Download - Kerry Allyne - Doce Castigo
Doce Castigo “The Woll King”
Kerry Allyne
Aquele beijo dentro do carro foi o começo da sua perdição.
Odiar e amar ao mesmo tempo era o martírio de Tracey
"Saia deste carro, Tracey! Chega de dar espetáculo com o seu amiguinho!"
Foi assim que Tracey viu pela primeira vez Ryan Alexander, seu tutor.
Para castigá-la, Ryan levou-a para uma fazenda na Austrália. Lá, Tracey
sentia-se consumir em fogo lento, sendo obrigada a conviver com Ryan, a quem
detestava e, ao mesmo tempo, desejava. O que ele pretendia? Torturá-la?
Enlouquecê-la? Ou simplesmente seduzi-la?
Doação do livro: Naiad Digitalização: Joyce
Revisão: Alessandra Maciel Colaboração: Alice Maria
Copyright: Kerry Allyne Título original: "The Wool King"
Publicado originalmente em 1978 pela Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra
Tradução: Lúcia de Barros Copyright para a língua portuguesa: 1985
Abril S.A. Cultural
Capítulo I
Tracey Alexander caminhava impaciente sobre o carpete grosso e macio da
saleta, as mãos enfiadas nos bolsos de trás do velho jeans e uma expressão de
revolta no rosto habitualmente sereno.
— Bem, o fato é que não pretendo ir e ponto final — declarou com
veemência, dirigindo-se à sua meia irmã Lynette, que a escutava apreensiva,
sentada no sofá.
Com vinte anos, três mais do que Lyn, Tracey era o oposto da irmã. Alta e
magra, tinha cabelos castanhos que lhe caíam em ondas largas sobre os ombros,
olhos verde acinzentados, uma boca expressiva e um queixo voluntarioso. Lyn, por
sua vez, tinha estatura abaixo da mediana, cabelos loiros, curtos e lisos, e uma
expressão no rosto arredondado que demonstrava ingenuidade e indecisão.
— Mas, Tracey… temos que ir! É uma das condições impostas pelo
testamento — lembrou Lyn, numa tentativa de fazer a irmã raciocinar com mais
ponderação.
— Maldito testamento! — exclamou Tracey. — Não sei por que faço parte
dele. Afinal, nem sou uma Alexander por nascimento. Acho ridículo ter de me
submeter a um tutor até completar vinte e três anos. Simplesmente ridículo!
— Provavelmente nosso pai achou que precisaríamos de alguém para zelar
por nossos interesses, com tanto dinheiro em jogo. Do contrário, não teria
imposto essa condição. Além disso… papai não gostava de vê-la saindo com seu
chefe — Lyn acrescentou, depois de uma ligeira hesitação.
— Não há nada de errado com Boyd!
— Como não, Tracey? Ele é casado!
— Separado, Lyn, e isso faz uma diferença enorme.
— Boyd tem quarenta e cinco anos! Papai sonhava com alguém mais jovem
para você.
— Sei disso — Tracey sentou-se diante da irmã —, mas acontece que
rapazinhos não fazem meu gênero. Eles me parecem tão… imaturos! Boyd, pelo
contrário, já não é criança e sabe tirar partido da vida. Ele é muito…
— Experimente?
— Não. Acho que adulto é um adjetivo que o classifica melhor — Tracey
falou com firmeza, mas, diante da expressão preocupada da irmã, procurou se
desculpar. — Lyn, eu não devia estar descontando meu mau humor em cima de
você. Sei que não tem culpa de nada, mas não entendo por que papai fez isso co-
migo. Trabalho e me sustento há dois anos, portanto não há nada que justifique a
necessidade de um tutor.
— O dr. Gatehead, o advogado, disse que não temos escolha; se quisermos
receber a herança que papai deixou, teremos que nos submeter às condições do
testamento.
— Ora essa! Nem sou uma Alexander!
— Mas você foi incluída no testamento, Tracey, e existe nele uma cláusula
que não deixa dúvidas: ou nós duas recebemos a herança ou nenhuma de nós!
— E para recebermos qualquer coisa, precisamos aturar esse tutor, esse
primo desconhecido? Não, muito obrigada. Não faço questão de receber nada.
— Não diga isso, Tracey. Sabe que papai pretendia que o irmão dele fosse
nosso tutor, mas, já que titio faleceu, nada mais justo do que seu filho mais velho
tomar o lugar dele.
— Ora, Lyn… tio ou primo, pouco importa. O fato é que por mim os Alexander
podem guardar seu rico patrimônio e seus tutores também. Não estou disposta a
aceitar nem uma coisa nem outra.
— Mas eu não sou tão autoconfiante ou independente quanto você, Tracey.
Iria me sentir muito mais segura, sabendo que continuaria a fazer parte de uma
família e que teria alguém para tomar conta de mim. Para ser sincera, gostaria
muito de ir para Wirrabilla.
Tracey olhou para a irmã com ternura e compreensão. Pobre Lyn! Tinha sido
muito mimada e a morte do pai a afetara demais. Fazia apenas uma semana que
ele tinha morrido e a garota não conseguira ainda se conformar com as mudanças
que seria forçada a aceitar em sua vida.
As duas irmãs e o pai formavam uma família muito unida. Tracey não havia
conhecido seu verdadeiro pai, que morrera quando ela tinha apenas três meses de
vida. Anos mais tarde, porém, ganhara um segundo pai, Ben Alexander, com quem
sua mãe se casara e tivera uma segunda filha, Lynette. Juntos, o casal e as duas
filhas viviam felizes, até que, sete anos mais tarde, a mãe das garotas falecera,
deixando a pequena Lyn aos cuidados do pai e da irmã mais velha, que tudo
fizeram para protegê-la e ampará-la. O excesso de zelo, porém, fez com que Lyn
se tornasse uma criatura insegura e vulnerável, buscando constantemente apoio
em Tracey e no pai.
— Não se preocupe, Lyn — disse Tracey. — Poderá ir para Wirrabilla, se
quiser. Eles vão compreender a situação se você explicar, estou certa disso.
— Você não gostaria de ir, Tracey? Não está interessada em ver como
funciona uma fazenda no interior? Sempre disse que apreciava esse tipo de vida.
— E é verdade, mas não nas condições impostas pelo testamento. Podem ser
ideais para você, pois estará com gente de sua própria família, mas não para mim.
Acho absurda a ideia de ter um desconhecido dizendo o que posso ou não fazer.
— Mas você sabe que papai ficaria feliz se continuássemos juntas!
— Eu também gostaria de ficar com você, Lyn. Mas não estou disposta a
abrir mão de minha liberdade pessoal. Gosto de sair com Boyd e não vejo razão
para que me impeçam de fazer isso.
Lyn baixou os olhos, desanimada.
— Não pense mais no assunto, Lyn — Tracey tentou tranquilizar a irmã. —
Tenho certeza de que vai gostar da fazenda dos Alexander e de Wirrabilla. É
este o nome do lugar onde ela fica, não?
— Isso mesmo. Mas… vou me preocupar com você.
Tracey riu com vontade.
— Talvez isso até seja bom. Pelo menos assim não vai quebrar a cabeça
pensando na maneira como a família Alexander irá recebê-la.
— Tem razão — Lyn concordou, pensativa. — É estranho pensar que papai
fazia parte desse ramo da família Alexander, uma vez que ele nunca falou a
respeito de ninguém, não acha? Talvez ele fosse considerado como uma "ovelha
negra".
— Pode ser, mas, conhecendo papai tão bem quanto o conheci, acho que ele
resolveu se afastar dos negócios da família para construir sua própria vida.
— Mas isso não justifica o fato de ele não ter nem ao menos se
correspondido com os parentes. É estranho descobrir, de repente, que se tem
tios, tias, primos e primas dos quais nunca se ouviu falar.
— Quantas famílias não perdem o contato por viverem distantes, Lyn? Papai
não seria o primeiro caso.
— Mesmo assim, não acha que ele poderia ter falado sobre sua família?
— Bem que eu gostaria de poder lhe dar uma resposta, Lyn, mas sei tanto
quanto você sobre este assunto. É possível que um dia tenham se desentendido
ou… Bem, nada disso importa, a não ser que estamos atadas a esse tal primo.
— É verdade.
Tracey se levantou. Queria tomar um banho morno e deitar. Estava cansada.
— Você… vai sair hoje? — Lyn perguntou, hesitante.
— Hoje, não. Combinei de sair amanhã à noite.
— Mas não vai poder!
— Por que não?
— Porque o dr. Gatehead mandou nos avisar que nosso tutor virá aqui
amanhã.
— Bem, pelo que sei ele vai ficar em Sidnei uma semana, portanto poderá
muito bem vir nos conhecer num dia em que eu não tenha compromissos.
— Mas, Tracey, não se pode dar um jeito de adiar sua saída? Iria me sentir
mais segura com você a meu lado.
— Ora, Lyn, não seja boba! — Tracey exclamou, já impaciente. — Esse tal
tutor… como é mesmo o nome dele? Ryan?
— Qualquer coisa assim.
— Pois é, ele virá aqui apenas para conhecer você, e não para seduzi-la!
Portanto, não há por que ter medo.
— Mas pense bem, Tracey. Mais cedo ou mais tarde você terá que encontrá-
lo. Não acha que será mais fácil se estivermos juntas?
— Sinto muito, Lyn, mas temos entradas para o teatro e não pretendo
perder o espetáculo. Não se preocupe, qualquer noite destas eu estarei aqui para
conhecer esse primo misterioso. Está bem assim?
— Não tenho outra alternativa, tenho?
— A culpa não é minha, Lyn. Esse tal primo é quem deveria ter se informado
sobre nossa disponibilidade de horário. E se tivéssemos planejado uma orgia para
amanhã?
As duas irmãs deram boas risadas e Lyn ficou mais animada.
— Você é impossível, Tracey! Vou morrer de saudades suas. Não quer mesmo
reconsiderar sua decisão e vir comigo para o interior?
— De jeito nenhum! Sou dona do meu próprio nariz e pretendo continuar
assim.
Já passava da meia-noite quando o carro esporte de Boyd parou em frente à
casa de Tracey. Ela notou que havia luzes na sala e se preocupou, imaginando que
Lyn estivesse acordada à sua espera.
— Vou entrar, Boyd. Lyn ainda está de pé. Deve estar ansiosa para me
contar como foi a conversa com o tal primo.
Boyd chegou mais perto de Tracey e deslizou a mão sobre os ombros dela,
até alcançar o pescoço fino e macio. Acariciou a pele suave e sentiu uma onda de
desejo dominá-lo. Puxou-a então para mais perto e apertou-a nos braços,
apoderando-se em seguida dos lábios quentes e sensuais de Tracey. Por um mo-
mento ela se abandonou naqueles braços, mas logo depois tentou se livrar do
beijo que se prolongava demasiadamente. Não era comum o namorado ser tão
expansivo e ela estava impaciente para entrar.
— Não, Boyd… por favor… — Tracey procurou afastá-lo. Mas Boyd parecia
não escutá-la. Afastou com a mão o xale que cobria os ombros frágeis de Tracey
e lhe acariciou a pele vibrante e quente, para depois roçar os lábios no pescoço
macio dela.
— Tracey, minha querida. Desejo você! Gostaria que…
Mas Boyd não conseguiu terminar seu pensamento, pois foram surpreendidos
pelo ruído da porta do carro que se abria rápida e inesperadamente. Sem
entender nada, deram com um desconhecido que se inclinava para dentro do
veículo.
— Você é Tracey Alexander? — o homem perguntou.
O casal estava em choque, ambos assustados com aquela invasão de sua
privacidade. Mesmo assim Tracey balançou a cabeça afirmativamente. O
desconhecido então a segurou pelo braço com força.
— Sou Ryan Alexander, seu tutor — anunciou ele, enquanto a puxava para
fora do carro, até fazê-la ficar de pé, ao seu lado, embaraçada, sem jeito e
furiosa!
— Como ousa agir assim? — ela perguntou, indignada.
— Olhe aqui, seu… — Boyd começou a dizer.
O tutor, entretanto, não se abalou com a reação dos dois e continuou a se
dirigir a eles no mesmo tom calmo e controlado.
— Acho melhor ir embora, sr. Wilcox. Sei que mora bastante longe. —
Tracey ficou irritada. O que Lyn teria contado àquele maldito primo se ele já
sabia até o sobrenome de Boyd e onde ele morava?
— Não vou embora coisa nenhuma! — respondeu Boyd.
— Por favor — Tracey interferiu. — Estou bem. Pode deixar que eu resolvo
este problema. Vejo você amanhã, no escritório.
Boyd hesitou ligeiramente, mas, vendo que Tracey parecia calma e segura,
resolveu concordar. Deu meia-volta, entrou no carro, e saiu segundos depois
ruidosamente.
Sem largar o braço de Tracey, Ryan Alexander a conduziu em direção à
casa, com passos largos e rápidos.
— Entre logo, sua… sua… Você parece uma dessas… dessas mulheres que só
se ocupam à noite.
Tracey teve vontade de esbofetear aquele homem pela insolência, mas
preferiu usar de ironia.
— Você deve falar com conhecimento de causa, porque, provavelmente, é
esse o único tipo de mulher com quem se relaciona!
Preferindo evitar uma resposta à altura daquele comentário mordaz, Ryan
Alexander apertou com mais força ainda o braço de Tracey, e praticamente
empurrou-a até a sala de estar, onde fez com que ela se sentasse, afundada numa
das poltronas.
Não havia dúvidas de que ele era forte e, puxa, como era grande! Tinha os
ombros largos, sua estatura era bem acima da média e não havia em seu corpo
atlético o menor vestígio de gordura supérflua. Tracey observou-o com atenção,
desde os cabelos escuros e lisos, que caíam displicentemente sobre a testa, até
os olhos muito azuis, a pele bronzeada, própria de quem vive ao ar livre, o nariz
reto, a boca sensual e o queixo anguloso. Ele devia ter trinta e um anos… um
pouco mais, talvez.
Intimamente, admitiu que, por mais arrogante e autoritário que ele fosse,
era sem dúvida um homem e tanto! Não seria fácil agir com frieza diante dele.
— Onde está Lyn? — ela perguntou, numa tentativa de quebrar o silêncio e
afastar os pensamentos descabidos numa situação como aquela.
— Já foi se deitar há muito tempo e é o que você também deveria ter feito,
em vez de ficar namorando no carro.
— Se não gostou do que viu, deveria ter virado o rosto para o outro lado.
— Quem se expõe numa via pública, corre o risco de ser observado.
— Ora, deixe de bobagens! Havia um único carro estacionado do outro lado
da rua e ele estava vazio!
— Engana-se, garota. Eu estava dentro dele e pude assistir ao espetáculo
que estava dando.
Atrevido! Tracey gostaria de lhe dar uma boa resposta. Mas não estava
disposta a discutir sobre sua atitude no carro. Afinal, não tinha feito nada
demais e, se ele não tinha gostado do que vira, azar dele!
— Bem, posso saber por que continua aqui, uma vez que Lyn já foi dormir?
Calculei que já tivesse ido embora.
— Devo deduzir, portanto, que está chegando a esta hora da noite porque
tentou evitar um encontro comigo?
Tracey riu com sarcasmo.
— É o que pensa? Que voltei tarde de propósito, apenas porque não queria
vê-lo? Pois fique sabendo que pouco me importa quem você é, o que faz ou para
onde vai. Não tem qualquer controle sobre minha pessoa!
— Não é bem isso que diz este documento que tenho nas mãos — Ryan disse,
tirando do bolso um envelope grande e mostrando-o a ela.
Tracey levantou o queixo, numa atitude de desafio. Tinha chegado a hora de
deixar bem clara sua posição: não sairia de Sidnei!
— Não quero saber desse documento. Não pretendo deixar a cidade para me
enfiar numa fazenda no fim do mundo. Aliás, Lyn já deve ter lhe falado sobre
isso. Não sei por que, então, continua insistindo.
— É hábito da família Alexander tomar conta de seus membros.
— Mas não sou uma Alexander! Não, de verdade!
— Seu nome neste documento prova que está mentindo.
— Então… então vou mudar de nome. Vou me casar com Boyd.
— Quer me explicar como, uma vez que o tal homem tem uma esposa?
Tracey percebeu que ele sabia muito mais do que ela imaginara.
— Boyd está tratando do divórcio — afirmou, tentando aparentar uma
segurança que não sentia. Na verdade, Boyd tinha falado sobre o divórcio, mas
não tomara qualquer providência no sentido de obtê-lo.
— Posso ler em seu rosto que as coisas não são exatamente como você diz.
Pelo que pude presenciar esta noite, aquele homem não está pensando em
casamento.
Ryan estava indo longe demais, invadindo sem limites sua privacidade e
Tracey sentia o sangue ferver nas veias.
— O que faço e com quem ando não é da sua conta! — exclamou com raiva.
— Está se esquecendo novamente do documento que me fez seu tutor.
— Esse papel miserável não vai me impedir de casar com quem eu quiser.
— É o que você pensa. Até completar vinte e três anos, só poderá se casar
com meu consentimento.
— Ah! Meu Deus! Isto deve ser um pesadelo! Não vejo por que precisaria de
sua aprovação para me casar. Isso é um absurdo!
— Entenda de uma vez por todas que eu, Ryan Alexander, fui nomeado seu
tutor e guardião dos bens da família, até que você complete vinte e três anos.
— Não, não e não! Eu me recuso a aceitá-lo como tutor, guardião, ou o que
quer que queira se intitular. Não vou me submeter a essa loucura e ninguém vai
me convencer do contrário. Estamos entendidos?
— Acho que está se esquecendo de Lyn.
— Ela não tem nada a ver com minha decisão.
— Como não? Caso insista nessa tolice de desobedecer às exigências do
testamento, sua irmã perderá o direito à herança. Será que seu egoísmo chegará
a tanto?
— Não se trata de egoísmo. Apenas não compreendo por que fui incluída
nesse testamento. Não nasci uma Alexander.
— Todavia, o testamento diz que ou ambas concordam com os termos nele
expressos ou nenhuma das duas receberá nada.
— Isso é chantagem!
— Mas foi o desejo de seu padrasto.
Tracey refletiu por um momento. Seu pai era contra seu namoro com Boyd,
mas nunca sequer suspeitara de que ele fosse capaz de lançar mão de recursos
tão extremos para impedi-la de continuar aquele relacionamento. Além disso, ele
morrera certo de que ela continuaria a cuidar de Lyn e que nunca abandonaria a
irmã.
— Não concordo com esse testamento e vou dar início a uma ação judicial
para contestá-lo — falou com calma, embora reconhecesse que aquela era uma
ameaça vazia.
— Ninguém pode impedi-la de tentar. Mas me sinto no dever de alertá-la
para o fato de que esses processos levam muitos anos para chegar ao fim. Até lá,
continuarei sendo legalmente seu tutor, não se esqueça disto. Assim, é possível
que, ao invés de esperar até completar vinte e três anos, você acabe tendo que
esperar até trinta e três.
— Ainda bem que é bastante rico para se dar a esses caprichos! — ela disse,
cheia de revolta.
— Realmente, é uma vantagem.
— Vou pedir ajuda a Boyd — arriscou Tracey, sem ter mais o que dizer.
— Pelo que presenciei hoje, não creio que ele esteja disposto a enfrentar o
mundo por você, Tracey. O homem a deseja, isso estava bem claro, mas acha que
terá paciência suficiente para esperá-la por mais dois anos e meio, até que possa
se ver livre de mim?
— Não dê palpites num assunto que desconhece. Não pode dizer como Boyd
vai agir.
— Por que não pergunta a ele amanhã, no escritório? Estou interessado em
saber a resposta dele.
— Acha assim tão impossível que Boyd queira me ajudar?
Ryan caminhou até a lareira, tirou um cigarro do bolso, acendeu-o e deu uma
longa baforada.
— Não é bem isso. É que duvido que ele esteja disposto a ajudar você sem
receber alguma coisa em troca… e é bem fácil imaginar o que ele gostaria de
receber como pagamento por sua generosidade, não acha?
Boyd seria capaz de fazer cobranças desse tipo a ela? Será que imporia
condições para ajudá-la a sair daquela situação absurda? Embora tivesse dúvidas,
Tracey não estava disposta a dar o braço a torcer. O tal Ryan era um estranho e
ela fazia questão de que ele permanecesse como tal.
— Não deve julgar Os outros por seus próprios padrões, sr. Alexander —
disse, agressiva.
— Estou tirando minhas conclusões pelo que vi hoje. Pensando bem, talvez
você já tenha até concordado com as condições do sr. Wilcox.
— Puxa! Você sabe ser realmente insuportável! Primeiro me aparece no
carro, só para estragar uma noite agradável. Depois me arrasta para dentro de
casa e me desfia uma série de regras que devo seguir durante os próximos dois
anos e meio. Finalmente, duvida da minha conduta, fazendo sugestões horríveis
em relação ao meu comportamento! — Tracey exclamou, perdendo a calma
aparente, as faces coradas pela raiva. — Bem, agora que já arruinou meu bom
humor, quer ter a gentileza de ir embora? Não há mais nada a dizer. Além disso,
estou cansada e quero ir para a cama.
Com ironia no olhar, Ryan deu uma última tragada no cigarro e o atirou na
lareira. Depois se aproximou de Tracey, que, instintivamente, recuou. Mesmo
assim, Ryan segurou-lhe o queixo pequeno nas mãos, e ficou observando
longamente aqueles olhos muito verdes, enquanto com o polegar acariciava-lhe as
faces rubras, fazendo-a estremecer.
— Se tivesse chegado em casa mais cedo, não estaria tão cansada, nem teria
essas olheiras profundas, minha querida.
Tracey respirou fundo, com uma resposta àquela provocação na ponta da
língua. Mas Ryan largou-a, subitamente, e se encaminhou para a porta. Tracey o
seguiu como se quisesse se certificar de que ele iria mesmo embora. Ao chegar no
terraço, entretanto, Ryan se voltou para ela com um sorriso maroto nos lábios.
— Ah! Não se esqueça de me contar sobre a opinião do tal Boyd a respeito
do nosso assunto, Foguinho — ele disse, zombeteiro.
— Não me chame de Foguinho! — ela gritou, enquanto Ryan descia
calmamente os degraus para logo depois entrar em seu luxuoso carro e arrancar
ruidosamente.
Assim que o carro dobrou a esquina, Tracey entrou em casa. Fechou a porta
e encostou-se nela, exausta. Precisava de um bom sono para se recuperar de toda
a irritação que aquele homem lhe causara. Apagou as luzes e foi para o quarto.
Mas apesar do extremo cansaço não conseguiu dormir como esperava. Ficou
se debatendo na cama, de um lado para outro, tendo sensações de frio e calor
alternadamente.
Afinal, quando conseguiu dormir, seu sono foi entrecortado por pesadelos
em que Ryan Alexander era o personagem principal.
Capítulo II
Já passava das sete e meia da manhã quando Lyn entrou no quarto da irmã.
— Acorde, Tracey, senão vai acabar chegando tarde no escritório.
Tracey se espreguiçou e rolou na cama, forçando os olhos a se abrirem. Suas
pálpebras estavam pesadas.
— Obrigada, Lyn — ela respondeu, com voz rouca.
Sentia a garganta seca e dolorida. Sentou-se na cama e teve a impressão de
que sua cabeça ia arrebentar de tanta dor.
— Minha nossa! Estou me sentindo péssima! Acho que peguei uma bela gripe.
— Talvez fosse melhor você não ir trabalhar — Lyn sugeriu. As palavras da
irmã, entretanto, evocaram a lembrança dos acontecimentos da noite anterior e
Tracey tomou uma resolução de imediato, saltando rapidamente da cama.
— Nada disso, Lyn. Não posso deixar de ir ao escritório hoje. Tenho umas
coisas para decidir com Boyd.
— Por que não liga para ele e conversa por telefone?
— Não é conversa que se possa ter a distância. Tenho mesmo que ir.
Saiu do quarto, tomou banho e se vestiu. Sentia-se mal, tinha calafrios e a
cabeça lhe doía, mas tinha que reagir para enfrentar Boyd cara a cara, nem que
fosse apenas para provar que Ryan Alexander estava redondamente errado em
seus julgamentos.
Tomou café rapidamente e mal ouviu a conversa da irmã, que falava sobre a
visita do primo Ryan, na noite anterior. Seus pensamentos estavam distantes dali,
sua segurança, abalada.
Depois de se despedir de Lyn, saiu e em poucos minutos entrou num ônibus.
Foi bom poder sentar-se novamente: estava mais morta que viva, os calafrios
cada vez mais fortes, os músculos doloridos. Espirrava toda vez que a porta do
ônibus abria para apanhar um passageiro, deixando um ventinho desagradável
passar.
Finalmente chegou ao escritório, depois de um trajeto de minutos que
parecia ter levado horas. Foi diretamente para sua sala e, mal teve tempo de
guardar a bolsa na gaveta, Boyd apareceu para falar com ela.
— Venha até meu escritório, Tracey. Poderemos conversar sem que nos
interrompam.
Tracey seguiu o namorado até a sala bem decorada e sóbria. Mal Boyd
fechou a porta, se aproximou dela, os braços estendidos, pronto para beijá-la e
abraçá-la. Mas Tracey se esquivou, sentando-se na poltrona de couro em frente à
mesa dele.
— Sinto muito, Boyd, mas não me sinto nada bem — ela se desculpou.
Imediatamente ele se aproximou, sinceramente preocupado.
— Não devia ter vindo trabalhar, Tracey. O que, afinal, aconteceu ontem à
noite?
— Não tem nada a ver com ontem à noite. É que peguei uma gripe muito
forte e devo estar com febre.
— Pobrezinha! — Boyd segurou-lhe as mãos frias. — Não acha que deveria ir
para casa e se deitar um pouco?
Isso era o que mais desejava fazer, mas precisava antes esclarecer a
situação.
— Pensei mesmo em ficar em casa, mas queria conversar com você. Sabe, o
primo de Lyn, aquele homem que apareceu ontem à noite no carro, insiste em
levar minha irmã e eu para sua propriedade rural, em Wirrabilla. Teremos que
ficar sob sua guarda, para cumprir uma das cláusulas do testamento de papai.
Boyd ficou pensativo e foi sentar-se em sua mesa.
— Eu devia ter imaginado que aquele homem ia criar caso. A atitude dele
ontem à noite foi extremamente desagradável. Mas esse é o problema com os
fazendeiros ricos: se acham os donos do mundo, capazes de criar suas próprias
leis. São verdadeiros senhores feudais e esperam que o mundo se curve diante
deles — Boyd apertou os olhos. — Não existe uma maneira de você se livrar dessa
condição estúpida que seu padrasto impôs?
— Não sei. Mas cheguei a dizer que abriria um processo judicial para
contestar o testamento.
— E ele? Como reagiu?
— Tranquilamente. Limitou-se a me informar sobre os altos custos desses
processos e disse que eu deveria saber que vou levar mais tempo para ficar livre
dele com o processo do que se aceitar simplesmente a tutela.
— Compreendo. É bem verdade que ele conseguiria isso, se realmente
quisesse. Os custos de um processo são elevados e a justiça pode se tornar muito
lenta, se a pessoa souber mexer os pauzinhos.
Tracey sentiu que sua última esperança estava se desvanecendo.
— O que posso fazer, Boyd? — perguntou, temerosa. — Não quero sair de
Sidnei.
Ele se inclinou para a frente.
— Talvez eu possa ajudá-la, de alguma maneira.
— Como? Poderia me ajudar a enfrentar o processo?
— Acho que seria inútil. Alexander já a preveniu de como vai agir se fizer
isso. Não acredito que valha a pena arriscar dinheiro num caso que já está
perdido antes de começar. — Calou-se por um momento e prosseguiu: — Não era
essa minha ideia. Estava pensando em… tomar conta de você.
Tracey ficou na expectativa, desejando que as suspeitas de Ryan Alexander
não se confirmassem.
— Como assim? Pode ser mais claro? — perguntou, receosa. Boyd estendeu
as mãos sobre a mesa, para pegar as dela, mas Tracey evitou o contato.
— Bem… moro numa casa pequena — ele começou —, mas tem espaço
suficiente para abrigá-la. Não posso lhe oferecer muito, mas terá sempre um
teto sobre sua cabeça. — Hesitou por um instante e continuou: — Não haverá
compromisso da parte de nenhum de nós dois, mas posso providenciar um lugar
para você viver enquanto decide como agir para enfrentar Alexander.
Tracey recostou-se na cadeira. Agora sua cabeça latejava ainda mais, os
joelhos tremiam e seu corpo estava mole e dolorido. Meu Deus! Então Ryan
Alexander estava certo! Boyd tinha afirmado que não haveria compromisso entre
eles, porém não duvidava mais qual seria o preço que teria de pagar para ter um
teto sobre sua cabeça. Caso aceitasse a proposta dele, sabia exatamente o que a
esperava.
Levantou-se desanimada e encarou Boyd com determinação no olhar.
— Sinto muito, mas isso não daria certo.
Boyd levantou-se apressadamente e foi para junto dela, procurando abraçá-
la.
— Acho que não entendeu direito minha sugestão, querida. Ao lhe oferecer
proteção, estou apenas querendo lhe dar uma oportunidade de se livrar de toda
essa confusão — argumentou, procurando parecer sincero, mas sem conseguir
dissimular um estranho brilho nos olhos.
Como não havia percebido isso antes? Tracey perguntou a si mesma. Boyd
nunca tivera a intenção de se divorciar realmente da esposa e ela tinha sido uma
boba em acreditar que ele faria isso. Levara seis meses para descobrir o que
Ryan Alexander percebera em poucos minutos. Esforçando-se para caminhar com
firmeza, afastou-se de Boyd, lutando para que seu rosto não traísse sua
decepção.
— Vou tirar o dia de licença, Boyd — ela anunciou. — Não estou bem e
preciso de descanso para me livrar desta gripe.
— Tracey… — Boyd murmurou, aproximando-se dela para abraçá-la.
Mas aquele era o fim para eles, e Tracey, depois de se esquivar dos braços
do chefe, caminhou para fora da sala, fechando a porta atrás de si. Foi até sua
mesa, pegou a bolsa e saiu do escritório.
Só na rua é que percebeu que estava começando a chover. Só faltava essa!
Ia ficar encharcada para chegar até o ponto de ônibus. Se, pelo menos, ele viesse
logo…
A luz do dia se apagava por trás de nuvens cor de chumbo quando Lyn
chegou em casa, os braços carregados com dois pacotes de supermercado. Assim
que entrou, viu a bolsa de Tracey sobre o sofá e ficou preocupada. A irmã nunca
chegava tão cedo, o que teria acontecido? Foi até o quarto de Tracey e abriu a
porta com cuidado.
— Está acordada? — perguntou, baixinho.
— Agora estou, mas passei o dia todo cochilando.
Lyn aproximou-se da cama e notou que os olhos da irmã brilhavam de febre.
— Vou pedir para que o dr. Hamilton venha vê-la, Tracey — disse,
preocupada.
— Não é preciso, meu bem. Quando saí do escritório passei pelo consultório
dele. O dr. Hamilton me examinou e receitou alguns remédios. Já tomei a
primeira dose e terei que tomar a segunda na hora do jantar. Estou com uma
gripe terrível.
— Quer que lhe traga alguma coisa? Chá ou café?
— Gostaria muito de um chá, por favor.
— Num minuto — Lyn disse solícita, enquanto saía correndo do quarto.
Tracey olhou pela janela e viu que a chuva continuava a cair com intensidade.
Hum… ia ser gostoso tomar um chá quente e voltar a dormir. Percebeu um barulho
de vozes que vinham da cozinha e o riso alegre de Lyn. Com certeza alguma
vizinha tinha passado por lá e estavam conversando.
Estava quase cochilando de novo, quando ouviu a porta do quarto se abrir.
Rapidamente sentou-se na cama, pronta para, tomar seu chá quentinho. Qual não
foi sua surpresa ao dar com Ryan Alexander à sua frente. Instintivamente, puxou
as cobertas até o queixo, procurando esconder o que a camisola transparente
deixava à mostra.
— O que está fazendo aqui? — indagou, sobressaltada. — E ainda por cima
no meu quarto?
Os olhos azuis de Ryan observaram detalhadamente o quarto e sua ocupante.
Reparou nas faces de Tracey, coradas pela febre, em seus cabelos longos e
revoltos, e não deixou de perceber seu gesto de defesa ao puxar as cobertas
para se proteger. Um sorriso leve iluminou o rosto dele.
— Vim lhe trazer o chá — anunciou. — Para ser sincero, queria me certificar
de que estava realmente doente. Pensei que fosse fingimento seu.
— Por que eu deveria fingir?
— Talvez para me evitar novamente.
— Como poderia? Nem sabia que você viria aqui!
— Lyn não tinha lhe dito?
Era possível que sim. Afinal, Lyn dissera muitas coisas durante o café da
manhã, mas sua mente estava ocupada demais com seus próprios problemas para
prestar atenção a outras coisas.
— Pode ser que ela tenha dito — admitiu. — Não me lembro.
— Tinha outras coisas mais importantes em que pensar, não é?
— Outras coisas? Quais, por exemplo?
— Na maneira como Boyd Wilcox agiria para salvá-la de seu monstruoso
tutor.
— Talvez ele não tivesse nenhuma ideia — Tracey disse, evasiva —, ou, quem
sabe, eu poderia sumir quando você não estivesse por perto…
A reação de Ryan foi instantânea. Num gesto rápido, ele agarrou o braço
dela encarando-a ameaçadoramente.
— Aconselho-a a não fazer esse tipo de tolice, do contrário vai se
arrepender muito, entendeu bem?
— Nada poderia ser pior do que a situação absurda em que me encontro —
Tracey revidou, puxando o braço. — Numa coisa Boyd tinha razão: vocês,
fazendeiros ricos, pensam que podem dominar o mundo! Já é tempo de alguém
lhes mostrar que são iguaizinhos aos outros mortais!
Ryan começou a rir, gostosamente.
— E você vai ser esse alguém, não é, Foguinho?
— Não pense que sou uma adversária fácil. Caso ainda não tenha percebido,
vou lhe dizer de forma bem clara: não tenho a menor intenção de seguir suas leis
às cegas, obedecendo a tudo como um animalzinho bem treinado.
— Ora, viva! Pelo que disse, posso deduzir que acabou aceitando os termos
do testamento de Ben Alexander. Então, está pronta para ficar sob minha
guarda, como minha tutelada?
— Tutelada de um fazendeiro caipira! Que bela situação! — exclamou
Tracey, odiando a si mesma por ter se rendido àquela exigência.
— Não venha descontar seu mau humor em cima de mim — disse Ryan com
voz pausada e firme. — Não tenho culpa se seu Romeu não correspondeu às suas
expectativas.
Tracey ficou calada.
— Por falar nisso, que sugestões Boyd Wilcox apresentou, para ajudá-la a
sair dessa situação? Então ele vai apoiá-la em sua luta pela liberdade? Ou teve
outras ideias, um pouco mais picantes, para resolver seu dilema?
— Qualquer que tenha sido a proposta, foi sem dúvida excelente se
comparada ao fardo de ter você como tutor.
— Pois a aconselho a esquecer as propostas daquele sujeito — disse Ryan
ameaçadoramente. — Você está fazendo o possível para ser desagradável, mas
devo avisá-la de que minha paciência está por um fio. Tome cuidado, garota, ou
farei meu tacão de tutor cair pesadamente sobre você!
Aquilo era demais. Como poderia aceitar uma tal manifestação de
autoritarismo? Como aquele homem ousava mandar nela e ameaçá-la, como se ela
fosse uma criança levada? Não, ele não tinha esse direito, mas, de qualquer modo,
seria prudente não se arriscar mais. Dali por diante usaria apenas de ironia e sar-
casmo, que quando bem aplicados atingiam mais fundo do que palavras ásperas.
— Nunca pensei que fosse possível ficar pior do que já estou — Tracey
resmungou.
Ryan endireitou o corpo e ficou de pé. Tracey se impressionou de ver como
ele era alto, forte e musculoso.
— É mesmo? — Ryan indagou, — Então foi bom eu ter prevenido você, não
foi? Do contrário, poderia pensar que seria possível me desafiar e sair impune. —
Ryan deu as costas a Tracey e encaminhou-se para a porta
— Vá para o inferno! — ela gritou, incapaz de conter sua revolta por mais um
segundo.
— Nem precisa me rogar essa praga, Foguinho. Vou conviver com você nos
próximos anos, por isso tenho certeza de que logo, logo irei para lá.
Dizendo isso, Ryan saiu do quarto, não dando tempo para Tracey articular
uma resposta.
O rosto dela queimava de febre e ódio por aquele maldito homem. Será que
ele iria dizer sempre a última palavra? E ela, como uma adolescente idiota, ainda
o achava atraente e sensual! Jogou-se de bruços sobre os travesseiros e
esmurrou-os como se fossem o próprio rosto de Ryan.
Como poderia tolerar viver sob o mesmo teto com aquele ditador? Tinha que
encontrar uma maneira de se livrar de Ryan ou de fazê-lo se lastimar pelo dia em
que aceitara ser seu tutor!
Um sorriso de vitória apareceu nos lábios de Tracey, alegrando seu rosto
antes carrancudo. Sim! Era isso mesmo! Tinha encontrado, afinal, o rumo a seguir!
Ryan Alexander também não gostava da ideia de ser o tutor de uma jovem tão
rebelde! Aí estava a solução! Iria fazer tudo o que pudesse para que ele se
arrependesse amargamente de tê-la como sua tutelada. Ele ia se desesperar por
precisar aguentá-la na propriedade da família e pediria a Deus que fizesse o
tempo passar bem depressa, para que ela logo completasse os vinte e três anos
de idade e saísse de sua vida.
Ryan não a chamara de Foguinho? Pois faria jus ao apelido. Mostraria a ele
que sabia ser rebelde!
Ajeitou-se sob as cobertas. Agora já se sentia bem melhor. Tinha planos
definidos em mente. Faltava somente colocá-los em prática. Bem… pelo menos,
Ryan era uma companhia estimulante. Fizera com que ela se esquecesse até dos
sintomas desagradáveis da gripe e agora precisava ficar forte e bem-disposta
para enfrentá-lo com vigor e segurança.
Mais tarde, Lyn levou o jantar para a irmã.
— Está melhor? — perguntou.
— Acho que sim. Seu primo já foi embora?
— Já.
— Por que, afinal, ele veio aqui hoje?
— Eu o convidei. Tinha falado com você sobre isso hoje de manhã, durante o
café. Lembra-se?
— Estava me sentindo tão mal que não me lembro de nada.
— Não podia prever que você ficaria gripada Tracey, e achei que ia querer
discutir algumas coisas com Ryan, antes de deixarmos Sidnei. — Um sorriso de
serenidade apareceu no rosto da jovem. — Que bom você ter decidido ir conosco!
Pobre Lyn! Acreditava que restava algum poder de decisão à sua irmã,
quando na verdade ela estava indo para Wirrabilla sob coação do despótico Ryan
Alexander.
— Acha que temos alguma coisa para resolver, Lyn?
— Claro! Precisa apresentar o pedido de demissão ao seu chefe, precisamos
resolver o que vamos levar e arranjar tudo para pôr a casa à venda…
— O quê? Que ideia louca é essa?
— Foi sugestão de Ryan, Tracey. Como sabe, ele é o executor do testamento
de papai e disse que, uma vez que não vamos morar aqui, o melhor a fazer será
vender a casa.
— Bem… não concorda que eu tenho direito de dar minha opinião sobre o
assunto?
— Claro, mas… já que não vamos morar mesmo aqui…
— Está certo que não vamos usar a casa nos próximos anos, mas também é
mais do que certo que não pretendo passar o resto da minha vida naquele fim de
mundo, que é a fazenda dos Alexander.
— Ryan é o executor do testamento, Tracey. Por isso a última palavra sobre
o que fazer com a casa será dele, não é?
Tracey sacudiu os ombros, desanimada. Lyn estava certa, também naquele
assunto a decisão cabia a Ryan. Estavam de mãos e pés atados, completamente
entregues à vontade daquele homem.
— Não vai ficar triste se a casa for vendida, Lyn?
— Sei que vou sentir saudades daqui, mas… Ryan me contou tanta coisa
sobre Nindethana que…
— Sobre o quê?
— Nindethana. Esse é o nome da propriedade da família. Significa "nossa".
"Nossa". O nome da propriedade demonstrava claramente o forte
sentimento de posse que Ryan Alexander e sua família pareciam ter em dose
gigante. Só não entendia por que tinham usado a palavra na língua aborígine e não
no inglês, que deixaria ainda mais bem caracterizado quem era o dono daquelas
terras.
— O que foi que Ryan lhe contou? — Tracey indagou, por fim.
O rosto de Lyn se animou, feliz ao pensar que a irmã poderia estar
começando a se interessar pela história dos Alexander.
— Ele falou muito sobre a família. Temos avô, tios, tias e primos. Glen, o
irmão mais novo de Ryan, se casou há pouco tempo. Lembro-me de ter visto a foto
dele e da esposa publicada nos jornais. Uma de nossas tias, Nancy, tem uma filha
de dezoito anos, chamada Carol. Não é ótimo ter uma prima com a mesma idade
da gente?
— É — Tracey concordou, sem animação. — Todos eles moram na mesma
fazenda? Não é gente demais para uma casa só?
— Apenas nosso avô mora em Nindethana com Ryan. Glen mudou-se depois
que se casou e os outros membros da família também moram em casas separadas.
— Pelo que está me contando, suponho que Ryan seja solteiro.
— É, sim — Lyn confirmou, sorrindo.
— Então vamos nos mudar para uma casa onde só vivem dois homens? Vamos
ser as únicas mulheres por lá?
— Não. A governanta, sra. Gray, está sempre lá, assim como as esposas dos
trabalhadores da fazenda.
— Tem muita gente trabalhando para eles?
— Isso eu não sei, não perguntei, mas suponho que sim. Pelo que Ryan falou,
a fazenda deve ser muito grande. Pelo menos para mim, pareceu enorme.
— Sabe quantos alqueires tem?
— Não tenho muita certeza se Ryan falou em dezoito mil ou oitenta mil.
— Sem dúvida deve ter oitenta mil alqueires! — Tracey afirmou com
veemência.
— Como sabe? Você perguntou a ele?
— Não, mas, pela mania de superioridade que Ryan tem, a fazenda dele só
pode ser imensamente grande!
— Não fale assim, Tracey. Ele é nosso primo.
— Ryan Alexander não é meu primo, Lyn. Não tenho outra alternativa senão
aceitá-lo como tutor, mas isso não implica considerá-lo parente.
Lyn achou que era hora de mudar de assunto, e passou a conversar sobre
coisas banais. Depois de algum tempo Tracey voltou a mencionar a partida.
— Quando vamos nos mudar para o interior?
— Ficou marcado para a segunda-feira da próxima semana. Sabe, parece
incrível, mas não vejo a hora de ir.
Tracey ficou mais contente. Pelo menos a irmã aceitava aquelas mudanças
em sua vida com calma e entusiasmo. E ela mesma? Como se sentia?
Ficaria satisfeita em receber apenas uma pequena parcela da herança e
poder continuar em Sidnei, onde já estava acostumada a viver, com seu trabalho
e seus amigos. Seria fácil encontrar um apartamento pequeno para dividir com
uma ou duas amigas, onde poderia levar a vida com calma e liberdade. No entanto,
dali para a frente, não teria a chance de deliberar sobre sua própria vida. Talvez
até seu cérebro regredisse! Afinal, teria um tutor que decidiria tudo por ela.
Um tutor! Só de pensar nisso ficava furiosa. Não era criança, nem débil
mental para precisar de alguém que guiasse seus passos! Só de pensar que o
possessivo e mandão Ryan Alexander iria determinar o que ela podia fazer ou
deixar de fazer, sentia vontade de mandá-lo de novo para o inferno!
Teria que aguentá-lo até completar vinte e três anos! Aquilo era tempo
demais e o ditador já começara a dar suas ordens, que esperava serem
prontamente cumpridas!
Ryan já tinha decidido: partiriam na próxima segunda-feira e nem ao menos
perguntara a ela se teria condições de aprontar tudo até aquele dia. A sorte já
estava lançada e Tracey suspirou, sentindo a revolta crescer em seu peito.
Capítulo III
O dia estava perfeito, o céu azul e sem nuvens, quando tomaram o carro que
os levaria até o aeroporto de Bankstown. Na pista, o avião particular de Ryan, um
Piper Arrow, se preparava para decolar e voar até Wirrabilla.
Em pouco tempo as malas foram colocadas no avião e os três tomaram seus
lugares: Ryan assumiu o controle do aparelho e Lyn instalou-se ao lado dele,
enquanto Tracey sentava-se no banco de trás, para evitar qualquer conversa com
seu tutor.
Ele fez os últimos contatos com a torre e, minutos depois, o avião decolou.
Tracey recostou-se na poltrona e ficou refletindo sobre os acontecimentos dos
últimos dias: a gripe forte, a maneira ditatorial com que Ryan a forçara a
acompanhá-lo, o momento desagradável em que entregara o pedido de demissão a
Boyd e as súplicas dele para que desistisse da viagem e mudasse para sua casa.
Lembrava-se também dos rituais melancólicos do fechamento de sua casa e
do transporte de todos os objetos e móveis para um quartinho que haviam
alugado para guardar esse material. Um dia, quem sabe, voltariam a morar
sozinhas e assim já teriam a casa montada.
Tinha sido doloroso se despedir dos amigos e arrumar as malas. Tomar
aquele avião fora como assinar um documento de renúncia à própria liberdade.
Mas a lembrança que mais abalava Tracey ainda era a da constante presença de
Ryan em todos esses acontecimentos. Ele estivera sempre ali, mandando e deci-
dindo as coisas, com um tal magnetismo e carisma, que já parecia fazer parte
integrante de sua vida e da de sua irmã. Como poderia suportá-lo? Seus vinte e
três anos parecia que não chegariam nunca!
Colocou os óculos escuros para proteger a vista contra a luz intensa do sol.
Olhou para baixo, pela janela do avião, e avistou a grande cordilheira que dividia o
país em duas porções bem distintas. Aquelas montanhas eram enormes e
ameaçadoras. Com toda razão, os pioneiros tinham levado mais de vinte e cinco
anos para ousar transpô-las pela primeira vez.
Os campos lá embaixo eram verdes e bem aproveitados, salpicados com
casinhas e pequenos vilarejos que reverberavam sob o sol forte. De vez em
quando avistava-se um rio maior, mas havia naquela região inúmeros riachos que
ziguezagueavam por entre todo aquele verde. Era um espetáculo bonito de se ver!
Lyn e Ryan conversavam animadamente e Tracey dava graças a Deus por não
ser importunada. O barulho monótono do motor a deixava sonolenta e, sozinha,
podia aproveitar para cochilar um pouco.
— Ali está Bourke — Ryan disse, de repente, apontando para o lado
esquerdo.
Tracey também olhou. Sabia que essa cidade era chamada "Boca do Sertão".
Daí para a frente, estariam sobrevoando o verdadeiro interior, o lugar onde os
grandes fazendeiros tinham seus domínios e seus imensos rebanhos.
Oh! Deus! O que ela iria fazer ali? Era cosmopolita demais para se enfiar no
meio de carneiros e gado, naquele "sertão" onde as propriedades eram enormes e
muito afastadas umas das outras. Nesses lugares, a água era um bem precioso, o
sol inclemente e os carneiros muito mais numerosos que os seres humanos. Onde
ela estava com a cabeça quando concordara em vir? Era tudo culpa daquele
demônio em forma de gente, aquele insuportável Ryan!
A mudança do barulho do motor tirou Tracey de seus devaneios. Notou que o
avião começava a descer. Olhando pela janela, avistou um aglomerado de
construções que formavam um núcleo muito maior do que esperava encontrar. No
telhado de um grande prédio estava escrito em letras grandes e vermelhas:
"'Nindethana". Ali seria seu lar durante algum tempo! Tudo naquele lugar era mais
grandioso do que tinha imaginado.
O avião agora se aproximava rapidamente do solo para segundos depois
pousar macio, como se estivessem sobre um colchão de ar. E espirais de pó
vermelho se levantavam à medida que o avião avançava sobre a pista, até parar
diante de um pequeno edifício, onde ficava o controle do campo de pouso. Ryan
desligou os motores e abriu a porta para que pudessem descer.
Tracey ficou impressionada com o calor. Podia senti-lo através das solas de
suas sandálias e no ar parado.
— Minha nossa, como faz calor aqui! — Lyn exclamou, enquanto se
encaminhavam para o carro, que os esperava logo adiante.
— Tem razão — Tracey concordou. — Vamos ficar vermelhas como duas
lagostas.
— Duvido muito — Ryan interveio. — Pelo menos, você não costumava ficar,
Tracey.
Ela não entendeu o comentário dele, mas, antes que tivesse tempo de
perguntar o que queria dizer com aquilo, uma voz quebrou o silêncio.
— Bom dia, chefe. Como foi a viagem?
— Ótima, obrigado, Doug — Ryan respondeu, olhando ao redor. — Como vão
as coisas por aqui?
— Tudo em ordem, senhor. O velho Justin não deixou que descuidassem de
nada.
Ryan sorriu e apresentou Tracey e Lyn a seu capataz, Doug Horton. As malas
foram colocadas no carro e Ryan sentou-se ao volante com Doug ao lado e as duas
moças no banco de trás. Rodaram por alguns minutos até chegar ao grande portão
de ferro que marcava a entrada da propriedade da família. Doug desceu, abriu os
portões e ficou por ali, enquanto o carro seguia pelo caminho largo, ladeado por
árvores frondosas, que levava até a frente da mansão dos Alexander.
Instantes depois, Tracey se viu diante de uma casa enorme, branca e
espaçosa, cercada de gramados muito verdes. A grama se estendia até o terraço
que circundava toda a mansão. Assim que o carro parou, duas mulheres abriram a
porta da casa e saíram para o terraço, descendo depois os degraus em direção
aos recém-chegados.
Uma delas, de aproximadamente cinquenta anos, se aproximou sorrindo.
Seus cabelos escuros mesclavam-se com os primeiros fios prateados e os olhos
castanhos brilhavam de alegria. Aproximou-se de Tracey e Lyn, tomando-as pelas
mãos, e deu um beijo carinhoso em cada uma.
— Finalmente as filhas de Ben estão aqui! — ela exclamou feliz. — Sou
Nancy Denham, irmã de seu pai, e esta é Carol, minha filha — explicou, apontando
para a moça que estava a seu lado.
Carol e Lyn eram muito parecidas e Tracey ficou impressionada ao ver como
tinham os mesmos traços característicos da família.
— Tiveram um vôo tranquilo? — Nancy perguntou, dirigindo-se a todos, mas
olhando especificamente para Ryan.
— Muito bom, sem problemas — ele respondeu.
— Sim, foi tranquilo, embora eu tenha falado o tempo todo — Lyn brincou. —
Nunca tinha viajado de avião antes e confesso que estava nervosa.
— Mas não tinha razões para se preocupar, minha querida — Nancy
comentou. — Ryan é um excelente piloto. Venham, vamos entrar. Aqui fora está
quente demais! Poderemos conversar melhor lá dentro.
As quatro mulheres e Ryan atravessaram a varanda fresca, repleta de vasos
de samambaias e trepadeiras. Assim que entraram no hall sentiram a
temperatura agradável, graças ao ar-condicionado. O chão de tábuas largas,
encerado e brilhante, era coberto de tapetes persas e nas paredes havia vários
quadros de muito bom gosto, além de um velho relógio carrilhão, que dava um ar
senhorial àquela bela casa.
Foram em seguida para a sala de estar, muito ampla, onde se via uma grande
lareira. Vários sofás e poltronas estofados com tecidos estampados se
distribuíam pelo cômodo, onde havia também uma escrivaninha de madeira
entalhada e cadeiras de balanço, tudo muito bem disposto no ambiente.
Logo que se acomodaram, uma empregada chegou, trazendo uma bandeja
com finas xícaras de porcelana e lindos bules de prata para servir o chá. Nancy
preparou as xícaras e as entregou às convidadas.
— Ainda guardava alguma lembrança deste lugar, Tracey? — a tia perguntou.
— Lembranças? Mas como? Esta é a primeira vez que venho aqui.
— Então Ben nunca lhe contou? Nem Ryan lhe falou a respeito?
Tracey olhou-a sem entender nada. Do que devia se lembrar? Ryan sentou-se
e cruzou as pernas longas e musculosas, antes de se dirigir a ela.
— Pelo jeito não faz a menor ideia do que Nancy está dizendo, não é,
Tracey?
— Eu não acredito! — Nancy continuou. — Será possível que ninguém lhe
falou sobre o tempo em que você viveu aqui conosco?
— Eu vivi aqui? Mas… já estive aqui antes? — indagou Tracey, incrédula.
— Claro! Ficou conosco quando Ben e sua mãe se casaram. Estava com pouco
mais de dois anos quando deixaram a fazenda. Você corria por toda a casa e
Nindethana parecia ser seu paraíso.
— É incrível! — Tracey exclamou, absolutamente surpresa. Seu padrasto
nunca fizera qualquer menção àquele período!
— Fico triste em saber que Ben se afastou de nós a ponto de sequer
mencionar sua família e seu próprio lugar de nascimento para as filhas. — Nancy
calou-se por um instante e continuou: — Também não entendo por que Ryan não
disse nada a vocês. — Ela se virou para o sobrinho. — Não se lembra de como você
e Glen tomavam conta de Tracey? Embora fossem muito mais velhos, costumavam
levá-la aonde quer que fossem.
Ryan riu com vontade.
— E tínhamos outra alternativa, tia? Tracey se recusava a ser deixada para
trás! Desde aquela época já tinha ideias bem definidas sobre o que queria, não é,
garota?
— Não somos todos iguais neste aspecto? — Tracey perguntou, encantada
ao pensar que aquele homem dominador e mandão tinha feito todas as suas
vontades, há algum tempo.
— Pode ser, mas dizem que podemos estragar o caráter de uma pessoa, se
concordarmos em fazer todas as suas vontades — revidou Ryan, sorrindo com
dentes muito brancos, que contrastavam com a pele fortemente bronzeada.
— É… talvez tenha razão — Tracey concordou.
— Ainda bem que estamos de acordo. Agora, se me dão licença, tenho que ir
cuidar dos negócios. Vou falar com Marty e saber como vão as coisas por aqui —
disse Ryan, levantando-se.
— Vá falar com papai primeiro, Ryan — Nancy recomendou. — Ele disse que
queria vê-lo assim que chegasse.
— Vovô não vai descer? — Ryan perguntou, surpreso.
— Só mais tarde. Ele é muito teimoso e transgrediu as ordens do médico. Foi
cavalgar esta manhã. Agora terá que ficar mais algumas horas em repouso.
Enquanto Nancy e Ryan conversavam, Carol aproveitou para contar às primas
o que tinha acontecido.
— Há alguns anos, vovô teve um acidente sério e machucou as costas. O
médico não quer mais que ele ande a cavalo, mas vovô é teimoso e insiste em
fazer o que não deve. Vocês o conhecerão hoje, na hora do jantar.
— Nosso avô parece ser uma pessoa muito determinada — Lyn comentou,
apreensiva.
— É mesmo! E acho que Ryan é igualzinho a ele.
Lyn ficou ainda mais preocupada.
— Vovô é muito… bravo?
— Às vezes, embora hoje em dia ele esteja bem melhor do que era. Mas,
para dizer a verdade, ainda me sinto como um gatinho amedrontado quando estou
perto dele.
— Ryan não tinha dito nada sobre vovô, muito menos que é tão severo assim
— Lyn, comentou, temerosa.
— Não fique assim, mana — interveio Tracey, percebendo que Lyn estava
com medo à toa. — Carol não disse que tanto nosso avô como Ryan só ficam
bravos às vezes? Você se dá muito bem com seu primo, portanto, o que a impede
de se entender igualmente com seu avô? Além disso, acabamos de chegar, e ainda
não tivemos tempo de fazer nada que pudesse deixar alguém furioso.
— Lyn, não quero que me entenda mal — Carol disse, procurando tranquilizar
a prima. — Vovô não é ruim! Acho apenas que trabalhou demais a vida toda e,
agora que Ryan assumiu a direção da fazenda, ele tem tempo de sobra para ficar
reparando nas atitudes dos outros.
As palavras de Carol conseguiram acalmar Lyn, mas por outro lado o
temperamento rebelde de Tracey não se conformava com aquela situação. Só
porque o velho Alexander já não precisava mais se preocupar com a fazenda,
resolvera distrair-se perturbando a vida dos outros? Será que todos os homens
da família Alexander gostavam de ser ditadores? Pois bem! Logo de início iria
mostrar que não estava disposta a viver sob esse regime. Precisava fazê-los
entender que também tinha uma vontade firme e que não iria obedecer a regras
passivamente!
Terminaram de tomar o chá conversando alegremente. Depois Nancy sugeriu
que Carol levasse as moças para conhecerem os quartos que iriam ocupar.
O quarto de Tracey era amplo e arejado. Para ela, tudo naquela casa parecia
excessivamente grande. A mobília era em estilo vitoriano, o carpete em tom
creme muito claro e cortinas esvoaçantes enfeitavam as janelas que se abriam
para a paisagem grandiosa da propriedade.
Tracey guardou sua roupa nos armários e depois tratou de tomar um bom
banho. Escolheu para usar um vestido de linho verde-claro, que combinava com a
cor de seus olhos, e em seguida foi fechar a janela. O sol já estava se pondo e
fazia com que as nuvens ficassem semelhantes a flocos cor-de-rosa.
Saindo dali, foi para o quarto de Lyn, onde encontrou a irmã indecisa quanto
à roupa que deveria usar.
— Ponha o vestido de algodão azul — sugeriu. — Lembre-se de que essa cor
é leve e repousante.
— Tem razão, Tracey. Vou precisar de toda a calma do mundo. Nunca pensei
que fosse herdar um avô bravo e despótico.
— Não se preocupe com isso, querida. Numa propriedade grande como esta,
será fácil evitar a presença dele.
— Tem razão. Este lugar é maravilhoso, não acha?
— Sim… — Tracey respondeu sem entusiasmo. Não queria admitir que
qualquer coisa que fosse de Ryan pudesse ser boa ou bonita. — Também, não é
para se admirar. Na época em que esta casa foi construída, os materiais eram
baratos e a mão-de-obra praticamente de graça. Além disso, os colonizadores se
apossavam de muito mais terra do que lhes era necessária.
— E por que não? A terra estava lá, esperando por alguém corajoso para
utilizá-la. E, depois, que diferença isso faz para você, Tracey?
— Não sei. Acho que me sinto amargurada por ter sido trazida para cá, sem
nem ao menos ter a possibilidade de recusar.
— Mas… Ryan me disse que você tinha mudado de ideia e que queria vir!
— Para ser franca, ele me obrigou a mudar de ideia.
Por um instante Lyn observou a irmã.
— Não gosta dele, não é, Tracey?
Gostar? Não gostar? Aqueles sentimentos pareciam insuficientes para
expressar o que lhe ia pela alma. Em relação a Ryan, tudo tinha que ser extremo.
Amar e odiar. Sim, esses termos seriam bem mais apropriados no caso. Mas não
estava disposta a se aprofundar no assunto.
— Não gosto, não.
— Por quê? Só porque ele se opôs à sua vontade?
— Não é só por isso, mas também porque ele é arbitrário e… convencido!
Tracey poderia acrescentar atraente, dominador, sensual, mas preferiu não
utilizar tais adjetivos em relação a Ryan.
— Pois eu o acho muito simpático — disse Lyn.
— Sem dúvida, contanto que todos sigam suas ordens sem pestanejar. Caso
contrário… tome cuidado, porque nosso tutor não gosta que discutam sua
autoridade. Ele é um verdadeiro posseiro, não só de terras, mas de gente
também.
— Por que o chama de posseiro?
— Porque é isso que ele realmente é. Não foi assim que ficaram com esta
propriedade tão grande?
— Não exatamente, Tracey. Posseiro é aquele que se apropria de terras. A
família Alexander pagou uma taxa ao governo por estas terras. Como vê, Ryan não
pode ser chamado de posseiro.
— Para mim, ele continua sendo, pelo menos com relação às pessoas. Veja o
que fez comigo — Tracey suspirou com raiva. — Um tutor! Era só isso que me
faltava, aos vinte anos de idade!
— Pobre Tracey! Não deve ser fácil para você! Lembro-me de que papai
sempre dizia que você era amante da liberdade.
— Foi uma pena que ele não tenha se lembrado disso quando fez seu
testamento. — Tracey ficou pensativa. — Tenho minhas dúvidas sobre a
existência real dessa tal cláusula.
— Pois saiba que eu mesma a li. Além disso, o dr. Gatehead é advogado de
papai há tantos anos que não teria se deixado enganar.
— Então não tenho outra solução, senão me submeter temporariamente ao
domínio de nosso onipotente tutor.
— Não fale assim, Tracey. Até parece que é uma prisioneira!
— Pois é exatamente como me sinto!
Quando Tracey e Lyn entraram na sala, um homem de aproximadamente
trinta anos estava conversando com Carol e Nancy. Era Marty Bradshaw, o
contador de uma das firmas da família.
— Então vocês são as tuteladas de Ryan? — Marty perguntou, depois que as
duas irmãs lhe foram apresentadas.
— Até parece que não temos capacidade para dirigir nossas próprias vidas,
não é? — Tracey disse com ironia, enquanto apanhava o copo de xerez que Marty
lhe oferecia.
— Não concordo com você — ele contradisse. — Diria até que deviam estar
satisfeitas em poder contar com um homem tão capaz e inteligente para zelar por
seus interesses.
— Financeiramente, concordo, mas… pessoalmente, acho absurdo.
Marty riu.
— Não me diga que Ryan trouxe para casa uma feminista!
De fato, nunca passara pela cabeça de Tracey ser feminista, mas achou que
seria interessante provocar o assunto.
— E se eu fosse? Faria alguma diferença?
— Para você, sim.
— Por quê?
— Porque Ryan jamais permitiria que uma mulher assumisse o que ele acha
serem seus direitos. Nem em nome da emancipação feminina!
— É mesmo? — Tracey perguntou. Disfarçadamente ela olhava Ryan, que
acabara de entrar na sala e parava para falar com Nancy. Ele era, sem dúvida, a
imagem do homem machista e dominador.
Talvez essa fosse uma boa maneira de fazê-lo lastimar-se por tê-la obrigado
a vir para aquela fazenda. Era uma temeridade abrir fogo contra um oponente tão
poderoso, sobretudo em seu próprio ambiente. Mas… o que tinha a perder?
Poderia se tornar tão insuportável que passaria a ser um espinho na vida de Ryan
e ele, talvez, acabasse por mandá-la de volta a Sidnei, feliz da vida por se ver
livre dela. Tracey continuou a conversar descontraidamente com Marty, fingindo
ignorar a presença inquietante de seu tutor.
— No entanto, hoje em dia, os homens já estão entendendo que nem todas
as mulheres estão dispostas a obedecer cegamente ao senhor da casa, não é
verdade?
Marty balançou a cabeça.
— Acho que está se arriscando demais, se pensa que poderá ter sucesso
agindo assim com o chefe.
— Tudo depende da medida que se usa para avaliar o sucesso, não concorda?
Às vezes vale a pena se perder uma batalha para depois ganhar a guerra.
Marty divertiu-se com a ousadia de Tracey e deu boas risadas.
— Qual foi a piada? — perguntou Lyn, juntando-se a eles.
— Sua irmã estava me expondo uma de suas teorias quanto à posição do
homem em relação ao mundo de hoje — Marty explicou de modo ambíguo.
— E isso foi assim tão engraçado? — Lyn insistiu.
— Não o assunto em si, mas a maneira como Tracey o expôs.
Nesse momento uma figura alta e majestosa surgiu na sala.
Bastante idoso e de aparência sofrida, Justin Alexander, o patriarca da
família, ainda mantinha a cabeça erguida, parecendo mais um general que
cumprimenta seus comandados.
Imediatamente, Ryan puxou uma cadeira para que o avô se sentasse. Serviu-
o de uma dose de uísque e fez sinal para que Tracey e Lyn se aproximassem.
— O rei dos carneiros e da lã está nos chamando, Lyn — Tracey murmurou,
pegando no braço da irmã e conduzindo-a em direção ao velho.
Os olhos de Justin, muitos vivos e azuis, como os do neto, pousaram em
Tracey, observando-a detalhadamente.
— Você mudou, menina — ele observou.
— Era de se esperar, não? Já se passaram dezoito anos!
— Tanto tempo assim?
Por um momento, Justin pareceu se transportar para aqueles velhos tempos,
quando ainda convivia com o filho Ben. O que teria causado o rompimento entre
pai e filho?, Tracey se perguntava.
— E você, Lynette — disse o avô, voltando-se para a neta recém-chegada. —
Aceitou de boa vontade ter Ryan como seu tutor e vir morar aqui conosco?
— Sim, sr. Alexander, eu…
— Aqui nesta fazenda ninguém é chamado de senhor, menina — ele
interrompeu, bruscamente. — Chame-me de vovô, ou de Justin.
— Sim… vovô — Lyn respondeu, assustada. Justin Alexander voltou a se
concentrar em Tracey.
— Preferia ter ficado em Sidnei, não é?
Tracey olhou para Ryan com raiva. Decerto aquele arrogante já contara ao
avô.
— Não foi ele quem me disse — esclareceu Justin, reparando no olhar dela.
— Nem precisava. Pode-se ler em seu rosto que não está nada satisfeita com as
circunstâncias presentes.
— Quem estaria contente, tendo um tutor na minha idade? Não estamos
mais no século XVIII!
— Sei disso. Não estou tão decrépito assim. Mas, na nossa família, até os
homens precisam esperar uma determinada idade para cuidar do dinheiro que
recebem como herança. Na verdade, é nosso costume fazê-los esperar atingir
vinte e cinco anos; portanto, se dê por feliz porque com você será somente até os
vinte e três.
— Mas não faço questão nenhuma de receber essa herança!
— Bem… faça ou não, o fato é que ela é sua. Por isso precisa ser protegida
para que nenhum caça-dotes se aproxime de você, querendo casar-se apenas para
se apoderar do dinheiro que os Alexander lutaram tanto para conseguir.
— Não preciso de proteção contra isso. Jamais me casarei com um parasita!
— Nem teria chance de fazê-lo, porque durante os próximos anos Ryan
estará encarregado de cuidar de você.
Tracey não gostou do rumo que a conversa tomou. Não queria desrespeitar o
avô, por causa da idade e da posição dele, mas seu temperamento rebelde estava
prestes a explodir. Por sorte, Justin Alexander deu o assunto por terminado.
— Nancy! — ele chamou. — O jantar ainda não está pronto?
A filha já ia se levantando para ir até a cozinha, quando a empregada
chegou, anunciando que o jantar estava servido.
Por pura intuição, Tracey sabia que o velho Justin não aceitaria ajuda para
se levantar, por mais difícil e demorado que fosse fazê-lo sozinho. Lyn, no
entanto, procurando ser prestativa, estendeu os braços para o avô.
— Pode deixar! — ele resmungou. — Não preciso de ajuda. Não sou inválido!
Tracey percebeu que os lábios de Lyn tremiam e prontificou-se a defender a
irmã contra aquele velho mal-humorado. Mas, percebendo a situação, Nancy
aproximou-se e, passando o braço em torno dos ombros de Lyn, conduziu-a até a
sala de jantar. Quase que imediatamente, Ryan pegou Tracey pelo braço e
seguiram ambos atrás de Lyn e Nancy.
— Ele não precisava ter sido tão bruto com Lyn — Tracey reclamou, os olhos
brilhando de raiva. — Ela só estava querendo ajudar. Por que ele faz questão de
se comportar como um bárbaro?
— E você, por que não pára de agir como mãe de Lyn? — revidou Ryan. —
Deve parar de brigar por sua irmã e deixar que ela mesma tome a iniciativa. Ou
pretende deixá-la cultivar sua insegurança e seu complexo de inferioridade?
— Não diga isso! Eu simplesmente tive que tomar conta de Lyn depois que
mamãe morreu e procurei fazê-lo da melhor maneira possível. Acha que eu
deveria ter ignorado o problema?
— Não use a perda de sua mãe como desculpa para superproteger a garota,
Tracey — Ryan falou com calma. — Também perdi minha mãe, ainda mais cedo do
que Lyn, e nem por isso fui mimado, nem poupado de viver.
— Não fico surpresa com o que me contou. Você é formidável mesmo, não?
Duro como uma rocha, tal qual seu avô. Nenhum dos dois tem lugar para um
coração dentro do peito.
Naquele momento, um barulho de passos chamou a atenção de Tracey.
Olhando para trás, ela viu que Justin Alexander tinha se levantado e estava
poucos passos atrás deles. Não havia dúvidas de que ele ouvira seus comentários
amargos.
— Desculpe… não deveria ter… — ela começou a falar, quando foi
interrompida pela gargalhada potente do velho.
— Você não mudou tanto quanto eu tinha pensado, Tracey — Justin
comentou. — Ela sempre foi rebelde e voluntariosa, não é, Ryan? — continuou o
avô, voltando-se para o neto.
— E também mimada, não é, vovô?
— A culpa é um pouco sua, Ryan, e também de Glen. Foram os primeiros a se
renderem a tudo que esse par de olhos verdes e expressivos lhes pedia — Justin
comentou, sorrindo. — Nunca deixavam de fazer as vontades dela.
— Vou me lembrar disso — Tracey falou, com ar vitorioso. — Ou acha, vovô,
que com o passar dos anos Ryan ficou imune ao meu olhar?
— Espero que sim. Do contrário, ele não será grande coisa como tutor.
— Não se preocupe, vovô. Pelo pouco que pude observar, meus olhos verdes
não têm mais qualquer poder sobre Ryan.
Capítulo IV
A sala de jantar era grande e bem decorada. A mesa estava coberta por uma
toalha de linho branco, que combinava perfeitamente com os pratos de fina
porcelana, copos de cristal e talheres de prata dispostos de maneira
absolutamente correta.
Tracey sentou-se entre Justin Alexander e Marty. A presença
impressionante do avô a inibia um pouco e ela preferiu concentrar sua atenção na
comida que a governanta, sra. Gray, havia preparado.
— Vamos fazer um churrasco no sábado — Nancy anunciou. — Acho que será
uma maneira agradável de apresentá-las ao resto da família.
— Todos estão curiosíssimos para conhecê-las — Carol comentou. —
Principalmente meus dois irmãos. Eles queriam vir conosco para lhes dar as boas-
vindas, mas papai precisava deles na fazenda e por isso tiveram que deixar para
outro dia.
— A família é grande? — perguntou Lyn, interessada. — Virá muita gente
para o churrasco?
— É enorme! Só de parentes mais chegados há cerca de vinte pessoas. Se
considerarmos, então, os primos em segundo e terceiro graus, além dos amigos e
vizinhos, não saberia dizer a que número poderemos chegar. Todos estão ansiosos
para conhecer as Alexander que durante tantos anos estiveram afastadas da
família.
Tracey fingia se concentrar na deliciosa sobremesa à sua frente, mas seus
pensamentos voavam livres. Será que iria se tornar objeto de curiosidade daquela
gente? Eles saberiam que ela viera para Nindethana contra sua vontade, coagida
por Ryan?
Assim que a refeição terminou, todos passaram para a sala de estar, onde
seria servido o café. Pouco depois, Ryan e Marty saíram juntos, enquanto Carol e
Lyn foram para o terraço, ocupadas em fazer planos para o esperado churrasco
de sábado.
Tracey ficou a sós com o velho Justin e Nancy, que fazia crochê numa
poltrona próxima à lareira.
— É uma pena que não possamos lhe oferecer aqui o mesmo tipo de diversão
a que estava acostumada, Tracey — disse Nancy, erguendo os olhos de seu
trabalho e sorrindo para a moça. — Em geral, temos que nos distrair com
pequenas coisas, como fazer tricô e crochê, ou aproveitar o tempo para a leitura
de um bom livro. Não se esqueça de que há uma ótima biblioteca aqui em casa,
além de um completo salão de jogos. Se você gosta de pingue-pongue, bilhar,
jogos de cartas, xadrez ou coisa parecida, vai encontrar muita distração no salão
de jogos.
— Obrigada, Nancy, mas não se preocupe comigo. Sou bastante auto-
suficiente quando se trata de preencher o tempo.
Por um instante os três ficaram em silêncio. Pouco depois, Nancy olhou para
o terraço e viu Carol e Lyn entretidas numa conversa animada.
— Fico feliz por ver que as duas primas se deram tão bem — comentou,
satisfeita. — Já esperava que isso acontecesse. Elas têm quase a mesma idade e
são até parecidas, não acha, Tracey?
— É verdade. Lyn sempre foi um pouco reservada e difícil para fazer
amigos, mas tenho a impressão de que vai se dar muito bem aqui.
— E com você, Tracey? Não acha que vai acontecer a mesma coisa?
Querendo evitar ser desagradável, Tracey respondeu com evasivas.
— Ainda não sei, Nancy. Estou aqui há pouco tempo e é cedo para dizer como
vou me sentir.
— Mas já se manifestou sobre Ryan, não foi? — Justin entrou na conversa,
com sua voz forte. — Não me parece muito entusiasmada por estar sob a
proteção dele.
Por um instante Tracey baixou os olhos, mas sentia que os dois a
observavam, aguardando sua resposta.
— Bem… sinto muito se fui tão óbvia — disse, por fim.
— Não queria vir com sua irmã? — Nancy perguntou, olhando atentamente
para Tracey.
— Ela não queria vir, porque não estava em seus planos ter um tutor —
Justin apressou-se em responder por ela.
— Mas essa era a vontade de seu pai — observou Nancy, com um sorriso
simpático no rosto ainda bonito. — Ryan está apenas cumprindo a última vontade
de Ben e estou certa de que ele se sairá bem nessa missão. Ele leva muito a sério
esse tipo de coisa.
— Aí é que está — Tracey respondeu com voz firme. — Ele não precisava
exagerar tanto! Já não sou criança e fico indignada quando me tratam como se
fosse. Falei a Ryan, ainda em Sidnei, que desistiria de minha parte na herança,
apenas para não ter que abrir mão de minha liberdade pessoal. Na verdade, não
entendo por que papai estabeleceu a cláusula de que deveríamos ter um tutor. Ele
me conhecia bem e devia saber que eu iria me revoltar contra uma exigência tão
absurda.
— Mas o fato é que ele incluiu a tal cláusula no testamento e deve ter tido
boas razões para fazer isso — Justin acrescentou.
— Talvez… — Tracey disse, sentindo o sangue queimar em seu rosto.
— Foi por isso que ficou com o espírito prevenido contra Ryan? — perguntou
o avô, que não perdia uma reação da neta.
Tracey sentia-se pouco à vontade. Aquele velho parecia ter um sexto
sentido que lhe permitia perceber exatamente o que se passava em seu íntimo.
— Em parte, acho que sim.
— E quanto ao resto? — Justin prosseguiu.
— Será que não podemos parar por aqui? — Tracey pediu, louca para escapar
daquele assunto difícil.
— Como quiser — Justin concordou. — Mas antes gostaria de saber o que
havia de errado com esse homem com quem você andava saindo. Por que meu filho
e meu neto não o aprovaram?
— Nenhum deles o conhecia bastante bem para aprovar ou desaprovar. —
Tracey respondeu exasperada, sentindo um súbito mal-estar dominá-la.
— Eles não o consideraram digno de você — afirmou Justin. — Por quê?
Quero saber.
Tracey ficou em silêncio, e procurou desviar os olhos da figura vigorosa do
avô, mas ele insistiu:
— Vamos, Tracey. Fiz uma pergunta e quero uma resposta.
— Ele era casado — ela revelou.
Nancy suspirou com tristeza e Justin bateu com a bengala no chão, num
gesto que demonstrava sua contrariedade.
— Bem, ele estava separado da esposa — Tracey esclareceu, tentando
melhorar a situação.
— E isso torna a situação melhor? — Justin perguntou com tamanha
veemência, que as duas moças no terraço se viraram para olhá-lo. — Ben estava
mais do que certo ao decidir que você teria um tutor! Ele mesmo era fraco
demais para conter as mulheres de sua própria casa!
Aquilo era demais! Tracey não poderia admitir que aquele velho arrogante
falasse daquela maneira de um homem que tinha sido um verdadeiro pai para ela.
— Meu pai não era um fraco, sr. Alexander. Ele era bom e carinhoso. E, para
sua informação, saiba que as mulheres não são mais controladas hoje em dia! Já
não somos mais um bando de ovelhas submissas e obedientes, conduzidas pelos
latidos insistentes de um cão pastor.
— O cão pastor não late, nem morde — revidou Justin. — Ele apenas guia e
encoraja as ovelhas.
— Tal qual um bom marido deve fazer, não é?
— Não adianta tentar desviar o assunto, Tracey. Ainda estou esperando
suas explicações por ter se envolvido com um homem casado!
— Explicações? Não tenho que prestar contas a ninguém! Faço o que quero
de minha vida e além disso já lhe disse que ele era separado!
— Meu Deus! — Justin explodiu. — Você é igualzinha à sua mãe! Tem o
mesmo tipo de moral flácida. Nunca pensei que meu filho pudesse cometer o
mesmo erro duas vezes!
Por um instante Tracey ficou muda, os olhos arregalados, incapaz de pensar
com clareza. O sangue parecia ferver em suas veias e a indignação crescia cm seu
peito.
— Como ousa falar assim de minha mãe? — perguntou, revoltada. — Nem ao
menos a conheceu direito para fazer juízo de suas ações!
— Como eu gostaria que isso fosse verdade, Tracey! Parece esquecer que
vocês moraram aqui por mais de dois anos, depois que Ben se casou. Infelizmente,
os vínculos matrimoniais nada significavam para ela!
— Isso é mentira! — Tracey gritou, cheia de revolta.
— Depois de algum tempo — continuou Justin, como se não tivesse sido
interrompido — não tive outra alternativa senão mandá-la para fora de minha
propriedade, antes que ela arruinasse minha família inteira. — A voz do velho se
tornou lamuriosa. — Daquele dia em diante, nunca mais ouvi falar de meu querido
filho Ben. Ele se afastou tanto de nós, que nem ao menos sabíamos onde estava
morando. Foi então que o advogado de seu pai contactou Ryan e lhe comunicou a
morte de Ben. Sua mãe foi a causa dessa separação em nossa família. Ela não
tinha princípios, nem moral…
— Papai! Por favor! — Nancy interferiu. — Já falou demais! Isso aconteceu
há muitos anos e a garota não tem culpa nenhuma do comportamento da mãe.
Tracey sentiu o coração apertado. Então Nancy também concordava com a
opinião de Justin? Precisava procurar se lembrar de como tinha sido a vida entre
seu pai e sua mãe, antes da morte dela.
Cenas já esquecidas voltaram à sua mente e recordou palavras ásperas
trocadas por trás da porta fechada do quarto dos pais. As saídas constantes da
mãe, alegando ter um serviço extra para fazer, e a expressão sentida do pai,
sendo deixado só com as duas filhas para cuidar, voltaram à lembrança dela.
Sentiu a cabeça latejar e seus olhos não conseguiam focalizar direito as
coisas. Sim, não havia como negar as frequentes ocasiões em que seu pai parecia
estar desconsolado e infeliz.
Levantou-se com esforço, procurando manter o autocontrole.
— Vão me dar licença. O dia foi bastante longo e…
Deixando a frase inacabada, saiu da sala. Se continuasse a falar poderia
acabar chorando e não queria dar esse prazer ao homem que destruíra sua
confiança no casamento dos pais. Antes de sair dali, ainda teve tempo de ouvir a
voz de Nancy, dirigindo-se a Justin.
— Viu o que fez, papai? — ela dizia, aflita.
— Era inevitável, Nancy. Mais cedo ou mais tarde ela iria acabar
descobrindo — Justin respondeu.
Tracey subiu as escadas correndo. Quando se viu na segurança de seu
quarto, fechou a porta e caminhou até a janela procurando respirar melhor e pôr
os pensamentos em ordem. Mas aquele breve momento de paz foi depressa
quebrado por umas leves batidas na porta. Segundos depois, Ryan entrou no
quarto. Podia-se ler na frieza dos olhos dele e em sua boca contraída que estava
aborrecido.
— Quero falar com você — Ryan disse.
— Sobre o quê? — Tracey perguntou, mantendo-se de costas para ele.
— Sobre o que aconteceu lá embaixo. Ia entrando na sala quando vi você
fugir, parecendo mais um fantasma de tão pálida. Em seguida Nancy me fez sinais
desesperados para que a seguisse. Não quer me contar o que houve?
— Como posso saber por que Nancy quis que você me seguisse? Por que não
pergunta a ela?
Ryan se aproximou e colocou as mãos nos ombros de Tracey, fazendo-a
voltar-se para ele.
— Estou perguntando a você, garota, e quero uma resposta agora mesmo. Já
tive paciência demais com seu comportamento rebelde e sua falta de cooperação.
Embora o contato das mãos de Ryan contra a pele de seus ombros a
deixasse perturbada, Tracey ousou ainda uma vez enfrentar o tutor.
— Pensa que os Alexander podem falar o que quiserem, quando negam esse
direito aos outros? Vocês todos esperam que eu me comporte como uma garota
boazinha e dócil, sem vontade nem chance de pensar, não é? Mas não vou me
submeter. Só estou aqui porque não tinha outra saída. Aliás, você deve ter ficado
muito aborrecido quando descobriu que não poderia trazer Lyn para cá, sem que
eu viesse também!
— Continuo não entendendo nada, Tracey. Seja mais clara.
— Até parece que não sabe de nada! — Tracey disse, disposta a despejar
sua raiva, sobre Ryan. — Já esqueceu que meus pais e eu fomos mandados embora
daqui? Pelo que disseram, minha mãe dava um pouco de trabalho e não era fácil
mantê-la junto com o resto da família. Provavelmente julgaram a filha pela mãe!
Mas, para azar dos Alexander, meu pai os obrigou a aceitar as duas filhas e agora
vocês não têm como se ver livres desse fardo. Ou aceitam as duas ou ficam sem
nenhuma. Que dilema, não? Acho que essa foi a forma que meu pai encontrou para
punir a família pelo que fizeram à mulher dele.
— Você está sendo tola e insensata, Tracey — retrucou Ryan, sacudindo-a
pelos ombros. — Devia ter previsto que iria interpretar a situação dessa maneira!
Será que não confia em ninguém? Nem mesmo em seu pai? Não sabe que Ben
sempre a considerou tão filha dele quanto Lyn? Não entende que ele a considerou
tão digna de receber a herança quanto sua irmã? Você julgou mal as intenções de
seu pai! Mas é bom que saiba que eu poderia muito facilmente ter dado um jeito
de modificar essa cláusula do testamento de Ben, caso quiséssemos apenas
conservar Lyn perto de nós. Como você mesma disse, Tracey, com dinheiro tudo
se consegue.
— Então por que não fez isso? Sabe muito bem que eu preferia ter ficado
em Sidnei e que não ligo a mínima para a herança que um dia poderei receber.
Prefiro ficar sem ela, mas conservar minha liberdade.
— Não vamos perder tempo falando de novo nisso. Seu pai queria muito que
viesse para cá e, além disso… — Ryan sorriu maliciosamente — Justin me deu
ordens expressas para que não voltasse sem você.
— Não posso imaginar que motivos seu avô teria para querer que eu viesse —
retrucou Tracey, intrigada.
— Se não estivesse tão empenhada em lutar contra cada Alexander que vê à
sua frente, chegaria facilmente a uma conclusão.
— A culpa não é só minha. Você mesmo não tem sido muito benevolente e
ainda há pouco seu avô não teve a mínima consideração ao dizer que sou… que
sou…
— O quê?
— Não tem importância — disse Tracey, preferindo não se lembrar das
palavras duras de Justin.
— Pois eu acho que tem, Tracey. Do contrário não teria ficado tão
aborrecida. O que Justin disse que você é?
— Ele me disse algo muito parecido com o que você próprio falou logo na
primeira vez que esteve em minha casa. Pelo jeito, você e seu avô costumam tirar
conclusões precipitadas a respeito das pessoas.
— O que ele disse, Tracey?
— Disse que minha mãe, tal como eu, não considerava o casamento como uma
coisa séria — Tracey contou, esforçando-se para não chorar.
— Você falou a Justin sobre Wilcox?
— Mais ou menos…
Um sorriso aberto iluminou o rosto bonito de Ryan. Contra sua vontade,
Tracey admitiu que seu tutor era um dos homens mais atraentes que jamais vira.
— Vejo que está se divertindo muito com a situação! — ela falou com uma
expressão zangada.
— O que esperava que eu fizesse?
— Que me deixasse em paz para que eu pudesse viver minha própria vida,
sem interferências. Estava muito bem, antes que os Alexander aparecessem com
suas regras e restrições. — Ela calou-se por um instante e em seguida prosseguiu,
num tom malicioso e irônico. — Mas pensando bem… já que todos julgam o pior a
meu respeito, talvez eu deva mesmo seguir as pegadas de mamãe. Afinal, ela
conseguiu que a mandassem embora da propriedade e de volta para Sidnei, não
foi? Talvez eu tenha a mesma sorte.
— Se tentasse se portar assim, apenas conseguiria que Justin lhe
arranjasse um marido decente.
Tracey quase engasgou. Em que século estavam vivendo? Ou será que
naquele lugar, distante de tudo, ainda era costume fazer casamentos arranjados?
Seria essa a explicação para o crescimento das terras daquele pessoal? Fazer
com que os filhos e filhas casassem com a pessoa mais conveniente a fim de
ampliarem seu patrimônio?
— Então foi por isso que Justin insistiu para que você me trouxesse
também? Para que eu fosse usada para aumentar a já incalculável fortuna dos
Alexander? Já não bastava Lyn? Ou existem duas fazendas que Justin quer
incorporar à sua?
Os olhos azuis de Ryan se tornaram duros e frios e Tracey percebeu que
tinha ido longe demais. Mas não estava preparada para a reação que se seguiu. O
tutor segurou-a pelos cabelos, forçando-a a inclinar a cabeça para trás, de modo
que não pudesse evitar de encará-lo.
— Nada disso, sua garota teimosa. Não foi esse o motivo. Em nossa família,
assim como em muitas outras por aqui, a terra é herdada apenas pelos filhos
homens. Um procedimento bem machista, concordo, mas é assim que costumamos
fazer. Portanto, mesmo que se casasse com um fazendeiro, não teria direito
algum às terras dele. Entendeu bem, Foguinho? — disse, soltando-a de repente.
— Então é por isso que dizem que este é um país de homens, não é? As
mulheres são consideradas apenas como cidadãs de segunda classe, facilmente
adquiridas por qualquer punhado de dólares?
— Está enganada, Tracey — Ryan aproximou-se da porta. — Não são de
segunda classe e nunca valem poucos dólares. Mas não desanime, querida. Se
continuar assim, com esse jeito azedo, vai conseguir perturbar a família.
Tracey ficou olhando Ryan sair e fechar a porta atrás de si. A raiva e o
ressentimento que sentia se desvaneceram assim que se viu sozinha. Era a
primeira vez na vida que a tinham chamado de "azeda". Estaria mesmo se
transformando numa pessoa neurastênica e irritadiça?
Horas mais tarde, calculando que todos na casa já se deviam ter recolhido
em seus quartos, desceu até o terraço. Ficou contemplando demoradamente a
paisagem magnífica, banhada pelo luar e ouvindo a brisa murmurar suavemente
entre as folhas das árvores. Com um suspiro profundo, deixou-se cair numa das
poltronas de vime que havia por perto.
Mesmo apreciando aquele espetáculo de calma e beleza, seus pensamentos
continuavam tumultuados. Não saberia dizer por quanto tempo estivera sentada
ali, fazendo silenciosamente um balanço de sua situação atual, de seus
sentimentos e sua vida, quando ouviu um rumor de passos no terraço. Então havia
mais alguém com insônia naquela casa?
— Ainda não se foi deitar, Tracey? — A voz meiga de Nancy chegou-lhe aos
ouvidos.
Tracey levantou-se e sorriu para a tia, que se aproximava.
— Gostaria de falar com você — Nancy disse, sentando-se numa poltrona
próxima à dela, e fazendo um gesto para que a sobrinha se acomodasse.
— Este lugar é absolutamente magnífico, Nancy — Tracey comentou —, e
transmite uma profunda calma. É sempre assim? Normalmente, na costa, essa
calmaria é seguida por uma forte tempestade.
Nancy reparou nas feições perturbadas da sobrinha. Refletiu por um
momento, antes de responder.
— Está tentando insinuar, de maneira delicada, que prefere não conversar
sobre assuntos pessoais?
— Se for, essa será a primeira coisa delicada que consigo dizer desde que
cheguei, não é verdade? Devem estar me achando muito mal-educada e
desagradável. Na verdade, não foi esta minha intenção.
— Não se preocupe em pedir desculpas, Tracey. Nós também não fomos
muito amáveis com você. Depois que papai se acalmou, ele lastimou
profundamente ter dito o que disse.
Tracey mal podia crer que um Alexander se arrependesse de alguma coisa.
Mas, enfim, não queria levar aquele assunto desagradável à frente.
— Pela maneira como reagiu, pude deduzir que não sabia nada a respeito de
sua mãe. Estava certa? — perguntou Nancy, aproximando-se de Tracey.
— Não sei, não tenho muita certeza. Acho que intimamente desconfiava de
alguma coisa. Sabia que mamãe e papai não eram totalmente felizes,
principalmente nos últimos anos, pouco antes de ela morrer. Mamãe estava
sempre saindo e era papai quem ficava em casa comigo e com Lyn. Quando ela
voltava, podia ouvir, invariavelmente, o som abafado das vozes dos dois,
discutindo acaloradamente. Mas, quando se tem nove ou dez anos, não se pensa
muito sobre essas coisas, não é? Além disso, acreditava piamente quando mamãe
dizia que teria que sair à noite para terminar um trabalho extra. Talvez eu
tivesse compreendido melhor as coisas se fosse mais velha na época.
— No entanto, quando papai tocou no assunto, você imediatamente se pôs na
defensiva.
— Foi uma reação instintiva, eu acho. Fiz questão de ignorar a verdade por
tanto tempo, que quando fui obrigada a encará-la fiquei alarmada.
— Posso entender isso, meu bem — Nancy tomou as mãos de Tracey entre as
suas. — Ninguém gosta de descobrir coisas desagradáveis a respeito dos próprios
pais e, quando essa descoberta é feita de maneira brusca e inesperada, tudo fica
ainda pior. Meu pai, por vezes, causa esses desastres. Mas, acredite, ele não teve
má intenção.
— Sei disso. Para ele também não deve ter sido fácil ficar tantos anos
afastado do filho, por causa de minha mãe. — Tracey olhou para Nancy. — Meu
pai, Ben, era seu irmão! Não compreendo como puderam me acolher nesta casa de
boa vontade! Sou a lembrança de tudo aquilo que gostariam de esquecer!
— Não pense assim, Tracey! Nunca! Ficamos muito tristes quando Ben foi
embora. Mas felizmente o tempo ameniza os sofrimentos, e todos nós, inclusive
papai, fomos nos acostumando à ideia de nunca mais vermos meu irmão. Quando o
advogado de Ben comunicou a morte dele, a dor de papai foi amenizada ao saber
que o filho tinha determinado em seu testamento que você e Lyn voltassem para
nossa companhia.
— É isso que não compreendo, Nancy. Está certo que quisessem ter Lyn com
vocês, mas por que eu? Não tenho o sangue dos Alexander em minhas veias. Não
existe, de fato, qualquer parentesco entre nós.
— Tem razão, mas papai sempre teve um carinho especial por você. Ficou
inconsolável quando Ben e Mary partiram, levando a garotinha que ele tanto
amava. Para ser sincera, era o velho Justin quem mais lhe fazia as vontades.
Muito mais do que Ryan ou Glen.
Para Tracey, era difícil acreditar que um dia tinha sido capaz de derreter o
coração daquele velho autoritário. Se fosse verdade, não devia ter sido nada fácil
para ele decidir-se a mandá-los embora de sua casa.
— Mas se papai queria tanto que Lyn e eu voltássemos para o seio da família,
por que não nos trouxe imediatamente após a morte de mamãe?
— Não posso lhe responder com certeza, mas imagino que Ben não quisesse
voltar, uma vez que tinha cortado todos os laços de família, a ponto de nem ao
menos mencionar nossa existência. Meu irmão tinha bom coração e estava
disposto a tudo pela felicidade das filhas; mas era também muito orgulhoso e não
poderia suportar que alguém tivesse pena dele ou lastimasse sua infelicidade. —
Nancy sorriu. — Mas o fato é que Ben quis que vocês duas voltassem para junto
de nós e ficamos muito gratos por essa resolução. Vamos nos deitar agora,
Tracey. Precisamos descansar. Até amanhã, querida.
— Até amanhã.
Tracey voltou para o quarto e se preparou para dormir. Deitou e apagou a
luz, mas sua mente estava conturbada demais para conseguir relaxar o suficiente
e adormecer.
Muitas coisas tinham acontecido e ela não se sentia inclinada a permanecer
em Nindethana. Ainda pensava que, se assumisse um comportamento insuportável,
talvez seu tutor acabasse por mandá-la de volta a Sidnei. Mas… não ia ser fácil
agir de maneira desagradável, agora que sabia que a família toda ficara
sinceramente contente por tê-la de volta. Sobretudo Nancy e… o velho Justin
Alexander.
Capítulo V
— Carol sugeriu que déssemos um passeio a cavalo hoje — disse Lyn ao
encontrar a irmã na mesa do café.
— Há muita coisa interessante para se ver, inclusive como se cuida dos
carneiros — Carol acrescentou, para aguçar o interesse das primas. — Ryan já
está lá no campo com alguns peões.
Ao ouvir aquilo, Tracey sentiu-se tentada a recusar o convite. Não queria
encontrar o tutor. No entanto, ao olhar pela janela e ver o dia radioso lá fora, o
céu muito azul e sem nuvens, não resistiu à delícia que seria sair cavalgando por
aqueles campos intermináveis, o vento no rosto, sentindo os movimentos livres do
animal.
— Vamos então — ela concordou. — Como faremos para chegar lá?
— Podemos seguir ao longo do córrego por algumas milhas, até chegarmos ao
Poço do Diabo. Passaremos pelas antigas minas para depois cortar caminho pelos
pastos e finalmente chegar ao posto avançado de tratamento de animais.
— Poço do Diabo? — Tracey estava curiosa. — Que nome engraçado!
— Em língua nativa, Wirrabilla — Carol explicou. — Foi justamente por causa
do poço que o lugarejo ganhou esse nome. O folclore nativo conta que o Poço do
Diabo é habitado por um peixe que morde.
— É muito interessante! — Tracey comentou, enquanto Lyn fazia uma careta
de medo. — E as minas, Carol? Eram de ouro?
— Não. De opalas. Logo depois da virada do século, houve uma corrida louca
a estas minas. Depois de alguns anos, porém, o pessoal que as explorava achou que
não valiam mais a pena e abandonaram tudo o que já estava construído. Ainda é
possível encontrar cabanas cheias de pedaços pequenos de pedras e muitos poços
meio desmoronados. Quando éramos crianças, gostávamos muito de fazer
explorações nessas velhas minas.
— Esse tipo de lugar parece ter um apelo irresistível para crianças —
comentou Tracey, que adorava ouvir falar sobre lugares antigos.
— É verdade. Uma ocasião tio Richard nos pegou numa dessas aventuras e
ficou furioso.
— Quem é tio Richard?
— O pai de Ryan e Glen. Não pode calcular como ele ficou bravo. Mandou que
eu e meus irmãos voltássemos para casa e fez com que Ryan e Glen passassem o
mês todo verificando e consertando as cercas da fazenda em seus pontos mais
extremos. Nunca mais tentamos repetir a façanha.
Tracey se deliciou com a ideia de que Ryan, um dia, tivesse sido castigado
pelo pai. Saber daquilo fazia com que ele parecesse menos o eterno manda-chuva,
Sempre pronto a comandar tudo e todos.
— Tio Richard já morreu, não é? — Lyn perguntou.
— Sim, há mais ou menos seis anos. Ou talvez sejam cinco, não estou bem
certa. — Carol reparou que a mãe se aproximava. — Não é isso, mamãe? Não faz
cinco ou seis anos que tio Richard morreu?
— Isso mesmo. Foi um caso muito triste. Ele e mais alguns dos peões
estavam nas encostas, tentando debelar um incêndio na mata. O tempo estava
muito seco, há meses que não caía uma gota de chuva, e o fogo prosseguia com
incrível rapidez. Eles tinham acabado de controlar um foco, quando o vento
mudou, soprando na direção deles e levando as brasas. Por mais que tentassem,
não conseguiram escapar.
As quatro mulheres ficaram em silêncio, imaginando a horrível cena dos
homens perdidos no meio do fogaréu, sem chance de sair dali com vida. Nancy
percebeu que o ambiente ficara pesado e tratou de espantar a tristeza.
— Quais são os planos para hoje? — ela esforçou-se para perguntar num tom
alegre.
As três primas logo responderam juntas, cada uma mencionando um lugar
diferente, dentre aqueles que Carol tinha dito que iriam ver. Num instante
estavam rindo animadamente com a confusão de vozes que haviam criado.
— Prometam apenas que ficarão longe dos poços da mina. Lembrem-se de
que a madeira ali está podre e que desmoronamentos são comuns naquele lugar.
Além disso, poderiam se perder facilmente nos corredores escuros e mal
ventilados.
— Prometemos solenemente, mamãe. Acabei de contar às meninas o que
aconteceu da última vez que tentamos desobedecer às ordens.
— O importante não é lembrar isso aqui, mas sim quando estiverem lá.
— Não se preocupe, Nancy — Tracey se adiantou em responder. — Seremos
cuidadosas.
As três moças foram para a cozinha e prepararam um lanche. Depois
seguiram até a cavalariça, escolheram três animais bonitos e altos para montar e
saíram pelos campos. Tracey se deliciava com o barulho dos cascos dos cavalos
contra a terra macia.
Seguiram por campos verdes, até alcançarem o local onde árvores mais
copadas acompanhavam o regato borbulhante que corria por entre pedras,
formando pequenas cascatas e redemoinhos. Finalmente, alcançaram uma
depressão rochosa, que parecia ter se deslocado em tempos imemoriais, sob o
poder de uma força irreprimível.
Chegaram, então, ao Poço do Diabo. Ali desmontaram e desceram
cuidadosamente a escarpa inclinada coberta de pedregulhos, até atingirem um
pequeno lago de águas profundas, abrigado sob a proteção de uma árvore secular
que descia seus galhos até a água.
Lyn foi a primeira a chegar. Ajoelhou-se à beira do lago e colocou a mão na
água, a fim de jogá-la no rosto para amenizar o calor.
— Meu Deus! A água está gelada!
— É sempre assim — Carol disse rindo. — É um choque quando se sente como
ela é fria, não é?
Tracey se ajoelhou ao lado da irmã e colocou também as mãos na água.
— É esquisito mesmo! Sempre pensei que as águas subterrâneas fossem
quentes — comentou, voltando-se para Carol que se juntava a elas.
— Normalmente as águas artesianas e semi-artesianas são quentes, mas
esta é realmente muito fria. Dizem que é porque este lago é fundo demais.
Ninguém sabe sua profundidade exata.
— Tenho medo de coisas sem fundo — Lyn falou, colocando-se de pé e
recuando alguns passos.
— Prefere o azul infinito do céu, não é? — Carol brincou. As três primas
lavaram o rosto e as mãos, beberam a água fresca e pouco depois montaram de
novo para prosseguir em seu caminho. Tracey olhava ao redor, com crescente
interesse. A paisagem era linda e diferente de tudo que já tinha visto. O solo era
muito vermelho, com vegetação baixa e as árvores retorcidas eram cobertas por
uma poeira fina que pairava no ar. Tudo ali era tão grandioso e ermo que ela
sentiu-se pequena e insignificante. Havia naquele lugar uma certa beleza mística e
Tracey deixou-se envolver pelo fascínio daquela paisagem. Incrível! Tinha saído
para o passeio certa de que iria odiar tudo o que visse, repelir qualquer tentativa
de se adaptar ao cenário e, no entanto… lá estava ela com o coração repleto de
um quase estado de graça, tamanha era a grandiosidade e o esplendor daquelas
terras.
— Vocês têm poços artesianos por aqui? Ou semi-artesianos? — Tracey quis
saber. — Para ser sincera, não sei qual é a diferença entre um e outro.
Carol se apressou em explicar:
— Quando se faz um poço e a água sai naturalmente é porque se atingiu um
bom lençol d'água: é o poço artesiano. No semi-artesiano, a água tem que ser
puxada por bombas.
— Há muitos desses poços na propriedade? — Lyn quis saber.
— Não posso dizer com certeza, porque não moro aqui. Mas deve haver uns
nove ou dez, além de duas nascentes naturais e alguns tanques subterrâneos. A
água é indispensável numa fazenda, não se esqueçam disso.
Encontraram um rebanho de carneiros no caminho. Eram centenas de
animais, que andavam com as cabeças curvadas, aproveitando o pasto excelente.
Era uma bela cena!
— Mora perto daqui, Carol? — Tracey indagou.
— Depende de você estar na estrada ou no avião. Nossa fazenda fica perto
da fronteira, em Queensland, bem perto da cordilheira.
— É lá que se cultiva trigo e também se cria carneiros, certo?
— Realmente, é isso que fazemos.
— A propriedade de nossa outra tia também fica para esse lado? — Lyn
perguntou, impressionada com a imensidão das fazendas.
— Não. Vocês vão ver que gostamos de nos espalhar pelo país. A fazenda de
tia Rita fica na parte centro-oeste, em Nova Gales do Sul. Lá existem plantações
de soja, girassol e algodão, de onde se tiram as sementes para a extração de
óleos comestíveis. Mas também criam carneiros.
— Puxa! A família gosta de diversificar, não é? — observou Tracey, cada vez
mais impressionada.
— É a melhor política — Carol continuou. — Desse modo, se uma das
fazendas sofre por causa do clima ou de qualquer outro fator adverso, as outras
podem ajudá-la a superar a crise até a safra seguinte.
— Com isso você quer dizer que todas essas propriedades pertencem aos
Alexander? — Tracey indagou, mal podendo acreditar no que ouvia.
— Claro. Além disso ainda temos a propriedade que Glen e Pamela vão dirigir,
quando voltarem da lua-de-mel, e várias outras menores, mais ao norte de
Queensland. Temos também algumas casas na costa, sociedade numa mina de
safiras, ações de diversas companhias em ascensão e participação em sociedades
nas quais entramos apenas com o capital. A família está metida em tantos e tão
variados negócios, que precisaria de mais tempo para mencionar todos. Querem
que eu continue?
— Não, já basta — disse Lyn. — Estamos convencidas de que a família
Alexander domina uma boa parte do país.
— Não me diga que existem outros ramos de atividade — Tracey exclamou,
sem poder entender como uma só família podia se dedicar a tantas coisas ao
mesmo tempo.
— Claro! Trabalhamos com amendoim, açúcar, algodão…
— Está bem. Chega! — Tracey riu. — Já percebi que os Alexander estão
mesmo metidos em tudo.
Carol inclinou a cabeça para trás, numa gargalhada gostosa.
— Posso propor um desafio a vocês? Vamos ver quem chega mais depressa
ao alto daquele morro, perto daquela árvore alta e retorcida?
— Vamos lá — Tracey e Lyn gritaram a uma só voz, esporeando os cavalos
para que eles saíssem a galope.
À medida que os cavalos seguiam morro acima, deixavam atrás de si uma
nuvem de poeira vermelha, deslocavam pedras pequenas que rolavam morro abaixo
e arrancavam tufos de mato seco. Em pouco mais de um minuto, as três moças
atingiram o local indicado.
Pararam por um momento no topo do morro e Carol apontou para um regato
que corria lá embaixo, por entre árvores, bancos de areia e pedras que brilhavam
à luz do sol forte.
— Ali são as velhas minas — ela disse. — Querem descer? Tracey e Lyn
concordaram imediatamente.
— Tomem cuidado ao descer e quando chegarmos lá embaixo abram bem os
olhos. Há muitos poços que não estão mais sinalizados e, se não ficarem atentas,
correrão o perigo de cair num deles.
Tracey, Lyn e Carol desceram o morro e desmontaram, deixando os cavalos à
sombra das árvores. Em seguida prosseguiram a pé, examinando a boca da mina,
que se abria num túnel e se perdia em meio à escuridão.
Descobriram a entrada de um antigo poço e, muito curiosas, olharam em seu
interior, para ver se encontravam alguma coisa interessante. O calor estava forte
e Tracey abriu um botão de sua camisa xadrez, sentindo a pele úmida pela
transpiração.
— Realmente, tinha que compensar muito, trabalhar nesse calor escaldante
— disse, dirigindo-se à prima. — Foram encontradas pedras de grande valor por
aqui?
— Algumas eram grandes e bonitas, mas não eram opalas pretas, o tipo mais
procurado e valioso. As que se encontravam aqui eram do tipo leitoso.
— Não existe mais nada nessas minas? — Lyn quis saber. — Por isso estão
abandonadas?
— Acredito que ainda haja muita coisa por aí. Muitas vezes se considerou as
minas extintas e, no entanto, em explorações posteriores se encontrou muita
coisa. Mas, naturalmente, não é mais como naqueles primeiros tempos em que as
pedras preciosas eram tão abundantes que nem se precisava procurar muito para
conseguir uma fortuna da noite para o dia. Essas formações rochosas são típicas
produtoras de opalas, mas nunca foram muito exploradas devido à falta d'água.
— Mas… não podiam abrir um poço? — disse Lyn, numa tentativa de
solucionar o problema.
— Quem vai se arriscar a investir um dinheirão na abertura de um poço,
quando não há certeza de encontrar opalas? Além disso, não é certo que
conseguiriam encontrar água.
Aquele lugar era incrível, Tracey pensou. Tão cheio de riquezas bem
guardadas pela natureza! Olhando ao redor, avistou cabanas semidestruídas, onde
um dia trabalhadores tinham se abrigado, para se protegerem contra os rigores
do clima.
— Está gostando daqui, não é, Tracey? — perguntou Carol, chegando perto
da prima. — Não a faz pensar em como eram os homens que viviam aqui? Não tem
curiosidade em saber se eles conseguiram realmente ficar ricos ou se partiram
sem um centavo, tão pobres como quando chegaram?
— É verdade. Acha que ainda se pode encontrar os registros daquele tempo?
— Talvez ainda existam cópias das licenças expedidas. Mas nelas não consta
o nome dos exploradores, nem o lugar onde trabalhavam. Portanto, seria muito
difícil seguir o caminho e a vida de um deles.
— Tem razão. Se alguém se dispusesse a fazer essa pesquisa, levaria anos
procurando e analisando, sem chegar, quem sabe, a um resultado real.
Lyn se aproximou das duas moças.
— Para onde vamos agora? — ela perguntou.
— Vamos ao local onde Ryan e os peões estão cuidando dos carneiros. Se nos
apressarmos, chegaremos a tempo de almoçar com eles. — As primas montaram
em seus cavalos e Carol seguiu na frente, tomando uma passagem estreita, à
direita da mina.
Lyn a seguiu imediatamente e Tracey também, embora não tivesse vontade
nenhuma de rever o primo. Seguiram num trote rápido, atravessaram o regato e
pouco depois avistaram uma nuvem de pó vermelho que se elevava de uma planície.
— Chegamos a tempo! — Carol exclamou, satisfeita. — Vamos abrir a
porteira.
Tracey achou estranho encontrar cerca e porteira num local que parecia
completamente desabitado. Assim que desceram a colina, no entanto, avistou
algumas edificações, perto das quais havia vários homens reunidos, lidando com
carneiros. Cães pastores dirigiam os animais para uma passagem estreita, onde
eles tomariam, necessariamente, uma ducha forte. Carol explicou às primas que
aquele jato d'água banhava os carneiros com uma solução desinfetante, que
impedia que os animais fossem picados por moscas. Depois da ducha, os carneiros
seguiam por um caminho demarcado por cercas, até atingirem um tanque onde
podiam beber água, à vontade.
Uma meia dúzia de homens dirigia a operação, entre eles Ryan, que se
distinguia dos demais por seu porte avantajado, a calça de brim muito justa, o
chapelão grande de fazendeiro na cabeça, protegendo seus olhos do sol.
Por mais que o odiasse, Tracey não conseguia tirar os olhos dele. Havia uma
aura primitiva em torno daquele homem atraente e sensual que a deixava trêmula,
os nervos à flor da pele, incapaz de negar sequer a si mesma o magnetismo viril
que emanava dele.
De longe, Ryan acenou com o braço para cumprimentá-las. Propositalmente,
Tracey se deixou ficar mais para trás. Desceu do cavalo e se encostou na grade,
fingindo-se muito interessada em ver o que faziam com os carneiros. Podia ouvir
Lyn e Carol contando a ele tudo que tinham feito no caminho, e ver os três se
divertindo, dando boas risadas.
Quando se virou, a fim de ir para junto da irmã, encontrou os olhos azuis de
Ryan muito perto dos seus. Não percebera a aproximação dele. Involuntariamente
prendeu a respiração e por um momento o verde e o azul de seus olhos se
encontraram.
— Ainda não se convenceu de que precisa tomar determinadas precauções
por aqui, Foguinho? — indagou Ryan, o rosto sério e os polegares metidos em seu
cinto largo de couro. — Ou se julga melhor e mais forte do que nós e incapaz de
ter insolação?
— Nada disso — Tracey respondeu, passando as mãos por seus cabelos
longos. — Apenas não gosto de usar chapéu. Meu cabelo é grosso e protege
perfeitamente meu couro cabeludo e minha nuca também.
— Mas daqui para a frente vai usar chapéu — Ryan insistiu, sem se deixar
influenciar pelo que ela dizia.
— Não vou! Já disse que não preciso!
— Vai, sim, se quiser sair a cavalo. Vou deixar ordens na cavalariça para que
não selem um animal para você, se não estiver de chapéu.
— Eu mesma posso colocar a sela e…
— Ainda não entendeu, Tracey? Não vou dar permissão para que pegue um
cavalo, se não estiver convenientemente protegida.
— Está ameaçando de me deixar presa em casa, caso não obedeça?
— Não estou ameaçando, nem proibindo. Você é quem vai decidir. Estou
apenas zelando por sua saúde e bem-estar. Se ficar em casa, a culpa será toda
sua. Não sei por que está sempre pronta a retrucar — Ryan disse, tirando seu
chapéu e colocando-o na cabeça dela. — Faça o que quiser depois, mas enquanto
estiver aqui terá que usar esse chapéu, entendeu?
Tracey ficou observando Ryan se afastar, seus ombros largos, as pernas
musculosas, a cabeça erguida. Sentiu uma vontade doida de pegar o chapéu, jogá-
lo no chão e pisar em cima, mas controlou-se. Não podia tomar uma atitude
daquelas diante de homens que estavam acostumados a obedecer à vontade do
patrão. Concordaria com ele, pelo menos por enquanto.
Tratou de se juntar ao resto do grupo. Intimamente, sabia que Ryan tinha
razão. O sol ali era forte demais e naquele momento estava a pino. Todos ali
tinham a cabeça coberta. Mas… não havia mentido quando dissera que sua cabeça
estava fresca e que estava habituada a andar com ela desprotegida.
Quando encontrou a irmã e a prima, as duas lavavam o rosto e as mãos.
— Agora me sinto muito melhor — Carol comentou, bem-humorada. — Vamos
almoçar logo mais. Ryan disse que assim que terminarem com os carneiros virão
todos para cá.
— Enquanto esperamos, por que não vamos ver o que eles fazem com os
animais? — Lyn propôs. — Que tal, Tracey?
Ela concordou. Não tinha mais nada para fazer, mesmo… Para sua surpresa,
porém, logo se interessou pelo trabalho daqueles homens e se juntou à irmã e à
prima, nos risos e nos comentários.
À hora do almoço, sentaram à mesa com Ryan, Doug e mais dois dos rapazes
que lidavam com os carneiros. A conversa fluía fácil e todos se divertiam muito,
contando casos engraçados. Tracey participou da alegria geral, mas não se sentia
muito à vontade perto de Ryan, cujos olhos estavam sempre voltados em sua
direção.
Terminada a refeição, todos se levantaram para ir para fora, mas Ryan
segurou Tracey pelo braço.
— Já preveni Lyn, mas ainda não tive oportunidade de avisá-la, Tracey. Não
quero que saiam a cavalo sozinhas, sem antes me avisarem. A propriedade é muito
grande e é fácil para uma pessoa se perder, quando não conhece bem os caminhos.
Compreendeu?
Tracey tornou a sentir a velha revolta. Ryan parecia interessado na
segurança dela, mas desconfiava que, por trás do zelo, havia o desejo de
demonstrar mais claramente quem era a autoridade por ali.
— E se eu esquecer de avisá-lo? — perguntou com petulância. — Sou um
pouco distraída.
— Então comece a me dar conta de tudo o que pretende fazer. Faça isso
todos os dias e se tornará um hábito.
— Está brincando?
— Não. Falo a sério. Para que nunca se esqueça, é bom se acostumar a falar
comigo todas as manhãs.
— Mas… Nancy me disse que você sai muito cedo!
— É só modificar seu horário de levantar e tudo ficará resolvido.
— Isso não vai funcionar! Posso, de repente, resolver sair e… como posso
saber se vai aprovar ou não, se não estiver em casa para eu perguntar?
— Nesse caso terá que esperar até que eu volte. A disciplina tem que ser o
lema de nossa vida.
— Como pode dizer isso? Você provavelmente nem desconfia o que seja
obedecer a alguém! — resmungou Tracey, furiosa.
Era incrível! As coisas ficavam piores a cada minuto que passava. Só faltava
agora ter que pedir também para andar a cavalo, para ir à cidade, par…
Os pensamentos de Tracey foram interrompidos, ao sentir o rosto de Ryan
muito perto do seu, os olhos azuis frios e ameaçadores sobre ela.
— Não me provoque, Tracey — ele a advertiu. — Posso resolver lhe mostrar
o que é disciplina!
— Então não me provoque também, insistindo para que eu lhe dê conta de
meus atos todos os dias — ela protestou, zangada.
Percebendo, porém, que Ryan continuava inabalável em sua decisão, resolveu
abrandar a situação.
— Está bem, está bem! Já que faz tanta questão, posso lhe avisar quando
pretender sair a cavalo. Mas isso vai ser tudo. Só vou avisá-lo dos meus planos em
relação aos passeios a cavalo… nada mais!
Esperava que o tutor revidasse suas palavras com igual veemência.
Entretanto, para sua surpresa, o semblante atraente de Ryan se abriu num leve
sorriso, que iluminou seu rosto antes tão zangado.
— Chegou à conclusão de que esse é o menor dos males, certo? Mas será que
posso mesmo confiar em sua memória, já que me disse que é tão distraída?
— Claro que sim! Não acabei de afirmar que irei avisá-lo? O que mais você
quer? Um contrato formal, assinado por testemunhas?
— Está bem — Ryan concordou rindo, soltando o braço de Tracey e se
afastando dela, com passos tranquilos.
Por que diabos ele agia assim? Tracey perguntava a si mesma. Seria para ser
desagradável ou para mantê-la ciente de sua autoridade de tutor? Ah! Aquele
homem era insuportável! Atraente c sensual, com um magnetismo que a deixava
atordoada, tinha que admitir, mas ainda assim insuportável!
Vendo que Ryan fora se juntar aos peões, suspirou e foi ao encontro de
Carol e Lyn.
Capítulo VI
Tracey não se afastou da casa pelo resto da semana. Estava tão confusa
sobre as instruções que o tutor lhe dera, que não sabia bem se precisaria da
aprovação dele apenas para sair a cavalo sozinha ou também na companhia de
outras pessoas. Na dúvida, achou melhor não arriscar e ficou em casa. Não tinha
a menor vontade de pedir o que quer que fosse a Ryan.
Sua atitude não passou despercebida. Justin achava esquisito que uma moça
tão bem disposta passasse o dia todo enclausurada em casa.
— Há algo errado com você, Tracey? — ele perguntou um dia. — Por que não
saiu junto com os outros?
— Não estava com vontade — ela respondeu, evasivamente, enquanto
folheava uma revista já bastante antiga.
— Bobagem! Uma amazona tão boa quanto você não perderia a oportunidade
de sair para uma boa cavalgada, principalmente tendo chegado há tão pouco
tempo da cidade grande. Vamos, conte-me. Deve haver outra razão além dessa
pretensa falta de vontade.
Justin sentou-se numa poltrona próxima à dela.
— Por que razão eu iria me apressar? Ficarei aqui mais dois anos e meio,
portanto, terei tempo de sobra para aproveitar as delícias do campo.
— Não se faça de vítima, menina. Você foi muito feliz enquanto morou aqui.
— Eu tinha dois anos naquela época, vovô. Minhas preferências devem ter
mudado um pouco desde então, não acha?
— Mas não para melhor, não é, Tracey?
— Por favor… temos que falar sobre esse assunto de novo? — ela resmungou.
— Peço desculpas por ter sido grosseira, mas, agora, se me dá licença, vou
procurar Nancy para ajudá-la no que for necessário.
— Há empregados de sobra nesta casa e não precisa ajudar ninguém —
retrucou Justin, erguendo a bengala, e colocando-a no caminho de Tracey, para
impedi-la de se afastar. — Por que não fica aqui e me conta sobre o verdadeiro
motivo de não ter ido com sua irmã ver a marcação dos carneiros?
Tracey tornou a sentar-se, mas ficou calada. Aquela revelação poderia ser
perigosa para ela.
— Sua resolução tem alguma coisa a ver com você ter chegado em casa com
o chapéu de Ryan? — o velho arriscou. — Aliás, não sei por que Carol não insistiu
com você para que usasse um. Ela conhece o clima inclemente dessa época do ano
e tinha obrigação de ser mais cautelosa.
— Não foi culpa de Carol, vovô. Ela me ofereceu um chapéu, mas eu respondi
que não precisaria dele. Mas isso não tem nada a ver com o fato de eu não ter
saído com as garotas. Eu apenas não estava disposta a ir, só isso.
Justin recolheu a bengala e por um instante ficou observando Tracey.
— Esse homem com quem estava saindo em Sidnei… sente muito a falta
dele?
— Está falando de Boyd? — Tracey perguntou, surpresa. — Não, não sinto
falta dele, nem estou em casa curtindo a dor de uma separação.
Na verdade, não pensava em Boyd desde que tinha chegado à fazenda.
— Conte-me alguma coisa sobre esse rapaz, menina.
— Sobre Boyd? Não vejo por que deva estar interessado nele!
— Não é nele que estou interessado, mas em você, Tracey. Gostaria de
saber que tipo de homens você admira.
Tracey olhou para o velho, desconfiada. Será que ele estaria querendo
descobrir suas preferências para, de alguma maneira, ligá-la a Ryan?
— Quer saber que tipo de homem me atrai? Bem… ele tem que ser bonito
como um artista de cinema e rico como um magnata do petróleo. Precisa ter uma
ilha particular no Pacífico Sul, e não deve esperar que eu lhe seja submissa.
— Com isso você está querendo insinuar que não é da minha conta, certo,
mocinha?
Pela primeira vez, Tracey achou divertida a companhia do avô. Ele tinha
realmente senso de humor e ela acabou sorrindo.
— Não é exatamente isso, mas acho difícil catalogar uma coisa tão
subjetiva, como o gostar de alguém. Não se pode dizer que se prefere homens
morenos e altos, quando é bem possível que a gente venha a se sentir no céu com
um loiro baixinho. Um dia pensei que tivesse encontrado em Boyd tudo aquilo que
desejava num homem, mas… — ela hesitou, para depois continuar com voz firme —
ele não era a pessoa com quem sempre sonhei.
— Fez essa descoberta graças a Ryan, não foi?
— É verdade. Graças a Ryan!
Tracey e Justin ficaram em silêncio por um instante e então o velho mudou
completamente de assunto. Passou a contar a Tracey sobre a fazenda, que no
início ficara sob a direção de seu próprio avô. Falou também sobre a nova raça de
carneiros Merino que haviam desenvolvido e que tinha se aclimatado per-
feitamente naquela região de calor forte e invernos rigorosos.
Tracey ficou ouvindo Justin contar histórias interessantes relativas a
grandes acontecimentos, como secas, inundações, incêndios difíceis de controlar,
variação no mercado, grandes lucros e perdas significativas… Tão absorvida ficou
nos relatos, que lamentou a chegada de Nancy, anunciando que o almoço estava
servido.
Tinha adorado saber de tudo. Justin relatava os fatos de uma maneira
peculiar e agradável e Tracey chegara mesmo a se emocionar, rir, sofrer e se
divertir com a saga dos Alexander.
No dia seguinte, Carol e Lyn saíram bem cedo, depois de convidar Tracey
para acompanhá-las. Mas, ao ficar sabendo que pretendiam encontrar Ryan,
Tracey recusou o convite, preferindo ficar em casa e observar os preparativos
para o churrasco que iria acontecer no sábado. Foi se afastando até chegar a um
portão de ferro que se abria para o pátio, em volta do qual havia algumas
construções. Atravessou o portão e caminhou até uma delas, que tinha a porta
aberta. Olhando para dentro, viu que era uma espécie de depósito com as paredes
cobertas de prateleiras, repletas de mercadorias variadas, desde peças para
tratores, pás e utensílios domésticos, até roupas e calçados.
— Oi, como vai? — Marty Bradshaw cumprimentou, saindo de um pequeno
escritório que ficava nos fundos da loja. — Veio só para dar uma olhada ou está a
fim de comprar alguma coisa?
— Estava apenas olhando. Mas, já que me mandaram comprar um chapéu,
gostaria de ver se tem algum que me sirva por aí.
— Ótimo. Que tamanho você usa?
— Não faço a menor ideia. Nunca usei nada na cabeça. Não gosto. Mas já que
me disseram que nesse calor é indispensável…
— É mesmo. Veja este aqui. É bem pequeno. Experimente.
Tracey colocou o chapéu, mas ele não entrou além do alto da cabeça, mal
cobrindo seus cabelos.
Marty riu e pegou outro, que desta vez serviu perfeitamente.
— Este está ótimo, Marty. Também gosto da cor. Devo pagar agora, ou…
como é que se faz?
— Não é preciso. Vou abrir uma conta para você. Quando quiser alguma coisa
da loja poderá levá-la, que nós debitaremos em sua conta. Costumamos fazer o
acerto no final de cada mês.
— Está bem, mas não sei como poderei lhe pagar. Estou sem dinheiro.
— Não diga isso, Tracey. Tem sua parte nas ações e também nos lucros da
fazenda e…
— E quanto dá isso?
— Você é mesmo engraçada, Tracey. Nunca procurou saber quanto tem?
A moça balançou a cabeça negativamente.
— Bem, não posso lhe dizer a quantia exata, porque sou o contador apenas
desta fazenda e não sei muito sobre os outros investimentos, que ficam a cargo
de outros contadores em Sidnei. Mas, por alto, posso dizer que a soma das ações
e participações nas sociedades chega à cifra de…
Tracey ficou boquiaberta ao ouvir a quantia que Marty mencionara. Era
incrível! Nunca tinha imaginado que houvesse tanto dinheiro assim no mundo!
Marty prosseguiu com suas explicações, mas Tracey não conseguia registrar
senão palavras esparsas, sem nenhum sentido para ela: a parte de Ben… juntando
juros acumulados durante todos esses anos… em intervalos anuais daqui para a
frente… sem necessidade de trabalhar… etc… etc. Quando o contador parou de
falar, Tracey arregalou os olhos, numa expressão atônita.
— Marty, mas isso é uma fortuna! Jamais pensei que fosse tão grande assim!
— Mas é! — disse ele sorrindo, divertido. — Desde o início os Alexander
tiveram muito tino para negócios e vêm aumentando sua fortuna e ampliando as
propriedades através dos anos. Não sei se aprenderam a agir assim ou se é um
traço inato na família.
Tracey estava em choque. Era muita responsabilidade lidar com uma fortuna
daquelas! Estava assustada em pensar que um dia seria dona de tanto dinheiro.
Embora sempre tivesse considerado Ben Alexander como seu verdadeiro pai, não
estava certa quanto a ter direito àquela fortuna incalculável.
Para disfarçar sua surpresa, Tracey começou a andar pela loja.
— É aqui que você trabalha, Marty?
— Isso mesmo. Naquele escritório. A propósito, gostaria de tomar uma
xícara de café?
— Aceito, obrigada.
Entraram numa saleta, onde a temperatura era agradável, graças a um
enorme ventilador preso ao teto. Marty preparou o café instantâneo, que serviu
em duas xícaras, entregando uma a Tracey. Ela sorveu o líquido vagarosamente. O
café estava quente e forte, exatamente a seu gosto.
— Já tinha lhe avisado que não seria fácil lidar com Ryan, não é, Tracey?
Acabou comprando o chapéu porque ele mandou, não foi? Bem, não podia esperar
que ele mudasse da noite para o dia.
— Você não tem alguma sugestão para que eu consiga dobrá-lo? Ao menos um
pouquinho.
Marty riu, descontraído.
— Não comece a pôr minha lealdade à prova, menina rebelde. Só posso lhe
aconselhar a não tentar remar contra a maré, senão vai acabar se cansando muito
depressa.
— Disse exatamente o que eu esperava de você, Marty. Sabia que iria apoiar
seu patrão. Vocês homens sempre tratam de se defender uns aos outros.
Marty riu novamente, antes de tomar um gole de café.
— Marty! — A porta se abriu de repente e Ryan entrou com pressa. — Viu
Tracey por aí? Se ela saiu a cavalo sem me avisar, vou...
Foi então que ele a viu no escritório. Tracey não sabia que espécie de
ameaça ele iria fazer, mas só de olhar o rosto zangado dele pôde calcular como
seria enfrentar aquele homem no auge da fúria. Mesmo assim, resolveu provocá-
lo.
— Você vai... o quê? — perguntou, erguendo o queixo. — Estava pensando em
me mandar para a cama sem jantar?
— Não. Tinha pensado num castigo físico. É bom que se lembre disso no
futuro.
Tracey teve vontade de se rebelar e mandá-lo para o inferno, mas sabia que
seria inútil. Resolveu lançar mão do sarcasmo e colocou a mão na testa, numa
continência militar.
— Sim, senhor. O que disser, senhor! Acha que devo me autodestruir agora?
Ryan enfiou as mãos nos bolsos do jeans e sorriu com ironia.
— Até que não seria má ideia!
Os dois sorriram com a encenação.
— Parece que estamos nos entendendo melhor hoje, Tracey. Vamos partilhar
mais alguma coisa, além do nosso bom humor?
Tracey pensou que ele estivesse se referindo ao café que estavam tomando,
mas Ryan pegou a xícara que ela tinha nas mãos e colocou sobre a mesa. Depois
sentou-se na cadeira onde antes ela estivera sentada e colocou-a no colo sem a
menor cerimônia, segurando-a firmemente pela cintura, para impedir que se
levantasse.
Então era a isso que Ryan tinha se referido! Queria dividir a cadeira com
ela! De fato, no pequeno escritório não havia outro assento disponível e Ryan se
instalava como queria.
Tracey se virou para mostrar seu descontentamento, mas encontrou os
olhos azuis do tutor muito perto dos seus, cheios de divertimento pela situação.
Desapontada, voltou-se para frente, tentando escapar dos braços fortes que a
enlaçavam. Mas foi inútil! Quanto mais lutava para escapar, mais ele a puxava para
perto de seu peito atlético. Impotente, procurou sentar-se bem ereta e se
distrair, ouvindo a conversa dos dois homens.
Num determinado momento, porém, sentiu que Ryan começara a deslizar os
dedos para cima e para baixo em suas costas, em movimentos leves e distraídos,
como se estivesse agindo mecanicamente, como quem afaga as orelhas de um
cãozinho.
Mas aquelas carícias suaves não cessaram e Tracey deduziu que Ryan devia
ter consciência do que estava fazendo. O mais estranho é que ela se sentia
excitada com o deslizar macio daqueles dedos longos.
O que estaria acontecendo com ela? Por que a presença de Ryan a afetava
daquela maneira? Sem dúvida, ele era muito atraente, mas… ela não era uma
adolescente idiota, sonhando acordada só por que um homem a acariciava! Por
que, então, respirava agora com dificuldade, enquanto seu coração batia
descompassado, a pele parecendo queimar sob a camisa de algodão?
"Controle-se, Tracey", ela ordenou a si mesma. "Do contrário acabará se
alegrando por tê-lo como tutor!"
Tinha que dar um jeito de sair dali. A conversa se alongava indefinidamente
e já não aguentava mais ficar no colo de Ryan, excitada, as pernas bambas, o
sangue fervendo.
— Já percebi que vocês dois têm muito o que conversar — disse em tom bem
casual. — Vou deixá-los à vontade e voltar para casa — acrescentou, tentando se
levantar.
— Desculpe, Tracey — Ryan falou. — Não pretendia deixá-la fora da
conversa. Mas, já que estava aqui, queria resolver uns assuntos com Marty.
Espere mais alguns minutinhos e poderemos voltar juntos.
— Não é preciso. Ryan. Não vou me perder.
Tracey levantou-se e, por sorte, viu que Nancy passava ali por perto.
— Nancy está aí e preciso conversar com ela sobre uns detalhes para o
churrasco de sábado — disse rapidamente, antes de se afastar dali, aliviada por
estar livre do contato perturbador das mãos de Ryan.
— Não se esqueça do chapéu — Ryan lembrou.
Tracey virou-se para pegá-lo e naquele momento Ryan olhou para ela, como
se dissesse que realmente tivera vontade de acariciá-la. Mas Tracey estava certa
de que sua excitação também não passara despercebida. Tudo era evidente
demais em seus olhos expressivos. Respirou fundo, murmurou um rápido "obri-
gado" e saiu correndo do armazém.
A casa começou a se encher logo cedo, no sábado. Os convidados, em sua
maioria parentes mais próximos, chegavam de carro ou avião.
O pai de Carol veio junto com os dois filhos: Ross, de vinte e cinco anos, e
Lance, de vinte e dois. Ambos eram muito alegres e simpáticos e cumprimentaram
as novas primas com prazer e animação.
Apesar do calor, as jovens resolveram jogar uma partida de tênis. Foi um
jogo demorado e, quando terminaram, sentaram-se no gramado para tomar
refrigerantes gelados.
Um avião cortou o céu e aterrissou no campo. Carol logo o identificou como
sendo da família de tia Rita.
— Que bom! Tia Rita e Tio Owen chegaram! — ela exclamou. — Frank deve
estar com eles. Vamos encontrá-los, Lyn?
— É mais fácil esperar por eles aqui em casa, Carol — Ross sugeriu. — Vai
levar algum tempo até que eles peguem o carro no campo e venham para cá.
— Tem razão — Carol concordou. — Vamos lhes dar um pouco de tempo.
Noeleen e Dennis também vêm?
— Quem são eles? — Lyn quis saber.
— Noeleen é a irmã mais velha de Frank. Ela é casada com Dennis e têm três
filhos que são uns amores!
— Como podemos saber, Carol? — Ross respondeu depois das explicações. —
Acabamos de chegar! Você, que está aqui com mamãe, é que deveria saber de
tudo. Por que não pergunta a ela? — Ross sorriu com malícia. — Por que está tão
interessada em saber? Ainda precisa da proteção de Noeleen contra a Viúva
Alegre?
— É isso mesmo que ela é! — Carol comentou, fazendo uma careta. — O
corpo do marido ainda nem tinha esfriado e ela já estava aqui, correndo atrás de
Ryan!
— Ora, Carol, deixe disso! — O irmão falou. — Só porque Lana a perturbou
uma vez, isso não quer dizer que ela seja uma mulher má, não é?
— Tenho ódio dela! — Carol retrucou, com raiva.
Tracey ficou surpresa com a reação da prima. Carol não costumava ficar tão
brava, pelo contrário, tinha um temperamento tranquilo e era sempre muito bem-
humorada!
— A Viúva Alegre pode ser muito melosa e sorridente para você, Ross, mas
nem todo mundo pensa do mesmo jeito. Não rosto dela! — Carol repetiu.
— Você tem prevenção contra Lana porque ela se mostrou interessada em
seu adorado Ryan. Sempre idolatrou Ryan e é rapaz de encontrar defeitos em
qualquer mulher que se aproxime dele! Enfrente a realidade, Carol. Ryan não vai
lhe prestar contas, nem ligar para sua opinião, quando quiser estar com uma
pessoa. Quanto a Lana… não acha que está exagerando? Não está criando uma
tempestade em copo d'água, por causa de um comentário feito há muito tempo?
— Não adianta vir com discursos, meu querido irmão. Também não me venha
com essa conversa de que sou gamada por Ryan, porque não é verdade. Gosto
dele, sim… Quem não gosta? Mas, na minha opinião, Lana Renfrew é uma perfeita
vampira e nada no mundo vai me fazer mudar de ideia!
— Não acha que está exagerando de novo? — observou Ross, mantendo-se
calmo diante da explosão da irmã.
— Então vamos mudar de assunto — Lance resolveu interferir. — Que tal se
as meninas derem um pulo em casa e disserem para Frank que o estamos
esperando? Ainda temos tempo de jogar mais uma partida.
Carol levantou-se de um salto.
— Está bem. Vou até lá. Vem comigo, Lyn?
As duas moças, sempre juntas, se encaminharam para casa, enquanto Ross
gritava:
— Se encontrarem Ryan digam-lhe que venha também. Quero ter uma
revanche, depois da lavada que ele me deu na última vez que estive aqui!
Carol fez um sinal afirmativo para o irmão e continuou seu caminho,
acompanhada por Lyn. Ross tornou a sentar-se ao lado de Tracey.
— Carol fica furiosa quando se fala em Lana Renfrew. Nem me lembro mais
por que ficou com tanta raiva dela, mas, cada vez que a família se reúne, Carol e
Noeleen se preparam para atingi-la. Talvez, agora que você e Lyn estão aqui, ela
esqueça essa bobagem e compreenda que não há motivos para não gostar daquela
moça. De minha parte, não tenho nada contra ela e, se por um acaso ela e Ryan
começarem um relacionamento permanente, não quero que Carol fique ressentida.
Ryan é independente demais e nunca permitiria interferências externas em sua
vida.
Tracey apenas ouvia, sem fazer qualquer comentário. Compreendia a
preocupação de Ross com a irmã, mas não achava prudente fazer julgamentos
precipitados. Não conhecia Lana Renfrew, portanto… Todavia, era estranho que
tanto Carol quanto Noeleen se opusessem com veemência à tal viúva.
Algum tempo depois Carol e Lyn voltaram com Frank, um rapaz muito
animado, que logo se dispôs a participar da partida de tênis. Tracey acompanhou-
os até a quadra e não teve mais tempo de fazer conjecturas a respeito de Lana, a
Viúva Alegre. Depois de várias partidas, os rapazes resolveram parar, do
contrário ficariam cansados demais para aproveitar a noite em família. Ryan não
tinha aparecido, embora as moças tivessem deixado recado para ele.
Enquanto se dirigiam para casa, Tracey ficou pensando consigo mesma que
não saberia dizer se tinha ficado satisfeita ou triste com a ausência de seu
tutor.
Capítulo VII
O sol já morria no horizonte quando Tracey se olhou no espelho. Usava o
vestido verde que tinha escolhido para o churrasco. Era uma roupa leve, gostosa
e, além disso, realçava a cor de seus olhos. Tinha a cintura bem marcada e a saia
larga, que lhe chegava até os joelhos. O decote redondo revelava seu colo bonito
e o início da elevação dos seios firmes.
Seria falsa modéstia não admitir que estava muito bonita. Dali a instantes
iria conhecer a família toda e esperava causar boa impressão.
Ouviu leves batidas na porta de seu quarto. Eram Carol e Lyn que entravam,
já prontas para a festa.
— Você está linda, Tracey! — exclamou a irmã. Depois virou-se para Carol. —
Dê uma olhada nela. O que acha?
— Maravilhosa! — a prima concordou com sinceridade. — Será que vai sobrar
algum rapaz para nós?
— Parem com isso! — Tracey exclamou rindo. — Desse jeito vão me deixar
tão inchada de orgulho, que sou capaz de não conseguir passar pela porta. Já vi
que estão prontas e eu ainda não.
— Não, mesmo? — indagou Carol, olhando-a com admiração. — Consegue
ficar ainda mais linda do que já está?
— Não posso ir a uma festa sem sapatos, não é? — disse Tracey, apontando
para os pés descalços. — Também falta prender o cabelo. Quero fazer um coque.
— Ah, Tracey! Deixe-o assim como está — Lyn pediu. — Fica tão bem com os
cabelos soltos!
— Lyn tem razão — Carol concordou. — Assim está ótimo!
— Está bem. Seguirei a opinião de vocês.
Calçou as sandálias de saltos altos que combinavam com o vestido e deu mais
uma boa escovadela nos cabelos, que lhe caíram em ondas suaves e sedosas sobre
os ombros.
— Acha que a festa vai ser animada, Tracey? — Lyn perguntou.
— Sem dúvida. Pela quantidade de gente, parece mais uma festa de
casamento.
Carol achou graça no comentário.
— Diz isso porque não esteve presente no casamento de Glen e Pamela.
Tinha tanta gente nesta casa, que foi necessário colocar as mulheres para dormir
nos quartos e os homens tiveram que se ajeitar nos sofás das salas e também na
varanda. Foi a única maneira de acomodar a todos.
— Puxa! — exclamou Tracey, olhando-se mais uma vez no espelho, satisfeita
com sua imagem. — Bem, vamos, garotas. Se temos que enfrentar a multidão, é
melhor descermos.
A casa estava repleta lá embaixo, os gramados iluminados por lâmpadas
coloridas, as mesas compridas preparadas para o churrasco e o cheiro gostoso de
carne na brasa abrindo o apetite dos convidados. Justin logo chamou as netas e
se encarregou de fazer as apresentações. Eram tantos os nomes e as fisionomias
novas, que Tracey concluiu que seria inútil tentar gravá-los na primeira vez!
Guardou, porém, a noção de que a maioria daquelas pessoas fazia parte da
família. Foi apresentada a tia Rita e tio Owen, ao irmão mais velho de Frank,
Kent, e à sua noiva, Sherry. Ficou encantada ao conhecer Noeleen, outra de suas
primas, seu marido Dennis e muitas outras pessoas.
Quando as apresentações terminaram, reparou no serviço irrepreensível dos
empregados, nos copos que tilintavam, no barulho constante da conversa e na
decoração bonita da casa e dos jardins. Foi então que avistou a figura imponente
de seu tutor. Ele se distinguia dos demais, não apenas por seu porte avantajado,
mas também pela personalidade marcante.
Reparou, então, na mulher que estava ao lado dele. Só podia ser Lana
Renfrew. Observou-a melhor. Lana devia ter uns trinta anos e sua beleza chegava
quase à perfeição: o rosto oval, o nariz pequeno e a boca insinuante. Seu corpo
escultural era valorizado pelo vestido vermelho e justo que se amoldava às suas
curvas, como uma luva. Lana não era muito alta. Tinha o cabelo negro preso no alto
da cabeça e a pele clara parecia intocada pelo sol inclemente daquela região. Sem
dúvida, ela faria a alegria de qualquer fotógrafo!
E poderia ser de outro modo? Ryan se conformaria com algo menos que a
perfeição? Parecia bem próprio dele se encantar por uma mulher daquele tipo!
Nesse momento, Tracey reparou em Carol a seu lado e em seu rosto sério e
zangado. Notou, então, que a prima também olhava na direção de Ryan e Lana.
— Ela que não venha com desaforo desta vez — disse a garota — porque
senão… sou bem capaz de… de… Nem sei de quê!
— É isso que ela faz? Diz coisas desagradáveis? — Tracey indagou.
— Mais que isso. Lana faz questão de me ridicularizar. Mas faz isso de uma
maneira pretensamente doce e suave, como se realmente estivesse procurando
ser útil e amigável. Finge estar interessada em meu bem-estar, mas lembra que
estou um pouco gorda, ou que a cor que estou usando não me fica bem, ou que meu
cabelo ficaria muito melhor se fosse crespo… coisas desse tipo, entende? Se
fizesse os comentários em particular, eu nem me incomodaria tanto, mas ela faz
questão de falar em público! Por isso, sempre acabo me sentindo diminuída! — Ela
respirou fundo. — Odeio essa megera, Tracey! E o pior é que sou obrigada a
encontrá-la em todas as festas da família, que não são poucas. Ah! Como gostaria
de fazê-la passar pelo mesmo que eu, nem que fosse uma única vez.
— Por que a convidam, Carol?
— Não sei se a convidam ou se é ela que aparece. Mas o fato é que é a viúva
de Philip Renfrew, o melhor amigo de Ryan, que morreu num acidente de pólo. Não
sei se é verdade, mas ouvi dizer que ela se casou com Philip por puro capricho,
uma vez que não conseguiu conquistar Ryan. Agora, porém, acho que está tendo
mais sucesso.
— Ross parece achá-la simpática.
— Claro! Lana é um doce com os homens! Ela só é absolutamente insuportável
com as mulheres. — Carol olhou de relance para o avô, que estava a pouca
distância delas. — Não sei… mas acho que vovô conhece Lana muito bem e não se
deixa levar por seus encantos. Talvez por já ser velho, Lana não tenha interesse
nenhum em se fazer cativante e simpática com ele.
— Justin se manifesta contra ela?
— Não, ele não faz comentários, porque se Ryan decidir ficar com ela…
Somente eu e Noeleen é que declaramos guerra à Viúva Alegre!
— Pelo jeito está querendo que eu me junte a vocês.
— Não tem outra alternativa, Tracey. No minuto em que Lana a vir, passará
a considerá-la como rival e não hesitará em destilar seu veneno em cima de você.
Portanto, querida prima, bem-vinda à guerra!
Naquele momento Justin se juntou às duas netas e logo tratou de
apresentar Tracey a Lana Renfrew.
— Não sei se você se lembra de Tracey, Lana — Justin começou a dizer —,
mas como é bem mais velha que minha neta talvez se recorde de que ela morou
aqui durante alguns anos.
Tracey estremeceu com a falta de tato de Justin. Ele teria dito aquilo de
propósito? Mas Lana não se embaraçou, e respondeu com um toque de
divertimento:
— Claro que me lembro da garotinha que estava sempre atrás de nós e que
Ryan tinha que levar junto a toda parte, para evitar que ela fizesse uma cena!
Tracey entendeu perfeitamente bem que, com aquelas palavras, Lana
declarava que ela tinha sido um estorvo. A mulher continuou falando, mas agora
dirigia-se a Ryan.
— Eu o admiro pela resignação com que aceitou essa nova responsabilidade
extra, querido — disse, referindo-se evidentemente à tutela das primas.
— Uma família deve se preocupar com seus membros — Ryan respondeu,
olhando para Tracey.
— Concordo plenamente, meu querido — Lana respondeu.
Tracey constatou que Carol tinha razão e resolveu aliar-se a ela e Noeleen,
em sua guerrinha contra Lana. Também sabia usar de ironia e era isso mesmo que
iria fazer agora.
— Pensamos do mesmo jeito, Lana. Também acha insuportável quando
estranhos dão palpites em sua vida? — perguntou com a cara mais inocente do
mundo.
Lana piscou nervosamente, sem conseguir esconder a raiva que estava
sentindo. Virou-se para Ryan e falou com voz muito doce:
— Sua tutelada está querendo dizer que preferia que não tomassem conta
dela, querido. Talvez ela sinta falta das festas alucinantes às quais essa nova
geração da cidade está habituada.
— Exatamente — Tracey apressou-se em dizer, com os olhos fixos em Ryan.
— Como se pode esperar que uma jovem viva sem orgias semanais, bebidas fortes
e maconha para aquelas viagens fantásticas? — Olhou então para Lana, fingindo
surpresa. — Como descobriu? Tenho que confessar: sou uma viciada!
Ryan deu uma gargalhada gostosa.
— Duvido que alguma vez na vida tenha visto maconha, Tracey, que dirá ter
experimentado! Não conseguiu enganar ninguém com essa conversa louca, ou…
talvez… apenas vovô, que está horrorizado.
Ryan segurou o braço de Lana e ambos se afastaram. Tracey estava
desapontada. Que espécie de tutor era esse, que deixava que uma pessoa de fora
a chamasse de estorvo, sem defendê-la? E também por que não deixara que ela
retribuísse ofensa com ofensa? Lana Renfrew não era nenhuma perfeição. Podia
ter um belo exterior, mas era má e venenosa como uma aranha.
Mas talvez tivesse encontrado uma maneira de aborrecer seu tutor. Quem
sabe tentando atingir a Viúva Alegre ela atingiria também Ryan?
Seus pensamentos foram, entretanto, interrompidos por Justin, que se
aproximou dela com uma expressão preocupada no rosto. Ele queria saber se ela
estivera mesmo brincando quando afirmara aquelas barbaridades para Lana. Não
foi fácil convencer o velho de que tudo não passara de pilhéria. Até Lyn teve que
endossar as palavras de Tracey.
— Por que brincou com uma coisa tão séria? — Justin perguntou. — Queria
que pensássemos que você era realmente assim?
— De jeito nenhum, vovô. Falei apenas num impulso, porque estava zangada
com os comentários de Lana.
— Não gostou dela, não é, Tracey?
— Não — ela respondeu, sem rodeios.
— E você, Lyn? Qual é sua opinião?
— Achei-a muito desagradável — Lyn admitiu.
— Então estamos todos de acordo, porque também não suporto aquela
mulher — Justin confessou, com um brilho nos olhos azuis.
— Por que nunca disse isso antes, vovô? — Carol indagou, mimada por contar
com o avô como aliado. — Durante todos estes anos e eu Noeleen temos lutado
sozinhas e você nunca nos disse nada sobre seus sentimentos em relação a Lana.
— Vocês duas estavam se saindo muito bem e não precisavam de minha
ajuda. Além disso, estou velho demais para me meter nessas brigas. Vocês,
jovens, têm mais força e disposição para a luta. Mas lembrem-se de que conto
com a vitória dos Alexander.
As três moças riram entusiasmadas, chamando a atenção de alguns
convidados que estavam mais perto. Ryan olhou para elas com curiosidade e Lana,
com ar de desprezo.
Tracey e Carol deram o braço ao avô e foram, ao lado de Lyn, tomar seus
lugares à mesa. Ali havia de tudo: churrasco de boi e de porco, saladas variadas,
pratos de frios e queijos, e muitas outras coisas, tudo numa incrível fartura,
capaz de alimentar a todos por uma semana. Havia também diversos carrinhos
cheios de sobremesas de dar água na boca.
— O que vai querer, Tracey? — Ross perguntou. — Um pouco de cada? Posso
pegar para você!
— É demais, Ross, obrigada. Pode deixar que eu mesma me sirvo.
Todos se acomodaram nas mesas. Em sua maioria, aquelas pessoas faziam
parte da família Alexander. Além deles, só amigos mais chegados. A refeição foi
animada, repleta de conversas e risos.
Tracey e Lyn, que não estavam acostumadas a essas reuniões familiares,
acharam formidável.
Quando todos terminaram de comer, a sra. Gray e suas ajudantes puseram
logo tudo em ordem. Ross e Lance ligaram o som bem alto e uma música moderna
e agitada se espalhou pelo ar, convidando os mais jovens a dançar.
Vários casais se animaram e a sala se transformou logo numa pista de dança,
onde todos se movimentavam ao som do ritmo contagiante.
Quando a primeira seleção de discos terminou, Ross colocou música
romântica. As exclamações de alegria partiam agora também dos mais velhos; que
logo se levantaram para dançar.
Tracey estava sentada, ouvindo a música suave, enquanto alguns pares saíam
para trocar beijos no terraço. Por todo lugar havia pessoas que se reuniam em
grupos para conversar.
De repente notou Ryan e Lana andando pelo gramado. Sentiu raiva daquela
mulher glamourosa que se insinuava para Ryan, o braço possessivamente colocado
em torno do dele.
— Não fica enjoada de ver essa caça-maridos toda langorosa, tentando
conquistar Ryan? — Carol, que se aproximara da prima, perguntou.
Noeleen veio se juntar às duas.
— Por que não dá um jeito de separá-los, Tracey? Devia convidá-lo para
dançar.
— Não posso fazer isso! — exclamou Tracey, divertindo-se com a sugestão.
— Claro que pode! — afirmou Noeleen. — Ele não é seu tutor? Quem tem
mais direito do que você?
— Não é isso — Tracey respondeu com calma. — Não devo pedir para dançar
com ele. Deveria ser exatamente o contrário, não?
— Que bobagem! — disse Noeleen, chegando mais perto. — As mulheres já
conseguiram se igualar aos homens. Recebem os mesmos salários e pagam os
mesmos impostos, portanto, têm os mesmos direitos e oportunidades que eles.
Vamos, Tracey, faça uso desses direitos e convide Ryan para dançar. Só quero
ver a cara de Lana!
— Então por que não o convida você mesma, Noeleen? Vai poder ver mais de
perto a reação dela.
— Eu iria, se tivesse certeza de que causaria algum efeito, mas… Acha que
Lana me consideraria como concorrente? Sou prima direta de Ryan e, além disso,
casada e com dois filhos. Não, estou definitivamente fora do páreo. Mas com
você é diferente, Tracey. É a única que não é realmente parente dele. Não acha
que tenho razão, Carol?
— Claro que tem! Vá lá, Tracey. Peça para dançar com Ryan.
— Não! Já imaginaram se ele se recusar?
— Ryan não faria isso! — Noeleen afirmou.
— Claro que não! — disse Carol, confirmando as palavras da outra.
Mesmo assim Tracey não ficou convencida. Talvez Ryan não acusasse a Carol
ou Noeleen, mas a ela…
— Deve haver outra pessoa nesta festa a quem possam pedir a mesma coisa
— Tracey lembrou. — Nem todas as garotas solteiras aqui presentes são
parentes, não é?
— Tem razão — Carol concordou. — Mas nenhuma é tão bonita quanto você.
Tracey suspirou. Bem que queria ver a reação de Lana se convidasse Ryan
para dançar, afastando-o por uns momentos. Mas não tinha coragem. E se ele
recusasse? Por outro lado, se não reagisse contra Lana, ela teria certeza de que
poderia fazer c dizer o que bem entendesse para a tutelada de Ryan, recém-
chegada. Ia deixar que isso acontecesse? Não! De jeito nenhum!
— Está bem — Tracey concordou. — Vou falar com Ryan. Mas, se ele
recusar, não sei o que vou fazer! Provavelmente me enfiarei num canto e morrerei
de vergonha!
— Não tenha receio — Carol falou para incentivá-la. — Ele não faria isso.
— Vá depressa, Tracey, antes que mudem os discos — Noeleen aconselhou.
— Lana não vai se impressionar se os vir dançando separados. Tem que aproveitar
a música lenta e romântica.
Tracey procurou reunir toda sua coragem. Respirou fundo e se levantou,
caminhando na direção de Ryan e Lana. A distância entre ela e o casal parecia
enorme e tinha a impressão de que se movia em câmara lenta, o que lhe dava
tempo de sobra para observar Lana. A viúva se inclinava sorridente para Ryan,
mas, ao perceber que a atenção dele se voltara de repente em outra direção,
acompanhou seu olhar e deu de cara com Tracey, contraindo o rosto, numa
expressão zangada. Ryan não tirava os olhos da tutelada, embora seu rosto fosse
insondável.
Tracey sentia o estômago doer, as pernas tremerem, mas foi em frente. Já
tinha avançado bastante e agora não ia recuar. Aproximou-se sorrindo,
balançando os cabelos com o movimento de seu andar e engoliu em seco, antes de
falar com Ryan.
— Posso ter essa dança?
— Está pedindo minha permissão ou me convidando?
Tracey teve vontade de mandá-lo para o inferno, mas a expressão de
desagrado no rosto de Lana impediu-a de fazer isso. Afinal, não era esse seu
objetivo, perturbar a Viúva Alegre?
— É um convite, claro — declarou, passando a língua discretamente pelos
lábios, numa atitude provocante. — Aceita?
— Como poderia recusar? — disse Ryan, pedindo licença para se afastar de
Lana.
A viúva falou algo, mas Tracey nem saberia dizer o quê, pois estava aliviada
demais para ouvir qualquer coisa. Pelo menos, Ryan não recusara seu convite, o
que já era uma vitória.
Foram até a pista de dança. Quando Ryan a abraçou e começaram a dançar,
Tracey teve a sensação de estar flutuando no ar. O calor das mãos dele contra
seu corpo, através do tecido fino de seu vestido, a deixava excitada. Era um
contato perturbador, que a confundia, impedindo-a de pensar claramente.
— Espero que não tenha se aborrecido por eu tê-lo convidado para dançar —
Tracey quebrou o silêncio. — Ou preferia que não tivesse tomado a iniciativa?
Ryan a apertou mais nos braços.
— Claro que não — ele disse. — Quem poderia resistir a seu sorriso
cativante? Precisa saber que sou tão suscetível a seus encantos quanto qualquer
outro homem.
Tracey não conseguia acreditar no que Ryan dizia. Ele era charmoso e devia
estar apenas se divertindo às suas custas. Mas nem por isso deixava de ser
gostoso ouvir o que aquele homem atraente dizia.
— É mesmo? Posso acreditar nisso? — perguntou, olhando-o de maneira
insinuante.
Ryan levantou a mão e segurou o rosto dela. Tracey sentiu suas reservas se
derreterem ao ver-se tão próxima daqueles magníficos olhos azuis.
— Não sei o que está pretendendo, Tracey, mas devo admitir que tem muito
jeito para conseguir o que quer.
— Por que acha que estou… pretendendo algo?
— Não está?
— Não! — ela afirmou, procurando ser convincente. — Você gosta de pensar
mal de mim!
É isso que está tentando fazer? Corrigir essa impressão?
— Hum… talvez…
— O que vai fazer então?
— Por que não tenta descobrir? — desafiou-o, baixando os olhos de maneira
provocante.
Um sorriso muito branco iluminou o rosto sério de Ryan.
— É o que vou fazer. Mas enquanto isso não vou perdê-la de vista, porque o
feitiço pode virar contra a feiticeira e assim descobrirei tudo com maior
facilidade.
Tracey ficou calada. Os últimos acordes da canção romântica puseram fim
àquele momento de intimidade, mas Ryan não soltou a mão dela.
— Estamos perto do aparelho de som, portanto vamos trocar os discos —
Ryan cruzou a porta que dava para a sala de som e entrou, levando Tracey
consigo. — Que tipo de música devemos tocar agora?
— Acho que todos gostam de música romântica. Que tal mais uma?
— De acordo. Escolha uns discos nesta pilha, enquanto recoloco os que já
foram usados nas capas.
Tracey separou alguns sucessos românticos do momento, que Ryan depois
colocou na vitrola.
— Vamos voltar para o salão? — ela perguntou.
— Para que tanta pressa? O chão desta sala é mais liso e melhor para
dançar.
— Mas… e os outros convidados? Podem querer falar com você e…
— Duvido muito — Ryan olhou fixamente para ela. — O que aconteceu,
Tracey? Seu plano não está funcionando como pretendia?
— Não… não tenho plano nenhum, já disse.
Sentia-se pouco à vontade. Enquanto estavam dançando à vista dos outros,
tinha conseguido ser provocante e desinibida, mas ali… sozinhos… na sala
aconchegante e pouco iluminada, era muito diferente!
— Estava apenas tentando fazer as pazes com você e… — ela se
interrompeu, embaraçada.
— E… o quê? — ele insistiu.
— Mais nada, mas já que não está disposto a aceitar minha proposta de paz…
— falou e encaminhou-se para a porta, aliviada por ter encontrado uma desculpa
para escapar dali.
Ryan, entretanto, foi mais rápido que ela.
— Não vá embora ainda, sua feiticeira! — exclamou, fazendo-a voltar-se
para encará-lo. — Quero que fique sabendo que, daqui para frente, se tiver algum
plano nesta cabecinha, é bom lembrar-se de que estou disposto a fazer parte do
jogo.
Dizendo isso, Ryan inclinou a cabeça e se apossou dos lábios de Tracey, sem
dar a ela uma chance de escapar.
Um turbilhão de emoções contraditórias envolveu Tracey. Os lábios de Ryan
não pediam. Exigiam! E o mais estranho é que, em vez de ficar revoltada e tentar
afastá-lo, ela correspondia ao beijo com igual disposição. Num esforço supremo,
conseguiu afastar o rosto e escapar daquele contato alucinante. Mas sua
liberdade não durou muito. Ryan logo passou a mão entre seus cabelos longos e,
segurando sua nuca delicada, beijou-a novamente. Tentando resistir ao apelo
daquela boca que explorava a sua, Tracey colocou as mãos no peito de Ryan. O
gesto, que visava a afastá-lo, entretanto, logo se transformou em carinho.
— Ryan, meu querido, você demorou tanto que pensei que estivesse com
problemas. — A voz melosa de Lana soou aos ouvidos do casal.
Contra vontade, Ryan abandonou os lábios de Tracey e seus braços baixaram
sem realmente soltá-la.
— Não é nada que eu não dê conta, obrigado — ele respondeu à viúva.
Tracey interpretou aquelas palavras como uma tentativa de ridicularizá-la.
Num impulso, ergueu as mãos para atingir Ryan no rosto, mas ele segurou seu
pulso em pleno ar, movendo a cabeça de um lado para outro, negativamente.
Tracey ficou confusa e desconcertada. Começou a se encaminhar para a porta da
sala. Queria se ver longe dali.
— Tracey! Não sabia que estava aqui — Lana falou, como se só agora a visse.
— Pensei que tivesse ido se esconder num canto qualquer, depois do papel
humilhante que fez ao convidar Ryan para dançar. — Ela pousou a mão no ombro
de Tracey, numa atitude falsamente protetora. — Não se incomoda por eu falar
com tanta franqueza, não é? É para seu próprio bem. Sei que na cidade grande se
usa esse tipo de liberdade, mas aqui no campo não estamos acostumados a que as
moças tomem a iniciativa. Não quer que os outros formem uma ideia errada a seu
respeito, não é?
Tracey aguentou firme, mas sua mente já estava maquinando uma maneira
de se vingar das palavras fingidas de Lana.
— Não, claro que não. Felizmente, não preciso me preocupar com isso,
porque tenho um tutor formidável que me ensinou alguns dos costumes básicos
desta região. Em todo caso, concordo que devo tomar mais cuidado, pois não sei
realmente até onde vão chegar essas demonstrações. — Tracey olhou para Ryan
de forma significativa, para depois se afastar com calma e dignidade.
A voz de Lana a seguiu e ainda pôde ouvir o que ela dizia:
— Tutor formidável? Ensinar os costumes básicos da região? Não sabe onde
vão chegar essas demonstrações? O que ela quer dizer com tudo isso, Ryan? O
que aconteceu entre vocês dois, afinal?
Um sorriso de ironia e satisfação apareceu no rosto de Tracey. Tinha
conseguido seu objetivo! Queria ver o que Ryan iria fazer para se livrar daquela
situação dúbia.
Caminhou com firmeza, sentindo-se leve, agora. Atravessou o gramado e foi
se juntar ao grupo de Carol e Lyn que estavam rodeadas de rapazes.
Bem feito para Ryan! Teria que engolir agora uma gota de seu próprio
remédio!
Capítulo VIII
Tracey afastou as cobertas e levantou-se da cama. Olhou para o relógio e
suspirou, aliviada. Não estava atrasada. Daria tempo para fazer o que queria.
Rapidamente tomou banho e se vestiu, colocando jeans e camiseta. Prendeu
os cabelos num rabo-de-cavalo firme e não se maquilou. Arrumada assim, parecia
ainda mais jovem, quase uma menina.
Pegou o chapéu, pois não pretendia estragar tudo por causa de uma coisa tão
mínima, e saiu do quarto. Atravessou o terraço com passos decididos e se
encaminhou para as cavalariças.
Logo encontrou Glory, a égua que tinha montado há poucos dias. Deu a ela
uns torrões de açúcar e afagou-lhe o focinho reluzente. Depois sentou-se para
esperar. Ficou relembrando, então, os acontecimentos que tinham se seguido à
sua dança com Ryan.
Tinha voltado para junto de Lyn e Carol, que a aguardavam com ansiedade
para saber como ela tinha se saído. Contou tudo em detalhes, exceto a cena do
beijo. As duas adoraram, dando boas risadas. Então Carol revelou que havia
ouvido Lana combinar com Ryan um passeio a cavalo para a manhã seguinte.
Era por isso que Tracey estava ali. Queria ir com eles e atrapalhá-los o
máximo que pudesse.
Além de uns parentes mais íntimos, apenas Lana tinha ficado hospedada na
casa dos Alexander. O objetivo das moças era procurar fazer com que ela se
sentisse tão mal, que decidisse encurtar sua estadia na fazenda.
Glory, enterrando o focinho nos bolsos de Tracey, tirou-a de seus devaneios.
Tinha sentido o cheiro da maçã que ela havia trazido. A moça deu uma dentada na
fruta e entregou o resto para a égua, que a mastigou com prazer.
Pela centésima vez Tracey olhou na direção da casa, já cansada de esperar.
Mas desta vez não foi em vão. Viu Ryan, muito à vontade, vestindo jeans e uma
camisa aberta no peito, e Lana, com um conjunto de montaria tão sofisticado que
faria inveja a qualquer campeã de hipismo.
Levantou-se para esperá-los. Precisava primeiro pedir permissão a Ryan para
acompanhá-los. Não sabia como se sairia daquela vez, depois dos acontecimentos
da noite anterior.
Assim que os dois entraram na cavalariça, Lana apertou os lábios,
visivelmente contrariada por encontrar Tracey ali. Ryan, entretanto, não esboçou
qualquer reação.
— Vai a algum lugar em especial, Tracey? — Lana perguntou.
— Gostaria muito de ir, mas ninguém mais vai sair a cavalo esta manhã. Acho
que estão cansados por causa da festa. Como não tenho permissão para sair
sozinha… — ela deixou a voz morrer numa sugestão que deixava clara suas
intenções.
— Então por que não vem conosco? — Ryan convidou.
— Ora, Ryan! — Lana apressou-se em mostrar o quanto aquela ideia a
desagradava. — Tracey vai achar nossa companhia muito aborrecida, querido.
Talvez, em outra ocasião…
— Não, Lana, pelo contrário — Tracey respondeu, sem rodeios. — Estou
louca para ir passear. Prometo que não atrapalharei vocês. Sigam seus planos, que
eu apenas irei junto.
Lana se virou para Ryan, procurando fazê-lo mudar de ideia, mas ele falou
com voz calma.
— Não temos outra alternativa, Lana. Já que não quero que Tracey saia
sozinha a cavalo…
Sem demora, Tracey levantou-se e selou a égua. Pouco depois os três
saíram, num trote lento. Atravessaram os portões da fazenda e foram para as
planícies, quase nuas. Tracey se manteve na retaguarda. Não queria fazer nada, a
não ser depois que estivessem tão longe de casa que Ryan não pudesse mais
mandá-la embora. Passaram depois para um galope mais rápido e logo a casa ficou
fora da visão.
Daí para frente, Tracey começou a pôr seu plano em execução. Procurava
ficar sempre na frente do casal, levantando o máximo possível de pó. Agia com
fingida naturalidade, como se não conseguisse dominar inteiramente sua
montaria. Esperava apenas que Ryan não desconfiasse que ela era, na verdade,
uma amazona experiente.
Lana tornava-se mais impaciente a cada momento, repreendendo Tracey
continuamente.
— Que coisa horrorosa, garota! Pare de levantar tanta poeira! Não consegue
fazer seu cavalo ficar junto dos nossos? Se não sabia montar, por que veio?
A voz de Lana tornava-se mais aguda e irritadiça a cada nova reclamação.
Tracey se desculpava, fingia procurar obedecer, mas dava rédeas para que Glory
se adiantasse aos outros dois animais.
— Não sei o que está havendo com Glory. Ela está tão irrequieta hoje! —
Tracey disse com voz suave, fazendo com que Glory ficasse na frente do cavalo
de Lana.
— Tire esse cavalo da minha frente! — Lana gritou, já sem paciência.
Ryan cavalgava ao lado da viúva, com uma expressão impenetrável no rosto.
Mas, como ele nada dizia, Tracey continuou com seu plano para perturbar a paz
de Lana.
Horas mais tarde, voltaram para casa. Lana desmontou e prendeu as rédeas
do cavalo num poste. Estava furiosa.
— Obrigada, Tracey, por ter tornado este o pior passeio de minha vida.
Nunca me senti tão suja e empoeirada! — ela vociferou, batendo as mãos na
roupa, para tirar um pouco da poeira vermelha. E saiu correndo para a casa.
Tracey mordeu o lábio para não desatar numa gargalhada vitoriosa. Tinha
conseguido seu objetivo! Sua alegria, porém, durou pouco. Quando olhou para
Ryan a seu lado, notou que ele tinha o semblante carregado.
— Desça já desse cavalo, Tracey, antes que eu a arranque daí.
— O que foi que eu fiz? — ela perguntou, fingindo-se de inocente.
— Fez de tudo. A começar por dizer que Glory estava inquieta. Essa égua é
muito calma e obediente. Ela não age como hoje, a não ser que alguém a obrigue a
isso!
— Mas… mas… por que acha que eu faria isso? — perguntou Tracey, olhando
para o tutor com o ar de menina que estava sofrendo uma punição injusta.
Ao mesmo tempo, porém, seus olhos procuravam descobrir onde o rapaz da
cavalariça estava. Tinha que se livrar da fúria de Ryan.
— Para ser sincero, não quero saber o porquê! — Ryan chegou junto do
animal e segurou as rédeas. — Agora, vai descer ou prefere que eu a tire daí?
— Está bem. Vou descer.
Para sua segurança, Tracey desmontou pelo outro lado do animal, embora
soubesse que estava completamente errada. Mas, quem ia ligar para regras,
quando se sentia ameaçada? Ainda com o cavalo entre ela e Ryan, continuou:
— Bem, já desci. E agora?
— Venha para cá — Ryan apontou para onde ele estava. Tracey balançou a
cabeça negativamente.
— Posso ouvir perfeitamente bem daqui o que tem a dizer.
— Eu não planejava dizer nada — ele ameaçou.
— Você não ousaria! — Tracey exclamou, prendendo a respiração. — Se se
atrever a encostar um dedo em mim, vou… arranhar seu rosto!
Ryan não se impressionou e tentou alcançá-la sob o pescoço de Glory. Tracey
fugiu para a cauda, de onde gritou:
— Vou processar você! Por crueldade física! Não pode…
Ryan passou por baixo do animal e segurou-a, fazendo-a deitar-se no chão.
— Solte-me, Ryan! — ela gritou, tentando se levantar. — Mesmo sendo meu
tutor não tem o direito de… Oh! Seu bruto! Estúpido! — exclamou, sentindo que
Ryan a debruçava sobre os joelhos e lhe dava umas boas palmadas. — Odeio você,
seu monstro!
Ryan a pôs de pé e Tracey passou a mão nos cabelos, o rosto fervendo de
raiva.
— Você é um homem sem sentimentos, um… um…
— Você é uma feiticeira, que merecia exatamente o que recebeu — Ryan
revidou, num tom irônico e divertido. — Eu já a tinha prevenido, não foi? Disse
que não pregasse peças se não estivesse bem certa das regras do jogo.
— Regras? Quais? As que vocês mesmos criam? Bem que Boyd me disse que
vocês, fazendeiros ricos, estão tão acostumados a mandar, que pensam que o
mundo todo tem que obedecer!
— Mais um motivo para que tome cuidado.
— Cuidado? Com quem?
Ryan deu dois passos e segurou Tracey pelos cabelos, mantendo o rosto dela
bem perto do seu.
— Comigo — ele respondeu.
No mesmo instante, soltou-a e se afastou dela, indo para perto do grande
alazão que tinha montado e depois para casa.
Demônio de homem, Tracey pensou. Por que não era velho e de cabelos
brancos, como todos os tutores devem ser? Por que só seu tutor tinha que ser
bonito, atraente, intensamente vibrante e másculo, com uma habilidade incrível
para deixá-la com o coração pulsando descompassadamente e as pernas moles?
Reconhecia que tinha exagerado um pouco aquela manhã, mas… Ele precisava tê-la
tratado como se fosse uma menina de dez anos?
— Quer que eu tire a sela de Glory, srta. Tracey?
— O quê?
Tracey virou-se e viu Tom, o rapaz da cavalariça, à sua frente.
— Não, obrigada — ela respondeu. — Eu mesma posso fazer isso. Mas seria
bom que cuidasse do cavalo que Lana usou.
— Tem razão. A sra. Renfrew saiu daqui tão depressa, que nem me chamou.
Tracey ficou preocupada. Se Tom tinha presenciado a explosão de raiva de
Lana, poderia também ter visto quando Ryan lhe dera aquelas palmadas. Sentiu-se
terrivelmente humilhada. Se alguém mais na casa ficasse sabendo do que aquele
miserável havia feito com ela, seria capaz de… de… odiar Ryan pelo resto de sua
vida!
Com gestos mecânicos, Tracey acabou de tirar a sela.
Foi para casa, mas preferia não ter que enfrentar o olhar de ninguém na
mesa do café. Talvez fosse melhor ir diretamente para o quarto. Subiu pela
varanda e já estava quase chegando às escadas, que levavam ao andar superior,
quando encontrou Justin, sentado numa das cadeiras do terraço. Cumprimentou-o
e ia continuar andando, mas ele a chamou, pedindo-lhe que se sentasse ao lado
dele. Tracey não teve outra saída senão fazer como o avô pedia.
— O que está havendo por aqui hoje? — Justin começou a falar. — Você é a
segunda pessoa que vejo com um ar abalado esta manhã.
— Lana também parecia fora de si?
— Lana? Ela também estava alterada? Não reparei, estava me referindo a
meu neto. Ele entrou em casa com o rosto sombrio como um dia de tempestade.
— É mesmo? — Tracey perguntou, tentando dissimular sua satisfação.
"Ótimo! Era isso mesmo que queria! Imagine então quando Lana fosse
reclamar dela!"
O sorriso reprimido de Tracey e o brilho forte de seus olhos não passaram
despercebidos ao perspicaz Justin.
— O que aconteceu, mocinha? Foi você quem deixou Ryan naquele estado?
— Talvez… Não reparou que eu e Ryan somos como o óleo e a água? Não
conseguimos nos misturar.
— Óleo e água coisa nenhuma! Vocês só não se misturam porque você não
quer que isso aconteça. Não tinha problema nenhum com meu neto quando era
menorzinha!
— Crianças de dois anos não costumam selecionar os amigos, vovô. Agora sou
mais velha e mais esperta.
— Não sei, não. Se pensa que desafiar Ryan poderá levá-la a algum lugar,
está muito enganada — advertiu Justin, olhando para ela com carinho. — Como é
que Lana entra nessa história? Ela se machucou, ou o quê?
— Não houve nada com ela. Apenas chegou em casa um pouco… empoeirada.
— Como foi que isso aconteceu?
— Acho melhor não lhe contar — Tracey disse, com um sorriso maroto nos
lábios.
— Foi por isso que Ryan ficou zangado com você?
— Exatamente. Também, ele fica sempre bravo com tudo o que eu digo ou
faço, não é verdade?
— Ryan não costumava ficar bravo com você de jeito nenhum!
— Vovô, isso já faz tanto tempo! Agora somos pessoas diferentes, adultas.
Duvido que ele ainda sinta prazer em me ter a seu lado, como costumava sentir.
— Você os acompanhou no passeio desta manhã?
Tracey deu uma boa risada.
— Fui com eles, sim, vovô. Mas apenas porque Ryan não teve outra
alternativa senão me levar junto. Duvido que eu seja convidada uma segunda vez.
— Quem é que você decidiu punir, Tracey? Lana… ou Ryan?
— Não sei. Os dois, eu acho.
Justin ficou pensativo e logo aconselhou:
— Não estique muito a corda, Tracey. Se for longe demais, vai ganhar um
inimigo implacável. Não se esqueça de que, no momento, Ryan tem todos os
trunfos na mão.
Tracey reconhecia que isso era verdade. Estava nas mãos de Ryan porque ele
era seu tutor. Mas… ela não seria fácil de domar. Tinha vontade própria e não
permitiria que ninguém manejasse sua vida. Poderia não "esticar a corda", como
Justin sugerira, mas não ia se tornar submissa diante de Ryan, por mais
implacável que ele fosse.
— Dependendo do jogo, os trunfos não significam nada — comentou.
Pela direção do olhar de Justin, Tracey percebeu que não estavam mais
sozinhos. Virou-se rapidamente e deparou com o tutor, que acabara de se
aproximar. Reparando no rosto duro de Ryan, deu razão ao avô: não devia ser
nada fácil ter Ryan como inimigo. Ficou preocupada. Ryan estaria ali há muito
tempo? Teria ouvido o suficiente para saber que ela havia planejado deixar Lana
furiosa?
— De que jogo estão falando? — Ryan perguntou, os polegares enfiados no
cinto largo de couro.
— De jogos de cartas em geral — Justin se apressou em responder pela
garota.
Mas Tracey não estava disposta a contornar a situação. Só em ver Ryan e
lembrar-se de que ele tinha tido a coragem de lhe dar umas palmadas, sentia o
sangue ferver de novo.
— Nada disso, Ryan. Estávamos falando sobre as chances que tenho de
ganhar nossa próxima discussão. Quem sabe você também quer dar um palpite?
— Tracey! — Justin exclamou, num tentativa de fazê-la compreender que
não devia se arriscar tanto.
Mas a neta não lhe deu ouvidos. Estava preocupada demais em observar a
reação de Ryan.
— Suas chances, Tracey? Posso dizer exatamente quais são. Nenhuma! Aliás,
como sempre foram. Nulas! Não sei como ainda não se convenceu. Ou… reconhece
a situação e é por isso mesmo que está pedindo ajuda a Justin?
— Não estava pedindo ajuda a ninguém, porque não preciso! — Tracey falou
alto, fingindo ter mais autoconfiança do que realmente tinha. — Você não é tão
onipotente assim. Aliás, cabe aqui um provérbio que papai sempre repetia: "Não
há cavalo que não possa ser montado, nem cavaleiro que não seja atirado no chão".
— Demorou para mencionar o poder dos Alexander! — disse Ryan rindo, o
que deixou Tracey ainda mais indignada. — Não foi seu namorado que disse que
nós, fazendeiros, fazemos a lei conforme nos convém? Pois isto é verdade! O que
está querendo, Tracey? Dar-nos uma lição?
— Só há uma pessoa aqui que está merecendo uma lição e das boas!
— Eu. Não é isso que quer dizer?
— Adivinhou. Como é inteligente!
— Pois posso lhe apresentar outro provérbio, queridinha. "Um homem
prevenido vale por dois."
— Posso ser sua tutelada, Ryan — Tracey respondeu, aborrecida — mas
queridinha… nunca! Guarde esse termo para usá-lo com pessoas que suspiram por
ouvi-lo.
— Quem, por exemplo?
— Sei lá! — Tracey exclamou, vendo os gestos aflitos de Justin por trás do
neto, pedindo que ela tivesse um pouco de calma. — Deve haver dúzias de pessoas
esperando por essa honra. Principalmente mulheres que não têm outra saída na
vida, senão aceitar o que está disponível.
— Pode ser, mas pelo menos elas não são víboras rabugentas narcisistas que
só se preocupam em perturbar o sossego das pessoas com quem convivem! Vou lhe
sugerir que siga o exemplo delas, Tracey! Você só poderia melhorar!
Dizendo isso, Ryan retirou-se do terraço.
— Quem disse que eu quero melhorar? — Tracey ainda gritou, mas a única
resposta que obteve foi o barulho da porta que batia com força.
Deixou-se cair numa poltrona. Víbora… rabugenta… narcisista! Lembrou-se
daqueles adjetivos com raiva sempre crescente. Se agia como se o fosse, a culpa
era toda dele! O que Ryan esperava? Que aceitasse com calma e resignação um
tutor que não queria e de quem não precisava?
Teve um sobressalto ao sentir a mão de Justin em seu ombro. Tinha se
esquecido completamente da presença do avô!
— Está tentando conseguir o impossível, Tracey — o velho alertou-a, com a
voz cheia de carinho e preocupação. — Conhece o meu neto muito bem e posso lhe
dar um conselho: quando ele fica com aquele brilho estranho no olhar, é sinal de
que jamais se renderá ou se deixará subjugar. Pode acreditar no que lhe digo.
Tracey mordeu o lábio e suspirou profundamente.
— Pois sou igualzinha a ele, vovô. E então, o que vamos fazer?
Na verdade, não havia resposta possível para sua pergunta, nem duas
vontades inabaláveis, duas personalidades inflexíveis que se chocavam, uma
contra a outra. Só o tempo poderia dizer no que isso daria.
Capítulo IX
No final da semana seguinte, todos os convidados deixaram a fazenda.
Apenas Carol ficou, para fazer companhia às primar Tracey sentiu muito ver tia
Rita e os filhos irem embora. Eles tinham sido formidáveis. Além disso, a grande
movimentação na casa havia servido de pretexto para que ela evitasse a proximi-
dade de Ryan.
Lana fora embora há dois dias, mas Tracey ainda tinha nos ouvidos o som
meloso da voz da viuvinha e a lembrança da maneira possessiva com que ela se
despedira de Ryan.
— Vai jantar comigo na próxima terça-feira, não é, Ryan? Prometo fazer
uma comida bem gostosa para nós dois. Um de seus pratos prediletos. — Lana
dissera.
Pouco a pouco a vida foi voltando ao ritmo normal na enorme propriedade
dos Alexander. Tracey passava a maior parte do tempo ao lado de Justin, a quem
aprendera a amar cada dia mais, e também com Marty, no escritório. Evitava a
companhia de Carol e Lyn, porque as duas estavam sempre inventando algum
passeio que acabava, invariavelmente, levando a Ryan, de quem Tracey preferia
manter a devida distância.
Não tinha abandonado seus planos de vingança, mas precisava ser mais
cautelosa agora. Aquele beijo inesperado, assim como as palmadas que Ryan lhe
dera, serviram para lhe mostrar que não adiantava enfrentar o tutor com muita
insistência. Era melhor ir devagar, antes que ela própria saísse ferida.
Nessa manhã, todos trataram de sair logo de casa, porque Justin estava de
péssimo humor. Queria andar a cavalo com as netas, mas era impedido por ordens
médicas. Estava de mal com a humanidade.
Carol e Lyn saíram para cavalgar e mais tarde iriam encontrar-se com Ryan,
para verem a marcação dos carneiros. Tracey não fora com as outras garotas;
mas, para fugir à fúria de Justin, resolveu ir até o armazém ajudar Marty a
fazer o balanço das mercadorias. Estava no alto de uma escada, contando as
camisas que havia na prateleira, quando o ruído de um motor de avião desviou sua
atenção. Quem estaria chegando?
— Tracey! Volte para a terra! — Marty exclamou.
— Desculpe. O que foi mesmo que perguntou? Fiquei distraída porque ouvi o
barulho de um avião chegando. Quem será?
— Está confundindo as coisas, Tracey. O que escutou foi esse ventilador que
está com um barulho esquisito e forte. Preciso ligar para Eddy e pedir que venha
dar uma olhada nisso. Como é, vamos continuar com a contagem?
— Claro. Podemos passar para os jeans agora?
— Por favor.
Durante algum tempo ainda ficaram ocupados com a verificação dos artigos
nas prateleiras superiores e, pouco depois, Tracey desceu da escada para
preparar um café. Ela e Marty estavam precisando de alguns minutos de
descanso.
Ocupada com o açúcar e as xícaras, Tracey tornou a ouvir um ruído de avião.
Estaria imaginando coisas? Foi até a janela e se debruçou a tempo de avistar um
Cessna que levantava vôo. Imediatamente chamou Marty, para que ele viesse ver
também. O rapaz reparou nas cores do avião e logo respondeu:
— É o avião do médico da família. Decerto foi ver algum paciente e resolveu
passar por aqui para conversar um pouco.
— Será mesmo? Quem sabe há alguém doente em casa. Saí de manhã e não
voltei mais para lá.
— Bobagem, Tracey. Não estavam todos bem quando você saiu?
— É verdade, mas de qualquer modo vou verificar, do contrário não ficarei
sossegada. Não se importa, não é, Marty?
— Claro que não. Já está me ajudando mais que o suficiente. Além disso, não
sou seu chefe. Pelo contrário, como membro da família Alexander, você é que é
minha patroa.
— Nunca pensei nisso antes. Mas acho até que vou fazer valer minha
autoridade e dar umas ordens por aqui — Tracey brincou, rindo descontraída.
— Deus me livre! Já vi o que causou a Ryan com suas brincadeiras. Já pensou
quando começar a mandar, então? O que estava pretendendo, Tracey?
Emancipação… ou capitulação?
— Nem eu mesma sei, Marty. Bem, já vou indo.
— Se encontrar Eddy peça-lhe que dê um pulo aqui. Não consegui falar com
ele por telefone.
— Está bem — disse Tracey, enquanto saía para o pátio, sentindo o calor
forte daquele dia.
Chegando em casa, foi direto para o hall, onde encontrou Carol e Lyn. As
duas garotas estavam pálidas e havia sinais de lágrimas no rosto de Lyn.
— Vi o avião e… — começou Tracey, apertando os dedos, nervosamente.
— Foi horrível, Tracey — Carol murmurou. — Estávamos acompanhando a
marcação dos carneiros da nova raça Brahmans, quando de repente um deles o
atingiu!
— Atingiu quem? — Tracey perguntou, com voz alterada.
— Ryan! — respondeu Justin, chegando mais perto delas. — O diabo do
animal voltou para trás e pegou Ryan desprevenido. Essa nova raça é imprevisível
e muito rebelde. Pretendo fazer com que…
Tracey não esperou para ouvir o resto. Atravessou o hall correndo e foi
diretamente para o quarto de Ryan. Seu coração batia com força e suas mãos
estavam úmidas de preocupação. Bateu de leve na porta e entrou no quarto com
determinação.
Imaginava encontrar Ryan às portas da morte e, no entanto, o viu de pé,
diante da gaveta aberta da cômoda, escolhendo uma camisa limpa para vestir. Ele
estava com seu velho jeans, o cinto de couro ao redor da cintura e o torso nu,
forte e bronzeado por causa da vida ao ar livre.
Alívio e raiva se misturaram no sangue de Tracey. Entretanto, o sentimento
mais forte que se apoderou dela foi um desejo incrível de acariciar o peito de
Ryan e brincar com os pêlos escuros que o deixavam ainda mais viril e atraente.
Confusa, tentou justificar sua entrada brusca no quarto.
— Soube que estava ferido!
— Sinto muito desapontá-la, mas o ferimento não foi tão grave quanto
parecia. Vai ter que me aguentar durante vários anos ainda. Quem sabe, de uma
próxima vez, terá mais sorte — ele disse, enfiando os braços na camisa.
Tracey ficou magoada pela maneira fria e sarcástica com que Ryan recebera
sua preocupação.
— É uma pena mesmo! Deveria ter imaginado que meus cuidados seriam mal
recebidos — ela desabafou, virando-se para sair.
Mas Ryan a segurou pela mão.
— Chegou minha vez de lhe pedir desculpas.
Tracey sentia um nó na garganta, mas mesmo assim conseguiu falar.
— Sei que estamos sempre brigando e que eu digo coisas desagradáveis. Mas
nunca pensei ou desejei que sofresse algum dano físico, Ryan. — Ela baixou os
olhos e continuou: — Vi o avião decolar e quando cheguei aqui as meninas disseram
que você…
Ryan colocou o dedo sobre os lábios trêmulos dela.
— Psiu… Não se fala mais nisso.
Mas ela tinha necessidade de externar seus sentimentos.
— Compreenda, Ryan. Não sabia se você estava bem ou mal, mas pelo jeito
do pessoal falar lá embaixo, as lágrimas de Lyn, pensei… pensei… — ela parou,
incapaz de dizer o que tinha temido.
— Eu sei. Eu sei. — Ryan abraçou-a. — Com razão elas estavam assustadas.
Saiu muito sangue do local e elas se impressionaram. Mas o doutor esteve aqui e
disse que não foi um ferimento profundo. A região é muito irrigada e por isso
perdi muito sangue — Ryan apontou para o local do ferimento. — Vê que curativo
enorme? Mas não se preocupe. Vou sobreviver.
— Meu Deus! Você poderia estar morto! — Tracey exclamou, passando os
dedos sobre os arranhões e cortes visíveis sob a camisa aberta.
— Mas me valeu como aviso, Tracey. Não se deve ser imprudente quando se
mexe com gado. Minha mente estava noutro lugar e foi isso que aconteceu.
— Não brinque com uma coisa tão séria, Ryan!
— Sei que é sério — Ryan falou e tirou as mãos de Tracey de seu peito,
fazendo-a sentir-se levemente constrangida.
— Desculpe. Normalmente não sou tão… ousada!
— Tracey, por favor! Não me leve a mal! — pediu ele. — Fiz isso para seu
próprio bem e não porque não goste que você me toque. Nunca se sabe como uma
pessoa vai reagir quando entra em contato com outra. Confesso que sentindo suas
mãos em meu corpo, só consigo pensar em duas coisas: em você e naquela cama.
Portanto, se ficar mais tempo comigo, não sei se serei capaz de resistir a fazê-la
deitar-se nela. — Ryan passou a mão pelos cabelos, exasperado. — É melhor ir
embora, Tracey, porque, se não for…
Mas ela não queria ir embora. Aqueles poucos minutos em que estivera
tocando o corpo de Ryan tinham despertado nela uma vontade tão grande de
chegar mais perto daquele homem, de senti-lo melhor que, timidamente, se
aconchegou a ele.
— Se eu não for… — repetiu, tornando a deslizar a mão sobre os arranhões
no peito de Ryan.
— Tracey, por favor… não sou de ferro! O que está tentando fazer comigo?
— Pensei que estivesse óbvio — ela murmurou.
Sem dizer mais nada, Ryan tomou-a nos braços e a levou até a cama. Depois
se inclinou sobre ela, até que seus rostos ficassem a uma distância mínima.
— Você é uma feiticeira impossível, imprevisível e ilógica, — disse, antes de
se apossar dos lábios dela.
A pressão da boca de Ryan sobre a dela fez com que esquecesse de tudo e
Tracey abriu os lábios para recebê-lo com paixão. Seu corpo vibrava de
ansiedade, sentindo o calor do desejo invadi-la. Levantou os braços e enlaçou o
pescoço de Ryan. Ele a beijava avidamente, enquanto suas mãos percorriam o
corpo dela, sentindo cada curva detendo-se por mais tempo na suave elevação dos
seios rijos. Tracey se abandonou sob a carícia sensual daquelas mãos experientes,
que sabiam como despertar seu desejo.
Houve uma leve batida na porta, que passou despercebida ao casal. Só
notaram que não estavam mais sozinhos, quando ouviram a voz potente de Justin:
— Que diabo está acontecendo por aqui, Ryan? Vim ver como você estava e…
Ryan se ergueu, passando a mão pelos cabelos despenteados, escondendo
com o próprio corpo o de Tracey, que se sentia tremendamente embaraçada com
a situação.
— Estou bem melhor, obrigado — ele conseguiu dizer. Justin olhou de um
para outro.
— Só espero que saibam o que estão fazendo — falou ainda, antes de sair do
quarto, batendo a porta.
Tracey pôs-se rapidamente de pé.
— Sinto muito, Tracey. Deveria ter me lembrado de trancar a porta.
— Não tem importância. Aliás, acho que foi ótimo Justin ter aparecido,
porque poderíamos… nós dois…
Já não conseguia coordenar os pensamentos, porque Ryan tornara a se
aproximar dela. Precisava continuar falando para impedi-lo de agir. Esperava que
ele não pedisse desculpas pelo que tinha feito, porque aí então sua humilhação
seria total.
— Espero que fique bom logo e…
— Pare com isso, Tracey!
— É melhor eu ir embora. Preciso encontrar Eddy e lhe dar um recado de
Marty.
— Tracey! — Ryan exclamou num tom de súplica. Ela tapou os ouvidos com as
mãos.
— Por favor, não diga nada! Não quero ouvi-lo! — disse, enquanto abria a
porta, para depois sair correndo para seu quarto.
Quando se sentiu em segurança, sentou-se na cama e segurou a cabeça
entre as mãos. Que maneira esquisita de descobrir que estava apaixonada! Não
tinha sentido somente desejo físico por Ryan. O que sentia era algo muito mais
forte e profundo!
Como iria conseguir conviver com ele durante os próximos dois anos, sem
revelar seu segredo? Fechou os olhos, exasperada, mas isso só serviu para fazê-
la recordar a pressão dos lábios de Ryan sobre os seus, o calor daquele corpo
másculo e de músculos rijos, que ela tocara com tanto carinho!
Permaneceu imóvel durante alguns minutos. Só então se levantou e se olhou
no espelho. Viu os olhos sombrios e marcados pelas lágrimas. Não ia deixar que
Ryan percebesse o que realmente sentia. Do contrário, ele teria total domínio
sobre ela e não podia permitir que isso acontecesse. Era preferível que Ryan
pensasse que tudo não passara de uma reação instintiva entre um homem e uma
mulher, que se vêem numa situação favorável.
Para complicar ainda mais as coisas, havia Lana. Já bastava Ryan ter uma
mulher pendurada em seu pescoço, enviando-lhe olhares lânguidos e cheios de
promessas. Ele não precisava de outra!
Depois de lavar o rosto com água fria e pentear o cabelo, sentiu-se
razoavelmente bem para voltar ao escritório e dizer a Marty que não tinha
encontrado Eddy. Havia guardado seus pensamentos mais íntimos num
compartimento escondido de seu cérebro e era lá que eles iam ficar. Respirando
fundo, saiu para o corredor e começou a descer as escadas.
— Tracey!
Ela não teve outro jeito senão virar-se e enfrentar o tutor.
— Precisamos conversar, Tracey — Ryan propôs.
— Não há nada a dizer. Não quero ouvir desculpas, nem vou permitir que se
repita o que aconteceu há pouco. Prefiro esquecer. Assim, tudo ficará muito mais
fácil para nós dois.
— Acredita mesmo que pode fingir que nada aconteceu? Pode jurar que não
vai acontecer de novo?
Tracey estremeceu. Tinha que procurar ser bem convincente, senão correria
o risco de se ver na mesma situação outra vez. Mesmo agora, era difícil ficar sem
abraçá-lo, sem acariciar os cabelos escuros e macios de que tanto gostava. Se
amolecesse, não conseguiria repeli-lo, isso era certo. O melhor seria ficar
afastada da tentação que Ryan representava para ela. Tinha que fingir.
— Não seria impossível esquecer, Ryan. Já me livrei das lembranças que
guardei de Boyd. Por que não posso esquecer você também? Talvez eu tenha
mesmo puxado a minha mãe e goste de variedade. Por que deveria ficar atada a
um homem só quando o mundo está repleto de homens atraentes?
— Já está pensando na próxima conquista, então?
— Não pensei em você como uma conquista, mas confesso que prefiro casos
de amor passageiros.
Ryan deu uma gargalhada sonora e Tracey se surpreendeu: não esperava por
esse tipo de reação.
— Quer dizer, então, que entre todos os amantes que teve, nenhum a
satisfez?
— Se continuo sozinha, é porque nenhum foi aquilo que eu esperava, não é?
— E agora? Quem planeja conquistar? Marty?
— Por que não? É um bonito homem.
Ryan ficou zangado.
— Deixe de fingimentos, Tracey. Você se interessa tanto por Marty quanto
eu. Está usando a imaginação para se fazer passar pelo que não é. — Ele riu. —
Pensa que sou imaturo e inexperiente? Acha mesmo que um homem não sabe se
uma mulher é vivida ou não? Você correspondeu a meus carinhos porque a tomei
de surpresa e não teve como se controlar, e não devido à sua vasta experiência
com homens.
— Agi com esperteza, Ryan — arriscou. — Alguns gostam do tipo inocente.
— Tenho certeza absoluta de que nunca conheceu um homem, Tracey. Estou
disposto a entregar esta propriedade e todos os bens que possuo para a primeira
pessoa que encontrar, caso você consiga me provar o contrário.
Tracey procurou uma maneira de deixá-lo em dúvida.
— Se eu disser que já dormi com um homem, não poderá provar o contrário.
Ryan deu uma gargalhada, para depois segurar o rosto dela entre as mãos.
— Existe uma maneira muito fácil e gostosa de provar que está mentindo.
Quer que eu lhe mostre?
— Não! — Tracey exclamou, afastando-se dele, a cabeça cheia de
pensamentos contraditórios. — Não quero que me mostre nada, Ryan, a não ser os
telhados de Sidnei, quando me levar de volta para lá. Por que insiste em me
manter em Nindethana? — perguntou, desesperada. — Por que não admite de uma
vez por todas que aqui não é meu lugar?
— Você ainda não percebeu que é?
— Ryan… Você quer ter sempre a última palavra!
— Tenho que agir assim com você, Tracey, ou não conseguirei manter minha
sanidade mental.
Tracey o encarou, os olhos suplicantes.
— Deixe que eu vá embora, Ryan. Vai ser muito melhor, para nós dois!
— Esqueça isso, Tracey. Vai ficar aqui enquanto for minha tutelada e não se
fala mais no assunto.
— Você é um demônio, Ryan! — ela exclamou, enquanto lágrimas teimavam em
escorrer de seus olhos. — Que mal lhe causei, que me faz pagar com tanto rigor?
— Não é castigo nenhum Tracey. Apenas acho você uma companhia tão
agradável, que gosto de tê-la por perto.
Tracey sentiu-se derrotada. Sabia que não adiantaria pedir, exigir, suplicar,
ameaçar… No entanto, havia uma última chance e lançou mão dela.
— Antes de ir embora, Nancy nos convidou para passar uns dias com ela. Eu
poderia ir, com Lyn e Carol?
— Por quanto tempo pretendem ficar lá?
— Um mês? — ela tentou.
Ryan olhou para ela, como se tentasse ler no fundo de sua alma.
— Está bem. Pode ir por um mês. Quando quer partir?
Tracey respirou fundo, satisfeita com sua pequena vitória.
— Quando achar melhor.
— Está bem. Na quarta-feira, então. Estarei mais folgado nesse dia e
poderei levá-las de avião. Está bem assim?
Tracey sorriu, contente por ter conseguido um tempo de trégua, e Ryan
passou os dedos pelo rosto delicado dela.
— Acha que esses dias vão resolver alguma coisa? Não acredita no velho
ditado que diz "quanto maior a distância, maior a saudade?"
— No entanto, existe outro que diz "longe dos olhos, longe do coração", não
é verdade?
— Está bem, Tracey. Ganhou seu mês de férias. Mas é só um mês, lembre-se
bem.
— Já sei. Depois desses dias vai retomar as rédeas, não é? Seria tão bom se
eu pudesse esquecer isso!
Sem provocá-lo mais, desceu as escadas. Se esperava que Ryan mantivesse a
permissão de deixá-la viajar, o melhor seria não forçar muito a situação.
Lyn ficou radiante com a notícia de que iriam para a casa de tia Nancy.
— Vai ser uma delícia! — Carol comentou. — Agora é época de colheita e
sempre fazemos uma grande festa quando ela termina, para comemorar os bons
resultados.
— A família inteira costuma comparecer? — Tracey quis saber, já
preocupada com a possibilidade de ver Ryan de novo.
— Depende dos afazeres de cada um, mas todos fazem o possível para ir. Os
amigos e vizinhos sempre comparecem e olhe que eles são uma turma
divertidíssima!
Tracey suspirou, aliviada. Pelo menos, teria um mês inteiro para ficar longe
de Ryan e isso seria muito bom. Teria tempo para pensar. Lyn e Carol insistiram
para que fosse com elas contar a novidade ao avô. Ela concordou, mas cheia de
receios, temendo que Justin fizesse comentários sobre o que havia visto aquela
tarde. Felizmente, porém, ele se limitou a falar sobre a viagem programada.
Chegaram a Santinwood, a casa de Carol, a tempo de almoçar. Ross foi
buscá-los no campo de pouso e os levou de carro para casa.
Tracey e Lyn se extasiavam com a paisagem. Tudo ali era completamente
diferente do que tinham visto na fazenda de Ryan. A terra era mais escura, quase
preta, as árvores de um verde mais profundo e brilhante, o sol mais ameno e o
céu igualmente límpido. Mesmo assim, Tracey não se identificou tanto com essas
terras quanto com Nindethana. Já sentia falta do sol inclemente, da poeira
vermelha, das árvores retorcidas… Almoçaram numa sala grande e ensolarada.
Ross e Lance faziam o possível para que elas se sentissem logo à vontade. Quando
a refeição terminou, todos passaram para o terraço, onde iriam tomar café.
— Não pode mesmo passar a noite aqui, Ryan? — o pai de Carol perguntou.
— Não, mesmo, Clive. Desta vez é impossível.
Tracey se perguntou se ela seria a causa da pressa de Ryan. Se era costume
ele pernoitar em Santinwood quando ia para lá, ela devia ser a razão daquela
mudança.
— Mas estará aqui para a Festa da Colheita, não é? — Nancy quis saber.
— Claro que sim! — Carol se adiantou em responder. — Não é mesmo, Ryan?
— Vocês vão ter que me desculpar — Ryan disse depois de olhar para
Tracey. — Mas este ano não vai ser possível; a menos que a festa coincida com a
volta das minhas primas.
Tracey agora tinha a certeza de que era a causa daquela decisão. Talvez
Ryan também não quisesse mais vê-la.
Todos ficaram aborrecidos com a perspectiva da ausência de Ryan na Festa
da Colheita e daí para frente a conversa foi menos animada. Pouco depois, Ryan
anunciou que estava na hora de partir. Tracey ficou preocupada. Tinha que falar
com Ryan antes que ele fosse embora. Não queria sentir remorsos por ser o
motivo do não comparecimento dele a uma festa de família.
— Não precisa deixar de vir só por minha causa! — ela comentou baixinho,
assim que teve uma chance.
— Pediu um mês de férias e conseguiu. Por que está reclamando agora?
— Não sabia que nesse meio tempo iria haver essa festa à qual você nunca
deixa de comparecer.
— Virei nos próximos anos.
— Não é só isso, Ryan. Todos pareceram tão desanimados, que estou me
sentindo até mal por ser a causa involuntária de tanto aborrecimento.
— Quer que eu reconsidere minha decisão, para você se sentir melhor? —
ele perguntou, irônico. — Pensei que fosse exatamente o contrário! Achei que
estava tentando me evitar!
— Por mim, não faço a menor questão de tornar a vê-lo. Pensei apenas em
sua família. Se não fosse tão sarcástico, já teria entendido o meu ponto de vista.
— Está querendo dizer que espera que eu volte atrás em minha decisão só
para evitar que você sinta remorsos? Nada disso, Foguinho! Estou ansioso por
estas quatro semanas em que ficarei livre de brigas e recriminações juvenis. O
que mais desejo agora é voltar à antiga paz e às companhias femininas mais
adultas, para as quais sou sempre bem-vindo.
Tracey mal podia acreditar na reação que aquelas palavras provocavam nela.
Sentia ciúme… um ciúme que machucava seu coração causando-lhe uma dor
profunda. Mas ela não quis deixar de revidar as palavras de Ryan.
— Sorte sua! Só não esqueça de dizer a essa companhia feminina tão
adorável que já deitou mais alguém em sua cama.
Ryan segurou os pulsos dela com força.
— Pare com isso, garota, ou sou capaz de… de estrangular você! — ameaçou,
soltando em seguida o braço dela como se não suportasse o contato com aquela
pele macia.
Instantes depois, ele já entrava no carro que o levaria ao campo de pouso.
Tracey ficou olhando, até que o carro sumisse na distância, enquanto esfregava
os dedos sobre as marcas vermelhas que o tutor deixara em seu pulso.
— Já começou a me ferir, Ryan — disse a si mesma.
Capítulo X
As semanas em Santinwood foram muito agradáveis, cheias de atividades, e
o tempo esteve perfeito. Tracey não cansava de se admirar com as coisas
diferentes que via.
A colheita era uma atividade incessante e ela acompanhou todo o processo.
Viu a colheita dos grãos, com máquinas enormes, e depois os viu serem
transportados e guardados em silos que mais pareciam um prédio com muitos
andares. De lá, na época certa, os grãos seriam encaminhados para o porto, para
serem exportados.
Acompanhou também o trabalho com os carneiros. Soube que a maioria dos
machos eram encaminhados aos frigoríficos para corte. Só ficavam os melhores,
que eram utilizados para reprodução. As fêmeas serviam para produção de lã e
como matrizes. Só quando já estavam velhas é que eram levadas para o
matadouro.
Aproveitando o bom tempo, também faziam longos passeios a cavalo, através
dos campos férteis. Jogavam tênis, cartas, faziam piqueniques, nadavam num lago
próximo, ou visitavam amigos.
Os dias passavam rapidamente, alegres e movimentados, mas as noites…
esse era o período que Tracey mais temia. Pareciam não ter fim e era nessas
horas solitárias que ela pensava em Ryan, em Nindethana. Procurava analisar seus
sentimentos e reconhecia que, embora Ryan estivesse longe fisicamente, não
estava fora de sua mente, de seu coração.
Tudo a fazia pensar nele. Por vezes, o sorriso de Ross lembrava o de Ryan,
ou uma observação casual fazia com que mencionassem o nome dele. Sempre que
ouvia o barulho de um avião, erguia instintivamente os olhos, procurando ver se
era Ryan que voltava.
Embora ele tivesse afirmado categoricamente que não viria para a Festa da
Colheita, intimamente Tracey tinha esperanças. Gostaria tanto que ele viesse!
Morria de vontade de vê-lo, ouvi-lo, de gozar sua presença!
O ciúme de Lana continuava a corroê-la como um ácido. Não podia pensar que
Ryan estivesse com ela, muito menos vivendo momentos de suave intimidade com
aquela mulher.
Sentia falta até mesmo das discussões que tinha com Ryan. Embora sempre
saísse perdendo, sabia pelo menos que ele estava ali, perto dela.
Na última semana que passou em Santinwood, Tracey teve a oportunidade de
participar da Festa da Colheita. Foi, sem dúvida, uma reunião excelente, animada,
alegre e, segundo a opinião geral, um sucesso.
Todos os amigos e vizinhos estavam presentes e a casa ficou repleta de
gente jovem. Tracey, Lyn e Carol dançaram muito, conheceram outras pessoas e
se divertiram a valer. Mas, no fundo de seu coração, Tracey não estava feliz.
Sorria e conversava, dançava e participava das brincadeiras, porém seu pensa-
mento voltava constantemente para Ryan. Pena que ele não estivesse ali! Aí então
tudo teria sido perfeito!
Finalmente, chegou o dia de voltarem. Lyn insistiu com Nancy para que
deixasse Carol ir com elas, e a tia acabou concordando.
Tracey aprontara as malas com antecedência, para que tudo estivesse
pronto quando chegasse a hora de partirem. Desde cedo ficou olhando para o céu,
ansiosa por ver o avião de Ryan. Quando o avistou riscando o céu, correu para
dentro de casa e ficou esperando.
Pouco depois Ryan entrou. Tracey sentiu o coração se aquecer, vendo a
figura máscula e atlética do tutor. Ele era mesmo atraente e inspirava completa
segurança! Ryan cumprimentou a todos de um modo geral, sem dar atenção
especial a ela, conversando muito mais com os outros membros da família.
À tarde, deram início à viagem de volta. Lyn, cuja autoconfiança se
fortificava a cada dia, sentou-se na frente com Carol. As duas conversaram com
Ryan o tempo todo. Contaram tudo que tinham feito naqueles dias em Santinwood.
Tracey sentou-se no banco de trás, imersa em pensamentos.
Quando viu o telhado pintado de vermelho, indicando que tinham chegado a
Nindethana, seu coração se alegrou. Estava em casa! Era engraçado. Tinha
precisado ficar um mês longe dali para compreender como gostava daquele lugar.
Justin ficou muito contente por ver as netas de volta. Fez muita festa e se
mostrou sorridente e amável. Ryan, no entanto, quase não falava com Tracey, a
não ser quando absolutamente necessário. Era horrível! Ela foi ficando triste e
apática, passando boa parte do tempo sozinha em seu quarto.
Já se tinham passado dez dias desde sua chegada, quando Carol veio avisá-la
de que Justin queria falar com ela.
— Finalmente a encontrei, Tracey. Vovô quer falar com você, mas não sabia
onde estava. Tem descido sempre tarde para o café da manhã!
— Ando um pouco preguiçosa e tenho dormido um pouco mais. — Tracey
tentou se justificar.
Mas não era verdade. Procurava descer atrasada para evitar a presença de
Ryan. Ele andava tão indiferente, que seu coração doía.
— Então vá falar com ele. Vovô está no escritório.
— Está bem, Carol. Obrigada. Já vou descer. Sabe do que se trata?
— Não faço a menor ideia. Lyn e eu combinamos ir até a mina de opalas para
tentar nossa sorte. Quer vir conosco? Podemos esperar até que termine de falar
com você.
— É melhor vocês irem sozinhas, Carol. Posso demorar com ele e, além disso,
tenho que escrever algumas cartas para umas amigas de Sidnei. Farei companhia
a vocês outro dia.
— Está bem. Até mais tarde, então.
Tracey tomou seu desjejum rapidamente e depois foi para o escritório de
Justin.
— Entre e feche a porta — o velho pediu. — Precisamos conversar e aqui
estaremos à vontade, sem sermos interrompidos.
Tracey ficou apreensiva. O avô parecia tão solene! Sentou-se diante da
grande mesa, por trás da qual Justin tinha se acomodado.
Ele parecia pouco à vontade. Levou algum tempo ajeitando uns papéis sobre a
mesa, passou a mão pelos cabelos e por fim limpou a garganta, antes de começar a
falar.
— Eu… bem… Estive conversando com Ryan sobre você — Justin começou,
hesitante, e Tracey apertou uma mão contra a outra, nervosa. — Ele… isto é, nós…
decidimos que, considerando todos os fatos, você estará melhor se permitirmos
que… que faça tudo à sua maneira.
Sobre o que Justin falava? O que queria dizer com "considerando os fatos"
e "à sua maneira?"
— Desculpe, vovô, mas não estou entendendo o que quer dizer.
— Apenas que pode ir embora daqui! — ele falou, zangado. — Pode voltar a
morar em Sidnei, se é o que deseja.
Realmente era, até bem pouco tempo atrás. Mas agora tudo havia mudado. E
o incrível acontecera! Queria ficar, mas Ryan queria que ela se fosse! Mas não
podia demonstrar o que sentia! Ryan ia se divertir às suas custas se dissesse que
tinha mudado de ideia.
— É exatamente o que quero, vovô — ela respondeu, friamente.
— No entanto, lembre-se de que Ryan continua sendo seu tutor. Terá que
prestar contas a ele de sua vida e de seus atos. Espero também que se mantenha
em contato regular conosco. Não vou deixar que a família de meu filho suma
novamente de minha vista.
— Vovô… sinto muito! — Tracey estendeu a mão para segurar a do avô. —
Prometo que escreverei uma vez por semana — falou com sinceridade.
— Não precisa tanto, Tracey. Sei que terá outras coisas com que se
preocupar. Uma carta por mês será suficiente.
— Não vou esquecer, vovô. Prometo.
Nesse instante a porta se abriu e Ryan entrou. Tracey ficou ereta na
cadeira, perdendo sua espontaneidade.
— Tudo resolvido? — ele indagou, olhando diretamente para o avô.
— Nem tudo. Ainda há alguns pontos a serem acertados.
Justin indicou uma cadeira para que o neto se sentasse.
— Não vão precisar de mim para acertar os detalhes — disse Ryan,
dirigindo-se agora a Tracey. — Partimos amanhã, às oito da manhã, está bem?
Tracey ficou surpresa. Tão depressa assim? Ryan devia estar ansioso para
se ver livre dela!
— Não sei se dará tempo! Preciso fazer contatos em Sidnei para arranjar
um apartamento! Com a venda da casa, fiquei sem lugar para morar e preciso ver
se encontro alguém com quem dividir as despesas…
— Não precisa se preocupar com nada disso, Tracey. Já ajeitamos tudo —
Ryan respondeu com calma. — Você vai residir no Hotel Goodman, enquanto for
minha tutelada.
— Hotel Goodman?! Mas não posso ficar lá! É muito caro para mim!
— Tem o suficiente para isso, Tracey. Não se esqueça de sua herança. O
espólio vai arcar com todas as despesas!
— Mas… não quero…
— Foi minha ideia, Tracey — Justin explicou. — Quero ter certeza de que
está morando num lugar bom, que está sendo cuidada e que posso me comunicar
com você todas as vezes que quiser. Se for morar num apartamento, hoje estarão
aqui, amanhã ali, e vou acabar perdendo contato com você.
— Compreendo seu ponto de vista, vovô, mas prefiro…
— Por favor, Tracey, concorde. Para me deixar feliz. — Justin pediu. — Sou
antiquado e não gosto que mocinhas fiquem morando sozinhas, sem qualquer
proteção. Ficarei mais sossegado se souber que está num hotel como o Goodman.
Como poderia recusar? Era bom saber que alguém se interessava tanto por
ela. Pelo menos Justin se preocupava com seu bem-estar, porque Ryan a tratava
como se já não fizesse mais parte da família.
— Está bem, vovô. Vou ficar no Goodman, se isso o deixa mais tranquilo.
— Ótimo! — Justin exclamou, recostando-se na cadeira e dando a conversa
por terminada.
— Vamos então, Tracey? — Ryan falou, abrindo a porta para que ela
passasse.
Ambos atravessaram o hall em silêncio. Tracey já se dirigia para o quarto,
quando Ryan a deteve. Por um instante, ela pensou perceber uma expressão de
preocupação e carinho nos olhos azuis dele. Mas foi só por um breve instante.
Quando Ryan falou, sua voz soou gélida e distante.
— Tenho um compromisso importante amanhã na cidade. Por favor, esteja
pronta na hora certa para que não haja atrasos.
A velha rebeldia encontrou ocasião para se manifestar.
— Jamais me atrasaria, Ryan. Estou tão ansiosa por partir quanto você para
me ver pelas costas. Fique certo de que já me encontrará pronta, esperando,
quando resolver sair.
Ergueu o queixo com orgulho e foi para o quarto, caminhando com passos
firmes.
Com dor no coração, começou a fazer as malas. Era incrível que tivesse
chegado àquela casa com tanta revolta, para sair dela com sofrimento e tristeza.
Tinha aprendido a gostar daquele pedaço de sertão, de Justin com seu mau
humor, de Carol com seu gênio alegre e de Ryan… Ia ser muito difícil deixar tudo
para trás!
Depois de guardar suas coisas, foi contar a novidade à irmã e a Carol. Para
sua surpresa, elas já sabiam de tudo. Talvez Justin, ou Ryan, as tivesse avisado.
Lyn estava triste com a perspectiva de não conviver mais com a irmã.
Entretanto, aceitou a situação com boa vontade. Mais uma vitória para Ryan.
Tinha conseguido que Lyn se tornasse independente dela e pronta para aceitar a
vida conforme ela se apresentava. Ver a irmã aceitando pacificamente sua par-
tida, foi mais um golpe para o coração sofrido de Tracey.
Na manhã seguinte, fiel à sua promessa, Tracey estava pronta no hall, quinze
minutos antes que Ryan aparecesse. Quando chegou o momento das despedidas,
ela fez força para não chorar. Era estranho, mas sentiria falta de todos ali,
principalmente de Justin, com quem tinha se dado tão bem.
— Tem certeza de que não quer ficar? — o velho perguntou ainda, com os
olhos ligeiramente úmidos.
Tracey se ergueu nas pontas dos pés e beijou a face enrugada do avô.
— Não posso, vovô. Você sabe que não posso!
Beijou Carol e Lyn e rapidamente correu para o carro, antes que começasse
a chorar de verdade.
Como já esperava, a viagem foi feita quase que em completo silêncio. Ryan
falava apenas o necessário, ao que ela respondia com monossílabos. No avião, a
mudez foi total; Ryan com a atenção voltada para os comandos, ela fingindo
cochilar.
Quando chegaram ao aeroporto, Tracey se preparou para descer. Viu então
que as malas eram postas num carro de aluguel e propôs:
— Se está atrasado para seu encontro, pode deixar que eu tomarei um táxi.
Sei me virar muito bem por aqui.
Ryan apenas a segurou pela mão e a fez ir depressa para o carro, onde
fechou o porta-malas com violência.
— Entre — ele ordenou, abrindo a porta. — Quando estiver com muita
pressa, eu aviso.
— Está combinado! — Tracey respondeu, entrando no carro e ficando com os
olhos num ponto à sua frente, numa tentativa de ignorar a presença de Ryan a seu
lado.
Ele saiu do estacionamento e seguiu pela estrada que levava ao centro da
cidade. Cruzaram um bairro de subúrbio e Ryan olhou para Tracey, muito sério, as
sobrancelhas franzidas.
— Deve se sentir em casa no meio disto — disse, indicando as casas
apertadas, quase sem jardins.
Tracey tinha vontade de lhe dizer uns desaforos, mas só de lembrar que
aqueles eram os últimos momentos que passaria com ele perdeu toda a disposição
de criar caso. Sentia as lágrimas contidas queimarem seus olhos, ameaçando
transbordarem a qualquer instante.
— Sinto muito… — ela disse.
— Sente pelo quê, Tracey? Por fazer parte deste ambiente ou por ter-se
tornado rabugenta outra vez?
Magoada com as palavras de Ryan, ela voltou a dar vazão à sua
agressividade.
— Que diferença faz? Por que não se concentra em dirigir e cala a boca,
Ryan? Quanto mais depressa chegarmos ao hotel, melhor!
— Que progresso! Parece que estamos de acordo neste ponto! É isso
exatamente o que quero.
Depois de atravessar o trânsito da cidade, chegaram ao hotel Goodman. Era
um prédio bonito e bem cuidado. Entraram no saguão, os pés afundando num
tapete grosso e macio, onde móveis estofados formavam ambientes suntuosos e
distintos.
Os Alexander deviam ser hóspedes costumeiros do hotel, porque o gerente
logo se apressou em recebê-los, cheio de mesuras e amabilidades. Acompanhou-os
depois até a suíte destinada a Tracey, para ver se tudo estava a contento.
Tracey nunca se vira antes no meio de tanto luxo. A suíte era enorme, com
dois quartos, uma sala grande e dois banheiros. Ela se sentia pequena em meio a
tanta grandiosidade. Ia ser estranho morar num lugar tão sofisticado, depois de
passar anos trabalhando o dia inteiro num escritório do centro, como simples
secretária.
Mesmo sabendo que por causa de sua herança não precisaria mais trabalhar,
pretendia arranjar um emprego. Seria uma maneira de se ocupar e ter a
companhia de amigas de sua idade. Além disso, não precisaria tocar no dinheiro
que o pai lhe deixara, porque não se sentia no direito de recebê-lo.
— Está satisfeita com os aposentos, srta. Alexander? — O gerente indagou.
— Muito. É… é até…
— Está tudo bem, sr. Thomas — Ryan se apressou em falar. — Se minha
prima precisar de mais alguma coisa, ela lhe pedirá. Gostaria que a atendesse da
melhor maneira possível.
— Sem dúvida nenhuma, sr. Alexander. Ela vai se sentir como se estivesse
em sua própria casa — garantiu o gerente, enquanto se afastava, todo sorrisos.
Tracey se aproximou do janelão da sala, abriu a cortina e olhou a vista. As
águas azuis do porto brilhavam sob o sol da primavera. Podia ver aqui e ali
algumas velas brancas de veleiros que circulavam pela baía. Olhou para a esquerda
e avistou a Ponte Harbour, a Casa da Ópera, as paredes do Palácio do Governo.
Em seguida abaixou os olhos e viu a rua lá embaixo, onde as pessoas pareciam
formiguinhas apressadas. Respirando fundo, virou-se para encarar Ryan.
— Deve querer ir embora agora.
— Daqui a pouco — ele respondeu, estendendo para ela um catálogo do hotel.
— Aqui constam todos os serviços que terá à sua disposição, inclusive refeições
nos aposentos e detalhes sobre o salão de refeições, o Bistrô, a Rotisserie, etc.
Se ainda precisar de mais alguma coisa, não se acanhe e fale com Thomas. Ele é
muito prestativo.
Tracey balançou a cabeça, concordando.
— Compreende que, como seu tutor, tenho que estar a par do que faz,
certo? Portanto, precisamos nos manter em contato.
Mais uma vez Tracey limitou-se a balançar a cabeça. Sentia um nó na
garganta, que lhe tornava difícil falar.
— Não vai esquecer de escrever? Justin ficará desapontado se você falhar.
— Escrevo, sim.
Que pena que Ryan também não ficasse triste e preocupado se ela não
mandasse notícias!
— Bem… então está tudo em ordem. — Ryan suspirou, para depois segurar o
queixo dela entre as mãos. — Se quiser ter namorados, assegure-se primeiro que
eles não sejam casados, está bem? Não se esqueça de que Nindethana estará lá,
esperando você, caso resolva fazer alguma bobagem.
Tracey estava tão magoada e triste, que achou que a melhor maneira de
lidar com aqueles momentos finais seria reagindo.
— Eu sei. Nindethana é como uma espada suspensa acima de minha cabeça,
certo? Não devia falar desse jeito, Ryan. Aquele é um lugar maravilhoso!
— Então suas objeções não eram contra a casa ou a fazenda, não é? Queria
se livrar de mim, de seu tutor. Não suportava minha presença. Pois deixe que eu
lhe diga uma coisa. Também não morria de vontade de estar com você, Foguinho.
Você não foi uma companhia muito agradável, sabe disso, não é?
Tracey engoliu o nó que se formara em sua garganta diante daquelas
palavras tão duras. Soltou-se das mãos dele e respondeu com agressividade:
— Sei muito bem de tudo isso, Ryan. Você já fez questão de me dizer antes.
Agora, se não se incomoda, gostaria de guardar minhas coisas e me acomodar por
aqui. Portanto… — Ela fez um gesto indicando a porta de saída.
Ryan não disse mais nada. Apenas saiu, batendo a porta com força. Assim
que se viu sozinha, Tracey correu para o quarto e se atirou na cama, soluçando
sem parar.
Embora desta vez tivesse dito a última palavra, não se sentia triunfante nem
feliz. Apenas desesperada, porque não ia mais ver Ryan.
Capítulo XI
Tracey empurrou o carrinho com o café da manhã. Tinha se habituado a
fazer as refeições na suíte. Durante os dois meses em que estava morando no
Goodman, tentara algumas vezes descer para almoçar e jantar no enorme salão
de refeições. Mas acabara desistindo. Sentia-se absurdamente solitária,
sentando-se sozinha em uma mesa, enquanto as outras estavam tão cheias e
alegres.
Tentara então ir ao Bistrô e à Rotisserie, mas lá, num ambiente menor e
mais aconchegante, sentira-se ainda mais só. Vários homens desacompanhados
procuravam se aproximar, ao vê-la sozinha, provavelmente na esperança de
garantir uma boa noitada. Tivera que ser muito firme para se livrar dessas com-
panhias indesejadas.
Daí para frente, passara a fazer as refeições invariavelmente em seus
aposentos. Era melhor assim. Na verdade, a solidão seria sua companheira aonde
quer que ela fosse e, além do mais, sentia-se segura na suíte.
Olhou para o relógio. Eram ainda oito horas. Ótimo! Teria tempo de sobra
para se vestir e chegar ao trabalho às nove. Havia arrumado um emprego numa
firma de importação e exportação que ficava próxima do hotel. Assim, podia ir a
pé, saindo dez minutos antes.
Tracey recostou-se na poltrona. Para ela, aquele era um dia especial! Estava
completando vinte e um anos de idade. Agora era legalmente maior e responsável
por seus atos: uma adulta! Era costume das pessoas comemorar essa data, por
ser tão significativa. Ela, no entanto, passaria seu aniversário sozinha, tra-
balhando como se aquele fosse um dia como outro qualquer e sem ninguém para
lhe dar os parabéns e abraçá-la com carinho. Talvez Lyn lhe mandasse um cartão,
ou, quem sabe, a família ligasse à noite. Esperava apenas que não ignorassem
aquela data por completo, só porque agora ela morava sozinha em outra cidade.
Suspirou profundamente e caminhou até o janelão da sala. Lá embaixo, a
cidade já fervilhava. Pessoas entravam e saíam dos edifícios e carros
congestionavam as ruas. Por que tinha querido voltar para aquele lugar maluco?
Quantas vezes não se vira pensando na calma do interior, no silêncio das tardes
quentes, cortador apenas pelo canto dos pássaros ou pelo balir dos carneiros?
Ouviu que batiam na porta. Devia ser Daryl, o garçom, para retirar a bandeja
do café.
— Pode entrar — ela disse, sem se mover.
Como a porta não foi aberta, resolveu se levantar. Talvez fosse o carteiro
trazendo um telegrama de Lyn. Ansiosa, atravessou a sala e abriu a porta. Mal
podia crer no que seus olhos viram.
— Ryan! Você por aqui! — exclamou.
Lá estava ele, encostado contra o batente, mais irresistível do que nunca, o
rosto muito bronzeado contrastando com o branco da camisa aberta no peito, as
pernas musculosas moldadas pelo jeans justo e bem talhado.
— Não sabe que dia é hoje? — ele perguntou, com um sorriso.
Dizendo isso, passou por ela, que continuava boquiaberta e imóvel.
Acomodou-se numa poltrona e só então Tracey lembrou-se de fechar a porta.
— É sexta-feira, mas…
Ela não conseguia pensar direito. Tinha ficado tão surpresa em ver Ryan, que
seus pensamentos pareciam estar de cabeça para baixo.
— Isso mesmo — Ryan disse, aproximando-se do carrinho e pondo a mão no
bule de café para sentir se estava quente. — Pode ligar para a copa e pedir que
tragam mais café? Estou louco para tomar uma xícara e gostaria que me fizesse
companhia.
Voltando de repente à realidade, Tracey apanhou o telefone e fez o pedido.
— Não me diga que esqueceu que hoje você atinge sua maioridade — Ryan
exclamou.
— Ah! É isso! Para ser franca, não dou muita importância a essas datas. Não
pretendia comemorá-la.
— Não combinou de sair com algum rapaz?
— Não.
— Mas a família acha que deve festejar este dia e que para isso precisaria
de companhia.
— É por isso que está aqui?
— Exatamente.
— Mas… e se eu já tivesse feito outros planos? A viagem é muito longa para
arriscar vir sem ter certeza.
Um brilho divertido surgiu nos olhos de Ryan.
— Achamos pouco provável que fosse sair com alguém. Nas duas noites em
que Justin ligou, você estava em casa. Além disso, vovô conversou com Thomas e
ficou sabendo que você nunca sai à noite e que raramente recebe alguém aqui.
— Justin tem usado o gerente para me espionar? Cada movimento meu é
anotado para depois ser comunicado a Justin?
— Não é bem assim, Tracey. Vovô só estava preocupado com você.
— Então por que não me perguntou diretamente o que queria saber?
— Ele não ficaria sossegado. Você poderia mentir.
A chegada do garçom com a bandeja do café impediu que Tracey
respondesse imediatamente. Mas ela estava indignada, e assim que o rapaz saiu,
retomou o assunto.
— Sendo assim, a família sentiu pena de mim e resolveu mandar você para
me fazer companhia nesta data tão importante. Muito obrigada, mas fez essa
viagem em vão, pois não preciso de ninguém para comemorar meu aniversário!
Levantou-se e andou pela sala, tentando conter sua raiva e desapontamento.
Esperava que Ryan lhe desse uma resposta ríspida, à qual ela estaria pronta
a revidar. Como isso não aconteceu, virou-se para encará-lo e deu com ele
servindo-se, tranquilamente, de uma xícara de café. Ela colocou as mãos na
cintura, numa atitude de protesto.
— Ouviu o que eu disse, Ryan?
— Não quero discutir com você no dia de seu aniversário.
Tracey ficou ainda mais irritada com aquela resposta calma e indiferente e
foi sentar-se no sofá, diante de Ryan.
— Repito: fez essa viagem em vão. Não preciso de companhia.
— Mas eu estou aqui e não vejo razões para continuar discutindo. Por que
não vai se arrumar para sairmos? O tempo não pára de passar e já perdeu
minutos preciosos deste dia tão importante.
O coração de Tracey cantou em secreta alegria, ao pensar que iria passar o
dia inteiro na companhia de Ryan. No entanto, como deveria agir para ocultar
seus verdadeiros sentimentos? Como se controlar, se estava feliz ao lado do
homem que amava?
— Vamos, Tracey. Não perca tempo! — Ryan pediu.
— Não posso ir, Ryan. Hoje é sexta-feira e tenho que trabalhar. Não posso
tirar folga, sabe disso.
— Não se preocupe, Tracey. Já está tudo arranjado.
— Não posso brincar com trabalho, Ryan.
— Por favor, Tracey. Não pode entender uma coisa tão simples? Disse que
não precisa ir, porque seu patrão já está avisado.
— Como? Mas o que está havendo?
— Nada de mais. Apenas seus empregadores já sabem que não vai trabalhar
hoje.
— Falou com o sr. Whitehouse? Já o conhecia?
— Não. Avisei o chefão, R. J. McCarthy. Não trabalha para R. J. McCarthy,
Importação e Exportação?
— Meu Deus! Até isso o sr. Thomas chegou a contar? Estou sendo realmente
vigiada! Bem… e daí?
— Acontece que McCarthy é meu avô materno. Justin, Glen e eu somos os
outros sócios da firma.
Mais uma vez Tracey foi tomada de surpresa. Tinha que admitir que Ryan
sabia como surpreendê-la. Agora estava explicado por que encontrara aquele
emprego com tanta facilidade. Embora estivesse sozinha em Sidnei, continuava
sob as asas protetoras da família Alexander.
— Vocês me deixaram vir para esta cidade, mas foi tudo uma farsa, não é?
Continuam tomando tanta conta de mim, como se eu estivesse ainda em
Nindethana! Só falta você me dizer que também são os donos deste hotel!
— Temos apenas metade das ações — Ryan admitiu, sorrindo ligeiramente.
— Por que tudo isso, Ryan? Concordei em ficar aqui, escrevi, conforme tinha
prometido. O que mais querem de mim? Por que precisam me fazer de boba, me
espionar e cuidar de mim como se eu fosse uma garotinha? — Tracey tinha os
olhos úmidos. Levantou-se e deu as costas para Ryan. Não queria que ele
percebesse o quanto estava abalada.
Mas, no instante seguinte, ele estava ao lado dela, segurando seus ombros e
fazendo-a voltar-se para encará-lo.
— Não fique aborrecida, Tracey. Justin fez isso para seu próprio bem. Pelo
menos, ele imaginou que estava agindo da melhor forma. — Puxou-a para junto de
si, encostando o queixo nos cabelos longos e macios. — Nem pode imaginar como
Justin ficou apavorado com a possibilidade de perder o contato com você. Ele não
teve a menor intenção de deixá-la infeliz, pode acreditar.
— Mas agora vou ficar constrangida para enfrentar o pessoal do escritório.
— Ninguém sabe de nada por lá, a não ser o próprio R. J. Não creio que ele
vá espalhar a notícia.
Ryan viu duas lágrimas saltarem dos olhos de Tracey e rolarem por seu
rosto. Aproximou-se mais e com os lábios procurou secá-las. Tracey já não podia
pensar. Era maravilhoso sentir o carinho de Ryan, seu toque divino, os lábios
quentes… Só com muito esforço, conseguiu falar:
— Foram injustos comigo. Eu… eu…
Não pôde continuar, porque os lábios de Ryan se uniram aos seus, apossando-
se de sua boca e do que restava de sua vontade. Como um gemido de derrota,
Tracey entreabriu os lábios deixando que sua boca fosse explorada pela língua
experiente de Ryan. Abraçou-lhe o pescoço, encostando o corpo ao dele, sentindo
o coração derreter, desfrutando de cada segundo de prazer que aquele contato
lhe proporcionava.
Entregou-se sem reservas ao calor daquele beijo, seus sentimentos
expostos, demonstrando claramente o que sentia por ele. Já não pensava mais.
Tudo no mundo perdera a importância, só queria gozar a delícia de estar tão
junto de Ryan!
De repente, um pensamento cruzou seu cérebro enevoado. Estava
confundindo tudo! Ryan não a beijava por gostar dela, mas sim por pena de vê-la
triste e chorando! Soltou-se dos braços fortes dele e passou as costas das mãos
sobre os olhos, numa tentativa de secar suas lágrimas.
— Desculpe, Ryan. Estava aborrecida e não me controlei. Mas, como você
mesmo disse há pouco, hoje é minha maioridade e já não sou uma garotinha que se
consola com alguns beijos de simpatia.
Ryan sorriu, seus dentes muito brancos iluminando o rosto bronzeado.
— Um beijo sempre ajuda, não importa qual seja o problema — disse rindo,
ao vê-la ficar vermelha. — Não quer ir se arrumar para sairmos?
— Nem sei mais se quero, depois de saber de todos os truques que usaram
comigo!
— Vamos sair, sim, Tracey! Precisamos comemorar seu aniversário.
Ela resolveu concordar. Já estava quase chegando à porta do quarto, quando
se virou para Ryan.
— Aonde vamos?
— Hoje é seu dia, portanto você escolhe.
Ela pensou por uns minutos.
— Bem, o dia está maravilhoso. Que tal irmos à praia? Estará mais vazia
hoje do que num fim de semana.
— Ótima ideia! Então, apresse-se.
Tracey entrou no quarto. Por um instante percorreu o armário, indecisa, sem
saber exatamente ò que usar. Finalmente escolheu uma saia e uma blusa de
decote redondo, que deixava os ombros à mostra. Calçou sandálias sem salto,
escovou bem os cabelos e passou um mínimo de batom, apenas para proteger os
lábios contra o sol. Olhou-se no espelho. Estava um pouco sem cor, a roupa toda
branca. Pegou uma faixa verde-esmeralda e colocou na cintura. Agora, sim! Até a
cor de seus olhos tinha ganhado mais realce!
Tomaram o carro e seguiram a estrada que levava ao litoral. Conversaram
alegremente durante o trajeto e deram boas risadas. Tracey estava decidida a
aproveitar bem o dia, colocando seus ressentimentos e dúvidas de lado… pelo
menos nesse dia, que prometia ser tão bom!
A manhã estava radiosa, o céu muito azul, o sol quente, mas sem exageros.
Pararam numa praia quase deserta, onde estenderam toalhas na areia. Depois
foram caminhar à beira d'água, sentindo as ondas lamberem seus pés. Chegaram
então a umas pedras onde se sentaram, em silêncio, apreciando o mar azul e
profundo.
Como era bom estar junto de Ryan! Pena que não pudesse passar o resto da
vida ao lado dele, nessa camaradagem gostosa, sem brigas, nem discussões! Ele
era uma companhia deliciosa… quando queria! Sabia conversar sobre os mais
variados assuntos, contava casos interessantes, sempre sorrindo, os olhos azuis
muito doces e suaves.
Finalmente voltaram para o carro e foram para o centro, almoçar.
Escolheram um restaurante nas Rochas, o lugar onde a cidade de Sidnei tinha
nascido, junto ao porto e à ponte Harbour. O restaurante ficava num prédio
antigo, ainda da época da colonização. Embora tivesse passado por muitas
reformas, conservava seu aspecto original e Tracey se sentia transportada para
uma outra época.
Sentaram-se a uma mesa de canto, próxima a uma janela que se abria para o
mar. Comeram ostras frescas com molho tártaro, acompanhadas com vinho
branco bem gelado. Enquanto esperavam que o segundo prato fosse trazido,
Tracey ficou pensativa. O tempo estava passando tão depressa! Logo chegariam
ao fim daquele dia de sonho! Seria tão bom se pudesse ficar mais algumas horas
com Ryan! Mas era provável que ele quisesse voltar para Nindethana antes do
anoitecer. Tinha que se conformar. Ergueu os olhos e encontrou os de Ryan fixos
em seu rosto.
— Sabe que ficou com o nariz queimado de sol?
Ela riu, pondo a mão no nariz.
— Deve estar vermelho, mas não está doendo. Acho que pareço um camarão!
— Está apenas rosado, mas mesmo que estivesse pior, ainda assim estaria
muito bonita.
Tracey sorriu e baixou o olhar, feliz com o elogio.
— Em que estava pensando, Tracey?
Então ele tinha percebido que ela estava distante dali, a mente voltada para
seus sentimentos?
— Bem… — ela ficou confusa para explicar. — Estava me perguntando se
pretende voltar para casa ainda hoje.
— Já quer se livrar de mim? Está sugerindo que eu vá embora? Não tinha
planos de voltar hoje.
— Claro que não! Só estava pensando…
Ryan segurou as mãos dela sobre a mesa.
— Por que não me conta exatamente o que pensou? Ficará mais fácil assim.
— É que… tivemos um dia tão agradável, ficamos juntos sem discutir
nenhuma vez e… e… gostaria que ainda faltasse bastante tempo para o dia acabar.
Os dois ficaram em silêncio. Tracey teve medo de que sua sugestão não
tivesse sido bem aceita. Retirou as mãos e cruzou-as sobre o colo, pronta para
ouvir uma recusa.
— Gostei de ver que falou a verdade, Tracey. Sua sinceridade merece um
prêmio, não acha? — Dizendo isso, Ryan tirou do bolso uma caixa de veludo e a
entregou a ela. — Feliz aniversário!
Tracey apanhou a caixa com mãos trêmulas.
— Um presente? Para mim?
— Claro, é para você, sim.
Tracey tirou o fitilho e abriu a tampa com cuidado. Seus olhos brilharam ao
ver a peça magnífica.
— Ryan… obrigada! É maravilhosa! Para ser franca, é a coisa mais bonita que
já vi em minha vida!
Era uma pulseira de ouro, finamente trabalhada em sua parte central, onde
um fio de platina formava o nome "Tracey".
— Não vai usá-la? — ele perguntou, ao ver que ela fechava a caixa.
— Não combina muito com o que estou vestindo — ela disse, apontando para
a roupa simples de algodão. — Mas prendo usá-la hoje à noite, com um vestido
marav… — ela se interrompeu, corando violentamente. — Isto é… se você…
— Isso mesmo, Tracey. Quero ver essa pulseira em seu braço esta noite. Já
tinha feito planos de ficar por aqui. Afinal, seu aniversário só termina à meia-
noite, certo?
Tracey ficou feliz com a chegada do garçom trazendo o prato principal.
Assim, pôde se ocupar com os talheres e disfarçar um pouco o brilho de
felicidade em seus olhos.
Passaram o resto da tarde explorando aquela área da cidade. Andaram por
ruas calçadas de pedras que ainda datavam da época dos escravos e puderam ver
a marca de seus dedos nos tijolos feitos a mão. Visitaram também o chalé
Cadman, construído no início do século XIX, a casa mais antiga da cidade, que
tinha sido transformada em museu. Foram a diversos armazéns antigos, onde
havia exposições de artesanato local. Viram coisas lindas em cerâmica, couro,
arte nativa, além de artífices que demonstravam sua perícia na arte de soprar o
vidro e fazer velas. Seguiram por ruas tortuosas, de braços dados, reparando nos
pequenos detalhes de uma época que já não existia mais.
Tracey estava muito feliz quando' voltou para o hotel, no final da tarde. Não
sabia a razão da mudança de atitude de Ryan para com ela, mas também não fazia
questão de saber. Ele estava lá, com ela, irresistível, amável, carinhoso e só isso
importava.
Foi para o quarto se trocar. De repente, bateram na porta. Seria Ryan? Ele
estava hospedado naquele hotel e poderia querer lhe dizer alguma coisa. Correu
para a porta e abriu-a com um sorriso amplo.
— Lana!
Ficou zonza ao ver a viúva no corredor.
— Não vai me convidar para entrar?
Tracey gostaria de bater a porta e trancá-la para nunca mais ver a Viúva
Alegre em sua frente. Mas sabia que não podia agir assim. Era melhor se manter
fria e educada.
— Entre. Quer sentar-se?
Lana entrou na sala, com seu jeito característico de andar, o corpo perfeito
realçado por um vestido preto colante. Parecia pronta para uma noite agradável e
divertida. Tracey deixou que ela se acomodasse para depois sentar-se frente a
ela.
— Em primeiro lugar, parabéns pelo aniversário — Lana falou, embora não
houvesse alegria nenhuma em sua voz. — Espero que tenha gostado do presente
de Ryan. Perdi muito tempo procurando alguma coisa que fosse adequada a você.
Os homens são tão desajeitados para essas coisas, não é? Precisam sempre de
ajuda!
Tracey sentiu-se gelar. Então Ryan não tinha escolhido seu presente? Ele
perdia todo o valor, se fosse assim. Para ela, o peso do ouro nada significava, mas
sim a lembrança em si.
— Achei muito bonito, obrigada.
— No entanto, não foi só para isso que vim vê-la — Lana fez uma pausa. —
Bem, não sei como lhe explicar, sem deixá-la magoada…
Tracey ficou na expectativa. O que viria agora?
— Você sabe, Tracey, Ryan tem o coração muito mole e não teve coragem de
lhe dizer… por isso vim falar em nome dele. Compreendo que está comemorando
sua maioridade e que essa data é muito importante na vida de todos nós, mas…
não acha, Tracey… que está pedindo demais, quando espera que eu e Ryan
mudemos nossos planos para esta noite, só para podermos incluí-la neles?
Tracey abriu a boca, pronta para retrucar, mas Lana não lhe deu tempo.
— Afinal, vim com Ryan e já dei bastante tempo para que ele ficasse com
você. Acho que agora seria um gesto bonito de sua parte desistir de sua saída
para nos deixar mais à vontade.
Tracey apertou as mãos, uma contra a outra. Era por isso que Ryan estivera
tão amável o dia todo? Por que sabia que passaria a noite com Lana? Era
inacreditável! Tinha feito papel de boba! Demonstrara claramente a Ryan que
queria ficar mais tempo com ele e… Que idiota! Gostaria que o chão se abrisse e
pudesse sumir para sempre!
Mas logo o sangue começou a ferver em suas veias. Agora estava realmente
zangada. Por que Ryan agia assim com ela? Achava que era uma tonta? Pois bem!
Daria a ele uma noite da qual jamais se esqueceria.
— Sinto muito, Lana, mas não vou desistir de nada — ela disse. — Ryan foi
categórico quando disse que meu aniversário só acabava à meia-noite e pretendo
ficar com ele até lá. Além disso, ele gostou muito de minha companhia.
— Você sempre foi precoce, não é, Tracey? Desde pequena, esteve atrás de
Ryan. Não mudou nada! É igualzinha à sua mãe… Está sempre correndo atrás de
todos os homens que encontra pela frente!
Tracey notou que Lana perdia a compostura. Ótimo! Assim podia continuar a
falar o que queria.
— Não corro atrás de qualquer um, não, Lana. Você parece se esquecer de
que para se estar junto de um homem é preciso que os dois queiram.
Os olhos de Lana fuzilaram Tracey.
— Escute bem, sua bastarda. Não aguento mais…
— O que foi que disse? De que me chamou?
— Disse que era bastarda, filha ilegítima… chame como quiser. Mas o fato é
que sua mãe a teve sem ser casada. Parece que só você não sabia disso.
— Mentirosa! Meu pai morreu pouco depois de eu nascer!
— Não. Morreu até antes para você, uma vez que nunca a reconheceu como
filha.
Tracey estava com os músculos contraídos, lutando para se conter. Sua
vontade era voar para cima de Lana e arrancar aquele sorriso cínico de sua cara
arrogante.
— Você tem uma mente doentia, Lana. Se pensa que vou ficar chocada e
facilitar seus planos para hoje à noite, está muito enganada. Foi um esforço inútil.
— Pois posso lhe afirmar que…
— Não vai dizer mais nada, Lana. — Tracey foi para a porta e abriu-a,
esperando que a outra saísse. — Até logo. Não torne a voltar aqui, se não quiser
que eu chame o gerente para jogá-la na rua.
Lana teve que passar bem depressa para que a porta não batesse com força
em suas costas.
Assim que se viu sozinha, Tracey perdeu o controle e soluçou
convulsivamente. Foi para o quarto, pegou a mala e começou a tirar as roupas das
gavetas, sem olhar direito o que fazia, a vista turva pelas lágrimas amargas que
desciam por seu rosto.
Ryan e Lana que fossem para o inferno! Não queria mais saber deles, nem de
ninguém daquela família. Essa era sua oportunidade de escapar e não iria perdê-
la. Poderia sair pela escada dos fundos e quando Ryan descobrisse que ela não
estava mais lá seria tarde demais.
E quanto ao que Lana dissera? Seria mesmo ilegítima? Não teria um pai
reconhecido? Que bobagem! Por que se preocupar com isso? Não seria a primeira,
nem a última criança nascida de uma aventura de amor. Já não existia mais essa
bobagem de filhos ilegítimos. Todos eram filhos e ponto final. Além disso Ben
Alexander sempre fora o pai que ela amara. Ele tinha lhe dado nome, carinho,
proteção e amor. Que mais uma pessoa poderia querer?
Mesmo procurando raciocinar com lógica, sua raiva não diminuía. Lana é que
tinha escolhido seu presente! Nunca mais iria usá-lo! Devia ter adivinhado que
havia um plano por trás da atitude amável e descontraída de Ryan. Ele só estava
cumprindo a obrigação de lembrar seu aniversário, mas depois queria mesmo era
jantar com Lana! E ela… tão boba… achou que estavam começando a se dar bem!
Seu único consolo era que nunca mais daria a Ryan a chance de fazê-la passar por
idiota.
O ruído estridente do telefone a arrancou de seus pensamentos. Chegou a
dar uns passos para atendê-lo, mas parou. Não queria falar com ninguém! Não ia
atender. Era como se não estivesse mais ali.
Foi até o banheiro, reuniu seus artigos de toalete e jogou na mala junto com
as roupas. Nem sabia o que estava levando, mas isso não importava. Só queria se
afastar dali. Lembrou-se de pegar dinheiro e procurou na gaveta da cômoda a
caixa onde guardava suas economias e o talão de cheques.
Estava tão distraída, reunindo seus pertences, que não reparou quando a
porta da sala se abriu.
— Tracey! Por que não atendeu ao telefone?
Ela se virou para encontrar os olhos de Ryan, espantado ao ver a mala sobre
a cama, cheia de roupas e pertences. Embora Ryan já estivesse de barba feita e
os cabelos molhados do banho, vestia roupas esportivas.
— O que está acontecendo por aqui, Tracey?
— Vou embora e não conseguirá me impedir.
— É o que você pensa! — Ryan disse, segurando o braço dela.
Mas Tracey conseguiu soltar-se e correu para o outro lado da cama.
— Saia daqui, Ryan. Não quero vê-lo nunca mais! Pensou mesmo que eu ia
aceitar sair com você e sua Viúva Alegre?
— Do que está falando, Tracey?
— É possível que eu seja ilegítima, mas não sou estúpida, Ryan!
— Quem lhe disse isso? — Ryan indagou, intrigado.
— Faz alguma diferença como fiquei sabendo?
— Faz, e muita.
— Não vejo porque, já que todo mundo sabia do fato, menos eu.
— Não seja boba, Tracey.
— Por que acha que vou mudar agora? Você não me fez de idiota o dia todo?
Primeiro bancando o acompanhante ideal e depois pensando que eu… — Ela
suspirou, correndo para a porta do quarto. — Nada disso importa mais. Vou
embora!
— Não vai a lugar nenhum, Tracey! — Ryan falou segurando-a com força. —
Agora, acho melhor começar a me explicar o que houve.
— Você sempre tem respostas para tudo, Ryan. Deve ter para isso também.
Ela torceu o braço e conseguiu se afastar. Mas Ryan tornou a alcançá-la e
foi pressionando-a até que as pernas dela encontraram a beirada da cama, onde
acabou caindo. Ryan prendeu o corpo dela sob o peso do seu.
— Você é impossível, Foguinho!
Ryan se apossou dos lábios dela. Mesmo furiosa, Tracey não pôde deixar de
sentir a doçura daquele beijo e logo começou a corresponder. Seus pensamentos
desconexos sumiram, deixando apenas lugar para a sensação maravilhosa daquele
contato alucinante em sua pele, que queimava sob as mãos de Ryan. Ele deslizou os
lábios até o pescoço macio de Tracey, fazendo-a vibrar de desejo. Ela arqueou o
corpo, procurando ficar mais junto dele. Murmurou palavras ininteligíveis, mas
cheias de prazer e entrega. Novamente Ryan voltou a beijá-la longamente.
— Tracey, minha querida, você me deixa louco… de amor! Sabe que amo você,
não é?
Ela mal podia crer em tanta felicidade. Ryan a amava! Mas não, não podia ser
verdade…
— Ryan! Como pode dizer isso? Acha mesmo que eu aceitaria ficar em
segundo plano?
— Em segundo plano? De quem está falando?
— De Lana. Ela esteve aqui e me disse coisas muito duras; inclusive que seu
plano inicial era de sair somente com ela e que eu estava atrapalhando tudo.
— Acreditou mesmo que eu quisesse isso?
— Por que não? Lana até me contou que foi ela quem escolheu meu presente
de aniversário!
— Aquela mulher está ficando doida! Lançando mão de tudo para ver se
consegue alguma coisa comigo! Acha mesmo que eu precisaria de ajuda para
escolher um presente para você? Nada disso! Há muito tempo sei o que quero
para você, meu bem. — Ryan segurou o rosto de Tracey e beijou-lhe os olhos, o
nariz pequeno, os lábios doces. — Não estou interessado em Lana ou em qualquer
outra mulher, a não ser em você, Tracey. Nada do que ela disse é verdade.
Tracey suspirou. Ryan dizia a verdade. Podia sentir que ele a amava tanto
quanto ela o amava.
— Quer se casar comigo, minha querida? — Ryan perguntou, subitamente.
Os olhos de Tracey se encheram de luz.
— É o que mais quero na vida! Amo você demais, Ryan!
Ele a abraçou com ternura, beijando os lábios que agora se abriam
confiantes para recebê-lo.
— Tracey, se soubesse o quanto sofri com nossa separação! Desde que pediu
para ir a Santinwood que venho tentando dominar meu sofrimento por ter que
ficar longe de você.
— Não pode ter sido tão grande assim! Não foi sua a ideia de me mandar de
volta para Sidnei? Já estava gostando de Nindethana e preferia ter ficado lá,
mas percebi que sua decisão já estava tomada.
— Precisei fazer isso por causa de Justin. Desde que nos viu aquele dia em
meu quarto, ele passou a discutir comigo, dizendo que eu não agia como um
verdadeiro tutor. Achei que o melhor seria mantê-la afastada por algum tempo.
Tive esperanças também de que se sentisse muito solitária aqui e que pedisse
para voltar para casa, para Nindethana.
— Por isso me instalaram num hotel, não é? Somente para que eu morresse
de saudades de uma vida familiar!
Rindo, Tracey puxou a orelha de Ryan, como se assim pudesse castigá-lo.
— Deu resultado, não deu? — ele perguntou.
— Sabe que sim — ela respondeu, chegando mais perto, abraçando-o e
oferecendo os lábios para um beijo.
Eles se acariciaram, gozando aqueles momentos de doce intimidade, em que
podiam dar vazão aos sentimentos que por tanto tempo haviam reprimido e
ocultado.
— Você e Justin ainda estão estremecidos? — ela perguntou depois de
algum tempo, quando Ryan já estava sentado na cama.
— Se é que ainda resta alguma animosidade, vai desaparecer assim que ele
souber que você vai se tornar um membro permanente da família. É o que ele mais
desejava…
— Fico impressionada por ele gostar tanto de mim, Ryan. Justin nunca se
incomodou por eu ser filha de mãe solteira?
— Que diferença faz, Tracey? Não importa quem era seu pai, porque no
minuto em que pisou pela primeira vez na fazenda, bem pequenininha, todos a
consideramos como um de nós! E você já era de fato uma Alexander, mesmo
naquela época, porque Ben já a havia adotado como filha. Sabe como somos,
Tracey. Se é nosso, não deixamos escapar.
Ryan olhou para o relógio.
— Estamos atrasados. Vai ser uma pena você chegar tarde à sua festa de
aniversário. Como vou explicar a Justin?
— Festa? Justin? Não estou entendendo!
Ryan riu com gosto.
— Pois é. Parte da família está lá embaixo, esperando para lhe dar um
abraço de parabéns.
— É verdade? Carol e Lyn também vieram?
— Também, além de Nancy, Clive, Ross, Lance, Noeleen e Dennis…
Tracey estava atônita. Era muita felicidade para um dia só!
— Todos vieram especialmente para meu aniversário?
— Exatamente. Só não contavam é que a festa também fosse para
comemorar nosso noivado!
— Ryan! — Ela riu feliz. — Você é incrível!
— Somos uma família unida, sabe disso, não é? Que melhor ocasião para nos
reunirmos, do que na comemoração de sua maioridade e também na promessa de
que Nindethana vai ter uma dona?
— Assim meu coração vai explodir de tanta alegria, Ryan.
— É bom ir se acostumando. Prometo que nossa vida vai ser repleta de
momentos felizes.
Mais um beijo foi trocado, como se para selar aquele juramento.
— Se não descermos logo, Justin é capaz de subir para saber o que houve,
Tracey. Não vamos assustá-lo de novo, como naquele dia em meu quarto, não é?
Tracey riu, mas tratou de separar depressa a roupa que iria usar.
— Vou me vestir também — Ryan disse. — Posso deixá-la, com a certeza de
que ainda estará aqui, quando eu vier buscá-la?
— Não vai se livrar mais de mim, Ryan!
— Não me tente, Tracey, ou posso até esquecer a festa lá embaixo e ficar
aqui com, você.
Tracey empurrou-o para fora, os dois rindo, absolutamente descontraídos
agora.
— Logo estarei pronta, Ryan. Preciso apenas de quinze minutos.
— Está bem. Vou me trocar e daqui a pouco virei buscar minha noiva, para
levá-la ao encontro da família.
— Nossa família, Ryan.
— Sim, Tracey. Nossa, como Nindethana, como tudo mais que teremos. Nada
mais será só seu ou meu, mas nosso. Só assim conheceremos a verdadeira
felicidade.
FIM