1
IMES – UNIVERSIDADE MUNICIPAL DE SÃO CAETANO DO SUL
PROGRAMA INSTITUCIONAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA
RISOS E LÁGRIMAS: O TEATRO AMADOR EM SANTO ANDRÉ NA DÉCADA DE 1960
Daniela Macedo da Silva
São Caetano do Sul – São Paulo
2006
2
DANIELA MACEDO DA SILVA
RISOS E LÁGRIMAS: O TEATRO AMADOR EM SANTO ANDRÉ NA DÉCADA DE 1960
Monografia apresentada ao Programa
Institucional de Iniciação Científica da
Universidade IMES, de São Caetano do
Sul, sob orientação da profa. Vilma Lemos
São Caetano do Sul – São Paulo
2006
3
Agradecimentos
Agradeço às professoras Priscila Perazzo e Vilma Lemos por concederem-me
a oportunidade de participar do projeto Memórias do ABC.
Agradeço a todas as instituições públicas e privadas pelo empréstimo dos
materiais para pesquisa, assim como aos seus funcionários pela atenção.
Agradeço a todos os meus depoentes pelo carinho e atenção com que sempre
me receberam.
Agradeço aos meus amigos e familiares pelo apoio, pela paciência (agência
Armazzen), enfim, a todas as pessoas que colaboraram direta ou indiretamente
com esta pesquisa.
5
RESUMO
Esta pesquisa monográfica propôs-se estudar a formação do
teatro amador em Santo André, na década de 1960, dimensionando suas
dificuldades e sua atuação num período crítico da história política do país – a
ditadura militar – , bem como revelar as contribuições desse teatro para o
desenvolvimento cultural da cidade. A história oral foi utilizada como ponto de
partida para a coleta dos depoimentos das histórias de vida de pessoas ligadas
aos grupos teatrais no período. Nesse sentido, a memória individual alia-se à
memória coletiva, constituindo um conjunto significativo para compreender e
dimensionar os reflexos desses grupos no cenário cultural da cidade. Do ponto
de vista da análise do discurso, observou-se o lugar social de onde falam e
para quem falam aqueles que vivenciaram esse período, refletindo, portanto,
suas ideologias, já que a linguagem não é neutra.
6
SUMÁRIO
Lista de figuras.......................................................................................7
Introdução ........................................................................................... 8
Capítulo I – Origem e formação dos grupos teatrais amadores em
Santo André........................................................................11
Capítulo II – Os bastidores do teatro: dimensionamento de suas difi-
culdades..............................................................................16
Capítulo III – Santo André nos festivais amadores de teatro.................22
Capítulo IV – O teatro amador em Santo André e a censura.................26
Capítulo V – A contribuição do teatro amador para o desenvolvimento
cultural da cidade..............................................................33
Conclusão...............................................................................................35
Referências Bibliográficas.......................................................................36
Créditos fotográficos...............................................................................37
7
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Fachada do Teatro de Alumínio.............................................
Figura 2 – Peça Amor entre sinônimos – PAN-WD................................
Figura 3 – Peça Santo milagroso – TAPRIM..........................................
Figura 4 – Vestido usado na peça Romanoff e Julieta – PAN-WD........
Figura 5 – Peça Colégio interno – SCASA.............................................
Figura 6 – Folheto da programação das eliminatórias para o IV Festival
de Teatro Amador...................................................................................
Figura 7 – Facha do TBC – Teatro Brasileiro de Comédia.....................
8
INTRODUÇÃO
Inauguração da cidade de Brasília. Golpe militar. O movimento da jovem
guarda. Esses são alguns marcos que mudaram a história do país. Assumia o
governo do País, em janeiro de 1956, Juscelino Kubitschek de Oliveira (JK).
Esse presidente facilitou a entrada de capital estrangeiro, conseguindo ainda
empréstimo do FMI. JK contribuiu para a implantação de novas fábricas, ao
destinar parte do empréstimo para a criação do Grupo de Estudos da Indústria
Automobilística (Geia), primeiro passo para a instalação das grandes
montadoras de automóveis no Brasil, mais especificamente no ABC Paulista.
Santo André, fazendo parte do ABC, estava em plena expansão e já havia
deixado para trás seu aspecto interiorano.
Com o impulso dado à economia e à industrialização por JK, no final da
década de 1950, o desenvolvimento industrial da cidade de Santo André
fortaleceu- se nos anos seguintes. O número de lojas no centro aumentou,
atraindo consumidores de todo o ABC e também de alguns bairros da zona
leste de São Paulo (PMSA, 1992).
Nesse período, Santo André foi considerada a cidade mais
industrializada do país e, portanto, com grande oferta de emprego. Isso
colaborou para a vinda de pessoas de outros Estados para a região, gerando
assim um aumento significativo na população do município. Em 1950, a cidade
tinha pouco mais de 100.000 habitantes. Ao final da década de 1960, a
população chegou a quase 400.000 (SILVA, 2001). No censo de 1970, o ABC
estava aproximadamente com 1.000.000 de habitantes.
Com esse crescimento, o prefeito Fioravante Zampol, em sua
administração (1965-1968) iniciou o processo de modernização da cidade.
Aumentou a rede escolar (Ensino Fundamental e Médio), construiu também, a
escola superior. É nesse período que surgem as organizações estudantis,
fazendo da arte uma forma de manifestar suas opiniões.
Na gestão Zampol, iniciou-se a construção do centro cívico, incluindo a
biblioteca, a sala de exposições, o auditório e o Teatro Municipal, a fim de
oferecer ao cidadão andreense opções de lazer. Dentre essas opções, o teatro
9
foi a atividade que mais se desenvolveu na cidade. Os grupos que se
destacaram foram:
• Sociedade de Cultura Artística de Santo André (SCASA);
• Grupo Teatral Amador Panelinha (GTAP);
• Teatro Amador do Primeiro de Maio (TAPRIM);
Embora o CPC (Centro Popular de Cultura) não fosse um grupo que se
dedicasse exclusivamente ao teatro, pois seu objetivo maior era a
conscientização política e alfabetização dos trabalhadores, teve expressão
significativa na área.
Os registros encontrados sobre os grupos teatrais hoje são, quase que
exclusivamente, cronológicos. Sendo assim, para recuperar detalhes
relevantes para esta pesquisa, utilizou-se a história oral como fonte histórica,
por meio dos depoimentos da história de vida de pessoas que participaram dos
grupos teatrais.
Isso permitiu que as muitas histórias esquecidas, relatadas por
depoentes, pudessem ser relembradas, trazidas à tona, uma vez que esse
período foi bastante significativo para o desenvolvimento cultural da cidade de
Santo André.
Voltando-se, então, para o resgate da memória do teatro amador, a
proposta dessa monografia consiste em:
• Estudar a formação do teatro amador em Santo André na década
de 1960;
• Dimensionar as dificuldades enfrentadas pelos grupos amadores;
• Relacionar as atividades do teatro amador ao período da ditadura
militar;
• Revelar a contribuição do teatro amador para o desenvolvimento
cultural da cidade.
10
Os depoimentos1 que serviram de base para pesquisa foram gravados e
passam a constituir o acervo do Memórias do ABC, da Universidade Municipal
IMES, de São Caetano do Sul, no ano de 2003.
A análise de cada depoimento possibilitou reconstruir a história do teatro
amador de Santo André na década de 1960, ressalvando-se que não basta
apenas unir cada depoimento (memória individual) para que se tenha a
memória coletiva. É preciso que haja um ponto em comum entre eles,
conforme HALBWACHS:
(...) não basta que eles nos tragam seus depoimentos: é
necessário ainda que ela (lembrança) não tenha cessado
de concordar com suas memórias e que haja bastante
pontos de contato entre uma e as outras para que a
lembrança que nos recordam possa ser reconstruída
sobre um fundamento comum. Não é suficiente
reconstruir peça por peça a imagem de um acontecimento
do passado para se obter uma lembrança. É necessário
que esta reconstrução se opere a partir de dados ou de
noções comuns que se encontram tanto no nosso espírito
como no dos outros. (1990, 34)
A análise do discurso também foi utilizada por estudar a relação entre
língua e ideologia, já que é pelo uso da linguagem que a ideologia se
manifesta, considerando-se que as pessoas (depoentes) falam de
determinados lugares sociais que têm um significado de acordo com o contexto
sócio-histórico em que estão inseridos, permeados por suas visões de mundo.
1 Foram depoentes: Antônio Petrin, Augusto Maciel, Havani Fernandes, Ivone Vezzá, José A. P. da Silva, Lúcia Vezzá, Márcia Vezzá, Maria A. Perazzo, Noretta Vezzá, Roberto Caielli, Sônia Guedes.
11
Capítulo I – Origem e formação dos grupos teatrais amadores em Santo André
Existiram vários grupos de teatro amador na cidade de Santo André no
período de estudo desta monografia. Os registros encontrados nas pesquisas
bibliográficas e nos depoimentos coletados foram apenas de três grupos,
SCASA, GTAP e TAPRIM. Inclui-se também a produção pequena, mas
expressiva, do CPC.
Este capítulo dará uma visão geral dos grupos e sua atuação.
SCASA – Sociedade de Cultura Artística de Santo André
Tudo começou na empresa Rhodia Química, que proporcionava a seus
funcionários e familiares, através do Clube Atlético Rhodia, atividades sociais,
esportivas e culturais. Em 1952, alguns membros do Grupo de Teatro do Clube
Rhodia resolveram criar uma sociedade independente da empresa. Fundaram
a Sociedade de Cultura Artística de Santo André (SCASA), sendo responsável
Antônio Chiarelli. Esse grupo, além do teatro infantil, trazia espetáculos
profissionais, concertos, shows sempre com o intuito de conquistar mais
sócios. (PMSA, 1984).
A primeira apresentação foi em novembro de 1953, com a peça O
Pivete. Ela foi tão bem recebida pelo público, que o grupo recebeu vários
convites dos clubes da região e de alguns teatros de São Paulo, como o Teatro
Artur de Azevedo e o Teatro São Paulo para apresentar-se.
As peças, durante muitos anos, foram encenadas no auditório da escola
Júlio de Mesquita, porém, devido a algumas restrições da escola, o grupo
sentiu a necessidade de ter seu próprio espaço. Em 1960, Paschoalino
Assumpção presidente do grupo na época, comprou um pavilhão, dois anos
depois transformado no Teatro de Alumínio, com a ajuda de empresas da
região (ASSUMPÇÃO, 2000). Foi o primeiro teatro local da cidade, que
recebeu, além dos grupos da região do ABC, os grupos de teatro amadores e
profissionais de São Paulo e Rio de Janeiro. Sua inauguração marcou-se pela
presença da atriz Bibi Ferreira, com a peça Diabinho de saias. O Teatro de
12
Alumínio, por vários anos, realizou as eliminatórias para os festivais de teatro
amador do Estado de São Paulo.
Em 1964, Adhemar Guerra, profissional da nova geração do teatro,
dirigiu a peça Gente como a gente, apresentado pela SCASA. Devido ao
grande desempenho dos atores, ele os estimulou a ingressar na EAD (Escola
de Arte Dramática) onde já estavam, Sônia e Aníbal Guedes. Para lá foram:
• Analy Alvarez;
• Antônio Petrin;
• Alexandre Dressler;
• Osley Delamo.
Embora esses atores estivessem se profissionalizando, eles não se
desligaram da SCASA de imediato. O aperfeiçoamento na EAD proporcionou a
melhoria das encenações, da cenografia, dos figurinos no grupo.
GTAP – Grupo Teatral Amador do Panelinha – PAN-WD
Os proprietários do Clube PAN-WD, preocupados em aumentar o
número de sócios, resolveram ampliar suas atividades sociais que se resumiam
em bailes e jantares. Como Roberto Caielli, um dos membros da família, vinha
Fig. 1 – Fachada Teatro de Alumínio, 1962.
13
do teatro, ele passou os seus conhecimentos a família, como relatou em seu
depoimento:
... Nós começamos a fazer umas palestras de teatro, e nos
reuníamos na casa da mãe dela. Eu fiz nos moldes de um
curso de teatro, fui passando todo o meu conhecimento,
chamava alguns amigos meus de São Paulo para fazer
algumas palestras, dar aulas para eles e começamos a formar
um grupo do zero, mas assim nos moldes do que eu também já
tinha feito, como um curso, tínhamos a intenção de levar uma
peça, mas não era obrigação. E acabamos levando, o pessoal
fica inquieto. Então, foi assim que nasceu o grupo de teatro
Panelinha, do Clube Panelinha.
A peça de estréia foi Amor entre sinônimos (1962), seguida de inúmeras
peças, aproximadamente nove anos de grandes apresentações.
TAPRIM – Teatro Amador Primeiro de Maio
O Teatro Amador do Primeiro de Maio Futebol Clube levou o nome da
cidade em apresentações pelo interior do Estado de São Paulo. Seu diretor
Augusto Maciel, atua no teatro amador da cidade até hoje, com o grupo TECO
– Teatro e Comunicação. O TAPRIM surgiu do grupo musical que animava as
Fig 2 - Amor entre sinônimos, 1962, Clube Pan-WD.
14
domingueiras no clube. A peça de estréia foi Santo Milagroso (1967), outras
peças seguiram-se a essa (MÉDICI, 1996).
CPC – Centro Popular de Cultura dos metalúrgicos de Santo André
Na mesma época que a SCASA, o CPC – Centro Popular de Cultura
dos metalúrgicos de Santo André realizou várias atividades, dentre elas, peças
de teatro. Alguns participantes da SCASA foram atraídos pelo trabalho do CPC,
que tinha, dentre seus objetivos, a conscientização política. (CAMACHO, 1987)
Inspirado por Augusto Boal, do Teatro de Arena, o CPC montou duas peças: A
Formiguinha, de Oduvaldo Viana Filho e Eles não usam Black-Tie, de
Guarnieri, ambas sob a direção de Chico de Assis, porém, no ano do golpe
militar (1964) que instaurou uma ditadura no país, o CPC foi fechado. Seus
movimentos eram contra o governo e, naquela época, não havia liberdade de
expressão. Embora seu período de existência tenha sido curto, deixou
contribuições para a abertura de um espaço na imprensa local, inspirando,
especialmente, a geração universitária no sentido de uma visão crítica da
realidade brasileira (PMSA, 1984).
Fig. 3 - Ensaio da peça Santo Milagroso, 1967, Primeiro de Maio Futebol Clube. Dir. p/ esq. Sildesi de Brito, José Henrique Reis Lisboa (Taubaté) e Odorico. Sentados – Luiz e Heleni de Paiva.
15
... engajado era aquele teatro que a gente fazia no CPC,
aquele sim era teatro de esquerda didático, radical. (Sônia
Guedes)
Feita essa apresentação dos grupos atuantes no período, segue-se uma
avaliação dos problemas encontrados por esses grupos durante seu período de
existência.
16
Capítulo II – Os bastidores do teatro: dimensionamento de suas dificuldades
Neste capítulo, serão registradas as dificuldades dos grupos na
produção dos espetáculos. Sabe-se que os grupos que estavam ligados a
algum clube recebiam uma pequena ajuda, como lanches ou algum valor em
dinheiro. Limitados pelo orçamento, verificam-se, então, espetáculos cheio de
criatividade e improvisação. Isso pode ser confirmado nos depoimentos
apresentados a seguir.
... o Panelinha, o clube dava assim... um lanche para a turma
toda, dava uma verba: “-Olha, nós precisamos comprar isso,
aquilo.”. E eles estavam presentes, porque era muito bom para
o clube, projetava o nome do clube. E era muito gostoso, então
todo mundo queria participar ir nos ensaios, aparecia sempre
um monte de gente, e era uma distração para os associados do
clube. E eles também ajudavam se fosse preciso, com cenário
que tinha que pôr pano, pintar, pregar prego e... subir em uma
escada para iluminar, spot a gente corria atrás de quem tinha
poder, quem podia ajudar e o pessoal do clube... tinha gente
com poder aquisitivo que podia suprir essas coisas. Então, a
gente tinha todo o material razoável para espetáculo teatral.
Não era grandes montagens, fazia sempre com montagens que
a gente pudesse suportar o ônus dela, não eram coisas, não se
metia fazer coisas que eram espetáculos que exigiam assim
né, uma produção muito grande e tal. Era tudo muito tranqüilo,
mas havia muito empenho. (Lúcia Vezzá)
Os grupos também recebiam apoio das lojas e empresas :
... nós tínhamos o programa. Era feito com o auxílio das casas
de Santo André, as casas mais novas, mais grandes, mais...
elas patrocinavam, mas sempre patrocinavam alguma coisa,
patrocinavam os convites, patrocinavam se a gente precisava,
17
por exemplo, de uma fazenda para uma cortina, podia contar,
ia na Seda Nossa ou ia na outra ou qualquer outra, sempre
ajudavam isso sim, mais depois tínhamos que fazer a cortina,
porque a cortina, o pano, não ia só o pano lá, todas essas
coisas que nós fazíamos e dinheiro era nosso, e o Panelinha
sempre patrocinou tudo que a gente precisava, mais acontece
que, tinha coisas que não dava, tínhamos que fazer nós
mesmos ... (Noretta Vezzá)
Também comentando as dificuldades do grupo, Márcia Vezzá informa:
... meu tio Lóis, que tinha feito eletrotécnica, então ele fez a
mesa de luz. A parte de iluminação então era toda ele que fazia
uma mesa linda, nós tínhamos uma mesa que todos os outros
grupos babavam, a gente tinha, nós aprendemos a fazer
refletor com lata de leite ninho, então a gente tinha assim,
muita criatividade, pouco dinheiro, o grupo dava né, o
Panelinha tinha alguma verba, o clube fornecia, eu lembro que
uma outra peça que nós fizemos, que foi o Romanoff... Julieta
e Romanoff, nós ganhamos todos os tecidos da Rhodia, a
Rhodia deu peças e peças e aí veio uma peça de veludo
vermelho, e a minha tia Ivone falou assim : “_ nós vamos fazer
a roupa da Julieta de veludo vermelho. Eu tenho até hoje o
vestido guardado na casa da minha mãe, deve ter uns 20
metros de veludo vermelho, pesa (risos) pesa uns 30 quilos,
tanto que precisou fazer reforço dentro, uma espécie de um
colete para eu poder vestir a roupa e a minha tia tinha medo de
que a saia despencasse conforme eu andasse de tão pesada
que era a roupa, nossa! eu achava a coisa mais linda né, era
lindo, porque havia esse empenho em fazer as coisas... (Márcia
Vezzá)
18
E todos os componentes exerciam várias funções:
... o teatro amador não aproveita os seus atores somente em
cena. Nós, por exemplo, somos maquinistas, eletricistas,
figurinista, porteiros, desenhávamos e construíamos os nossos
cenários e confeccionamos o nosso próprio guarda roupa e até
bolamos os nossos convites e ingressos de programas ... (Roberto Caielli)
... a gente foi entrando e subindo no palco e fazendo as coisas
que eram preciso, inclusive batendo martelo, pintando as peças
que precisavam, arrumando os panos que precisavam colocar,
costurando a roupa, o traje que era adequado para aquela
peça né, mesa, cadeira era tudo por nossa conta então, me
lembro uma ocasião em Falávamos de rosas, precisa de uma
poltrona não existia poltrona nem no teatro e nem nós não
tínhamos, então o que que foi feito ? de duas poltronas que nós
Fig. 4 – Vestido utilizado pela atriz Márcia Vezzá, na peça Romanoff e Julieta, 1967, Clube Pan-WD.
19
tínhamos, cortaram ao meio as duas e juntaram as aí ficaram a
poltrona que precisava (...) não tinha ajuda de ninguém,
éramos nós que tínhamos que fazer, mais com isso nós fomos
para festivais e fizemos bastante coisa em festivais ... (Noretta
Vezzá)
A improvisação destaca-se: Fora da barra se passava em um navio, e o cenário tinha que
ter aquelas portas arredondadas do navio, tinha que ter
aquelas faixas tudo limpo perfeito, cor de bronze porque o
navio era na realidade lustrado diariamente, aquela coisa
assim, e nós não tínhamos como fazer as faixas, as faixas
assim redondas e altinhas assim, e um dia nós estávamos
passando na feira, nunca vou esquecer isso, o Roberto: “_
Olha! Olha! Achei! Achei! Achei!” “_ O que que você achou ?”
“_ As faixas! As faixas!” Ele pegou uma bolacha, se a gente
pintar isso aqui, vai virar uma faixa, mas não tenha a mínima
dúvida, pregamos no cenário assim, toda a faixa passamos
tinta cor de bronze e ficou o cenário feito de bolacha, quando
alguma estragava, que batia, no dia seguinte, a gente ia lá
dava uma coladinha, uma pintadinha, remendava o cenário e
pronto, sem problema nenhum, a gente fazia muito disso, a
ilusão do teatro, do palco, é uma coisa fantástica, porque você
está vendo, você pensa em uma coisa, mas quando você vai
olhar de perto, é uma coisa totalmente diferente. (Ivone Vezzá)
... a gente fazia sempre alguma coisa que desse certo, sei lá,
até pedir coisas emprestadas de amigos, de pessoas que a
gente sabia que podia encontrar, coisas antigas, em uma peça
antiga, a gente procurava procurava ia pedir (...) Pequenos
Burgueses a mãe, a Colina tinha que oferecer chá, e eles lá só
tomam aquele chá né, e tinha que ter uma uma peça grande
que usam os russos para fazer o chá e distribuir o chá para
todos, eu tive que procurar pelo... por telefone, para saber etc
tal quem tinha esse aparelho, e paguei Cr$ 8000,00, R$
8000,00 não, não, nem cruzeiros acho que era, era um
20
depósito porque eu tinha que devolver aquela peça de qualquer
jeito, tinha que devolver, e completa, inteira, e já viram vocês,
tivemos que pegar o dinheiro e levar para a mulher, a mulher
nos emprestou e ficamos com ela 1 mês que foi o quanto nós
tivemos tempo e depois devolvemos para ela, porque não era
uma coisa que ia ficar para nós né, mais mesmo assim teve
que dar Cr$ 8000,00 acho que era, naquele tempo devia ser
cruzeiros... (Noretta Vezzá)
Apesar das dificuldades, devido aos recursos que eram limitados, havia
muita dedicação e solidariedade entre os grupos. A qualidade dos espetáculos
sempre surpreendia, porque os grupos se empenhavam muito.
... para sobreviver, era com muito sacrifício que isso era feito, e
o teatro amador, ele depende da dedicação dos integrantes do
grupo, se os integrantes do grupo têm essa disponibilidade,
aceitam ele existe, se não ele não existe, porque você não
ganha nada, muito pelo contrário, você teoricamente só perde,
você perde o sábado, perde o domingo, você deixa de se
divertir né, você tem várias dificuldades (...) fora a disputa do
festival, nós todos nos ajudávamos, a gente trocava texto, a
gente emprestava cenário, a gente emprestava ator né, ator e
atriz era de um grupo, você convidava, olha, tem o tipo físico,
vamos trazer essa pessoa ? você convidava não havia essa
esse problema, essa disputa ... (Márcia Vezzá)
O teatro amador foi uma verdadeira escola para todos que dele
participaram. Os atores que se profissionalizaram lembram, com muito carinho,
da época em que eram amadores.
... no teatro amador é muito legal porque você aprende de tudo
né, quer dizer, cada um por exemplo, vamos lá, como que é a
peça que época que é, se é uma peça atual cada um traz o seu
terninho, o seu paletó, a sua camisa, a sua gravata, o seu
sapato, cada um compõem o seu figurino sem nenhuma
preocupação às vezes estética né, é o que tem, se é uma peça
21
de época claro que o grupo cada um acaba contribuindo com
um dinheirinho e cria-se uma roupa de época e tal, mas na
verdade a gente fazia peças atuais para não ter esse tipo de
problema, o cenário era sempre o mesmo né, aquele famoso
gabinete que a gente ia lá até pintava né, a gente trabalhava na
pintura, na iluminação, eu me lembro que nesse teatro amador,
eu me lembro como eu aprendi a fazer com que a luz ela
pudesse acender lentamente e apagar lentamente né, então eu
aprendi essa técnica, que é um tubo refratário né, que você
enche de água em uma extremidade você coloca um pólo da
luz e no outro pólo que vai com um peso que vai se
aproximando um do outro, quer dizer, isso você faz, e essa
água que tem aí dentro ela é salgada para criar uma corrente
elétrica, quer dizer a aproximação dos dois pólos você faz com
que o refletor se acenda, aprendi isso, e isso me quebrou
muitos galhos mesmo no teatro profissional quando se tinha
dificuldade de você ter essa técnica mais apurada a gente
acabava usando essa técnica que eu aprendi no teatro, então o
teatro para mim, com o teatro amador a caixa de um palco
como a gente chama não tem segredos, eu conheço tudo por
causa dessa minha formação. (Antônio Petrin)
Como observado nos depoimentos relatados, sempre houve muito
empenho dos grupos para que as apresentações acontecessem e também
para participar nos festivais. É o que Márcia Vezzá relata :
... um grupo queria superar o outro, isso era uma disputa que
no final ficava bastante saudável, porque querendo apresentar
um espetáculo melhor, o grupo se preparava melhor, então a
suas próprias custas chamava alguém para dirigir, que tinha
uma formação de profissional, e aí melhorava o espetáculo, o
pessoal se preparava, cantava, fazia técnica vocal ...
Pela amostra de depoimentos, notam-se as dificuldades dos
grupos amadores para pôr em ação as peças teatrais. O próximo
capítulo apresenta uma visão geral dos festivais amadores no
período de 1960-1970.
22
Capítulo III – Santo André nos festivais amadores
Este capítulo visa mostrar a participação dos grupos de teatro amador
de Santo André nos festivais amadores do Estado de São Paulo.
Inicialmente, eram realizadas as eliminatórias por região e o grupo
classificado representava sua cidade na semi-final, quando uma comissão
elegia o vencedor.
O 1º Festival aconteceu em 1963 e foi organizado pela Comissão
Estadual de Teatro (CET) e o Conselho Estadual de Cultura. Ficou responsável
por reunir os grupos da região do ABC, a SCASA. Com esse movimento, surgiu
a FEANTA – Federação Andreense de Teatro Amador, que centralizou essas
atividades.
A prefeitura de Santo André colocava à disposição uma verba para a
FEANTA e cabia ao presidente da federação repassá-la para os grupos.
Geralmente, isso era feito em forma de cursos para aprimoramento dos grupos.
... quando minha mãe foi presidente da Federação, ela inovou
nesse aspecto porque até então o Pascoalino que tinha sido
presidente tal, não tinha se preocupado em trazer profissionais
para melhorar a qualidade do profissional e isso foi durante o
período da gestão dela, ela trouxe várias pessoas para fazer
introdução da história do teatro, teve técnica vocal, expressão
corporal ... (Márcia Vezzá)
O objetivo dos festivais sempre foi conduzir os grupos ao
profissionalismo. Como prêmio, os atores recebiam uma bolsa de estudos na
EAD – Escola de Arte Dramática de São Paulo (PMSA, 1984; ASSUMPÇÃO,
2000).
No ABC, o Teatro de Alumínio sediou as primeiras eliminatórias
(ASSUMPÇÃO, 2000). A SCASA conseguiu classificação para o 1º festival,
com a peça Colégio Interno e, na final, a atriz Sônia Guedes recebeu o prêmio
de melhor atriz.
23
... ganhei o prêmio do festival de teatro, primeiro festival de
teatro amador do Estado de São Paulo, eu ganhei o prêmio de
melhor atriz e o prêmio era a bolsa para a escola de arte
dramática (...) o mundo se abriu quando eu fiz escola de arte
dramática ... (Sônia Guedes)
Os grupos de Santo André não conseguiram classificação para o 2º e 3º
festival, voltando a se classificar no 4º festival, com o grupo SCASA (1º) e
GTAP (2º). Na final, a SCASA ficou em 4º lugar.
Fig. 6 – Folheto da programação das eliminatórias para o 4º Festival de Teatro Amador, 1966
Fig. 5 – Peça Colégio Interno, SCASA Dir. p/ esq. ?, Sônia Guedes, ?
24
No 5º festival, as eliminatórias aconteceram no salão nobre do colégio
São José, em São Bernardo do Campo. Participaram nove grupos, oito eram
da cidade de Santo André. Os grupos classificados foram: Regina Pacis, da
cidade de São Bernardo do Campo (1º) e SCASA (2º).
Neste festival, houve um fato curioso. A comissão julgadora era
composta por três pessoas. Devido a um imprevisto, duas delas não puderam
comparecer e a responsabilidade ficou para uma única pessoa, José Souza
Pinto, do grupo Procópio Ferreira/SP, gerando um certo descontentamento por
parte dos grupos com a FEANTA.
No 6º festival, em 1968, havia a promessa da realização das
eliminatórias no teatro Conchita de Moraes, pois já não existia mais o Teatro de
Alumínio. Como não foi possível, realizou-se em São Bernardo, no teatro
Cacilda Becker. Participaram grupos de todo o ABC, porém, não se tem
registro de qual grupo foi classificado.
Em 1969, o Clube Pan-WD sediou as eliminatórias do 7º festival. Houve
a participação de sete grupos, incluindo até uma produção do grupo amador de
Ribeirão Pires. Nesse ano, também não se tem registro de qual grupo foi
classificado.
Em 1970, o grupo classificado foi o Regina Pacis (SBC) e as
eliminatórias para o 8° festival aconteceram no teatro Conchita de Moraes, em
Santo André.
Nesse mesmo ano, a FEANTA, enfrenta problemas administrativos, que
acabam refletindo no desempenho do teatro amador, contribuindo para o
encerramento do movimento, alguns anos depois.
O último festival em Santo André, foi um ano depois que saiu o
Dr. Brandão, depois de um ano eles pararam com o festival,
morreu praticamente a FEANTA que é a Federação Andreense
do Teatro Amador ... (Augusto Maciel)
Enfim, como o grupo SCASA tinha alguns atores estudando na EAD, as
apresentações se sobressaiam, levando-os sempre à classificação nos
25
festivais. Seus componentes receberam prêmios como melhor ator, melhor
diretor, etc. (ASSUMPÇÃO, 2000).
Como esse teatro se desenvolveu em um período crítico da história do
país (a ditadura militar), segue-se um capítulo que busca dimensionar os
reflexos disso na área teatral desses grupos.
26
Capítulo IV - O teatro amador em Santo André e a censura
Para entender o teatro nesse período, é preciso avaliar a situação
política do país e o posicionamento ideológico de outros grupos teatrais em
ação no país.
O Brasil do início da década de 1960 foi marcado por grandes
acontecimentos políticos que delinearam um período de sua história cujos
reflexos perduraram até a década de 1980.
A população estava insatisfeita com o governo devido à grande
instabilidade política e econômica do país. O presidente João Goullart, na
tentativa de reestruturar o país, acabou provocando um descontentamento
entre os militares, que viam uma tendência esquerdista nas medidas sociais e
econômicas adotadas por seu governo. Insuflados pelos Estados Unidos e, em
nome de manter o bem da nação, os militares assumiram o poder.
Com isso, iniciou-se a busca de agitadores, progressistas esquerdistas.
... todo livro, cujo título se refira a socialismo, marxismo ou
comunismo ou tenha na capa nome de autor russo ou
assemelhado, deve ser recolhido à fogueira purificadora do
DOPS... (apud MOCELLIN, 1987, 270)
A época ficou marcada por repressões políticas, quando as discussões
políticas e a participação democrática foram silenciadas.
A ditadura, instalada a partir do regime militar de 1964, utilizou-se de
práticas de tortura, assassinatos contra quaisquer manifestantes contrários à
ideologia em curso. A censura acabou com a liberdade de expressão e, no
campo das artes, muitos foram perseguidos, presos, exilados e até mortos
(OLIVA; RAINHO, 1987).
Foi a partir do Ato Institucional nº5 (1968), que institucionalizava a
censura, a limitação dos poderes do Congresso e estabelecia total arbítrio do
governo que o teatro se insurge, utilizando-se de metáforas e alusões para
tentar driblar a censura. Esse teatro politicamente engajado foi chamado por
27
Fig. 7 - Fachada TBC
Guarnieri de Teatro de ocasião. Representam-no o Teatro de Arena e o Teatro
Oficina, em São Paulo e o Teatro Opinião, no Rio de Janeiro. Mostravam,
veladamente, uma crítica à realidade brasileira. Por exemplo, quando
encenavam um autor russo, o enredo refletia, por alusão, a realidade do Brasil.
Por isso, foram alvos de perseguição.
O ABC Paulista, politicamente, marcou como foco de resistência e luta
por seus direitos, sobretudo Santo André, que vivia um momento de intensa
industrialização e agitação por parte dos metalúrgicos, porém, o teatro,
aparentemente, mostrava-se neutro, limitando-se a adaptações de autores
estrangeiros, com espetáculos infantis. Não tinha a preocupação de questionar
ou mostrar o momento que o país estava vivendo, a ditadura militar.
Comparando o teatro amador de Santo André, na década de 1960, com
o teatro que estava em ação nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, no
mesmo período, é possível delinear o perfil político dos grupos amadores de
Santo André. Para isso, faz-se necessário destacar as características dos
grupos de São Paulo e Rio de Janeiro.
A partir da década de 1950, os teatros passam a encenar adaptações de
autores brasileiros. Em 1960, inicia-se a abordagem dos problemas sociais do
país e as apresentações fora do espaço teatro. Elas aconteciam onde
houvesse público: escolas, praças, etc.
Em São Paulo, destacam-se o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), o
Teatro de Arena, o Teatro Oficina e o Teatro da PUC (TUCA).
O TBC, fundado por Franco Zampari em 1948, inovou o teatro brasileiro.
Tinha equipe fixa, com encenadores estrangeiros como Adolfo Celi, Ziembinski,
Ruggero Jacobi, Luciano Salce e Flamínio Bollini
Cerri. Além de cenógrafos, iluminadores e
cenotécnicos, contratou um corpo de atores que
incluía Cacilda Becker, Sérgio Cardoso, Nydia
Lícia, Cleyde Yáconis, Paulo Autran, Tônia
Carrero, Fernanda Montenegro e muitos outros
nomes importantes no panorama do teatro
brasileiro do período.
28
A partir de 1949, Franco Zampari cria a Companhia Cinematográfica
Vera Cruz. As duas companhias, Vera Cruz e TBC, seguem juntas e, com isso,
vários artistas e técnicos trabalharam para ambas. Em 1964, o TBC encerrou
suas atividades como companhia, devido a crises financeiras e também pela
falência da Vera Cruz (MAGALDI, 1997).
O Teatro de Arena e o Teatro Oficina, apesar de terem propostas
diferentes, tiveram o TBC como referência.
O Teatro de Arena surge com o objetivo de transformar o mundo. À
frente estavam Augusto Boal (Marido magro, mulher chata), Gianfrancesco
Guarnieri (Eles não usam black-tie) e Oduvaldo Vianna Filho (Chapetuba
Futebol Clube) .
Com palco circular, esse tipo de teatro aumentava a intimidade entre a
platéia e os atores (MOSTAÇO, 1982).
O Teatro Oficina nasceu em 1958, quando dois estudantes da
Faculdade de Direito, do Largo São Francisco, em São Paulo, Renato Borghi e
José Celso Martinez Corrêa, organizaram um grupo de teatro amador. Sua
proposta era fazer um teatro diferente do burguês TBC (MOSTAÇO, 1982).
As peças sempre buscavam retratar a realidade brasileira. Em 1961, o
elenco de A vida impressa em dólar, de Clifford Odetts, como forma de protesto
político, realizou uma passeata em que os atores saíram amordaçados pelas
ruas de São Paulo.
As perseguições eram freqüentes. Como exemplo, seguem-se alguns
trechos da entrevista de Ittala Nandi ao jornal A Nova Democracia, realizada
em julho de 2004. ... em 3 de abril de 1964, três dias após o golpe militar, já não
foi possível apresentar Os pequenos burgueses: o espetáculo
foi suspenso pela censura quase na hora de ir à cena. A todo
momento chegavam notícias alarmantes de perseguições e
prisões de artistas e intelectuais. Como Zé Celso, Renato e
Fernando Peixoto estariam numa lista de perseguidos, o grupo
optou por escondê-los no sítio da família da atriz Célia Helena,
entre São Paulo e Rio .
29
A peça retratava a obsessão de uma família pela ascensão social.
Depois de alguns meses, a peça sofreu algumas alterações por parte da
censura e ficou em cartaz por 7 anos.
No Rio de Janeiro, em uma das apresentações da peça Os Inimigos, de
Máximo Gorki (1966), o general Castelo Branco foi cumprimentar o elenco e,
questionado pela atriz Italla Nandi se havia se identificado com algum
personagem da peça, ele respondeu: “Sim, mas não com aquele que a senhorita
está pensando. Acrescentou: Mas tenha cuidado para você não se identificar com o
seu personagem.”
Em análise do discurso, é importante observar o lugar social do qual
falam as pessoas. Percebe-se, aqui, a imagem que o representante do governo
ditatorial queria passar: não era o ditador que estava na platéia, mas sim um
cidadão comum (quando cumprimenta). No entanto, a ameaça velada da voz
oficial faz-se presente na seqüência. Um jogo de máscaras em ação.
Nesse mesmo ano, o teatro foi destruído por um incêndio, mas, em 1
ano e meio, o grupo conseguiu se reerguer.
Será em 1967, com O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, que o Oficina
se sobressai, lançando o Tropicalismo - movimento com forte mensagem
política. As músicas misturavam a canção nacional com o rock, utilizando
amplificadores e guitarras elétricas. Os atores usavam roupas espalhafatosas,
feitas com plástico e plumas, entre outros materiais. Isso coloca o grupo em
posição de destaque e referência dentro da cultura brasileira dos anos 60. A
peça é levada à Europa e a montagem torna o grupo internacionalmente
conhecido (PAES, 1995).
Desenvolvendo o chamado espetáculo-manifesto, o grupo Oficina,
comandado pelo diretor e ator José Celso Martinez Corrêa, reproduzia,
metaforicamente, os anos de ditadura no Brasil, o que levou o governo militar a
fechar o teatro e, em 1974, exilar José Celso, conforme depoimento de Íttala
Nandi: “Não fazíamos peças para nos promover, mas para promover o nosso povo e
o nosso país. Selecionávamos espetáculos e textos na condição de que eles tivessem
uma relação social com o Brasil.”
30
O TUCA, teatro da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo), foi criado em 1965, com o objetivo maior de difundir o teatro nos meios
universitários e nas classes sociais mais baixas. Os espetáculos destacaram-
se pelo baixo custo de produção e alto nível artístico. Participaram do TUCA:
Elis Regina, Francis Hime, Vinicius de Moraes, Gonzaguinha, Maria Bethânia,
Gal Costa, Paulo Autran, Gianfrancesco Guarnieri e Fernanda Montenegro
entre outros.
A primeira montagem foi Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo
Neto, em 1966, que conferiu ao grupo o primeiro lugar no Festival Internacional
de Teatro de Nancy (França). Foi considerado grande foco de resistência à
ditadura militar.
Em São Paulo, o CCC – Comando de Caça aos Comunistas – utilizava
da violência para acabar com qualquer ação dos grupos de esquerda. O
episódio mais marcante foi em 1969, quando o grupo invadiu a apresentação
da peça Roda Viva, de Chico Buarque, destruindo cenários, figurinos e
espancando o elenco (HOLLANDA e GONÇAVES, 1999).
No Rio de Janeiro, destaca-se o Teatro Opinião, construído a partir do
CPC (Centro Popular de Cultura) após o golpe militar. O Opinião é uma das
referências quando se trata de resistência ao golpe militar. Ficou conhecido por
seus musicais sempre com o objetivo de alertar a população para a situação
política do país. O espetáculo Liberdade, Liberdade, de Flávio Rangel e Millôr
Fernandes (1965), um dos maiores clássicos do teatro brasileiro, levou o grito
de protesto por todo o país. No elenco, destacam-se nomes como Oduvaldo
Vianna Filho, Tereza Rachel, Paulo Autran e Nara Leão.
Em 1966, a peça Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come, de
Oduvaldo Viana Filho e Ferreira Gullar, conquistou os prêmios Molière no Rio
de Janeiro, e os Prêmios Saci e Governador do Estado, em São Paulo
(MOSTAÇO, 1982).
Voltando às produções amadoras do teatro em Santo André, no ABC
Paulista, observa-se que os grupos não tinham preocupação com um
engajamento político, por isso, afirmam não terem sofrido com perseguições,
mesmo tendo encenado peças como Os Pequenos Burgueses, Se correr o
31
bicho pega, se ficar o bicho come, Eles não usam black-tie, alvo de
perseguição pela censura nas grandes cidades. Porém, os grupos não
estavam isentos da figura do censor, uma forma de repressão, como comenta
Augusto Maciel:
... tinha que pegar o texto, levar pra censura a censura lia, fazia
a primeira censura cortava trecho, palavra, às vezes até página
toda, aí devolvia o texto, aí você montava o espetáculo (...) era
obrigado a buscar o censor onde ele morasse, levar de volta
(...) isso aí era por conta do grupo, se tinha carro ia de carro se
não tinha alugava ou pegava táxi, era complicado.
De modo geral, o teatro amador encenou peças de autores estrangeiros
que retratavam cenas do cotidiano, vida em família. O grupo SCASA, por
exemplo, encenou várias peças infantis, como Chapeuzinho vermelho.
Não há registro de peças censuradas. Como afirma Noretta Vezzá,
“nunca tivemos problemas com censura”. E continua Lúcia Vezzá:
Os espetáculos eram singelos e a gente já fazia uma pré-
alteração (...), mas existia um policiamento assim nos textos e
a gente tinha que aguardar a censura dar o aval, mas muitas
vezes a gente fazia assim, a gente mudava para a censura e
depois, na hora quando levava o espetáculo, levava o
espetáculo do jeito que a gente queria.
A única intervenção de que se tem registro foi com o CPC (Centro
Popular de Cultura dos Metalúrgicos de Santo André), que fazia um trabalho de
conscientização política, e, por isso, foi barrado pelo governo ditatorial,
segundo Sônia Guedes: “... aquele teatro que eu fazia no CPC, aquele sim era de
esquerda didático (...) tivemos várias perseguições, tivemos que parar, o CPC foi
fechado, acabou de repente ...”
Os grupos da cidade de Santo André não tinham por objetivo fazer teatro
político, diferentemente dos grupos de São Paulo e Rio de Janeiro, que eram
32
engajados e se opunham aos desmandos de um regime opressor de governo,
sofrendo, por isso, censura e repressão política.
Assim, de acordo com os depoentes entrevistados no Memórias do
ABC, o objetivo dos grupos era entreter e não informar ou conscientizar a
população sobre o momento que o país estava vivendo.
33
Capítulo V - A contribuição do teatro amador para o desenvolvimento cultural da cidade
O teatro amador surgiu em Santo André, através do grupo SCASA. A
partir dele, vários outros surgiram.
Na década de 1960, as atividades culturais tiveram forte expressão.
Havia exposições de artes plásticas, ciclos de cinema, porém, as
apresentações teatrais se destacaram (PMSA, 1984).
Os grupos SCASA e GTAP foram os que permaneceram mais tempo
nos palcos. O desaparecimento dos grupos aconteceu por várias razões,
dentre elas, a profissionalização dos atores, que partiram para novos trabalhos.
Quanto ao CPC, infelizmente, a ditadura o encerrou.
Então, a partir desse momento, que o Panelinha começou um a
ir para um lado, o outro se integrar em um outro grupo, porque
até algumas pessoas do nosso grupo passaram para o grupo
do Maciel, que é outra pessoa que batalhou demais para o
teatro, então o Panelinha de teatro foi se diluindo, porque cada
um se interessou por um outro setor e aquele teatro
praticamente foi desaparecendo. (Lúcia Vezzá)
Em 1968, surgiu o primeiro grupo profissional da cidade de Santo André,
GTC – Grupo Teatro da Cidade com Antônio Petrin, Sônia Guedes, Heleny
Guariba entre outros.
O GTC estreou com a peça Jorge Dandin, no Teatro de Alumínio e ficou
um mês em cartaz com grande sucesso. Depois fez várias apresentações pelo
Brasil, inclusive no exterior, participaram do Festival Internacional de Teatro na
cidade de Manizales, Colômbia, representando o Brasil.
nós fomos para Manizales (...) era um festival internacional
mesmo, tinha grupos de onde vocês pudessem imaginar (...)
nós éramos o grupo mais importante do festival... (Márcia
Vezzá)
34
Uma outra contribuição do teatro amador foi a construção do Teatro
Municipal, pois foi através do senhor Antônio Chiarelli que o prefeito Zampol
incluiu em seus planos a construção do teatro (SILVA, 2001).
... eu assisti à construção do paço municipal, o teatro municipal,
o teatro, eu andava por dentro da construção, porque foi o meu
mestre o senhor Chiarelli, foi um dos fundadores do teatro do
rodhia, primeiro grupo de teatro amador e o senhor Chiarelli
que conseguiu que o prefeito Zampol incluísse nos planos o
teatro municipal e eu ia junto, porque eu era apaixonada por
teatro, eu aprendia com ele, eu era assim a pupila dele, vi
quando começou o palco era uma grande emoção ... (Sônia
Guedes)
Como pode ser visto, foram poucas mas expressivas as
contribuições do teatro amador para a cidade de Santo André.
35
Conclusão
Entreter. Essa é a palavra que define o teatro amador de Santo André na
década de 1960. Os grupos tinham como objetivo divertir e se divertir, uma vez
que o teatro era feito por hobby, como ficou registrado nos depoimentos.
Apesar de o período de estudo dessa monografia (década de 1960),
coincidir com o período de início da ditadura militar, esse teatro não era um
teatro de esquerda, engajado politicamente. Não havia a intenção de assumir
um posicionamento político sobre a situação de cerceamento da liberdade
democrática no país.
Os grupos passaram, muitas vezes, pela figura do censor, mas não
houve problemas. Não há registro de peças censuradas, apenas pequenas
alterações no texto, pois esses grupos encenavam estórias infantis, cenas do
cotidiano, vida em família, obras de autores estrangeiros.
Assim, fica subentendida a posição política dos grupos e também da
platéia, composta por associados dos clubes, comerciantes, profissionais
liberais e, até mesmo, famílias da elite política (PMSA, 1984). Todavia, o teatro
amador deixou contribuições significativas para a cidade, despertando um
público para esse aspecto cultural.
Para os grupos, a cada espetáculo, a sensação de mais um trabalho
gratificante, ficando os membros dos grupos entre Risos e Lágrimas.
36
Referências bibliográficas ASSUMPÇÃO, Paschoalino. O Teatro Amador em Santo André: A Sociedade de Cultura Artística (SCASA) E O Teatro de Alumínio. Santo André: Alpharrabio, 2000, 63p BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à análise do discurso. Campinas, SP: Ed. UNICAMP, 7 ed., 2000. CAMACHO, Thimoteo. O centro popular de cultura dos metalúrgicos de Santo André: A cultura no ABC paulista no início dos anos sessenta, o CPC da UNE, o teatro de arena e o partido comunista na cidade operária, 1987. 190p. (Tese de mestrado. Pontifícia Universidade Católica) FERREIRA,Marieta e AMADO, Janaína. Usos e abusos da história oral. RJ: Ed. FGV, 5 ed., 2002. HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. SP: Vértice/Ed. dos Tribunais,1990.
HOLLANDA, Heloísa Buarque de; GONÇALVES, Marcos Augusto. Cultura e participação nos anos 60. São Paulo: Brasiliense, 1999. – 1ª reimpr. Da 10 ed. De 1995. MAGALDI, Sabato. Panorama do teatro brasileiro. São Paulo : Global, 1997, 326P. MÉDICI, Ademir. Os Flechas Verdes: 83 anos de história do Primeiro de Maio Futebol Clube. Santo André: Abril, 1996, 369p.
MOCELLIN, Renato. A História crítica da nação brasileira. São Paulo: Editora do
Brasil, 1987, 286p.
OLIVA, Aloízio Mercadante; RAINHO, Luís Flávio et al. Imagens da luta 1905-1985. São Bernardo do Campo: Sindicato dos trabalhadores nas indústrias metalúrgicas,
mecânicas e de material elétrico, 1987, 272p.
ORLANDI, Eni Puccinelli. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. Campinas, SP: Pontes, 1996, 4ª ed. ORLANDI, Eni P. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes, 3 ed., 2001. SANTO ANDRÉ, Prefeitura Municipal de. Subsídios para a definição de uma política cultural no município de Santo André. Santo André: Secretaria de Educação, Cultura e Esportes. Depto. De Educação e Cultura, 1984. SANTO ANDRÉ, Prefeitura Municipal de. Santo André: direito à cidade. Santo André: PMSA : Fundação Santo André, 1992, 128p. SILVA, José Armando Pereira. O teatro em Santo André 1944-1978. Santo André: Gráfica e Fotolito Ltda, 1991, 140p. – (COLEÇÃO MEMÓRIAS DA CIDADE) SILVA, José Armando Pereira da. A cena brasileira em Santo André : 30 anos do Teatro Municipal. Santo André : Secretaria da Cultura, Esporte e Lazer de Santo André, 2001, 312p.