a família não foi tão unida em vida, o sentimento
transmitido no túmulo é outro. Deseja-se que a sociedade pense que a família estava
sempre junta e que todos se amavam e foram bons uns para os outros. Quanto aos
casais, não importa se perto da data de falecimento de um deles os dois já nem se
falavam, o que vale é ressaltar que o casamento durou, foi eterno, ao menos em vida.
No caso deste
casal ao lado, conforme a placa
do suporte, o homem faleceu em
1963 e sua esposa bem mais
velha, em 1999. Como o suporte é
novo, a foto do marido
provavelmente já estava no
túmulo, e quando a mulher
morreu, a família decidiu colocá-
los juntos. Mas colocaram uma foto recente da senhora, ao invés de optar por uma
contemporânea à do seu marido.
Os dois casais acima têm em seus túmulos fotografias do dia do
casamento. O casal da foto colorida, à direita, faleceu no ano de 1985, provavelmente
em um acidente, uma vez que a diferença entre as mortes é de apenas um dia. Como
morreram jovens, com 26 e 27 anos, é possível que a morte foi próxima à data do
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casamento, tendo a família optado pela fotografia deste dia, talvez por não terem outra
foto juntos. Os penteados e vestimentas são da época. O céu azul ao fundo simboliza o
paraíso, onde os dois, por terem sido boas pessoas, merecem habitar após a morte.
O casal da esquerda, por sua vez, não faleceu próximo à data do
matrimônio, nem em datas próximas. A mulher faleceu primeiro, em 1968, aos 53 anos,
e o marido em 1987, com 72 anos. Assim, a fotografia do casamento foi escolhida pela
família por estarem os dois juntos, jovens, na data de proclamação dos votos
matrimoniais. Mesmo tendo morrido quase vinte anos após sua esposa, o marido
permaneceu fiel, ou seja, os dois estavam ainda juntos perante Deus.
4.4. Crianças
As fotografias de crianças trazem características particulares, que as
diferenciam dos retratos dos adultos. A morte de crianças, por si só, trazem uma
significação própria, pois foram retiradas da vida de maneira prematura. Assim, há a
identificação dessas crianças como anjinhos, que, por terem morrido precocemente,
seriam levados ao Céu, podendo assim interceder junto a Deus por sua família.
Sobre essa utilização do anjo, afirma Michel Vovelle: “Ele ressurgiu
dentro de um papel bem definido: anjo dos túmulos juvenis, das sepulturas quadradas
das crianças, imagem e reflexo do ser que se foi, ‘um anjo no céu’, como dizem as
inscrições”. (VOVELLE, 1997, p. 330)
É muito comum nos cemitérios
encontrar nos túmulos infantis, mesmo naqueles que já
possuem o retrato da criança, a figura do anjo. Ele
simboliza o anjinho que partiu, pois a criança não possui
maiores pecados que a afastem do Céu, dando a certeza
aos seus familiares de que lá habitará. Tendo morrido
sem pecados – principalmente se batizados, na tradição
católica – é um ser puro, tal qual um anjo, este muitas
vezes retratado com um rosto infantil.
A morte de uma criança tem um luto
especial, posto que sua vida foi arrancada muito cedo.
Equiparar a criança a um anjo é também uma forma de trabalhar este luto,
conformando-se com sua morte e esperando que ela esteja em melhores condições do
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que estaria em vida, podendo ainda recomendar a Deus sua família por ter morrido sem
pecados.
Ao lado, um
epitáfio presente em um túmulo
infantil. Pode-se ver na placa que a
criança era apenas uma recém-
nascida quando faleceu, pois morreu
no dia do seu nascimento. O túmulo
não possui retrato, certamente não
houve tempo de tirar. Mas há o
anjinho, representando a criança
falecida. Apesar de ter falecido logo no dia de nascimento, a família afirma que a
menina deixou lembrança e afeição para seus parentes. Mesmo se tratando de uma
recém-nascida há preocupação em perpetuar sua memória.
Algumas vezes as crianças são retratadas como adultos, com roupas
formais, se não o terno, ao menos uma camisa. Algumas vezes, por se tratar de uma
família mais humilde, a criança não possui roupas tão elegantes e pinta-se a roupa por
cima do retrato.
A criança do meio faleceu em 1940, e veste uma camisa, vestimenta
comum para a época. A da esquerda é posterior e também usa camisa, aparentemente de
um uniforme escolar. O menino da direita faleceu em 1939, teve seu retrato pintado,
talvez para modificar a roupinha que vestia. Todas estas crianças possuem feições
sérias, lembrando mais a aparência de um adulto do que de meninos.
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Porém, há muitas crianças que são assim retratadas, com seus
brinquedos, sorrindo e usando roupinhas infantis e chupetas, por exemplo. Pode-se
perceber que tanto estas fotos quanto aquelas, dos meninos sérios, foram retiradas dos
álbuns de família. Isso é notado por causa da pose dos meninos acima. Em 1940, poucas
famílias no Brasil possuíam máquinas fotográficas, devido ao seu alto custo para
revelação das fotografias. Assim, as fotos eram feitas por profissionais e vendidas às
famílias, que as guardavam em seus álbuns, pois era raro conseguirem outros retratos.
Os retratos acima são exemplos de fotografias tiradas dos álbuns,
pode-se ver que as crianças estão asseadas, com roupas elegantes, cabelo arrumado,
bem como dá para notar a presença de acessórios, como laços de cabelo e chapéu. A
menina da esquerda segura um brinquedo enquanto a da direita posa com um telefone.
O brinquedo na mão da menina é uma boneca, símbolo infantil feminino. É comum
também encontrar meninos com carrinhos, o brinquedo da fotografia é símbolo de
distinção de gênero. Morreram, respectivamente, da esquerda para a direita, em 1952,
1967 e 1975, mas ainda nestas datas nem todas as famílias possuíam máquinas
fotográficas, apenas as mais abastadas.
Quando a família já possuía fotografias da criança morta, ainda que
uma única, presente no álbum, é mais fácil buscar perpetuar a imagem em seu túmulo.
O problema é que pode ocorrer, como no caso do epitáfio supracitado, de a criança
morrer no dia do seu nascimento, ou com poucos dias ou meses de vida, sem a família
ter conseguido registrar foto alguma. Atualmente isso é difícil, uma vez que com as
mídias digitais fotografias são tiradas logo no dia do nascimento.
Entretanto, quando se dependia da máquina fotográfica com filme a
situação era bem mais complicada, pois além da compra do filme, havia o gasto com a
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revelação do negativo. Por isso, ocorria que, quando bebês morriam, tirava-se a foto
após a morte, para registrar o pequeno ente falecido, a fim justamente de resguardar sua
memória, sua
lembrança.
Os bebês acima morreram,
respectivamente, com quatro meses, um mês e meio e dois
meses. Os óbitos referem-se aos anos de 1990, 1987 e 1966. O primeiro, à esquerda,
tem em seu túmulo uma foto ainda vivo, em 1990 o uso de câmeras fotográficas era
mais disseminado. O do meio, possivelmente estava dormindo, pois está deitado de
lado, talvez fosse a única foto que a família possuísse. Já o terceiro, à direita, teve o
retrato tirado após sua morte, já que se pode notar, está deitado em seu caixãozinho,
coberto de flores. Seu falecimento ocorreu em 1966, quando ele tinha apenas dois meses
de vida, dificilmente a família teria outra fotografia dele além desta, que se tornou a sua
recordação.
4.5. Profissões
Um dos aspectos sociais que se pode notar nos retratos presentes nos
túmulos é a valorização do trabalho ou estudo. É comum encontrar retratos de pessoas
com uniformes, fardas ou becas nas lápides. A foto como profissional pode identificar a
pessoa como ela foi conhecida em vida, se for conhecida pelo seu trabalho como
mecânico, fotógrafo, militar, etc. Ainda, pode demonstrar o esforço e os méritos
alcançados devido à dedicação com o estudo e o trabalho.
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A imagem ao lado
mostra o falecido junto ao seu
instrumento de trabalho, seu caminhão.
Não há epitáfio no túmulo que esclareça
isso, mas pode-se supor que o homem na
foto viveu como caminhoneiro, o que
mereceu que a família retratasse sua vida
dessa forma. O ganha-pão foi valorizado
pela família, deveria ser uma paixão do falecido, que não teve sua imagem dissociada
do caminhão quando da sua morte, pois possivelmente era assim reconhecido – como
caminhoneiro – no seu círculo social.
O fotógrafo ao lado também foi
retratado na lápide por sua profissão. Em seu túmulo
há ainda um epitáfio, que diz: “Retratista, graças a
Deus. É tudo que sou, e tudo que sei. Fotografar gente
bonita tem sido meu único interesse ao longo dos
últimos anos. E esse trabalho me faz muito feliz pelo
privilégio que tenho, com minha câmera, de poder
documentar, para sempre, a beleza que cada pessoa é
e que toda pessoa tem. Por isso sou, com enorme
alegria, Chico Rezende, retratista, graças a Deus”. A
escolha da família, então, fica óbvia. O próprio morto tinha grande orgulho de sua
profissão, o que levou seus entes a escolherem retratá-lo para sempre como fotógrafo
em seu túmulo. Não se pode afirmar categoricamente que o texto escolhido para epitáfio
foi escrito com esse objetivo, nem mesmo que tenha sido escrito pelo próprio Chico
Rezende, ou se foi uma homenagem escrita por um parente ou amigo. Porém, legitimou
a escolha de quem quer que fosse que quis caracterizá-lo como fotógrafo. A fotografia
escolhida exprime os dois traços explicitados pelo texto: o amor à profissão e a alegria.
Além desses casos analisados, há classes que são comuns de serem
encontradas nos cemitérios. Uma dessas classes é a dos militares. Muitos homens são
caracterizados de farda nas lápides. É um reconhecimento da família pela dedicação à
carreira militar e ao serviço à pátria.
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Ainda que a influência do militarismo tenha diminuído bastante na
sociedade, a carreira militar dura a vida inteira (a não ser, claro, se o militar pede baixa).
Em muitos cargos, a carreira se confunde com a própria vida, restando poucos aspectos
de vida civil. O retrato com farda no túmulo seria uma bonita homenagem para quem
dedicou a vida ao treinamento e ao serviço militar.
A outra classe muito recorrente nos cemitérios é a dos formados,
bacharéis, professoras, etc. Estas pessoas são caracterizadas com as suas becas,
demonstrando o esforço que exerceram para completar os estudos e o quanto são
vencedoras pela sua conquista.
As fotografias acima são exemplos de pessoas retratadas com becas.
Os três se formaram jovens. O rapaz da primeira foto e a moça da terceira morreram
pouco depois de se formarem, ele com vinte e três e ela com vinte e cinco anos. No
entanto, a moça da fotografia do meio morreu aos quarenta e dois anos. Ainda assim, o
retrato escolhido para ornamentar o seu túmulo foi o da formatura, a fim de salientar a
sua conquista.
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4.6. Epitáfios
Os epitáfios são muito presentes nos túmulos, sendo capazes de dizer
bem como era a pessoa que faleceu, ou ao menos como a família/amigos gostariam que
ela fosse vista pela sociedade. São capazes de trazer valores morais, mensagens de
consolo, de esperança e de realçar o caráter do morto. Eles “refletem” os ideais da
sociedade, o seu modo de pensar, seja religiosa, seja moralmente.
“Ah! Como eles dizem bem o que são os vivos”, como são capazes de
revelar suas vaidades, ao mandarem gravar no mármore de seus
desaparecidos seus próprios desejos e fantasias: crenças, opiniões,
sentenças, reclamos, chistes, legendas espíritas, católicas, positivistas,
etc. – muitas vezes, sob o pretexto de afirmar a “passageira saudade
que só assim dura um pouco mais”. (MOTTA, 2010, p. 71)
O epitáfio pode transmitir também o status do falecido, que lugar ele
ocupava na sociedade durante a vida, principalmente se se tratasse de uma
personalidade ilustre. Assim, além de passar a mensagem de acordo como a família o
via, o morto pode ser retratado de acordo com a maneira que era visto pela sociedade,
de acordo com o seu papel social.
No epitáfio ao lado, lê-
se: “Da minha sepultura, aos meus
queridos semelhantes, hei de ser o
mesmo servo no céu que outrora fui na
terra. Hei de oferecer o mesmo afeto que
em vida sempre lhes ofereci. E que
sejam benvindos (sic.) a minha
sepultura. Mas não se esqueçam nunca
que os meus alimentos são as suas
orações”. Deste epitáfio depreende-se,
primeiramente, que, conforme já afirma
o título, o falecido foi um bom servo,
por isso está no céu. Depois afirma que
necessita das orações dos vivos como se fosse seu alimento, pois estas orações são
capazes de tirar as almas do purgatório para que descansem na paz do paraíso celestial.
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Nas imagens ao lado há
exemplos de epitáfios com trechos bíblicos.
A utilização de textos da Bíblia é muito
comum, expressa a fé e a religiosidade do
falecido. Também mostra que, por acreditar
no que prega o livro sagrado e ter vivido de
acordo com suas prescrições, o morto
merece estar em lugar junto do Pai, ter
desfrutado da salvação eterna da alma. As
frases de epitáfios extraídas da Bíblia
mostram conformismo em aceitar que a
vida lhe foi tirada, já que esta é a vontade
de Deus. Ainda, professa a fé na vida
eterna, preceito difundido pela maioria das religiões cristãs. O “espírito volte à Deus
que o deu”, para a “habitação eterna no céu”.
No entanto, quando se trata de pessoas que morrem cedo, muitas
vezes essa resignação, esse sentimento de que a hora chegou, não está presente. Quando
a pessoa morre muito cedo, fica a sensação de partiu antes da hora, de que foi arrancada
da vida. O trabalho de luto é mais
difícil, pois não há a sensação de que
a pessoa se libertou de um sofrimento
maior, como ocorre com os idosos.
No epitáfio ao lado, esse aspecto está
bem evidente. Não há esperança no
reencontro em outra vida, apenas a
lamentação pela perda da pessoa
querida que faleceu. Talvez, a própria
família não creia na vida após a morte
e assim acredite que não vai mais
encontrar o “Celinho”. Porém, o mais provável ainda é que o trabalho de luto não
acabou, que quando da encomenda do epitáfio os entes do morto ainda sofriam pela sua
ausência.
Por isso é que se afirma que os epitáfios dizem mais sobre os vivos do
que sobre os mortos. Não que não digam a verdade quanto ao morto, mas que refletem a
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realidade da sociedade em que está inserido. Pode-se notar a valorização de
determinados aspectos pela sociedade, como o sentimento de saudade ou amor, a união
familiar quando se busca realçar que a pessoa foi um bom pai, uma boa mãe, bons
filhos/filhas, etc., cumprindo assim seu papel social. Pode dizer, inclusive, que o morto
teve uma vida digna, foi trabalhador, estudante, religioso. Que aproveitou bem a vida,
observando os preceitos morais ou da religião que seguia e que dessa forma está pronto
para desfrutar da recompensa do paraíso. Mas estes são valores defendidos e apreciados
pela sociedade como um todo, não apenas pelo defunto. A importância da representação
do morto dá-se enquanto indivíduo social.
Conclusão
As mentalidades acerca dos cemitérios se transformaram no decorrer
dos anos, ainda que bastante lentamente. De uma grande familiaridade passou-se a uma
sensibilidade distante, de respeito e até medo com os mortos. Atualmente, a maioria das
pessoas nem sequer visita os cemitérios, apenas no feriado do Dia de Finados ou quando
alguém próximo falece. Porém, é claro ver no cemitério a tentativa de manter viva a
memória daquele que se foi, o que se constata nas fotografias e nos epitáfios presentes
nos túmulos. As fotografias são ainda mais recorrentes e traz em seu bojo signos
particulares para designar a classe social à qual o morto pertencia, a atividade
profissional que exercia em vida ou seus gostos pessoais. São uma importante
representação da sociedade, pois evidenciam seus valores, costumes, hábitos, etc. Por
isso a afirmação na introdução deste trabalho de que o cemitério pode ser, sim,
considerado um museu a céu aberto.
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