Volume 1, Número 3
ISSN 2527-0532 João Pessoa, 2017
Artigo
INQUIETAÇÕES FILOSÓFICAS E DOCÊNCIA
Páginas 304 a 317 304
INQUIETAÇÕES FILOSÓFICAS E DOCÊNCIA
Edson Cardoso
RESUMO - A ideia deste artigo é refletir e idealizar uma ponte entre a teoria filosófica
e a prática de ensino, tendo como base as experiências vivenciadas nas instituições de
ensino da rede pública das quais fiz parte como docente. Dessa forma, o trabalho foi
dividido em quatro partes em que se discutirá em linhas gerais o processo de
transformação biopsicossocial e a linha tênue entre ética e educação: memórias; a
construção histórica do ser nas dimensões éticas comportamentais em sociedade; ações
éticas vistas como utópicas; e, por fim, as considerações finais, que sugere algumas
atitudes práticas pautadas em toda a teoria pesquisada, sobretudo, a da filósofa alemã
Hanna Arendt e sua obra “Vida Activa”, que serviu de base à prática docente, nesta
pesquisa e projetos realizados na rede estadual de ensino da Paraíba, especificamente, na
Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Abreu e Lima.
Palavras-chave: filosofia; prática de ensino; biopsicossocial; ética; educação.
ABSTRACT - The idea of this article is to analyze and to idealize a conection between
philosofhical theory and teaching practice based on living experiences in public
educational instituitions in which i acted as a teacher. Thus, the work was divided into
four parts in which the process of biopsychosocial transformation and the tenicous line
between ethics and education will be discussed; memories; the historical construction of
human being in the ethical dimension of behavior in societty; ethical actions seen as
utopian; and finally the final considerations that suggest some practical atitudes based on
all the researched theory, especially the German philospher’s theory, Hanna Arendt, and
her “active life” which suports the educational pratctice, for example, developed as
research for this work in Paríba’s public education specifically in Abreu e Lima elementar
school.
Keywords: Philosophy; teaching practice; biopsychosocial; ethical; education.
Volume 1, Número 3
ISSN 2527-0532 João Pessoa, 2017
Artigo
INQUIETAÇÕES FILOSÓFICAS E DOCÊNCIA
Páginas 304 a 317 305
INTRODUÇÃO
Antes de qualquer coisa, precisamos entender que educação é um dos elementos
que constitui a superestrutura ideológica do Estado. Portanto, ela se dá na informalidade
e formalidade, exatamente nesta ordem, mas sempre intencionalizada com base nas
infraestruturas econômicas de cada período social e suas consequentes demandas
econômicas, políticas e sociais.
No entanto, faz-se necessário esclarecer e distinguir educação de treinamento ou
aprendizagem que se dá por meio de acúmulo de informações, não diferenciando, assim,
neste processo, homem, animal ou máquina. O escritor do livro “Um novo homem e nova
sociedade: construindo cidadania”, Jorge Renato Johann, esclarece com maestria essa
distinção:
Sempre que se falar em educação, estar-se-á fazendo referência a um
processo amplo, completo, profundo e altamente comprometido com a
mobilização de todas as potencialidades humanas [...] ela mobilizará
sempre suas múltiplas dimensões de um ser biológico, social, espiritual,
intelectual, psicológico, material, estético, etc. [...] Só assim se pode
buscar uma aproximação entre educação e ética, e isso só será possível
ou não dentro de um contexto societal.” (JOHANN; p.77-78)
Dessa forma, pretende-se compreender, e ao final sugerir, caminhos de
aproximação prática associados aos saberes filosóficos de forma a refletir a prática
educativa em nossas escolas. Para tal, como diz Jorge Renato Johann, é necessário
desmitificar educação apenas como somatório de instruções, ou seja, mero processo de
ensino aprendizagem e dessa forma associá-la à construção de um ser histórico, fruto de
uma constante interação nos diversos campos sociais.
Para isso dividiremos o artigo em questão em três capítulos argumentativos. O
primeiro capítulo, Processo de transformação biopsicossocial, que dará uma noção geral
da localização teórico-histórico-espacial da educação, conforme o conceito marxista e
althusseriano no que diz respeito à ética do dominante sobre a ética do dominado. O
segundo capítulo, A linha tênue entre ética e educação: memórias, tentará demonstrar a
necessidade de compreender a memória genética e cultural como responsável para a
obtenção de valores necessários para as escolhas da vida, tanto de professores como de
alunos. O terceiro capítulo, A construção histórica do ser – as dimensões éticas
comportamentais em sociedade, reforçará a necessidade do professor ser o cominho mais
próximo, na educação formal, para a conscientização histórica do discente, embora,
Volume 1, Número 3
ISSN 2527-0532 João Pessoa, 2017
Artigo
INQUIETAÇÕES FILOSÓFICAS E DOCÊNCIA
Páginas 304 a 317 306
diante das observações em sala de aula, constata-se notória inconstância e indiferença
docente, em relação a importância de ser incomodado por estas inquietações filosóficas.
O quarto capítulo, Ações éticas vistas como utópicas, relaciona nos dias de hoje o
comportamento docente e discente pertinente à educação, tendo ambos, compreensões
fundamentadas no senso comum, e em consequência disso interpreta equivocadamente o
que seja educar e ensinar ou instruir.
Esse comportamento é demonstrado na relação existente entre os significantes
utopia, ética e complexidade do ser humano em seus respectivos significados
descontextualizados pelo principal ator da educação, o professor.
Neste mesmo capítulo, ainda se faz breve recorte histórico da evolução moral da
antiguidade à modernidade. Por fim, recorrendo a Zygmunt Bauman, no último capítulo,
Conclusões finais, são feitas reflexões sobre o mundo líquido e seus valores egocêntricos,
que influenciam discentes e docentes na mesma proporção que os alienam. Sugere-se,
enfim, algumas atitudes práticas pautadas em toda a teoria defendida, sobretudo, na
filosofia de Hanna Arendt, somados a exercícios práticos desenvolvidos na rede estadual
de ensino da Paraíba, especificamente, na Escola Estadual de Ensino Fundamental e
Médio Abreu e Lima.
PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO BIOPSICOSSOCIAL
O que seriam infraestrutura econômica e superestrutura ideológica? Esses dois
conceitos são bastante complexos e bem delineados na obra de Louis Althusser (1918 –
1990), renomado estudioso de Marx, idealizador das tópicas estruturais. No entanto, não
é de muito fácil compreensão a sua leitura. Por isso, para tornar mais clara e acessível aos
nossos leitores recorreremos ao professor e doutor em Filosofia, Clóvis de Barros Filho,
que explica de maneira bem simples, por meio de uma imagem cotidiana e recente à
nossas memórias, em seu livro “Devaneios sobre a atualidade do capital (2014)” a
materialização do mecanismo invisível aos olhos de muitos professores, e em quase tosos
os alunos, do que na prática significam infraestrutura econômica e superestrutura
ideológica:
“ O padre Marcelo é religião, escola, mídia, literatura, moral, lição de
vida, ou seja, é a própria superestrutura ideológica. [...] O padre Marcelo
torce para o arado porque sem o arado ele não faz sucesso. Essa é a ideia:
eu preciso encontrar na infraestrutura as respostas da superestrutura. Já
na infraestrutura se encontra o processo de produção, que tem dois
Volume 1, Número 3
ISSN 2527-0532 João Pessoa, 2017
Artigo
INQUIETAÇÕES FILOSÓFICAS E DOCÊNCIA
Páginas 304 a 317 307
elementos, processo de trabalho e relações de produção. O processo de
trabalho tem, por sua vez, três elementos: objeto, meio e atividade. A
infraestrutura se constitui dos meios de produção, mais trabalho, mais as
condições materiais da realização desse trabalho, mais as relações de
produção. É preciso perceber, portanto, que a sociedade se estrutura em
torno de classes e há classes que pretendem conservar determinadas
relações de produção, por isso, a necessidade de sempre reproduzi-las.
Logo, a luta de classes é o motor da história dessas relações, mas nem
sempre a luta de classe é percebida pela proletário (e também pelo
professor), que acredita no que vê. A causa última de todos os fenômenos
superestruturais como a política, a educação, o direito, a moral, a mídia,
etc (superestruturas ideológicas) está relacionada com o conflito existente
na relações de produção. Porque na infraestrutura econômica se
encontram os trabalhadores e de maneira subjacente estão, também, os
verdadeiros proprietários da propriedade privada: os donos das fábricas,
os donos de construtoras, os donos das máquinas, os industriais, as
multinacionais, etc. (a parte subjacente da infraestrutura econômica.)”
(BARROS FILHO, 2014, p.30 - 33)
Observe que neste trecho retirado do livro do professor Clóvis de Barros Filho,
identifica-se o problema da educação no professor, da mesma forma que o problema do
arado se encontra no padre Marcelo. Em outras palavras, o problema da educação, não se
encontra na educação em si, assim como o problema da religião não se localiza nela
mesma. Não poderemos solucionar os problemas das superestruturas ideológicas, nas
próprias superestruturas ideológicas, porque elas estão a serviço do Estado, são aparelhos
ideológicos do Estado a serviço dos aparelhos repressivos deste mesmo Estado (governo,
justiça, exército, polícia, administração). Por isso, a compreensão do que seja educação é
indispensável para não ser banalizada como solucionadora de todos os processos
interacionista que constituem a sociedade, até mesmo o processo de ensino e
aprendizagem. Como se percebe a educação é um dos tentáculos de um sistema invisível
aos olhos do senso comum, que juntamente com outros tentáculos, religião, casamento,
etc., articulam seus interesses econômicos, políticos e culturais.
Tendo compreendido, então, a ideia básica de como é formada o edifício social,
podemos afirmar que o andar da infraestrutura econômica e o outro piso da superstrua
ideológica são espaços subjetivos que devem fazer parte do repertório de conhecimento
docente para a compreensão da educação de tal forma que as inquietações filosóficas
aproximem ética e educação ao desempenho docente e discente no fazer educação formal
e na contribuição do desenvolvimento da consciência crítica do aluno.
Volume 1, Número 3
ISSN 2527-0532 João Pessoa, 2017
Artigo
INQUIETAÇÕES FILOSÓFICAS E DOCÊNCIA
Páginas 304 a 317 308
A LINHA TÊNUE ENTRE ÉTICA E EDUCAÇÃO: MEMÓRIAS
Os tipos de memória que constituem os elementos do andar da infraestrutura
econômica se dividem em memória genética e memória cultural. Isso nos faz perceber
que a educação é um processo que envolve o meio familiar e o meio político, entendendo
político, em seu significado mais amplo e aristotélico, em que o homem é um animal
social, dotado de inteligência complexa e afetando e sendo afetado pelo mundo que o
envolve.
Então, a educação é fruto dessa interação social e cultural do indivíduo em grupos
variados. E é justamente nessa inclusão que seu conjunto de valores (axiologia) se
formará. Dedução óbvia, portanto, que a variedade comportamental se encontra em
função das diferentes culturas na cultura individual de cada ser humano. A filosofia
observou esses aspectos referencias e os classificou como virtudes, com as quais, o
homem em sociedade se posiciona a partir de critérios fundamentados nesses elementos
que sustentam a formação do sujeito histórico.
Dessa maneira, podemos perceber que o homem é um ser circunstancial que se
encontra em situações inexoráveis como, por exemplo, nascer. No entanto, também se
encontra em condições contingenciais, ou seja, passíveis de mudança, como por exemplo
no ato de escolha entre roubar ou não roubar, mentir ou não mentir, etc. Em resumo,
dependendo da situação em que o ser humano nasce (inexorabilidade), as probabilidades
serão diferenciadas no que diz respeito às oportunidades, mas as contingencialidades, ou
seja, o agir, o escolher é de exclusiva responsabilidade de cada um.
Todavia, seria um grande equívoco achar que essa vontade de agir esteja
exclusivamente relacionada a uma decisão totalmente solitária. É justamente aqui, que o
pensamento sedutor-ideológico, impresso nos discursos veiculados pelas máquinas de
propaganda do Estado, procura persuadir e deixar tudo do jeito que está, como se esse
jeito fosse o único e o natural de ser. Em outras palavras, as coisas são como sempre
foram e pronto.
Infere-se, assim, que a questão da memória genética herdada dos pais, comumente
chamados de “dons”, vinda via DNA, e a memória cultural encontram-se desvinculados
da constituição dos ser em seus momentos de escolhas na vida. Essas influências da
superestrutura ideológica a serviço das infraestruturas econômicas são provocadas pelos
afetos e afecções dos grupos educacionais e influenciadores, dos quais este indivíduo faz
parte, tais como família, escola, religião, política, etc..
Ora, esses “dons”, portanto, não são fins e podem perfeitamente ser comparados
a uma arma mortífera (meio), a título de ilustração. A arma parada não prejudicará
Volume 1, Número 3
ISSN 2527-0532 João Pessoa, 2017
Artigo
INQUIETAÇÕES FILOSÓFICAS E DOCÊNCIA
Páginas 304 a 317 309
ninguém, da mesma forma o “dom” adormecido não chegará a lugar nenhum. Embora
haja essas duas memórias elas precisam de motivações para evoluir. É justamente neste
ponto que se insere a educação como estímulo para o aluno, ferramenta e meio
indispensáveis para o professor conscientizá-lo a se historicizar, ou seja, tornar-se um ser
participativo e crítico de seu “mundo”.
Tanto a educação informal quanto a formal precisam do amadurecimento da
consciência histórica dos seres humanos. Não importa se na pedagogia ou na andragogia.
O grande problema da educação hoje em dia encontra-se na negligência da reflexão
filosófica, do querer saber o porquê das coisas pelos seus principais atores.
De alguma forma, os professores resistem a agregar aos seus já anacrônicos
conhecimentos, que os fazem prezas fáceis da manipulação ideológica, o incômodo
filosófico. Este saber os forçariam sair da zono de conforto em que se encontram, de
aceitarem como verdade algo construído, e como no mito da caverna de Platão, saírem
das amarras tradicionais e voltarem aos seus alunos renovados e prontos para despertá-
los da educação que atende apenas aos interesses corporativos, e, assim, conscientizá-los
para um saber crítico e construtivista.
A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO SER – AS DIMENSÃOES ÉTICAS
COMPORTAMENTAIS EM SOCIEDADE
Quando falamos em circunstâncias, estamos, obviamente, nos referindo a
situações objetivas e subjetivas. Isso significa dizer que existe uma parte significante
também chamada de concreta, social, material ou objetiva, e outra, em constante
relacionamento com o indivíduo, pertinente portanto a sua capacidade de filtrar os
fenômenos da vida. Esses significados têm a ver com as sensibilidades, consciências,
sentimentos e imaginação de cada um. Juntos, formam o processo de subjetivação que é
responsável pela construção histórico do ser.
No entanto, o equívoco se dá em pensar que essas acepções, fruto da experiência
individual se dão de maneira espontânea, osmótica, automática ou natural, como se não
dependesse de muito esforço, estudos, leituras dialetais com outros sujeitos do mundo
que compartilham as mesmas preocupações educacionais.
Observe, então, que o ser humano é uma entidade complexa, constituída de uma
objetividade material que influencia sua subjetividade. A isso, como foi dito
anteriormente, denomina-se processo de subjetivação, algo, aliás, que nenhuma outra
espécie tem como característica em sua constituição biopsicossocial.
Volume 1, Número 3
ISSN 2527-0532 João Pessoa, 2017
Artigo
INQUIETAÇÕES FILOSÓFICAS E DOCÊNCIA
Páginas 304 a 317 310
Isso posto podemos deduzir que a educação como ciência pode ser divida em três
momentos: o práxico (prático); o de valores éticos; e o da dimensão ética.
Os fundamentos éticos e políticos da educação em seu caráter prático nos faz
perceber que a educação não pode ser analisada de maneira nomotética, ou seja, como se
fosse possível protocolar uma conduta “x” para um grupo, e esperar que essa mesma
conduta “x” servisse para todos os outros. Isso só é possível nas ciências naturais e
biológicas (ciências duras), mas não nas ciências humanas (ciências moles), tendo em
vista à complexidade do ser.
Portanto, a educação não pode ser mensurada de forma técnica como o é a
informática e biologia, por exemplo. Existe toda uma práxi ou praxe que se resume em
hábitos e práticas recorrentes, que variam no tempo e espaço social. A filósofa alemã,
Hannah Arendt, reporta-se a este fato distinguindo labor, trabalho e ação como elementos
da vida Activa que devem ser compreendidos e relacionados aos valores éticos e sociais
para poderem transformar o ser humano.
Por analogia, podemos pegar uma formiga do ano de 1500 e verificar que continua
sendo a mesma formiga no século XXI. Isso não acontece com o ser humano, que tem em
suas gerações posteriores a continuidade, agregação de novos conhecimentos e adaptação
dos antigos às novas demandas sociais.
Logo, o relacionamento da educação com o indivíduo será dado por meio do
universo simbólico, próprio da materialidade das coisas em contextos diversos. A
capacidade, no entanto, do aluno para usar esses recursos simbólicos de compreensão
(conhecimento, significados, contextualidade, contingencialidade, produção de conceitos
e vivência de valores) do seu mundo dependerá da sua percepção filosófica do outro. E
isso depende dos valores morais construídos a partir dos conhecimentos filosóficos
consolidados na prática do nosso dia a dia escolar e compartilhados pelos professores.
Nesse sentido é que devemos entender educação relacionada à questão cultural e
ideológica em que seus personagens estão envolvidos socialmente. O escritor norte-
americano Oscar Wilde (1854 – 1900) dissera que “Somos as outras pessoas”. Disso
decorre que a influência sociocultural nos seres humanos, por meio da cultura, molda seu
comportamento na reprodução narcísica fruto da nossa singularidade histórica.
Deste modo, a filosofia e a mitologia explicam o “eterno retorno” que tanto
Nietzsche salientou. Enquanto o indivíduo não se libertar das amarras ideológicas que são
plantadas desde o seu nascimento, mito da caverna, ele estará impossibilitado de perceber
as subjetividades discursivas. E a questão que não se aquieta e cada vez mais faz sentido
é saber até que ponto nossos docentes têm consciência dessas inquietações filosóficas e
Volume 1, Número 3
ISSN 2527-0532 João Pessoa, 2017
Artigo
INQUIETAÇÕES FILOSÓFICAS E DOCÊNCIA
Páginas 304 a 317 311
suas relações com o outro, sobretudo o seu aluno, a ponto de poder ser a ponte que irá
compartilhar esses conhecimentos com os discentes?
AÇÕES ÉTICAS VISTAS COMO UTÓPICAS
Seguindo a linha de pensamento deste artigo, podemos deduzir que a moral está
diretamente relacionada aos hábitos, costumes e práticas transmitidas de geração a
geração, segundo a inexorabilidade da sua inserção social e consequente
contingencialidade probabilística de mudanças. Em outras palavras, as personagens
envolvidas na educação podem desconstruir verdades que se dizem absolutas, mas o que
vemos é uma total indiferença e negligência que faz parecer que as coisas são do jeito que
são, como se a inexorabilidade fosse o próprio destino.
O agir humano estará condicionado a uma consciência moral (a sensibilidade aos
valores) e a uma consciência epistêmica (sensibilidade aos conhecimentos). Ora, todo
esse arsenal de informações pressupõe que exista um estudo que o defina dentro da
coletividade, determinando, dessa maneira, um padrão comportamental que atenda ao
bem comum.
É justamente aí que há a necessidade de uma compreensão mais aprofundada,
sobretudo, pelos profissionais da educação, especificamente os professores e dirigentes
educacionais, a respeito de uma perspectiva mais detalhada sobre conceito e
aplicabilidade ética no sentido utópico e não distópico.
A parte mais simples do entendimento sobre ética é saber sua etimologia. Ética
vem do grego “ethos” e significa hábito ou prática recorrente. Moral vem do latim “mos”
e tem o mesmo significado de ética. A questão problemática, porém, dessas duas palavras,
é o lugar comum em que elas se encontram na mente coletiva da base da estrutura social.
Moral diz respeito à particularidade dos hábitos e práticas recorrentes, enquanto
ética se refere a uma ciência que tem como objeto de estudo a moral. Ora, como se há de
perceber, não há um senso comum no sentido de tornar essas particularidades, depois de
debates e discussões, em uma prática plural que consiga de maneira justa atender a todos
sem distinção, fazendo-os compreender as relações existentes entre inquietações
filosóficas e educação.
Quando falamos sobre moral e ética na verdade estamos questionando nossos
próprios valores. Mas o que são valores? Novamente as inquietações filosóficas, que
deveriam incomodar as mentes dos professores, voltam a assombrá-los.
Volume 1, Número 3
ISSN 2527-0532 João Pessoa, 2017
Artigo
INQUIETAÇÕES FILOSÓFICAS E DOCÊNCIA
Páginas 304 a 317 312
A filosofia, então, mais uma vez, buscou entender o que são valores. E descobriu
que são virtudes ou capacidades que dependem de escolhas e liberdades. E escolher é
uma das grandes dificuldades humanas. No entanto, os valores que norteavam as antigas
gerações foram substituídos por valores condizentes às novas demandas sociais de um
mundo totalmente modificado em suas relações econômicas, políticas, sociais e
interativas. Todas essas mudanças decorrentes de conflitos e revoluções até que
chegássemos a esta contemporaneidade tornou o homem mais individualista, consumista
e desejante a qualquer custo de estar em evidência.
Segundo Edgar Morin, os valores são complexos, contraditórios, conflitantes e
sempre dependem de referenciais. Recorrendo à didática, podemos, então, elencar alguns
desses valores que hoje são pouco lembrados: disciplina, verdade, tradição, honra,
pontualidade, fidelidade, confiança, desconfiança, etc. Cada um desses valores e seus
pares antagônicos depende de contextos para sua aplicabilidade.
A disciplina, por exemplo, é um grande valor que independente da época ou
espaço para ser aplicada. Morin, em seu livro “Os sete saberes necessários à educação do
futuro”, de forma bastante significativa, nos esclarece a mudança comportamental
decorrente de valores perdidos de uma época, e que, hoje, reflete negativamente nos
diversos campos de relações sociais:
“ ... o imprinting cultural marca os humanos desde o nascimento, primeiro
com o selo da cultura familiar, da escolar em seguida, depois prossegue
na universidade ou na vida profissional. Ora, uma das vocações
essenciais da educação do futuro são o exame e o estudo da complexidade
humana. O egocentrismo cultiva a self-deception, a tapeação de si
próprio, provocada pela autojustificação, pela autoglorificação, sobre a
tendência de jogar sobre outrem, a causa de todos os males. Esse
egocentrismo amplia-se com o afrouxamento da disciplina e das
obrigações que anteriormente levavam à renúncia dos desejos
individuais, quando se opunham à vontade dos pais ou dos cônjuges.”
(MORIN; p.24; p.76)
Ora, o trecho anterior deixa claro a influência de várias instituições em nossas
vidas. A relação de um casamento em que o conceito fundamentava-se em valores sólidos,
fruto de interpretações religiosos e falocêntricas, é diferente do que se tem hoje, em uma
educação laica, portanto, oposta a educação dogmática e delimitadora do processo de
conhecimento.
Volume 1, Número 3
ISSN 2527-0532 João Pessoa, 2017
Artigo
INQUIETAÇÕES FILOSÓFICAS E DOCÊNCIA
Páginas 304 a 317 313
Podemos, então, facilmente deduzir que a relação conceitual estabelecida nas
escolas para valores como disciplina, respeito, tradição e método necessitam de um olhar
mais adequado à realidade deste mundo novo. Vivemos uma época diferente e precisamos
de ferramentas que atendam as demandas atuais e não as pretéritas.
Dessa forma, vemos que os valores na verdade estão relacionados às necessidades
oriundas das relações estabelecidas entre o homem e a sociedade da qual faz parte.
Corroboramos, assim, nas palavras de Protágoras que de fato “O homem é a medida de
todas as coisas.”, e bem mais tarde, por Zygmunt Bauman, em muitas de suas palestras e
livros que “Cultura é produto.”
Em cada período da história humana os valores são formulados com base na moral
da época. Na Antiguidade, por exemplo, os valores eram fundamentados na circularidade
e finitude cósmica do politeísmo mítico. Seus precursores principais, sobretudo no
ocidente, foram Platão e Aristóteles.
Durante toda a Idade Média a base para a formação desses valores está nos
filósofos religiosos - Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, p.e. - que transformam a
circularidade clássica em linearidade religiosa e cósmica. Ressalta-se, porém, que,
embora não mais politeístas, adaptaram a filosofia platônica da reminiscência aos
ensinamentos divinos. Todos esses valores tinham fundamentação cósmica, e de
organização e conceitos próprios aos valores desta época distante no tempo. Sendo assim,
a ética, interpretação coletiva e regra de comportamento social, tinha como base moral os
preceitos religiosos vigentes.
Com o fim da Idade Média e início da Idade Moderna, Descartes, Giordono Bruno,
Galileu, Kant, Espinosa e tantos outros retiraram o exclusivismo filosófico do
teocentrismo e o puseram no homem, centro de tudo (antropocentrismo). E assim, a moral
pendeu para o mundo líquido de Bauman, que tem como mentores: Nietzsche, Sartre,
Wilde, e tantos outros, em épocas distintas.
Na sociedade contemporânea, os valores são fundamentados na cultura dogmática
do cientificismo e seguem a ideia defendida no livro de Jorge Renato Johann “Um novo
homem e nova sociedade: construindo a cidadania”, que em suas palavras, assim se
expressa sobre o que preconiza como valores desta sociedade líquida, termo emprestado
do sociólogo Zygmunt Bauman:
“Não importam as questões de ordem ética, mas apenas aquilo que é
economicamente interessante e tecnicamente factível. Os supervalores
deste mundo globalizado serão o lucro, o luxo, o individualismo e o bem-
estar a qualquer preço.” (JOHANN,2015, p.26-28)
Volume 1, Número 3
ISSN 2527-0532 João Pessoa, 2017
Artigo
INQUIETAÇÕES FILOSÓFICAS E DOCÊNCIA
Páginas 304 a 317 314
Portanto, o olhar para este novo mundo, a moral dominante e a ação ética,
dependerá da capacidade de filtrar, dependendo da posição ocupada pelo observador, o
que é tradicional, distinguindo-o, assim, tradicional de arcaico e buscando formas de
equilibrar a falta de disciplina, a falta de honra, o excesso de egocentrismo e todo este
arsenal de novos valores fruto de conquistas tecnológicas desassociadas de aquisições de
princípios básicos de relações humanas, que deveriam ser legados da filosofia, por meio
de um educação transformadora.
Este desencontro é decorrente de uma relação capitalista que só visa o lucro a
qualquer preço, sem a preocupação de encontrar uma maneira que possibilite uma redução
no distanciamento do cultivo de valores utópicos regressivos que dão a impressão
equivocada de que o passado era melhor e que o carpe diem associa-se a um hedonismo
de significado pura e simplesmente luxurioso.
Ora, não podemos deixar de ter os pés no chão e iludirmo-nos em buscar soluções
em fórmulas pretéritas, desejar que o tempo volte para a época de nossos avós. A
educação tem exatamente o cenário condizente com os aspectos econômicos, sociais e
políticos que vivemos na atualidade. Embora, tenhamos um patente declínio na educação
formal e informal, não podemos esquecer que se trata de um “interregno”, palavra
emprestada de Bauman, ou seja, uma ruptura com valores tabus que em nome de um
controle ditatorial inibia a liberdade natural do homem, e que hoje, vemos justamente o
oposto acontecer.
As inquietações filosóficas, ou em outras palavras, a necessidade de se questionar
o tempo todo sobre os porquês da vida é indispensável para a formação docente. Não
basta apenas ensinar regras gramaticais, conceitos linguísticos, o professor deve ser um
mestre, um amigo, um espelho positivo, no sentido mais afetivo da palavra. Deve ter a
capacidade de associar cada ensinamento específico aos ensinamentos filosóficos
pertinentes a vida em sociedade. Do contrário viveremos uma distopia e fantasia de que
a educação formal corrigirá os males sociais.
CONSIDERAÇÕE FINAIS
A visão ética na educação, a formação ética para a existência pessoal e a prática
educacional na sociedade contemporânea devem orientar-se na compreensão histórica da
transformação do ser, vendo-o como indivíduo complexo, em pleno processo de
subjetivação, fruto, portanto, de uma sociedade que se encontra inserida em um espaço-
tempo de “interregno” histórico.
Volume 1, Número 3
ISSN 2527-0532 João Pessoa, 2017
Artigo
INQUIETAÇÕES FILOSÓFICAS E DOCÊNCIA
Páginas 304 a 317 315
A educação, na figura do professor, tem um papel fundamental na transformação
de nossos educandos no sentido de conscientizá-los para um posicionamento crítico e
eivado de dúvidas, associado ao tecnológico, ao filosófico e direcionada para uma visão
de alteridade. E isso só é possível a partir de uma postura filosófica, histórica e ética em
sintonia com o que se deseja para a educação presente.
Os professores devem ter este entendimento da complexidade do ser humano e
saber transitar os conhecimentos éticos em suas disciplinas (transdisciplinaridade), de tal
sorte que, consigam transversalizar assuntos atuais de maneira transformadora e
relacionada aos conteúdos de suas matérias.
O professor deve ter a sensibilidade de esquadrinhar o vasto universo de conteúdos
de suas disciplinas e contextualizá-los às realidades de seus alunos, de maneira que, as
informações necessárias sejam significativas para a compreensão do seu mundo atual.
Consequentemente, o professor deve constatar, diante da objetividade de seu real,
que cada aula necessita de quatro questões filosóficas indispensáveis: Por que este aluno
tem que aprender este conteúdo? Onde este aluno aplicará este conteúdo na vida? Qual a
importância deste conteúdo na vida deste aluno? Como este conteúdo fará o aluno
compreender o seu mundo?
Enfim, a educação, como tudo na vida, é o exercício ético de todos que a fazem.
Não basta exigir que apenas os alunos sejam éticos, devemos, como docentes, ser o
principal exemplo. Devemos ter as respostas a esses questionamentos em movimento com
a escola e o seu entorno.
Tenho em mente que, o problema da educação encontra-se muito mais no descaso
da grande maioria dos educadores em relação aos conhecimentos filosóficos necessários
para exercer a tarefa que outrora era da religião, do que propriamente pensar educação
como a tábua de salvação da sociedade como um todo. Não podemos esquecer que a
educação é um instrumento institucional a serviço do Estado, e sendo assim, cabe ao
docente entender isso e modificar a sua postura e esclarecer ao seu discente através do
principal exemplo, ou seja, do compromisso com a profissão, com o prazer de ser
professor.
Acontece que, a falta de alcance deste saber por parte de nossos professores,
agrava-se a cada dia. Tendo em vista que, outrora eram torpedeados pelo medo dos
símbolos dogmático-religiosos e regimes autoritários, e hoje, são seduzidos por símbolos
tecnológicos. Saímos, assim, de um medo fideísta e ditatorial e passamos a uma letargia-
fetichista-tecnológica, achando tudo normal, distópico e conformista.
Cabe aos docentes apreender e aprender esses saberes e transmiti-los de maneira
contextualizada em suas aulas. Ensinando à seus alunos que a vida é feita de escolhas e
Volume 1, Número 3
ISSN 2527-0532 João Pessoa, 2017
Artigo
INQUIETAÇÕES FILOSÓFICAS E DOCÊNCIA
Páginas 304 a 317 316
que todas elas dependem de transformações que só se darão a partir da principal
ferramenta educacional, o conhecimento alinhado à percepção do agir em sociedade e em
parceria com o outro.
O estimulador e orientador para esses conhecimentos é o professor. A escola,
paradoxalmente, mesmo sendo um dos braços dos Aparelhos Ideológicos do Estado, é,
também, a brecha necessária, o único lugar capaz de desconstruir as ideologias
dominantes que se alastram como verdades absolutas e irrefutáveis na mente de
professores e alunos.
O finalidade deste artigo, destarte, é refletir e sugerir uma ponte entre a teoria
filosófica e a prática de ensino, tendo como base as experiências vivenciadas nas
instituições educacionais da rede pública das quais fiz parte como docente e ser inquieto
com as questões filosóficas que fundamentam o ensinar.
Durante cinco anos, fez-se uma revolução na Escola Estadual de Ensino
Fundamental e Médio Abreu e Lima, no bairro do Renascer, no Estado da Paraíba. Os
alunos eram vistos em sua realidade histórica e social. A disciplina de Língua Portuguesa
fora trabalhada dentro daquilo que seria possível adequar às necessidades e expectativas
daqueles seres humanos interpretando papel de alunos.
Textos sobre ética foram elaborados e trabalhados em sala de aula, como suporte
axiológico no conteúdo de Língua Portuguesa. Cada aula foi construída para a realidade
daquele aluno, suas características cognitivas e biopsicossociais.
O professor pegou nas mãos de cada discente e o ajudou a plantar uma semente
ética em suas consciências alienadas. Procurou-se desmitificar e entender adequadamente
a ideia aristotélica, meritocrática e falaciosa que hoje, como diz Leandro Karnal,
substancializa-se em uma teologia do empreendedorismo, em que o simples fato de pensar
positivo é o suficiente para a transformação do ser.
Mas a “ética”, como conduta comportamental, encontra-se simbolizada em muitas
camadas sociais. E nosso Poder Legislativo e suas leis anacrônicas desatualizadas (artigo
37 e 38 da CF/88), nosso Judiciário e seus julgamentos parciais e o Executivo com a visão
ofuscada puseram fim a certas utopias. No obstante, são incapazes de finalizar seres
utópicos, e parafraseando Nietzsche, se não nos matam, nos fortalecem.
Ora, a educação realmente deve ser vista pelo ângulo positivo da utopia, e não
como uma quimera inalcançável. Porque só assim será possível lutar pelo
aperfeiçoamento moral e ético nas relações sociais dentro do contexto histórico que se
inicia no presente.
O ser humano, ainda que esteja submerso pelos valores da modernidade líquida,
ainda assim, percebe a necessidade de mudanças. Se olharmos para o retrovisor da história
Volume 1, Número 3
ISSN 2527-0532 João Pessoa, 2017
Artigo
INQUIETAÇÕES FILOSÓFICAS E DOCÊNCIA
Páginas 304 a 317 317
veremos que muitas coisas mudaram, então, poderemos em perspectiva ter a certeza de
que escola ética, Congresso ético, política ética, Judiciário ético, Legislativo ético,
Executivo ético e ser humano ético são uma construção histórica e não um mero devaneio,
um simples passe de mágica, mas sim, demanda de esforço, luta e tempo.
Ter consciência desses saberes é entender que não há verdades absolutas, fórmulas
prontas e que a vida é construída dentro das necessidades criadas em sociedade. Que o
ser humano de hoje será um relato do amanhã, e que as lutas contemporâneas da educação
serão realidades em outros momentos históricos. E o que faz o ser humano ir adiante é ter
a certeza de que esta busca, este caminho, nunca terá fim e é justamente isso a epifania
que a arte e o prazer se fundem na utopia de ter a certeza de que o hoje é melhor que
ontem, e que o amanhã não existe mas é produto do agora.
REFERÊNCIAS
ALTHUSSER, Louis. Ideologias e Aparelhos Ideológicos do Estado. Editora Presença:
Lisboa. p.9-119.Tradução de Joaquim José de Moura Ramos
BARROS FILHO, Clóvis de. Devaneios sobre a atualidade do capital [recurso
eletrônico]. Porto Alegre: SANSKRITO, 2014.
CORTELLA, Mário Sérgio. Educação, escola e docência [livro eletrônico]: novos
tempos, novas atitudes. São Paulo: Cortez, 2014.
JOHANN, Jorge Renato. Um novo homem e nova sociedade: construindo a cidadania
[recurso eletrônico]. – Porto Alegre: EDIPUCRS, 2015.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 1.ed. São Paulo:
Cortez: Brasília, DF: Unesco,2013 [livro eletrônico].