Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação em Educação
Jane Elisa Otomar Buecke
Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista
Belém – PA 2019
Jane Elisa Otomar Buecke
Infância e Práticas Educativas na Amazônia Seiscentista
Dissertação apresentada para obtenção do título de Mestre em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade do Estado do Pará. Área de concentração: Saberes culturais e educação na Amazônia. Orientadora Prof°. Dr. Maria Betânia B. Albuquerque.
BELÉM 2019
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) Biblioteca do CCSE/UEPA, Belém - PA
Buecke,, Jane Elisa Otomar Infância e práticas educativas na Amazônia seiscentista / Jane Elisa
Otomar Buecke; orientadora Maria Betânia B. Albuquerque, 2019.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019.
1. Educação-História-Amazônia. 2. Infância-História. 3.Amazônia-Infância colonial I. Albuquerque, Maria Betânia B. (orient.). II. Título
CDD. 23º ed. 370.98115
Jane Elisa Otomar Buecke
Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade do Estado do Pará. Área de concentração: Saberes culturais e educação na Amazônia
Data da aprovação: ___/___/___
Banca examinadora Orientadora Maria Betânia Barbosa Albuquerque Drª em Educação Universidade do Estado do Pará Examinador Interno Maria do Perpétuo Socorro Avelino Gomes de França Drª em Educação Universidade do Estado do Pará
Examinador Externo Moysés Kuhlmann Jr. Drº em História Social Universidade Católica de Santos Fundação Carlos Chagas
Ao meu pai Luiz Antônio Otomar (in memoriam)
AGRADECIMENTOS
Ao meu Deus e Pai que conduziu os meus caminhos até aqui e que abre portas e possibilidades, as quais no devido tempo dão o seu fruto.
Ao meu esposo Joel Buecke, companheiro de todas as horas que me deu todo suporte necessário, financeiro, psicológico, além de ler meus trabalhos e assistir minhas apresentações. Sem você nada disso seria possível.
À minha orientadora, Maria Betânia, pelas inúmeras leituras e releituras dos textos escritos e constante disposição para dialogar sobre tantos novos autores e conceitos aprendidos.
À professora Socorro França pelas valiosas e perspicazes contribuições a este trabalho, bem como pela amizade e apoio durante todo o mestrado.
Ao professor Moysés Kuhlmann Jr. por ter gentilmente aceito o convite para participar da minha banca e ter contribuído de forma incisiva para o texto final.
Às agências de pesquisa CAPES e CNPQ, pelo apoio financeiro sem o qual a caminhada seria inviável.
Às colegas “especiais” Catarinne e Gercina com as quais comecei essa jornada em 2016 e estiveram sempre presentes cada uma a seu modo no suporte, na discussão e principalmente nos necessários momentos de relaxamento.
À Thaís, minha irmã de caminhada, pelo constante apoio, trocas de ideias, sugestões, correções e infinitos diálogos acadêmicos.
Ao Márcio Barradas pela ajuda primorosa na elaboração do projeto inicial, sugestão e envio de material e pela constante presença e críticas ao longo da jornada.
Ao Mario Allan pela leitura do projeto inicial e contribuições com indicações e envio de bibliografias.
Ao Francídio pelas inúmeras dicas de leitura e orientações dadas ao trabalho. Aos colegas da Escola Agropalma, na pessoa da diretora Ana Maria pelo apoio
constante, leitura de trabalhos e ser sempre uma importante e ferrenha crítica. Às professora Evicilene e Ena pelas constantes revisões gramaticais desde a
elaboração do projeto. Aos amigos e parceiros do GHEDA com os quais construí uma rede de
relacionamento de extrema importância para o crescimento científico. Aos amigos Levy e Artur pelo apoio, críticas às apresentações dos trabalhos e
constante parceria. Aos colegas da turma treze pela troca de informações, apoio e companheirismo
durante esta jornada. À minha família pela torcida e incentivo em todo o tempo: minha mãe, Judith,
minha sogra Elizabeth, meu mano Isac e minha mana Raquel, meu cunhado Gilcimar e minhas cunhadas, Giselly, Océlia, Vanete e Vanilda.
À todos vocês, o meu mais profundo Obrigada!
O conhecimento do passado é uma coisa em
progresso, que incessantemente se
transforma e se aperfeiçoa.
(Marc Bloch)
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista
RESUMO
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista. 2019. 120 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém. 2019. Esta pesquisa, de natureza histórica, apoia-se nos pressupostos da História Cultural, que amplia o conceito de fontes, valoriza a história do cotidiano e visibiliza sujeitos subalternizados. Objetiva analisar as práticas educativas envolvendo as crianças que viveram na Amazônia do século XVII e as relações dessas práticas com os saberes existentes e/ou nelas gerados. Baseia-se em fontes documentais, tais como crônicas e cartas de religiosos que viveram na região naquele período como os capuchinhos Claude D’Abbeville e Yves D’Évreux e os jesuítas João Felipe Bettendorff e Antônio Vieira. Nos documentos foram esmiuçados os relatos envolvendo a vivência dos padres com as crianças e sua visão sobre as relações das crianças índias em suas tribos, capturando-se situações identificadas como práticas educativas conforme o conceito de Cunha & Fonseca (2005). Outros referenciais teóricos que subsidiaram as análises produzidas se baseiam em Ariès (1986), Chartier (1990, 1991, 1999), Brandão (2002, 2007) e Albuquerque (2012). Foi possível perceber o sentimento de infância existente entre os nativos através da análise dos rituais de passagem e da delimitação das fases da vida da criança. Além disso, a valorização da educação das crianças como estratégia de doutrinação e perpetuação dos valores morais da Igreja Católica, demonstrou que entre os religiosos a infância tinha um tratamento peculiar. As fontes consultadas permitiram identificar a observação, a imitação, a repetição, o silêncio e a atenção como principais formas de aprendizagem entre as crianças da Amazônia seiscentista. Aprendizagem linguística, música, dança, conhecimento prático e lúdico foram alguns dos saberes que circulavam nas práticas educativas investigadas. A pesquisa demonstrou também que as crianças foram, sobretudo, mediadoras culturais capazes de catalisar as novas aprendizagens adquiridas nas práticas educativas em que estavam envolvidas, dando-lhes um novo sentido em seu próprio contexto. Palavras-chave: Práticas educativas. Educação colonial. História da Infância.
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista
ABSTRACT BUECKE, Jane Elisa Otomar. Childhood, educational practice in the sixteenth century Amazon. 2019. 120 f. Dissertation (Master in Education) - University of the State of Pará, Belém. 2019. This research of a historical nature, is based on the assumptions of Cultural History, which extends the concept of sources, values the history of daily life and visibilizes to subalternized subjects. It aims to analyze educational practices involving children who lived in the seventeenth century in the Amazon and the relationships of these practice with existing and / or generated knowing. It is based on documentary sources such as chronicles and letters of religious who lived in the region in that period as the Capuchins Claude D'Abbeville and Yves D'Évreux and the Jesuits João Felipe Bettendorff and Antônio Vieira. In the documents were collected in reports on the experience of the priests with children and their view on the relations between the indies in their tribes, capturing situations identified as educational practices according to the concept of Cunha & Fonseca (2005). Other theoretical references that support the analyzes produced here are based on Ariès (1986), Chartier (1990, 1991, 1999), Brandão (2002, 2007) and Albuquerque (2012). It was possible to perceive the feeling of childhood existing among the natives through the analysis of the rites of passage and the delimitation of the stages of the child's life. In addition, the valuation of children's education as a strategy of indoctrination and perpetuation of the moral values of the Catholic Church, demonstrated that among the religious, childhood had a peculiar treatment. The documents consulted allowed to identify the observation, imitation, repetition, silence and attention as main forms of learning among the children of the seventeenth century in the Amazon. Linguistic learning, music, dance, practical and playful knowledge were some of the knowings that circulated in educational practices investigated. The research also showed that children were, above all, cultural mediators capable of catalyzing the new learning acquired in the educational practices in which they were involved, giving them a new meaning in their own context. Keywords: Educational practices. Colonial education. Childhood history.
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista
Lista de ilustrações
Mapa 1 - Capitanias hereditárias…………………………………………………........... 19
Mapa 2 - Expansão dos jesuítas no Norte do Brasil .................................................. 21
Quadro 1 - Categorias de análise............................ ................................................. 38
Quadro 2 - Graus de idade das crianças Tupinambá .............................................. 51
Quadro 3 - Descrição da crônica de Bettendorff, 1990 ........................................... 79
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista
Sumário
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11
1.1 Motivações e contextualização do estudo ....................................................... 11
1.2 A Amazônia Colonial ....................................................................................... 17
1.3 A produção científica acerca da infância e das práticas educativas na
Amazônia Colonial ................................................................................................. 22
1.4 A infância sob o olhar da História Cultural ....................................................... 28
1.5 Percursos da pesquisa .................................................................................... 31
2 OLHARES SOBRE A INFÂNCIA: DA EUROPA MODERNA À AMAZÔNIA SEISCENTISTA ........................................................................................................ 38
2.1 O sentimento de infância ................................................................................. 38
2.2 A infância no Brasil Colonial ............................................................................ 41
2.3 A criança na Amazônia Colonial ...................................................................... 48
3 PRÁTICAS EDUCATIVAS NA AMAZÔNIA COLONIAL ...................................... 58
3.1 A educação das crianças Tupinambá .............................................................. 59
3.2 Da aldeia aos aldeamentos: novos espaços de aprendizagem ...................... 66
3.3 Práticas educativas no relato de Bettendorff ................................................... 76
4. SABERES DO COTIDIANO NA AMAZÔNIA COLONIAL ................................... 84
4.1 Saberes linguísticos ......................................................................................... 86
4.2 Saberes musicais ............................................................................................ 94
4.3 Danças ............................................................................................................. 99
4.4 Jogos, brincadeiras e saberes práticos ......................................................... 102
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 107
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 110
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 11
1 INTRODUÇÃO 1.1 Motivações e contextualização do estudo
Esta pesquisa se volta para a história da infância na Amazônia
especificamente, para as práticas educativas em que estavam imbricadas as crianças
que viveram na região no século XVII.
O interesse por esse objeto de estudo se iniciou a partir do meu ingresso como
aluna especial na disciplina “Seminários Temáticos de História Cultural e Educação”,
no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará,
no primeiro semestre de 2016, ministrada pela professora Maria Betânia Albuquerque.
Oriunda de uma experiência de quinze anos voltada, exclusivamente, para a
gestão escolar, nesta disciplina deparei-me com autores e discussões inseridos na
História Cultural - um movimento até então totalmente desconhecido para mim. Esse
contato reacendeu uma antiga paixão pelas atividades humanas ocorridas no passado
despertando meu interesse pela pesquisa histórica.
Na História Cultural os fenômenos são estudados considerando seus diferentes
aspectos interseccionados com outras áreas como a antropologia, a sociologia, a
filosofia, entre outras. A estrutura econômica é parte importante na análise de um
fenômeno, mas não o único aspecto a ser considerado, nem o fator determinante. A
vida cotidiana se torna, assim, objeto de estudo (BURKE, 2008).
Nos Seminários Temáticos de História Cultural e Educação, pude conhecer
alguns desses estudos que demonstram como as análises do cotidiano podem ser
relevantes e interessantes para a compreensão da nossa formação cultural. Assim,
obras como O processo civilizador1, cujo tema é a formação de costumes
considerados corriqueiros, e Costumes em comum2 em que são analisados os
costumes como cultura, abriram meus olhos para a possibilidade de realizar algum
estudo dentro desta vertente, focalizando o contexto amazônico.
A História Cultural também revisita temas já estudados, analisando-os sob um
novo ângulo, como é caso dos estudos de Chartier (1999) sobre a história das práticas
1 ELIAS, Norbert. O processo civilizador, volume 1: uma história dos costumes. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. 2 THOMPSON, E. P. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 528 p.
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 12
de leitura. Ao analisar os diversos modos de ler durante o fim da Idade Média até o
século XVIII, Chartier concluiu que a leitura é, sobretudo, uma prática cultural e as
representações sociais do indivíduo são decisivas para a interpretação do que se lê.
Ao estudar esses e outros autores na referida disciplina, fui instigada a pensar
nas contribuições teóricas da História Cultural para as pesquisas educacionais, em
particular na Amazônia. Compreendi, então, o alargamento do conceito de educação
implícito nessas obras e a possibilidade de estudá-la como prática social vivenciada
para além dos muros da escola e de qualquer organização formal. Essa perspectiva
ampla de educação é confirmada por Brandão (2007, p. 7) ao afirmar que
Ninguém escapa à educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos, todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação.
Fonseca (2003) ressalta a influência da História Cultural nas pesquisas em
história da educação brasileira, perceptível pelos novos objetos investigados como é
o caso da história da leitura e dos impressos, das práticas educativas e pedagógicas,
cultura escolar, dentre outros. Entretanto, observa que tais estudos se concentram no
final do século XIX e século XX, apontando a necessidade de ampliação deste círculo
temporal, bem como dos temas de estudo para além do território da escolarização
formal.
Uma das referências da disciplina que demonstrou a possibilidade e pertinência
de pesquisas que considera a educação do cotidiano no Período Colonial, por
exemplo, foi o livro Beberagens indígenas e educação não escolar no Brasil Colonial,
de Maria Betânia Albuquerque. Nele a autora analisa as beberagens praticadas pelos
índios Tupinambá recorrendo a crônicas de viajantes que passaram pelo Brasil, no
referido período, e cartas de missionários validando tais documentos como fontes de
pesquisa.
Fundamentada na História Cultural, Albuquerque (2012) evidencia o caráter
educativo da prática das beberagens, ao demonstrar saberes que circulavam e eram
transmitidos através delas e seu papel como mediadores culturais ao afirmarem
identidades e manterem os valores dos grupos. Em vista disso, o livro é apontado
pela prefaciadora, Thaís Fonseca, como “um estudo pioneiro no tratamento dado às
questões da educação de natureza não escolar numa perspectiva histórica, ainda
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 13
insatisfatoriamente explorada pela historiografia da educação brasileira”
(ALBUQUERQUE, 2012, p. 17).
Albuquerque (2012) também enfatiza a escassez de pesquisas sobre o Período
Colonial e demonstra a possibilidade de utilização de crônicas e relatos de viajantes
como fontes para estudos dentro desse recorte temporal.
Entretanto, a história da educação na Amazônia Colonial era totalmente nova
para mim. Assim, no início de 2016 ingressei no GHEDA – Grupo de Estudos da
História da Educação na Amazônia a fim de me integrar nas discussões desse campo
de estudo e refinar a construção do meu objeto.
Em junho de 2016 ocorreu o VI seminário do GHEDA do qual participei como
organizadora e ouvinte cujo tema foi “Educação na Amazônia: o ofício do historiador”.
Esse evento teve um papel fundamental no delineamento do meu interesse de
pesquisa, pois destacou a necessidade de o historiador ser capaz de captar as
diferenças e conectar as informações com seu contexto, além de ampliar a visão sobre
os diversos materiais que podem ser utilizados como fontes de pesquisa. Na ocasião,
o historiador da educação Luciano Mendes (UFMG), conferencista convidado,
observou que temas cruciais têm sido deixados de lado por questões de prestígio e
recursos e que deveríamos indagar mais sobre o que é relevante socialmente e que
merece ser pesquisado.
Uma das bibliografias estudadas no segundo semestre de 2016 nos encontros
do GHEDA foi A política de Portugal no Valle Amazônico3 de Arthur Cezar Ferreira
Reis. Nessa clássica obra sobre o processo de ocupação da Amazônia pelos
portugueses, o autor descreve o contexto sócio-político do século XVII, os interesses
e estratégias de Portugal para dominar a região bem como relata os processos
envolvendo tais estratégias. Três capítulos do livro me levaram a pensar sobre os
processos educativos ocorrido na Amazônia Colonial; 1. A conquista espiritual: em
que o autor focaliza o papel das ordens religiosas no processo de dominação da
região; 2. O tratamento do gentio: que aborda a relação dos colonos com os povos
autóctones; 3. Despertando a intelligencia: trata das estratégias educativas adotadas
pelo governo português para garantir a posse das novas terras.
Imbuída de uma concepção ampla de educação como “prática social que se
inscreve na tessitura da vida cotidiana”, (ALBUQUERQUE, 2012, p. 27) percebi com
3 Trata-se de uma obra de 1939 que foi reimpressa pela Secretaria de Cultura/PA em 1993 mantendo o português original.
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 14
o estudo da obra de Reis (1993) que, no contexto da Amazônia Colonial, haviam
muitos processos educativos que poderiam e deveriam ser esmiuçados pelos
historiadores da educação.
Ao considerar minha experiência profissional, como gestora escolar de
educação básica, em que pude conviver cotidianamente com crianças, passei a refletir
sobre como seria a vida das crianças que viveram na Amazônia naquele tempo: quem
eram elas? Como era seu cotidiano? O que significava ser criança no século XVII? O
que lhes era ensinado? Como elas aprendiam? Com quem?
Assim, no segundo semestre de 2016, realizei uma busca virtual no site
Google sobre história da infância no Período Colonial amazônico e para minha
surpresa, nada encontrei. Então utilizei outros nomes para a pesquisa como “História
da Infância no Período Colonial” e “História da Infância na Amazônia”. Ainda assim
poucos trabalhos aparecerem. Vasculhei os sites dos Programas de Pós-Graduação
em Educação da UEPA/PA e Universidade Federal do Pará – UFPA/PA e Pós-
Graduação em História da UFPA/PA, e analisei os títulos de todas dissertações e
teses publicadas nos referidos sites e constatei que pouco sabemos sobre a criança
e as práticas educativas ocorridas na Amazônia Colonial. Percebi que se tratava então
de um objeto de pouco “prestígio”, fato que se tornou uma motivação a mais, não
obstante o desafio que se impunha.
Durante essa procura, verifiquei que a história da infância tem sido estudada
na Amazônia, basicamente, pelo grupo de pesquisa Constituição do Sujeito, Cultura
e Educação - ECOS, coordenado por Laura Alves. No artigo “A infância em
construção: as fontes de investigação”, Alves (2014, p. 43) discute as possibilidades
de estudo sobre a história da infância e considera que o tema “[...] ainda não ocupa a
cena numa totalidade histórica que lhe é devida”. Alguns trabalhos destacados pela
autora, consideram a infância como principal objeto de estudos como, por exemplo, a
dissertação de Antônio Valdir Monteiro Duarte ao abordar a infância em Belém de
1900 a 1950 através das memórias dos velhos que foram criança nesse período4.
Outras pesquisas ressaltadas por Alves (2014), estão delimitadas na
contemporaneidade e focalizam a criança como principal sujeito, analisando seus
discursos, representações, sua cultura, entre outros aspectos.
4 DUARTE, Antônio Valdir Monteiro. Memórias (in)visíveis: narrativas de velhos sobre suas infâncias em Belém do Pará (1900-1950). 2008. 135 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal do Pará, Belém, 2008.
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 15
Ao voltar meu interesse para a história da infância e levantar os estudos
existentes sobre o assunto destacou-se o francês Philippe Ariès (1986), considerado
um dos pioneiros nessa matéria. Suas pesquisas enfatizaram a mudança da
concepção de infância ao longo da história, demonstrando o papel da escolarização
iniciada na Idade Moderna e a emergência da vida privada como fatores propulsores
dessa modificação.
Para Ariès (1986), no século XVI a criança começa a receber uma atenção
antes não obtida da família. Os pequenos tornam-se o encanto da casa e são alvo de
mimos e gentilezas dos adultos. Passam, assim, a obter um lugar que antes não lhes
era comum.
A escolarização iniciada no século XVII também teve um papel decisivo na
formação do conceito de infância, quando os religiosos, tanto do movimento da
Reforma protestante quanto da Contrarreforma católica, perceberam que a educação
dos pequenos seria muito mais eficaz para a formação de valores morais e
doutrinação do que a educação dos adultos. Conforme o autor,
É entre os moralistas e os educadores do século XVII que vemos formar-se esse outro sentimento da infância [...] que inspirou toda a educação até o século XX, tanto na cidade como no campo, na burguesia como no povo. O apego à infância e à sua particularidade não se exprimia mais através da distração e da brincadeira, mas através do interesse psicológico e da preocupação moral (ARIÈS, 1986, p. 151).
No Brasil, Gilberto Freyre em sua obra Casa Grande e Senzala (2006) analisa
as relações com as crianças no Período Colonial. Por isso, seu trabalho tem sido
utilizado como fonte para a construção da história da infância brasileira. De acordo
com Monteiro (2005, p. 16):
Gilberto Freyre retrata a estrutura social da Colônia, concebendo-a enquanto um sistema patriarcal, onde havia a preponderância dos interesses de família, ou melhor, dos chefes de família sobre os demais. Afirma que, neste tipo de sociedade, havia uma grande distância social entre o menino e o homem ou, usando as expressões portuguesas de época, entre os “párvulos” e os “adultos”, separação tão grande entre tais fases da vida do homem quanto a que havia entre a classe dominante e a servil.
Freyre (2006) explora as práticas culturais e educacionais dos vários povos que
conviviam na Colônia e influenciaram a educação das crianças em todo o país. No
artigo História, educação e práticas culturais da infância na obra de Gilberto Freyre,
Alves e Guimarães (2014), analisam o protagonismo da criança nas narrativas do
autor e salientam cinco categorias em suas obras: mortalidade e abandono de
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 16
crianças; práticas culturais e os cuidados com as crianças; superstições na proteção
da criança; rituais nos funerais e sepultamento de crianças; castigos corporais e
disciplinamento da criança. As autoras consideram que há uma “história da infância
impregnada no pensamento de Gilberto Freyre” (ALVES e GUIMARAES, 2014, p. 61).
Para Monteiro (2005) o pioneirismo na história da infância no Brasil se deve a
Gilberto Freyre que no seu livro Sobrados e Mucambos, de 1936, dedicou um capítulo
à análise das relações entre pai e filho na sociedade brasileira, remontando ao
Período Colonial. Monteiro (2005) explica que embora não mencione a intenção de
escrever uma história da criança, Gilberto Freyre identifica em seus estudos
ambientados na Colônia, a existência de duas infâncias bem delimitadas: uma até os
sete anos e outra dos sete aos 12 anos.
Em 1991, Mary Del Priore organizou e publicou um trabalho dedicado
totalmente à historiografia da infância intitulado “História das crianças no Brasil”. O
livro reúne artigos de historiadores, sociólogos, antropólogos e outros especialistas
que abordam recortes da história da infância brasileira em épocas e contextos
diferentes. Sua intenção foi dar voz a milhares de crianças anônimas e silenciadas no
Brasil. Ao demonstrar que o papel da criança como sujeito histórico foi negligenciado,
a autora aponta a necessidade de ampliar a investigação sobre o tema.
Entretanto, é importante ressaltar que não é simples a utilização de um marco
historiográfico no que se refere à história da criança no Brasil, pois a história da
assistência à infância e da família já vinha sendo estudada, ainda que de maneira
esparsa e esta não deixa de ser uma história da infância. Neste sentido, destaca-se a
obra Histórico de proteção à Infância no Brasil (1500-1922)5 de Arthur Moncorvo Filho,
divulgada em 1922, embora o livro não trate das mentalidades em relação ao
fenômeno da infância como o de Ariès (1986) (KUHLMANN JR, 1998).
Conforme explicitado por Duarte e Alves (2014, p. 53), “O pensamento
pedagógico voltado à infância no Brasil tem como marco inicial o advento da
República, pois se pensava em construir o homem novo para uma nova nação,
pautado nos preceitos do liberalismo”. Talvez, por isso, as pesquisas históricas sobre
a infância se concentrem no período Republicano. No levantamento realizado em
2002, Ramos (2002, et al), constata que 76,1% da produção historiográfica sobre a
infância encontrada nos acervos das bibliotecas da Universidade de São Paulo/SP e
5 MONCORVO FILHO, Arthur. História da proteção à infância no Brasil: 1500-1922. 2.ed. Rio de Janeiro: Emp. Graphica, 1926.
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 17
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, se situa a partir do início da
República. Apenas 15,4% dos trabalhos encontrados estão delimitados no Período
Colonial.
Reiterando a importância das pesquisas sobre a infância em outros períodos
históricos, Monteiro (2005, p. 22) atesta que
[...] se a História da criança tem ganhado destaque nos últimos anos, é ainda muito presa aos temas da História contemporânea. Poucos pesquisadores têm se debruçado na pesquisa do cotidiano da vida da criança na Colônia como objeto central de sua análise.
Nesse sentido, a fim de contribuir epistemologicamente com o campo científico
da história da educação, delimitei como objeto de estudo, a infância e as práticas
educativas no Período Colonial amazônico. Pelo interesse em conhecer o panorama
social nas origens da colonização na Amazônia, concentrei a pesquisa no século XVII
buscando visualizar as práticas cotidianas e até mesmo corriqueiras em que o saber
era transmitido e circulado.
Desse modo, esta pesquisa investiga como ocorriam as práticas educativas no
cotidiano das crianças que viviam na Amazônia no século XVII. Mais precisamente
procuro saber:
- Como era a infância na Amazônia Colonial?
- Em que práticas educativas as crianças amazônicas do século XVII estavam
inseridas?
- Que saberes circulavam nessas práticas?
Em consonância com tais questões o objetivo principal desta dissertação é
analisar as práticas educativas presentes no cotidiano das crianças da Amazônia no
século XVII. Os objetivos específicos são:
- Investigar as representações da infância presentes na Amazônia Colonial.
- Descrever as práticas educativas vivenciadas no cotidiano social das crianças
amazônicas do século XVII.
- Mapear os saberes circulados nessas práticas.
1.2 A Amazônia Colonial
Para contextualizar essa pesquisa cabe esclarecer que o termo “Amazônia”
não era utilizado no século XVII e compreendia uma vasta região que se estendia da
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 18
Serra de Ibiapaba, atual estado do Ceará até o atual estado do Amazonas. Essa
região foi denominada inicialmente de Estado do Maranhão (1621), depois Estado do
Maranhão e Grão-Pará (1654) e posteriormente Estado do Grão-Pará e Maranhão
(1751). Tais nomenclaturas nesse trabalho se referem, portanto, à região conhecida
hoje como Amazônia. Após a invasão das terras brasileiras em 1500, Portugal foi aos poucos se
estabelecendo em todo o território. Uma das estratégias para isso foi a divisão da
nova colônia em capitanias6, o que ocorreu em 1534. A região do Maranhão foi
dividida em duas capitanias e doada a quatro donatários7 (OLIVEIRA, 2011). Estes
donatários organizaram uma expedição a fim de tomar essas terras até então
desconhecidas. Enfrentando tormentas e naufrágios que levaram à perda de uma
embarcação, chegaram à ilha conhecida hoje como São Luís, mas que naquele
momento recebeu o nome de povoado de Nazaré. Todavia, a maior motivação dessa
expedição era encontrar ouro e prata o que não ocorreu, contribuindo para o
abandono da região, conforme explicitado por Oliveira (2011):
Depois desses insucessos e das trágicas perdas [...], o território da costa Leste-Oeste permaneceu isolado, restando alguns poucos colonos resistentes, espalhados pela costa e de cujo fim não se tem informações exatas. A única certeza que restou foi de que a navegação pela costa Leste-Oeste não facilitava a viagem na direção da Bahia ou Pernambuco para a foz do grande rio e que, da capitania de Pernambuco para o Maranhão a viagem marítima terminaria em naufrágio (OLIVEIRA, 2011, p. 6).
Como registrado por esta autora, um dos entraves para a conquista do norte
do Brasil, a partir do território pernambucano, era o acesso, visto que a navegação
era muito arriscada. Por terra as dificuldades eram ainda maiores pois para ir do
Pernambuco ao Maranhão era necessário atravessar a serra de Ibiapaba
instransponível naquela ocasião. Além disso, os aventureiros tinham que lidar com os
constantes ataques indígenas. Oliveira (2011) destaca que a navegação do Maranhão
ao Pará era ainda mais difícil, o que tornava a região Amazônica um grande desafio
para os colonizadores.
6 Território recebido por doação do rei e administrado pelo capitão donatário. 7 Súdito da coroa portuguesa que se responsabilizava por determinado lote de terra da colônia com o objetivo de povoar, explorar e exercer a soberania em nome do monarca.
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 19
Ao visualizar a divisão das capitanias hereditárias no mapa abaixo, fica nítido
como o Maranhão se tratava da última e mais remota porção de terras portuguesas
em solo americano. Mapa 1 – Capitanias hereditárias
Fonte: CAMPOS (2014)
Outro obstáculo para o estabelecimento de Portugal no norte brasileiro foi a
constante invasão de povos estrangeiros como ingleses, franceses e holandeses que
instauraram feitorias8 na região a fim de comercializar as especiarias encontradas.
Aproveitando-se da desocupação, os franceses decidiram criar uma colônia na
região, a qual deram o nome de França Equinocial. Embora já mantivessem relações
comerciais com os índios Tupinambá, a ideia era dominar o local e, por isso, em 1612
enviaram uma missão colonizadora, que incluía padres capuchinhos, para catequisar
os nativos e os civilizarem à moda francesa.
Sentindo, então, o perigo e o risco de perder as novas terras, o governador
geral do Brasil, Gaspar de Souza, incumbiu Jerônimo de Albuquerque a mobilizar
8 Entrepostos comerciais que eram os centros de negociações das matérias-primas exploradas.
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 20
pessoal suficientemente capaz de expulsar os franceses instalados em São Luís. Em
junho, de 1614, após arregimentar muitos soldados, em sua maioria índios, foi
declarada a guerra contras os franceses alojados em terras maranhenses.
Esses conflitos, perduraram até o final de 1615 quando então os portugueses
conseguiram expulsar definitivamente os franceses do Maranhão. Com eles, deixaram
a região os padres capuchinhos Claude D’Abbeville e Yves D’Évreux que faziam parte
da missão catequizadora no território tomado pelos franceses. Na sequência, o
governador-geral destacou Francisco Caldeira Castelo Branco, um dos participantes
na guerra maranhense para expulsar os franceses também do Pará, o que ocorreu,
no início de 1616. Com o auxílio dos Tupinambá, as tropas de Castelo Branco
construíram um forte onde os caminhos fluviais permitiam o acesso dos estrangeiros
à colônia denominada, inicialmente, de Feliz Lusitânia. O orago do local foi definido
como Nossa Senhora de Belém, originando, assim, a atual capital paraense (CRUZ,
1973).
Obtendo sucesso nessa primeira empreitada, algumas medidas administrativas
se fizeram necessárias para que Portugal garantisse a colonização deste território.
Por isso, em 1621 foi criado o Estado do Maranhão, uma unidade administrativa
independente do governo geral do Brasil constituído por parte do Ceará, Piauí, Pará,
Macapá e Amazonas. Contudo, somente em 1626 o primeiro governador conseguiu
tomar posse, pois a expulsão dos demais estrangeiros que habitavam a região
(holandeses e ingleses) ainda tomou algum tempo e esforço dos novos colonizadores.
Portugal passou a ter, então, duas colônias na América, o Estado do Brasil e o Estado
do Maranhão cada uma se reportando diretamente ao rei português (REIS, 1993).
O contexto de ocupação da região amazônica no início do século XVII contou
ainda com um momento específico da história de Portugal em que o país estava
subjugado à Espanha devido à União Ibérica (1580-1640). Após a morte de D.
Sebastião, rei de Portugal, em 1578, sem deixar herdeiros, o rei Felipe II da Espanha
reclamou o direito ao trono devido ao seu parentesco com D. Sebastião
estabelecendo, para isso, um cerco à Lisboa o que culminou com a união dos dois
reinos (ABBATE, 2016). Com isso, o Tratado de Tordesilhas perdeu o seu efeito, visto
que todo o território da América do Sul estava sob o domínio de um mesmo país e os
portugueses se sentiram à vontade para avançar cada vez mais pelas terras
amazônidas. Ao final da União Ibérica, já haviam se espalhado para muito além da
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 21
linha imaginária se estabelecendo no Cabo Norte (Macapá) e no Rio Negro, por
exemplo.
O mapa elaborado por Serafim Leite, em 1943, demonstra a grande extensão
do território chamado de Estado do Maranhão e Grão-Pará. Os jesuítas contribuíram
de maneira efetiva para essa expansão ao se instalar em diferentes porções dessa
região e se relacionar com várias etnias cujos nomes e localização podem ser
identificados no mapa. Através das missões jesuíticas, os portugueses já estavam
presentes em quase todo o território amazônico no século XVIII.
Mapa 2 – Expansão dos jesuítas no Norte do Brasil
Fonte: LEITE (1943)
É perceptível no mapa que os aldeamentos se localizavam essencialmente às
margens dos rios dando origem às populações ribeirinha (Arenz, 2012). Entre os rios
Xingu e Araguaia, por exemplo, estavam pelo menos seis grupos distintos –
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 22
Tupinambás, Catingas, Aruaquis, Nambiquaras, Jaguaris, Tocaiuras entre outros. O
mapa revela a multiplicidade de etnias indígenas existentes na região
Vale ressaltar que o estabelecimento da União Ibérica possibilitou, segundo
Cardoso (2012, p. 43), uma maior “circulação de ideais, modelos culturais,
mercadorias e indivíduos” entre o Estado do Maranhão e o Estado do Brasil. Isso
porque houve um incentivo para que famílias do Estado do Brasil e dos Açores se
mudassem para o Estado do Maranhão visando sua ocupação, possibilitando maior
integração entre as duas colônias portuguesas. Segundo Abbate (2016, p. 40)
A história da ocupação europeia do extremo norte do Brasil é uma história de contradições, encontros, choques, estranhamentos, conquistas, encobrimentos, mestiçagens. Todas essas palavras são necessárias e, ainda assim, insuficientes para definir a tomada do lugar que se define por excelência em superlativo, em construções hiperbólicas: o rio Máximo, o rio das mulheres Guerreiras.
A capital do Estado do Maranhão foi estabelecida em São Luís, mas mesmo
durante os primeiros anos da colônia, muitos governadores optaram por morar em
Belém. Em função da disputa de poder entre as duas capitanias o governo português
criou em 25 de agosto de 1654 o Estado do Maranhão e Grão-Pará. A rivalidade dos
colonos de São Luís e Belém permaneceu durante todo o século XVII e em 1751 foi
criado o Estado do Grão-Pará e Maranhão transferindo-se a capital desta colônia
definitivamente para Belém (CRUZ, 1973).
Nesse sentido, o termo “Amazônia Colonial”, nesta pesquisa, se refere a este
vasto território geopolítico. As fontes investigadas abordam a infância e as práticas
educativas compreendendo as diversas localidades que o compunham.
1.3 A produção científica acerca da infância e das práticas educativas na Amazônia Colonial
A fim de obter um panorama mais abrangente sobre as pesquisas referentes à
infância e às práticas educativas na Amazônia Colonial, percorri os bancos de teses
e dissertações dos Programas de Pós-graduação em Educação da UEPA/PA e
UFPA/PA, verificando o título de todos os trabalhos publicados, averiguando os que
abordassem infância e/ou práticas educativas na Amazônia Colonial. Constatei que
apenas três trabalhos estavam situados ou abordavam, ainda que parcialmente, a
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 23
educação no Período Colonial. Tais trabalhos contribuíram com informações e
bibliografias para esta dissertação, e por isso são aqui mencionados.
No programa de pós-graduação em educação da Universidade Federal do Pará
(UFPA) destaco a dissertação Ação pedagógico-formativa da companhia de Jesus em
Belém (1652-1759) de Elisangela Costa, defendida em 2016. A autora focaliza a
sistematização do trabalho jesuítico como educadores em Belém, porém não traz a
criança como sujeito. A própria autora reforça em sua conclusão a necessidade de
mais estudos nesse período histórico, pois, considera que há uma lacuna na
historiografia educacional da Amazônia no que tange ao Período Colonial que precisa
ser preenchida. A dissertação foi publicada em 2017 pela editora CRV e se configurou
como uma importante fonte bibliográfica para esta pesquisa.
Já no programa de Pós-Graduação em Educação da UEPA encontrei dois
trabalhos abordando o Período Colonial. Um deles foi a dissertação Educação colonial
na Amazônia: a pedagogia dos jesuítas e a invenção do Sairé, de João Aluízio
Piranhas Dias, defendida em 2014. O autor faz um histórico do trabalho dos jesuítas
para explicar a origem da festa do Sairé realizada na localidade de Alter do Chão,
Santarém-PA e sua configuração como prática cultural, educativa e religiosa
resultante do processo de conversão dos indígenas ao cristianismo. Entretanto, seu
objetivo foi analisar os processos educativos inerentes à festa do Sairé na
contemporaneidade, não focalizando processos educativos ocorridos no Período
Colonial.
O segundo trabalho foi a dissertação O que não mata, engorda: cultura
alimentar, mediadores culturais e educação na Amazônia Colonial de Francídio
Monteiro Abbate, defendida no ano de 2016. A pesquisa analisa as trocas culturais
envolvendo a questão alimentar, entendida como processo educativo ressaltando que
os hábitos alimentares encontrados na Amazônia no século XVIII demonstram uma
mestiçagem cultural entre brancos, negros e índios. O autor destaca o papel da mulher
índia como principal educadora e transmissora dos conhecimentos e segredos da
cozinha nativa. Era a cunhã quem repassava, primeiro às suas filhas e depois aos
estrangeiros, os saberes necessários para o domínio da cozinha amazônica em que
apenas conhecer a diferença entre o que era comestível, ou não, significava
sobreviver ou morrer na floresta. Para o autor, a relação alimentar estabelecida entre
nativos e europeus aponta, de um lado, a resistência dos índios em abrir mão dos
seus saberes uma vez que as marcas da cozinha amazônica do século XVIII ainda
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 24
estão presentes nos hábitos alimentares no Norte do Brasil. Por outro lado, revela a
dependência dos adventícios em relação aos nativos, já que não era possível manter
na Amazônia os mesmos hábitos alimentares que tinham em suas terras de origens
pois as condições naturais da região e os costumes locais produziam alimentos
totalmente desconhecidos por eles.
Ancorado na História Cultural, Abbate (2016) considera a prática alimentar
como prática educativa que permite a circulação de saberes, privilegiando os
processos cotidianos como importantes mediadores culturais (GRUZINSKI, 2003). Ao
fazer tal consideração, o pensamento de Abbate (2016) ampliou minha visão para as
possibilidades de troca de saberes em que as crianças que viveram na Amazônia
Colonial poderiam estar inseridas. Além disso, ao apontar a circularidade cultural
mediada pelas práticas alimentares, me permitiu perceber que as relações de
aprendizagem em que as crianças estavam envolvidas poderiam também propiciar tal
circularidade.
No sentido de ampliar o horizonte desta pesquisa, fiz uma investigação no
Banco de dissertações e teses da Capes, utilizando os seguintes descritores:
* Infância/Criança e práticas educativas na Amazônia Colonial
* Infância/Criança na Amazônia Colonial
* Práticas educativas na Amazônia Colonial
* Infância/Criança e práticas educativas no Período Colonial
* Práticas educativas no Período Colonial
* Infância/Criança no Período Colonial
Na falta de resultados, especifiquei ainda mais o descritor de pesquisa
utilizando o termo “Período Colonial” e, com este, encontrei 1106 resultados, dos quais
apenas 66, estavam inseridos na aérea de Educação. Destes, apenas um versava
sobre práticas educativas das ordens religiosas em Sergipe9.
Percebe-se, então, que não constava no referido banco de dados, no momento
da realização da pesquisa, nenhuma dissertação ou tese voltada para a infância e/ou
as práticas educativas na Amazônia Colonial e o único trabalho versando sobre pelo
9 MITTARAQUIS, Léo Antonio Perrucho. As ordens religiosas e as práticas educativas em Sergipe del Rey: uma ausência pedagógica. São Cristóvão, 2010. 103f. Dissertação (Mestrado em Educação). Fundação Universidade Federal de Sergipe. Biblioteca DeOpositária: BICEN. Disponível em: <http://ri.ufs.br/jspui/handle/riufs/4677>. Acesso em 22. Out. 2016.
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 25
menos um desses temas focaliza uma instituição religiosa, não havendo nenhum
trabalho voltado para as práticas de sociabilidades cotidianas no Brasil Colonial.
Pesquisei, por fim, no site Google Acadêmico ((https://scholar.google.com.br)
um sistema do Google que oferece ferramentas específicas para que pesquisadores
busquem e encontrem literatura acadêmica, artigos científicos, teses de mestrado ou
doutorado, livros, resumos, bibliotecas de pré-publicações e material produzido por
organizações profissionais e acadêmicas. Utilizei as mesmas nomenclaturas
anteriormente mencionadas. Devido ao excesso de resultados, uma vez que o site
não utiliza filtros pelo título, mas apresenta qualquer trabalho em que pelo menos um
dos termos apareça, limitei-me a visitar até a quinta página em cada resultado,
totalizando 50 títulos analisados por descritor. Nessa busca encontrei os seguintes
artigos tratando da educação no Período Colonial Amazônico: Os jesuítas e o ensino
na Amazônia Colonial (CHAMBOULEYRON, 2007); Educação dos índios na
Amazônia do século XVII (COELHO, 2008); As razões de Estado e seus fracassos no
Período Colonial: memória da educação no Pará (RODRIGUES, 2011); Os índios e a
educação no Mundo Colonial: fronteira oeste da América portuguesa (PESOVENTO,
2015).
Como é possível observar, são parcas as pesquisas voltadas para a educação
na Amazônia Colonial. Mesmo ao ampliar a revisão das pesquisas sobre educação
no Período Colonial para todo território brasileiro, os resultados foram pulverizados,
destacando-se os autores Amarílio Ferreira Jr. e Marisa Bittar com três artigos
abordando a Colônia: Educação jesuítica e crianças negras no Brasil Colonial
(FERREIRA JR. e BITTAR, 1999); Infância, catequese e aculturação no Brasil do
século XV (BITTAR E FERREIRA JR,, 2000) e O estado da arte em história da
educação colonial (BITTAR e FERREIRA JR., 2010).
Na falta de trabalhos acerca da história da educação amazônica nos programas
de pós-graduação em educação, investiguei o Programa de Pós-graduação em
História da UFPA/PA no qual sobressaíram Rafael Chambouleyron e Karl Arenz como
estudiosos da Amazônia Colonial com artigos publicados sobre a educação nesse
período. Além do já citado artigo de Chambouleyron que aparece na busca do Google
Acadêmico, encontrei ainda: Quem doutrine e ensine os filhos daqueles moradores: a
Companhia de Jesus, seus colégios e o ensino na Amazônia Colonial
(CHAMBOULEYRON, ARENZ E NEVES NETO, 2011); Além das doutrinas e rotinas:
índios e missionários nos aldeamentos jesuíticos da Amazônia portuguesa (ARENZ,
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 26
2014); Sem educação não há missão: a introdução da formação jesuítica no Maranhão
e Grão-Pará (Século XVII) (ARENZ, 2016b).
Uma das bibliografias utilizadas por estes autores que merece destaque é a
tese Educação na Amazônia Colonial: contribuição à história da educação brasileira
de Garcilenil do Lago Silva, defendida na Pontifícia Universidade Católica-RJ em
1976. A pesquisa, orientada por Arthur Cesar Reis, é sem dúvida um trabalho pioneiro
publicado em 1985, mas que, na atualidade, não conta com nenhuma edição. No
entanto a tese encontra-se disponível na biblioteca do Instituto de Ciências da
Educação-ICED-UFPA. Nela, a autora apresenta um panorama geral da educação na
Amazônia no Período Colonial a partir da seguinte estruturação:
- Período do regimento das missões (1616-1757), em que a educação estaria
ao encargo das ordens religiosas;
- Período do regimento do diretório dos índios (1757-1798), quando a educação
passa a ter um caráter laico.
- Período do regimento provisional (1798-1808), correspondente à primeira
tentativa de sistematização do ensino na região.
A partir do levantamento bibliográfico realizado foi possível constatar a
existência de poucos trabalhos abrangendo a educação no Período Colonial
amazônico os quais estão mais concentrados na área de história do que na de
educação e se voltam, exclusivamente, para a educação institucional,
desconsiderando outras dimensões da educação.
Essa constatação demonstrou, por um lado, que os estudos no âmbito da
educação no Período Colonial se inserem em um campo ainda a ser desbravado pelos
pesquisadores, visto que tais processos educativos precisam ser desvelados. Por
outro lado, essa escassez levou-me a refletir sobre a relevância do tema e as razões
de seu pouco prestígio no campo da história da educação brasileira.
No artigo O estado da arte em história da educação colonial, Bittar e Ferreira
Jr. (2010) analisam a produção científica referente ao Período Colonial apresentada
nos Congressos Brasileiros de História da Educação - CBHE, estabelecendo o
Período Jesuítico (1549-1759) como limite temporal. De acordo com o levantamento
dos autores, nos três primeiros Congressos da Sociedade Brasileira de História da
Educação – SBHE, realizados em 2000, 2002 e 2004 apenas 21 dos 968 trabalhos
apresentados, ou seja, cerca de 2,0% do total abordavam o Período Colonial.
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 27
Com o intuito de atualizar tais dados, investiguei no site da SBHE
(http://www.sbhe.org.br/anais-cbhe), os temas presentes nos congressos realizados
após 2004 situados no Período Colonial. Verifiquei os títulos de todos os trabalhos
apresentados em todos os eixos e constatei que dos 3637 trabalhos apresentados
nos eventos realizados em 2006, 2008, 2011, 2013 e 2015, apenas 33 tinham como
recorte histórico expresso em seu título, a Colônia, não chegando nem a 1% do total
de trabalhos.
Bittar e Ferreira (2010) analisaram ainda a presença da educação colonial nos
encontros anuais da Associação Nacional dos Pesquisadores em Educação –
ANPED. De 2000 a 2004 foram apresentados 60 trabalhos no grupo de História da
Educação sendo apenas um no Período Colonial. Informam ainda que nos manuais
clássicos de história da educação como História da Educação no Brasil, de Otaiza
Romanelli (1986) e História da Educação Brasileira: leituras, de Maria Lucia Spedo
Hilsdorf (2003), a educação na Colônia é tratada com menos ênfase e de maneira
mais aligeirada, focalizando, fundamentalmente, o Período Republicano.
Outro dado importante foi obtido no artigo Contribuições para o estado da arte
das pesquisas em educação no Período Colonial, de Silva, Bittar e Hayashi (2007).
Nesse texto, as autoras fazem um levantamento com base no currículo lattes de
pesquisadores cujo interesse se volta para o Período Colonial. Para tanto, realizaram
uma busca por assunto na plataforma lattes com a frase “educação colonial”
assinalando como área de atuação profissional a educação. Constataram a existência
de apenas 23 pesquisadores que trabalham com a história da educação colonial
brasileira. Ao atualizar essa investigação considerando a mesma metodologia, obtive
como resultado 66 pesquisadores cujo termo “educação colonial” aparece descrito
como área de interesse em seu currículo lattes.
Nos últimos dez anos triplicou o número de pesquisadores na área educacional
interessados pela história colonial. Entretanto, este aumento ainda é tímido
considerando que, de acordo com a Plataforma Lattes, existem 4037 pesquisadores
brasileiros cuja especialidade profissional é a história da educação.
Segundo Bittar e Ferreira (2010), o pouco interesse pela história da educação
colonial se dá pela falsa impressão de que não há nada mais a acrescentar no que se
refere à educação realizada naquele período. Para além das análises dos que, de um
lado, consideram o trabalho dos jesuítas como essencial à educação brasileira e, de
outro, os que consideram sua ação como totalmente prejudicial, há uma gama de
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 28
interpretações que precisam ser consideradas e revisitadas a fim de desmitificar o
papel da Companhia de Jesus na educação colonial e enriquecer tal discussão com
outros olhares.
O conhecimento aprofundado da ação pedagógica dos jesuítas é considerado,
pelos autores como a porta de entrada para entender a educação colonial. Nesta
dissertação, ressalto a importância de incluir conhecimentos acerca dos processos
cotidianos de educação os quais, tal como a ação escolar, também contribuíram para
socializar meninos e meninas no cotidiano da vida colonial.
A História Cultural possibilita que os temas do cotidiano se tornem objeto de
estudo, configurando-se como campo fértil para analisar esses processos. Por isso,
seus pressupostos teóricos se tornaram fundamentais para a condução dessa
pesquisa.
1.4 A infância sob o olhar da História Cultural
O movimento dos Annales, iniciado na França em 1929, persuadiu os
historiadores a voltaram-se para a história do cotidiano social rompendo com a visão
de história política preponderante até então. Na terceira geração, a partir da década
de 70, vários temas da vida cotidiana como a morte, a religião, a sexualidade, hábitos
alimentares, entre outros, se tornaram objeto de investigação. Nas palavras de Peter
Burke (2011, p. 11) “a nova história começou a se interessar por vitualmente toda a
atividade humana”.
Segundo o autor, “a base filosófica da nova história é a ideia de que a realidade
é social ou culturalmente constituída” (BURKE, 2011, p. 12). Isto quer dizer que ela
não é previamente determinada pelas estruturas econômicas e sociais, mas que as
pessoas a constroem em suas relações sociais, através de táticas de resistência e/ou
sobrevivência engendradas no cotidiano (CERTEAU, 2014). Nesta concepção, não é
mais possível “distinguir o que é central ou periférico na história” (BURKE, 2011, p.
12). Assim, a vida cotidiana, tida como irrelevante até então, passa a ser foco de
interesse e, até mesmo os indícios tornam-se imprescindíveis para a compreensão da
realidade de cada momento.
Nesse sentido, as práticas educativas ocorridas no cotidiano da Amazônia
Colonial configuram-se como objeto de investigação, e as crianças, antes
invisibilizadas pela história, adquirem o status de sujeitos de pesquisa.
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 29
Ao refletir sobre as dificuldades para a realização de pesquisas no Período
Colonial, Silva (2006) ressalta que muitas vezes o mau estado de conservação dos
documentos limita as possibilidades da pesquisa. Nesse sentido, o olhar da História
Cultural é fértil ao propor a ampliação do conceito de fontes para todo e qualquer
documento – escrito, pintado, fotografado, oficial ou não, que ajude a compreender as
mentalidades e estudar as formas de viver do ser humano.
Essa nova concepção, permite considerar as crônicas escritas por religiosos
que estiveram na Amazônia Colonial, como fontes de pesquisa, uma vez que dão
visibilidade, ainda que de forma sutil, ao cotidiano dos moradores da Amazônia do
século XVII, no qual é possível reconhecer situações de aprendizagem em que as
crianças estavam envolvidas, configurando-se tais práticas como educativas.
Assim, as práticas educativas, compreendem toda relação em que ocorre
transmissão e circulação de saberes de qualquer espécie não se restringindo apenas
ao sistema escolar onde predomina, em geral, os conhecimentos científicos (CUNHA
e FONSECA, 2005). Para além do saber científico, esta dissertação buscou adentrar
nos saberes culturais não alicerçados, exclusivamente, na formação escolar mas no
cotidiano social. Focalizo, portanto, os saberes circulados nas diversas situações
pedagógicas em que as crianças mencionadas estavam envolvidas. Conforme
proposto por Kuhlmann Jr. (1998, p. 11) “A ideia é encontrar a educação no estudo
das relações sociais, no estudo da história”.
Em perspectiva semelhante, a educação é apontada por Fonseca (2003, p. 54)
“como uma dimensão importante da conformação cultural de uma sociedade e como
um dos indicadores das diferentes relações nela estabelecidas”. Daí a importância de
o estudo das práticas educativas do cotidiano considerarem os conflitos culturais e
sociais presentes no contexto analisado. Para a autora, tais conflitos
podem estar nas pequenas estratégias cotidianas, nas diversas apropriações de valores, saberes, poderes. Por isso, torna-se importante a referência às noções de representação e apropriação, por permitirem a visualização de práticas culturais presentes na sociedade brasileira e suas diferentes formas de manifestação (FONSECA, 2003, p. 63).
Ao falar de representação e apropriação a autora remete às teorias de Roger
Chartier (1990) que se voltam para as práticas e representações considerando estas
como construções sociais e históricas, essenciais para a compreensão da própria
história.
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 30
Para Chartier (1990), as formas de ver e entender o mundo, isto é, as
representações, são sempre determinadas pelos interesses dos grupos que as
formam e por isso os discursos devem ser entendidos a partir de quem os profere
(CHARTIER, 1990). Ao definir algumas formas de relacionamento com o mundo social
o autor considera que a realidade é construída de forma contraditória pelos diversos
grupos sociais que a compõem através de múltiplas configurações intelectuais. Tal
entendimento é fundamental neste trabalho uma vez que o contexto analisado é
composto por múltiplos grupos com diferentes cosmovisões. Assim, ao investigar as
práticas educativas em que as crianças na Amazônia Colonial estavam envolvidas
não é possível perder de vista as representações dos sujeitos envolvidos nessas
práticas, bem como o modo como os adultos compreendiam a infância.
Outra forma de relacionamento com o mundo social proposta por Chartier
(1990) ocorre através das práticas de um determinado grupo que visam demarcar sua
identidade. Seus rituais e costumes, suas atividades cotidianas levam à construção
de suas representações, daí a relevância de estudar suas práticas. Nessa direção,
entendo que nenhuma prática educativa está solta no mundo e a análise do contexto
na qual está inserida, é fundamental para compreendê-la. Ao recusar uma história
“global”, Chartier (1990) valoriza as singularidades, uma vez que, indivíduos e grupos
dão sentido ao mundo que os cercam por meio das representações que constroem da
realidade.
Ainda segundo Chartier (1990) a maneira como os membros de um grupo
representam sua existência em sua comunidade também é uma forma de
relacionamento do sujeito com o mundo social. Assim, as formas de as crianças
amazônicas do século XVII agirem e estarem no mundo, extraídas das crônicas e
cartas jesuíticas, são fundamentais para compreender o papel destas crianças em sua
comunidade e a relevância delas como transmissora dos saberes do grupo social.
Os saberes são, portanto, construções coletivas e envolvem a relação do
sujeito consigo mesmo e com o outro (CHARLOT, 2013). Circunscrevem-se dentro de
uma ordem cultural que precisa ser desvelada para se compreender a sua construção.
Podem ser definidos como
uma forma singular de inteligibilidade do real, fincada na cultura, com raízes na urdidura das relações com os outros, com a qual, determinados grupos reinventam criativamente o cotidiano, negociam, criam táticas de
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 31
sobrevivência, transmitem seus saberes e perpetuam seus valores e tradições (ALBUQUERQUE E SOUSA, 2016, p. 239).
1.5 Percursos da pesquisa
Esta pesquisa se caracteriza, do ponto de vista metodológico, como de
natureza histórica, baseada em fontes documentais e bibliográficas e busca
compreender os processos educativos cotidianos envolvendo crianças na Amazônia
colonial.
Le Goff (2013) considera como documento tudo que permite recortar e estudar
uma parte do passado, observando, contudo, que
o documento não é inócuo. É antes de mais nada, o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que o produziram, mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante os quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio (LE GOFF, 2013, p. 498).
Corroborando essa visão, França e Rodrigues (2010) afirmam que a pesquisa
documental utiliza-se de materiais que ainda não receberam um tratamento analítico
ou aos quais podemos fazer novas perguntas ensejando novos objetivos. Ao se
debruçar sobre a leitura de um documento histórico, é necessário considerar sua
forma material, o seu conteúdo, os objetivos de quem o produziu e o seu contexto
histórico.
A pesquisa bibliográfica é aquela que se baseia em estudos disponíveis sobre
o objeto em questão (SEVERINO, 2007) e se aplica a pesquisas exploratórias e
descritivas como esta em que “o objeto de estudo proposto é pouco estudado,
tornando difícil a formulação de hipóteses precisas e operacionalizáveis” (LIMA e
MIOTO, 2007, p. 40).
Conforme Lima e Mioto (2007), a pesquisa bibliográfica não pode ser feita de
forma aleatória. O pesquisador precisa definir critérios coerentes com seus objetivos,
mantendo sempre um “alto grau de vigilância epistemológica” (LIMA e MIOTO, 2007,
p. 44). Os critérios devem ser claros e bem definidos sendo, entretanto, flexíveis a fim
de permitir alterações necessárias durante o percurso. Delimitei como critério para o
levantamento de fontes nesta pesquisa, documentos em que fosse possível
vislumbrar práticas educativas cotidianas envolvendo crianças que viviam na
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 32
Amazônia Colonial. Nesse quesito, as crônicas e/ou relatos de viagem se tornaram
meu principal interesse.
Assim, no final de maio de 2016, visitei a 20ª Feira Pan-Amazônica do Livro,
ocorrida em Belém, com o intuito de buscar publicações que estivessem dentro desse
critério. Foi meu primeiro contato com a Crônica dos padres da Companhia de Jesus
no Estado do Maranhão, do padre jesuíta João Felipe Bettendorff, cuja bibliografia já
havia me chamado atenção no livro “Beberagens Indígenas e educação não escolar
no Brasil Colonial”. Decidi, então, iniciar por ela os estudos. Essa obra se tornou
indispensável nesta pesquisa, pois, seu texto aborda as ações dos inacianos na região
Amazônica desde a primeira tentativa de instalação da missão em 1607 (segundo ele,
antes mesmo que os franceses descobrissem e povoassem a Ilha do Maranhão) até
1698, ano da sua morte. Ao constatar que a crônica de Bettendorff abrangia um longo
período, referente aos primórdios da colonização na Amazônia, demarquei o século
XVII como recorte temporal, não me furtando a transitar nos séculos anterior e
posterior quando necessário, para a compreensão do texto e/ou do objeto em estudo.
Os escritos de Bettendorff (1990) descrevem as relações conflituosas com os
governos do Estado10 do Maranhão, que ora atendiam os interesses dos colonos, ora
os dos jesuítas ocasionando a expulsão desses últimos, duas vezes, durante o século
XVII (1661 e 1684). Além disso, a Crônica mostra o modo de vida dos habitantes das
diferentes regiões da Amazônia onde os inacianos atuavam. De acordo com Azevedo
(1999, p. 64), na segunda metade de século XVII as missões jesuíticas eram
compostas de “onze aldeias de índios mansos no Maranhão e Gurupi; seis nas
vizinhanças do Pará, sete no Tocantins, vinte e oito no Amazonas”.
Em dezembro de 2016 estive no Arquivo Público do Pará para investigar as
fontes disponíveis sobre o período colonial Amazônico a fim de subsidiar minhas
buscas. Encontrei apenas dois códices referentes a esse período, cujos manuscritos
se encontravam digitalizados, sendo o acesso a eles por meio eletrônico por se
tratarem de documentos já fragilizados pelo tempo.
Os códices 001 e 00211 me foram entregues em CD, o que me permitiu
examinar todos os manuscritos constantes no acervo. Os documentos se referiam à
10 A palavra “Estado” quando utilizada com inicial maiúscula nessa dissertação, se refere à unidade política e jurídica com governo próprio criada por Portugal para administrar suas colônias na América do Sul; quando utilizada com inicial minúscula, “estado” se refere à divisão político-administrativa do Brasil. 11 ARQUIVO PÚBLICO DO PARÁ, códices 001 e 002.
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 33
questões de ordem econômica e política da região, como Mapa das Famílias
Existentes (1787), Regimento das Topas de Resgate (1738), Instrução sobre a Cultura
do Tabaco (1742) entre outros, não corroborando, portanto, para a elucidação do
problema de pesquisa proposto. Ademais, não havia nenhum documento referente ao
século XVII, por isso não se configuraram como referências nessa dissertação.
Recorri, então às referências bibliográficas de artigos e livros da área de
história que vessassem sobre o período e espaço delimitado. Nesse sentido,
despontou a História da missão dos padres capuchinhos na ilha do Maranhão e suas
circumvisinhanças, escrita pelo padre capuchinho Claude D’Abbeville (1874) no início
do século XVII. A ela se somou a Continuação da história das coisas mais memoráveis
acontecidas no Maranhão nos anos 1613 e 1614 (2007) do também capuchinho Yves
D’Évreux, escrita no mesmo período.
Tais obras relatam o contato, a convivência e as impressões desses padres
sobre os nativos. Nesses escritos, as crianças amazônidas são mencionadas como
protagonistas em algumas situações que chamaram a atenção dos padres e,
consequentemente, também a minha, tornando sua leitura imprescindível nesta
pesquisa.
Os padres capuchinhos Claude D’Abbeville e Ives D’Évreux faziam parte da
missão organizada por Daniel de La Touche que intentou implantar uma colônia
francesa na região norte do Brasil – A França Equinocial (1612-1615). O texto de
Abbeville foi produzido nos quatro meses em que permaneceu no Maranhão e
publicado com sucesso na França em 1614. Em 1874 teve sua primeira tradução para
o português, realizada por Cesar Augusto Marques, no Maranhão (ABBEVILLE,
1874).
Já o padre Évreux permaneceu dois anos na região liderando a missão e
escreveu o que ele mesmo chamou de Continuação da história das coisas mais
memoráveis acontecidas no Maranhão nos anos 1613 e 1614 por considerar seu texto
capaz de acrescentar o que Abbeville deixara de fora. De acordo com Ferdinand Denis
na introdução da crônica, Évreux era “amigo reconcentrado do estudo, e mais ainda
da humanidade, pronto a acudir onde o chamava seu zelo” (ÉVREUX, 2007, p. XXIX).
Isso explica sua disposição como missionário no novo mundo e sua descrição
detalhada do que observou entre os Tupinambá.
Todavia, ao contrário do seu companheiro, não teve a oportunidade de ver sua
Crônica publicada (ÉVREUX, 2007). A primeira publicação foi confiscada porquanto
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 34
não interessava à França, naquele momento, criar atritos com a Espanha que era a
dona “legal” das colônias portuguesas devido à União Ibérica. Isto porque o futuro rei
da França já havia acertado casamento com a princesa espanhola da Áustria.
Entretanto, graças às divergências internas e, especificamente, ao interesse do
almirante François de Razzili na colonização do Maranhão, algumas cópias da obra
foram resgatadas antes de ser destruída. Uma delas foi presenteada ao rei Luís XIII
ficando esquecida em sua biblioteca pessoal. Esse exemplar, conservado na
Biblioteca Imperial, foi encontrado pelo historiador Ferdinand Denis e publicado em
português, em 1874 (ÉVREUX, 2007).
A investigação sobre as práticas educativas das crianças, se apoiou, também,
nas cartas jesuíticas muito frequentes entre os padres desta ordem até sua expulsão
do Brasil em 1759 (LONDOÑO, 2002). As cartas eram instrumentos importantes, para
a manutenção e fortalecimento do vínculo entre os membros da Companhia de Jesus
e tinham o papel de fazer circular toda e qualquer informação vinda das localidades
em que estavam instalados. Por isso, trazem relatos pormenorizados da vida na
Colônia e da atuação dos jesuítas que contribuem para a compreensão do cotidiano
social. De acordo com Pereira (2007), os jesuítas informavam nas cartas, dentre
várias outras coisas, suas estratégias para educar as crianças que eram um dos
principais focos da evangelização cristã.
Bittar e Ferreira (2010) reiteram que as cartas jesuíticas continuam sendo
importantes fontes de pesquisa para a história da educação brasileira nos primeiros
séculos da colonização pois revelam o quadro cultural em que ela ocorria. Além disso,
esses documentos “não foram suficientemente pesquisados, exigem compreensão e
merecem uma visão de conjunto (BITTAR e FERREIRA, 2010, p. 19).
Nesse sentido, foram consultadas as cartas do padre Antônio Vieira disponíveis
na coleção Cartas organizadas pelo historiador João Lúcio de Azevedo e publicadas
pela Editora Globo, em 2008. A coleção é composta de 3 volumes totalizando 729
epístolas. A primeira edição desta obra ocorreu entre 1925-1928 lançada pelo próprio
João Lúcio de Azevedo (VIEIRA, 2008). Foram selecionados os documentos
referentes ao período que Vieira esteve no Estado do Maranhão e Grão-Pará como
responsável pela missão jesuítica. Também foi possível consultar duas cartas do
Padre Bettendorff traduzidas e publicadas por Arenz (2009, 2013).
Outro documento relevante nessa pesquisa foi o regulamento das aldeias
elaborado por Antônio Vieira entre 1658 e 1661, conhecido como a Visita. O texto foi
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 35
fruto da visitação realizada nos aldeamentos da Amazônia no período mencionado,
quando Vieira fora superior da missão. A fim de normatizar o cotidiano dos
aldeamentos, o padre enumerou 50 itens a serem observados pelos religiosos na
convivência com os indígenas e entre esses itens destacou também a educação dos
curumins, motivo pelo qual, o documento foi empregado nessa pesquisa. O
regulamento foi publicado por Serafim Leite (1943) no III Tomo de sua obra.
Após a seleção da fontes, realizei a leitura e o fichamento dos textos extraindo
informações sobre as relações cotidianas em que havia troca de saberes e as
descrições encontradas em que são mencionados os meninos e meninas a fim de
compreender que práticas eram essas nas quais as crianças estavam, de algum
modo, envolvidas. O esforço da pesquisa se direcionou no intuito de minimizar
a carência de trabalhos que percorram os relatos dos missionários religiosos e viajantes e suas anotações sobre os hábitos das populações autóctones e de suas relações com os adventícios europeus, em busca de práticas de sociabilidade ou indícios de processos educativos de caráter não escolar, bem como as trocas culturais entre diferentes civilizações (ABBATE, 2016, p. 28).
Contudo, ao perquirir outros tipos de fontes para responder novos
questionamentos e buscar nelas indícios de processos educativos no cotidiano
deparei-me com problemas suscitados por estes documentos tais como, a dificuldade
de “retratar o socialmente invisível”, ou acontecimentos específicos (BURKE, 2011, p.
25). Por isso, foi necessário considerar na análise das informações obtidas o
etnocentrismo das fontes, que carregam consigo a visão cultural dos seus autores.
Não se pode perder de vista o fato de que as fontes utilizadas nesta dissertação,
referentes ao século XVII na Amazônia, foram produzidas por religiosos e europeus,
que registraram suas interpretações particulares da história. Todavia, ainda assim,
vale o esforço de buscar extrair dos seus relatos, ainda que parcialmente, a visão dos
autóctones.
Nesse sentido, Montero (2006) ressalta ser imprescindível considerar tais
documentos a partir do seu contexto de produção, especificando o lugar dos seus
atores e as contradições existentes. Trata-se de evitar o “risco de utilizar as
informações como dados objetivos, esquecendo os determinantes culturais que
constituem os "filtros" através dos quais os europeus percebiam os índios”
(MONTERO, 2006, p. 12). Daí a necessidade de conhecer o contexto histórico,
cultural e narrativo em que as fontes foram produzidas. Assim, ao analisar os dados
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 36
levantados foi primordial focalizar as relações sociais constituídas entre índios e
missionários e os códigos culturais que se articularam nessas relações. Além disso, o
cruzamento das informações levantadas com outras fontes, contribuiu para uma
melhor compreensão do contexto histórico estudado.
Bittar e Ferreira (2010) destacam como maior problema das pesquisas no
Período Colonial a falta de capacidade dos pesquisadores de relacionar o particular
com o geral, vinculando o objeto de estudo ao contexto histórico em que se insere.
Para minimizar esse problema, recorri ao historiador Carlo Ginzburg (2006) que em
sua obra O queijo e os vermes, demonstrou a possibilidade de através da micro-
história, explicar o pensamento de uma determinada época e realidade.
A micro-história desponta como forma de abordagem do passado atenta às
minúcias e detalhes ligando o micro (as práticas educativas e o cotidiano da infância
na Amazônia do século XVII) com o macro (o contexto amazônico do século XVII e o
sentimento de infância vigente no período). Trata-se assim, de uma etnografia do
passado em que o pesquisador se debruça sobre as fontes documentais examinando
as sutilezas e interpretando os sentidos das relações estabelecidas a fim de responder
suas indagações. Nesse sentido, a micro-história se complementa com o paradigma
indiciário (GINZBURG, 1989), no qual a observação e análise das minúcias e detalhes
é necessária para tecer explicações dos eventos que não são possíveis captar
integralmente, como é o caso das práticas educativas envolvendo as crianças na
Amazônia seiscentista.
Ancorada em Ginzburg (2002) adotei a perspectiva problematizadora dos
discursos encontrados nos textos, buscando à medida do possível, compreender
como essas fontes foram produzidas, ler em suas nas entrelinhas, cotejar as
informações encontradas e manter uma visão sistêmica.
Numa pesquisa de cunho qualitativo como essa, a interpretação e análise dos
dados ocorre continuamente, mas precisa ser evidenciada em algum momento. Isso
pode ser feito através da categorização dos dados coletados. Optei por utilizar
categorias temáticas conceituadas como “elementos do fato ou situação em estudo,
que são classificados e reunidos em eixos ou unidades temáticas a partir e com os
dados coletados” (OLIVEIRA e MOTA NETO, 2011, p. 164). Nesse sentido, foram
definidas as seguintes categorias de análise:
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 37
Quadro 1 - Categorias de análise
Fonte: Elaborada pela autora
Essas categorias de análise, embora imbricadas durante todo o trabalho, foram
focalizadas em capítulos distintos ficando assim estruturada essa dissertação: 1 Introdução, em que apresento as motivações, justificativa, objetivos,
relevância da pesquisa, o referencial teórico que a embasa, e a metodologia utilizada.
2 Olhares sobre a infância: da Europa moderna à Amazônia Seiscentista, onde discuto os conceitos históricos de infância e criança à luz dos dados obtidos na
pesquisa a fim de compreender as representações sobre a infância no contexto
brasileiro e amazônico do século XVII.
3 Práticas educativas na Amazônia Colonial, onde descrevo as situações
em que houve circulação e troca de saberes envolvendo as crianças nas relações
estabelecidas entre elas mesmas, com seus pais ou com os religiosos. Tais situações
são por mim entendidas como a educação ocorrida no cotidiano.
4 Saberes do cotidiano na Amazônia Colonial, em que apresento um
mapeamento dos saberes que perpassavam as práticas educativas investigadas, e
descrevo aqueles que se destacaram nas fontes selecionadas por permearem a
vivência das crianças.
5 Considerações finais, exponho as principais inferências obtidas ao longo da
pesquisa, e reforço a necessidade de aprofundamento na história da infância na
Amazônia Colonial, apontando ainda, outras perspectivas de pesquisa sobre
educação.
Infância
SaberesPráticas educativas
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 38
2 OLHARES SOBRE A INFÂNCIA: DA EUROPA MODERNA À AMAZÔNIA SEISCENTISTA
O objetivo deste capítulo é discutir as ideias formuladas sobre a infância pelos
estudiosos à luz das informações encontradas nas fontes utilizadas nesta pesquisa –
crônicas, cartas jesuíticas, e a Visita (regulamento das aldeias elaborado por Vieira) -
a fim de compreender as representações sobre a infância no contexto da Amazônia
Colonial.
No primeiro item, analiso o surgimento do sentimento de infância, momento em
que a criança é identificada nas suas especificidades em contraposição com o mundo
adulto, no contexto europeu e suas implicações no contexto brasileiro. Isso porque, “a
falta de produções na área da historiografia nacional sobre a temática, dentre outros
fatores, contribui para que grande parte dos estudos ainda sejam feitos alicerçados
nas referências internacionais” (PEREIRA, 2007, p. 25).
Em seguida, discuto a infância no contexto do Brasil Colonial buscando
compreender como a criança era vista nesse período. Por fim, analiso a infância no
contexto amazônico do século XVII demonstrando suas especificidades, sobretudo,
da criança Tupinambá por terem sido as que mais se sobressaíram nas fontes
pesquisadas.
2.1 O sentimento de infância
O historiador francês Philippe Ariès evidenciou a criança na história como um
ser de natureza particular, a partir de estudos de longa duração em que considerou
como fontes: diários, testamentos, túmulos e pinturas com os quais estabeleceu um
quadro de mudanças lentas que começaram a colocar a criança em evidência no
século XVII. Seu livro L’enfant Et La Vie Familiale sous I’ Ancien Regime, lançado em
1960, inaugurou um período de buscas e reflexões sobre o que ele chamou de
formação do sentimento de infância e é considerado “admirável pelo uso da evidência
iconográfica e pela preocupação com a cultura material (notadamente roupas e
brinquedos) enquanto expressões de mudanças nas atitudes dos adultos para com
as crianças” (BURKE, 1997, p. 2). Ao proclamar que a ideia de infância como
concebemos hoje não existia na Idade Média, e que foi criada na França moderna,
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 39
Ariès instigou os historiadores a investigarem acerca da construção da concepção de
infância ao longo da história e nos diversos contextos existentes.
As teses de Ariès consistem em considerar a escolarização, emergente no
século XVI, e a privatização da vida familiar, como principais fatores para que a criança
pudesse ser percebida de maneira diferente do adulto. Inicialmente, vista apenas
como um bibelô, ela foi comparada mesmo a um bichinho de estimação e,
posteriormente, como um ser que precisava de tratamento específico como a
moralização, por exemplo, para garantir que a futura sociedade fosse civilizada.
Postman (2012) considera que a ideia de criança como um ser que requer
formas específicas de criação foi uma invenção da Renascença. Segundo ele, “no
mundo medieval não havia nenhuma concepção de desenvolvimento infantil,
nenhuma concepção de pré-requisitos de aprendizagem sequencial, nenhuma
concepção de escolarização como preparação para o mundo adulto” (POSTMAN,
2012, p. 29).
Os conceitos de alfabetização, educação e vergonha estão na base de
formação da ideia de infância e a inexistência deles acarretou o desaparecimento da
criança na Idade Média. A capacidade de leitura e escrita recobradas no início do
século XVI foi, então, um dos fatores responsáveis pelo ressurgimento da infância
moderna. A leitura seria um divisor entre a criança, incapaz de adentrar no mundo
adulto sem a capacidade de ler, e o adulto que domina os segredos de sua cultura por
causa da leitura (POSTMAN, 2012).
Gélis (2009) aponta outro aspecto incisivo sobre esse “desaparecimento” da
infância na Idade Média. Trata-se do papel coletivo que a criança exercia no seu meio
familiar/social. Para ele, todas as aprendizagens em que as crianças estavam
envolvidas, visavam sua preparação para o mundo em que vivia, e o desenvolvimento
de suas habilidades a fim de garantir a continuidade da família. Ele aponta que até o
século XIV, a criança tinha papel de transmissora cultural dos valores do seu grupo
familiar e social e, por isso, era um ser da coletividade e até o seu corpo era “um pouco
‘os outros’, os da grande família dos vivos e dos ancestrais mortos” (GÉLIS, 2009, p.
306). O valor da criança não estava na sua individualidade e a perda de um filho
poderia ser resolvida com a substituição por outro filho que garantiria a linhagem
familiar.
Para Gélis (2009), a formação das cidades, no contexto da Renascença,
contribuiu para uma mudança nessa configuração visto que ao se perder a relação
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 40
direta com a vida no campo e se estabelecer um espaço mais íntimo, perdeu-se
também o sentido da coletividade e a visão anterior da infância. Ele considera, ainda,
que embora a evolução do sentimento de infância não seja linear, no início do século
XVII, na França, já se percebe um “novo sentimento de infância” através do discurso
literário e médico. O interesse e a indiferença pela criança, ou seja, o sentimento de
infância sempre coexistiriam nas sociedades e em todos os períodos históricos,
sobressaindo-se um ou outro por motivos nem sempre claros (GÉLIS, 2009).
Boto (2002) chama atenção para a mudança do papel social da criança na
Renascença quando nela os adultos passam a projetar a nova e dinâmica concepção
de homem. A partir de então, começa-se a desenhar novas formas de se lidar com a
criança, convertida em matéria de interesse de intelectuais humanistas que buscam
uma pedagogia capaz de moldá-la conforme a nova moral vigente. Para a autora,
Refletir sobre a criança requer pensar modos de educar que historicamente estão correlatos ao trajeto da existência infantil. O século XVII será no campo intelectual, um tempo assinalado bela busca da racionalização quanto a valores e referências mas sobretudo quanto ao modos de apreensão do mundo (BOTO, 2002, p. 33).
No Brasil, coube aos estudiosos da infância o desafio de compreendê-la se
balizando, inicialmente, pelos estudos de Ariès, ambientado na França moderna, um
contexto bem diverso do realidade brasileira. Entre esses autores destacam-se Mary
Del Priore (1991) e Kuhlmann Jr. (1998) que apontaram as fragilidades de assentar
os estudos sobre a infância brasileira em teóricos europeus como Ariès e defendem
a necessidade de compreender a formação do sentimento de infância em seu próprio
contexto. As características próprias da formação brasileira baseadas em mais de três
séculos de colonização, as diferenças regionais e culturais que se formaram sob a
influência dos povos nativos, de negros trazidos para cá forçosamente, e imigrantes
de várias partes do mundo forjaram um modo peculiar de compreender a infância, de
se relacionar com as crianças, de definir o papel e a forma como ela deveria ser
tratada.
Há um certo consenso entre esses autores de que a concepção de infância é,
sobretudo, uma construção histórica e sociocultural e, por isso, não é possível
estabelecer uma única infância. Também corrobora essa visão, William Corsaro
(2011, p. 97) ao apontar os estudos históricos como fundamentais para que “as
crianças pudessem ser vistas como contribuintes ativas na produção e na mudança
social enquanto criam, simultaneamente, suas próprias culturas infantis”.
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 41
Nesse sentido, é possível inferir que a infância entendida como “uma abstração
que se refere à determinada etapa da vida” (HEYWOOD, 2004, p. 22) sempre existiu.
Todavia, há diferentes conceitos de infância conforme o tempo e espaço em que se
situam. Em vista disso, é necessário se debruçar na cultura em que as crianças estão
imersas, e não compreendê-las somente como produtos dela, mas, também como
produtoras e transmissoras de sua própria cultura.
2.2 A infância no Brasil Colonial
Ao retratar a estrutura social da Colônia, Gilberto Freyre fez uma robusta
etnografia em que focalizou, sobretudo, a vida cotidiana intrincada nas estruturas
sociais do Brasil naquele período. Nessa análise, não deixou de fora a infância e, por
isso, pode ser considerado o pioneiro no estudo social sobre a criança no Brasil.
Freyre (2004) evidencia a preponderância da família e do sistema patriarcal em que a
distância entre crianças e adultos era demarcada pela supremacia destes últimos,
cabendo aos meninos almejar a vida adulta para se livrar da vergonha da meninice.
A criança teve, para Freyre (2006, p. 198), papel decisivo no contato entre as
culturas indígena e europeia “quer como veículo civilizador do missionário católico
junto ao gentio quer como condutor por onde preciosa parte de cultura aborígene
escorreu das tabas para as missões e daí para a vida em geral, da gente
colonizadora”. Quando os portugueses chegaram ao Brasil, encontraram populações
nativas que já viviam nessas terras há séculos e tinham seu modo próprio de vida e
organização social. No projeto colonizador europeu o papel da criança foi fundamental
e, por isso, a noção de infância dos conquistadores se chocou com a dos índios.
A concepção de infância vigente no Brasil Colonial foi pautada, basicamente,
pela interpretação católica do que significava ser criança. Para os religiosos, baseados
no seu entendimento da Bíblia, a criança era símbolo do pecado e perpetuação do
mal devendo ser tratada com rigor a fim de ser moralizada e santificada. Em Portugal,
“o castigo fazia parte da estratégia de coação da maioria dos educadores”
(FERREIRA, 2014, p. 72). Temia-se que os mimos advindos da individualização da
criança formassem homens moles e fracos (GÉLIS, 2009). Para os religiosos e
moralistas que detinham a educação dos pequenos à época,
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 42
a criança é percebida pelo que lhe falta, pelas carências que apenas a maturação da idade e da educação poderiam suprir. Frágil na constituição física, na conduta pública e na moralidade, a criança é um ser que deverá ser regulado, adestrado, normalizado para o convívio social, (BOTO, 2002, p. 17).
Segundo a análise de Freyre (2004, p. 178), até os seis anos de idade, a
criança brasileira era adorada e mimada, considerada ingênua. Esse tratamento se
assemelhava ao que ocorria na França onde “até o meio do século XVII, tendia-se a
considerar como término da primeira infância a idade de 5-6 anos, quando o menino
deixava sua mãe, sua ama ou suas criadas” (ARIÈS, 1986, 176). Até então, a criança
era considerada fraca e incapaz de aprender qualquer coisa.
Ao chegar à chamada idade teológica da razão (seis, sete anos), a criança
passa a ser vista como um “menino-diabo” (FREYRE, 2004, p. 178) e precisava ser
domesticada. Na faixa etária dos 6 aos 12 anos a criança era considerada imunda e,
por conseguinte, deveria guardar distância dos adultos, não lhes dirigir a palavra, e
até mesmo nas brincadeiras ser comedida. Era o momento propício para ser educada
e isso deveria ser feito com rigor, para os quais os padres estavam capacitados.
Todavia, a disciplina da criança cabia à qualquer adulto – parentes, amigos chegados
ou professores. E isso, geralmente, era feito com castigo físico a fim de extirpar a
malícia e preguiça que lhes eram típicas chegando-se algumas vezes ao
espancamento e até mesmo à morte das crianças (FREYRE, 2004). O castigo
corporal se tornou nesse momento a forma peculiar de se relacionar com a criança
pois aos mestres caberia a responsabilidade de moralizá-la e “não podiam ser
abandonadas sem perigo, a uma liberdade sem limites hierárquicos” (ARIÈS, 1986,
179).
A diferenciação entre a criança e o adulto era fundamentada na fraqueza das
crianças, que, por isso, eram tratadas como as camadas mais inferiores da sociedade.
Nessa concepção, elas só aprenderiam através da disciplina comumente utilizada
entre os séculos XIV e XVI (ARIÈS, 1986).
Del Priore (2015) ressalta que no Período Colonial brasileiro a infância era
considerada apenas um período de transição e de formação do futuro homem, motivo
pelo qual, as crianças também eram chamadas de ingênuas. Nesse contexto,
o saber só era relevante ou interessante na medida em que servia à ordem teológico-filosófica legitimadora dos poderes vigentes. Estava-se num tempo em que convencer era mais importante do que esclarecer, daí a aposta no caráter ideológico e autoritário da educação. O que se tornava imperioso era
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 43
inculcar ideias e promover sentimentos caros à condição de católico (FERREIRA, 2014, p. 73).
Na missão evangelizadora dos jesuítas as crianças formavam assim, um
público especial pois, conforme Ariès (1986), no século XVII o infante começaria a
deixar de ser visto como adulto em miniatura e passaria a ser visto como um ser
humano vivendo uma fase antecedente à vida adulta. Os inacianos acreditavam que
para moldar a sociedade conforme os valores da igreja católica, bastava educar as
crianças e introjetar nelas hábitos e crenças desejáveis. Nessa direção, Freyre (2006,
p. 218) afirma que “o processo civilizador dos jesuítas consistiu principalmente nesta
inversão: no filho educar o pai; no menino servir de exemplo ao homem; na criança
trazer ao caminho do Senhor e dos europeus a gente grande”.
Essa visão, levou os padres da Companhia de Jesus a escolherem os curumins
como “papel em branco”, pois neles seria possível construir o adulto civilizado já que
“os padres aqui aportados, depois das frustrações em converter índios adultos,
perceberam a vantagem de, primeiro, conquistar a alma da crianças, para que, então,
ela própria se constituísse um obstáculo aos "maus costumes" dos pais” (BITTAR;
FERREIRA JR., 2000, p. 454).
Assim, a crença na inocência infantil imprimiu nos religiosos um olhar
direcionado às crianças como seres aptos a aprender o comportamento religioso
almejado visto que no século XVII pairava a ideia de criança como “rascunho do adulto
em formação” (BOTO, 2002, p. 41).
Os jesuítas trataram, então, de investir em colégios e aldeamentos onde as
crianças pudessem ser educadas utilizando-se do modelo ideológico de criança-
Jesus, que consistia em expandir a devoção ao Deus menino enfatizando sua
inocência e sua doçura, como exemplos de características desejáveis nas crianças. A
difusão desse modelo consistia na “privatização da imagem da criança” contribuindo
para fortalecer sua individualização e estabelecia um padrão de infância a ser seguido.
(GÉLIS, 2009, p. 315).
No contexto da América portuguesa a presença do Estado estava subordinada
à igreja e “diante da frágil iniciativa dos poderes laicos, a Companhia de Jesus apostou
claramente na educação e na escola como forma de disciplinar as consciências”
(FERREIRA, 2014, p. 59) e assim disseminar sua concepção de infância.
Esse pensamento permeou o processo de colonização do Brasil desde a
chegada do primeiro governador geral, Tomé de Souza, que trouxe consigo um
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 44
regimento respaldando e direcionando seu trabalho conforme orientações da Coroa
Portuguesa12. Nesse documento, o rei de Portugal expressava a necessidade de
doutrinação dos povos gentios com atenção especial para os meninos, pois segundo
ele, neles se imprimiria melhor a doutrina. A ordem do regimento era que os infantes
se tornassem cristãos, separando-os, inclusive, do convívio com os gentios.
Respaldados por esse estatuto, os jesuítas iniciaram a catequese dos nativos assim
que chegaram em terras ameríndias.
Porém, com o crescimento da demanda educativa nas colônias americanas e
espanholas os inacianos investiram na elaboração de um plano educativo que
pudesse direcionar o trabalho pedagógico. Após quinze anos de minuciosos estudos
foi promulgada a Ratio Atque Institutio Studiorom Societatis Jesu em 1599 que se
tornou o padrão da ação educativa da Companhia de Jesus em todos os lugares em
que estivesse instalada (NEGRÃO, 2000).
A Ratio Sudiorom separava as crianças por idade nas classes existentes nos
colégios implantados, o que, para Boto (2002) assinala a forma moderna de pensar a
criança, agora individualizada como um estado específico do ser. O programa era
composto de conhecimento divididos em grupos proporcionais ao nível dos alunos
que eram incentivados a aprender por meio de premiações ou castigos (SAVIANI,
2013). Através desse programa, os inacianos padronizavam o ensino e transportavam
para dentro dos colégios os ideais de civilidade estabelecidos pela Renascença
criando a infância escolar (BOTO, 2002).
Vale ressaltar, porém, que o plano educacional contido na Ratio Studiorum,
destinou-se aos filhos dos colonos, excluindo-se os indígenas, motivo pelo qual os
colégios jesuítas tornaram-se o veículo de formação da elite colonial. O curso de
humanidades, pelo qual se iniciavam os estudos, continha as classes de retórica,
humanidades, gramática superior, média e inferior. Os indígenas só tinham acesso
aos cursos de ler e escrever, que não compunham o Ratio Studiorum e ainda assim,
apenas se estivessem nos aldeamentos criados pelos padres.
Na Amazônia, os filhos de alguns colonos estudavam tanto no Colégio Nossa
Senhora da Luz, em São Luís, quanto no de Santo Alexandre em Belém, onde
12 Regimento que levou Tomé de Souza, Governador do Brasil. Almerim, 17/12/1548. Lisboa, AHU, códice 112, fls. 1-9. Disponível em: <http://lemad.fflch.usp.br/sites/lemad.fflch.usp.br/files/2018-04/Regimento_que_levou_Tome_de_Souza_governador_do_Brasil.pdf>. Acesso em: 19 out. 2017.
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 45
aprendiam latim, teatro e cálculo, a fim de se tornarem os intelectuais da terra recém-
colonizada. No final do século XVII teve início as aulas de filosofia, escolástica,
teologia e moral13.
Além dessas matérias, aos filhos de colonos que os clérigos julgavam mais
capazes de aprender era ensinado também Lógica e Física como explicitado por
Bettendorff (1990, p. 570) ao se referir à Manuel Pereira, filho do colono Diogo Pereira,
como “moço bem criado e sujeito” com “boa compreensão e boa memória para tudo”.
Esses colégios, entretanto, não tinham capacidade para atender toda a
demanda de filhos de colonos, por este motivo, os padres selecionavam apenas
meninos, dentro os quais escolhiam os mais submissos, pois, consideravam tal
característica fundamental para garantir a aprendizagem e a possibilidade de carreira
eclesiástica.
Com isso, a maioria dos filhos dos colonos não tinha acesso à educação
escolarizada, embora essa já fosse demandada pelos moradores da época, para
quem, assim como ocorria na metrópole, os colégios eram “uma forma de adquirirem
um saber que lhes possibilitasse melhorar a sua condição social” (FERREIRA, 2014
p. 59). Entretanto, na Amazônia seiscentista esses estabelecimentos eram voltados
apenas para os meninos e atendiam uma parcela muito pequena da população sendo
as meninas, mesmo as filhas dos colonos, excluídas do colégio.
Aos curumins aldeados restava a catequese para a qual era necessário apenas
aprender a ler e escrever no intuito de favorecer o aprendizado da doutrina cristã. E
este aprendizado ocorria sempre com o envolvimento direto dos indiozinhos nos
serviços da igreja que era uma das estratégias dos inacianos para atraí-los. Os rituais
católicos despertavam certa curiosidade nas crianças e, por isso, o canto de missa,
de litania, de ladainha e procissões compunham sua rotina educativa
(CHAMBOULEYRON, 2015). As procissões ocorriam em diversos momentos como
jubileus, batismo e festas de padroeiros configurando-se como oportunidades para
que as crianças e os demais expectadores introjetassem os valores e nova formas de
vida disseminados pelos padres (DEL PRIORE, 2002). Ao tomar a dianteira na
procissão, os curumins cumpriam a função pedagógica de encantar seus pais e trazê-
los para o seio do catolicismo.
13 O primeiro curso de filosofia no Colégio de Santo Alexandre teve início no ano de 1695 e foi ministrado pelo próprio superior da missão, padre Bento de Oliveira, por faltar mestres (BETTENDORFF, 1990, p. 584).
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 46
Ao analisar o pensamento nascente sobre a infância no início da Modernidade,
Carlota Boto (2002) retoma o pensamento educacional dos jesuítas, de Comenius e
Rousseau. A despeito das diferenças nas metodologias propostas por estes três
pensamentos, eles têm em comum a visão da criança como responsável pela
mudança na sociedade futura. Todos acreditavam na possibilidade de moldar a
criança. Viam igualmente a supremacia do adulto sobre ela, explicada por Postman
(2012), essencialmente pela disseminação da leitura proporcionada pela imprensa. O
adulto, ao dominar as letras, se distanciava cada vez mais das crianças, demarcando-
se as diferenças entre os mundos pelas informações que o adulto detinha. A criança
deveria ser estimulada a buscar esse mundo e seu objetivo passaria a ser tornar-se
adulta.
Pode-se dizer que a criança do Brasil Colonial estava no meio de um conflito
surgido com a Renascença que confrontava a educação familiar (agora incapaz de formar o ser humano para a nova sociedade vigente) e a educação dos religiosos - detentores do projeto educativo capaz de moldar a criança para a sociedade que se
pretendia formar. Um outro indicador da relevância da criança no projeto educacional dos
jesuítas no Brasil Colonial foi a importação de meninos órfãos de Lisboa com o intuito de, através da interação deles com os meninos índios, favorecer o aprendizado da
língua e atingir os adultos das tribos, uma vez que, as relações cotidianas foram mediadas por uma língua de matriz indígena. Alguns desses meninos se integraram
à Companhia de Jesus tornando-se importantes intérpretes e mediadores entre europeus e indígenas (PRUDENTE, 2017).
O domínio da língua tinha função decisiva no projeto catequizador dos inacianos tanto que investiram em gramáticas de “língua geral”, como a elaborada
por José de Anchieta em 1550. Conforme sintetiza Prudente (2017, p. 31), “reduzir a língua indígena do plano oral para o escrito, enquadrando-a no modelo gramatical
latino era um primeiro passo para a redução das populações nativas aos aldeamentos e à vida cristã”. Desde 1583 todos os inacianos deveriam aprender a língua geral e
isso ocorria, geralmente, em estágios realizados nos aldeamentos (PRUDENTE, 2017). Nessa tarefa as crianças foram de suma importância conforme resume Pereira
(2007, p. 118):
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 47
A questão da língua teve nas crianças valor elevado. Os curumins forneceram subsídios para a catequese ao contribuir para o conhecimento da língua nativa. Agentes do processo educativo-evangelizador, as crianças revestiam a pedagogia jesuítica de ferramentas facilitadoras na comunicação e consequentemente, na conversão.
Ao chegar à Amazônia no século XVII, a Companhia de Jesus estava mais
estruturada e experiente. Talvez, por isso, percebe-se uma maior adaptação aos
costumes da terra. Perdura a estratégia dos aldeamentos, e percebe-se nos relatos
do Bettendorff (1990) e nas cartas de Vieira (2008), a continuação da utilização de
métodos que agradem aos nativos, como a música e as danças nos rituais católicos,
iniciados nas aldeias da Bahia e de São Paulo. Porém, nota-se um cuidado a mais
quando Vieira (2008) se encarrega de adaptar o catecismo para uma linguagem
acessível aos moradores da Amazônia.
Ao agrupar os curumins em seus aldeamentos, os religiosos buscavam retirar
a influência dos líderes das tribos, especialmente dos pajés. A concepção de criança
em voga, como tábula rasa ou papel em branco, levou os inacianos a acreditarem que
longe de suas tribos, ao receber a catequese, as crianças seriam convertidas em
novos cristãos e deixariam para trás todos os conhecimentos pregressos. Para os
religiosos, “a posse do curumim significava a conservação, tanto quanto possível, da
raça indígena sem a preservação de sua cultura” (FREYRE, 2006, p. 218).
Imbuídos de uma visão de criança como um ser capaz de carregar e transmitir
valores sociais, os jesuítas retiravam as crianças do convívio familiar e comunitário e
as isolavam em um sistema educativo afoito para usá-las na construção de uma nova
sociedade pautada pela cosmovisão cristã (BOTO, 2002). Sua maior satisfação era
quando os meninos passavam a renegar os costumes dos seus pais, os repreendendo
e os delatando aos padres (CHAMBOULEYRON, 2015).
Os relatos estudados por Pereira (2007) demonstram que as crianças preferiam
ficar com os padres, ao invés de ficarem com suas famílias e os jesuítas quinhentistas
destacavam que os próprios pais entregavam seus filhos aos padres confiando-lhes
toda a educação. Para Chambouleyron (2015), essa disposição dos índios poderia
ensejar o estabelecimento de alianças com os religiosos através das crianças que
beneficiasse de alguma forma as tribos.
É possível inferir que o sentimento de infância já se fazia presente no Brasil
Colonial embora os papéis sociais inerentes às crianças fossem diferentes entre os
jesuítas empenhados na formação de uma nova sociedade baseada na visão cristã e
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 48
os nativos, para quem as crianças eram as reprodutoras do seu próprio modo de vida
transmitindo-os às novas gerações.
As crianças, portanto, tiveram especial atenção dos missionários jesuítas que
acreditavam ser possível, por meio delas, perpetuar os valores morais da igreja. Além
disso, elas foram importantes interlocutoras na relação dos jesuítas com os nativos.
Contudo, na Amazônia, no início do século XVII, Abbeville (1874) narra casos
de crianças que fugiram dos aldeamentos no intuito de voltar para a mata. O autor
relata também que as mães Tupinambá resistiam em deixar seus filhos com os padres
temendo perdê-los demonstrando, assim, um forte apego ao seus rebentos e o sentido
de responsabilidade por eles. Nesse contexto, percebe-se, então, uma dinâmica
diferente em que a criança tinha um valor preponderante caracterizando as
especificidades da infância na Amazônia.
2.3 A criança na Amazônia Colonial
Ao registrar situações envolvendo meninos e meninas, os cronistas que
estiveram na Amazônia no século XVII nos permitiram entrever ou supor como era
sua visão sobre as crianças e como estas crianças viviam. Com isso, é possível
contar, ainda que de maneira parcial e incompleta, um pouco da história dessas
crianças e demonstrar sua relevância na produção social e cultural do seu tempo.
Desde a Idade Média já havia uma preocupação em se estabelecer as “idades
da vida” do ser humano e nesse período já é possível encontrar as nomenclaturas que
ainda hoje costumamos utilizar ao nos referirmos às várias fases da vida tais como
infância, puerilidade, juventude, adolescência, velhice e senilidade. A infância durava
até os sete anos, fase em que a criança não era capaz de falar adequadamente por
não ter seus dentes definitivos. Em seguida vinha a puerícia que durava até os
quatorze anos. Embora a criança já falasse, ainda era considerada inocente, por isso
essa fase seria uma espécie de transição para a adolescência quando o indivíduo já
seria maduro o suficiente para procriar. Com algumas variações de parâmetros –
alguns ligados aos signos dos zodíacos, outros aos quatro elementos da natureza, ou
ao número de planetas – esta forma de categorizar as idades da vida permaneceram
similares até o século XVI. Contudo, conforme o alerta de Ariès (1986, p. 38),“’é
preciso ter em mente que toda essa terminologia que hoje nos parece tão oca, traduzia
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 49
noções que na época eram científicas, e correspondia também a um sentimento
popular e comum da vida”.
Ao analisar o tema das idades da vida nas iconografias profanas, Ariès (1986)
identificou sobretudo nas imagens do século XIV ao XVIII a correspondência destas
idades a funções sociais bem delimitadas. Assim, a infância pode ser percebida em
dois momentos – a idade dos brinquedos (até os 7, ou 9 anos) e a idade da escola
(até os 15 anos). Depois deste período o individuo passaria para “as idades do amor
ou dos esportes da corte e da cavalaria: festas, passeios de rapazes e moças, cortes
de amor, as bodas ou a caçada do mês de maio dos calendários” (ARIÈS, 1986, p.
39).
O pensamento eclesiástico também teve um papel preponderante no que se
refere à determinação das fases da vida. Para a Igreja Católica, aos sete anos o
indivíduo alcançava a idade da razão, quando poderia ser responsabilizado por seus
próprios pecados. Até essa idade, os meninos ainda eram considerados inocentes,
por isso, aptos ao batismo mesmo sem as instruções do catecismo, bastando apenas
a manifestação do interesse em seguir o cristianismo. O batismo era considerado, a
garantia de ganhar o reino dos céus e na corte portuguesa cabia aos pais encaminhar
seus filhos ao batismo logo após o nascimento (FERREIRA, 2014).
O batismo dos inocentes é destacado em vários trechos da crônica de
Bettendorff (1990) demonstrando que sua preocupação era prioritariamente com a
alma das crianças. Um dos registros se refere aos Tabajara da Serra de Ibiapaba em
que, após serem instruídos, foram batizados “todos com suas mulheres e filhos”
(BETTENDORFF, 1990, p. 96). Nesta mesma localidade, segundo os relatos do Padre
Pedro Poderoso, não tinham obtido muito resultado no trabalho catequético com os
adultos, mas seu “consolo”, para usar a palavra do próprio autor, era ter batizado
setecentas crianças. O batismo, assim, representava a salvação das crianças e a
garantia de sucesso dos missionários.
Também o padre Francisco Velloso em missão junto aos Tupinambá aldeados
à margem do rio Tocantins, toma como primeira atitude “batizar todos os meninos” (p.
BETTENDORF, 1990, 110), pois a morte de uma criança sem esse sacramento
significava para os religiosos, a perda irrecuperável de um alma. O próprio Bettendorff
(1990, p. 161) narra em sua viagem para a missão dos Tapajós, que enquanto esteve
hospedado na aldeia de Gurupatiba tratou de doutrinar e batizar “quantidade de
inocentes” tendo principalmente o cuidado de verificar se “tinha ficado alguma criança
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 50
sem batismo”. Ao constatar que havia uma “rapazinho” moribundo sem o batismo, o
padre cuidou de batizá-lo mesmo naquele estado e considerou esta uma oportunidade
divina pois pouco depois o menino faleceu, mas, na concepção do padre, o mais
importante era que “se foi para o ceo gozar da vista do seu Creador” (BETTENDORFF,
1990, p. 161).
Na convivência com os Tupinambá na Amazônia, o capuchinho Yves D’Évreux
se surpreendeu com a nítida delimitação de fases da vida, presente entre estes povos,
marcadas, sobretudo, pela hierarquia respeitada em cada idade. O padre ressaltou o
respeito dos moços pelos mais velhos e destacou que “cada um faz o que a sua idade
permite sem cuidar daquele que se acha mais alto ou no mais baixo grau” (ÉVREUX,
2007, p. 73). Portanto, já se observava nesta sociedade uma função social
correspondente à idade do indivíduo, a qual estava presente desde a infância. Évreux
(2007) ressalta ainda, a diferença dessas crianças em relação à sociedade francesa
da época, onde na visão do religioso, as crianças eram insubordinadas “e apesar de
todos os belos ensinamentos dos mestres e pedagogos, observam-se ainda confusão
e grande presunção” (ÉVREUX, 2007, p. 73).
É certo que conforme pondera Montero (2006, p. 13) “a perspectiva indígena
aparece de maneira muito sutil, nas entrelinhas e sempre filtrada pela ótica dos
interesses de quem os documenta”. Por isso, é preciso questionar se, ao evidenciar a
obediência das crianças, Évreux não estaria condicionado pela ideia de formar uma
sociedade moldada pelos valores católicos que os padres vislumbraram ao encontrar
os índios Tupinambá. Um dos capítulos de sua crônica se intitula “As crianças do
Brasil darão cabo do reinado de Lucífer, e começarão a estabelecer o reinando de
Jesus Cristo” demonstrando que o capuchinho acreditava na potencialidade das
crianças como instrumento para o estabelecimento de uma sociedade genuinamente
cristã. O entusiasmo do clérigo com as possibilidades de formar uma nova
comunidade é claro em sua obra cuja tônica visava estimular os franceses a
ocuparem, definitivamente, a terra recém-colonizada. Porém, considerando que ele
viveu no Maranhão por dois anos, é factível que essa característica das crianças
Tupinambá – o respeito aos mais velhos – fosse de fato marcante naquele contexto a
ponto de chamar sua atenção.
De toda forma, os relatos de Claude D’Abbeville (1874) também revelam a
obediência das crianças como uma virtude adquirida na convivência com a família,
principalmente através da observação e imitação das atitudes dos pais, ou seja, pela
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 51
força do exemplo. O jesuíta Fernão Cardim já havia feito esta mesma observação
quando esteve em visitação à missão pela Bahia, Pernambuco, Espírito Santo, Rio de
Janeiro e São Paulo entre 1583 a 1590. Na Narrativa Epistolar referente a essa visita,
enviada ao Padre Provincial em Portugal, ele informa que entre os Tupinambá que
viviam na Bahia “nenhum gênero de castigo tem para os filhos; nem pai nem mãe que
em toda a vida castigue nem toque em filho, tanto os trazem nos olhos” (CARDIM,
1925, p. 310). A informação demonstra, que os pais mantinham controle sobre seus
filhos apenas pelo olhar e, ao mesmo tempo, pode indicar que, provavelmente, os
curumins ficavam o tempo todo sob a observação dos seus pais.
Entretanto, ao analisar os traços culturais das tribos indígenas do Nordeste
brasileiro, Freyre (2006) relata que os meninos eram cruelmente espancados nas
cerimônias de puberdade, demonstrando que, ainda que ritualmente, em alguns
momentos, os nativos se valiam da violência como forma de educar suas crianças.
Ele acrescenta que “espancar a pessoa até tirar-lhe sangue, ou sarjá-la com dente
agudo de animal” era um costume nativo que visava purificar o indivíduo e incidia com
maior rigor tanto nos meninos quanto nas meninas ao iniciarem-se na puberdade
(FREYRE, 2006, p. 208).
O padre Évreux (2007) observou que entre os Tupinambá havia uma forte
hierarquia determinada pela idade e função social correspondente à cada um. Ele
registrou a distinção entre elas atribuindo três graus ao que hoje chamamos de
infância. Essas idades podem ser assim sintetizadas:
Quadro 2 – Graus de idade das crianças Tupinambá
Graus de idade Meninas Meninos
Do nascimento até começar a andar Peitan
Dos primeiros passos até aos sete Kugnatin-miry Kununmy-mir
Dos 7 aos 15 anos Kugnatin Kunumy
Fonte: Elaborado pela autora
Conforme percebe-se no quadro, havia uma forte demarcação de gênero na
sociedade tupinambá já a partir da infância.
O primeiro grau de idade era denominado Peitan pelos nativos e abrangia as
crianças desde que nasciam até começarem a andar. Nessa fase, não havia diferença
de gênero e a criança era considerada um bebê, terminologia que não estava presente
na sociedade francesa da época. Segundo Ariès (1986), a palavra francesa para
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 52
designar “bebê”, surgiu no dicionário somente no século XIX. Antes disso, nos séculos
XVI e XVII esta mesma palavra se referia às crianças em idade escolar.
Provavelmente por isso, o tratamento dado pelos Tupinambá às crianças desta fase
tenha motivado o padre Évreux a registrar esta diferença e lhe conferir uma
nomeclatura específica.
A palavra Peitan significa “menino saído do ventre de sua mãe”. O padre revela
diferenças marcantes entre as formas em que o nativo da Amazônia Colonial se
relacionava com suas crianças em comparação com os seus contemporâneos
franceses. Uma delas era o fato de a própria mãe amamentar seus filhos. O padre
relata que nessa fase eles tinham
por único alimento o leite da mãe e grãos de milho assados, mastigados por ela até ficarem reduzidos a farinha, amassados com saliva em forma de caldo, e postos em sua boquinha como costumam fazer os pássaros com a sua prole isto é, passando de boca para boca (ÉVREUX, 2007, p. 74).
Na Europa, o costume de contratar amas-de-leite estava presente entre as
famílias mais abastadas desde meados do século XIV. Na França, no século XVII o
hábito já se encontrava disseminado também entre os burgueses e era comum que
tão logo a criança nascesse, seu pai buscasse uma outra mulher para amamentá-la.
As mães europeias consideravam pouco digno amamentarem elas mesmas seus
filhos, pois, além do gesto de expor o seio ser frequentemente considerado
despudorado, o leite era considerando precioso para a saúde da mãe e não deveria
ser desperdiçado (HEYWOOD, 2004).
Para Del Priore (2015) o hábito indígena realçado pelo capuchinho pode,
inclusive, ter influenciado as mulheres europeias que para cá vieram a também
amamentar seus filhos.
O banho das crianças pequenas, especialmente de rio, foi outra característica
peculiar dos costumes dos Tupinambá que chamou a atenção dos padres, visto que
para os europeus o resguardo da mãe e o agasalho do bebê, eram essenciais no
cuidado com as crianças pequenas (DEL PRIORE, 2015).
Por fim, a liberdade dos membros das crianças foi objeto de espanto, não só
para Évreux como também para o padre Abbeville, seu companheiro e
contemporâneo na missão no Estado do Maranhão. Na Europa, naquele momento,
era comum a utilização de faixas para prender o corpinho dos pequenos. De acordo
com Heywood (2004, p. 96),
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 53
Na França, na Alemanha e Inglaterra, as mães simplesmente passavam a faixa duas ou três vezes em torno do corpo. Em toda parte, os bebês eram amarrados com os braços presos próximos à lateral do corpo e as pernas estendidas juntas, com suporte adicional para manter a cabeça firme.
Contrastando com essa forma de tratar os recém-nascidos na Europa, os
padres revelaram que na Amazônia, as crianças nativas cresciam à vontade. O
menino recém-nascido não era
afagado, aquecido, bem nutrido, nem confiado aos cuidados de nenhuma ama, e sim apenas banhado em algum riacho ou nalguma vasilha com água, deitado em uma redezinha de algodão, com todos os seus membros em liberdade, nus inteiramente (ÉVREUX, 2007, p. 74).
Isso foi considerado positivo pelos padres capuchinhos pois os meninos eram
“bem feitos de corpo e seus membros proporcionais” (ABBEVILLE, 1874, p. 327).
Além disso, o padre demonstra acreditar que esse método propiciava saúde às
crianças devido ao grande número delas encontrado na região.
De acordo com Del Priore (2015), o médico holandês Guilherme Piso que viveu
em Recife na primeira metade de século XVII, também registrou a eficácia da
liberdade dada aos bebês silvícolas para o fortalecimento dos seus membros, em
detrimento dos hábitos portugueses de utilizar panos pesados para enfaixar as
crianças. Segundo (FERREIRA, 2002, p. 171) “esta prática era muito conveniente aos
adultos, porque fazia com que raramente se tivesse de atender às necessidades de
uma criança que estava completamente envolta e atada”. Somente a partir do século
XVIII, atendendo aos apelos de médicos e pedagogos é que os europeus deixaram
de enfaixar seus filhos em favor de um melhor desenvolvimento físico deles.
O tratamento dado à criança recém-nascida pelos Tupinambá também foi
considerado eficiente para conter a mortalidade infantil. Como observa Abbeville
(1874) a causa da mortalidade desses povos era principalmente as guerras. Os
Tupinambá eram povos guerreiros e, por isso, logo que nasciam, os meninos
recebiam flechas, tacapes, garras de onça ou aves de rapina, tudo para fortalecer a
identidade valente e corajosa necessária no ambiente em que viviam. Esses
presentes remetiam à sua futura função social no grupo.
As meninas, por sua vez, recebiam como oferta dentes de capivara que
estavam relacionados à sua futura função de mastigação no preparo do cauim –
bebida fermentada consumida pelos Tupinambá em várias ocasiões da vida social
(FERNANDES, 2016). Essa tarefa era exclusivamente feminina e, deste cedo, cabia
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 54
à elas o preparo do fermentado com seus próprios dentes que, portanto, precisavam
ser bons e fortes. O presente era um bom agouro para que a criança tivesse apta para
exercer essa atividade central à estrutura social dos Tupinambá, pois, sem a
fabricação de bebidas, uma série de rituais e decisões estariam comprometidos
(ALBUQUERQUE, 2012).
O segundo grau de idade dos Tupinambá, conforme Évreux (2007) tinha início
no momento em que a criança aprendia a andar, e durava até os sete, oito anos.
Nessa fase havia uma clara demarcação de gênero através da qual se atribuía
funções especificas para menina e meninos conforme seu papel social dentro do
grupo. Ambos residiam com as mães e mamavam até quando sentissem vontade
embora começassem desde cedo a ingerir comidas comuns aos adultos.
As meninas eram chamadas de Kugnatin-myri e imitavam as tarefas das mães
durante as brincadeiras, a fim de as assumirem quando chegassem à idade adulta.
Costumavam, por exemplo, amassar o barro com os quais fabricariam utensílios
importantes para os nativos como panelas, vasos entre outros.
Os meninos eram denominados de Kunumy-miry e nessa idade ganhavam
arcos e flechas e começavam a utilizá-los nas brincadeiras, enquanto treinavam sua
mira, aptidão necessária para o homem Tupinambá (CARDIM, 1925).
O apego das mães às essas crianças é notado por Évreux (2007, p. 74) ao
registar que “quando vão trabalhar nas roças elas as assentam nuazinhas na areia ou
na terra onde ficam caladinhas, ainda que o ardor do sol lhes queime o rosto ou o
corpo” (ÉVREUX, 2007, p. 74). Ele também ressalta ter visto mães ensandecidas
chorarem amargamente a perda dos seus filhos. Ao descrever os Tupinambá que
encontrou na Bahia, o padre Cardim ressaltou que eles “estimam mais fazerem bem
aos filhos do que a si próprios” (CARDIM, 1925, p. 170).
O cuidado com as crianças na Amazônia misturou superstições e crenças
indígenas e europeias. Havia um grande medo da perda dos filhos para os seres
transcendentes como as bruxas. No intuito de protegê-las dos maus agouros, logo
que nasciam, as mães Tupinambá colocavam algodão sobre as suas cabecinhas e
roçavam seus corpinhos com penas de pássaros e paus para que crescessem forte e
saudáveis. Elas pintavam os recém-nascidos de urucum ou jenipapo, perfuravam seus
lábios, narizes e orelhas nas quais enfiavam fusos, penas e batoques além de lhes
pendurar dentes de animais ao pescoço. Tudo isso para “desfigurar, mutilar a criança,
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com o fim de torná-la repulsiva aos espíritos maus; guardá-las do mau-olhado e das
más influências” (FREYRE, 2006, p. 202).
Além disso, Freyre (2006) narra que a mitologia indígena tinha um papel de
infringir medo nas crianças a fim de garantir sua sujeição às autoridades da tribo. A
obediência, então, não se daria apenas pela relação afetuosa com os pais mas
também pela crença de que o mal comportamento lhes causaria a visita indesejável
de monstros, assombrações e até mesmo do diabo. O medo, especialmente do
Jurupari, era inerente à vida cotidiana da criança indígena.
Era comum, também, entre as colonas que para cá vieram, o uso de
defumadores, plantas e relíquias a fim de afugentar bruxas e maus olhados que
pudessem afetar a saúde de suas crianças. Os choros repentinos, tremores e apatia
eram, primeiramente, associados à quebranto e/ou assédio de bruxas para o qual a
presença de uma rezadeira seria a única solução (ALVES e GUIMARAES, 2014).
Esse afeto e cuidado provavelmente ainda não era muito comum na França e
em Portugal, o que explicaria os relatos detalhados de Évreux (2007) e Cardim (1925).
O número elevado de mortalidade infantil nesses países, levava os pais a terem uma
postura austera frente à morte. A estratégia era ter muitos filhos na esperança de que
alguns vingassem. Nesse contexto, não convinha criar uma ligação muito forte com
os pequenos (POSTMAN, 2012). Além disso, o ascetismo cristão impunha o
pensamento de que se a vida era dom de Deus, a morte também o era.
No Brasil, a morte das criancinhas tomou um sentido místico com a presença
dos religiosos, pois estes a consideravam um alento e uma alegria visto que era como
se um anjo inocente estivesse retornando aos céus. Mas isso, somente se os
pequenos tivessem sido batizados. Assim, a morte dos infantes passou a ser cultuada
e até mesmo almejada (FREYRE, 2006). Já os indígenas continuavam temendo a
perda dos seus filhos, e demonstrando medo e tristeza frente a essa possibilidade
conforme evidenciado por Bettendorff (1990) ao relatar que uma mãe se recusou a
permitir o batismo de seu filho porque associou a prática com a morte das crianças.
Évreux (2007) destaca, porém, que o amor dos pais era mais direcionado aos
meninos do que às meninas, e na interpretação do padre, isso ocorria por serem os
meninos responsáveis pela manutenção do tronco familiar. A meu ver, o papel de
guerreiro e protetor reservado aos homens na sociedade Tupinambá seria uma melhor
explicação para essa atenção maior aos meninos.
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Contudo, esse cuidado já não estava mais tão presente no terceiro grau de
idade, chamado por Évreux (2007) de mocidade, que ia dos 8 aos 15 anos de idade.
Nessa fase, os meninos recebiam o nome de Kunumy e não ficavam mais em casa
com a mãe. Passavam a acompanhar o pai imitando todas as suas atividades.
Começavam a caçar, pescar, ou seja, a aprender a prover o sustento da família. As
meninas, que passavam a ser designadas como Kugnatin, também aprendiam nessa
faixa etária todos os deveres que uma mulher Tupinambá deveria exercer em sua
comunidade (ÉVREUX, 2007).
O capuchinho observa que “não se lhes manda fazer isto, porém eles o fazem
por instinto próprio, como dever da sua idade, e já feito também por todos os seus
antepassados” (ÉVREUX, 2007, p. 76). E isso se referia tanto aos meninos quanto às
meninas.
Os filhos dos principais das tribos dessa idade eram mais bem aparamentados
que os demais, e portavam enfeites nos braços e pulsos como forma de destacá-los.
Além disso, a morte de um filho de um dos chefes eram pranteada por toda a aldeia
sendo o costume das mulheres e meninas o lamentarem por uma noite inteira
(ABBEVILLE, 1874). Vê-se, então, que se tratavam de crianças com um status
diferente dentro do grupo.
Percebe-se, portanto, que na Amazônia no século XVII várias infâncias
coexistiam. Entre os Tupinambá as crianças eram consideradas importantes
transmissoras da sua cultura. Nota-se entre eles um sentimento claro de infância, pois
davam uma atenção particular a esta fase da vida marcada por rituais de passagem
e práticas educativas que visavam a transmissão do saber cultural acumulado. Nesses
momentos, os papéis sociais dos meninos e meninas eram bem definidos
demonstrando as transições entre cada faixa etária. O padre Abbeville (1874) assim
descreve um destes rituais de passagem:
Quando chegam seus filhos à idade de 4, 5 ou 6 anos, preparam um vinho ou festa a que chamam Cauim, e convidam parentes e amigos do menino, cujo beiço se quer furar e também todos os habitantes da aldeia e de suas circunvizinhanças. Depois de terem cauinado, e dançado por dos ou três dias, como costumam, apresentam o menino, dizem-lhe que vão furar-lhe o beiço inferior para que seja um dia guerreiro valente e forte, e assim animado o próprio menino com toda a coragem e presença de espírito oferece o beiço com alegria e satisfação, e pega nele o incumbido de tal processo, fura-o com a ponta de um chifrezinho, ou de algum osso e faz um grande buraco. Se chora o menino, o que poucas vezes sucede, ou se dá alguma demonstração de dor, dizem que nunca há de valer coisa alguma, que será covarde e fraco. Se pelo contrário tudo sofre com firmeza e constância, como de ordinário
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 57
acontece, tiram disto bom agouro e creem que sua vida será grande e ele guerreiro valente e corajoso” (ABBEVILLE, 1874, p. 313).
Pela leitura do excerto é possível perceber que o ritual da perfuração do lábio
inferior do menino Tupinambá era uma cerimônia importante, comemorada inclusive
com as beberagens. Tratava-se de um evento festivo que contava com a presença de
parentes e amigos e marcava o início de uma nova fase na vida da criança
configurando-se como instância de afirmação e transmissão de valores fundamentais
para a sociedade Tupinambá, como a coragem, por exemplo, garantindo a formação
de mais um guerreiro. A criança participava voluntariamente do ritual e uma vez
perfurado seu lábio, gozava de novo status no grupo social em que suas atividades
seriam direcionadas para seu futuro papel na tribo.
A criança da Amazônia seiscentista, aqui representada pela criança
Tupinambá, tinha um papel importante e delimitado em seu grupo social, e talvez por
isso, manteve forte vínculo com sua origem não absorvendo passivamente as
instruções impostas pelo catolicismo. Ancorada em Chartier (1991) é possível inferir
que as representações de religiosos e crianças pelas quais cada grupo dava sentido
ao seu próprio mundo, foram produzidas e reproduzidas nas relações contraditórias
estabelecidas entre eles.
Assim, as crianças foram, sobretudo, mediadoras culturais capazes de catalisar
as novas aprendizagens adquiridas nas práticas educativas em que estavam
envolvidas, dando-lhes um novo sentido em seu próprio contexto, conforme será
tratado no próximo capítulo.
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 58
3 PRÁTICAS EDUCATIVAS NA AMAZÔNIA COLONIAL
Neste capítulo, descrevo e analiso as práticas educativas, ou seja, as relações
em que havia circulação de saberes em que as crianças que viveram na Amazônia no
século XVII estavam imbricadas e não somente a ação pedagógica das ordens
religiosas propriamente ditas, embora não seja possível abandoná-las durante a
análise.
Trata-se de uma tentativa de decifrar estas relações sabendo que elas são
“produzidas pelas representações, contraditórias e em confronto, pelas quais os
indivíduos e os grupos dão sentido ao mundo que é o deles” (CHARTIER, 1991, p.
177). O significado das representações, muitas vezes impostas pelos religiosos, não
era assimilado pelas crianças tal qual os catequistas empreendiam. Isso demonstra
que suas experiências de vida ultrapassavam as representações dos adultos sobre a
própria infância. É necessário estudar a forma como estas crianças lidavam com tais
representações para, então, compreendê-las.
Este é sem dúvida um dos maiores limites deste estudo, pois só é possível
adentrar no universo social da infância amazônida do século XVII através da visão do
adulto. Entretanto, tal limite não pode ser um impeditivo para esta busca pois
as crianças participam das relações sociais, e este não é exclusivamente um processo psicológico mas social, cultural e histórico. As crianças buscam essa participação, apropriam-se de valores e comportamentos próprios de seu tempo e lugar, porque as relações sociais são parte integrantes de suas vidas, de seu desenvolvimento (KUHLMANN JR., 1998, p. 31).
Outro limite das fontes é sua visão etnocêntrica na qual o outro é descrito a
partir da cosmovisão do escritor e de sua origem religiosa que muitas vezes
estabelecia, inclusive, como tais registros deveriam ser feitos. Ao abordar um choque
cultural extremo como o ocorrido nas Américas nos séculos XVI e XVII, as próprias
fontes são produzidas a partir das reinterpretações dos escritores. Não se trata
apenas de traduzir uma linguagem mas sim de toda uma cultura e modo de vida
totalmente diferentes dos povos europeus, e em certa medida intraduzíveis. Isso não
impede, contudo, o esforço para compreender esse universo com os recursos
disponíveis e esta é a pretensão desse trabalho no que tange às práticas educativas
envolvendo as crianças.
Considerando que as fontes utilizadas estão separadas no tempo, optei por
organizar o texto de forma cronológica embora em alguns momentos seja possível o
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 59
diálogo entre elas. Assim, no primeiro item focalizo os excertos encontrados nas obras
de Claude D’Abbeville e Yves D’Évreux que registram suas impressões sobre os
Tupinambá nas imediações de São Luís no início do século XVII (1614-1615). No
segundo item abordo a inserção dos Jesuítas no Estado do Maranhão efetivada
somente em 1652. Para tanto, as cartas do Padre Vieira, o regulamento que ele deixou
registrado para o funcionamento das aldeias e alguns excertos da Crônica de
Bettendorff, escrita já no final do século XVII, foram essenciais. No último item exploro
os trechos encontrados na Crônica de Bettendorff, que abrange, vários momentos da
atuação jesuítica na Amazônia, desde a primeira tentativa de se estabelecer na região
em 1607. O autor se valeu também dos relatos do padre capuchinho Claude
D’Abbeville para compor sua crônica.
3.1 A educação das crianças Tupinambá
No início do século XVII o povo tupinambá residente no litoral norte do Brasil já
mantinha uma certa aliança com os franceses que estabeleceram feitorias na região
a fim de explorar os bens da terra obtidos nas negociações com esses índios. Em
1612 quando os franceses decidiram se instalar de vez, construíram um forte na
cidade de São Luís e trouxeram uma missão religiosa formada por padres
capuchinhos para cristianizar a terra aos moldes franceses.
Dois, dos quatro padres que vieram para o Maranhão, descreveram o que viram
e legaram ampla informação sobre os costumes daqueles povos. O padre Abbeville
ficou apenas quatro meses na região e, incumbido de relatar sua experiência,
escreveu um texto bastante detalhado com as características físicas do local,
nomeando todas as aldeias existentes, seus chefes e suas impressões enquanto ali
esteve. Sua visão é bem romântica e otimista pois via tais povos como joias a serem
lapidadas que iriam enriquecer o reino: “ó França será enfeitada com o riquíssimo
ornamento da glória, tecido com muitas pedra preciosas, e semeiado de tantas joias
de tão alto valor, quantas são as alma adqueridas para Jesus Cristo” (ABBEVILLE,
1874, p. XII). Apoiando o projeto de colonização, Abbeville (1874) tinha fé na
conversão dos gentios, o que significava o despojamento de alguns hábitos não
condizentes com os valores cristãos como a poligamia, a antropofagia, entre outros.
Sua narrativa é marcada pelo heroísmo da missão tida como salvadora e isso é
perceptível no frontispício da obra original ao demonstrar a veneração dos Tupinambá
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 60
à igreja católica, simbolizada por Nossa Senhora com o manto estendido a eles, seu
abandono aos rituais antropofágicos e conversão aos padres assim como a
submissão ao rei da França (SBRANA, 2014). Foi assim que sua obra veiculou em
1614, como uma propaganda da missão colonizadora.
O foco da narrativa de Abbeville está, mormente, na obra missionária, e no seu
relato ele destaca sua percepção do nativo e do papel da igreja na vida deles como
demonstra o excerto:
O que mais agradava no Ceo era a profunda humildade destas pobres almas vendo-se passar de pontos tão oppostos isto é, de lobos a cordeiros, de cruéis a christãos, de filhos e de instrumentos da raiva e da crueldade do Diabo á filhos de Deos, aborrecendo sua vida passada, e chorando a cegueira e a perda de seus antepassados (ABBEVILLE, 1874, 424).
Évreux, por sua vez, ficou dois anos na missão e escreveu o que supôs faltar
no relato do seu companheiro. Sua crônica focaliza principalmente o projeto
colonizador da França Equinocial, motivo pelo qual sua obra não foi publicada na
época pois com a união do futuro rei da França com a infanta espanhola, tal projeto
não fazia mais sentido. Ambos registraram informações importantes sobre a criança
Tupinambá e sua relação com seus pais. Tais informações fornecem subsídios para
compreender como ocorriam as práticas educativas entre essas crianças.
Uma das características desvelada nos relatos dos religiosos, que se distinguia
do tratamento observado entre pais e filhos europeus, foi a ternura parental. Esses
padres sublinharam a ausência de castigos e uma infância com grande liberdade. Os
mimos e a presença da criança em torno da mãe o tempo todo, foram objeto de
espanto visto que na realidade europeia isto não acontecia (ABBEVILLE, 1874).
Mary Del Priore (2015) acrescenta que estes mimos e cuidados às crianças
pequenas não se restringiam aos nativos, mas “estendiam-se aos negrinhos escravos
ou forros vistos por vários viajantes estrangeiros nos braços de suas senhoras ou
engatinhando em suas camarinhas” (DEL PRIORE, 2015, p. 96). Ela acrescenta
ainda, que os castigos físicos foram uma introdução dos jesuítas, momento em que é
possível perceber o conflito entre concepções diferentes de infância já que, para os
religiosos, “o apego à infância e à sua particularidade não se exprimia mais através
da distração e da brincadeira, mas através do interesse psicológico e da preocupação
moral” (ARIÈS, 1986, p. 151).
Enquanto para os viajantes e clérigos essa relação de ternura e liberdade com
as crianças significava lassidão e ausência de educação, Thomas (2014) defende que
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 61
tais observadores não perceberam que era assim que se educavam as crianças
Tupinambá.
Abbeville (1874) destacou, por exemplo, o menino Acaiuy Miry, filho de
Japyaçu, principal14 da aldeia de Juniparan. Ao registrar suas observações deste
indiozinho de 9, 10 anos de idade, o autor realça algumas características que também
se contrapõe à visão de infância europeia.
Inicialmente, o padre ressaltou a iniciativa da criança em se aproximar e intentar
estar junto deles o tempo todo. Vê-se aí um certo protagonismo, autonomia e
liberdade que esta criança detinha. Ao se juntar aos padres para aprender, o autor
observa que Acaiuy Miry “ficava silencioso e recatado sem interromper-nos para coisa
alguma, ou por leviandade, o que não é comum em meninos desta idade (tão
prudentes e civilizados fossem eles!)” (ABBEVILLE, 1874, p. 111). O silêncio e o
recato se sobressaíam como forma de aprendizagem provavelmente apropriadas ao
contexto da tribo. Somente a partir dos 15 anos os meninos poderiam conversar com
os mais velhos e ainda assim, na presença do principal só deviam escutar. A
oportunidade de se pronunciar em reuniões públicas se iniciava somente a partir dos
25 anos, já no quinto grau de idade chamado aua. E isso restrito apenas aos meninos
(ÉVREUX, 2007). Abbeville (1874) destacou que o Acaiuy Miry era “cordato e bem
ensinado”. Parece que a figura do padre, representava uma autoridade tal qual os
mais velhos representavam em sua tribo. Talvez por isso o religioso tenha atraído
tanta atenção da criança.
Pode-se desconfiar de que o “silêncio e recato” destacados pelo religioso,
seriam muito mais características almejadas por eles em uma nova sociedade ideal
que estaria se formando – A França Equinocial – do que efetivamente, características
das crianças Tupinambá. Porém, ao cotejar tais informações com as do padre jesuíta
Fernão de Cardim (1925), referindo-se aos Tupinambá da Bahia, percebe-se uma
certa semelhança, o que me permite supor que, mesmo havendo algum exagero da
parte de Abbeville, de fato, o silêncio era uma forma de aprendizagem presente entre
as crianças nativas do Maranhão. Era de forma silenciosa que crianças e
adolescentes observavam e imitavam os mais velhos e aprendiam os saberes que os
identificavam como nação; saberes esses fundamentais para que tais crianças
exercessem o papel social que lhes cabia no grupo.
14 Nome dado o chefe da tribo segundo Abbeville (1874), Évreux (2007) e Bettendorff (1990).
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 62
A liberdade da criança Tupinambá é demonstrada no relato de Abbeville (1874)
ao frisar que elas “crescem à vontade” (p. ABBEVILLE, 1874, p. 326) e suas mães lhe
“dão ampla liberdade para fazerem o que quiserem não os repreendendo nunca”
(ABBEVILLE, 1874, p. 327). A despeito dessa liberdade, o padre observou que as
crianças eram obedientes e não contrariavam os seus pais. O respeito à hierarquia é
evidenciado, não tendo o autor registrado nenhum momento de desavença entre pais
e filhos. Inclusive, ao mencionar o casamento, enfatiza que quando a filha era
prometida desde o nascimento para outra família, assim se cumpria, embora não
tivesse a obrigação de continuar casada a vida inteira, em caso de desentendimento
com o marido. Essa hierarquia tinha o seu ápice nos velhos da tribo que detinham o
conhecimento dos ritos e tradições tribais motivo pelo qual ganhavam a atenção e o
respeito dos mais jovens e das crianças. (FERNANDES, 1963).
Fernandes (1963) considera que a educação entre os Tupinambá se realizava
de maneira coletiva, pela sociedade como um todo, cabendo aos velhos distribuírem
seu conhecimento. Contrapondo-se a essa visão, Thomas (2014) defende o papel
preponderante da família, onde as funções sociais, fortemente delimitadas,
direcionavam o processo educativo. Para ele a educação das crianças e a formação
da identidade dos Tupinambá ocorria, mormente, no núcleo familiar pela sua
estruturação demarcada, sobretudo, nos ritos de passagem, em que os papéis de pais
e filhos eram bem definidos. Os principais saberes da tribo não estariam, portanto,
concentrados apenas nos velhos embora sua autoridade fosse perceptível. Mas,
provavelmente, essa se daria pela experiência acumulada, considerada valiosa. A
obrigação dos homens e mulheres de protegerem seus pais e ajudá-los em suas
plantações reforça a teoria de Thomas (2014), pois, aponta a família como núcleo
central da sociedade tupinambá. Entretanto, quer fosse na família ou na sociedade, a
educação das crianças se dava de forma coletiva. Nesse contexto as representações
coletivas construídas pelas crianças nas relações de aprendizagem lhes conferiam
uma identidade social, marcavam a existência do grupo e davam sentido ao seu
próprio mundo (CHARTIER, 1991).
Pelo relato de Abbeville (1874) nota-se que era observando, imitando e
repetindo que as crianças Tupinambá aprendiam. Acaiuy Miri exercitava seu tirocínio
transmitindo com satisfação aos seus companheiros o que aprendia com o padre.
Para obter sucesso nessa tarefa o menino desenvolveu, inclusive, técnicas empíricas
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 63
como riscar com um pau na terra o número de mandamentos bíblicos para facilitar a
memorização dos mesmos, demonstrando, com isso, astúcia e criatividade.
Numa cultura ágrafa como a dos povos amazônicos do século XVII, a memória
tinha um papel fundamental posto que os saberes eram transmitidos por meio dela.
Seu valor foi realçado pelo padre Yves D’Évreux ao descrever que as crianças “não
esqueciam nenhuma única palavra de que havíamos dito, mas recitavam o todo a
seus pais e mães tendo voltado para suas casas” (ÉVREUX, 2007, p. 311).
Em outro trecho, Évreux (2007) relata admirado, que viu os idosos narrarem as
histórias dos seus antepassados para os mais moços com bastante detalhe, momento
esse carregado de emoção. Tais registros revelam o papel da memória nos processos
educativos dos Tupinambá. Albuquerque (2012, p. 60) destaca o papel das
beberagens como importante indutores da memória demonstrando sua dimensão
educativa posto que “era por meio dela que a coletividade vivia seus mitos, valores e
ideais”.
Além da memória, a observação, imitação e repetição foram percebidas em
outras situações relatadas por Abbeville (1874) como na habilidade dos meninos em
pescar. É provável que tais meninos tenham aprendido essa função – que o autor
coloca como seu principal serviço – observando e imitando seus pais. Essa prática
durava “longas horas” (ABBEVILLE, 1874, p. 355), o que demonstra a aprendizagem
de valores como perseverança e paciência para a realização dessa atividade que
integrava o cotidiano das crianças.
No seu relato, o capuchinho revela a constante presença das crianças junto
aos adultos explicando que a mãe descansa
só três dias depois do parto, e depois carrega o menino, suspende-o ao pescoço por meio de um pedaço de pano de algodão, e vai para a roça trabalhar ou fazer outra coisa qualquer sem grande resguardo. Acontece algumas vezes trazerem além do menino suspenso ao pescoço, um no braço, outro pela mão, além de dois ou três maioresinhos, que saltam e brincam ao redor dela (ABBEVILLE, 1874, p. 327).
Percebe-se, então, que as crianças conviviam com os adultos deste cedo e
participavam inclusive de rituais importantes que marcavam o calendário do grupo
como as beberagens já mencionadas. Évreux (2007) ressaltou que essa convivência
se estendia para outras situações como na construção do forte de São Luís, por
exemplo, durante a qual “não trabalhavam somente os homens e sim também as
mulheres e meninos, aos quais eles davam pequenos cestos para carregar terra
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 64
conforme suas forças” (ÉVREUX, 2007, p. 20). Ambos os crônicas, reiteram que
nesses momentos a criança mantinha recato e silêncio, sugerindo que se tratavam de
oportunidades de aprendizagem, ocorridas, sobretudo, através da observação e
imitação. Portanto, as crianças aprendiam através dos modelos dos adultos.
Nesse processo, os principais da tribo tinham papel destacado, pois, seu estilo
de vida inspirava os mais jovens. A inserção deles no mundo do trabalho tupinambá
era obtida por meio da imitação do que faziam esses chefes, conforme o relato:
Os rapazes observam minhas ações e praticam o que eu faço; se eu ficasse deitado na rede a fumar o petun, eles não quereriam fazer outra coisa; quando me veem ir para o campo com o machado no ombro e a foice na mão, ou tecer rede, eles se envergonham de nada fazer. Jamais me senti tão recompensado (ÉVREUX, 2007, p. 63).
As crianças Tupinambá foram descritas como atentas e curiosas pelo
capuchinho. Ao utilizar imagens para ensinar a doutrina cristã aos meninos e às
meninas, Évreux (2007) se viu bem satisfeito pois, segundo ele, as crianças eram
insistentes em saber o significado de tais imagens e não os “deixavam de repouso”
(ÉVREUX, 2007, p. 309) enquanto não as compreendessem. Percebe-se novamente
a persistência para aprender.
O autor conta que, na presença dos homens, as moças (sete a quinze anos)
guardavam completo silêncio e mantinham maior diálogo com as moças da sua idade
Com isso percebe-se que a aprendizagem ocorria também nas trocas entre os pares.
Essa coletividade era recorrente entre as crianças pois o padre reitera que elas
sempre o procuravam “em bandos” (ÉVREUX, 2007, p. 310).
Nas relações educativas estabelecidas entre crianças e religiosos, havia uma
preocupação destes últimos em conquistar primeiro as crianças pois, em sua visão,
elas se disporiam a aprender. Nota-se, contudo, que nem sempre os padres tiveram
sucesso nessa empreitada posto que algumas crianças abandonavam o aldeamento
e retornavam para a mata quando chegavam à puberdade.
Durante o período que esteve na Missão do Maranhão, Évreux (2007) registrou
as conversas que realizou com alguns principais das etnias que a compunham. Uma
delas foi com Jacupen pai do já citado Acaiui-Miri15, ambos convertidos ao
cristianismo. O padre explica ao principal que através do seu filho ele poderia se
desenvolver na aprendizagem da doutrina cristã pois o menino saberia ensiná-la até
15 A grafia deste nome difere nos textos de Abbeville e Évreux embora seja claro que se trate da mesma pessoa.
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 65
mesmo melhor do que os religiosos visto que dominava a língua indígena. Porém
Jacupen responde-lhe de forma preocupada que
depois de cristão, logo no princípio [Acaiui-Miri] procedeu bem; já sabia ler um pouco no seu Cotiare, e escrever, estava sempre com o padre, e o seguia por toda a parte. Deixou depois tudo isso, entregou-se à liberdade, esqueceu o que havia aprendido, e foge para o mato quando o padre o procura; (ÉVREUX, 2007, p. 341).
De acordo com o excerto, o filho do principal demonstrou interesse e habilidade
para aprender a língua dos franceses e a doutrina cristã quando criança, todavia, ao
chegar à puberdade passou a evitar o padre e seu pai chega mesmo a supor que ele
esqueceu o que aprendeu. Com isso, é possível inferir que liberdade e autonomia
presentes nas práticas educativas das crianças Tupinambá, falavam mais alto quando
elas chegavam à puberdade. Possivelmente elas não esqueciam o que aprendiam
como supunha o pai pois, como evidenciado anteriormente, a memória tinha papel
fundamental em seu processo educativo. É provável que a falta de significado dos
conceitos cristãos para as crianças, as demovessem da vida cerceada nos
aldeamentos jesuítas. Além disso, ao fugir dos padres, as crianças demonstravam sua
identificação com o grupo ao qual pertenciam originalmente, fazendo valer sua
existência anterior.
Brandão (2002, p. 151) afirma que a educação é “uma unidade cultural
agenciada e responsável pela criação de tipos de pessoas e de identidades através
da aquisição motivada e sistemática de tipos de saberes, de valores, de
sensibilidades”. Depreende-se, assim, que se não houver motivação ou significado,
os saberes não serão apropriados e não haverá educação. É o que parece ter ocorrido
nesse início do século XVII na Amazônia. O conhecimento trazido pelos religiosos não
tinha significado suficiente para motivar as crianças, pelo menos quando elas
chegavam à puberdade.
Com isso, percebe-se que entre os nativos já havia uma educação baseada na
força da tradição, da ação e do exemplo (SAVIANI, 2013), a qual se chocou com a
proposta racional e essencialista inserida pelos jesuítas. O historiador Serge Gruzinski
(2003), ao analisar a relação dos colonizadores e nativos na colonização mexicana,
afirma que essa não se limitou apenas em destruição e resistência, mas propiciou
processos de transformação cultural dos envolvidos. Processo semelhante pode ser
observado nas relações dos religiosos com as crianças na catequização
implementada na Amazônia Colonial, principalmente a partir dos aldeamentos
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 66
indígenas onde educação imposta pelos jesuítas em contraposição à educação
existente entre os autóctones forjou uma mestiçagem cultural.
3.2 Da aldeia aos aldeamentos: novos espaços de aprendizagem
O desenvolvimento da ciência moderna é marcado pela ruptura com o
racionalismo teológico em que a razão estava subordinada à fé cristã (OLIVEIRA,
2016). Durante toda a Idade Média predominou a escolástica de São Tomás de
Aquino, para quem não havia contradição entre ciência e fé pois ambas vinham de
Deus. A intelectualidade, todavia, era concebida como criação divina e por isso
deveria estar sempre subordinada ao pensamento cristão. Na racionalidade moderna,
segundo Oliveira (2016), o ser humano passa a ser valorizado como ser racional e
pensante, capaz de sozinho compreender o mundo à sua volta sem necessitar da
intervenção divina. Esse novo pensamento, juntamente com a Reforma Protestante
iniciada em 1517, obrigou a Igreja Católica a reestruturar seu papel institucional. Para
isso, o Papa Paulo III iniciou em 1546, um concílio especial realizado na cidade de
Trento com o intuito de propor ações de combate à Reforma que ficaram conhecidas
como Contrarreforma católica. Nessa reunião, que durou até 1563, a Igreja Católica
estabeleceu as diretrizes evangelizadoras ao redor do mundo (com uma visão mais
ampla) prevendo a aplicação da fé nas diversas áreas da vida do ser humano.
É nesse contexto que nasce a Companhia de Jesus, fundada em 1534 por
Inácio de Loyola, ex-soldado espanhol que se converteu ao cristianismo. A nova
ordem foi aprovada em 1540 pelo Papa Paulo III com o objetivo de evangelizar os
povos espalhados pelas colônias portuguesas e espanholas (COSTA e ARENZ,
2014). Sua missão era garantir a continuidade e permanência do evangelismo católico
apostólico romano ao redor do mundo. Com as conquistas de novos territórios, a Igreja
Católica encontrou nas colônias recém-implantadas, um espaço para divulgar seus
valores e manter o racionalismo teológico que na Europa perdera espaço (COSTA,
2017).
Os inacianos tornaram-se o braço direito de Portugal e Espanha na colonização
da América (COSTA e ARENZ, 2014). De acordo com Costa (2017, p. 38) “Os jesuítas
intentavam, com essa mudança para a quarta parte do mundo, a formação de uma
nova sociedade, forjada a partir da junção das virtudes dos valores cristãos europeus
com a inocência dos habitantes do Novo Mundo”. Seu papel foi fundamental na
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 67
colonização dos novos povos, considerados como incivilizados, uma vez que,
utilizando da evangelização, os jesuítas buscavam transferir a cultura da metrópole
para eles.
Ratificada pelo Concílio de Trento como instrumento oficial de evangelização
da Igreja Católica, a Companhia de Jesus se lançou ao estudo das mais diversas
áreas do saber a fim de promover a salvação da alma e do corpo humano. Não
demorou muito para os padres da Companhia serem reconhecidos como excelentes
missionários e ganharem o apoio da Coroa Portuguesa para o exercício de suas
atividades no “Novo” Mundo (COSTA, 2017).
É importante lembrar que a “humanidade” dos índios só foi declarada em 1537
pelo Papa Paulo III, quando ele reconheceu que os indígenas eram dotados de alma.
Essa declaração fortaleceu o trabalho dos jesuítas que entenderam ser sua missão a
conversão dessas almas com base nos ensinamentos cristãos (ARENZ, 2012). Porém
na Amazônia, esta declaração causou desentendimentos entre jesuítas e colonos
uma vez que “os colonos viam os jesuítas como embaraço dos particulares interesses
no serviço dos índios” (COELHO, 2016, p. 117). Os conflitos aumentaram pois, para
colonos e autoridades a não humanidade dos índios respaldava sua escravização,
muito útil para eles.
O nativo que habitava a Amazônia no século XVII tinha muito valor para colonos
e missionários por sua força física utilizada para vários tipos de trabalho (como
mateiros, remeiros, trabalhos nas roças, plantio de tabaco, entre outros) e capacidade
de defesa da colônia contra os estrangeiros que também visavam as terras
amazônicas. Segundo Azevedo (1999), os índios detinham saberes importantes para
garantir a sobrevivência de todos que vinham para estas terras ainda pouco
exploradas. Para os missionários, porém, o valor do silvícola estava também na
possibilidade da expansão do cristianismo através da formação de um povo cristão
que pudesse perpetuar os valores morais da igreja. No século XVII, devido a
condições econômicas e geográficas, a escravidão negra era ainda muito incipiente
na Amazônia o que tornava o trabalho escravo dos indígenas essencial para os
interesses dos colonos.
O desempenho da Companhia de Jesus foi preponderante no combate a essa
escravidão. Segundo Coelho (2016, p. 123), “Vieira insistia que a grande riqueza do
Grão-Pará eram seus habitantes naturais, as milhares de almas espalhadas pela
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 68
floresta, numa posição politicamente confrontante com a lógica mercantil do Estado
português”.
Além dos jesuítas, outras ordens religiosas vieram para a Amazônia no século
XVII. Na expulsão dos franceses liderada por Francisco Caldeira Castelo Branco, em
1616 os capuchinhos deixaram a região e a propagação da fé católica no norte do
país passou, inicialmente, a ser missão dos Frades de Santo Antônio. Esses frades
colaboraram na guerra contra os franceses e logo que se instalaram em Belém
coordenaram os nativos em campanhas contra os holandeses e ingleses em favor dos
portugueses (REIS, 1993). Esses franciscanos foram os primeiros “pacificadores” dos
Tupinambá através de sua atuação catequética. Liderados pelo Frei Cristóvão de
Lisboa tiveram papel relevante nas denúncias contra a violência praticada pelos
colonos contra os povos autóctones (COELHO, 2012).
Em 1627, os Carmelitas Calçados que já mantinham casa em São Luís,
iniciaram a instalação de seu convento em Belém e a Ordem das Mercês se instalou
na região em 1640 (REIS, 1993). Essas ordens foram aliadas decisivas no processo
de conquista cultural da população nativa e foram importantes na educação das
crianças que viveram na Amazônia no século XVII, embora seu convívio não tenha
sido totalmente pacífico (CARDOZO, 2008).
A escolarização era restrita a poucos e à maioria restava a catequização, que
neste caso, se configurava como prática educativa, pois, ao cumprir esse papel, os
religiosos modificavam os hábitos nômades dos índios ajuntando-os em
agrupamentos onde exerciam a agricultura, aprendiam o português e ofícios
mecânicos a fim de incutir-lhes novas formas de sociabilidades. Silva (1976) destaca
que a Ordem dos Franciscanos da Província de Santo Antônio abriu escolas de cunho
profissional em todos os seus aldeamentos, e no convento que abriram em Belém
ofereciam aulas gratuitas para a crianças aprenderem a ler, escrever e contar.
Os carmelitas por sua vez, além de também manterem escolas de ler e
escrever em suas aldeias investiam no trabalho de “moralização” dos colonos e
ensinavam música aos índios (SILVA, 1976).
A ordem Jesuíta, entretanto, foi a mais ativa na Amazônia, assim como em todo
o Brasil, sendo a mais exitosa. De acordo com Colares (2002, p. 6)
A Companhia de Jesus foi a Ordem religiosa que maior importância teve na ação missionária inserida no processo de ocupação e de colonização lusitana. Apesar de existirem outras ordens religiosas na Amazônia no
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 69
período anterior à entrada dos Jesuítas, estes conseguem desenvolver um trabalho bem mais intenso e consistente.
Os inacianos eram os mais organizados, aptidão herdada de sua gênese militar
além de serem os que detinham melhores habilidades didáticas, por acreditarem na
doutrinação como forma de perpetuação dos valores morais da igreja.
Outro fator fundamental para o sucesso da missão jesuítica foi a facilidade de
se integrar na vida cotidiana da colônia como afirmam Claudino & Nelson Piletti (2013,
p. 71) “No ensino das primeiras letras, os jesuítas mostraram grande capacidade de
adaptação. Penetraram com igual facilidade na casa-grande dos senhores de
engenho, na senzala dos escravos e na aldeia indígena”.
A primeira missão da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão chegou à
cidade de São Luís em 1622. Liderados pelo padre Luiz Figueira iniciaram no mesmo
ano a construção do primeiro colégio – Nossa Senhora da Luz. Já em Belém os
jesuítas se estabeleceram somente em 1653, mais de 100 anos depois da chegada
da Companhia de Jesus no Brasil, sendo seus líderes os padres João de Souto Maior
e Gaspar Frutuoso. Esta chegada tardia foi precedida de uma tentativa frustrada em
1645, quando um naufrágio, ocorrido na baía do Marajó, dizimou todos os dezesseis
padres vindos para a missão evangelística sob o comando do Padre Luiz Figueira,
que também faleceu na viagem. Juntamente com os padres vieram mais duzentos
soldados. Porém, de acordo com o relato de Bettendorff (1990), os sobreviventes do
naufrágio foram mortos pelos índios Aruans.
Segundo Vieira (2008), a missão jesuítica no Maranhão não gozava de boa
fama e nem atraía os missionários. O morte trágica do Padre Luiz Figueira e de seus
companheiros provavelmente contribuiu para isso. O próprio Vieira, líder responsável
pela implantação dos trabalhos na região, em 1653, demonstrou em uma de suas
cartas mais apreço pela missão em Cabo Verde do que pela do Maranhão por ser
aquela “muito mais perto de Portugal, muito mais junta, muito mais disposta, e de
gente sem nenhuma comparação muito mais capaz e ainda muito mais numerosa”
(VIEIRA, 2008, p. 230).
A maior “capacidade”, atribuída aos moradores de Cabo Verde em detrimento
dos moradores do Maranhão por Vieira, se dava, quiçá, pelo fato da colonização
portuguesa já estar instalada naquela região desde o século XV sendo, inclusive, a
língua portuguesa já dominada pelos nativos. No Maranhão por sua vez, o trabalho
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 70
de colonização ainda estava se organizando tendo se efetivado há pouco mais de
trinta anos e a língua ainda era uma barreira.
A preocupação dos jesuítas com o ensino formal era patente pois, para Vieira
(2008, p. 237), faltava “cultura e doutrina” aos habitantes do Estado do Maranhão.
Assim, logo depois de sua chegada começaram as lições de retórica e filosofia aos
religiosos da Nossa Senhora das Mercês a fim de prepará-los para educar os
moradores. Na visão de Vieira, os jesuítas eram os mais capacitados para fazer esta
formação.
Ao chegar à Amazônia, os inacianos contavam com uma instrução própria de
trabalho – a Ratiom Studiorum, e uma metodologia específica para as terras
colonizadas - os aldeamentos. Por isso, ao se instalarem no Estado do Maranhão,
além de investirem na construção de colégios, como o Nossa Senhora da Luz em São
Luís, construíram também o colégio de Santo Alexandre em Belém (1653), e ao
mesmo tempo se espalharam por todo o Estado do Maranhão, a fim de criarem os
aldeamentos. Guzmán (2008, p. 108) considera tais espaços como
“homogeneizadores e centralizadores em que diferentes culturas, línguas,
cosmologias nativas serão amalgamadas e levadas a se submeterem à cultura, língua
e cosmologia cristãs”. Para Arenz (2016a) os aldeamentos foram espaços
fundamentais na formação da sociedade colonial na Amazônia seiscentista.
A pedagogia jesuítica era influenciada pela escolástica, enfatizando o uso da
razão, sintetizava a doutrina cristã com a teoria aristotélica (OLIVEIRA, 2016). Com
base na filosofia de Santo Tomás de Aquino, a escolástica se afastava do pensamento
de Platão e se aproximava de Aristóteles especialmente de sua metafísica.
Para Saviani (2013), ao firmar e se manter nessa concepção, os inacianos não
pretendiam fortalecer as ideias predominantes até então opositoras à nascente
concepção moderna de ciência. Porém, pretendiam se adaptar aos novos tempos
reformulando a escolástica com elementos próprios da época, que destacassem o
homem como ser ativo. Ao analisar as missões jesuíticas na Amazônia seiscentistas,
Santos (2010) utiliza o termo “neotomista” para identificar esta reformulação
considerada por ele como uma
compatibilização realizada pelos jesuítas entre a síntese tomasiana e o pensamento humanista renascentista, somado posteriormente aos aspectos da filosofia e da ciência modernas – e apresenta argumentos que reúnem à orientação teológica herdada da escolástica uma justificativa lógica e racional baseada na experiência (SANTOS, 2010, p. 17).
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 71
Percebe-se, então, que os jesuítas ao mesmo tempo em que não se
desvencilhavam do pensamento escolástico, se aproximavam do pensamento lógico
e racional, conforme sua experiência nas missões evangelísticas. Contudo, a
concepção vigente em sua prática pedagógica, de acordo com Saviani (2013),
caracteriza-se por uma visão essencialista de homem, isto é, o homem é concebido como constituído de uma essência universal e imutável. À educação cumpre moldar a existência particular e real de cada educando à essência universal e ideal que o define enquanto ser humano (SAVIANI, 2013, p. 58).
Esta visão foi responsável pelo uso frequente da disciplina como prática da
pedagogia jesuítica pois eles acreditavam que sem ela seria impossível moldar as
crianças indígenas ao ideal de homem cristão. Assim, a correção era intrínseca ao ato
educativo como apontado por Ariès (1986, p. 191):
A disciplina escolar teve origem na disciplina eclesiástica ou religiosa: ela era menos um instrumento de coerção do que de aperfeiçoamento moral e espiritual, e foi adotada por sua eficácia, porque era a condição necessária do trabalho em comum, mas também por seu valor intrínseco e de edificação e ascese. Os educadores se adaptariam a um sistema de vigilância permanente das crianças, de dia e de noite, ao menos em teoria.
Ao relatar o processo de evangelização implementado logo após sua chegada
na Missão do Maranhão, Vieira (2008) afirma que após encomendar o Terço do
Rosário conforme a cartilha dos jesuítas, dois meninos de melhores vozes começaram
a entoar seguidos por toda a igreja. Ele menciona, inclusive, que todos os estudantes
e meninos do colégio Nossa Senhora da Luz, em São Luís participavam dessa
cerimônia, o que provavelmente acontecia em outras ocasiões. Bettendorff (1990)
ressalta que nos domingos e dias de festa os estudantes do colégio saíam em
procissões cantando orações e ladainhas visitando os doentes e presos na cidade a
fim de estimular-lhes a misericórdia. Assim, percebe-se a relevância das crianças no
processo de evangelização da nova terra.
Para regular o funcionamento dos aldeamentos, Antônio Vieira estabeleceu
algumas normas quando foi nomeado visitador da Missão em 1658. Essas normas
converteram-se em um verdadeiro manual para os padres missionários no decorrer
de seus trabalhos, durante o século XVII. O texto ficou conhecido como A visita e
“Trata de inúmeras matérias, de diversificada índole, religiosa, espiritual, catequética,
escolar, social, econômica, sacramental, hospitalar, linguística e civil” (NEVES, 1983,
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 72
p. 32). Até mesmo a posição dos religiosos nos aldeamentos era definida pelo
regulamento de Vieira. Este não negava a convivência entre sagrado e profano nesses
ambientes e, por isso, os padres deveriam residir ao lado da igreja pois dali é que
emanaria o saber o e poder que deveria irradiar por todo o aldeamento. Assim,
separados do restante dos aldeados, os padres ficariam protegidos das possíveis
tentações e demarcava-se a dicotomia entre cristão e não cristão, ou os que sabiam
e os que não sabiam, de maneira hierárquica.
O novo espaço de aprendizagem em que as crianças nativas se encontravam
não era mais como suas antigas aldeias, porém um espaço em que o adulto religioso
se tornaria o dono do saber. A liberdade e a autonomia observada por D’Abbeville
(1874) décadas antes, seriam cerceadas por uma prática educativa diretiva, em que
o saber religioso se imporia como o mais importante.
A primazia desse saber é demonstrada na Visita através da definição dos
exercícios religiosos como primeira tarefa do dia. Somente após as orações e as
missas é que se iniciavam os trabalhos na roça, tarefa exclusiva dos índios, visto que
os religiosos não deviam se envolver em atividades seculares. Práticas devocionais
coletivas permeavam as atividades cotidianas, cabendo aos padres aproveitar todas
as oportunidades para ensinar os saberes religiosos católicos aos gentios aldeados.
Além do saber religioso, o saber musical especificamente, foi valorizado e
ensinado nos aldeamentos, assim como o ler e o escrever (aos que eram mais
hábeis). Entretanto todas as atividades realizadas nos aldeamentos como “Arte,
prática educacional e prática religiosa não estão de modo algum separados: pelo
contrário, seu ensino tinha por objetivo, o “benefício” dos ofícios divinos” (NEVES,
1983, p. 44).
No regulamento de Vieira, as crianças tinham um lugar destacado pois a
doutrina da tarde era voltada exclusivamente para elas. Nesse momento as crianças
deveriam participar de uma procissão em que davam a volta na praça da aldeia
cantando e rezando (VIEIRA, 2008). É provável que com esta atividade o inaciano
intentasse exemplificar para os pais o comportamento ideal do cristão e demonstrar o
quanto as crianças estavam comprometidas com a doutrina. Esta valorização do
trabalho com as crianças ratificava a visão jesuítica de que elas não eram meros
adultos em miniatura, mas sim uma espécie de pré-adulto a quem tudo poderia ser
ensinado e através de quem a sociedade poderia ser moldada.
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 73
Na análise do texto da Visita, Neves (1983) aponta o atendimento individual ao
aprendiz como uma característica peculiar na missão do Maranhão. Para o autor,
“Vieira opta por um trabalho mais lento e minucioso que não quer abandonar a
quantidade de conversos, mas ele ainda quer mais: a durabilidade da conversão e a
conversão real de todos os que estão em processo de aquisição da cultura cristã-
ocidental” (NEVES, 1983, p. 46). Para o jesuíta, era necessário ensinar de maneira
particular aos mais “rudes”.
No item 28 da Visita, Vieira demonstra preocupação com a adequada
comunicação com os índios pois seu interesse era garantir que todos pudessem se
converter. Assim, a regra dispunha que os padres deveriam criar um catecismo
resumido em tupi para utilizar com os índios aldeados. No caso de haverem índios de
outras línguas e não haver intérpretes, a recomendação era juntar os nativos “com os
da língua geral, ou de outra sabida para que ao menos os meninos aprendam com a
comunicação” (LEITE, 1943, p. 116). A catequese, neste caso, lançaria mão de outros
métodos como a observação da cruz, de imagens e dos ofícios religiosos. A
expectativa do padre era que com esse método, os meninos pudessem receber a fé
e consequentemente o batismo.
Essas práticas se configuram no que Chartier (1991, p. 183) chamou de
“matrizes construtoras do próprio mundo social”. Com a sua repetição no cotidiano, as
crianças iam aprendendo a valorizar, sobretudo, os saberes cristãos, os
ressignificando de acordo com suas próprias representações de mundo.
Assim, se no começo do século XVII, nas primeiras incursões religiosas feitas
pelos capuchinhos, a criança amazônida ainda era capaz de fugir e manter seu vínculo
com sua identidade anterior, a partir da segunda metade do século elas tendem a
reformular suas representações e sua própria identidade. É possível considerar que
essa mudança na forma de se ver o mundo e lhe dar o sentido, foi forjada no confronto
das representações de grupos e indivíduos nas práticas educativas nas quais esses
religiosos e crianças estavam envolvidos (CHARTIER, 1991).
Na carta ao Provincial do Brasil, Vieira detalha suas ações na Missão do
Maranhão a fim de salientar seus esforços para “melhorar a vida e costumes dos
habitantes da terra” (VIEIRA, 2008, p. 263). Dentre estas ações constava a doutrina
geral sob a qual deveriam ser realizadas as missas dominicais na Matriz de Nossa
Senhora da Luz em São Luís. Tais cerimônias sempre envolviam os estudantes do
colégio e uma procissão em direção à igreja, com o intuito de chamar a atenção dos
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 74
moradores e compelir a todos para comparecem à igreja onde o catecismo era
ensinado.
Para facilitar a aprendizagem, já que para Vieira (2008) a maior parte da
população era inculta, ele mesmo formulou um catecismo que “por muito breve e claro
estilo, estão dispostos os mistérios necessários à salvação” (VIEIRA, 2008, p. 266).
Segundo ele, este catecismo foi eficaz pois na terceira doutrina já haviam alguns
meninos que responderam a muitas de suas perguntas.
Sob a ótica de Vieira os trabalhos da missão inaciana no Estado do Maranhão
e Grão-Pará foram profícuos, pois há apenas três meses na região, já contavam com
70 estudantes no colégio Nossa Senhora da Luz. Esses alunos estavam sempre
presentes nas atividades religiosas realizadas e as faziam
com gosto e sujeição, que é cousa que nos admira naquela idade; e geralmente é tal a índole destes moços que cada dia nos confirmamos mais nas esperanças de havemos de ter deles alguns que, recebidos na Companhia, nos sirvam muito bem, e principalmente porque quase todos sabem a língua da terra (VIEIRA, 2008, p. 267).
Pelo excerto percebe-se que havia intenção dos Jesuítas de receber os
indiozinhos convertidos nos seus colégios, a fim de concluírem com êxito sua
doutrinação e mostrar ao Superior da Missão, o fruto do seu trabalho. Porém, ao
contrário do que esperava o Padre Vieira, isso não ocorreu. Conforme análise de
Chambouleyron, Arenz e Neves Neto (2011, p. 66) “Pelo que se pode entender das
cartas e relações dos jesuítas do Maranhão e Pará, durante o século XVII, as
atividades educativas não foram tão produtivas como em outros lugares, como, por
exemplo, o colégio da Bahia”.
A resistência dos indiozinhos em permanecer na fé cristã e/ou manter os
valores morais que lhes foram ensinados, fora registrada com tristeza pelo padre
Manoel da Nobrega em suas cartas, as quais demonstram que, ao contrário do que
os jesuítas acreditavam, as crianças indígenas já tinham inscritas em si, crenças e
valores e não eram o “papel em branco” que os padres supunham (DEL PRIORE,
1991). Tais crenças eram aprendidas no cotidiano na vida social da tribo.
Embora com uma concepção racionalista, os padres da Companhia de Jesus
que chegaram à Amazônia, tal qual havia sido feito nas missões do século XVI em
outras regiões do Brasil, adotaram em sua ação educativa, uma postura mais
empírica, pois assim puderam se aproximar de forma mais efetiva dos nativos e
alcançar os objetivos de cristianização e civilização destes. Na interação com as
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 75
crianças, os padres aprendiam a língua nativa e ensinavam a doutrina cristã. A música
era um importante instrumento de aproximação e conquista dos curumins e, portanto,
fazia parte da metodologia de trabalho.
A instalação de oficinas de arte nos colégios de São Luís e Belém assim como
nas fazendas e aldeamentos, foi outra estratégia bem-sucedida na atividade
pedagógica dos jesuítas na Amazônia. Os curumins que tinham habilidades recebiam
aulas de canto orfeônico e de instrumentos musicais e ofícios mecânicos (marcenaria,
olaria). Os mais hábeis poderiam ingressar nas turmas de latim, que equivalia ao curso
secundário (COSTA, 2017).
A relação entre jesuítas e colonizadores foi permeada por trocas culturais pois
na intenção de ganhar as almas dos nativos, e ao buscarem em seus métodos
evangelísticos se aproximar da cultura dos índios, os padres se expunham à inevitável
influência deles como explicitado por Santos (2010, p. 18):
A ação de Souto-Maior demonstra que a estratégia de conversão utilizada estava pautada pelo princípio da accomodatio presente no ‘modo de proceder’ jesuítico e, embora tal ‘flexibilidade’ fosse vista pelos membros da Ordem como uma poderosa ferramenta de auxílio para aproximar infiéis e pagãos ao catolicismo, ao adotarem a polêmica atitude de adaptar-se aos costumes dos outros povos para difundir a fé cristã, os jesuítas acabavam correndo o risco de ultrapassar os limites da concepção eurocêntrica e gerar resultados distintos aos desejados.
Nota-se que a estratégia adotada pelos inacianos teve o efeito de propiciar
novos hábitos não somente para os nativos, mas também para os próprios jesuítas. E
isso se repete na relação destes com as crianças conforme análise de Del Priore
(1991, p. 22) para quem “A pedagogia jesuítica, e a tentativa de transformar os
pequenos indígenas em crianças santificadas e exemplares, vai ajudar na elaboração
de uma cultura sincrética”.
Abbate (2016) em seu trabalho sobre cultura alimentar analisa as relações
entre índios, jesuítas e demais personagens envolvidos na vida cotidiana da Amazônia
colonial e também destaca a atuação dos inacianos como mediadores culturais
considerando que as missões jesuíticas tinham por característica a “desconstrução e
reconstrução dos códigos comunicativos” (ABBATE, 2016, p. 52). Para ele, ao revestir
nas danças dos curumins como elementos da catequese por exemplo, os jesuítas
criavam códigos de comunicação transculturais que marcaram a relação entre eles e
se estabeleceram como novas formas culturais. Portanto, não se tratava apenas de
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 76
uma imposição de uma cultura sobre a outra, mas de trocas culturais que modificaram
todos os agentes envolvidos.
3.3 Práticas educativas no relato de Bettendorff
A Crônica dos padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão foi
escrita pelo padre João Felipe Bettendorff no final da sua vida como missionário na
Amazônia. Nela, ele narra as ações dos jesuítas desde as primeiras tentativas de se
instalarem na região no século XVII. Seu relato mostra o modo de vida dos habitantes
locais e detalha situações que permitem adentrar no cotidiano da vida na Amazônia
daquele período. Por isso, sua obra se configura como uma das principais fontes para
o entendimento da realidade colonial amazônica, e tem sido utilizada por todos os
estudiosos da Amazônia Colonial. Vicente Salles em Nota Prévia à crônica de
Bettendorff (1990) afirma que sua obra
é um extenso relato das atividades dos missionários, contendo episódios comuns, triviais, revelações do dia-a-dia, variada e às vezes minuciosas, testemunhando fatos, relembrando acontecimentos, dos primórdios da colonização até 1698 (BETTENDORFF, 1990, s.n).
O historiador Karl Arenz, biógrafo do jesuíta, o considera um personagem
chave para o entendimento da formação da sociedade colonial, mormente, pela
consolidação da missão no Estado do Maranhão na Amazônia seiscentista. Para ele,
além de aspectos específicos (religiosos, econômicos, sócio-políticos, jurídicos, etnográficos, geográficos) a crônica apresenta uma visão geral da formação da sociedade colonial e aponta para as transformações ocorridas no mundo ameríndio no século XVII (ARENZ, 2010, p. 60).
Bettendorff nasceu em Luxemburgo em 1625 e veio para o Brasil a fim de
trabalhar nas missões do Estado do Maranhão em 1661, onde permaneceu até sua
morte em 1698, em Belém. Durante os trinta e sete anos de missão na região, o padre
transitou entre os vários aldeamentos existentes, sendo responsável pela fundação
do aldeamento do Tapajós que deu origem à cidade de Santarém. Exerceu diversas
funções na Companhia de Jesus chegando a ser superior da missão e reitor dos
colégios de Santo Alexandre (Belém) e Nossa Senhora da Luz (São Luís). Era
extremamente culto conforme pode se depreender do excerto:
Mesmo tendo nascido numa sociedade marcada por resquícios feudais e num século de constantes guerras e epidemias, o jovem João Felipe recebeu
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 77
uma educação humanista sólida. Durante os anos de sua formação, entre 1635 e 1659, ele percorreu uma faixa de terras na Europa ocidental onde as áreas de cultura latina e germânica se entrecruzam. Os deslocamentos nesta área explicam o fato de Bettendorff falar fluentemente seis línguas: alemão, francês, italiano, flamengo, espanhol e latim. (ARENZ, 2010, p. 27).
A proposta de escrever uma crônica da missão dos padres jesuítas no Estado
do Maranhão partiu do Padre Bento Oliveira, quando este era superior da missão.
Coube à Bettendorff a tarefa de escrevê-la por ser, segundo ele, o missionário mais
antigo com mais informações para relatar (BETTENDORFF, 1990).
Seu trabalho de escritor se iniciou em 1694, quando era reitor do colégio de
Santo Alexandre em Belém, e se estendeu até 1698 sendo interrompido com sua
morte. Para escrever seu texto, Bettendorff utilizou diversas fontes disponíveis como
cartas geográficas, escrituras de terras, documentos do colégio, crônicas e narrativas
como as escritas pelos jesuítas José da Costa e Christovão da Cunha, pelo
capuchinho Claude D’Abbeville, e pelo escritor Joao Laet,16 entre outros.
De Abbeville (1874), o jesuíta extraiu informações que o possibilitaram
descrever o Estado do Maranhão. Chama-lhe a atenção o número de aldeias e
moradores registrado pelo francês na região de São Luís, no início do século XVII: 27
aldeias com cerca de duzentos, trezentos ou seiscentos habitantes em cada uma. Em
1661, ano da sua chegada, Bettendorff encontra apenas duas ou três aldeias com
pouquíssimos índios, situação por ele atribuída à “crueldade e cobiça dos que
acabaram por guerras e trabalhos tanta gentilidade” (BETTENDORFF, 1990, p. 13).
Com isso, o jesuíta demonstra seu posicionamento contrário à escravização dos
índios suscitada pelos colonos, que causou constantes disputas com os religiosos
durante o século XVII. E ao mesmo tempo provoca a dúvida sobre o que realmente
teria acontecido com essas populações autóctones entre os anos de 1616 e 1661.
O cronista não registra o nome dos principais, como Abbeville fez em sua
crônica, mas somente o nome das aldeias, ressalvando sua dificuldade para entender
a grafia dos nomes indígenas registrados pelo francês uma vez que “os Francezes
não pronunciam e nem exprimem bem os nomes de outras línguas” (BETTENDORFF,
1990, p. 12). Para o cronista havia erros de impressão também, e ele se esforçou para
interpretar os nomes escritos conforme seu conhecimento posterior da região, como
por exemplo a aldeia registrada como Hirahendaba que ele supôs ser Iraendaba. Essa
16 LAET, Johannes de. Historia ou Annaes dos feitos da Companhia Privilegiada das Indias Occidentaes desde o seu começo até ao fim do anno de 1636. in: Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro. (Vol. XXX). Rio de janeiro: Officinas Graphicas da Bibliotheca Nacional, 1912.
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 78
mesma aldeia é chamada de Itandeaue na tradução da obra de Abbeville feita por
Cezar Augusto Marques em 1874, o que demonstra a dificuldade de interpretação e
grafia desses nomes.
Munido do texto do padre Christovão da Cunha17, Bettendorff pôde narrar a
expedição de Pedro Teixeira à Quito pelo rio Amazônia em 1637, e descrever a
geografia do local. Para o que não tinha registro ele contou com os relatos dos mais
antigos da missão e do que “viu com os próprios olhos”. Não obstante, ele mesmo
esclarece que na falta de maiores informações ou (incongruências) seguiu o que
achou “mais provável” já que não contava com nenhuma anotação própria sobre os
anos passados na missão. Entretanto, é importante ressaltar seu esforço para
escrever uma narrativa coerente com a realidade ao buscar várias fontes ouvindo
“todos os que bem o sabiam ou obraram aquilo de que se trata” (BETTENDORFF,
1990, p. 3).
De acordo com Arenz (2010), o manuscrito original da Crônica provavelmente
foi encontrado na Torre do Tombo, em Portugal, por Antônio Gonçalves Dias (entre
1855-1858) quando este esteve incumbido pelo governo maranhense de reunir
documentos que contassem a história do estado. Tão logo trouxe o documento ao
Brasil, Gonçalves Dias providenciou cópias do manuscrito, mas o original se perdeu
nesta tramitação.
Essa cópia se encontra no setor de obras raras da biblioteca da Universidade
de São Paulo (Coleção Yan Almeida Prado). A primeira publicação foi realizada em
1910 na Revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro e em 1990 a SECULT/PA
a reimprimiu (ARENZ, 2010). Esta foi a versão utilizada nesta pesquisa contendo
seiscentas e noventa e sete páginas e dividida em dez livros sem um rigor cronológico
pois o autor retoma em vários momentos acontecimentos de épocas anteriores. O
quadro a seguir resume os temas abordados em cada um desses livros:
17 Optei por utilizar a grafia portuguesa do nome espanhol “Cristóbal de Acuña”, conforme registrado na fonte pesquisada.
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 79
Quadro 3 – Descrição da crônica de Bettendorff (1990)
Livro Título Assunto 1 Da origem do nome, descobrimento
do Estado e capitania do Maranhão Descrição e história do Estado do Maranhão em que detalha as capitanias e missões existentes.
2 Do que obraram os Padres missionários em tempo do governo do primeiro governador do Estado, e do segundo em que fez a viagem para Quito, e do terceiro, em que os holandeses tomaram o Maranhão.
O autor faz uma descrição minuciosa da expedição patrocinada pelo rei Felipe II que intentava abrir caminhos mais rápidos até a colônia espanhola no Peru. Ele também relata o levante popular que expulsou os holandeses do Maranhão e destaca o papel de Antônio Vieira como responsável pela efetivação da missão no Estado em 1653 ao conquistar o governo temporal dos indígenas garantindo assim o seu aldeamento, condição decisiva para a catequese.
3 Do que os padres obraram desde o ano de 1655 até o ano da sua primeira expulsão, em 1661.
Focaliza as ações de Antônio Vieira e suas conquistas para o desenvolvimento da missão como a escrita do regulamento dos aldeamentos – A visita, bem como a luta contra a escravidão indígena. Bettendorff também detalha nesse livro a distribuição dos missionários pelas missões no Estado incluindo sua própria chegada na missão em 1661 e sua primeira experiência em terras amazônicas. Para escrever esses relatos é provável que ele tenha utilizado as cartas do próprio padre Vieira.
4 Levantamento do povo do Maranhão e Pará contra os padres da Companhia de Jesus, enquanto se institui a missão do rio das Amazonas com missionários e residências em Tapajós.
São detalhados sua experiência quando do primeiro levante contra os jesuítas em 1661, momento em que Bettendorff estava na missão do Tapajós e por isso acabou escapando da expulsão, por ter se escondido na mata.
5 Do que se obrou do ano de 1667 até o ano 1684
Narra o desenvolvimento da missão evidenciado a criação do bispado em 1680 e o comércio das drogas do sertão – cravo, cacau e as salinas dos padres. Ressalta também a promulgação da lei que proibia a escravização do índio em 1680 e os distribuía entre colonos e padres.
6 Das cousas que sucederam a missão em tempo do governo do Padre Pero Luiz Gonsalvi, Romano.
Relata sua experiência como reitor do Colégio Nossa Senhora da Luz em São Luís iniciado em 1674 e diversas situações vividas entre os padres da companhia e o governo do Estado do Maranhão demonstrando a inter-relação entre o governo temporal e o espiritual com o destaque para a nomeação do primeiro bispo do Estado, D. Gregório dos Anjos.
7 Do levantamento do povo do Maranhão, expulsão e restituição dos padres missionários da Companhia de Jesus.
Trata da Revolta de Beckman em que a disputa pela mão de obra do trabalho indígena ocasiona nova expulsão dos jesuítas do Estado do Maranhão em 1684. Bettendorff foi deportado inicialmente para o Estado do Brasil, e eleito representante da missão para tratar das questões em torno do governo temporal dos índios na corte em Lisboa de onde retornou em 1687. Suas negociações favoreceram a promulgação do Regimento das missões em 1688 que devolveu aos jesuítas os poderes legais no manejo do nativo.
8 Põe-se a missão em estado maior e sua última consistência.
Relata os detalhes da missão na retomada do governo temporal e espiritual dos índios como o zelo no cuidado com as igrejas e capelas. Também aborda
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 80
as vicissitudes enfrentadas nesse período como uma epidemia de varíola ocorrida em 1695 que vitimou a maioria das pessoas do colégio do Maranhão, das aldeias e engenhos dos inacianos. A epidemia iniciada em São Luís se estendeu por várias vilas incluindo algumas da capitania do Pará e cidade de Belém.
9 Relata-se a repartição das missões que se fez, por ordem de Sua Majestade entre os missionários das religiões e o que obrou superior novo, Bento de Oliveira, em tempo de seu governo.
Trata do conflito quanto às áreas de atuação das diversas ordens religiosas já estabelecidas na Amazônia no final do século XVII ficando a região do Cabo Norte (Macapá) a cargo dos Capuchos da Piedade.
10 Trata-se das cousas da missão acontecidas em tempo do superiorado do Padre José Ferreira.
Narra os conflitos entre o governador do Estado do Maranhão como o novo bispo no final do século XVII motivados pelas divergências sobre a jurisdição sobre as relações civis dos habitantes do Estado. A crônica se encerra sem o desfecho final da contenda.
Fonte: Elaborado pela autora
O texto do jesuíta, marcado pelo estilo barroco da época, atenta-se aos
detalhes e minúcias dos fatos e busca convencer o leitor pelo dramatismo das
imagens utilizadas e pela exuberância e grandiosidade das descrições narradas como
o relato sobre os rios da região amazônica, por exemplo. É perceptível o caráter
edificante estabelecido por Ignácio de Loyola no Exercícios espirituais18 que visava
sobretudo “manifestar a presença divina, estimular a fé do próximo e infundir a
piedade” (LONDOÑO 2002, p. 12). Bettendorff (1990) utiliza uma linguagem simples
incluindo vários vocábulos tupis.
Entretanto, não faltam à Crônica elementos da subjetividade do escritor cujo
tom é algumas vezes desanimador pelos rumos que a missão tomara naquela região
e pelas dificuldades enfrentadas, marcadas por duas expulsões num período de pouco
mais de vinte anos. De qualquer forma, os “meninos” e “meninas” aparecem em vários
momentos na narrativa fornecendo informações significativas para o entendimento da
vida das crianças na Amazônia no século XVII. Tais relatos permitem refletir sobre as
práticas educativas vivenciados no início da ocupação da região pelos portugueses.
Ao relatar a visita do padre Vieira na missão da serra do Ibiapaba, Bettendorff
(1990) evidencia a realização de danças pelos meninos os quais, juntamente com os
padres e os principais da aldeia, iam receber o clérigo. O relato demonstra ser essa
prática recorrente entre as crianças parecendo ser a dança um saber dominado por
18 LOYOLA, Santo Ignacio de. Exercícios espirituais. 3. ed. Braga, Pt: Livraria A. I. Braga, 1999. Disponível em: <http://www.raggionline.com/saggi/scritti/pt/exercicios.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2018.
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 81
elas e, provavelmente por isso. as “festas e bailes” se tornaram parte do programa
educativo dos inacianos (BETTENDORFF, 199, p. 146).
A recepção calorosa dos meninos a um religioso, sempre cercada de música e
dança, aparece em outros trecho da crônica: “Aí estivemos esperando as águas vivas,
e com elas fomos até a aldeia dos Tupinambá, onde assistia o Padre Francisco
Velloso, que nos recebeu com muitas danças de meninos, que nos vieram
acompanhar para a igreja, e depois para casa” (BETTENDORFF, 1990, p. 155).
Nessas práticas, os saberes culturais nativos eram circulados e ressignificados pelos
jesuítas que as permitiam como forma de glorificar a Deus. Foi uma forma de integrar
os povos nativos ao culto católico (DEL PRIORE, 2002).
As atividades doutrinárias eram práticas que envolviam as crianças e também
seus conhecimentos musicais. Isso se estendia às demais ordens, como no caso dos
Carmelitas que chegaram a organizar orquestras com instrumentos confeccionados
pelos próprios índios que se apresentaram, inclusive, para o governador Mendonça
Furtado no século XVIII (REIS, 1993). As festas religiosas misturavam os estilos e os
corpos de nativos e religiosos criando, na mediação cultural entre sagrado e profano,
novos códigos de comunicação. Nesse processo, as crianças se destacavam como
importantes mediadoras pois criavam sentidos para os códigos aprendidos dentro do
seu universo cultural agindo como facilitadoras da comunicação entre mundos
culturais distintos (MONTERO, 2006).
A repetição era a forma precípua de inculcar a doutrina religiosa nos meninos.
Aplicando o previsto na Visita de Vieira, ao fazer suas inspeções, o Padre Gonçalves
mantinha a rotina de ensinar o catecismo à tarde para as crianças e realizava a
procissão pela aldeia com os meninos cantando a doutrina e os adultos a repetindo
(BETTENDORFF, 1990, p. 131). Como descrito por Bettendorff (1990, p. 131), a
doutrina era acompanhada de atividades práticas: “ao fim da doutrina, saía com todo
o auditório a encomendar as almas pela aldeia, entoando os meninos em voz alta a
doutrina cristã com a cruz alçada, e respondendo todos, assim índios como índias,
uniformemente a tudo”. Pelo texto do jesuíta, é possível inferir que a aprendizagem
das crianças nativas acontecia, sobretudo, na relação social e familiar.
Os curumins participavam dos rituais sociais importantes como as beberagens
na qual se via “uma fileira grande de homens e mulheres com seus filhinhos ao colo
ou pelas mãos” (BETTENDORFF, 1990, p.170). Esses rituais eram marcados pelo
consumo de bebidas embriagantes e, como demonstrado por Albuquerque (2012), se
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constituíam em importantes instâncias de socialização em que saberes e valores
circulavam, tratando-se por isso de uma prática educativa. As populações autóctones
não separavam as crianças e nem as excluíam desses momentos. Com a participação
delas garantiam a continuidade de seus costumes e de sua cultura, tendo nas
beberagens um momento privilegiado para isso. É preciso destacar porém, que as
crianças não ingeriam a bebida, sendo esse costume iniciado apenas nas cerimônias
de casamento, quando o jovem era desafiado pela primeira vez a beber uma cuia
inteira do cauim, momento em que afirmava sua coragem e valentia, valores
fundamentais para a sociedade tupinambá.
Percebe-se, então, que para os indígenas a criança era um ser aprendente,
capaz de reproduzir uma prática que lhe fosse ensinada. Porém, enquanto os
religiosos desenhavam um método diretivo, sem o qual eles consideravam impossível
a aprendizagem, os índios ensinavam através do exemplo e das atividades cotidianas.
De fato, tais crianças não eram o “papel em branco” que os religiosos acreditavam
que fossem, pois já traziam consigo os saberes que lhes eram importantes,
aprendidos no convívio cotidiano.
A estratégia dos padres jesuítas era de se integrar ao cotidiano dos índios e
utilizar seus próprios saberes na introdução da doutrina cristã. Um exemplo desta
atuação é a festa do Sairé em Santarém a qual, conforme Dias (2014), é fruto da
introdução dos elementos católicos aos rituais dos índios que viviam no aldeamento
do Tapajós num claro exemplo de circularidade cultural.
No balanço dos seus trinta e sete anos na Missão, Bettendorff se mostra
desapontado com os resultados obtidos e afirma que não viu melhoria alguma nas
vidas considerando “os filhos piores que os pais e os netos piores que seus avós”. Ele
acrescenta, ainda, que embora os primeiros colonos da Amazônia fossem “homens
sinceros e modestos” os seus descendentes eram tão diferentes que não pareciam
filhos de quem eram (BETTENDORFF, 1990, p. 268). Tal registro permite entrever
que as mudanças sociais advindas do contato colonizador-índio-religiosos não se
seguiram no rumo idealizado pelo religioso ao ressaltar no mesmo texto que “anda
solto o inferno”, expressando que o comportamento encontrado nos nativos estava
muito aquém do esperado. Isso demonstra que os valores incutidos nas crianças pelos
pais índios reverberavam em suas mentes mesmo após a insistência dos religiosos.
Nas palavras de Del Priore (1991, p. 24) “Malgrado o relevante esforço dos inacianos,
a cultura indígena já havia impregnado nas crianças com uma força de crenças e
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valores que as procissões, autos e capela de flores não conseguiam apagar de todo”.
Na mesma direção, segundo a interpretação de Sbrana (2014) as tradições culturais
dos Tupinambá já estavam enraizadas quando do contato com os europeus visto que
eles se encontravam nas terras brasileiras há séculos.
Não é possível negar, contudo, que o contato dos padres com as crianças
produziram mudanças significativas nelas pois, mesmo abandonando o aldeamento,
“não comiam mais carne humana e saíam capazes para receber a graça e procurar a
sua salvação. Além dos mais, antigos estudantes das escolas jesuíticas auxiliavam os
padres e muitos davam-se a ofícios” (CHAMBOULEYRON, 2015, p. 69).
Ao esmiuçar as práticas educativas em que as crianças estavam envolvidas na
Amazônia colonial, é possível compreender como elas aprendiam e o
entrecruzamento das distintas culturas envolvidas. Nessas práticas sobressaíram
saberes que circularam entre nativos e colonos amalgamando e transformando as
relações entre eles como será evidenciado a seguir.
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4. SABERES DO COTIDIANO NA AMAZÔNIA COLONIAL
O escopo deste capítulo é mapear os saberes presentes nas práticas
educativas cotidianas envolvendo as crianças da Amazônia do século XVII, uma vez
que elas tinham liberdade de experimentar as coisas e nessas experiências
aprendiam e transmitiam os conhecimentos necessários para desenvolver seu papel
social.
O processo de transmissão de saberes de geração a geração é entendido,
nessa pesquisa, como educação. É através dela que o homem se humaniza, se
constrói e se concretiza, se constituindo pela sua especificidade histórica, como
membro de uma sociedade e de uma cultura e, ao mesmo tempo, pela sua
singularidade. Por isso, a educação é também um movimento de contradições que
acontece pela humanização, pela socialização e pela subjetivação (CHARLOT, 2013).
Nesse movimento, Bondia (2002, p. 27) aponta os saberes da experiência do
indivíduo, como elaborações que dão sentido à vivência do sujeito ao revelar o
“homem concreto e singular”. Através dos saberes vivenciados e experimentados, os
sujeitos constroem sua identificação com o grupo social ao qual pertencem e elaboram
seu pensamento organizando o conhecimento com base em suas experiências. Isso
não significa que os saberes da experiência, ou do cotidiano, sejam simples ou de
fácil absorção, pois resultam da “incorporação de atitudes que apenas a regularidade
e a disciplina pessoal permitem possuir” (BRANDÃO, 2002, p. 166).
Os saberes do cotidiano podem ser considerados como mecanismos que
contribuem para a interpretação de uma sociedade e ao mesmo tempo, se configuram
como elementos constitutivos da identidade de seus membros. Para Martinic (1994,
p. 73) isso ocorre porque os saberes incluem “um conjunto de objetivações, certezas
e parâmetros que permitem ao sujeito compreender sua experiência e, ainda mais,
fazê-la inteligível aos demais”. Com isso, os saberes culturais se tornam
compartilhados e reconhecidos no grupo.
Na concepção de Albuquerque e Sousa (2016. p. 239) estes saberes “são
construídos nas práticas sociais cotidianas dos sujeitos, em suas experiências
religiosas, festivas ou no trabalho” e contemplam uma “uma dimensão abstrata e
sistemática”, ou seja, têm uma lógica própria que exige esforço de aprendizagem. Ao
analisar os saberes circulados na Amazônia Colonial, percebe-se que embora
estivessem ligados a aspectos considerados utilitários, eles também eram
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transmitidos nas práticas educativas cotidianas e nos rituais, exigindo algumas
capacidades como imitação, observação, repetição nas quais incidiam regras e
princípios com intenção pedagógica.
Os rituais podem ser considerados como momentos peculiares de transmissão
de saberes. Nessas cerimônias as crianças adquiriam conhecimentos que
demarcavam sua identidade no grupo social, como a coragem aprendida no rito de
perfuração dos lábios dos meninos Tupinambá, por exemplo. O significado simbólico
produzido nessas práticas era uma das formas das crianças se relacionarem com seu
mundo social (CHARTIER, 1991).
Ancorada em Brandão (2002), é possível inferir que na reprodução desses
saberes a criança se tornava capaz de participar das atividades coletivas do grupo e
assim se sentir parte dele.
A transmissão de saberes também contou com a memória. Para Évreux (2007)
a ausência da escrita não comprometia em nada a aprendizagem dos saberes
culturais dos Tupinambá pois os conhecimentos repassados oralmente pelos pais
eram memorizados pelos filhos que “lembram-se sempre do que viram e ouviram”
(ÉVREUX, 2007, p. 68). O cronista relata que era comum ver os mais velhos contando
aos mais moços suas experiências e o que sabiam. Nesses momentos os mais velhos
relatavam quem foram seus antepassados, suas realizações, detalhando “palavra por
palavra” e contavam com a participação de muitas pessoas que se reuniam para ouvi-
los incluindo as crianças, que guardavam tudo na memória.
A construção da identidade cultural permeada por saberes, deve ser vista como
uma relação de forças entre as representações “impostas pelos que detêm o poder
de classificar e de nomear e a definição, de aceitação ou de resistência, que cada
comunidade produz de si mesma” (Chartier, 1990, p. 183). Por isso, a análise das
relações estabelecidas no contexto estudado é primordial visto que, no que se refere
à Amazônia Colonial, há um diversidade de forças e interesses interagindo ao mesmo
tempo.
No século XVII “As relações das populações indígenas com a floresta e com o
rio, com a coleta e com a pesca, conformavam o sistema de sustentação dos grupos
tribais da Amazônia” (COELHO, 2016, p. 127). Nesse sistema se concentravam
conhecimentos próprios desse grupo, forjados no seu cotidiano e que mediavam
essas relações.
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 86
Um vez que o índio dominava os saberes necessários à vida na Amazônia,
para o europeu se tornou imperativo se relacionar com ele a fim de sobreviver nesse
ambiente. Diferentemente do que ocorreu em outras regiões do Brasil, no norte, os
índios não puderam ser simplesmente eliminados. Sem condições para o plantio de
cana-de-açúcar que movia a economia no Estado do Brasil capitaneado por Salvador
e Recife, no Estado do Maranhão e Grão-Pará a retirada das chamadas drogas do
sertão foi, de início, a principal atividade econômica para a qual o trabalho do índio se
tornou fundamental. Nesse sentido, Coelho (2012) resume a relevância das
populações autóctones esclarecendo que
A resposta à domesticação da Amazônia residia no saber do índio, saber cuja apropriação pelo conquistador exigia mediação linguística e sínteses culturais, ou seja estratégias construídas pelo sujeito da colonização para se revelar ao indígena e obter ganhos decorrentes dessa revelação (COELHO, 2012, p. 36).
Para usar o conhecimento do índio e/ou aprender com ele, a relação dos
religiosos com as crianças amazônidas do século XVII, estabelecidas principalmente
nos aldeamentos jesuítas, tiveram papel fundamental. Certamente muitos saberes
circularam nessa relação, mas nessa pesquisa focalizei aqueles que se sobressaíram
a partir das fontes selecionadas e que permearam o cotidiano dessas crianças.
Os saberes linguísticos, musicais, as danças e os saberes lúdicos e práticos se
configuraram como códigos culturais privilegiados ao serem transmutados em uma
linguagem que permitiu a comunicação e a mediação cultural entre grupos sociais tão
distintos. Através desses códigos partilhados foi possível entrever “a pluralidade das
clivagens que atravessam uma sociedade” (CHARTIER, 1991, p. 177).
Tais saberes dialogam entre si, mas, para uma apresentação didática optei por
discorrer sobre eles separadamente, ciente de que eles estão sempre imbricados.
4.1 Saberes linguísticos
A comunicação com os autóctones das terras amazônicas foi um dos pontos
cruciais na investida de evangelização católica. Para cumprir a missão de cristianizar
a nova terra, era fundamental que os religiosos conseguissem transmitir aos
autóctones, os valores do cristianismo, e para isso se fazia necessário o
desenvolvimento de códigos linguísticos capazes de traduzirem esses valores para os
povos aqui encontrados.
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 87
Aprender a língua do autóctone era primordial para os jesuítas exercerem sua
função evangelizadora conforme o direcionamento da Companhia de Jesus, pois de
acordo com princípio do accomodatio, “os missionários deveriam adaptar-se às
sociedades indígenas nos locais de missão ao ponto de poderem, por meio do
conhecimento da lógica de organização social e das práticas culturais, pregar-lhes a
mensagem cristã” (PRUDENTE, 2017, p. 30). Esse princípio derivava dos Exercícios
Espirituais estabelecidos por Inácio de Loyola, em que uma nova espiritualidade
conduziria o missionário a renunciar até mesmo sua própria língua para aprender e
usar uma nova, com a qual pudesse pregar o Evangelho e arrebanhar mais almas
para o reino divino (AGNOLIN, 2006).
A aprendizagem da língua do novo mundo ocorreu, inicialmente, por imersão
dos padres no convívio cotidiano com os nativos. Desde a chegada dos Jesuítas no
Brasil em 1549, crianças portuguesas foram utilizadas nessa tarefa pois acreditava-
se que elas teriam maior habilidade de aprender os mistérios da língua falada pelos
indígenas. Por isso, foram trazidos meninos órfãos de Portugal para os aldeamentos
brasileiros a fim de aprenderem a língua e se tornarem tradutores, os chamados
línguas. Esses meninos interagiam com os curumins e com eles aprendiam os
sentidos das palavras nativas e as explicavam aos religiosos. Seu papel foi
extremamente importante na elucidação de termos e na escolha das palavras
indígenas que poderiam representar melhor, os sentidos religiosos que os padres
queriam repassar aos nativos.
Para além desse papel, nessa interação entre meninos portugueses e
curumins, estes últimos também aprendiam os termos portugueses e nessa relação
se fundou a língua que viria a ser falada por quase três séculos no Brasil Colonial – a
língua geral. Entretanto, para levar adiante seu projeto missionário era fundamental
que os religiosos contassem com alguma sistematização dessa língua, até então
somente falada, para criar parâmetros mínimos de difusão do evangelho.
Ao se estabelecerem na Amazônia no início do século XVII, os jesuítas já
haviam acumulado experiências com nativos de outras regiões brasileiras, e
focalizado no estudo da língua no intuito de dominar seus códigos. Contavam,
inclusive, com uma gramática escrita pelo padre Anchieta, resultado dos seus
esforços juntos aos Tupinambá em terras paulista e capixaba, que visava estabelecer
“uma padronização da língua indígena a ser usada na catequese dos índios na
América portuguesa” (PRUDENTE, 2017, p. 31). Com essa estandardização o padre
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intentava criar uma língua única, dentre a multiplicidade de dialetos existentes na
região, e a gramática ou dicionário elaborado se destinaria aos missionários, com o
intuito de homogeneizar essa língua visando, sobretudo, formar uma identidade cristã
nos autóctones. O efeito disso foi principalmente sobre os tapuias aldeados, que se
viram obrigados a “tupinizar” sua língua para poder se comunicar com os padres e
demais índios (PRUDENTE, 2017).
Entretanto, tudo indica que essa gramática não foi suficiente para garantir a
comunicação com os Tupinambá encontrados em São Luís pelo padre Luís Figueira,
o que explicaria a elaboração de outra gramática, utilizada pelos religiosos em missão
no Estado do Maranhão e Grão-Pará19. Isso demonstra que havia algumas diferenças
entre a língua falada na colônia do sul e a língua falada na colônia do norte
(PRUDENTE, 2017).
O padre Vieira (2008), que veio do Estado do Brasil para o Estado do Maranhão
em 1652, destacou as dificuldades de comunicação com os nativos locais visto que
poucos padres dominavam a língua. Por isso, ao chegar na região, uma de suas
primeiras providências foi juntamente com os demais padres da Missão, tomar
diariamente “uma lição da língua da terra” inclusive nos dias “santos” (VIEIRA, 2008,
p. 250).
Para Vieira, sem o domínio da língua era impossível que os padres fossem
“instrumentos hábeis da conversão dos índios” (VIEIRA, 2008, p. 250). Considerando
que sua chegada na Amazônia ocorreu mais de cem anos depois da chegada dos
jesuítas na Bahia, essa persistente necessidade de aprendizagem da língua pelos
religiosos, aponta para a diversidade linguística existente em território brasileiro e o
desafio implícito nesse domínio.
A necessidade de dominar o idioma falado na região era fundamental, a ponto
de Vieira insistir junto ao Provincial da missão para o envio de missionários que
dominassem a língua brasílica ou estivessem dispostos a aprendê-la. Em carta
enviada ao Rei D. João IV em 1653, relata as dificuldades encontradas e reforça, em
vários momentos, a necessidade de padres “línguas” e atribui o desamparo
encontrado à
19 FIGUEIRA, Luís. Arte da língua brasílica. Lisboa: Oficina de Manoel da Silva, 1621. Esta gramática foi reeditada por Bettendorff em 1687.
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 89
falta de curas e sacerdotes, principalmente de religiosos que tenham por instituto estudar e saber a língua; porque sem ela aproveitam pouco os curas, e só os que sabem lhes podem administrar os sacramentos como convém, principalmente o do Batismo e da Confissão, que são os mais necessários” (VIEIRA, 2008, p. 238).
Ao reconhecer a necessidade de aprendizagem da língua falada na Amazônia,
Vieira instaurou uma espécie de estágio para garantir que todos os neófitos
dominassem os códigos comunicativos, afiançando o sucesso da missão. Assim, todo
padre recém-chegado no Estado do Maranhão e Grão-Pará, deveria passar um tempo
em uma das aldeias jesuíticas próxima à Belém ou São Luís aprendendo o idioma
com os nativos, antes de ser enviado como missionário a um aldeamento.
Foi o que o que ocorreu com o padre Bettendorff, quando ele foi designado
como missionário para o Estado do Maranhão e Grão-Pará, em 1659. Sendo
originariamente belga, se dedicou inicialmente aos estudos do português e,
posteriormente, do tupi, utilizando para isso a gramática do padre Figueira produzida
em 1621. Mas, a fim de se tornar versado na língua da terra, ao chegar no Pará em
1661, foi mandado juntamente com o padre Francisco da Veiga para a aldeia de
Murtigura (atual Vila do Conde/PA). Nessa experiência, ao ensinar o português ele ia
aprendendo a língua nativa conforme ele mesmo relata:
Tomando a minha conta a doutrina de cada dia, a classe dos meninos para ensiná-los a ler e escrever [...] por fata de livros, tinta e papel, não deixassem de aprender, lhes mandei fazer tinta de carvão e summo de algumas ervas, e com ella escrevia em folhas grandes de pacobeiras e para lhes facilitar tudo lhes puz um pauzinho na mão por penna, e os ensinei a formar e conhecer as letras assim grandes como pequenas no pó e arêa das praias com que gostaram tanto que enchiam as praias de letras, ficando aldeia e praias alastradas todas; mas como os mystérios da nossa Santa Fé são os que se devem saber ensinar antes de tudo mais com eles também os exercitava em o fim da classe, e com isso ia também eu aprendendo a língua da terra, cuja grammatica a tinha translado em latim, estando ainda em Portugal, e mandando-a para a minha província para que aprendessem por ella os que la quisessem vir para essa missão do Maranhão (BETTENDORFF, 1990, p. 157).
No excerto, o padre detalha sua didática, expondo a utilização de recursos que
lhes estavam à mão e ressaltando o gosto das crianças pelo aprendizado das letras.
Ele aponta ainda para o protagonismo dos meninos e meninas que o possibilitou a
aprender a língua da terra. É visível também a preocupação do jesuíta com o
aprendizado da língua nativa, que o motivou a traduzir a gramática de Figueira para
o latim, a fim de que os religiosos que se interessassem pela missão no norte do Brasil
chegassem a ela melhor preparados.
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 90
A preocupação de Bettendorff (1990) com o ensino do latim é demonstrada na
sua tentativa de iniciar turmas para os filhos dos moradores da cidade de Belém na
sétima década do seiscentos. As turmas começaram e segundo o autor, os alunos
estudavam “todos com furor e grande aproveitamento” (BETTENDORFF, 1990, p.
280). Entretanto, o governador mandou que um dos seus alunos se alistasse nas
tropas que defendiam o território, o que contrariou o padre e o levou a requerer
dispensa para este aluno. Ao ter o seu pedido negado Bettendorff decidiu fechar a
classe e no seu relato afirma que não mais a abriu. Era uma reinvindicação dos
missionários que os meninos não servissem às tropas do governador antes de
chegarem a idade de se casar para que pudessem aprender bem a doutrina.
O jesuíta se esforçou para aprender também a língua dos ingaybas20 para a
qual contou com a ajuda do filho do capitão-mor. Esse mameluco, afirma o cronista,
era “versadíssimo” em ambas as línguas – português e ingayba e com seu auxílio, o
padre aprendeu aquela língua dentro de três meses podendo, com isso, ensinar a
doutrina e batizar pelo menos mais de oitenta crianças (BETTENDORFF, 1990, p.
336).
A utilização de índios e/ou mamelucos na disseminação da língua geral era
recorrente, configurando-se como uma estratégia de ação dos jesuítas visando a
rápida e eficaz aprendizagem. Outro exemplo foi o caso do filho do principal dos
Irurizes21 que foi levado pelo padre Iodoco Peres para o colégio de Santo Alexandre
em Belém a fim de aprender a língua geral e se tornar tradutor do padre missionário
em serviço naquela aldeia. Após aprender o idioma que representava os códigos dos
padres transmutados em códigos indígenas, o jovem retornou para a aldeia como
companheiro do padre João Ângelo (BETTENDORFF, 1990).
Bettendorff (1990) relata também, a tradução do catecismo em várias línguas
nativas com a ajuda de índios possibilitando-o, assim, catequisar os Tapajó e os Urucu
em sua própria língua. Da mesma forma, o padre Manuel Nunes investiu na
composição de catecismo na língua dos Ingaybas. Com isso, nota-se o protagonismo
dos nativos na formação de uma língua comum à todos.
Ao analisar essas práticas de aprendizagens linguísticas como espaços de
mediação cultural em que “o esforço de generalização se impõe” (MONTERO, 2006,
p. 23) infere-se que esses indígenas não apenas reproduziam os significados
20 Nome genérico para qualquer povo não-tupi (PRUDENTE, 2017). 21 Nação indígena que vivia na região do rio Madeira (BETTENDORFF, 1990).
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 91
aprendidos mas também os ressignificavam tornando os resultados de sua ação
imprevisíveis para os religiosos. Há aqui uma aproximação das ideias e Montero
(2006) e Chartier (1991), pois para este último, é justamente nas práticas, como no
caso das aprendizagens linguísticas, por exemplo, que as representações são
construídas e as clivagens culturais são reorganizadas e ganham novo sentido para
ambos os grupos envolvidos. A relação entre nativos e indígenas se constituiu
portanto, em espaços de construção de novas representações linguísticas.
Em alguns casos, depois de versado na língua geral, o índio simplesmente não
voltava para sua aldeia para servir de tradutor como queriam os padres. Foi o que
ocorreu com o filho do principal dos Abuquenos, nação que vivia próxima ao
aldeamento do rio Urubu, um dos afluentes do Amazonas. O padre João Maria levou
o rapaz para o colégio do Pará a fim de que ele aprendesse a língua e quando ele já
a dominara, Bettendorff o entregou ao padre Theodósio, para que ele retornasse à
sua nação ainda não evangelizada, e convencesse seu pai, a descer com os índios
para o aldeamento e ali pudessem todos ser doutrinados. Entretanto, de acordo com
Bettendorff (1990) o jovem permaneceu no Pará, e não retornou para o aldeamento
com o padre.
O protagonismo dos rapazes e meninos como facilitadores da aprendizagem
da língua nativa também ocorreu em outras partes do Brasil, conforme registrado por
Freyre (2006, p. 219):
No Brasil o padre serviu-se principalmente do culumim, para recolher de sua boca o material com que formou a língua tupi-guarani – o instrumento mais poderoso de intercomunicação entre as duas culturas: a do invasor e a raça conquistada. Não somente de intercomunicação moral como comercial e material. Língua que seria, com toda a sua artificialidade, uma das bases mais sólidas da unidade do Brasil.
Na missão do Maranhão, Vieira (2008 p. 294) ressaltou que os filhos
“emendavam” aos pais e que os “moços” eram “os que mais depressa tomavam de
memória”. Portanto, o investimento no ensino da língua às crianças produzia frutos
mais rápidos para os padres e ao dominá-la, elas se tornavam importantes agentes
de transmissão da crença e rituais cristãos. De qualquer forma, considerando que o
aprendizado da doutrina era sobretudo pela oralidade, não havia como os
missionários controlarem os significados que as crianças davam para as novas
palavras que aprendiam.
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 92
Esse idioma, que ficou conhecido como língua brasílica ou língua geral, se
configurou como um nova linguagem criada a partir das relações estabelecidas
mormente nos aldeamentos, em que os jesuítas se esforçavam para traduzir a
contento os símbolos cristãos para o universo indígena. Segundo Prudente (2017, p.
18),
o estabelecimento de uma “Língua Geral” ocorreu devido à dificuldade dos europeus em dar conta da diversidade linguística existente na colônia. Esta prejudicaria a comunicação e, consequentemente, o processo de conquista no campo espiritual e territorial.
Até o século XVIII predominou essa linguagem em que elementos da língua
tupi se misturavam com a língua portuguesa sendo a mais praticada na costa
brasileira. Segundo Bittar e Ferreira Jr. (2017), era o idioma utilizado nas relações
privadas, ficando o português restrito às relações oficiais e mercantis.
A relevância das crianças na transmissão do saber linguístico foi perceptível
não somente entre os religiosos mas “muitos colonos e seus filhos também aprendiam
a falar a Língua Geral na convivência com índios que prestavam serviços nas roças
ou como domésticos, principalmente aqueles nascidos na colônia e criados por amas
de leite indígenas” (PRUDENTE, 2017, p. 68).
Embora a relação de forças entre religiosos e nativos fosse assimétrica, é
possível compreender o ensino da língua na Amazônia sob a ótica da mediação
cultural pois a língua geral forjada, ao mesmo tempo que era uma ferramenta de
catequese se configurou no resultado dela (AGNOLIN, 2006). Isso porque os
religiosos se aproveitaram de mitos existentes naquele contexto buscando dar-lhe
outro significado como no caso de Jeropary, nome de uma entidade temida na cultura
Tupi que passou a denominar o diabo cristão, conforme se pode notar no texto de
Abbeville (1874, p. 76):
Foi sim o desejo de serem vossas almas, depois da vida d'este mundo, livradas da condemnação eterna e dos tormentos de Jeropary, e conduzidas, cheias de felicidade ao Céo, onde existe Deos, e todos os bons christãos, que são seos verdadeiros filhos, e que ahi vivem descançados com Elle.
O Deus cristão foi transmutado para a palavra Tupan, que no universo Tupi não
correspondia necessariamente à uma divindade, mas estava ligada à manifestação
do trovão que causava temor aos índios. Contudo, nessa manifestação os religiosos
encontraram a tradução que precisavam ao invés de simplesmente utilizar uma nova
palavra. Daí terem se apresentando como filhos do grande Tupan numa tentativa de
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 93
se aproximarem dos indígenas e os convencerem a se tornarem também filhos de
Tupan, a partir da doutrinação que traziam. Há uma intenção de compartilhamento de
sentidos e esta relação se situa numa zona de interculturalidade.
O domínio da língua geral se tornou, assim, condição requerida para o exercício
da missão entre os nativos, e os padres que detinham seu conhecimento e fluência
foram os primeiros a serem enviados e os que melhor resultados obtinham, como
padre o Francisco Velloso, destacado por Bettendorff (1990) por ser considerado
perito na língua Tupi. Segundo o cronista, quando os indígenas ouviram a doutrina
em sua própria língua e que o padre Francisco Velloso lhes “falava como natural entre
eles e ainda muito melhor, d’elles não houve um só que não quizesse descer em sua
companhia, portanto tratou logo de batisar todos os meninos” (BETTENDORFF, 1990,
p. 110).
É inegável que esse processo de formação de uma nova língua tenha causado
perdas irreparáveis para as comunidades indígenas que tinham no seu vocabulário
sua identidade e sua forma própria de se relacionar com o mundo. Além disso, ao
estandardizar o tupi como língua geral, os jesuíticas contribuíram para sufocar as
línguas tapuias. Porém, considerando que os materiais elaborados pelos padres como
gramáticas e catecismos eram utilizados de forma oral, “a operação linguística
veiculada pela leitura dessas instruções abre, de fato, o problema de determinar não
somente o que os catecúmentos entendiam, mas como entendiam” (AGNOLIN, 2006,
p. 170). Os conceitos e categorias utilizados pelos jesuítas não existiam nas culturais
indígenas e a disparidade entre a cultura escrita dos religiosos e a cultura ágrafa dos
nativos permite supor que estes também ressignificavam as práticas europeias
aprendidas, dando às palavras nem sempre o mesmo sentido que os padres
intentavam impor. Para Agnolin (2006, p. 173),
os diferentes sentidos se encontravam numa matéria linguística (nova) que, em sua contínua mobilidade, teria revelado uma tentativa (contínua) de acomodação, realizando-se, também e paralelamente, pelo seu constituir-se como instrumento comunicativo performático.
Portanto, essa é também uma história de resistência em que a apropriação da
nova linguagem utilizada se valeu de vocábulos de matriz indígena num claro
processo de mestiçagem. Essa nova língua inclusive, veio a se tornar empecilho para
as reformas pombalinas no século XVIII quando então a língua geral foi substituída
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 94
pelo português. Essa mestiçagem é perceptível também na análise de outros saberes
como a música por exemplo.
4.2 Saberes musicais
A utilização da música pelos jesuítas como meio de aproximação e sedução
dos nativos na América portuguesa foi uma marca na atuação desses religiosos
mesmo considerando que os documentos que regulamentavam as ações da
Companhia de Jesus não estimulassem ou apoiassem a prática musical. As
Constituições previam que o clérigo se dedicasse à vida espiritual, voltando-se para a
catequese, a pregação, a comunhão, os sacramentos. Até mesmo o uso do coro nas
igrejas só foi permitido por Loyola a partir de 1555. Na visão do fundador da
Companhia, a música poderia desviá-los de uma vida mais asceta e por isso não fazia
parte das ocupações dos inacianos (HOLLER, 2006). Ao contrário, eles deveriam se
abster dos cantos ou restringir seu uso a um “tom devoto, suave e simples isso no
intuito, e até onde fosse indicado, de mover o povo a frequentar mais as confissões,
pregações e leituras, e não de outro modo” (CONSTITUTIONES, apud HOLLER,
2006, p. 132).
Porém, na convivência com os nativos, os jesuítas das missões brasileiras
perceberam que a música tinha um forte apelo na cultura indígena e seu valor foi logo
capturado pelos padres.
Eles notaram que se não utilizassem a música em suas atividades de
catequese correriam o risco de afastar os índios dos aldeamentos. Por isso, preferiram
contrariar o disposto em seu regulamento e ao invés de excluir a música de suas
atividades resolveram aproveitá-la.
A utilização de música e instrumentos musicais em atividades de catequese e
nas missas foi registrada em vários documentos do Período Colonial. Ao iniciar o
processo de catequese o padre Manuel de Nóbrega relata que para atrair os índios,
chegavam a cantar as cantigas religiosas na língua e no tom dos nativos (HOLLER,
2006).
A prática musical entre os nativos foi registrada por vários cronistas do Brasil
Colonial. Abbeville (1874, p. 349), por exemplo, ressaltou que as cantigas indígenas
eram sempre em louvor à natureza e à suas próprias vitórias nas guerras contra os
povos inimigos, cantadas em momentos festivos “em diversos tons, conforme o
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 95
compasso, e com estribilho no fim de cada estância”. Havia ainda uma variação no
volume da cantiga entoada junto às danças. Começavam bem baixo e depois iam
levantando “a voz a ponto de serem ouvidos muito longe, principalmente quando são
muitos como de ordinário acontece” (ABBEVILLE, 1874, p. 349).
No Tratado descritivo do Brasil, Gabriel Soares de Sousa (1879) relata que
entre os Tupinambá haviam grandes músicos e a habilidade musical era respeitada
em todas as nações indígenas, tendo o músico passe livre para transitar até mesmo
entre a as nações inimigas. Embora considerasse o tom de seu canto “sofrível”, Sousa
(1879, p, 294) ressaltou que os Tupinambá tinham “boas vozes”. Eram bons
improvisadores e quando se reuniam, um dizia a cantiga e os outros respondiam,
todos no mesmo tom. Algumas mulheres são citadas por Sousa (1879, p. 294) como
“grandes músicas e por isso mui estimadas”.
O padre Cardim também relata a participação de mulheres cantoras nas
cerimônias de morte dos inimigos em que levando cordas novas para prender o cativo
“começa uma velha como versada nisto e mestra do coro a entoar uma cantiga que
as outras ajudão, cuja letra é conforme a ceremonia” e diz “se tu foras papagaio,
voando nos fugiras” (CARDIM, 1925).
Através da música, os nativos contavam suas façanhas nas guerras. A guerra
era um atividade dos Tupinambá e ser guerreiro um valor fundamental. Ao cantarem
os cânticos que relatavam como os guerreiros derrotaram seus inimigos e
acompanharem os rituais que os massacravam, como o descrito acima, as crianças
eram estimuladas a almejar se tornarem também guerreiras. No futuro, os meninos
ouvintes estariam cantando suas próprias façanhas. Para além de um saber, a música
era, portanto, uma prática educativa em que os valores guerreiros da sociedade
tupinambá eram transmitidos (SEVERIANO, 2016).
Segundo Severiano (2016), a música estava presente em diversos momentos
da vida dos Tupinambá como cerimônias de nascimento, rituais fúnebres,
antropofágicos, reuniões políticas, fabricação de cauim entre outros. Em todas essas
ocasiões as crianças estavam presentes, e por isso, participavam dessas práticas
musicais que compunham a cosmologia nativa. Elas aprendiam a música no contexto
inter geracional, e na relação com seus pares.
Para Gilberto Freyre coube aos jesuítas substituir esses cantos “por outros,
compostos por eles, secos e mecânicos; cantos devotos, sem falar em amor, apenas
em Nossa Senhora e nos santos” (FREYRE, 2006, p. 178). Isso é perceptível no relato
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 96
de Bettendorff ao registrar as procissões festivas dos nativos da Aldeia de Cayritiba.
Nessas ocasiões eles levavam “diante de si a imagem da Virgem Senhora Nossa,
cantando alternativamente: Tupá cy angarurana, Santa Maria Chisto Yara”
(BETTENDORFF, 1990, 272).
Os jesuítas se estabeleceram no Estado do Maranhão em 1622 com a
participação do padre Manuel Gomes, um dos primeiros membros da Companhia a
chegar na região. Em sua experiência nessa missão ele registrou que levou consigo
índios cantores e instrumentistas de Pernambuco, com o intuito de se apresentarem
em festas cantando, tocando e dançando. Na visão do religioso, esses momentos
eram extremamente educativos pois ver aqueles índios doutrinados envolvidos com a
música, serviria de estímulo para que os Tupinambá do Maranhão se interessarem
pela religião católica (HOLLER, 2006). Percebe-se então que a música tinha forte
apelo entre os índios e era um saber que circulava entre nativos e europeus se
configurando como um código de comunicação comum entre ambos. As crianças
foram interlocutoras privilegiadas nessa mediação cultural, pois o uso de instrumentos
musicais era geralmente atribuído à elas incluindo-se tanto as nativas quanto as
crianças portuguesas (HOLLER, 2006).
A musicalidade dos nativos foi notada pelo padre Vieira ao chegar no Maranhão
e com seu tom edificante qualificou o que ouviu nas festividades da Semana Santa
como “a melhor música da terra” (Vieira, 2008, p. 264). Viera sabia que o “canto
público” não condizia com as orientações da Companhia e por isso mesmo defendeu
seu uso em carta emitida ao provincial do Brasil. Para ele, essa era uma forma de
“trazer as almas a Deus” e poderia ser usada por ser “segura e aprovada como a
devoção da Virgem”. Nessa epístola, além de justificar o uso da música ele ainda
demonstrou um exemplo de sua efetividade ao narrar que os estudantes do colégio
de São Luiz iam cantando a ladainha e os índios e índias os seguiam até a igreja onde
a doutrina lhes era ensinada. Percebendo o pendor para a musicalidade entre os
autóctones, Vieira introduziu na Amazônia a prática de cantar o terço, já existente em
Portugal.
De acordo com Holler (2006, p. 12), “provavelmente por uma inclinação
particular, o Padre Bettendorff refere-se a práticas musicais em vários trechos dessa
crônica, assim como nas ânuas de sua autoria”. Dentre os muitos relatos em que
sobressai a presença da música em diferentes contextos e usos, um deles chama a
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 97
atenção por revelar sua importância na celebração de uma pacificação entre tribos
rivais que teria sido promovida pelos jesuítas. O congraçamento desses povos
se fazia ao som de trombetas, buzinas, tambores e outros instrumentos, acompanhados de um grito contínuo de infinitas vozes, com que toda aquela multidão de gente declarava sua alegria, estendendo-se este geral conceito a todas, posto que eram de mui diferentes línguas (BETTENDORFF, 1990, p.142).
A despeito do tom edificante e do interesse em ressaltar o relevante papel dos
padres nesse momento, o trecho permite perceber que mesmo entre grupos
diferentes, a música era um saber comum e agregador. O uso de variados
instrumentos musicais, e o “grito contínuo” relatado no excerto, demonstram que a
música era um saber local com uma marca tão forte entre esses povos que os jesuítas
não podiam prescindir de seu uso. Ainda nesse relato, o clérigo informa que as
comemorações se seguiram por três dias e que à noite ocorriam os bailes envolvendo
as várias nações e suas “diferentes vozes, modos, instrumentos e harmonias”
(BETTENDORFF. 1990, p.142).
A habilidade musical dos índios era usada também para divertir os padres como
foi o caso do índio Thomazio, a quem Bettendorff registra ter solicitado que tocasse a
trombeta durante sua viagem pelo Tapajós, pois assim, poderiam suportar com mais
alívio os ataques dos mosquitos durante a noite. Em outra ocasião, o padre João Maria
foi quem alegrou a trupe formada por homens, mulheres e crianças que conduzia ao
som da sua gaita. Percebendo o interesse dos nativos, o padre aproveitou para
ensiná-los a tocar. Bettendorff (1990) narra que eles então passaram a entoar a gaita
toda noite e destaca que ensinar os índios a manejar algum instrumento que eles
pudessem utilizar em suas festas, era uma maneira de entretê-los e convencê-los a
ficar nos aldeamentos. Ainda no Maranhão o padre Diogo da Costa, por sua vez,
ensinava os rapazes a cantar e tocar violão.
Percebe-se, com isso, que a música permeava o cotidiano dos morados da
Amazônia colonial e tinha várias funções além de alegrar. Segundo Pereira (2007), os
Jesuítas acreditavam que a melodia musical seria capaz de afugentar os espíritos
maus e por isso utilizavam a música como recurso na catequese. A autora demonstra
também o caráter educativo da música visto que a repetição de rezas e cânticos
garantiria a presença das crianças nos eventos católicos, além de atrair seus pais.
Nos relatos consultados ficou patente a utilização cotidiana da música como prática
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 98
educativa e a repetição da doutrina católica, sempre cantada, ensejando a
aprendizagem. Ao registrar a realização de uma festa religiosa, por exemplo, o padre
provincial da Bahia salienta a participação de um coro formado por moços e meninos
utilizando vários instrumentos musicais, dentre os quais baixão, sacabuxa, flautas e
charamelas (HOLLER, 2006, p. 98). Essa diversidade de instrumentos é registrada
nos escritos dos padres jesuítas.
Ao voltar-se, especificamente, para esse tema, Holler (2006, p. 71) constatou
que no século XVII
não se tem somente uma maior quantidade de referências a instrumentos, mas também maior variedade, pois surgem vários instrumentos que antes não haviam sido mencionados, como as charamelas (que passam a surgir nos relatos quase tão frequentemente quanto flautas) e baixões.
Na Amazônia há registro de usos de flautas, charamelas, buzinas, gaitas,
cravos, trombetas, rabecas, viola, baixões e harpa. Esses três últimos eram utilizados
pelos mercedários e estavam associados com a cultura portuguesa da época, tocados
“para mitigar as saudades da música desse Reino” (HOLLER, 2006, p. 437). Dentre
eles, a viola era o mais comum em Portugal.
As flautas foram largamente utilizadas pelos jesuítas junto aos índios, tanto
pela semelhança com os apetrechos encontrados entre os nativos, quanto pela
facilidade de sua construção. Estavam presentes em várias atividades tanto as sacras
quanto as profanas (HOOLER, 2006).
As charamelas eram aparelhos comuns no século XVII sendo frequentemente
citadas nos documentos jesuíticos. O termo era utilizado “para instrumentos de
madeira com palheta dupla, e também para instrumentos de sopro de metal, como
trombetas” (HOLLER, 2006, p. 100) .
De acordo com Holler (2006, p. 98), “pode-se supor que as gaitas mencionadas
nos textos jesuíticos eram flautas de construção mais rústica e que seu uso atual no
norte e nordeste do Brasil tenha origem provável na atuação dos jesuítas no Período
Colonial”. Eram feitas, geralmente, de bambu ou até mesmo de ossos de animais ou
humanos como no caso relatado por Bettendorff em que os Tapuyas aproveitaram
“uma canella do Padre Bernardo Gomes, para della fazer uma gaita”
(BETTENDORFF, 1990, 431).
As buzinas, por sua vez, são denominações dadas pelos portugueses aos
instrumentos de sopro indígenas (HOLLER, 2006). Em uma de suas cartas, Vieira
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 99
relata que em seu contato com os Nheengaíbas foi recebido pelos seus principais ao
som de buzinas. Os padres também utilizavam o apetrecho para comunicarem-se
entre si durante suas viagens pelos rios da Amazônia (VIEIRA, 2008).
O cravo aparece no relato de Bettendorff já no final do século XVII, embora não
seja tocado por padres da companhia e sim pelo colono Gregório de Andrade. Seu
uso estava relacionado à novena de São Francisco Xavier realizada na igreja do
colégio do Maranhão, por insistência do governador Antônio de Albuquerque Coelho
de Carvalho e contou com a participação dos estudantes do colégio que “cantavam a
ladainha da Senhora de Loreto” ao som do instrumento (BETTENDORFF, 1990, p.
521).
A utilização desses dispositivos musicais foi primeiramente realizada pelos
meninos, tantos pelos nativos quanto pelos portugueses e sua disseminação no
século XVII, ocorreu possivelmente com a participação dessas crianças.
A música estava em muitos momentos associada à dança, como prática
cultural e educativa das comunidades indígenas, e também se configurou como um
saber destacado nas relações envolvendo as crianças e, por isso, foram tratadas aqui
de maneira específica.
4.3 Danças
Conforme relatos do padre Cardim, as crianças índias aprendiam a dançar e a
cantar com seus pais. O clérigo registra impressionado, a descrição de uma
coreografia com meninos índios presenciada por ele em que “o mais velho seria de
oito anos, todos nuzinhos pintados de certas cores aprazíveis, com seus cascavéis
nos pés, e braços, pernas, cinta, e cabeças com várias invenções de diademas de
penas, colares e braceletes” (CARDIM, 1925, p. 347).
O viajante Jean de Léry (1961) já havia registrado que as crianças Tupinambá
encontradas no Rio de Janeiro em meados dos século XVI sempre se apresentavam
em grupos dançando diante dele quando chegava à aldeia.
Bettendorff (1990) também descreve uma cena vista na Amazônia, em que os
nativos seguem em procissão para realizar suas beberagens seguidas de bailes. O
cronista enfatiza a presença dos filhos dos índios junto aos seus pais durante todo o
ritual. Com isso, é possível inferir que a dança fazia parte do universo cultural das
crianças que habitavam a Amazônia Colonial e seu aprendizado ocorria em seu
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 100
cotidiano. Por meio da observação dos pais, as crianças índias incorporavam as
danças em suas práticas. É provável que as várias danças vistas por Bettendorff
(1990) se configurassem como um momento educativo privilegiado, pois observando
e imitando seus pais, as crianças iam aprendendo as tradições do seu povo a fim de
reproduzi-las.
O padre Abbeville (1874, p. 347) registrou com entusiasmo o costume e o
gosto dos índios pela dança, e a identificou como “o primeiro e o principal exercício
dos maranhenses”, ressaltando que não se passava um só dia sem que eles
dançassem. O padre notou ainda a demarcação dos papéis de gênero durante o
bailado, destacando que as meninas e mulheres solteiras dançavam entre si e as
casadas não colocavam as mãos nos ombros dos maridos durante os movimentos.
Abbeville comparou as coreografias nativas com as vistas nos salões europeus e
destacou a coletividade existente nas danças tupinambá, pontuando que nelas não
havia a libertinagem comum na Europa. No excerto abaixo, ele descreve uma dessas
folias de maneira pormenorizada:
Fazem um círculo, juntos uns aos outros, sem se tocarem e nem mudar de lugar [...]. Quando dançam, trazem os braços pendentes, e às vezes a mão direita nas costas, e somente movem a perna e o pé direito. Às vezes aproximam-se uns dos outros, depois voltam para traz, sempre batendo com o pé no chão, e após de darem três ou quatro voltas, com tal ou qual compasso, regressa ao seu lugar (ABBEVILLE, 1874, p. 347).
Pelo relato do padre, percebe-se que na prática da coreografia era exigido dos
nativos domínio corporal que incluía movimentos de braços e pernas e capacidade de
sincronização, uma vez que o bailado era coletivo. O clérigo revela ainda, que essas
danças eram acompanhadas pelo maracá e pelo próprio canto dos participantes.
Tais habilidades se inserem no que Martinic (1994, p. 74) denomina como “um
conjunto de supostos e de conhecimentos que o sujeito deve interiorizar” responsáveis
para o domínio de um saber. Com isso, infere-se que a dança nativa não poderia ser
considerada um conhecimento tácito mesmo sendo construída no cotidiano.
Cabe destacar a habilidade dos jesuítas em captar o lugar que a dança ocupava
no cotidiano indígena transformando essa prática em uma de suas principais
estratégias pedagógicas. A relevância da música e da dança como mediadores
culturais entre os grupos autóctones levou à incorporação dessas práticas pelos
religiosos que fundamentaram todo o trabalho de catequização a partir delas. Silva
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 101
(1976) relata que os jesuítas introduziram danças portuguesas ao universo dos nativos
assim como o canto e instrumentos musicais.
Freyre (2006) considera que algumas danças tinham por finalidade reforçar a
figura do Jurupari, entidade que representava o mal e causava medo entre as
mulheres e crianças. Neste caso, um dos dançarinos utilizava uma máscara que lhe
dava o poder de se transmutar nessa figura e cabia a ele imitar os movimentos e vozes
que seriam do ser demoníaco. Ao conservar tais danças, reproduzi-las com as
crianças e introduzir nelas elementos que desprestigiassem a figura do Jurupari, os
jesuítas tomavam para si o controle sobre o medo das crianças.
Sob a ótica de Montero (2006 p. 42) “os agentes lutam pelo poder de
representação”. Então, ao ressignificar as coreografias dos nativos por exemplo, os
padres intentavam imprimir nelas os valores cristãos para moldar as crianças
conforme a sua cosmologia. Em vários momentos do seu relato, Bettendorff (1990 p.
155) descreve a recepção de padres com “danças de meninos” demonstrando que
essa prática foi disseminada na colônia. Ela permitia a inserção dos autóctones no
culto católico, assumindo um caráter duplo, pois, ao incorporar as danças dos meninos
indígenas em suas cerimônias e festas religiosas, os jesuítas se valiam de códigos
culturais compartilhados, cujo sentido apropriado por ambos, tomaram dimensões
diversas e nem sempre previsíveis. Assim, as crianças também imprimiam nas danças
suas próprias representações de mundo sendo as festas e bailados católicos,
“oportunidade para recriar seus mitos, sua musicalidade, sua dança, sua maneira de
vestir-se e aí reproduzir suas hierarquias tribais, aristocráticas e religiosas” (DEL
PRIORE, 2002, p. 89). Nessa prática, as crianças davam sentido ao seu próprio
mundo (CHARTIER, 1991).
Esse pensamento se coaduna com a concepção de saber de Martinic (1994, p.
80) para quem “na vida cotidiana os sujeitos interiorizam as elaborações e
conhecimentos herdados e, simultaneamente, recriam e rearticulam os
conhecimentos”. A dança, de fato, não era um saber estático e sua circulação entre
crianças e religiosos se configurou, sobretudo, como espaço de mediação cultural em
que os sujeitos envolvidos recriavam e rearticulavam seus significados.
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 102
4.4 Jogos, brincadeiras e saberes práticos
Os jogos e brincadeiras estavam presentes na infância vivida no Brasil Colonial
conforme se percebe nos diversos relatos de padres, viajantes e cronistas. Entretanto,
tais relatos revelam que, muitas das vezes, no lúdico se antevia o papel social que as
crianças viriam a desenvolver em suas tribos. Para além desse papel as brincadeiras
tinham finalidade de diversão e estavam diretamente ligadas ao cotidiano das
crianças.
Altman (2015) defende que as diversões e brincadeiras permeavam a vida das
crianças indígenas por meio das quais elas imitavam seus pais e se preparavam para
a vida adulta. Para além desse aspecto, nas brincadeiras se encontravam expressões
da sua cosmologia, como no caso dos brinquedos de barro feitos pelas mães de
algumas tribos para as crianças que representavam figuras de animais e de gente.
Esses artefatos, embora simples, pelas suas características totêmicas,
provavelmente carregavam um sentido oculto que ainda hoje intriga os antropólogos
(FREYRE, 2006).
O padre Cardim relata que os meninos eram “alegres e dados a folgar e folgam
com muita quietação e amizade” (CARDIM, 1925, p. 177). Entre suas brincadeiras
estava a interação com os animais que os circundavam, especialmente os pássaros.
A estes gostavam de domesticar, em especial aos papagaios a quem ensinavam a
falar (ALTMAN, 2015). Seus jogos incluíam também a imitação desses bichos e a
interação com macacos, lagartos e cobras que costumava ser de estimação,
conforme registrado por Cardim (1925, p. 310): “tem muitos jogos a seu modo, que
fazem com muita mais festa e alegria que os meninos portugueses. Neste jogos
arremedam vários pássaros, cobras, e outros animaes, etc., os jogos são mui
graciosos, e desenfadiços”.
Entre os Nhambiquara encontrados em Rondônia, as crianças costumavam
brincar com as aves amansadas (FREYRE, 2006) e é possível que esse costume se
repetisse no Estado do Maranhão e Grão-Pará.
Os jogos também compunham o rol das brincadeiras. Freyre (2006) destaca
que o jogo de bola teve sua origem entre os meninos ameríndios conforme registros
do embaixador de Veneza do que viu em Sevilha – para onde foram levados muitos
rapazinhos nativos. A bola era feita de borracha extraída do caucho e o jogo era
basicamente de cabeçadas.
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 103
Cardim (1925, p. 314) também registra que os meninos brasis faziam “jogos na
água”. Como eles passavam horas pescando, de acordo com o relato de Abbeville
(1874), é possível inferir que a pesca era também momento de ludicidade. Nadar e
pescar eram, portanto, práticas do cotidiano das crianças índias, que lhes propiciavam
a aquisição de saberes fundamentais para sua inserção e identificação naquele grupo
social. Cardim (1925) relata que tal prática, iniciada na infância, os tornava grandes e
destemidos nadadores.
Évreux (2007, p. 76) também destacou a pesca como atividade presente no
cotidiano dos meninos da faixa etária de 8 a 15 anos, ressaltando que “não se lhes
manda fazer isto, porém o fazem por instinto próprio, como dever da sua idade”. O
capuchinho esclarece que além da pesca, nessa idade os meninos também
começavam a caçar aves, todavia, a competência deles na captura de peixes
utilizando flechas, ou de mariscos utilizando redes, foi o que mais chamou a atenção
do cronista. Confirmando a visão de Abbeville (1874), para Évreux (2007) a pesca era
uma atividade “mais agradável que penosa”.
À luz do que propõe Martinic (1994, p. 78) esse saber “apresenta uma
estruturação lógica e descansa em sistemas amplos de compreensão dos
fenômenos”. Afinal, a pesca era uma atividade que demandava das crianças uma
série de conhecimentos tais como: saber a época mais adequada para pescar, as
diferentes estratégicas de acordo com os diferentes tipos de peixe, onde encontrá-los,
dentre outros. Altman (2015) explica que os meninos acompanhavam os pais na caça
e pesca desde cedo, o que os tornava exímios pescadores. Na interação com as
águas, as crianças amazônidas do século XVII aprendiam e se divertiam. Os rios e
igarapés eram, portanto, espaços privilegiado de educação.
Sousa (1879) aponta que os meninos aprendiam com os pais a utilizar o arco
e a flecha, tarefa diretamente ligada à sobrevivência da tribo. Segundo Léry (1961)
aos nove, dez anos de idade, os meninos já manuseavam o arco e a flecha com a
destreza de um adulto.
Além da fabricação de arcos e flechas, competia aos homens a construção de
instrumentos musicais e certos adornos para o corpo, e a construção da oca e de
canoas, feitas de um só pau (FREYRE, 2006). Desde cedo, os meninos aprendiam
fazer suas próprias canoas e nelas seguiam “sempre junto dos adultos, com seus
pequenos remos ou com as próprias mãos e, com flechinhas, tratando de pescar ou
até apanhando com as mãos os peixes à vista” (ALTMAN, 2015, p. 234). Esses
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 104
saberes práticos foram fundamentais para a sobrevivência dos religiosos e
colonizadores em terras ameríndias. Na interação com os nativos, os padres não
apenas ensinavam mas aprendiam a utilizar as canoas e reconhecer alimentos
comestíveis (ABBATE, 2016).
Aos homens também cabiam a feitura de balaios e vasilhas de folhas de palma,
bem como carapuças e capas de penas de pássaros, atividades que tinham sua
aprendizagem lastreada na infância.
Às mulheres competia a fabricação dos potes e vasilhas de cerâmicas
essenciais no seu cotidiano. Os potes eram utilizados especialmente para armazenar
o cauim e as vasilhas tinha diversos formatos servindo de panelas, copos e pratos.
Jean de Léry (1961) os considerou de qualidade superior às cerâmicas fabricadas na
França. Ele destacou as várias cores e motivos utilizados frisando que nunca haviam
duas pinturas iguais pois as pintoras não utilizavam modelos mas sim sua imaginação.
A fabricação das vasilhas era um momento de expressão feminina em que elas
poderiam exibir suas habilidades artísticas (FERNANDES, 2016). Considerada uma
tarefa tão relevante entre os indígenas, que as meninas, conforme sua capacidade,
se divertiam amassando o barro que usavam para fazer seus pequenos potes e
panelas (ÉVREUX, 2007).
Évreux (2007) também destacou a aprendizagem pela imitação observada nas
brincadeiras das meninas. Segundo ele, esse exercício, realizado na fase do
Kugmantin-myri (até os seis anos de idade), servia como preparação para a
aprendizagem das atividades próprias da mulher nativa que começariam, de fato, a
partir dos 7 anos. A partir dessa idade, as meninas deveriam aprender “todos os
deveres de uma mulher: fiam algodão, tecem redes, trabalham com embiras, semeiam
e plantam nas roças, fabricam farinha, fazem vinhos, preparam carnes” (ÉVREUX,
2007, p. 81).
A habilidade de tecer fios de algodão, foi salientada por Bettendorff (1990) ao
observar o trabalho da índias Jurunas às margens do rio Xingu. Segundo ele a nativas
tinham muita habilidade e destreza, realizando o ofício com “notável artifício e limpeza”
e o fio ficava “fino como o cabelo da cabeça” (BETTENDORFFF, 1990, p. 116).
Tal aptidão, provavelmente, se explicaria pela experiência iniciada ainda na
infância. Altman (2015) ressalta que as meninas acompanhavam as mães nessa
atividade e nos outros afazeres domésticos da tribo e ao final do dia criavam um jogo
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 105
de faz de conta em que se sentavam junto às outras crianças e se punham a tecer e
trocar ideias como viam suas mães fazerem.
O ofício de tecelagem já fazia parte da tradição dos índios amazônidas pois, no
início do século XVII, o padre capuchinho Évreux (2007, p. 63) registrou que eles
teciam seus leitos e trabalhavam em lã “tão perfeitamente como os franceses”,
embora utilizassem métodos mais rústicos.
Évreux (2007, p. 62.) cita também diversos outros ofícios aprendidos e
exercidos pelos Tupinambá no Maranhão como de “tecelão, marceneiro, cordoeiro,
alfaiate, sapateiro, pedreiro, ceramista, oleiro e agricultor” e para todos eles o
capuchinho considerava os silvícolas “aptos e inclinados pela natureza”. O cronista
destaca um nativo que ganhou a alcunha de “Ferreiro” por ter aprendido esse ofício
sem que o mestre o explicasse, corroborando a ideia de que a aprendizagem entre os
Tupinambá ocorria por meio do silêncio, da observação atenta e da repetição.
A aptidão desse índio na malhação com o ferro chamou a atenção do padre
pois ele atuava como se tivesse “longa prática” (ÉVREUX, 2007 p. 62). Ele detalha
ainda, a realização de outros ofícios que eram praticados “com tal habilidade a ponto
de parecer-me que, com pouco tempo de ensino, chegariam à perfeição” (ÉVREUX,
2007, p. 64).
O jesuíta João Daniel (2004) ao escrever sua crônica no século XVIII, também
reconheceu a habilidade dos índios em aprender os ofícios mecânicos,
Onde, porém realçam mais é nas missões e casas dos brancos, em que aprendem todos os ofícios que lhe mandam ensinar, com tanta facilidade, destreza e perfeição, como os melhores mestres, de sorte que podem competir com os mais insignes do oficio; e muitos basta verem trabalhar algum oficial na sua mecânica pra o imitarem com perfeição. Donde procede haver entres eles adequado imaginários, insignes pintores, escultores, ferreiros, e oficiais de todos os ofícios; e têm tal fantasia, que para imitarem qualquer artefato basta mostrar-lhes o original, ou cópia, e a imitam com tal magistério, ao depois faz equivocar qual seja o original, e qual a cópia (DANIEL, 2004, p. 341).
No relato, o padre observa que os nativos tinham muita facilidade em aprender
o que lhes era ensinado apontando mais uma vez a capacidade de observar como
fundamental no processo pois, para muitos, bastava “ver” algum artífice trabalhando
para o imitarem com “perfeição, ou apenas olhar um artefato para então fazer outro
conforme o original. Em estudo recente, realizado entre ribeirinhos do Baixo Tapajós,
Medaets (2011) constatou que não há nos processos de aprendizagem daquele grupo
momentos específicos de explanação mas “na verdade se é observando que se
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 106
aprende, observar depende mais de uma postura ativa do ‘aprendente’ e menos da
ação didática do ‘ensinante’” (MEDAETS, 2011, p. 8). Essa forma de aprender é
provavelmente, uma herança cultural dos povos indígenas que habitavam aquela
região.
Guzmán (2015, p. 17) explica que no contexto das missões religiosas na
Amazônia se formaram vários artistas nativos cujos nomes podem ser encontrados
no Catálogo de 1720 do Colégio de Santo Alexandre, que registra as funções de
aprendizes-pedreiros, ferreiros, carpinteiros, escultores, alfaiates. O autor relata que
a “ação educadora dos missionários provocou misturas e hibridações, cruzando as
técnicas e materiais utilizados pelos grupos indígenas com as utilizadas pelos oficiais
mecânicos portugueses”.
De fato, a apropriação dos saberes indígenas pelos jesuítas nos processos de
catequese especialmente das crianças, propiciou a construção de novos códigos
comunicativos frutos das hibridizações mencionadas por Guzmán (2015), chamadas
também de mestiçagens culturais por Gruzinski (2003). Essas mestiçagens incidiram,
sobretudo, nos saberes circulados nas práticas educativas cotidianas sobressaindo-
se a língua, a dança, a música e os saberes práticos, sem os quais teria sido
impossível a aproximação dos religiosos com os nativos. No contexto da Amazônia
seiscentista, até mesmo a sobrevivência dos padres e dos colonos teria sido inviável
sem os saberes indígenas acerca do cotidiano. Esses saberes transmitidos e
circulados através da atenção, da observação, da repetição e da imitação se
fundamentavam na criatividade e curiosidade das crianças nativas as quais por isso
mesmo se tornaram foco dos religiosos demonstrando com isso que a criança
amazônida no século XVII foi catalisadora nos processos culturais híbridos dos quais
foi protagonista.
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 107
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa teve por objetivo analisar as práticas educativas envolvendo as
crianças que viveram na Amazônia no século XVII. Nesse sentido, destacaram-se
três categorias especificas que foram discutidas cada uma em um capítulo, ainda que
de maneira imbricada: infância, práticas educativas e saberes.
A partir dos estudos de Ariès (1986) constata-se que o sentimento de infância
– a noção de um fase específica na vida da criança – na França, teve início no século
XVI com o advento da vida privada e o princípio da escolarização. Antes disso, para
o autor, tal qual para Postman (2002), a criança não era vista em sua especificidade
e sua potencialidade.
Entretanto, ao analisar as fontes disponíveis sobre a infância na Amazônia no
século XVII, percebe-se que o sentimento de infância já estava presente. No caso dos
indígenas, isso é notável pelos rituais de passagem que determinavam uma nova fase
na vida tanto de meninos e meninas e pelas tarefas que lhes cabiam, as quais, mesmo
como brincadeiras, apontavam para o desenvolvimento do seu papel na tribo. A
criança indígena vivia sua meninice plenamente exercendo atividades educativas de
maneira lúdica.
Ao voltar a catequese principalmente para as crianças, por as considerarem
mais aptas a aprender a doutrina cristã do que os adultos, os jesuítas demonstraram
que para eles a infância não era invisível e que de alguma forma as crianças
pertenciam a uma categoria geracional diferente dos adultos.
Se no começo do século, nas primeiras incursões religiosas feitas pelos
capuchinhos as crianças eram capazes de fugir dos aldeamentos e/ou manter seu
vínculo com a sua identidade anterior, a partir da segunda metade do século, com a
intensividade do trabalho jesuíta elas se viram tendo que reformular suas
representações e sua própria identidade. Nesse sentido, é possível perceber que
havia uma cultura infantil e que as crianças se reinventavam dentro da cultura adulta.
Nas brechas encontradas as crianças reconstruíam em novas bases sua própria
cultura, ao aprender a língua geral, ou reconfigurar suas danças em festas católicas,
por exemplo.
Essas brechas foram forjadas nas práticas educativas em que se inseriram.
Nas relações de aprendizagem estudadas foi possível notar que elas ocorriam,
sobretudo, através da repetição, da observação e da imitação. A curiosidade das
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 108
crianças nas diversas situações é apontada principalmente pelos capuchinhos do
início do século XVII, pressupondo que a relação com os jesuítas foi mais austera. A
presença da criança, juntamente com suas mães o tempo todo, foi destacada pelos
capuchinhos e pelos jesuítas. Estes consideravam tal influência perniciosa ao seu
projeto cristianizador motivo pelo qual sua estratégia foi separar as crianças de suas
famílias a fim de evitar obstáculos à transformação da crianças em futuros cristãos.
Com isso, seria possível que elas se despojassem das crenças e costumes presentes
em sua cultura.
Contudo, esse despojamento não ocorreu como os religiosos pressupunham.
As crianças demonstraram que não eram o papel em branco suposto pelos padres.
Isso, em parte, pelo valor da memória, pois meninos e meninas conheciam sua história
contada pelos anciãos do grupo dando sentido ao seu próprio mundo.
Mesmo entre os jesuítas, ao analisar os saberes que circulavam nas práticas
educativas, é possível compreender que havia modificações no significados e os
saberes também receberam influência das crianças, principalmente a língua, cujo
aprendizado era feito geralmente com elas. Ao tempo em que os padres lhes
ensinavam a doutrina, eles aprendiam também a língua da terra. Língua essa que,
durante o século XVII era chamada de Língua Geral e representava uma mistura do
português com as línguas de matriz tupi-guarani.
De qualquer forma, nas músicas largamente utilizadas pelos jesuítas, havia
muito da cultura nativa, dos seus instrumentos musicais e maneiras de cantar. E nas
danças, que se tornaram formas de recepção para os visitadores dos aldeamentos
havia elementos das danças nativas, praticadas pelas crianças mesmo antes da
chegada dos religiosos. Nesse saber incidia, sobretudo, a consciência corporal e a
expressão da própria cultura e de seus significados.
As fontes utilizadas nesta pesquisa evidenciaram que as crianças estavam
presentes em todos os rituais festivos ou religiosos, assim como nas experiências de
trabalho nas quais seus conhecimentos eram construídos e circulavam. Nesse
processo, as crianças também formavam sua identidade como integrante do grupo
social a que pertenciam.
As crianças atuaram, então, como importantes mediadores culturais para a
manutenção da cultura indígena na região amazônica pois não absorviam
passivamente a cultura imposta pelo catolicismo mantendo forte vínculo com sua
cultura e sua forma de aprender.
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 109
Os saberes nativos se caracterizaram especialmente por serem holísticos e
não se referiam somente à preparação para outra fase da vida. Mesmo nas
brincadeiras, as crianças anteviam suas futuras atividades como adultos da tribo de
forma lúdica. Pode-se dizer que as práticas educativas vivenciadas pelas crianças da
Amazônia seiscentista eram imbuídas de significados que remetiam às tradições e
rituais do seu povo, em que valores fundamentais eram transmitidos. Sem sentido ou
significado para as crianças índias, a educação imposta pelos religiosos nem sempre
teve o resultado desejado. Isso explicaria o fato de muitas delas fugirem dos
aldeamentos jesuítas e retornarem para as matas. E quando permaneciam, as
crianças imprimiam sua identidade no novo estilo de vida ao ressignificar as danças
católicas por exemplo, em que elementos indígenas permaneciam presentes.
Ao me debruçar sobre o contexto da Amazônia do século XVII, percebi que,
entre as crianças já invisibilizadas pela historiografia, os filhos dos colonos são os
mais subalternizados. Aos curumins era reservada a catequese e as ações realizadas
nos aldeamentos foram em grande parte registradas pelos religiosos. Dos filhos das
autoridades e políticos captamos alguma coisa sobre sua presença nos colégios
mantidos pelos jesuítas na região. Mas, da criança pertencente às famílias dos
colonos que para cá vieram tentar a sorte, quase nada se sabe. Cresceram anônimas
sem acesso ao colégio e sem registros de sua educação. Como era seu cotidiano? O
que aprendiam? Com quem? Esta é uma das lacunas não preenchidas nesse estudo,
que segue em aberto ensejando a necessidade de aprofundamento das pesquisas
sobre as crianças da Amazônia Colonial.
BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 110
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Universidade do Estado do Pará
Centro de Ciências Sociais e Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
Travessa Djalma Dutra, s/n – Telégrafo
66113-200 Belém-PA
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