JUSTIÇA FEDERAL SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE UBERABA/MG
PROCESSO N° 2008.38.02.003352-2
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ATO LESIVO AO MEIO AMBIENTE
CLASSE: 7100
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
LITISCONSORTE ATIVO: UNIÃO
RÉUS: RUBENS ROBERTO VISCONE e OUTROS
SENTENÇA'
1- RELATÓRIO
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ajuizou a presente Ação Civil Pública em desfavor de RUBENS ROBERTO VISCONE, LANA LUCIA LIMA VISCONE e INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA, devidamente qualificados nos autos, em virtude
de suposta prática de atos lesivos ao meio ambiente.
Assevera o MPF que os primeiros requeridos promoveram
construções em área de preservação permanente, ensejando degradação ambiental,
ao passo que o IBAMA deixou de exercer o poder de policia ambiental que lhe
cumpre, omitindo-se quanto ao dever legal de fiscalização, monitoramento e controle ambiental.
Diante dos constatados danos ambientais, o autor pugna pela
condenação dos requeridos: a) na obrigação de fazer, consistente na recuperação da
área de preservação permanente efetivamente danificada e ocupada pelo réu,
mediante a adoção de práticas de adequação ambiental e técnicas a serem indicadas
por técnico legalmente habilitado para tanto, observada a biodiversidade local, co
acompanhamento e tratos culturais pelo prazo que garantam a efetiva recupera
da área, mediante as seguintes ações: a.1) desocupar a área de preserv
permanente, promovendo a demolição de qualquer edificação/benfeitoria e tente
Classificada como Tipo A, para os fins da Portaria COGER/TRP1 n°30, de 09 de outubro de 2007.
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nesta, com retirada do entulho resultante, que deverá ser depositado em local
indicado pelo órgão ambiental competente; a.2) entregar ao IBAMA ou ao órgão
ambiental estadual por ele indicado, no prazo de sessenta (60) dias, contado da data
da intimação da decisão defmitiva, projeto de adequação ambiental, que deverá ser
avaliado no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, elaborado por técnico devidamente
habilitado, incluindo cronograma de obras e serviços, com recolhimento referente à
Anotação de Responsabilidade Técnica (ART); a.3) iniciar a implantação do projeto de
adequação ambiental da área degradada, em prazo a ser definido no projeto, não
podendo este ser superior a 180 (cento e oitenta) dias, contado da data da aprovação
do projeto pelo órgão ambiental competente, devendo obedecer a todas as exigências
e recomendações feitas pelo referido órgão; b) confirmando a liminar, à obrigação de
não fazer consistente em se abster de realizar novas ocupações, edificações, corte,
exploração ou supressão de qualquer tipo de vegetação ou de realizar qualquer outra
ação antrópica na área de preservação permanente objeto da presente ação civil
pública que se encontra em sua posse direta, e/ou de nela promover ou permitir que
se promovam atividades danosas, ainda que parcialmente; c) ao pagamento de
indenização quantificada em perícia ou por arbitramento deste Juizo Federal,
correspondente aos danos ambientais causados pela ocupação irregular da área de
preservação permanente até o início da execução do projeto de adequação ambiental,
a ser recolhida ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (CPC, art. 286, II); d) ao
pagamento de indenização quantificada em perícia ou por arbitramento deste Juízo
Federal, correspondente aos danos ambientais que, no curso do processo, se
mostrarem técnica e absolutamente irrecuperáveis nas áreas de preservação
permanente, irregularmente ocupada pelo réu, corrigida monetariamente, a ser
recolhida ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (CPC, art. 286, II); e) à obrigação
de fazer consistente na adoção de medidas compensatórias e mitigatõrias a serem
indicadas em perícia, correspondentes aos danos ambientais que, no curso do
processo, mostrarem-se técnica e absolutamente irrecuperáveis nas áreas de
preservação permanente, irregularmente ocupada pelos réus; f) subsidiariamen
caso reste configurada a impossibilidade ou extrema onerosidade da medi ía
pleiteada no item "a.1", que sejam os requeridos condenados às seguintes obrig o
de fazer: f.1) adoção de medidas compensatórias àquela pleiteada no item " .1" da
exordial, a serem definidas em perícia, mediante aquiescência do órgão biental 2
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competente; e 2) substituição dos muros ou cercas lateriais do imóvel por "cercas
vivas", de modo a permitir o trânsito de animais de maior porte ao longo da área de
preservação permanente.
Requer, ainda, a cominação de multa de R$ 1.000,00 (mil reais),
para cada dia de atraso no cumprimento da sentença, devidamente corrigida até a
data do pagamento, que deverá ser revertida ao Fundo de Defesa dos Direitos
Difusos, sem prejuízo da intervenção judicial na propriedade, para permitir a
execução especifica por interventor nomeado.
A inicial veio instruída com os documentos de fls. 30/34.
A fl. 43, determinou-se a intimação do Instituto Estadual de
Florestas - IEF/MG e da União, a fim de informarem eventual existência de interesse
na lide, tendo esta última requerido o ingresso no feito na condição de assistente
litisconsorcial do polo ativo (fls. 45/48).
O MPF requereu, às fls. 50/52, a inclusão do IBAMA no polo
passivo da demanda.
Por meio da decisão de fls. 57/59, foi concedida a medida liminar,
determinando que a parte ré se abstivesse de cortar ou suprimir qualquer tipo de
vegetação, de proceder a novas intervenções construtivas no imóvel objeto da ação e
de lançar quaisquer resíduos no Rio Grande, cientificando eventuais adquirentes do
imóvel acerca da presente ação e da decisão prolatada. Deferiu-se, outrossim, a
inclusão do IBAMA e da União no feito, esta na qualidade de assistente
litisconsorcial ativo, e aquele na condição de réu.
Citado, o IBAMA ofereceu contestação às fls. 73/78, acompanhada
dos documentos de fls. 79/118, ocasião em que alegou, preliminarmente, a falta de
interesse de agir do Parquet Federal. No mérito, aduziu: a) no ano de 2001, em
pareceria com o MPF, a Polícia Florestal dos Estados de Minas Gerais, São Paulo
Goiás e diversas outras entidades, como a CEMIG, FURNAS, Universidades
Organizações Não Governamentais, implementou o Programa de Proteção do Ento
dos Reservatórios das Usinas Hidroelétricas dos rios federais no Estado de M
Gerais, entre os quais o Rio Grande; b) referido programa teve como objetivo r orçar
os procedimentos de fiscalização, monitoramento e controle da utilização d s áreas
o
as
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de preservação permanente situadas às margens dos reservatórios das UI-{E
abastecidas por rios federais; c) nos termos do Relatório Estatístico das duas etapas
da Operação Rio Grande, foi feito um levantamento das construções e atividades
irregulares na região, resultando na lavratura de diversos autos de infração e termos
de embargo/interdição contra os invasores, a partir da confecção de centenas de
laudos de constatação/inspeção da situação ambiental pelos fiscais do IBAMA, o que
ensejou a propositura de várias ações civis públicas pelo MPF; d) inexiste omissão da
autarquia, que vem exercendo o poder de policia ambiental nos limites da
competência material comum delineada pela Constituição Federal e legislação
pertinente.
Por sua vez, os requeridos RUBENS ROBERTO VISCONE e LANA
LUCIA LIMA VISCONE, citados via carta precatória (fls. 122 e 123), apresentaram
defesa às fls. 125/148, instruída com os documentos de fls. 149/186. Alegaram,
preliminarmente, a ilegitimidade ativa do MPF e a incompetência absoluta da Justiça
Federal. No mérito, sustentaram, em síntese: a) a área objeto da demanda não é
considerada rural, nos termos da Lei Municipal n° 5.083/04, do Município de
Frutal-MG, que tornou área urbana todo o loteamento denominado Estancia
Seneville, incluindo o Lote 07, de propriedade dos réus; b) o INCRA não se opôs
definição da referida área como urbana, quando da tramitação do respectivo projeto
de lei; b) existe falha no laudo de constatação/inspeção elaborado pelo IBAMA, já
que os réus não possuem edificação na metragem ali mencionada, e os atos
apontados no documento não restaram devidamente provados; c) o laudo técnico
que instrui a peça de contestação, elaborado de forma geral, em relação a todo o
condomínio Estância Seneville, atesta que o trabalho de regeneração da vegetação
nativa encontra-se em estado avançado, e que não há dano ambiental significativo
no local; d) o art. 3°, inciso I, da Resolução n° 302/2002 do CONAMA, é
inconstitucional, por violar o principio da legalidade, e pelo fato de que referido
Conselho não possui competência para editar normas de caráter restritivo; e) aplica-
se ao presente caso o artigo 3° da Lei Estadual mineira n° 18.365/09, que dispõ
sobre a ocupação consolidada em áreas de preservação permanente localizadas e
área urbana; f) os requeridos não causaram nenhum impacto ambiental no im el,
nos termos da definição trazida pela Resolução n° 01/86 do CONAMA; g) po suem
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direito aos benefícios da Justiça Gratuita.
O MPF impugnou a contestação às fls. 189/357.
À fl. 359, a União ratificou os termos aduzidos pelo MPF.
Às fl. 361/367, o MPF apresentou embargos declaratórios contra a
decisão de fl. 359, os quais foram rejeitados, às fl. 371.
Determinada a especificação de provas (fl. 360), a União nada
requereu (fl. 369).
O autor aviou agravo na modalidade retido (fl. 373/394). Contudo,
as decisões de fl. 360 e 371 foram mantidas por seus próprios fundamentos (fl. 395).
O MPF opôs embargos declaratórios, às fl. 396/397, os quais foram
acolhidos, para determinar que primeiro fosse dada vista à parte agravada (fl. 398).
Os réus apresentaram contrarrazões ao agravo retido (fl. 400/406).
Na decisão de fl. 408/409, foi determinada a realização de prova
pericial, com apresentação de quesitos pelo Juízo.
Quesitos formulados pela União (fl. 419/420).
Às fl. 449/468, foi carreado o laudo técnico pericial, com ciência do
MPF, à fl. 470, da União, à fl. 472 e dos réus, às fl. 475/476.
Por fim, vieram-me os autos conclusos.
É o que importa relatar.
Decido.
II - FUNDAMENTAÇÃO
DAS PRELIMINARES
1 - Da incompetência absoluta
Sustentam os primeiros requeridos (RUBENS ROBERTO VISCO
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LANA LUCIA LIMA V1SCONE) que inexiste afronta a bens da União no presente caso,
razAo pela qual a Justiça Federal seria incompetente para processar e julgar a
demanda.
Totalmente sem razão, contudo.
Ora, a par da presença do Ministério Público Federal no feito, na
condição de autor - o que por si só atrai a competência da Justiça Federal2 -, resta
evidente o interesse da União na lide, já que os danos ambientais narrados na peça
de ingresso ocorreram em área de preservação permanente situada ao longo do rio
Grande, o qual, por banhar os Estados de Minas Gerais e São Paulo, configura-se
como bem pertencente ã União (art. 20, III, da CRFB/88), de modo a firmar a
competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da Carta Magna.
Outrossim, o ingresso na lide da própria União e do 1BAMA - este
na condição de réu, e aquela na qualidade de litisconsorte ativo - torna
insubsistente a alegação dos requeridos.
E, porquanto a competência para processar e julgar a ação civil
pública por prejuízos ao meio ambiente natural é a do foro do local onde ocorrer o
dano (Lei 7.347/85, art. 2.°), manifesta a competência desta Subseção Judiciária de
Uberaba, que exerce jurisdição sobre o município de Frutal-MG, no qual está
localizado o imóvel ocupado pela ré.
Rejeito, portanto, a preliminar articulada.
2 - Da ilegitimidade ativa
Aduzem os primeiros requeridos que, como decorrência da suposta
incompetência absoluta da Justiça Federal para o julgamento do feito, o Ministério
Público Federal não possuiria legitimidade para a propositura da presente Ação Civil
Pública.
Todavia, conforme salientado no tópico anterior, a Justiça Federal
competente para o julgamento da presente lide, nos termos do art. 109, I, a
2 Nesse sentido: Pet 2.639/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, CORTE ESPECIAL, julgado em 18/O5/20'5,DJ 25/09/2006, p. 198.
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CRF/88, e o Ministério Público Federal possui inquestionável legitimidade para o
ajuizamento de ação civil pública em defesa do meio ambiente, conforme
expressamente dispõe o art. 129, III, da Carta Magna.
Consequentemente, afasto a preliminar suscitada.
3 - Da falta de interesse de agir
Invoca o IBAMA a ausência de interesse de agir do Ministério
Público Federal, ao argumento de que seria desnecessária a intervenção judicial na
hipótese dos autos, eis que a fiscalização e a proteção do meio ambiente são
atribuições legais da autarquia ré, inexistindo, no ponto, resistência ã pretensão
autoral.
O interesse processual traduz-se, conforme as lições insuperáveis
de NELSON NERY JÚNIOR, "quando a parte tem necessidade de ir a juizo para
alcançar a tutela pretendida e, ainda, quando essa tutela jurisdicional pode trazer-lhe
alguma utilidade do ponto de vista prático".
In casu, constato a utilidade e a necessidade da prestação
jurisdicional reclamada pelo Parquet Federal - por via processual adequada, ressalte-
se -, uma vez que, constatada a ocorrência de danos ambientais, cumprirá ao Poder
Judiciário determinar sua cessação e ordenar a devida reparação, de modo a tutelar
o direito fundamental ao meio ambiente e ecologicamente equilibrado.
De outro lado, a existência ou não de omissão do IBAMA, quanto ao o efetivo exercício das atribuições que a lei lhe confere, é questão que diz respeito ao
mérito da causa - que será apreciado oportunamente.
Rejeito, destarte, a preliminar arguida.
DO MÉRITO
'In Código de Processo Civil Comentado, Ed. RT, 5a edição, p. 711.
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1. Da ocorrência de danos ambientais
Sustentam os réus RUBENS ROBERTO VISCONE e LANA LUCIA
LIMA VISCONE que são proprietários do Lote 07 do Condomínio Estância Seneville,
localizado no município de Frutal-MG, e que não causaram qualquer impacto
ambiental no imóvel, nos termos da definição trazida pela Resolução n° 01/86 do
CONAMA.
Aduzem que o trabalho de regeneração da vegetação nativa no
Condomínio Estância Seneville encontra-se em estado avançado, não havendo dano
ambiental significativo no local, conforme atesta o laudo técnico que instruiu a peça
de contestação.
Ressaltam, ainda, que o plantio de árvores e os cuidados com o
meio ambiente no Condomínio em questão foram noticiados pela imprensa do
município de Frutal-MG.
Todavia, constato que a documentação constante dos autos é apta a
comprovar a ocorrência de danos ambientais em área de preservação permanente,
no imóvel ocupado pelos requeridos, localizado às margens do reservatório da Usina
Hidrelétrica de Marimbondo, no município de Frutal-MG, conforme narrado pelo
Ministério Público Federal na peça de ingresso.
Com efeito, o laudo pericial de fls. 449/468 atesta que o imóvel em
questão encontra-se, totalmente, dentro da área de preservação permanente de
trinta metros e, parcialmente, dentro da cota de desapropriação, sendo que nesta há
uma casa que fica a 77,12m2 dentro da APP, mas fora da desapropriação e 69,58m2 dentro tanto da APP como da desapropriação.
A prova técnica comprova, ainda, que houve supressão da vegetação
local e uso do solo para implantação da base de piso e fundações, sendo necessário,
para recuperação dos danos causados, o replantio de espécies nativas. Confira-se (fls. 461):
«(...)Lote 07
16) Houve desmatamento de espécies nativas d tro da área de 30 metros (Lei Estadual 14.309/02) 100 metros (Resolução CONAMA 302/02? É poss el a
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recuperação dessas áreas e em que condições?
Resposta: Sim, houve desmatamento de espécies nativas dentro dessa área, só que este signatário não sabe informar quando e nem quem o realizou".
Por sua vez, o Laudo de Constatação elaborado pelo IBAMA (fl. 30)
corrobora o laudo pericial, pois atesta que as edificações promovidas pelos
ocupantes do imóvel objeto da lide suprimiram a vegetação característica da área de
preservação permanente.
Assim, diante das provas coligidas ao feito, resta plenamente
configurada a ocorrência de danos ambientais, decorrentes da construção em área
de preservação permanente, com supressão de vegetação nativa.
2. Da validade das Resoluções do CONAMA para fixação de APP
Aduzem os requeridos RUBENS ROBERTO VISCONE e LANA LUCIA
LIMA VISCONE que o imóvel objeto da ação está situado na área urbana do
município de Frutal-MG, nos termos da Lei Municipal n° 5.083/04.
Argumentam, também, que o art. 3°, inciso I, da Resolução n°
302/2002 do CONAMA não incide na espécie, por ser inconstitucional, já que a
restrição ao direito de propriedade deve observar o principio da legalidade, sendo
necessária a edição de lei ordinária para regulamentação da matéria.
Por fim, alegam que deve ser aplicado no presente caso o artigo 3°
da Lei Estadual n° 18.365/09, do Estado de Minas Gerais, que dispõe sobre a
ocupação consolidada em áreas de preservação permanente localizadas em área
urbana.
Inicialmente, anoto que não assiste razão aos réus, no tocante à
alegação de que o imóvel por eles ocupado se insere na categoria de urbano.
Com efeito, a documentação proveniente do Cartório de Registro
Imóveis (fls. 34 e verso) e o laudo pericial de fls. 449/468 atestam que o imóvel es
localizado na área rural desapropriada em favor de FURNAS CENTRAIS ELÉTRIC S
S.A. para implantação da Usina Hidrelétrica de Marimbondo (Fazendas São Jo do 9
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Fecho e Lagoa, no município de Frutal-MG).
Ressalto que a Lei Municipal n° 5.083/2004, do município de
Frutal-MG, que "declara área urbanizãvel o loteamento denominado 'Estância
Seneville' ", não é apta a afastar a natureza rural da área, sendo, portanto,
inaplicável na hipótese dos autos.
LEANDRO PAULSEN esclarece que:
"Certo, portanto, de que o fato gerador do IPTU é a propriedade predial e territorial urbana, conclui-se ser de importância vital para o município a delimitação de seu perímetro urbano, a fim de que também se evitem conflitos com a União, dado que a zona rural é objeto de competência tributária da mesma (CF, art. 153, VI). Destarte, a delimitação da zona urbana ou perímetro urbano, como alguns preferem, há de ser realizada por lei municipal. Esta, por sua vez, deverá estar submissa às condições consignadas no CT1V, no seu art. 32, §§ 1° e 2°." (Selma Pereira de Santana, Delimitação de zona urbana e IPTU, Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas n° 18, RI', 1997, p. l23/124).
Ocorre que a parte ré não demonstrou a efetiva existência dos
requisitos mencionados pelo art. art. 32, § 1°, do CTN5, necessários à caracterização
da zona urbana municipal, não sendo suficientes as alegações de que o INCRA não
se opós ao pedido de alteração do solo rural para fins de Sítio de Recreio e de que a
Prefeitura Municipal de Frutal-MG aprovou o loteamento da área.
Registro que a edição de ato normativo meramente formal, pelo
Poder Público Municipal, não é apta a enquadrar determinada área como urbana,
quando os elementos de prova, destinados à formação da convicção do magistrado,
In Direito Tributário - Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência Ed. Livraria do Advogado, 5' edição, p. 634. 5 "Lei n°5.172, de 25 de outubro de 1966- Código Tributário Nacional (...) Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão fisica, com definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município. § 1° Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal; observado o requis mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construidos mantidos pelo Poder Publico: I - meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; li - abastecimento de água; III - sistema de esgotos sanitários; IV - rede de iluminação publica, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar; V - escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilómetros do imóvel considerad
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demonstram a um só tempo a real natureza da área (indubitavelmente rural) e a
ausência dos requisitos mínimos, descritos nos incisos do § 1°, art. 32, do CTN,
necessários àquela configuração.
Ora, a total desconsideração da realidade subjacente à norma e a
constatação de não atendimento ao quanto disposto no Código Tributário Nacional,
com a consequente prolação de sentença em descompasso com o conjunto fático-
probatório constante dos autos, violariam o direito fundamental ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem como o devido processo legal substancial (aqui visto
sob o prisma da razoabilidade da decisão judicial) e, ainda, o próprio principio da
legalidade.
Assim, nem mesmo eventual comprovação de pagamento de IPTU
seria suficiente para caracterizar o imóvel na categoria de urbano.
Não socorre à parte ré, outrossim, a alegação de que deve ser
aplicado no presente caso o artigo 3° da Lei Estadual n° 18.365/09, do Estado de
Minas Gerais, que acresceu o art. 11-A à Lei n° 14.309/2002 daquele ente
federativo, o qual dispõe sobre a ocupação consolidada em áreas de preservação
permanente localizadas em área urbana
Em primeiro lugar, porque a Lei Estadual n° 14.309/2002 foi
revogada6, não havendo, portanto, como espargir os seus efeitos no caso.
De qualquer forma, a legislação estadual é inaplicável à espécie,
pois a Constituição Federal de 1988, ao adotar o modelo de federalismo cooperativo,
estabeleceu a competência concorrente entre União, Estados e Municipios7 para
legislar sobre 'florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos
recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição" (art. 24, VI),
competindo à União estabelecer as normas gerais sobre tais temas (art. 24, § 1°), ao
passo que aos Estados cumpre o exercício da competência suplementar (art. 24, §
2°).
E, em matéria de proteção ambiental,
6 Informação constante do endereço eletrônico da Assembléia Legislativa do Estado de minas Gerais. Disponível em: <http: / /www.almg.gov.br/ consulte / legislacao / completa/ completa.html?num=143098aano=2002&tipo=LEI>. Acess em: 08 out. 2014. 7 Em relação a estes entes federativos, embora não sejam mencionados no capta do art. 24 da CRFB/8 a competência concorrente lhes é atribuída por força do art. 30, incisos I e II, da Cm-ta Magna.
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"(..) por se tratar de direito fundamental essencial à preservação das presentes e futuras gerações e em razão da sua natureza difusa, as normas gerais editadas pela União devem disciplinar questões comuns a todos os entes federados, de forma a garantir a unidade normativa nacional e a efetividade da tutela ambiental em todo o pais.
No federalismo cooperativo, o interesse geral na preservação do meio ambiente exige que a União estabeleça normas mais completas e detalhadas sobre algumas questões, visando ao tratamento uniforme em toda federação, sem que com isso viole a autonomia dos outros entes federados.8 (destaquei)
Nessa esteira, compete à União a regulamentação dos temas
concernentes ã definição da área urbana consolidada e dos próprios limites
territoriais a serem considerados como área de preservação permanente, por se
tratar de normatização de caráter geral, de observância obrigatória pelos demais
entes da Federação - a quem é dado, no entanto, editar normas que sejam ainda
mais defensivas ao meio ambiente, consideradas as peculiaridades regionais e locais.
E, conquanto houvesse conflito entre a legislação federal e a
estadual, é certo que sempre devem prevalecer as normas mais benéficas sob a ótica
da preservação ambiental, ante a incidência do principio in dubio pro natura (ou in dubio pro ambiente). Até porque, no que tange à prerrogativa conferida aos Estados
pelo art. 24, § 2°, da CFRB/88, "não se pode suplementar um texto legal para
descumpri-lo, ou para deturpar sua intenção, isto é, para desviar-se da mens legis ambiental federal" 9.
Na situação dos autos, os requeridos também não comprovaram a
presença dos requisitos necessários à configuração da Área Urbana Consolidada,
previstos no ato normativo federal que rege a matériam.
g MAFFRA, Marcelo Azevedo. Conflitos normativos em matéria ambiental: a prevalência da proteção. Disponível em: <http:/ /www.esmp.sp.gov.br/revista_esmp/index.php/RjESMPSP/article/view/20>. Acesso em: 06 jun 2014. g MACHADO, Paulo Afonso Leme. Competência comum, concorrente e supletiva em matéria de meio ambiente. Revista de Informação Legislativa, Brasfiia, ano 33, n° 131, jullao/set/ 1996. p. 167/174. ID "Resolução CONAMA n° 302, de 20 de março de 2002 (...) Art. 2° Para efeito desta Resolução são adotadas as seguintes definições: (...) v- Área Urbana Consolidada: aquela que atende aos seguintes critérios: a) definição legal pelo poder público; b) existência de, no mínimo, quatro dos seguintes equipamentos de infra-estrutura urbana: 1. malha viária com canalização de águas pluviais, 2. rede de abastecimento de água; 3. rede de esgoto;
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Ante o conjunto probatório constante dos autos, portanto, é
indubitável que a área objeto da lide qualifica-se como rural, e assim deve ser
considerada para efeito de extensão da área de preservação permanente,
independentemente da existência de ato normativo formal em sentido diverso.
Impende destacar, no ponto, que conquanto a área não fosse
considerada rural, as construções efetivadas pelos réus encontram-se em área de
preservação permanente, conforme será expendido no próximo tópico desta
sentença.
Friso, ainda, que não merece prosperar a alegação quanto ã
inconstitucionalidade do art. 3°, inciso I, da Resolução n° 302/2002 do CONAMA,
em decorrência de suposta violação ao principio da legalidade.
Ocorre que o Conselho Nacional do Meio Ambiente exerce seu poder
normativo em decorrência de expressa previsão legal, a teor do que dispõe o art. 6°,
inciso II, e art. 8° inciso VII, da Lei n° 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do
Meio Ambiente. Trata-se, portanto, de poder-dever do órgão ambiental, pois o
exercício da competência que lhe é atribuída, quanto à edição de atos normativos,
não se constitui como mera faculdade.
Ademais, o art. 6°, § 1°, do mencionado diploma legal, ao dispor que
"Os Estados, na esfera de suas competências e nas áreas de sua jurisdição,
elaborarão normas supletivas e complementares e padrões relacionados com o meio ambiente, observados os que forem estabelecidos pelo CONAMA" (destaques
meus), consagra norma absolutamente compatível com o modelo constitucional de
atribuição de competência concorrente, em matéria ambiental, aos entes federativos
(art. 24 da CRFB/88), tema já enfrentado neste decisum.
E, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, o CONAMA
possui autorização legal para editar resoluções voltadas para a proteção ambiental e
dos recursos naturais, em especial, no que se refere à fixação de parâmetros das
áreas de preservação permanente.
4. distribuição de energia elétrica e iluminação pública; 5. recolhimento de resíduos sólidos urbanos; 6. tratamento de resíduos sólidos urbanos; e c) densidade demográfica superior a cinco mil habitantes por 1an2."
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PROCESSO N° 2008.38.02.003352-2
Nesse sentido:
AMBIENTAL. AGRAVO REGIMENTAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. LAGOA ARTIFICIAL. USINA HIDROELÉTRICA DE MIRANDA. OBRA NECESSÁRIA AO USO DA ÁGUA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/ STJ. DETERMINAÇÃO PARA REMOÇÃO DE EDIFICAÇÕES ERGUIDAS NA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. POSSIBILIDADE. 1. A questão do proprietário ribeirinho ter direito à realização de obras para uso da água, contida no art. 80 do Código de Águas, conquanto tenha sido objeto dos embargos de declaração opostos no acórdão, não foi enfrentada pela Corte de origem. Ausente alegação de maltrato ao art. 535 do Estatuto Processual, incide na espécie a súmula 21 1/ STJ. 2. A Corte Estadual, ao decidir pela remoção das edificações levantadas na área de preservação permanente ao redor do reservatório de água artificial da Represa de Miranda (Usina Hidrelétrica de Miranda), não discrepa da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que entende que 'A área de 100 metros em torno dos lagos formados por hidrelétricas, por força de lei, é considerada de preservação permanente' (REsp 194.617/PR), bem como que "possui o Conama autorização legal para editar resoluções que visem à proteção do meio ambiente e dos recursos naturais, inclusive mediante a fixação de parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente' (REsp 994.881/SC). 3. Agravo regimental não provido (STJ, 2' T., Rel. Min. Eliana Calmon, AGRESP 201000351159, DJE 15.05.2013). (grifo nosso).
Aliás, no que toca à incidência dos parâmetros estabelecidos pela
Resolução 302/2002 — CONAMA, aos fatos anteriores à sua vigência, impõe-se
considerar que a ninguém é permitido invocar o direito adquirido à degradação
ambiental.
É que, como corolário das disposições constitucionais, o direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado foi erigido na categoria de direito
fundamental, não podendo, em qualquer hipótese, ser analisado sob o prisma
individualista em detrimento do interesse coletivo. Trata-se, na realidade, de direit
transindividual.
No presente feito, não se discute o direito de propriedade, mas sim
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PROCESSO N° 2008.38.02.003352-2
o direito ao ambiente saudável, como bem essencial à vida, pertencente às presentes
e futuras gerações.
E, como direito fundamental, o meio ambiente deve ser protegido
por todos, principalmente pelos órgãos públicos, que devem empreender fiscalização
perene, para evitar a degradação e poluição.
Entendo, portanto, que as regras advindas com a Resolução n°
302/2002 do CONAMA são plenamente aplicáveis, até mesmo com relação a fatos
ocorridos antes de sua vigência, pois a obrigação de cuidado e reparação dos danos
ambientais recai sobre todos, sem distinção, e decorre diretamente das normas
constitucionais.
É este o entendimento esposado pelos Tribunais pátrios, senão
vejamos:
Processo APELRE 200551080006615
APELRE - APELAÇÃO/ REEXAME NECESSÁRIO - 522348
Relator(a) Desembargador Federal MARCUS ABRAHAM
Sigla do órgão TRF2
órgão julgador QUINTA TURMA ESPECIALIZADA
Fonte E-DJF2R - Data::29/01/ 2014
Ementa
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APELAÇÕES CIVEIS. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. IMPRESCR1TD3ILIDADE DOS DANOS AMBIENTAIS. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO. DEMOLIÇÃO DE TODA A EDIFICAÇÃO. CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS COLETIVOS. IMPOSSIBILIDADE. 1 - Apelações interpostas com o fito de ver reformada sentença que acolheu parcialmente o pedido do Ministério Público Federal em sede de Ação Civil Pública, condenando o réu ao recuo em dois metros do muro de sua propriedade e à recomposição de área de preservação permanente, caracterizada por vegetação de restinga, sobre a qual avançou, além de indenização pelos danos ambientais causados. 2 - Com efeito, a Resolução CONAMA n° 303/2002, a tratar da vegetação de restinga enquanto área d preservação permanente, estabelece faixa de 30 metros a ser protegida. Em virtude de sua fun o ecológica, é indiferente a existência, de fato, da
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vegetação tutelada, para a caracterização da área, decorrendo obrigação de recomposição onde haja devastação. Cogente observar, ainda, que a previsão legal alcança também as zonas urbanas, devendo a legislação local respeitar os limites previstos em lei federal. 2 - É cediço que, face à indisponibilidade do direito ao meio ambiente equilibrado, não corre prescrição contra a pretensão de reparação do ilícito ambiental, visto seu caráter continuado. Assim entende a jurisprudência pátria. Precedentes do STJ: REsp 1247140 / P1?, Rel. MM Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, Julgamento em 22.11.2011, DJe 01.12.2011; REsp 1223092/ SC, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, Julgamento em 06.12.2012, DJe 04.02.2013; AgRg no REsp 1150479/ RS, Rel. MM. Humberto Martins, Segunda Turma, Julgamento em 04.10.2011, DJe 14.10.2011. 3 - No mesmo sentido, não há que se falar em direito adquirido a degradar o meio ambiente, devendo-se garantir sua higidez às futuras gerações. Irrelevante, nesse mister, eventuais alvarás e licenças anteriormente concedidas pelo Poder Público. 4 - A pretensão do Parquet de demolição de toda a edificação esbarra na razoabilidade da medida, vez que a propriedade em questão se presta à atividade económica regularmente desempenhada pelo particular, fato igualmente tutelado pelo ordenamento pátrio. Assim é que importa estabelecer medidas mitigatórias e compensatórias, sob pena de beneficio àquele que degrada, ao arrepio da lei. 5 - Revela-se impossível a condenação em danos morais coletivos, tendo em vista sua incompatibilidade com o viés individualista insito ao dano moral. Precedentes do STJ: AgRg no REsp 1305977/ MG, Rel. MM. Ari Pargendler, Primeira Turma, Julgamento em 09/ 04/ 2013, DJe 16/ 04/ 2013; REsp 821891/ RS, ReL MM. Luiz Pwc, Primeira Turma, Julgamento em 08/04/2008, DJe 08/ 05/ 2008. 6 - Apelações e remessa necessária desprovidas. Data da Decisão 12/ 11/ 2013. Data da Publicação 29/ 01/ 2014." (grifei).
3. Da responsabilidade dos réus pelos danos causados
As questões relativas ao meio ambiente estão disciplinadas
artigo 225 e seguintes da Constituição Federal de 1988, erigidas à categoria
direito coletivo, e isso confere à matéria a natureza de bem de uso comum o
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povo e essencial à qualidade de vida, impondo ao poder público e à própria
coletividade o dever de protegê-lo e preservá-lo. Além disso, a Constituição impõe
condutas preservacionistas a quantos possam direta ou indiretamente gerar
danos ao meio ambiente.
A matéria está veiculada no art. 225 da Constituição Federal, que assim estabelece:
Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
A efetividade das normas constitucionais encontra-se aparelhada
por normas infralegais, como a Lei n.° 6.938/81, que trata da Política Nacional
do Meio Ambiente e a Lei n.° 9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e
administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
Em se tratando da natureza difusa do interesse de preservação
ambiental, a responsabilidade é objetiva, conforme se verifica da redação da Lei
n° 6.938/81, ao dispor em seu art. 14, §
Art. 14 (...)
§ 1° Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.
Do artigo acima mencionado, extrai-se que a responsabilidade
para os causadores de danos ecológicos é a objetiva e integral. A lei també ii
consagra a responsabilidade solidária entre o causador direto e o indireto
atividade que enseja a degradação ambiental (art. 30, IV, da Lei n° 6.938/8 ,
revelando-se pertinente a condenação daquele que contribuiu diretamente, em
como daquele que deixou de fiscalizar efetivamente os danos ambi ntais 17
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PROCESSO N° 2008.38.02.003352-2
ocorridos.
É importante destacar que o "principio da obrigatoriedade da
intervenção estatal", que impõe a intervenção do Poder Público na tutela
ambiental, tem fundamento não apenas na Constituição Federal (art. 225, caput
e § 1°) e na Lei n° 6.938/81, mas também na Declaração de Estocolmo/72 (item
7).
Decorre do principio da obrigatoriedade da intervenção estatal,
em consonância com os princípios da precaução e da prevenção, que atuam
como pilares do sistema protetivo do meio ambiente e compõem a essência do
Direito Ambiental, o encargo do Poder Público (natureza compulsória) de adotar
todas as medidas necessárias para evitar a degradação ou potencial lesão ao
ambiente. É o que se denomina de Poder de Polícia Ambiental.
Insta salientar, ainda, que a responsabilidade estatal, in mau, é
de natureza objetiva, prescindindo da discussão acerca da culpa, o que exsurge
da conjugação dos seguintes dispositivos legais: art. 37, § 6° e art. 225, § 3° da
CF; art. 3', IV e art. 14, § 1° da Lei 6.938/81; e arts. 43 e 927 do Código Civil.
No caso dos autos, o Parquet Federal deixou de incluir, no polo
passivo, os entes federativos - União e Município -, de modo que não há como
responsabilizá-los pelos danos ambientais ocorridos na área, sob pena de se
prolatar sentença extra petita.
Verifico, no entanto, a existência de responsabilidade do IBAMA,
autarquia federal, cuja função institucional é a fiscalização e proteção do
patrimônio ambiental, no âmbito nacional.
É que, consoante bem articulado pelo MPF, às f. 50/52, a
referida autarquia não se desincumbiu satisfatoriamente de seu poder de políci
ambiental (art. 2°, I, da Lei 7.735/89), no que se refere "às atribuições federa
de fiscalização, monitoramento e controle ambiental", de modo a contribuir pa
a consecução de atividades nocivas ao meio ambiente.
Vale observar a clareza da situação narrada pelo Parquet Fed ral,
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IX área degradada, em abril/2007, não foi eficiente para prevenção dos d.
Por outro lado, para o fim de apuração do nexo de causalidade
no dano ambiental e de eventual solidariedade passiva, equiparam-se quem faz e
quem não faz, quando deveria fazer.
Ressalte-se, por fim, que a fiscalização procedida pelo IBAMA
Resta, portanto, evidente, que o IBAMA não cumpriu o seu papel
fiscalizatório, fundamento máximo para sua própria existência, a teor da Lei
7.735/89, o que enseja a sua responsabilidade pelos danos ecológicos apurados
nestes autos.
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PROCESSO N° 2008.38.02.003352-2
ao asseverar que "resulta certo que a poluição oriunda dos ranchos de lazer e
casas construídas ao longo do Rio Grande afetam diretamente o bem público
federal (art. 20, III, da CF), não sendo concebível que a autarquia, tendo
conhecimento do que ocorre, permita a proliferação descontrolada de
construções em área de preservação permanente, ao argumento de que a
fiscalização das construções é de atribuição exclusiva dos Estados" (sic, f. 51).
Não se pode olvidar que, em matéria de direito ambiental, devem
prevalecer os princípios da precaução e da atuação preventiva, que se constituem
em pedras angulares para a gestão de um Estado de Justiça Ambiental.
Nas lições de José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo
Ayala, "a atuação preventiva, tal como a precaução buscam remédios
antecipatórios contra o dano ambiental, ou seja, criar condições para que não
ocorram situações de degradação ambiental. A atuação preventiva se
consubstancia na frase: 'Mais vale prevenir do que remediar".n
E complementam, com os esclarecimentos de Canotilho e
Moreira, segundo os quais "as ações incidentes sobre o meio ambiente devem
evitar sobretudo a criação de poluições e perturbações na origem e não apenas
combater posteriormente os seus efeitos, sendo melhor prevenir a degradação
ambiental do que remediá-la a posteriori".12
II in Dano Ambiental, Ed. RT, 441. Ed., p. 56. 12 Idem..
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ocasionados pela ocupação da requerida, de modo que a atuação não obedeceu
aos princípios da precaução e da prevenção, o que leva à responsabilização desta
Autarquia Federal.
Com relação à responsabilização dos proprietários da área, a
prova dos autos é uníssona no sentido de que estes contribuíram diretamente
para a prática do dano ambiental, consubstanciado, pelo menos, na edificação
irregular em área de preservação ambiental permanente, com supressão da
vegetação nativa, consoante apontado no laudo pericial e no Laudo de
Constatação do IBAMA.
Neste ponto, impende considerar que a Lei n° 12.651, publicada
em 25/05/2012, veio trazer nova regra, em seu art. 62, relativa à área de
preservação permanente nos entornos de reservatórios artificiais de água
destinados à geração de energia ou abastecimento público.
Entretanto, sob os auspícios do principio da vedação ao
retrocesso ecológico, estabelecido pela Carta Magna, tal dispositivo padece do
vício da inconstitucionalidade.
É que, segundo o STJ, o principio da proibição do retrocesso
ecológico pressupõe que a salvaguarda do meio ambiente tem caráter
irretroativo, e, por este motivo, não se pode admitir o recuo para níveis de
proteção inferiores aos anteriormente consagrados. Este princípio tem a função
de estabelecer um piso mínimo de proteção ambiental, para além do qual devem
rumar as futuras medidas normativas de tutela, não se permitindo os impulsos
revisionistas da legislação inpejus.
Há que se concluir, portanto, que qualquer alteração legislativa
que venha a diminuir drasticamente o âmbito de proteção ambiental está em
flagrante afronta aos preceitos constitucionais, não podendo subsistir.
Assim, em controle incidental e difuso de constitucionalida
declaro a inconstitucionalidade do art. 62, da Lei 12.651/2012, por violação os
artigos 1°, inciso III; 30, I e 225 da Constituição da República Federa a do
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Brasil de 1988.
A norma aplicável à espécie, com relação à fixação dos
parâmetros e limites da área de preservação permanente no entorno dos
reservatórios de hidrelétricas é a estabelecida pela Resolução tf 302/2002 -
CONAMA (art. 30, 1)13.
Tratando-se de área rural, é certo que as edificações encontram-
se dentro da área de preservação permanente, observado o limite de 100 (cem)
metros estabelecido no art. 30, I, da Resolução 302/2002 do CONAMA.
Destarte, considerando a existência de danos ambientais
causados pelos réus RUBENS ROBERTO VISCONE e LANA LUCIA LIMA
VISCONE - consistentes na edificação irregular em área de preservação
ambiental permanente, com supressão da vegetação nativa -, impõe-se o dever
de repará-los, à luz da responsabilidade objetiva, sendo prescindível perquirir
acerca do elemento subjetivo, o que, consequentemente, torna irrelevante
eventual boa ou má-fé para fins de acertamento da natureza, conteúdo e
extensão dos deveres de restauração do status quo ante ecológico e de indenização.
Ademais, tratando-se de responsabilidade objetiva, é certo que,
ainda que a atividade do poluidor/destruidor tenha sido precedida da devida
licença do órgão ambiental competente ou realizada dentro dos padrões
estabelecidos pelas normas de segurança, se, em razão dessa atividade, ocorrer o
dano ao meio ambiente, há o nexo causal, que faz nascer o dever de indenizar.
Saliente-se que o dever de reparação se aplica a todos que direta
ou indiretamente contribuíram para a exploração da atividade causadora de
degradação ambiental, possuindo, portanto, caráter solidário. Aliás, a obrigação
de reparação de danos ao património histórico, cultural e ambiental é propt rem, ou seja, será responsabilizado pelos danos causados na propriedade s
13 "Ali 3° Constitui Área de Preservação Permanente a área com largura mínima, em projeção horizontal, no e tomo dos reservatórios artificiais, medida a máximo partir do nível no de: I - trinta metros para os reservatórios artificiais situados em áreas urbanas consolidadas e cem metros a áreas rurais: (...)"
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proprietário atual, independentemente de ter sido ele ou não o real causador dos
estragos, sem sequer se perquirir a respeito de culpa, haja vista tratar-se de
responsabilidade de natureza objetiva.
3. Dos danos materiais coletivos
O MPF requereu a condenação da parte ré no pagamento de
indenização por danos materiais coletivos causados ao meio ambiente, até a
implantação das medidas de recuperação e pelos danos irrecuperáveis.
Ora, o dano ambiental pode ser compreendido como qualquer
lesão aos recursos ambientais que cause degradação e desequilíbrio ecológico.
Assim, não apenas a degradação da natureza deve ser objeto de
reparação, mas também a privação do equilíbrio ecológico, do bem-estar e da
qualidade de vida imposta à coletividade.
Como o dano em geral, o dano ambiental tanto pode ser de
ordem material, quanto moral.
É considerado dano ambiental material ou patrimonial, quando
existe a obrigação de uma reparação a um bem ambiental lesado, que pertence a
toda a sociedade, o qual deve ser integralmente recuperado, mediante obrigações
de fazer e não fazer. Somente quando este dano for irreversível, quando o
ambiente não puder ser recuperado e voltar ao estado anterior ao indigitado
evento é que será possível a indenização em dinheiro. Mas, a prioridade da tutela
ambiental é retornar o ambiente ao status quo ante.
Por outro lado, o dano ambiental moral é todo dano que não
tenha um prejuízo econômico, causado à coletividade em razão de lesão ao meio
ambiente, causando a privação do equilíbrio ecológico, prejudicando o bem-est
e a qualidade de vida inerente a todos os membros da comunidade local.
Em relação aos alegados danos materiais e ao pe do
indenizatório, verifico que, no caso em apreço, é possível a restituição ao tatus
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quo ante, impondo-se, assim, além de demolição das obras irregularmente
construídas, a adoção de medidas restauradoras da área degradada, bem assim,
a inibição da prática de ações antrópicas outras, desprovidas de regular
autorização dos órgãos competentes.
Nada obstante, no caso dos autos, entendo que assiste razão ao
MPF, ao requerer indenização pelos danos materiais ambientais até a
implementação das medidas para restituição do meio ambiente no local, com as
demolições, retirada de entulhos e recomposição da vegetação nativa.
É que, durante o mencionado período, toda a coletividade
suportará as consequências da intervenção danosa no imóvel ocupado pelos réus
RUBENS ROBERTO VISCONE e LANA LUCIA LIMA VISCONE, o que enseja a
estes o respectivo dever de indenizar.
III - DISPOSITIVO
Ante o exposto, confirmo a decisão de fls. 57/59, e JULGO PROCEDENTES os pedidos, para condenar os réus RUBENS ROBERTO
VISCONE e LANA LUCIA LIMA VISCONE e o IBAMA, este último de forma
subsidiária apenas com relação ao item "a":
a) Na obrigação de fazer, no sentido de demolir todas as obras e construções
que se encontram na área de preservação permanente - art. 30, I, da Resolução 302/2002 do CONAMA (100 metros) -, conforme verificado no laudo pericial, e a
remover todos os entulhos decorrentes da demolição, bem como a reconstituir e
recuperar as condições originais da mesma área. Fixo prazo de 90 dias -
contados do trânsito em julgado da presente sentença - para conclusão dos
trabalhos de demolição e limpeza da área e para apresentação de Plano de
Recuperação de Área Degradada a ser aprovado pelo IBAMA, que deverá se
elaborado por técnico devidamente habilitado, incluindo cronograma de obras
serviços, com recolhimento referente à Anotação de Responsabilidade Téc ca
(ART). Fixo multa diária de R$1.000,00 para o caso de descumprimen • da
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ordem, a ser paga pelo primeiro requerido, quantia esta a ser revertida para o
Fundo previsto no art. 13 da Lei n° 7.437/85;
b) Os réus, RUBENS ROBERTO VISCONE e LANA LUCIA LIMA VISCONE, a
iniciar a implantação do projeto de adequação ambiental da área degradada, em
prazo a ser definido no projeto, não podendo este ser superior a 180 (cento e
oitenta) dias, contado da data da aprovação do projeto pelo órgão ambiental
competente, devendo obedecer a todas as exigências e recomendações feitas pelo
referido órgão;
c) Os réus a pagarem indenização no valor de R$30.000,00 (trinta mil reais),
em razão dos danos materiais coletivos decorrentes da conduta ora em análise,
pela ocupação irregular da área de preservação permanente até o início da
execução do projeto de adequação ambiental, quantia esta a ser revertida para o
Fundo previsto no art. 13 da Lei n° 7.437/85.
d) O IBAMA no pagamento de penalidade, pela falta do efetivo poder de
policia ambiental, no valor correspondente a R$ 10.000,00 (dez mil reais),
quantia esta que deverá ser revertida ao Fundo previsto no art. 13 da Lei n° 7.437/85.
Autorizo ao MPF a promover a demolição e recuperação da área
por conta própria, se a parte ré não o fizer no prazo supra. Para tanto, deverá
apresentar projeto e orçamento a ser aprovado pelo Juízo.
Condeno os réus RUBENS ROBERTO VISCONE e LANA LUCIA
LIMA VISCONE a reembolsar os valores gastos pelo autor na demolição d(
construção e recuperação da área, sem prejuízo do pagamento das multas
furadas acima.
da
O valor da indenização e da penalidade deve ser atualiza
conforme o Manual de Procedimentos e Cálculos da Justiça Federal, a partir da
data desta sentença, e sobre ela incidirão juros de mora de 1% ao mês, de de a
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citação.
Custas pelos réus, sendo delas isento o IBAMA, nos termos da Lei 9.289/96, art. 40, I.
Sem honorários advocaticios.
Publique-se. Registre-se I
Sentença sujeita ao duplolgra jurisdição.
se.
Uberaba/MG, cZa- 4 /2015.
CLÁUDIA AP IDA SALGE Jui a Federal
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