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TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES
A TRANSMISSIBILIDADE DOS CRÉDITOS E DAS DÍVIDAS
Cessão de Créditos
TRANSMISSÃO DO LADO ACTIVO
§1: NOÇÃO. A cessão de créditos consiste numa forma de transmissão de
crédito que opera por virtude de um negócio jurídico, normalmente um contrato
celebrado entre o credor [cedente] e terceiro [cessionário] – arts. 577º ss.
Exemplo: A, cedente locador, transmite o seu direito de crédito face a B,
locatário, a C, cessionário, que passa a cobrar as rendas.
Não se exige qualquer consentimento do devedor, nem a prestação de
qualquer colaboração deste para que a cessão venha a ocorrer, uma vez que, para
o devedor, é indiferente realizar a prestação perante um ou outro. A cessão de
créditos tem, contudo, que lhe ser notificada [art. 577º-1]. Em suma, transmite-se o
direito de crédito do credor/cedente para o terceiro cessionário, sendo que o último
ocupa a posição jurídica do primeiro.
Modalidades:
Legal
Convencional
Negócio jurídico unilateral
Judicial
§2: PRESSUPOSTOS. Eis os pressupostos da cessão de créditos:
Negócio jurídico a estabelecer a transmissão da totalidade ou da
parte do crédito, entre o antigo e o novo credor [cedente e
cessionário]:
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o Compra e venda ou doação, vg – o negócio-base/fonte é
sempre causal, pelo que se o negócio transmissivo vier a ser
declarado nulo ou anulado, tal determinará a anulação da
transmissão do crédito [arts. 289º a 291º] – a cessão não vale
por si mesma.
o Dação em cumprimento: A, devedor de B, transmite-lhe, com
o acordo deste, um crédito que tem face a C, extinguindo a
dívida, vg.
o A cessão de créditos integra-se nesse negócio, apresentando-
se como um efeito do mesmo [art. 578º-1].
o É através do regime do negócio-base que se determinará a
forma e o regime jurídico aplicável à cessão de créditos [art.
578º-2, quanto à cessão de créditos hipotecários: escritura
pública].
o Admissibilidade da cessão de créditos futuros: possível na
venda, mas não na doação [arts. 399º, 880º e 942º-1], desde
que preenchido o requisito da determinabilidade [art. 280º].
Neste caso:
O crédito surge directamente na esfera do cessionário?
– Teoria da imediação: no caso de créditos futuros
resultantes de relações já constituídas, segundo
LARENZ e ANTUNES VARELA.
Ou vem a passar primariamente pelo património do
cedente? – Teoria da transmissão: no caso de créditos
futuros resultantes de relações a constituir, segundo
LARENZ e ANTUNES VARELA.
Contra este entendimento: art. 1058º e 821º, uma vez
que mesmo em relativamente a relações já
constituídas é de aplicar a teoria da transmissão. É esta
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a solução consagrada relativamente à transmissão de
créditos futuros [MOTA PINTO].
Exemplo: C tem um apartamento arrendado a B, que lhe paga renda. C
vende, em Maio de 2007, a totalidade das rendas do ano de 2008 a A.
Inexistência de impedimentos legais ou contratuais a essa
transmissão:
o Admitem-se: créditos como o direito de preferência [art. 420º]
ou o direito a alimentos [art. 2008º].
o Proíbe-se: a cessão de créditos de direitos litigiosos a
magistrados ou outros funcionários judiciais [art. 579º], sob
pena de nulidade [art. 580º-2].
o Pressupõe que não tenha sido convencionado entre o devedor
e o credor que o crédito não seria objecto de cessão [art.
577º] – pactum de non cedendo, expressa ou tacitamente.
Este pacto não coloca o crédito fora do comércio jurídico, mas
apenas gera uma obrigação para o credor de não o transmitir
a outrem. Não se trata de um caso de nulidade da cessão.
o A convenção é inoponível a um cessionário de boa fé [art.
577º-2].
Não ligação do crédito, em virtude da própria natureza da prestação,
à pessoa do credor:
o Se tal suceder, não faria sentido obrigar o devedor a prestar
perante pessoa diferente. Exemplos: direito a alimentos [art.
2003º], contrato de serviço doméstico ou prestação de serviço
dos médicos e advogados.
o Sob pena de nulidade, nos termos do art. 294º.
§3: EFEITOS DA CESSÃO DE CRÉDITOS. Quanto aos efeitos da cessão de
créditos, cumpre distinguir:
Efeitos em relação às partes:
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o Transmissão do crédito do cedente para o cessionário
o A cessão opera por mero efeito do contrato
o A transmissão não é imediatamente oponível a terceiros
o Essa transmissão verifica-se com todas as vantagens e
defeitos que o crédito tinha, abrangendo garantias e outros
acessórios [art. 582º].
Transmitem-se as garantias inseparáveis da pessoa do
cedente [art. 582º-1]: fiança, penhor e hipoteca [arts.
627º, 666º e 686º ss].
Direito de retenção: garantia intimamente ligada à
pessoa do cedente, que só poderá ser transmitida por
acordo expresso entre cedente e cessionário [arts.
754º ss].
Reserva de propriedade: não pode ser transmitida com
a cessão de crédito, uma vez que seria necessária a
resolução do contrato por falta de pagamento do preço
[art. 409º].
o A transmissão abrange as excepções que o devedor possuía
contra o cedente [art. 585º]: vg invalidade, resolução ou
prescrição.
o O cedente tem que prestar ao cessionário a garantia da
existência e da exigibilidade do crédito ao tempo da cessão
[art. 587º-1], aplicando-se o regime do negócio base [arts.
892ºss ou 956º ss, no caso de compra e venda ou doação].
o Obrigação de entrega de documentos [art. 586º].
Efeitos em relação ao devedor:
o A transmissão só produz efeitos em relação ao devedor após:
Notificação
Aceitação [art. 583º-1]
Conhecimento [art. 583º-2]
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o A notificação ou a aceitação pelo devedor decidem qual a
cessão que vai prevalecer, em caso de dupla alienação do
mesmo crédito [art. 584º]. Não estão sujeitas a forma especial
[art. 219º].
o Se o devedor, antes da notificação ou aceitação, por ignorar a
cessão de créditos, pagar ao cedente ou celebrar com ele
algum negócio relativo ao crédito, o pagamento e o negócio
têm efeitos sobre o crédito, podendo até extingui-lo [art. 583º-
2].
o O cessionário que veja o seu direito afectado pode instaurar
uma acção de enriquecimento sem causa contra o cedente
[enriquecimento por intervenção através da disposição eficaz
de um direito alheio] – a notificação é do interesse do
cessionário.
o Oposição ao cessionário de todos os meios de defesa, pelo
devedor, que lhe era lícito invocar contra o cedente [art.
585º]: prazo da prestação, excepção de não cumprimento,
prescrição, vg.
Efeitos em relação a terceiros:
o A cessão produz efeitos independentemente de qualquer
notificação: a partir da sua verificação, podem os credores do
cessionário executar o crédito ou exercer a acção sub-
rogatória.
o Depende de notificação ao devedor ou de aceitação por este
num caso: quando o crédito seja cedido a mais do que uma
pessoa [art. 584º], prevalece a cessão que primeiro tiver sido
notificada ao devedor ou por este ter sido aceite. Se o
devedor, conhecendo a prioridade da primeira cessão, aceitar
a segunda:
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Não realizará qualquer pagamento liberatório, pagando
ao segundo cessionário, segundo a autora ASSUNÇÃO
CRISTAS.
PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA: rigidez da
solução do art. 584º e não aplicação do art. 583º-2
[exceptio doli], por razões de segurança.
MENEZES LEITÃO compatibiliza os dois preceitos,
defendendo que a prioridade é atribuída com base na
notificação que primeiro vier a ser efectuada ao
devedor, salvo se, desconhecendo a dupla alienação do
crédito, tiver aceite alguma das cessões.
Sub-rogação
TRANSMISSÃO DO LADO ACTIVO
§1: NOÇÃO. A sub-rogação [arts. 589º ss] consiste na situação que se
verifica quando, cumprida uma obrigação por terceiro, o crédito respectivo não se
extingue, mas antes se transmite por efeito desse cumprimento para o terceiro que
realiza a prestação em lugar do devedor ou forneceu os meios necessários para o
cumprimento.
Enquanto que a cessão tem por base um negócio jurídico, a sub-rogação
resulta de um acto não negocial, o cumprimento, sendo a medida deste que
determina a medida da sub-rogação [art. 593º-1]. Para mais, é insusceptível de se
verificar em relação a prestações futuras.
§2: MODALIDADES. A lei admite as seguintes modalidades de sub-rogação:
Sub-rogação pelo credor [art. 589º]:
o O credor/sub-rogante declara que pretende que o terceiro/sub-
rogado que cumpre a obrigação em vez do devedor venha, por
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virtude desse cumprimento, a adquirir o crédito, podendo
exigir posteriormente ao devedor a realização dessa
prestação.
o Requisitos cumulativos, sem os quais apenas se verifica um
cumprimento por terceiro, sem adquirir o crédito [ideia de
tutela de outros credores e garantes do devedor, de boa fé]:
Cumprimento da obrigação por terceiro
Declaração expressa anterior do credor a determinar a
sub-rogação [art. 217º], sem forma especial [art. 219º].
Não havendo cumprimento, a declaração não extingue
a obrigação.
Exemplo: A deve € 100 a B. B declara expressamente que C fica sub-rogado
nos seus direitos, se pagar. C paga, podendo, por isso, exigir os € 100 a A.
Sub-rogação directa pelo devedor/sub-rogante [art. 590º] a
terceiro/sub-rogado:
o Também pressupõe uma declaração deste, pretendendo que o
terceiro que cumpre a obrigação adquira o respectivo crédito.
o Declaração expressa, até ao momento do cumprimento,
evitando a extinção da dívida. Liberdade de forma, nos termos
gerais [art. 219º].
o Não se admite eficácia retroactiva, pelas mesmas razões de
tutela.
Exemplo: A deve € 100 a B. C paga € 100 a B. A declara, antes do
cumprimento, que esse pagamento determina a sub-rogação de C no direito de B.
Sub-rogação indirecta em consequência de empréstimo efectuado ao
devedor [art. 591º]:
o Não é o terceiro quem cumpre a obrigação, mas sim o próprio
devedor, com meios facultados por um terceiro [que lhe
empresta dinheiro ou outra coisa fungível: mútuo]
o Declaração expressa, anterior ao empréstimo.
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o Forma escrita simples [documento do empréstimo].
o Em consequência do mútuo o terceiro já adquire um crédito
sobre o devedor, não fazendo sentido que fique com dois
créditos após a sub-rogação – GALVÃO TELLES e MENEZES
LEITÃO: a sub-rogação substitui o primeiro crédito [mútuo]
pelo segundo [transmitido pela sub-rogação].
Exemplo: A deve € 100 a B. C empresta € 100 a A. A paga a B.
Sub-rogação legal [art. 592º]:
o Independentemente de qualquer declaração do credor ou do
devedor: quando o terceiro tiver garantido o cumprimento ou
estiver por qualquer outra causa directamente interessado na
satisfação do crédito. O sub-rogado [terceiro] é garante do
devedor que realizou a prestação.
o Exemplo: se o terceiro for fiador do devedor ou tiver
constituído um penhor ou hipoteca sobre bens seus para
garantia do cumprimento – vg A deve €100 a B. C, fiador de A,
paga 50% a B.
o O interesse directo do terceiro na satisfação do crédito e no
cumprimento tem que corresponder a um interesse próprio
com conteúdo económico prático, não bastando um interesse
meramente jurídico – vg subarrendatário paga ao senhorio em
vez do arrendatário, art. 1089º.
§3: EFEITOS DA SUB-ROGAÇÃO. Os efeitos da sub-rogação encontram-se
previstos no art. 593º:
Transmissão do crédito na medida da sua satisfação:
O terceiro adquire, na medida da satisfação dada ao direito do
credor, os poderes que a este competiam: se o terceiro, numa
dívida de € 1000 apenas pagar € 600, não fica sub-rogado na
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totalidade do crédito, mas apenas no montante por ele
satisfeito.
Transmissão das garantias e acessórios do crédito:
Cfr. supra, cessão de créditos [arts. 594º, 582º-584º]
Transmissão das excepções:
GALVÃO TELLES: o art. 585º aplicar-se-ia à sub-rogação, em
geral.
Contra, ANTUNES VARELA: o art. 585º apenas pode ser aplicável
aos casos de sub-rogação pelo credor ou de sub-rogação legal.
Com o assentimento de MENEZES LEITÃO, que entende que,
no caso de a sub-rogação provir do próprio devedor, é-lhe
vedada a invocação de qualquer excepção.
Eficácia em relação ao devedor e terceiros:
Aplicam-se as disposições dos arts. 583º-584º, ex vi art. 594º.
Assunção de Dívida
TRANSMISSÃO DO LADO PASSIVO
§1: NOÇÃO. A transmissão a título singular de dívidas denomina-se
assunção de dívida e encontra-se prevista nos arts. 595º ss: transmissão singular
de uma dívida através de negócio jurídico celebrado com terceiro. Corresponde
historicamente a uma delegação.
O acordo do credor é imprescindível.
§2: MODALIDADES. A assunção de dívidas pode verificar-se [art. 595º-1]:
Por contrato entre o antigo e o novo devedor [assuntor], ratificado
pelo credor: assunção interna.
o A transmissão de dívidas resulta do efeito conjugado de dois
negócios:
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Contrato entre o antigo e o novo devedor
Negócio unilateral do credor, a ratificação, como
condição de eficácia da assunção de dívida em relação
ao credor [do primeiro contrato, enfim], podendo as
partes distratá-lo enquanto o credor não ratificar [art.
596º-1].
Qualquer das partes pode fixar um prazo
peremptório para a ratificação, findo o qual esta
se considerará recusada [art. 596º-2].
Só a partir do momento em que ocorre a
ratificação é que a assunção de dívidas se torna
definitiva, deixando as partes de a poder
distratar.
A ratificação, uma vez realizada, tem eficácia
retroactiva e a dívida considera-se transmitida
no momento da celebração do contrato. Com
divergências, esse efeito retroactivo é por uns
considerado pleno [RIBEIRO DE FARIA e
MENEZES LEITÃO], ou não implica, para
outros, a ineficácia dos actos conservatórios de
crédito praticados no período entre a ratificação
e o contrato de assunção de dívida [PIRES DE
LIMA e ANTUNES VARELA].
Nota: suscita-se, neste âmbito, o seguinte problema – apesar da não
ratificação pelo credor, o negócio celebrado entre as partes pode valer como
promessa de liberação [assunção de cumprimento], nos termos do art. 444º-3? A
doutrina alemã considera existir uma regra interpretativa de que qualquer assunção
de dívida não ratificada vale como assunção de cumprimento. Entre nós, a mesma
posição é sustentada [ANTUNEZ VARELA e MENEZES LEITÃO], com base nos
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arts. 239º [vontade presumível das partes] e 293º [conversão do negócio
totalmente nulo].
Por contrato entre o novo devedor [assuntor] e o credor, com ou sem
consentimento do antigo devedor: assunção externa.
o A transmissão da dívida resulta de apenas um único negócio
jurídico:
Contrato entre o novo devedor e o credor, ao qual o
antigo devedor pode ou não dar o seu consentimento.
O consentimento do devedor é irrelevante.
Assunção cumulativa:
o O antigo devedor não é liberado da sua obrigação, mantendo-
se solidariamente obrigado perante o credor [art. 595º-2, 2ª
parte].
o O novo devedor fica vinculado por essa obrigação
exactamente nos mesmos termos que o antigo devedor, sem
que a vinculação deste seja afectada [sem exoneração].
o Regime:
Efeitos na relação interna entre antigo e novo devedor:
Transmissão da dívida do antigo para o novo
devedor, independentemente da exoneração
concedida pelo credor [art. 595º-2].
Efeitos na relação externa dos devedores para com o
credor:
Na ausência de exoneração concedida pelo
credor, os dois devedores respondem
solidariamente – o credor pode exigir o
cumprimento da obrigação a qualquer um,
indistintamente.
A solidariedade imperfeita, e não conforme
dispõem os arts. 512ºss:
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o O direito de regresso só existe do antigo
devedor sobre o novo devedor, num só
sentido
o Não se aplica a presunção do art. 516º
[comparticipação em partes iguais na
dívida]
o O novo devedor goza de meios de defesa
mais amplos que o devedor solidário:
O novo devedor não pode opor ao
credor quaisquer meios de defesa
que resultem da relação entre o
antigo e o novo devedor [art.
598º] – vg promessa da prestação
de uma contrapartida: a assunção
de dívidas é um acto abstracto,
protegendo o credor.
O novo devedor pode, sim, opor
ao credor os meios de defesa
derivados da relação entre ele
próprio e o credor, bem como os
meios de defesa existentes na
relação antigo devedor e credor,
salvo meios de defesa pessoais
do primeiro:
Pode: nulidade, prescrição,
impossibilidade e
ineficácia.
Não pode: erro, coacção,
dolo ou incapacidade do
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antigo devedor,
compensação.
Assunção liberatória:
o Verifica-se a extinção da obrigação do antigo devedor, ficando
exclusivamente obrigado o novo devedor [art. 595º-2, 1ª
parte].
o O novo devedor substitui integralmente o antigo devedor, que
fica assim exonerado.
o Declaração de exoneração do primitivo obrigado [antigo
devedor], que compete ao credor: declaração expressa, feita
por palavras ou outro meio directo de expressão da vontade
[art. 217º]. Sem esta declaração, exigível tanto na assunção
externa como na assunção interna [art. 595º-2], a assunção é
cumulativa, com as consequências supra.
Ratificação: credor dá o seu acordo à transmissão,
impedindo as partes de a distratarem.
Declaração expressa de exoneração: o credor extingue
a vinculação do antigo devedor.
o Regime:
Com a exoneração concedida pelo credor ao primitivo
obrigado, o novo devedor torna-se no exclusivo
devedor, ficando o primeiro totalmente liberado da sua
obrigação.
O conteúdo da obrigação não se altera em virtude da
transmissão, pelo que o novo devedor permanece
vinculado à prestação nos mesmos termos que o antigo
devedor [vs novação: extinção do direito de crédito e
substituição por um outro]. O crédito é o mesmo,
embora tenha sido redireccionado de um sujeito para
outro [assuntor].
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O credor deixa de poder demandar o antigo devedor,
caso se verifique a insolvência do assuntor, seja ele o
novo devedor ou garante da obrigação [art. 600º].
Admite-se, porém, que o credor ressalve
expressamente a responsabilidade do antigo devedor
[art. 600º, in fine], caso em que a responsabilidade
deste é subsidiária e não extinta.
Requisitos comuns às várias modalidades de assunção de dívida:
Consentimento do credor
o É sempre necessário. Razões:
Só o património do devedor responde perante o credor,
pelo que o consentimento do credor na assunção de
dívida permite obstar a transmissões de dívidas para
devedores com situações patrimoniais piores do que as
do devedor originário.
Exigência do consentimento do credor:
Assunção interna: ratificação do contrato entre
antigo e novo devedor.
Assunção externa: o próprio credor celebra o
contrato com o novo devedor.
Contestada por MOTA PINTO.
Em qualquer caso exige-se a declaração expressa
supra para exoneração do antigo devedor.
Consentimento do novo devedor
o Não faria sentido impor a alguém a assunção de uma dívida,
contra a sua vontade.
o Não é necessário o consentimento do antigo devedor
[claramente dispensado na assunção externa], por maioria de
razão: se o terceiro pode cumprir a obrigação, mesmo com
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
oposição do devedor [art. 768º-2], pode igualmente assumir
as suas dívidas sem consentimento.
Existência e validade do contrato de transmissão
o A transmissão da dívida deve decorrer de um contrato
transmissivo da obrigação que exista.
o Esse contrato não pode ser nulo ou anulável.
o Não há obstáculos legais à transmissão de dívidas futuras, tal
como no caso da cessão de créditos futuros, supra: basta o
requisito da determinabilidade [art. 280º], e que estas
resultem de negócio já celebrado ou a celebrar.
Exemplo: assunção da obrigação de pagamento das
rendas devidas pelo locatário no ano de 2009.
o Se o contrato de transmissão da dívida for declarado nulo ou
anulado e o credor tiver exonerado o devedor primitivo
[assunção liberatória], renasce a obrigação anterior [art.
597º].
§3: NATUREZA JURÍDICA. A teoria da oferta colectiva ou teoria do contrato
com o credor, originalmente de MENZEL, veio a ser sustentada por MENEZES
LEITÃO, no âmbito da discussão doutrinária acerca da natureza jurídica da figura
da assunção de dívidas.
Nestes termos, a assunção de dívidas corresponde como que a uma
delegação, hoje feita através de um contrato que envolve três pessoas: o
delegante, o delegado e o credor delegatário. Delegante e delegado fazem uma
oferta colectiva ao credor, propondo a substituição contratual, devendo o último dar
o seu consentimento. A fonte da assunção de dívidas reside, assim, num contrato
trilateral.
Cessão da Posição Contratual
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§1: NOÇÃO. A cessão da posição contratual [art. 424º] designa a
transmissão da situação jurídica mais vasta que engloba direitos, deveres,
faculdades, poderes, ónus e sujeições que resultam para uma parte da celebração
de determinado negócio.
As vantagens na adopção desta figura residem no facto de permitir a
transmissão de negócios jurídicos em bloco, sem quebrar as ligações existentes
entre as diversas situações integrantes da posição contratual, cuja preservação
interessa às partes.
Aqui, não se transmitem créditos ou dívidas individualmente, mas sim a
própria posição contratual globalmente considerada, enquanto situação jurídica
complexa.
Não se confunda com:
Subcontrato: alguém celebra um contrato com base na posição
jurídica que lhe advém de outro contrato do mesmo tipo, já
previamente celebrado com outrem [vg sublocação,
subarrendamento, subempreitada ou submandato]. O subcontrato
depende do contrato principal, de modo que a extinção do último
importa a extinção do primeiro. Na cessão da posição contratual,
há a transmissão da posição contratual de um sujeito para outro,
enquanto que no subcontrato a relação contratual primitiva
permanece inalterada.
Adesão ao contrato: um terceiro vem a constituir-se como parte
numa relação contratual existente entre duas pessoas,
participando da posição jurídica já atribuída a uma delas, sem que
esta perca a titularidade dessa mesma posição. Na cessão da
posição contratual o cedente deixa de ser parte do contrato,
enquanto que na adesão ao contrato não há qualquer transmissão
contratual, mas apenas a agregação de uma terceira parte à
relação contratual.
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§2: PRESSUPOSTOS. A cessão da posição contratual requer:
Um contrato a estabelecer a transmissão da posição contratual,
celebrado com o consentimento do outro contraente [art. 424º]:
o Terá que ser um negócio unitário [transmissão da posição
contratual em globo] e não um mero somatório de cessões
de créditos ou de assunções de dívida.
o A assunção de obrigações pressupõe o consentimento do
outro contraente: a sua eficácia fica dependente do acordo
posterior à celebração do negócio [art. 424º-2]. Sem
consentimento, e ao contrário da assunção de dívidas, o
negócio não pode valer como assunção de cumprimento
das obrigações do cedente. Se houver recusa, pergunta-se
se o negócio não poderá ser convertido, nos termos do art.
293º, num contrato misto de cessão de créditos e
assunção cumulativa de dívidas: não o cremos, uma vez
que a assunção cumulativa não pode ser feita sem o
consentimento do credor [art. 595º-1a].
o Exemplo: compra e venda, doação ou dação em
cumprimento – negócios causais, uma vez que a cessão da
posição contratual não é um negócio abstracto.
A inclusão da referida posição contratual no âmbito dos contratos
com prestações recíprocas
o O art. 424º-1, 1ª parte, parece restringir a cessão da
posição contratual aos contratos com prestações
recíprocas, conforme sustentam GALVÃO TELLES, VAZ
SERRA, ANTUNES VARELA e ALMEIDA COSTA – poder-
se-ia transmitir a posição contratual de comprador ou de
arrendatário, vg, mas não já a de mutuário ou doador,
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
transmissíveis apenas mediante cessão de créditos ou
assunção de dívidas.
o MOTA PINTO e MENEZES CORDEIRO criticaram esta
posição, uma vez que reconduziria a cessão da posição
contratual a um mero somatório de créditos e de dívidas,
como já supra §1 afastámos. Essa posição desconsidera a
situação jurídica complexa que a figura representa, pondo
de parte direitos potestativos e deveres acessórios.
MENEZES LEITÃO concorda com esta posição, uma vez
que permite incluir neste âmbito os contratos bilaterais em
que uma das prestações já haja sido executada [vg na
compra e venda executada apenas pelo vendedor, este
deve ter ainda direito a uma eventual resolução do
contrato por incumprimento do comprador, art. 886º].
§3: EFEITOS. Cumpre distinguir:
Relação entre cedente e cessionário:
o Transmite-se a posição contratual do cedente para o
cessionário
O cessionário adquire todos os créditos, poderes
potestativos e excepções e fica vinculado pelas
obrigações, deveres acessórios e sujeições
resultantes.
Contrato de execução periódica ou continuada: a
cessão da posição contratual abrange apenas as
situações jurídicas correspondentes ao período de
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tempo posterior à celebração do negócio de
transmissão: efeitos ex nunc.
A maioria doutrinária rejeita que a cessão da
posição contratual possa abranger as
consequências dos vícios intrínsecos das
declarações negociais [MOTA PINTO, MENEZES
CORDEIRO, MENEZES LEITÃO e ANTUNES
VARELA]. A faculdade de anulação do negócio [vg
por erro, dolo ou coacção] é inseparável da pessoa
do cedente, não sendo, por isso, objecto de
transmissão. Não faria qualquer sentido que o
cessionário pudesse exercer essa faculdade, uma
vez que, em relação a ele, não se verifica qualquer
vício. Verificado o erro, dolo ou coacção, o cedente
pode, após a cessão da posição contratual, solicitar
a anulação do negócio, caso em que a cessão se
tornará nula por impossibilidade do objecto [art.
280º-1].
o Garantia prestada pelo cedente relativamente à posição
contratual transmitida
O cedente garante ao cessionário, no momento da
cessão, a existência [validade] da posição
contratual transmitida [art. 426º-1], nos mesmos
termos que na cessão de créditos [art. 587º]. A
garantia do cumprimento das obrigações [vg o
cedente responder como fiador], essa, só existe se
for expressamente convencionada, nos termos
gerais [art. 426º-2].
Tratando-se de uma venda, e se tal posição
contratual não existir ou for inválida, o cedente
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torna-se responsável perante o cessionário nos
termos dos arts. 894º e 899º.
Relação entre cessionário e o contraente cedido
o É perante o cessionário, único titular da posição contratual,
que o contraente cedido deve exercer os seus direitos e
cumprir as respectivas obrigações.
o Se, após a cessão, o contraente cedido efectuar o
cumprimento perante o cedente, esse cumprimento não
tem efeito liberatório, a menos que o último haja dado o
seu consentimento antes da transmissão [art. 424º-2].
o Relações contratuais duradouras [vg contratos de
execução periódica ou continuada]: a cessão apenas
abrangerá as situações jurídicas respeitantes ao período
posterior à transmissão, presumindo-se que os créditos e
obrigações já vencidos se mantêm na titularidade do
cedente.
o Quanto às garantias das obrigações de que o contraente
cedido seja titular, aplica-se por analogia o disposto no art.
599º.
Relação entre o cedente e o contraente cedido
o O cedente fica liberado de todas as obrigações, deveres
acessórios e sujeições emergentes do contrato, com
algumas excepções:
Se o cedente tiver causado danos à outra parte, em
virtude de incumprimento: a obrigação de
indemnizar mantém-se na sua titularidade.
o Com base na autonomia privada, podem as partes
estipular a não liberação do cedente nas suas obrigações,
com a cessão, podendo o mesmo responder como fiador ou
devedor solidário, vg. O cedente perde, ainda assim, a sua
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qualidade de parte no contrato, assumindo antes um novo
vínculo de garantia de cumprimento de obrigação alheia,
perante o cedido.
§4: NATUREZA JURÍDICA. Quanto à natureza jurídica da cessão da posição
contratual, MENEZES LEITÃO, na esteira de MOSSA, LARENZ e entre nós, MOTA
PINTO, ANTUNES VARELA, MENEZES CORDEIRO e RIBEIRO DE FARIA,
sustenta a teoria da transmissão unitária, nos termos da qual o crédito e a dívida
não surgem isoladamente.
A posição contratual constitui, assim, uma situação jurídica complexa cuja
transmissão é possibilitada pela cessão da posição contratual.
DA EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES
Causas de Extinção dos Negócios Jurídicos
§1: GENERALIDADES. A extinção das obrigações verifica-se quando o
negócio que lhes serve de fonte é destruído:
Por um negócio jurídico posterior:
o Revogação
o Resolução
o Denúncia
Através de um facto jurídico stricto sensu:
o Caducidade
Por um efeito conjugado dos dois:
o Oposição à renovação
Distinguiremos cada uma destas causas infra.
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
§2: REVOGAÇÃO. A revogação consiste na extinção do negócio jurídico por
virtude de uma manifestação da autonomia privada em sentido oposto àquela que
o constituiu.
Tratando-se de um contrate, a revogação denomina-se distrate, sendo
necessariamente bilateral [art. 406º-1].
Se, no entanto, o negócio for unilateral, a revogação é igualmente unilateral
[vg revogação de promessa pública, art. 461º].
A retroactividade da revogação pode ser livremente convencionada pelas
partes, excepto se tenha sido criada uma situação em benefício de terceiro ou
quando o acto esteja sujeito a registo e este tenha sido realizado.
§3: RESOLUÇÃO. A resolução do contrato [arts. 432ºss] consiste na
extinção da relação contratual por declaração unilateral de um dos contraentes,
baseada num fundamento ocorrido posteriormente à celebração do contrato.
Processa-se sempre através de um negócio jurídico unilateral [vs revogação], pelo
que a decisão não está sujeita ao acordo da contraparte.
É normalmente de exercício vinculado, e não discricionário, verificado um
fundamento legal ou convencional [cláusulas resolutivas] para tal [art. 432º-1]. Se
esse fundamento não se verificar, a resolução não é permitida [art. 406º-1].
Pode ser fundamentada pelo incumprimento contratual da contraparte [art.
801º-2] ou pela justa causa [art. 1140º], maxime por meras razões de conveniência
justificada do comodante, no comodato.
Está, contudo, excluído o direito de resolução nos casos em que não haja
possibilidade de restituir o que se houver recebido [art. 432º-2], sob pena de
enriquecimento da parte que exerce a resolução.
Na falta de disposição, a resolução é equiparada à nulidade ou à
anulabilidade do contrato [art. 433º], aplicando-se o art. 289º: relação de
liquidação, na qual se visa colocar as partes na situação em que estariam se o
contrato não tivesse sido celebrado [art. 290º]. Contudo, sublinhe-se que a
resolução pode não ter eficácia retroactiva, contrariamente à regra geral, se
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contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução [art. 434º] – nos
contratos de execução continuada ou periódica seria contrário ao fim da resolução
admitir a restituição de prestações já pagas, vg. Por outro lado, e contrariamente à
invalidade do negócio [art. 291º], a resolução não pode, em caso algum, prejudicar
terceiros [art. 435º-1].
A resolução efectua-se mediante simples declaração da parte, dispensando-
se recurso ao tribunal [solução alemã, vs francesa], nos termos do art. 436º-1,
excepto o disposto no art. 1047º.
Evitando uma situação de indefinição, a contraparte pode fixar ao titular do
direito de resolução um prazo razoável para que o exerça, sob pena de caducidade
[art. 436º-2].
§4: DENÚNCIA. À semelhança da resolução, a denúncia resulta também de
um negócio unilateral, pelo que se baseia unicamente na declaração de uma das
partes.
O seu exercício é livre, não carecendo de qualquer fundamento. Limita-se
aos contratos de execução continuada ou duradoura [vg fornecimento ou mandato],
em que as partes não estipulam um prazo fixo de vigência. A denúncia é admitida a
todo o tempo, de forma a obstar a contratos perpétuos e a vínculos de duração
indefinida.
A denúncia não é retroactiva, limitando-se a extinguir o contrato para o
futuro [ex nunc].
§5: CADUCIDADE. A caducidade do contrato consiste na sua extinção em
virtude da ocorrência de um facto jurídico stricto sensu, e não de um negócio ou de
um acto jurídico: vg decurso do tempo, verificação de condição resolutiva ou morte
de uma das partes em contrato intuitu personae.
§6: OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO. Conjugando as figuras da caducidade e da
denúncia, a oposição à renovação permite que as partes convencionem que o
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
contrato vigore por períodos limitados no tempo e, simultaneamente, prevêem a
sua renovação tácita, não havendo declaração em contrário. A lei impropriamente
qualifica de denúncia a oposição à renovação no contrato de locação, nos arts.
1054º e 1055º].
É de exercício livre, não é retroactiva mas só pode ser exercida até à
renovação do contrato.
Prescrição
§1: NOÇÃO. A prescrição é uma causa de extinção de direitos de crédito,
ocorrendo quando alguém adquire a possibilidade de se opor ao exercício de um
direito, em virtude de este não ter sido exercido durante um determinado lapso de
tempo [art. 304º-1]. Trata-se de uma excepção, na medida em que permite ao seu
titular paralisar eficazmente um direito da contraparte.
Não se confunda com a caducidade ou o não uso [art. 298º]. Quando um
direito deva ser exercido num lapso de tempo, a situação é qualificável de
caducidade, a não ser que a lei refira expressamente a prescrição. Quanto ao não
uso, constitui uma causa de extinção privativa dos direitos reais de gozo.
Assim, sempre que não exista um prazo especial de exercício, seja ele legal
ou convencional [caducidade], e não se esteja perante um direito real de gozo [não
uso], ou perante um direito indisponível [art. 298º-1], aplicam-se as regras da
prescrição [arts. 300ºss], maxime o prazo ordinário de prescrição de 20 anos [art.
309º].
§2: MODALIDADES. A prescrição pode ser:
Comum: funda-se no não exercício de um direito durante um
lapso de tempo, podendo o devedor recusar o cumprimento [art.
304º-1].
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
Presuntiva: funda-se na presunção de que, após um certo lapso de
tempo, já se ter verificado o cumprimento da obrigação [art.
312º].
o Esta presunção só pode ser ilidida por confissão do
devedor originário, expressa ou tácita [arts. 313º e 314º].
§3: REGIME LEGAL. O regime legal da prescrição é imperativo [art. 300º],
pelo que são nulos os negócios jurídicos destinados a modificar os prazos legais.
Carece de invocação [art. 303º] por aquele a quem aproveita, não resultando
automaticamente do decurso do prazo. Caso o devedor não invoque a prescrição
quando demandado judicialmente pelo credor, o tribunal deve condená-lo no
cumprimento [excepção peremptória extintiva].
Caso o devedor cumpra a obrigação, embora prescrita, não pode prevalecer-
se da repetição do indevido [restituição], uma vez que o cumprimento de obrigação
prescrita consiste numa obrigação natural, judicialmente inexigível [arts. 304º-2 e
402º].
A prescrição é renunciável, mas apenas uma vez decorrido o prazo
prescricional [art. 302º-1].
Além do devedor, a prescrição pode ser invocada pelos seus credores e
quaisquer terceiros com legítimo interesse na sua declaração [art. 305º-1].
Impossibilidade Superveniente da Prestação
POR CAUSA NÃO IMPUTÁVEL AO DEVEDOR
§1: NOÇÃO. A impossibilidade da prestação é causa de extinção das
obrigações quando superveniente, objectiva, absoluta e definitiva [arts. 790ºss].
Superveniente: a impossibilidade ocorre após a constituição da
dívida.
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
o Se a impossibilidade fosse original, o negócio considerar-
se-ia nulo por impossibilidade do objecto [arts. 280º-1 e
401º-1], pelo que a obrigação não chega sequer a
constituir-se.
Objectiva [salvo nas obrigações de prestação infungível]: a
impossibilidade tem que dizer respeito à prestação em si,
independentemente da pessoa que a realizar [a prestação
impossibilita-se uma vez que nem o devedor, nem qualquer outra
pessoa, está em condições de realizar a prestação].
o Se a impossibilidade fosse subjectiva, o devedor deveria
fazer-se substituir por outra pessoa no cumprimento [vg
advogado que adoece na véspera do julgamento, art. 767º-
1].
o No caso de prestação infungível, a impossibilidade
subjectiva produz igualmente a extinção da obrigação [art.
767º-2 e 791º].
Absoluta: a prestação torna-se efectivamente irrealizável.
o Se a impossibilidade fosse relativa, não importaria a
extinção da obrigação, embora pudesse desencadear o
instituto da alteração das circunstâncias, infra.
Definitiva:
o Se a impossibilidade fosse temporária, o devedor não
responde pelo atraso no cumprimento [art. 792º-1], mas
continua adstrito à realização da prestação. Se o credor
perder o interesse na realização da prestação, a
impossibilidade temporária é convertida em definitiva
[nº2].
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
Se a impossibilidade revestir estas características, a obrigação extingue-se
[art. 790º-1], liberando o devedor da prestação e correndo o risco por conta do
credor, que perde o seu direito de crédito.
Tratando-se de impossibilidade parcial, o devedor exonera-se mediante a
prestação do que for possível, devendo ser proporcionalmente reduzida a prestação
da contraparte [art. 793º-1], salvo perda de interesse do credor [nº2].
Se, em virtude do facto que tornou impossível a prestação, o devedor
adquiriu algum direito sobre certa coisa, em substituição do objecto da prestação,
pode o credor exigir a prestação dessa coisa [art. 794º: commodum de
representação]. Esta figura destina-se a corrigir o enriquecimento obtido pelo
devedor em consequência da impossibilidade da prestação [vg seguro ou subsídio]
– o devedor não sofre prejuízos, uma vez que ficou exonerado da sua obrigação.
§2: FRUSTRAÇÃO DO FIM DA PRESTAÇÃO E PERDA DO INTERESSE DO
CREDOR. Se a conduta a que o devedor se vinculou ainda for possível de realizar,
mas há perda do interesse do credor ou satisfação do mesmo por outra via, não há
qualquer impossibilidade [MENEZES LEITÃO], uma vez que a acção abstracta de
prestar se mantém como possível. No entanto, justifica-se a equiparação destas
situações à impossibilidade, já que o credor não retira qualquer benefício da acção
do devedor, nem tem qualquer interesse na realização da prestação [art. 398º-2].
§3: DISTRIBUIÇÃO DO RISCO. Já supra §1 foi mencionado que, tornando-se
a prestação impossível em termos objectivos, supervenientes, absolutos e
definitivos, o devedor exonera-se da mesma e o risco corre por conta do credor [art.
790º-1].
Todavia, o regime da impossibilidade apresenta especificidades quanto à
distribuição do risco, maxime tratando-se de contratos bilaterais/sinalagmáticos
[cujo princípio da interdependência de prestações impede que uma possa ser
realizada sem que a outra o seja também].
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
Por força do sinalagma, a impossibilidade afecta ambas as partes, pelo que o
credor fica desobrigado da contraprestação e tem o direito, se já a tiver realizado,
de exigir a sua restituição nos termos previstos para o enriquecimento sem causa,
com fundamento no desaparecimento superveniente da causa para a recepção da
prestação – condictio ob causam finitam [arts. 473º-2 e 795º-1]. A impossibilidade
de uma das prestações extingue todo o contrato, por caducidade, e o risco é
distribuído por ambas as partes através da extinção recíproca das suas obrigações.
Não haverá lugar à extinção do direito do credor à contraprestação no caso de este
pretender exercer o direito de commodum de representação [art. 794º], supra §1.
Se a prestação se tornar impossível por causa imputável ao credor, este não
fica desobrigado da contraprestação [art. 795º-2].
Tratando-se de contrato sinalagmático, e havendo frustração do fim da
prestação ou realização do interesse do credor por outra via [supra §2], o devedor
deve ser exonerado e, por outro lado, compensado pelas despesas que haja
efectuado, segundo MENEZES LEITÃO [com recurso à aplicação analógica do art.
1227º, e não do regime da gestão de negócios, como propugna ANTUNES
VARELA].
A distribuição do risco [por impossibilidade, perecimento ou deterioração da
coisa] é também específica quanto a contratos reais de alienação. A regra geral
[brocardo res perit domino] é a de que o risco pelo perecimento ou deterioração da
coisa cabe ao que for proprietário dela, no momento em que tal evento se verifica
[art. 796º-1]: o devedor fica exonerado da sua obrigação, mas o credor, por conta
do qual corre o risco, continua onerado com a sua contraprestação. Com efeito, o
risco é associado ao proveito que se retira da coisa, o qual compete, em princípio,
ao proprietário.
Para efeitos de aferição do momento da transferência do direito real,
importa recordar o teor do art. 408º: tratando-se de coisas determinadas, a
transferência da propriedade e, consequentemente, do risco, dá-se por mero efeito
do contrato. Se, porém, o contrato respeitar a coisas futuras, indeterminadas, frutos
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
naturais ou partes integrantes de uma coisa, a transferência é diferida para
momento posterior:
Coisas futuras: quando se der a aquisição da coisa pelo alienante.
Coisas indeterminadas: quando a coisa for determinada com
conhecimento de ambas as partes, salvo obrigações genéricas
[quando se der a concentração da obrigação, arts. 540º e 541º].
o Tratando-se de promessa de envio [art. 797º], a
transferência do risco dá-se com a entrega ao
transportador da coisa. Esta norma apenas se aplica às
obrigações genéricas [art. 541º], uma vez que quando a
coisa seja determinada, a transferência do risco dá-se com
a celebração do contrato, muito antes do envio.
Frutos naturais ou partes integrantes de uma coisa: aquando da
colheita ou da separação.
Se, porém, a coisa tiver continuado em poder do alienante em consequência
de termo estabelecido a seu favor, o risco só se transfere com o vencimento do
termo ou a entrega da coisa – vg A vende um quadro mas entrega-o apenas um
mês mais tarde, para exibi-lo numa exposição [art. 796º-2]; se o mesmo vier a ser
destruído, em virtude de incêndio na galeria, vg, é A, o vendedor, que suporta o
risco. A ressalva quanto ao disposto no art. 807º [art. 796º-2, in fine] justifica-se na
medida em que, se o alienante se constituir em mora quanto à obrigação de
entrega, esta acarreta a inversão do risco.
Cumpre estabelecer a distinção entre duas situações [art. 796º-3]:
Contrato sujeito a condição resolutiva: o risco corre por conta do
adquirente se a coisa lhe tiver sido entregue.
o A condição resolutiva não impede a transmissão da
propriedade [art. 1307º-1].
o A entrega da coisa faz supor que é o adquirente quem está
a tirar proveito da mesma, justificando-se que seja ele a
suportar o risco
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
Contrato sujeito a condição suspensiva: o risco corre por conta do
alienante.
o A propriedade ainda não se transmitiu, uma vez que tal
transmissão é apenas eventual. Não se justifica, por isso,
que seja o adquirente a suportar o risco, mesmo que a
coisa lhe haja sido entregue, já que é mero detentor.
Alteração das Circunstâncias
§1: NOÇÃO. O instituto da alteração das circunstâncias [art. 437º] implica a
contradição entre dois princípios jurídicos:
Princípio da autonomia privada: exige o pontual cumprimento dos
contratos livremente celebrados
Princípio da boa fé: não é lícito a uma das partes exigir da outra o
cumprimento das suas obrigações quando se assista a uma
alteração do status quo que leve a um desequilíbrio entre
prestações.
No âmbito do art. 437º deparamo-nos com uma concepção objectiva deste
instituto, uma vez que se referem as circunstâncias efectivamente existentes no
momento da celebração do contrato. Quando, todavia, contrapomos essa
disposição ao teor do art. 252º-2, acerca do erro sobre a base do negócio e da
remissão para o regime da alteração das circunstâncias, não podemos deixar de
concluir por uma concepção subjectiva do mesmo [falsa representação sobre essas
circunstâncias]. MENEZES CORDEIRO e OLIVEIRA ASCENSÃO rejeitam este
entendimento, pondo em causa a remissão do art. 252º-2 para o regime da
alteração das circunstâncias, antes reconduzindo a questão para um problema de
erro, nos termos gerais, com consequente anulação do negócio jurídico, e não
resolução ou modificação segundo juízos de equidade.
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
§2: REQUISITOS. A aplicação da alteração das circunstâncias é possível,
verificados os seguintes requisitos:
Existência de uma alteração das circunstâncias face àquelas em
que as partes fundaram a sua decisão de contratar:
o Apenas são relevantes as alterações das circunstâncias
efectivamente existentes à data da celebração do contrato,
e que tenham sido causais em relação à sua celebração
pelas partes [base do negócio objectiva].
o São irrelevantes: casos de falsa representação quanto às
circunstâncias [meros problemas de erro, anuláveis: cfr.
supra §1]
Carácter anormal dessa alteração:
o Imprevisibilidade: vg revolução ou estado de sítio,
alterações legislativas inesperadas.
Alteração lesiva para uma das partes:
o Surge um desequilíbrio entre as prestações contratuais.
Lesão de tal gravidade que se apresente como contrária à boa fé
a exigência do cumprimento das obrigações assumidas:
o Este instituto apresenta-se como uma modalidade
específica de abuso do direito [de crédito - art. 334º].
o A alteração das circunstâncias não pode ser invocada
quanto a contratos já executados [MENEZES CORDEIRO].
Que não se encontre coberta pelos riscos próprios do contrato:
o Cada decisão de contratar envolve uma assunção de
riscos, pelo que só será considerada alteração das
circunstâncias quando a lesão não se reconduza ao círculo
de riscos considerados como normais daquele contrato.
o Exclui-se a aplicação deste instituto nos contratos
aleatórios, em que não haja limites quanto aos riscos
assumidos pelas partes.
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
§3: MORA DA PARTE LESADA. O art. 438º nega à parte lesada o direito à
resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias se se
encontrava em mora no momento em que essa alteração se verificou.
Coerentemente, a mora do devedor provoca uma inversão do risco da prestação
[art. 807º]. Nestes termos, se o devedor, por causa que lhe é imputável, não
cumprir na data aprazada, entende-se que assume o risco de verificação de
posteriores desequilíbrios contratuais.
Ressalve-se o regime previsto no art. 830º-3, 2ª parte, que estabelece que,
na acção de execução específica, a sentença pode determinar a modificação do
contrato [e não a resolução] nos termos do art. 437º, ainda que a alteração das
circunstâncias seja posterior à mora – nos casos de contratos-promessa de venda
de edifícios ou fracções autónomas.
§4: EFEITOS. A alteração das circunstâncias origina um desequilíbrio
contratual, que cumpre colmatar. Tal é fundamento bastante para a resolução do
contrato, nos termos do art. 432º-1 [art. 437º-1], ou a modificação do mesmo
segundo juízos de equidade.
Optando-se pela resolução do contrato, aplicam-se as regras desta [art.
439º]: efeito retroactivo, com a ressalva face aos contratos de execução continuada
ou periódica [sem que abranja as prestações já realizadas, art. 434º-2]
Todavia, entende MENEZES LEITÃO que a resolução não tem que ser
requerida em juízo [contra ALMEIDA COSTA], com base no disposto no art. 436º-1,
ex vi art. 439º, bastando a mera declaração à contraparte, nos termos gerais.
Optando-se pela modificação segundo juízos de equidade, propõe MENEZES
CORDEIRO que se procure a reposição do equilíbrio contratual, tomando em
atenção a vontade das partes no contrato e a eficácia concreta da alteração na
esfera da parte lesada.
Cumprimento
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
§1: NOÇÃO. O cumprimento consiste na realização da prestação devida,
pelo devedor [art. 762º-1]. A obrigação extingue-se através da satisfação do
interesse do credor, com a consequente liberação do devedor.
O cumprimento é, com efeito, a causa normal de extinção das obrigações,
através da concretização da conduta a que o credor tinha direito.
§2: PRINCÍPIOS GERAIS. Segundo MENEZES LEITÃO, o regime do
cumprimento das obrigações deve obedecer aos seguintes princípios:
Princípio da pontualidade [arts 406º-1 e 762º-1]:
o Consagrado a propósito dos contratos [art. 406º-1], este
princípio deverá ser aplicável a todas as obrigações [GALVÃO
TELLES].
o Pressupõe a exigência de uma correspondência integral em
todos os aspectos, e não apenas quanto ao momento de
celebração do contrato [pontualidade stricto sensu]:
cumprimento ponto por ponto, enfim, e não somente
cumprimento no tempo devido.
o Proíbem-se quaisquer alterações à prestação devida, sob pena
de cumprimento defeituoso. Com efeito, o credor não pode ser
constrangido a receber do devedor coisa ou serviço diferente
do que fora inicialmente convencionado [aliud pro alio], ainda
que possua um valor superior ao da prestação devida.
Princípio da integralidade [art. 763º-1]:
o O devedor deve realizar a prestação de uma só vez, ainda que
se trate de prestação divisível [susceptível de ser fraccionada
sem prejuízo para o interesse do credor].
o Considera-se que o comando de realizar a prestação é
unitário, para o devedor, uma vez que é do interesse do
credor receber a prestação de uma só vez.
33
Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
o Norma supletiva, admitindo-se estipulação em contrário [vg
art. 934º, venda a prestações], caso em que o cumprimento
deve ser fraccionado, e não realizado por inteiro [sob pena de
enriquecimento do credor, art. 476º-3].
o Poderá haver lugar ao pagamento parcial, de igual modo,
quando tal resulte dos usos: vg caso o montante em falta
tenha valor desprezível, sendo contrária à boa fé a
inviabilização da prestação, pelo credor [art. 762º-2].
Princípio da boa fé [art. 762º-2]:
o Tanto no cumprimento da obrigação, como no exercício do
direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé.
o Não basta, com isto, a mera realização da prestação devida
em termos formais, mas antes o respeito dos ditames da boa
fé [por quem executa e por quem exige a prestação].
o Deveres acessórios de conduta: protecção, informação e
lealdade, cujo não acatamento, embora não legitime o recurso
à acção de cumprimento [art. 817º], pode implicar uma
situação de responsabilidade civil, e fundamentar o direito de
indemnização, verificados os pressupostos gerais [dano e
nexo de causalidade].
Princípio da concretização:
o A vinculação do devedor deve ser concretizada numa conduta
real e efectiva, com respeito pelos pressupostos de
cumprimento [capacidade e legitimidade das partes e
disponibilidade da coisa] e pela disciplina da sua forma de
realização [lugar e tempo do cumprimento].
Aos quais ROMANO MARTINEZ acrescenta:
Princípio da capacidade para efectuar o cumprimento e receber a
prestação [art. 764º]
34
Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
Princípio da legitimidade para efectuar a prestação [arts. 765º-2 e
767º]
Princípio da legitimidade para receber a prestação [arts. 769º-771º
Estes princípios serão estudados infra, separadamente.
§3: CAPACIDADE PARA O CUMPRIMENTO. Não se exige a capacidade do
devedor, a menos que a própria prestação consista num acto de disposição [art.
764º]. A prestação poderá, assim, ser realizada pelo devedor incapaz [vg
prestações de facto material como a pintura de uma casa ou prestações de facto
negativo como a não construção de um muro].
A capacidade do devedor será exigida se a prestação consistir num acto de
disposição, maxime quando o cumprimento implica a celebração de um novo
negócio jurídico [vg contrato prometido em relação ao contrato-promessa] ou dele
resulte directamente a alienação ou oneração do património do devedor [vg escolha
da prestação, nas obrigações genéricas e alternativas]. Nestes casos, deve o
cumprimento ser realizado pelo representante do incapaz, nos termos gerais, sob
pena de anulação [arts. 125º e 139º]. O credor pode opor-se ao pedido de anulação
se o devedor não tiver tido prejuízo com o cumprimento [exceptio doli, art. 764º-1,
in fine].
Sendo a prestação realizada por terceiro, esta consistirá sempre num acto
de disposição, uma vez que o terceiro não se encontra vinculado à sua realização
por um negócio jurídico anterior – a capacidade de terceiro é, pois, sempre exigível.
Quanto ao credor, este deve ser sempre capaz, sob pena de destruir o
objecto da prestação ou de não tirar qualquer proveito com o cumprimento. Se a
prestação for realizada a credor incapaz, o seu representante legal poderá requerer
a sua anulação, e a realização de nova prestação pelo devedor [nº2]. Do mesmo
modo, pode o devedor opor-se ao pedido de anulação da prestação realizada ou de
nova prestação, invocando, aqui, uma excepção fundada no princípio da proibição
do enriquecimento injustificado, impedindo que o credor incapaz enriqueça com a
nova prestação.
35
Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
§4: DISPONIBILIDADE DA COISA. O devedor tem que ser titular da coisa
dada em prestação, a fim de realizar eficazmente o cumprimento.
Nestes termos, se o credor, de boa fé, receber a prestação da coisa que o
devedor não possa alhear, pode impugnar o cumprimento [art. 765º-1], seja alheia
a coisa, ou própria de que o devedor não possa dispor. Compreende-se esta
solução: de outro modo, o credor estaria sempre sujeito à possibilidade de ver a
coisa reivindicada pelo seu legítimo proprietário, ou o cumprimento anulado.
Ao devedor já não assiste o mesmo direito de impugnação, esteja ele de boa
ou de má fé [nº2], a menos que possa oferecer imediatamente nova prestação em
substituição da anteriormente realizada.
§5: LEGITIMIDADE PARA O CUMPRIMENTO. Geralmente, o cumprimento
verifica-se com a realização da prestação pelo devedor ou pelo credor. Todavia,
admite-se que a prestação seja realizada por um terceiro, nos seguintes termos:
Legitimidade activa [autor da prestação: solvens]
o O princípio da legitimidade activa é generalizado a todas
as pessoas, tenham elas interesse directo no cumprimento
da obrigação, ou não [art. 767º-1].
o Ainda assim, o credor só pode exigir a prestação do
devedor, embora não se possa opor à sua realização por
terceiro, sob pena de incorrer em mora perante o devedor
como se tivesse recusado a prestação deste [arts. 768º-1 e
813º]. O credor só poderá recusar a prestação, neste caso,
se o devedor se opuser ao cumprimento, desde que o
interesse não tenha interesse directo na satisfação do
crédito, vg por ter garantido a obrigação [arts. 768º-2 e
592º].
o O terceiro não poderá cumprir se a prestação for
infungível, por natureza ou por convenção das partes [nº2].
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
Neste caso, o credor pode recusar a prestação de terceiro
e exigir que seja realizada pessoalmente pelo devedor.
O cumprimento por terceiro provoca os seguintes efeitos:
o A obrigação extingue-se
o O devedor libera-se
o Eventualmente:
Doação indirecta do terceiro ao devedor, quando
cumpra com espírito de liberalidade [art. 940º] – o
terceiro nada vai adquirir.
Transmissão do crédito para o terceiro por sub-
rogação, arts. 589ºss – o pagamento é visto como
um facto determinante da transmissão do crédito,
adquirindo o terceiro o mesmo direito que o credor
possuía [art. 593º].
Obtenção de um direito de reembolso de despesas
[vg gestão de negócios ou mandato, arts. 464ºss e
1157ºss] – o pagamento é juridicamente
considerado um acto jurídico alheio, realizado por
conta do devedor.
Restituição do enriquecimento por prestação, caso
o terceiro haja cumprido por se julgar erroneamente
vinculado para com o credor [art. 477º] ou devedor
[art. 478º] – sem que exista causa jurídica para essa
realização.
Restituição do enriquecimento por despesas, em
caso de pagamento de dívida alheia, sem que se
verifique nenhuma das situações supra –
verificando-se proveito para o devedor.
Legitimidade passiva [receptor da prestação: accipiens]:
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
o A legitimidade para receber a prestação é estabelecida em
termos mais restritivos [art. 769º]: a prestação deve ser
feita ao credor ou ao seu representante, e, em princípio, só
estes têm legitimidade para a receber.
o Todas as outras pessoas são considerados terceiros, pelo
que a realização da prestação a estes não comportará a
extinção da obrigação. Com efeito, o devedor poderá ser
condenado a realizá-la uma segunda vez.
o Tratando-se de credor incapaz, é apenas ao representante
legal que a prestação deverá ser efectuada, sob pena de
anulação do cumprimento, nos termos do art. 764º-2.
o Tratando-se de representação voluntária, o devedor não é
obrigado a satisfazer a prestação ao representante do
credor, salvo convenção nesse sentido [art. 771º] –
MENEZES LEITÃO critica esta solução, uma vez que
contraria as tendências da actual sociedade económica,
fazendo aplicar o regime da mora do credor [art. 813º], ao
invés de permitir a aceitação de prestações recebidas
mediante procuração.
o O devedor pode recusar a prestação perante o
representante voluntário [PIRES DE LIMA e ANTUNES
VARELA interpretam restritivamente esta disposição, não
aplicável ao núncio nem ao encarregado de cobrança,
contra MENEZES LEITÃO].
A realização da prestação a terceiro comporta os seguintes efeitos:
o A obrigação não se extingue [art. 770º, proémio], podendo
o autor/devedor da prestação exigir a sua restituição com
fundamento no enriquecimento por prestação [art. 476º-2].
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
o Excepções – casos em que a obrigação se extingue com a
recepção por terceiro, adquirindo este legitimidade para tal
[art. 770º]:
a): estipulação ou consentimento pelo credor
b): ratificação pelo credor, expressa ou tácita
[o terceiro adquire legitimidade
superveniente]
c): aquisição posterior do crédito pelo
terceiro
d): o credor não tem interesse em novo
cumprimento da obrigação
e): o credor é herdeiro de quem recebeu a
prestação
f): se a lei considerar liberatória a prestação
feita a terceiro, por outro motivo
§6: TEMPO DO CUMPRIMENTO. No âmbito do tempo do cumprimento
[arts. 777ºss], a doutrina distingue:
Momento em que o devedor pode cumprir a obrigação: forçando o
credor a receber a prestação, sob pena de este entrar em mora
[arts. 813ºss].
o Pagabilidade do débito [art. 777º-1, 1ª parte]
Momento em que o credor pode exigir do devedor a realização da
prestação: sob pena de o devedor entrar em mora [arts. 804ºss].
o Exigibilidade ou vencimento do débito [art. 777º-1, 2ª
parte]
A este respeito, cumpre reter a seguinte contraposição:
Obrigações puras: cujo cumprimento pode ser exigido ou realizado
a todo o tempo.
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
o Regra geral, as obrigações são puras, uma vez que não
têm prazo certo estipulado.
o O credor tem direito de exigir a todo o tempo o
cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a
todo o tempo exonerar-se dela [art. 777º-1].
o O devedor apenas entra em mora com a exigência de
cumprimento pelo credor [interpelação, art. 805º-1].
Obrigações a prazo: cuja exigibilidade ou possibilidade de
realização do pagamento é diferida para momento posterior.
o Prazo de cumprimento por estipulação das partes ou
disposição especial da lei [art. 777º-1, 1ª parte] –
obrigações com prazo certo
o O decurso do prazo constitui o devedor em mora [art.
805º-2a].
o Mesmo que as partes não tenham estipulado prazo, e na
omissão da lei, casos há em que a obrigação não pode ser
tida como pura, carecendo de prazo: quer pela própria
natureza da prestação, quer pelas circunstâncias que a
determinaram ou pelos usos. Neste caso, cabe ao tribunal
a fixação de prazo [art. 777º-2].
A determinação do prazo do cumprimento pode ser deixada ao critério de
uma das partes: o credor ou o devedor.
Quando o credor não use a faculdade que lhe foi concedida, deve
o tribunal fixar o prazo, a requerimento do devedor [art. 777º-3].
Quando o prazo seja deixado ao critério do devedor, a lei
distingue:
o Critério objectivo [vg capacidade económica do devedor] –
obrigações cum potuerit/quando puder [art. 778º-1].
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
o Critério subjectivo [vg se aprouver ao devedor realizar a
prestação nesse momento] – obrigações cum
voluerit/quando quiser [art. 778º-2].
A possibilidade de a prestação ser realizada ou exigida em momento
posterior constitui um benefício. A parte a quem é atribuído o benefício do prazo
pode renunciar a ele, podendo realizar a prestação antes do fim do prazo ou exigi-la
a todo o tempo, consoante respeite ao devedor ou ao credor, respectivamente.
Sendo assim, eis a quem pode competir o benefício do prazo [art. 779º]:
Ao devedor: regra geral
o O credor não pode exigir a prestação antes do fim do prazo
o O devedor tem o direito de proceder à sua realização a
todo o tempo, renunciado ao benefício do prazo, sem que o
credor a tal se possa opor, sob pena de mora do mesmo
[art. 813º]
o Há pagabilidade, mas não exigibilidade
o O devedor perde o benefício do prazo caso a sua situação
patrimonial se altere [insolvência] ou pratique algum acto
incompatível com a confiança do credor [diminuição das
garantias do crédito e não realização de uma prestação
nas dívidas a prestações] – o credor pode, nestes casos,
exigir o cumprimento imediato da obrigação [arts. 780º e
781º], uma vez que foi posta em causa a confiança do
credor na solvabilidade do devedor.
Ao credor [vg depósito, art. 1194º]
o O credor tem a faculdade de exigir a prestação a todo o
tempo
o O devedor só tem a possibilidade de cumprir no fim do
prazo
o Há exigibilidade, mas não pagabilidade
A ambos [vg mútuo oneroso, art. 1147º]
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
o Nenhuma das partes tem a faculdade de determinar a
antecipação do cumprimento
o O decurso do prazo funciona para a pagabilidade e
exigibilidade
§7: LUGAR DO CUMPRIMENTO. As regras que regulam o lugar onde deve
ser realizada a prestação são supletivas [arts. 772ºss], cedendo perante estipulação
contrária das partes e disposições especiais, previstas ao longo do CC [vg art. 885º-
o lugar do pagamento do preço é o mesmo da obrigação de entrega da coisa].
Doutrinariamente temos:
Obrigações de colocação:
o O devedor deve apenas colocar a prestação à disposição
do credor no seu próprio domicílio ou noutro lugar.
o Ao credor cabe o ónus de levantar a prestação fora do seu
domicílio – pelo não levantamento, o devedor não pode ser
responsabilizado, uma vez que se trata de mora do credor
[art. 813º].
Obrigações de entrega:
o O devedor tem efectivamente que entregar a coisa ao
credor no domicílio deste, ou no lugar por este acordado,
sob pena de mora do devedor [art. 804º].
Nos dois casos, o lugar da prestação coincide com o lugar do resultado.
Obrigações de envio:
o Situação intermédia: o devedor, embora não se limite a
colocar a coisa à disposição do credor, também não tem
que lhe assegurar a sua entrega efectiva.
o O devedor está apenas obrigado a enviar a coisa para o
domicílio do credor, sendo o transporte da conta e risco
deste.
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
o O local do cumprimento é aquele onde o devedor procede
à entrega ao transportador. Se o transporte se atrasar ou a
coisa se perder ou se deteriorar, o risco corre por conta do
credor [art. 797º]. Ainda assim, a obrigação só se extingue
a partir do momento em que o credor recebe a coisa
enviada.
o Há uma diferenciação entre o lugar da prestação e o lugar
do resultado da mesma.
A determinação do lugar do cumprimento cabe, em princípio, às partes [art.
772º-1, 1ª parte], seja por convenção expressa ou tácita [art. 217º]. Exemplo:
resulta da própria natureza da prestação que o lugar do cumprimento da prestação
de pintar uma casa seja nessa mesma casa, vg.
Na falta de convenção das partes, a regra geral é que o cumprimento seja
realizado no domicílio do devedor: favor debitoris [art. 772º-1] – obrigações de
colocação. O credor tem, assim, o ónus de se deslocar ao domicílio do devedor para
obter a prestação.
Se, por outro lado, a obrigação tiver por objecto a entrega de uma coisa
móvel, a regra é a de que a obrigação seja cumprida no lugar onde a coisa se
encontrava ao tempo da conclusão do negócio, seja essa coisa determinada [art.
773º-1] ou genérica [nº2]. Ainda assim, a obrigação é de colocação, uma vez que o
credor deve ainda deslocar-se.
Se a obrigação tiver por objecto certa quantia de dinheiro [obrigações
pecuniárias], deve ser cumprida no domicílio que o credor tiver ao tempo do
cumprimento [art. 774º] – obrigações de entrega, face à facilidade das
transferências de dinheiro. Durante o transporte e até à entrega ao credor, o risco
corre por conta do devedor.
A alteração do domicílio das partes pode não significar necessariamente a
alteração do local de cumprimento, sempre que a parte lesada sofra prejuízos com
essa alteração:
Obrigações de colocação [art. 772º-2]:
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
o Se ocorrer mudança do domicílio do devedor depois da
constituição da obrigação, o cumprimento é realizado no
novo domicílio, salvo prejuízo para o credor.
Obrigações de entrega [art. 775º]:
o Se ocorrer mudança do domicílio do credor depois da
constituição da obrigação, o cumprimento é realizado no
domicílio do devedor.
o A obrigação de entrega converte-se em obrigação de
colocação.
Quanto à impossibilidade de realização da prestação no lugar fixado, quando
seja essencial em relação à própria prestação [vg por destruição do edifício ou
alterações climatéricas que impossibilitam espectáculo ao ar livre]:
Se a impossibilidade já existia no momento da conclusão do
negócio: nulidade [arts. 280º-1 e 401º] – impossibilidade
originária.
Se a impossibilidade é posterior à celebração do negócio: extinção
da obrigação [art. 790º] – impossibilidade superveniente.
o Contratos bilaterais/sinalagmáticos: perda do direito à
contraprestação.
Diferentemente, se o lugar do cumprimento não aparecer como essencial
em relação à obrigação, a obrigação não se considera extinta, devendo a prestação
ser realizada noutro lugar [art. 776º]:
Havendo lacuna negocial, a mesma será integrada de harmonia
com a vontade hipotética das partes [art. 239º].
Aplicar-se-iam as regras supletivas dos arts. 772ºss – foi esta a
solução legal consagrada no art. 776º. Se, ainda assim,
permanecer alguma lacuna negocial, caberá recurso à integração
dos negócios jurídicos, nos termos do art. 239º.
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
§8: IMPUTAÇÃO DO CUMPRIMENTO. Quando existam várias dívidas e a
prestação prestada não chegue para as extinguir a todas, ao devedor cabe a
faculdade de imputação do cumprimento, i.e., a escolha das dívidas a que o
cumprimento se refere [art. 783º-1]. Esta regra comporta excepções, a reter:
O devedor não pode imputar o cumprimento numa dívida ainda
não vencida, se o prazo tiver sido estabelecido em benefício do
credor [nº2, 1ª parte].
o Regra geral: o prazo é estabelecido em benefício do
devedor [art. 779º] – o devedor pode antecipar o
cumprimento, livremente.
o Prazo estabelecido em benefício do credor: este pode
recusar a antecipação do cumprimento, pelo devedor.
o O mesmo se diga se o prazo for estipulado em benefício de
ambas as partes [MENEZES LEITÃO].
O devedor não pode imputar o cumprimento numa dívida de
montante superior à prestação efectuada, sempre que o credor
tenha a faculdade de recusar o pagamento parcial [nº2, 2ª parte].
o Princípio da integralidade da prestação [art. 763º-1].
O devedor não pode imputar o cumprimento numa dívida de
capital, enquanto estiver obrigado a pagar também despesas,
indemnização moratória ou juros [art. 785º-2].
Caso o devedor não efectue a designação, cabe aplicação das regras
supletivas do art. 784º, não podendo o credor substituir-se ao devedor na
imputação.
§9: PROVA DO CUMPRIMENTO. A prova do cumprimento compete, em
princípio, ao devedor, uma vez que o cumprimento constitui um facto extintivo do
direito do credor que deve ser demonstrado pela parte contra quem o crédito é
invocado [art. 342º-2].
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
Todavia, o cumprimento não pode ser provado mediante prova testemunhal
[art. 395º], pelo que se recomenda que o autor do cumprimento exija do credor
uma declaração escrita [quitação ou recibo, quando conste de documento avulso]
de que recebeu a prestação em dívida – o devedor encontra-se “quite” para com o
credor [art. 787º].
Por vezes a lei presume já ter ocorrido o cumprimento, em virtude de já ter
decorrido determinado prazo sobre a constituição da obrigação [arts. 312ºss,
prescrições presuntivas].
§10: NATUREZA JURÍDICA DO CUMPRIMENTO. Quanto à natureza jurídica
do cumprimento, a nossa lei consagrou expressamente [art. 762º-1] a teoria da
realização real da prestação, defendida por LARENZ, nos termos da qual será
suficiente, para o cumprimento, a obtenção do resultado da prestação através do
acto de prestar do devedor que corresponda à prestação devida.
Rejeita-se, assim, qualquer carácter negocial ao cumprimento, uma vez que
se trata de um simples acto devido, de cariz real ou material. Refere GALVÃO
TELLES que no cumprimento não se inova, mas somente se executa: acto real de
liquidação, que não exige qualquer exteriorização do animus solvendi.
Causas de Extinção das Obrigações além do Cumprimento
§1: DAÇÃO EM CUMPRIMENTO E DAÇÃO PRO SOLVENDO. A dação em
cumprimento [arts. 837ºss] consiste numa causa de extinção das obrigações
através da prestação de coisa diversa da que era devida, ainda que de valor
superior, com assentimento do credor.
Desta primeira noção, podemos concluir pelos seguintes pressupostos:
Realização de uma prestação diferente da que foi devida:
46
Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
o A prestação que o devedor realiza não coincide com aquela
a que está vinculado, pelo que não cabe exoneração, nos
termos do art. 762º-1 – realiza um aliud em relação ao que
estava originariamente vinculado.
o Não há qualquer limitação: o art. 837º respeita tanto a
obrigações de prestação de coisa específica, como a
obrigações de prestação de coisa fungível, obrigações
pecuniárias, genéricas, prestação de facto ou de facere.
Exemplo: em lugar da entrega de um automóvel, pode
haver cumprimento mediante entrega de quantia
monetária ou de um barco, vg.
o Essa prestação não corresponde, todavia, a uma nova
obrigação assumida pelo credor [vs novação, art. 857º].
o A prestação deve ser definitivamente realizada, não sendo
suficiente a mera celebração do acordo transmissivo do
direito [vs art. 408º-1].
Acordo do credor relativo à exoneração do devedor com essa
prestação:
o Brocardo aliud pro alio: a outra prestação, mesmo que de
valor superior, pode não corresponder ao interesse do
credor.
o Obrigação solidária: a dação em cumprimento pode ser
realizada apenas por um dos devedores [art. 523º] e/ou
apenas a um dos credores [art. 532º] – dependendo da
solidariedade ser passiva ou activa, respectivamente.
A dação em cumprimento determina a extinção da obrigação [art. 837º],
com a consequente exoneração do devedor. Em regime de solidariedade, a
realização da prestação por um dos condevedores determina a extinção da
obrigação para com os restantes. O mesmo se diga quanto à solidariedade activa
[extinção da obrigação do devedor para com todos os credores].
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
Se a dívida a extinguir não existia, cabe a repetição do indevido, nos termos
gerais [art. 476º-1]. Diferentemente, se a dação em cumprimento for inválida, a
relação obrigacional primitiva continua a subsistir, salvo verificação de facto
extintivo autónomo [vg prescrição]. Se a causa de invalidade for imputável ao
credor [vg simulação, dolo ou coacção] não renascem as garantias prestadas por
terceiro de boa fé [art. 839º].
Quanto à natureza jurídica desta figura, MENEZES LEITÃO concorda com o
entendimento de MENEZES CORDEIRO, segundo o qual se recusa a integração da
dação em cumprimento noutras categorias, limitando-se a qualificá-la como uma
forma convencional de extinção das obrigações através da realização de uma
prestação diversa da devida.
A dação pro solvendo [art. 840º], ou dação em função do cumprimento,
consiste na execução de uma prestação diversa da devida, para que o credor
proceda à realização do valor dela e, com isso, obtenha a satisfação do seu crédito
[através da transformação em dinheiro da prestação realizada]. Cumpre, pois,
distinguir:
Dação pro solvendo:
o A realização da prestação diversa da devida não visa obter
a imediata exoneração do devedor, mas antes
proporcionar ao credor uma forma mais fácil de obter a
satisfação do seu crédito: o crédito subsiste até que o
credor venha a realizar o valor dele [vg através da venda
do bem entregue, da cobrança do crédito ou do
cumprimento da dívida].
o Não se verifica uma causa distinta de extinção das
obrigações, mas sim de um meio de facilitar o
cumprimento das obrigações: trata-se de um negócio
preparatório do cumprimento.
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
o É a actuação do credor que extingue a obrigação, em
cumprimento de um encargo que lhe é conferido pelo
devedor.
Dação em cumprimento:
o A realização da prestação diversa da devida visa obter a
imediata exoneração do devedor.
o Verifica-se uma causa distinta de extinção das obrigações.
o É a actuação do devedor que extingue a obrigação.
Conclui-se: a datio pro solvendo consiste num mandato conferido pelo
devedor ao credor para proceder à liquidação da prestação realizada. Não poderá
ser revogado pelo devedor, salvo justa causa [art. 1170º-2].
§2: CONSIGNAÇÃO EM DEPÓSITO. A consignação, outra causa de
extinção das obrigações, consiste na possibilidade reconhecida ao devedor nas
obrigações de prestação de coisa de extinguir a obrigação através do depósito
judicial da coisa devida, sempre que não possa realizar a prestação com segurança
por qualquer motivo relacionado com a pessoa do credor, ou quando este se
encontre em mora [art. 841º-1].
Exemplo: o devedor desloca-se a casa do comprados para entregar a
encomenda, mas o último ausentou-se inesperadamente.
Com efeito, não é justo que, nestes casos, o devedor fique indefinidamente
vinculado ao cumprimento. Considera-se que o credor não presta a colaboração
necessária para esse cumprimento, pelo que é conferida ao devedor a faculdade
[facultativa, nº2] de extinguir a obrigação sem a colaboração daquele.
A consignação em depósito é necessariamente judicial: se extrajudicial, não
extinguirá qualquer obrigação.
Eis os pressupostos desta causa de extinção:
A obrigação tem por objecto uma prestação de coisa [vg quantia
pecuniária]:
o Prestações de facto positivo: insusceptíveis de depósito.
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
o Prestações de facto negativo: o cumprimento da obrigação
ocorre independentemente da cooperação do credor.
Não é possível ao devedor realizar a prestação por motivo relativo
ao credor:
o Impossibilidade não imputável ao devedor de realizar a
prestação ou de o fazer com segurança, por qualquer
motivo relacionado com a pessoa do credor.
Exemplos: credor incapaz sem representante legal
[art. 764º-2], credor cujo paradeiro é desconhecido
ou o devedor que não sabe com segurança quem é
o credor.
o Mora do credor: recusa em receber a prestação ou praticar
os actos necessários ao cumprimento [arts. 813ºss].
Exemplos: credor que recusa receber a prestação
ou credor que recusa passar quitação da dívida [art.
787º-2].
Os efeitos da consignação em depósito podem ser de três ordens:
Instituição de uma relação processual entre o
consignante/depositante e o credor
Instituição de uma relação substantiva triangular entre o
consignante/depositante, o consignatário da coisa devida e o
credor:
o Semelhanças com o contrato a favor de terceiro [arts.
443ºss].
o O credor adquire um direito à entrega da coisa por parte
do consignatário [art. 844º].
o Relação de cobertura: consignante e consignatário
o Relação de atribuição: obrigação que o consignante visa
satisfazer
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
o Relação de execução: o credor recebe o direito sobre o
consignatário
Eficácia da consignação sobre a obrigação:
o A obrigação persiste, no percurso do processo: o risco
corre pelo credor e a dívida não vence juros.
o Ao devedor é atribuída, na pendência do processo, uma
excepção dilatória de recusa da prestação.
o Consignação aceite pelo credor ou declarada válida pelo
tribunal: exoneração do devedor, retroagindo até à data do
depósito [art. 846º].
§3: COMPENSAÇÃO. A compensação é uma forma de extinção das
obrigações segundo a qual, quando duas pessoas estejam reciprocamente
obrigadas a entregar coisas fungíveis da mesma natureza, é admissível que as
respectivas obrigações sejam extintas, total ou parcialmente, pela dispensa de
ambas de realizar as suas prestações [ficando “quites”: € 500 - € 500 = 0] ou pela
dedução a uma das prestações daquela devida pela contraparte [arts. 847ºss]. A
extinção de ambas as obrigações por compensação determina a exoneração de
ambos os devedores.
Cumpre atender aos seguintes pressupostos da compensação [art. 847º]:
Existência de créditos recíprocos:
o Cada uma das partes tem que possuir um crédito contra a
outra
o Fica vedada a invocação de créditos alheios [art. 851º-2] –
vg fiador ou condevedor solidário. Para tal, seria sempre
necessário o consentimento do respectivo credor. Por outro
lado, não podem ser invocados créditos sobre outras
pessoas, ainda que ligadas por qualquer relação ao credor
[vg contrato a favor de terceiro, art. 449º].
Fungibilidade das coisas objecto das prestações e identidade do
seu género:
51
Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
o A compensação não foi restringida ao dinheiro, admitindo-
se a compensação em relação a prestações de coisa
fungível [art. 207º], do mesmo género e qualidade – vg
quantidades de uma mesma mercadoria.
o A quantidade pode não ser idêntica, uma vez que se
admite a compensação parcial, caso uma das dívidas seja
de montante superior à outra [art. 847º-2].
Exigibilidade do crédito que se pretende compensar:
o O crédito do declarante tem que ser judicialmente exigível
[art. 847º-1] – só podem ser compensados os créditos em
relação aos quais o declarante esteja em condições de
obter a realização coactiva da prestação.
o Excluem-se: créditos de obrigação natural [art. 402º] ou
créditos ainda não vencidos.
As vantagens desta figura residem no facto de se extinguirem ambas as
obrigações sem necessidade de realização da prestação devida, facilitando os
pagamentos, e de funcionar como garantia dos créditos [vg perante insolvência do
devedor].
Não são compensáveis os seguintes créditos [art. 853º]:
Créditos provenientes de factos ilícitos dolosos
Créditos impenhoráveis
Créditos do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas
Créditos cuja compensação envolva lesão de direitos de terceiros
Créditos cujo devedor haja renunciado à compensação
O regime legal da compensação, conforme consagrado no CC, foi
influenciado pelo BGB, exigindo-se, como condição de eficácia da compensação,
uma declaração da parte que a pretende [art. 848º], contrariamente, pois, aos
sistemas francês, italiano e espanhol: compensação automática, que opera de
direito [ope legis] e sem necessidade de qualquer declaração negocial nesse
sentido [CC de 1867].
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
Em conclusão, a compensação não opera de modo automático, na medida
em que carece de ser invocada por uma das partes, mediante declaração judicial ou
extrajudicial. No entanto, uma vez feita essa declaração, os créditos consideram-se
extintos desde o momento em que se tornaram compensáveis, retroactivamente
[art. 854º] – é esse o momento relevante para a extinção da obrigação. Assim, se
após essa data um dos créditos for cedido a terceiro, arrestado ou penhorado, o
declarante pode continuar a invocar a compensação [art. 853º-2, a contrario].
A declaração de compensação é ineficaz se for feita sob condição ou termo
[art. 848º-2], de modo a salvaguardar o grau de certeza que é necessário conferir à
extinção da obrigação, retroagindo ao momento da compensabilidade dos créditos.
A par da compensação legal supra, é admissível a figura da compensação
convencional ou contratual: compensação que, em lugar de ocorrer através de uma
declaração unilateral, resulta de um acordo celebrado entre as partes [contrato de
compensação]. Exige-se, tão-só, a existência de créditos de ambas as partes, e não
é necessário que se trate de créditos recíprocos, exigíveis ou que tenham por
objecto prestações homogéneas. Também é admitida face a créditos por factos
ilícitos dolosos, do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, mas não face a
créditos impenhoráveis [art. 853º-b] ou de créditos que impliquem prejuízo para
terceiros [art. 853º-2].
MENEZES LEITÃO, na esteira de LARENZ, situa a compensação no âmbito
dos tipos contratuais, admissível em termos autónomos, através da qual se vem
suprir reciprocamente o cumprimento de duas obrigações.
§4: NOVAÇÃO. A novação [novatio, do Direito Romano] é a causa de
extinção das obrigações através da constituição de uma nova obrigação, que
substitui a primeira [arts. 857º ss]. Constitui-se, assim, um novo vínculo, embora o
facto jurídico que desencadeia a extinção da obrigação antiga seja
simultaneamente o facto jurídico que constitui a nova obrigação. Dessa extinção
resulta uma dependência da causa jurídica do facto extintivo em relação ao facto
constitutivo da nova obrigação, e vice versa: por outras palavras, a antiga
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
obrigação só se extingue porque veio a ser constituída uma nova, e a nova
obrigação só se constitui porque veio a ser extinta a antiga.
Novação objectiva: a nova obrigação se constitui entre os mesmos
credor e devedor da obrigação antiga [art. 857º].
o Pode ocorrer através de:
Mudança no objecto da obrigação
Alteração da fonte da obrigação
Novação subjectiva: verifica-se uma mudança de algum dos
sujeitos da obrigação [art. 858º].
o Pode ocorrer por:
Substituição do credor: um novo credor é
substituído ao antigo.
Substituição do devedor: um novo devedor,
contraindo nova obrigação, é substituído ao antigo,
que é exonerado pelo credor.
Pressupostos comuns:
o Declaração expressa da intenção das partes de extinguir a
anterior obrigação, criando uma nova em sua substituição
[art. 859º]:
Sob pena de se considerar uma mera modificação
ou transmissão da obrigação primitiva, e não uma
novação.
Não se pode inferir uma novação através de simples
modificações da obrigação, como nas alterações do
prazo de pagamento, taxas de juro, etc.
Exige-se exteriorização do animus novandi: não se
admitem presunções de novação, nem novações
tácitas.
o Existência e validade da obrigação primitiva:
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
Pressupõe-se a existência de uma obrigação antiga,
que as partes visam extinguir e substituir por uma
nova.
A novação torna-se ineficaz quando se verifique que
a obrigação antiga não existia, estava extinta ao
tempo em que a segunda foi constituída ou existia,
mas fora entretanto declarada nula ou anulada [art.
860º-1] – a novação não é um negócio abstracto,
tendo sempre como pressuposto a existência prévia
de uma obrigação.
Sendo ineficaz a novação:
E não se tendo ainda verificado o
cumprimento: o devedor pode recusar a sua
realização.
E já se tenha verificado o cumprimento: o
autor do cumprimento tem direito a uma
pretensão restituitória [arts. 289º ss e art.
476º-1, caso a obrigação seja inexistente:
repetição do indevido]
o Constituição válida da nova obrigação:
Sob pena de não se verificar a novação, subsistindo
a obrigação primitiva [art. 860º-2].
A lei tutela a situação de confiança de terceiros
garantes que deixam de contar, justificadamente,
com a eventualidade de terem que satisfazer essa
obrigação: quando a nova obrigação seja imputável
ao credor [art. 860º-2].
Quanto ao regime da novação, o novo crédito não recebe, em princípio, as
garantias relativas à obrigação antiga [art. 861º], uma vez que a garantia é sempre
concedida tendo em atenção uma concreta obrigação. As garantias poderão ser
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
reservadas para a nova obrigação, desde que haja declaração expressa nesse
sentido.
Os meios de defesa da obrigação antiga [vg existência de um prazo ou
excepção do não cumprimento] extinguem-se em consequência da novação [art.
862º], ao contrário do que acontece na transmissão das obrigações [transmissão
das excepções, arts. 585º e 598º]. Aqui, ao extinguir-se a dívida, naturalmente se
extinguem os meios de defesa que a ela respeitavam. Será admissível, uma vez
mais, quando expressamente estipulado pelas partes.
Actualmente a novação perde importância histórica em face da modificação
por consenso do objecto da obrigação, e da admissibilidade da transmissão de
créditos e de dívidas. Com efeito, a não consagração da novação, aquando dos
trabalhos preparatórios do CC, chegou a ser equacionada [tal como no BGB].
§5: REMISSÃO. A remissão consiste no “perdão de dívida”, i.e., na
abdicação do direito de crédito, pelo credor, contra o devedor, com o acordo deste,
determinando a extinção da dívida sem a realização da prestação [arts. 863º ss].
Por outras palavras, a remissão consiste no acordo entre o credor e o devedor pelo
qual o credor prescinde de receber deste a prestação devida. Exemplos:
Se o credor sabe que o devedor se encontra em dificuldades
económicas.
Se o credor concluir que a instauração de uma acção executiva
não teria efeitos práticos.
Razões de amizade.
Eis os pressupostos desta causa de extinção das obrigações:
Existência prévia de uma obrigação:
o A celebração da remissão pressupõe a existência da
obrigação que se visou extinguir.
o A remissão não é, por isso, o reconhecimento negativo de
dívida, onde o credor se limita a declarar a inexistência de
qualquer obrigação.
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
Contrato entre credor e devedor pelo qual aquele abdica de
receber deste a prestação devida:
o A remissão reveste necessariamente de carácter contratual
[influências do BGB, vs CC italiano]: exige-se declaração do
credor de que abdica de receber a prestação, e aceitação
dessa abdicação pelo devedor. Contra a regra geral de
extinção dos direitos por acto unilateral, enfim.
o Problemas práticos: na maior parte dos casos o credor não
espera resposta à sua declaração, e o devedor não vê
necessidade de a ela responder.
o O contrato de remissão consiste num acto de disposição do
direito do credor, representando, em relação ao devedor,
uma atribuição patrimonial geradora de enriquecimento
[liberalidade ou compromisso pessoal do credor para com
o devedor]. No caso de ser realizada a título de
liberalidade, a remissão por negócio entre vivos é havida
como doação [arts. 863º-2 e 940º ss].
o Não é concebível que a remissão seja efectuada como
contrapartida da realização de uma prestação [dação em
cumprimento] ou da constituição de uma nova obrigação
[novação].
A remissão extingue a obrigação e libera o devedor, perdendo o credor o seu
direito de crédito em termos definitivos. Existindo uma pluralidade de partes,
cumpre distinguir:
Remissão in rem: remissão concedida a todas as partes ou por
todas elas.
o Extingue-se a obrigação em relação a todos os sujeitos.
Remissão in personam: remissão concedida a apenas algumas
partes ou por apenas algumas delas.
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
o Remissão concedida por ou em benefício de pessoas
específicas, em relação às quais produzirá efeitos. A
obrigação mantém-se em relação às restantes.
o Regime da conjunção ou da parciariedade: extinguem-se
as fracções da obrigação em relação às partes em que
ocorreu a remissão. A obrigação não é afectada quanto aos
demais sujeitos.
o Regime da solidariedade:
Passiva: a obrigação remetida de um dos devedores
extingue-se, mantendo-se a dos restantes
devedores, embora liberados pela parte relativa do
devedor exonerado [art. 864º-1].
Activa: o devedor fica exonerado na parte relativa
ao credor solidário que concede a remissão [art.
864º-3].
Obrigação plural indivisível:
Passiva: a remissão concedida pelo credor a
um dos devedores implica que o credor só
possa exigir a prestação dos restantes se
lhes entregar o valor da parte que compete
ao devedor exonerado [arts. 865º-1 e 536º].
Activa: a remissão concedida por um dos
credores ao devedor implica que este não
fique exonerado perante os restantes
credores, embora estes só possam exigir-lhe
a prestação se entregarem o valor da parte
que competia àquele credor [art. 865º-2].
o Efeitos quanto a terceiros: consideram-se extintas todas as
garantias que asseguravam o cumprimento da obrigação
[art. 866º-1]: fiança, consignação de rendimentos, penhor,
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
hipoteca, privilégio e direito de retenção – razões de tutela
da confiança de terceiros garantes. Pelo contrário, a
renúncia às garantias da obrigação não faz presumir a
remissão da dívida [art. 867º]: o devedor não pode
aproveitar o benefício dessa renúncia para dele inferir a
remissão da obrigação, uma vez que quem normalmente
renuncia a uma garantia não o faz por pretender abdicar
do crédito.
§6: CONFUSÃO. A confusão é a última causa de extinção das obrigações
regulada pelo CC [arts. 868º ss]. A confusão consiste na extinção simultânea do
crédito e da dívida em consequência da reunião, na mesma pessoa, das qualidades
de credor e devedor. Com efeito, a obrigação pressupõe a alteridade dos sujeitos
que estão na posição de credor e de devedor, pelo que quando essa alteridade não
se verifica, deixa de haver necessidade jurídica de manter a obrigação.
Exemplos:
Não há alteridade se o devedor adquirir, por cessão, o crédito que
sobre ele tinha um credor anterior.
Não há alteridade se uma sociedade vir a ser objecto de fusão
com outra, extinguindo-se os créditos e as dívidas recíprocas.
Não são exemplos de confusão, em sentido técnico:
Reunião, na mesma pessoa, das qualidades de proprietário e
titular de um direito real menor. Não se extingue o direito de
crédito, antes se recupera a propriedade plena [arts. 1476º-1b),
1536º-1d) e 1569ºa].
Confusão imprópria: reunião, na mesma pessoa, das qualidades
de devedor e garante da obrigação. Não se extingue o direito de
crédito, antes se extingue a garantia, a menos que o credor tenha
interesse na sua manutenção [art. 871º-3 e 4].
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
Pressupostos da confusão proprio sensu:
Reunião, na mesma pessoa, das qualidades de credor e devedor:
o Em virtude da aquisição, por uma das partes, da posição
que a outra ocupava no crédito ou no débito.
o Em virtude da aquisição conjunta por um terceiro das
posições que ambas as partes ocupavam na obrigação.
Não pertença do crédito e da dívida a patrimónios separados:
o Sob pena de não se verificar a confusão [art. 872º].
o Se a confusão se verificar em consequência de o devedor
adquirir o crédito por herança, continua ele a responder
pela sua obrigação até à liquidação e partilha [art. 2074º-
1].
Inexistência de prejuízo para os direitos de terceiro [art. 871º-1]:
o Se o vínculo obrigacional se encontrar igualmente a
funcionar em benefício de terceiro [vg usufruto ou penhor
sobre crédito], esse vínculo subsiste [art. 871º-2].
A extinção da obrigação por confusão provoca a extinção de todos os
acessórios do crédito [vg sinal, cláusula penal e obrigações de juros], bem como de
todas as garantias que asseguravam o seu cumprimento [fiança, consignação de
rendimentos, penhor, hipoteca, privilégio e direito de retenção], quer as garantias
sejam prestadas pelo devedor ou por terceiro.
Se a confusão se desfizer, a obrigação renasce com os acessórios supra,
mesmo em relação a terceiro [art. 873º-1], mas não quanto às garantias prestadas
por terceiros [a extinção das garantias mantém-se], por razões de tutela da
confiança [art. 873º-2].
À semelhança da remissão, e verificando-se uma pluralidade de partes,
cumpre distinguir:
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
Regime da conjunção ou da parciariedade: extinguem-se as
fracções da obrigação em relação às partes em que ocorreu a
confusão. A obrigação não é afectada quanto aos demais sujeitos.
Regime da solidariedade:
o Passiva: se forem reunidas na mesma pessoa as
qualidades de devedor solidário e credor, a obrigação
deste extingue-se nessa parte da dívida, ficando os
restantes devedores exonerados nesse âmbito, embora
continuem a responder solidariamente pela restante
obrigação [art. 869º-1].
o Activa: se forem reunidas na mesma pessoa as qualidades
de devedor e credor solidário, o devedor fica exonerado,
mas apenas na parte relativa a esse credor [art. 869º-2].
Obrigação plural indivisível:
o Passiva: com vários devedores – a reunião, na mesma
pessoa, da posição de credor e de condevedor implica que
este só possa exigir a prestação dos restantes
condevedores se lhes entregar o valor da parte da posição
que adquiriu [arts. 870º-1 e 536º].
o Activa: com vários credores – a reunião, na mesma pessoa,
da qualidade de devedor e co-titular do crédito não a
exonera perante os restantes credores, embora estes só
lhe possam exigir a prestação se lhe entregarem o valor da
parte que competia àquele credor [arts. 870º-2 e 865º-2].
DO NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES
Impossibilidade de Cumprimento e Mora não Imputáveis ao Devedor
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
§1: IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO. O cumprimento pode ser
impossível por causa não imputável ao devedor quando o próprio objecto do
cumprimento seja impossível [objecto mediato ou imediato], em abstracto.
Com efeito, não se pode cumprir aquilo que é, per se, impossível.
§2: IMPOSSIBILIDADE ORIGINÁRIA E SUPERVENIENTE. A
impossibilidade originária do cumprimento determina a nulidade do negócio
jurídico, nos termos do art. 401º-1, sem mais. Inversamente, não acarreta a
nulidade do negócio jurídico a impossibilidade da prestação relativamente à pessoa
do devedor [nº3], uma vez que não se trata de uma hipótese de impossibilidade,
mas sim de incumprimento. Por outro lado, também não é nulo o negócio que as
partes celebraram na expectativa de a prestação vir a ser possível [nº2] – vg venda
de bens futuros.
Por outras palavras, e reformulando, é nulo o negócio jurídico cuja prestação
seja originaria e objectivamente impossível e que as partes não tenham admitido a
possibilidade de se tornar possível. Servindo-nos dos requisitos do objecto negocial,
inferimos que a impossibilidade originária e objectiva da prestação está relacionada
com a inviabilidade física ou legal do objecto, com a contrariedade à lei ou com a
indeterminabilidade [art. 280º]:
Impossibilidade física absoluta: aspectos materiais derivados da
natureza das coisas [vg inexistência – compra e venda de cavalo
que havia perecido anteriormente ao acordo; diferentemente, se o
cavalo vier a morrer depois da celebração do contrato, há
incumprimento, e não impossibilidade, uma vez que o contrato é
válido – contrato real quoad effectum]. A impossibilidade física
tem que ser absoluta, pelo que o cumprimento defeituoso ou a
impossibilidade de eliminação dos defeitos não constitui um caso
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
de impossibilidade física do objecto [vg compra e venda de cavalo
que padece de doença incurável].
Impossibilidade legal: casos de negócios que se dirijam à
conclusão de outros [vg contrato-promessa de compra e venda de
bens fora do comércio ou de um imóvel verbalmente].
Contrariedade à lei: violação de disposições legais [vg negócios
contra legem – constituição de um direito real não tipificado, art.
1306º; fraude à lei].
Indeterminabilidade: impossibilidade de concretização do objecto
negocial.
A impossibilidade superveniente, por seu lado, não determina a nulidade do
negócio, mas antes o seu incumprimento [cfr. exemplo da venda de cavalo que
perece depois de celebrado o contrato, supra].
No estudo subsequente, atender-se-á somente à impossibilidade
superveniente, uma vez que a impossibilidade originária tem maior relevância em
sede da Teoria Geral do Direito Civil.
A impossibilidade [superveniente] pode ser:
Imputável ao devedor [arts. 798º ss]
Imputável ao credor
Imputável a terceiro
Não imputável
§3: IMPOSSIBILIDADE OBJECTIVA E SUBJECTIVA. Esta distinção releva a
dois níveis:
Impossibilidade objectiva: objecto da prestação [art. 790º]
Impossibilidade subjectiva: pessoa do devedor [art. 791º]
§4: IMPOSSIBILIDADE DEFINITIVA E TEMPORÁRIA.
Impossibilidade definitiva: situação de impossibilidade irreversível
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
Impossibilidade temporária: situação de impossibilidade que
perdurará por determinado período [art. 792º].
§5: IMPOSSIBILIDADE TOTAL E PARCIAL.
Impossibilidade total: impossibilidade que respeita a toda a
prestação.
Impossibilidade parcial: impossibilidade que afecta uma parte da
prestação [art. 793º].
§6: IMPOSSIBILIDADE ABSOLUTA E RELATIVA.
Impossibilidade absoluta: exonera o devedor.
o Distingue-se de difficultas praestandi.
Impossibilidade relativa: não exonera o devedor.
o Há situações de impossibilidade relativa que são
equiparáveis a hipóteses de impossibilidade absoluta: em
razão do carácter excessivamente oneroso e atendendo a
regras da boa fé, determinando também a exoneração do
devedor. Exemplo: entrega do anel que caiu ao rio.
o Alteração das circunstâncias [art. 437º].
§7: EFEITOS. Se a prestação for impossível, o devedor fica exonerado de
cumpri-la, uma vez que a obrigação se extingue [art. 790º].
Segundo o commodum de representação [art. 794º], o credor é tutelado por
duas vias alternativas:
O credor substitui-se ao devedor na titularidade de direito que
este adquira relativamente a terceiro por virtude do facto que
tornou impossível a prestação [vg seguro e subsídio].
O credor exige que o devedor lhe preste a coisa cujo direito
adquiriu por virtude do facto que tornou impossível a prestação.
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
Quanto à contraprestação, maxime no caso dos contratos sinalagmáticos
[art. 795º], a impossibilidade de uma prestação determina que o credor fica
desobrigado da contraprestação [nº1], excepto se a prestação se tornar impossível
por causa imputável ao credor, caso em que este deverá efectuar a
contraprestação [nº2].
§8: TRANSFERÊNCIA DO RISCO NAS PRESTAÇÕES DE COISA. Cumpre
estabelecer a seguinte distinção:
Risco da prestação: é regra geral suportado pelo credor, com a
reserva dos contratos sinalagmáticos [repartição de risco, art.
795º].
Risco da coisa [art. 796º]: cfr. supra, contratos reais e âmbito do art.
408º.
§9: MORA DO CREDOR. Há mora do credor quando este não aceita a
prestação ou não colabora na aceitação da mesma [arts. 813º ss]. Ainda que lhe
seja imputável, tal não pressupõe culpa do credor.
A obrigação mantém-se e assiste-se a uma inversão do risco [art. 815º], com
direito de compensação do devedor [art. 816º].
Prazo admonitório.
Falta de Cumprimento Imputável ao Devedor
§1: NÃO CUMPRIMENTO. O devedor [solvens] terá que realizar a prestação
nos seguintes termos:
Nos termos impostos pela boa fé [art. 762º-2], sem que a sua
actuação cause prejuízos ao credor.
Cumprindo a sua prestação pontualmente [arts. 406º-1 e 762º-1],
ajustando-se, em todos os aspectos, ao que lhe era devido.
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
A prestação deve ser efectuada integralmente e não por partes, salvo
convenção, disposição legal ou uso em contrário [art. 763º].
Nos casos em que o devedor desrespeite os princípios supra, ou pura e
simplesmente não realize qualquer prestação, estar-se-á perante uma situação de
não cumprimento do dever obrigacional.
As regras constantes dos arts. 798ºss [não cumprimento culposo] são
aplicáveis, em princípio, às prestações de execução instantânea, oferecendo alguns
problemas em face de relações continuadas ou periódicas, que pressupõem o
cumprimento sucessivo de várias prestações. Com efeito, nestes casos o não
cumprimento reconduz-se normalmente apenas a um incumprimento relativo a um
momento concreto, não pondo em causa a relação contratual no seu todo.
No caso do direito à resolução em caso de não cumprimento, entende-se
que só uma violação grave ou reiterada dá fundamento para a resolução do
contrato de prestação periódica ou continuada. Nesses casos, cumpre aferir se
houve ou não uma quebra na relação de confiança estabelecida entre as partes,
situação em que haverá direito de resolução.
Em caso de não cumprimento culposo [arts. 798º ss] presume-se a culpa do
devedor, ainda que apreciada nos termos gerais – em abstracto, pela diligência do
bom pai de família [arts. 799º e 487º-2]. Objectivou-se, assim, a responsabilidade
contratual [a culpa era apreciada em concreto, na vigência do CC anterior]. Assim,
desde que, atendendo a critérios de normalidade, a prestação fosse viável, o
solvens considera-se culpado.
§2: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. A responsabilidade obrigacional
assenta no princípio da culpa, uma vez que a responsabilidade civil é, em regra,
subjectiva [arts. 483º-2 e 798º], presumindo-se a culpa do devedor. Como
excepção, resta-nos o art. 800º [responsabilidade contratual objectiva, sem culpa].
§3: TERCEIRA VIA DE RESPONSABILIDADE CIVIL. A summa divisio entre
a responsabilidade obrigacional e a responsabilidade extra-contratual encontra-se
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
hoje esbatida: veja-se o desenvolvimento de especiais deveres de protecção das
partes no contrato, vg. A natureza unitária da responsabilidade civil, enquanto um
todo, tem tido ecos na doutrina nacional: o próprio legislador dotou o CC de regras
gerais da responsabilidade civil comuns a ambas as responsabilidades [arts. 483º
ss]. A consequência é comum: obrigação de indemnizar [art. 562º ss].
Em conclusão, toda a responsabilidade civil assenta no princípio geral
neminem laedere, ainda que com concretizações especiais que, como em todas as
relações de especialidade, não pretendem afastar as regras gerais nem advêm de
criação doutrinária ou jurisprudencial:
Responsabilidade do produtor [cfr. supra]
Responsabilidade do vendedor e do empreiteiro [arts. 789º ss]
Responsabilidade do vigilante [art. 491º]
ROMANO MARTINEZ propõe a distinção por pequenos núcleos de
responsabilidade, relacionados com certas actividades e profissões, nestes termos.
Das conclusões supra, certa doutrina apelida de “terceira via” da
responsabilidade civil as situações em que não existe um direito primário de
crédito, por meio do qual alguém possa exigir a outrem uma prestação, mas a
responsabilidade surge em consequência da violação de deveres específicos, e não
apenas de deveres genéricos de respeito, contrapostos aos direitos absolutos.
MENEZES LEITÃO e ROMANO MARTINEZ incluem na denominada
“terceira via” da responsabilidade civil as situações de violação de deveres
derivados da boa fé, geradoras de responsabilidade pré-contratual e pós-contratual.
Esses deveres não dispõem de tutela primária, através da acção de cumprimento,
mas instituem deveres que constituem um plus relativamente ao dever geral de
respeito.
Para ROMANO MARTINEZ essa “terceira via” não é verdadeiramente
alternativa: se essas fontes de obrigações não se enquadrarem em previsões legais,
não podem ser uma verdadeira modalidade de responsabilidade civil.
Exemplifiquemos:
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
Culpa in contrahendo [art. 227º]: responsabilidade pré-contratual,
segundo preconizada por JHERING.
o Violação de deveres pré-contratuais:
Informação [informação insuficiente ou omissa quanto
à qualidade do bem, vg].
Lealdade [ruptura inesperada das negociações por
uma das partes, criação de convicção de celebração
de contrato válido, vg].
Segurança e protecção
o Aplica-se o regime da responsabilidade obrigacional [arts.
798º ss], dada a violação dos deveres específicos supra.
o Na obrigação de indemnizar não se inclui o direito de resolver
o contrato, apesar de estes direitos se poderem cumular.
Culpa post pactum finitum [art. 239º]: responsabilidade pós-
contratual – violação de deveres contratuais que subsistem após
extinção do vínculo contratual.
o Sigilo [vg sigilo bancário]
o Concorrência leal [art. 484º]
o Não se confunda com a responsabilidade patrimonial que
subsiste depois de cessar o vínculo em consequência de
cláusula contratual de não concorrência, vg [na
responsabilidade pós-contratual não há qualquer convenção
das partes, antes assentando em deveres impostos pela boa
fé].
Contrato com eficácia de protecção para terceiro [vg arrendamento],
e não contrato a favor de terceiro [art. 443º]! – aqui, terceiros
encontram-se na esfera de protecção do contrato [vg os filhos do
arrendatário, no arrendamento].
o A responsabilidade é obrigacional ou extra-obrigacional em
função do tipo de danos, cfr. infra.
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
Relações contratuais de facto
Em todos os institutos enunciados a responsabilidade é obrigacional,
podendo ser extracontratual atendendo ao dano causado.
O progressivo alargamento do campo de aplicação da responsabilidade
obrigacional dificulta a delimitação com respeito às situações extra-obrigacionais.
Exemplifiquemos:
Se o amigo do inquilino cai nas escadas do imóvel que o último
arrenda, a responsabilidade é contratual face ao inquilino e delitual
quanto ao amigo?
Se um acidente entre dois comboios mata um utente não portador de
bilhete, a responsabilidade é delitual? Seria responsabilidade
contratual se o utente tivesse comprado o bilhete?
Sendo que supra concluímos que a distinção não é indispensável, não
podemos, todavia, prescindir dela. O CC soluciona este problema através da
cláusula geral de responsabilidade civil [art. 483º-1], através da violação de deveres
de protecção que não se fundam no acordo das partes: protege-se a integridade
pessoal e patrimonial, fora do perímetro contratual. Ressalve-se as diferenças de
regime [vg art. 500º vs art. 800º].
O alargamento da responsabilidade obrigacional, incluindo deveres delituais
no contrato [obrigação de segurança, vg], contraria o princípio de tratar o igual de
forma idêntica. A inclusão de deveres desse tipo seria desnecessária, segundo
ROMANO MARTINEZ, já que os deveres acessórios do contrato decorrem das
regras gerais da responsabilidade civil. Fundar a responsabilidade por violação de
direitos absolutos no negócio jurídico criaria uma hipertrofia do direito contratual.
Face ao potencial concurso entre a responsabilidade delitual e a contratual,
os partidários da teoria da prevalência da responsabilidade contratual em
detrimento da primeira, sustentam-na mediante recurso a três argumentos:
A existência de um contrato estabelece deveres de protecção
derivados da boa fé, mútuos e recíprocos.
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
O princípio da autonomia privada evidencia que, com a celebração de
um negócio jurídico, as partes pretenderam afastar as regras da
responsabilidade extra-contratual.
o Crítica: a celebração do contrato não priva as partes da
protecção geral, não se renunciando à defesa que teriam
independentemente da celebração do mesmo [ROMANO
MARTINEZ].
A responsabilidade obrigacional impõe um regime mais gravoso para
o lesante [devedor], pelo que o credor não tem qualquer interesse
em recorrer às regras da responsabilidade extra-contratual.
o Crítica: sendo certo que os prazos da prescrição são mais
longos na responsabilidade obrigacional [art. 309º, 20 anos],
dispondo o credor de uma tutela mais eficaz, os prazos de
exercício de direitos podem ser bastante mais restritos nos
contratos em especial do que aquele da responsabilidade
extra-contratual [art. 498º, três anos], vg nos casos do
cumprimento defeituoso nos contratos de compra e venda ou
de empreitada [ROMANO MARTINEZ]. No âmbito da
responsabilidade extra-contratual, ao lesado não pode ser
aplicado um prazo prescricional que o coloque numa situação
pior da que estaria nos termos gerais do art. 498º: três anos.
Esta teoria, apesar das críticas supra, é coerente com a relação de
interacção entre os dois tipos de responsabilidade, e não de especialidade. As
regras da responsabilidade obrigacional aplicar-se-ão, assim, a danos extra rem
[provocados no cumprimento da obrigação, mesmo que por actividades laterais,
provocando prejuízos na pessoa e no restante património do credor]. Exemplo: o
incêndio que deflagre durante as obras de reparação de um prédio presumir-se-ia
culpa do empreiteiro [responsabilidade obrigacional, presunção de culpa – art.
799º].
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
ROMANO MARTINEZ discorda da exemplificação supra: se à
responsabilidade do produtor o DL que a consagra aplica as regras delituais, o
mesmo critério pode ser estabelecido para os danos extra rem, justificando-se a
aplicação da responsabilidade extra-contratual. O mesmo autor propõe a distinção
seguinte:
Danos extra rem: danos pessoais e no restante património do
accipiens/destinatário do pagamento/credor e de terceiros [não inclui
o prejuízo causado no objecto da prestação] – aplicam-se as regras
da responsabilidade extra-contratual.
o Danos pessoais [vg ferimentos causados por explosão de
garrafa de gás].
o Danos noutros bens do credor [vg animal enfermo que
contagiou os demais].
o Viga defeituosa que causou a ruína da casa do dono da obra,
vg.
o Parceiro pensador que, no âmbito de obrigação pecuária,
alimentou o gado com refeições estragadas que havia
adquirido previamente ao fornecedor, devendo indemnizar o
parceiro proprietário, vg. Pode invocar direito de regresso
contra o fornecedor da ração.
Danos circa rem, por exclusão de partes: danos causados no objecto
da prestação, tão-só – aplicam-se as regras da responsabilidade
obrigacional.
o Diminuição ou perda do valor da coisa
o Custos contratuais
o Valor da eliminação dos defeitos
o Montante dispendido em estudos e pareceres
o Diferença de preço para aquisição de bem substitutivo
o Lucros cessantes
o Outras despesas derivadas do incumprimento:
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
Renda da casa arrendada por período em que não foi
possível usá-la
Custo da sementeira perdida porque as sementes são
de fraca qualidade e não germinaram
Despesas judiciais na acção em que se exige a
execução específica ou a resolução do contrato
Quando se assista simultaneamente a danos extra rem e circa rem, o credor
tem direito a uma pretensão indemnizatória, embora exista concurso de normas
[uma só pretensão, um único pedido processual, com duplo fundamento:
responsabilidade extra-contratual e obrigacional]. Todavia, as regras que regem a
indemnização são comuns às duas responsabilidades [art. 562º ss], ainda que o
fundamento de direito seja diverso. Ainda assim, o princípio da liberdade de opção
entre as pretensões delitual e contratual é maioritário na doutrina e na
jurisprudência. No extremo oposto, situa-se a regra do não-cúmulo, “absurda”
segundo ROMANO MARTINEZ. Levada ao limite, o filho do dono da obra não
poderia demandar delitualmente o empreiteiro pelos ferimentos do pai como
consequência do defeito da prestação, vg, mas tão-só no caso de morte do mesmo.
Para evitar que o lesado seja menos protegido na hipótese de ter celebrado
um contrato, deve admitir-se a possibilidade de concurso de normas [princípio da
liberdade de opção]. ROMANO MARTINEZ conclui pela superação da rigidez dos
conceitos jurídicos da responsabilidade contratual e delitual.
Conclusão:
Só se admite recurso à responsabilidade extra-contratual [violação de
direitos absolutos] quando:
o A prestação causou danos em bens do património do credor,
sem dependência do contrato cumprido: danifica-se uma obra
já existente.
o Exemplos:
Adaptação de um comutador a uma máquina, fazendo
uma fenda nesta, vg.
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
Instalação de uma câmara frigorifica num camião,
estragando o motor, vg.
Obras de reparações de edifícios
Subempreitadas de acabamentos [vg instalações
eléctricas]
Admite-se recurso à responsabilidade obrigacional quando:
o Haja entrega de uma coisa com defeito [cumprimento
defeituoso]
o Se realize uma obra imperfeita
o Não basta que o prejuízo tenha sido causado por um facto
ilícito praticado na altura da realização da prestação
o Os prejuízos que excederem o sinalagma contratual entram no
campo aquiliano.
Meios Gerais de Reacção em Caso de Não Cumprimento
§1: GARANTIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES. Sendo a falta de cumprimento
imputável ao devedor, o credor pode reagir executando os bens do seu património
ou de terceiro garante.
Sobre esta matéria, cfr. o capítulo infra.
§2: REALIZAÇÃO COACTIVA DA PRESTAÇÃO. Caso o devedor não cumpra
de forma voluntária a obrigação a que estava adstrito, permite-se que o credor:
Instaure uma acção de cumprimento e execução, mediante a qual
satisfaça coactivamente o seu crédito [execução do património do
faltoso] – arts. 817º ss.
Instaure uma execução específica, que pode respeitar a:
o Entrega de coisa determinada [art. 827º]
o Prestação de coisa fungível [art. 828º]
o Prestação de facto negativo [art. 829º]
73
Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
o Contrato-promessa [art. 830º]
Exija uma sanção pecuniária compulsória [art. 829º-A], caso se trate
de uma prestação de facto infungível.
§3: EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO. Uma das partes pode recusar a
sua prestação se a contraparte não tiver cumprido [arts. 428º ss], em casos de
mora ou de cumprimento defeituoso.
Pressupõe:
Subsistência de uma relação sinalagmática [vg compra e venda: o
vendedor recusa a entrega da coisa enquanto o devedor não pagar o
preço].
Os prazos de cumprimento das prestações não a podem inviabilizar.
A parte que cumpriu a prestação principal do contrato celebrado [vg
o mecânico que já reparou o veículo] não pode, depois, invocar a
excepção do não cumprimento.
Distingue-se do direito de retenção [art. 754º].
§4: RESOLUÇÃO. Nos contratos sinalagmáticos, o incumprimento definitivo
e o cumprimento defeituoso da prestação de uma das partes permite que a
contraparte resolva o contrato [art. 801º] – condição resolutiva tácita, uma vez que
se pressupõe que as partes, tacitamente, condicionam os negócios que ajustam ao
seu pontual cumprimento.
Quanto ao regime, cfr. supra.
Impossibilidade Culposa do Cumprimento
§1: IMPOSSIBILIDADE CULPOSA. A impossibilidade culposa não
corresponde ao incumprimento:
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
Incumprimento: para tal, é necessário que haja uma prestação devida
e possível. Só se pode estar adstrito ao que é possível e só se pode
deixar de cumprir aquilo a que se está adstrito.
Impossibilidade culposa: arts 801º a 804º.
o O legislador equiparou o regime da impossibilidade culposa ao
da falta de cumprimento [art. 801º-1] – acarretando a
obrigação de indemnizar decorrente da responsabilidade
obrigacional [arts. 798ºss].
Têm aplicação todas as regras da falta de cumprimento
[vg art. 799º-1]? SIM! Se não se presumisse a culpa do
devedor, o credor ficaria em desvantagem sempre que
a prestação fosse inexecutável, sendo mais onerado no
caso de impossibilidade do que no caso de
incumprimento.
o Impossibilidade parcial imputável ao devedor [art. 802º] –
estas regras aplicam-se também ao incumprimento parcial, tal
como as regras da impossibilidade total se aplicam ao
incumprimento total.
Não Cumprimento Culposo
§1: MODALIDADES. O não cumprimento culposo pode assumir os seguintes
contornos:
Mora do devedor
Incumprimento definitivo
Cumprimento defeituoso
Iremos estudar cada uma delas com detalhe, infra §2 ss.
§2: MORA DO DEVEDOR. Se o devedor, por causa que lhe é imputável, não
efectuou o cumprimento na data do vencimento, podendo realizá-lo mais tarde
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
[porque é ainda possível ou porque continua a satisfazer o interesse do credor, que
ainda subsiste, arts. 804º-2 e 808º-1], encontrar-se-á numa situação de mora: falta
temporária de cumprimento [arts. 804ºss].
Não haverá mora solvendi se a causa do retardamento não for imputável ao
devedor: vg devendo-se a caso fortuito ou a acto do credor. A culpa no
retardamento presume-se [art. 799º-1].
A mora tem início com o vencimento da prestação, o qual pode advir [art.
805º]:
De interpelação feita ao devedor [arts. 777º-1 e 805º-1]
Do decurso do prazo estabelecido para se efectuar o cumprimento ou
da interpelação [art. 805º-2a]
o No mútuo, na falta de fixação de prazo, o pagamento é devido
30 dias após a interpelação [art. 1148º].
Do facto de se tratar de uma obrigação proveniente de facto ilícito
[art. 805º-2b].
O vencimento da prestação carece de prova pelo credor [art. 342º-1].
Enquanto o crédito for ilíquido, o devedor não se constitui em mora [art.
805º-3], excepto se a falta de liquidez lhe for imputável ou se se tratar de obrigação
de indemnizar por facto ilícito ou pelo risco.
Segundo ROMANO MARTINEZ, a mora deve ser qualificada como uma falta
temporal do cumprimento, e não como um defeito temporal do cumprimento,
expressão que poderá ser confundida com o cumprimento defeituoso.
Distingue-se do incumprimento parcial, na medida em que pode haver mora
[retardamento da prestação] mas, enquanto houver essa mora, não se poderá falar
em incumprimento definitivo, total ou parcial. O incumprimento definitivo parcial
pressupõe que aquela parcela da prestação jamais será realizada.
A mora pode respeitar tanto à prestação principal, como às prestações
acessórias [vg falta de entrega do manual de instruções do electrodoméstico
vendido], bem como às relações subsequentes [vg mora na eliminação dos defeitos
da prestação].
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
A mora do devedor determina a subsistência do vínculo, e tem como efeitos:
Dever de indemnizar o credor, nos termos gerais [arts. 804º-1 e 562º
ss]:
o Mantém-se o dever de cumprir a prestação.
o A indemnização por danos moratórios não exclui o
cumprimento, antes se cumula com este.
o Tratando-se de prestações pecuniárias, a consequência legal
são os juros de mora [art. 806º], sem necessidade de prova de
danos pelo credor – os juros de mora legais são de 4%, no
Direito Civil; quando convencionais, podem ser de 13% [sem
garantia real] ou de 11% [com garantia real].
Assunção do risco [art. 807º-1]:
o O devedor assume o risco da perda ou deterioração da coisa
que deveria entregar.
o A mora confere ao credor a faculdade de recorrer à excepção
de não cumprimento do contrato [arts. 428º ss].
A situação de mora extingue-se com:
Purgação [purgatio morae]: cumprimento da prestação com
pagamento da indemnização moratória.
Transformação da mora em incumprimento definitivo:
o Prazo admonitório [art. 808º-1]
o Perda do interesse do credor [art. 808º-1]
o Declaração do devedor de que não pretende cumprir
Extinção da obrigação, por impossibilidade superveniente do
cumprimento
§3: INCUMPRIMENTO DEFINITIVO. O incumprimento definitivo designa os
casos em que a prestação não tenha sido cumprida e já não possa vir a sê-lo
posteriormente.
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
Face à presunção de culpa [art. 799º-1], se a prestação não foi
definitivamente cumprida, pressupõe-se que:
O devedor actuou ilicitamente
A actuação é culposa [ainda que a culpa seja presumida]
Causou danos para o credor [que carecem de prova]
Verificados os pressupostos gerais da responsabilidade civil [acção, ilicitude,
culpa, dano e nexo de causalidade adequada], o devedor terá que indemnizar o
credor por não ter cumprido definitivamente a prestação a que se encontrava
adstrito [arts. 798º ss].
Eis as causas de incumprimento definitivo:
Perda de interesse do credor:
o Não se justifica que, ainda assim, o solvens pretenda realizar a
prestação, uma vez que o interesse do credor designa o fim
para o qual a obrigação foi constituída.
o É apreciada objectivamente [art. 808º-2]
o É ao credor que incumbe a prova da perda de interesse [art.
342º-2]
o Se o credor perder o interesse, já não se poderá recorrer à
realização coactiva da prestação [arts. 817º ss].
o Exemplos: negócios sazonais, casamento, etc.
Decurso do prazo suplementar [admonitório] de cumprimento
estabelecido pelo credor [accipiens], arts.808º-1 e 808º:
o O credor não deve ficar indefinidamente adstrito à relação
obrigacional
o Prazo deve ser razoável
o Consequências do desrespeito do prazo: o accipiens pode
optar entre as regras do incumprimento definitivo e as da
acção de cumprimento e de execução específica.
Declaração expressa do devedor em não querer cumprir:
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
o Não se torna necessário que o credor estabeleça um prazo
admonitório.
o Se o devedor declarar que não vai cumprir, o accipiens pode
optar entre as regras do incumprimento definitivo e as da
acção de cumprimento e de execução específica.
De todo o modo, a impossibilidade culposa da prestação determina a
equiparação ao incumprimento definitivo [arts. 801º e 802º].
Perante um caso de incumprimento definitivo, o credor pode:
Resolver o contrato [art. 801º-2]:
o Extinção retroactiva do vínculo obrigacional [retroactividade in
radicem]
Exigir uma indemnização pelos danos [art. 801º-2]:
o Funções da indemnização:
Interesse contratual negativo: restabelecer a situação
que existiria se a parte lesada não tivesse celebrado o
contrato.
Só se justifica quando o credor resolveu o
contrato e está adstrito a devolver a prestação
recebida.
Restitui-se a situação, como se a parte lesada
não tivesse confiado no contrato que celebrou.
Interesse contratual positivo: colocar a parte lesada em
circunstâncias idênticas às que se verificariam se o
contrato tivesse sido pontualmente cumprido.
A resolução prevista no art. 802º pode ser
cumulada com a indemnização pelo interesse
contratual positivo, de modo que o credor possa
ser ressarcido quanto aos seus lucros cessantes.
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
O credor que resolve o contrato não deve ficar
em pior situação do que aquele que pede a
redução do preço.
o Como se determina o valor da indemnização?
Doutrina clássica: só a indemnização pelo interesse
contratual negativo pode ser cumulada com a
resolução do contrato.
Não admite que a parte lesada possa pedir a
resolução do contrato e pretender ser
indemnizada, restabelecendo a situação que
existiria se o contrato tivesse sido cumprido
[interesse contratual positivo].
A indemnização pelo interesse contratual
negativo abrange as despesas contratuais do
próprio acto, bem como as acessórias, e os
lucros cessantes.
Doutrina minoritária: admite-se que, apesar de existir
fundamento para resolver o contrato, o credor opte por
exigir a indemnização pelo interesse contratual
positivo, devendo realizar a sua contraprestação
[Surrogationstheorie].
A indemnização pelo interesse contratual
positivo pode ser cumulada com a resolução do
contrato.
Exigir a redução da sua contraprestação:
o Quando o incumprimento definitivo é parcial, o credor tem a
faculdade de exigir a realização do que for viável e reduzir a
sua contraprestação, para além do direito a ser indemnizado
pelo interesse contratual negativo [art. 802º-1].
Commodum de representação [art. 803º-1]:
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
o Possibilidade de:
O credor exigir a entrega de uma coisa adquirida pelo
devedor em substituição do objecto da prestação que
este não efectuou.
O credor sub-rogar-se directamente na titularidade de
um direito que o solvens tenha adquirido contra
terceiro [vg subsídio ou seguro].
o Estas duas possibilidades podem verificar-se em caso de
incumprimento definitivo ou de cumprimento defeituoso.
§4: CUMPRIMENTO DEFEITUOSO. Ainda que o legislador tenha sido
omisso quanto a este tipo de inadimplemento [salvo breve referência no art.799º-1
e indícios no art. 798º - “falta (…) ao cumprimento”], deve-se entender que a
divisão é tripartida: mora, incumprimento definitivo e cumprimento defeituoso.
A figura do cumprimento defeituoso [inexacto ou imperfeito] tem contornos
anglo-saxónicos [breach of contract] e designa as situações em que o devedor
realiza a prestação a que estava adstrito em violação do princípio da pontualidade
do cumprimento [discrepância entre o “ser” e o “dever ser”].
Por outras palavras, se o credor não fica satisfeito, o devedor não é liberado
da sua prestação. Depende do preenchimento de quatro condições:
O devedor realizou a prestação em violação do princípio da
pontualidade:
o Nove classes de hipóteses de cumprimento defeituoso:
1. Prestação realizada de modo distinto do acordado
2. Prestação realizada em tempo distinto do acordado,
seja ela antecipada ou retardada [arts. 804ºss, mora do
devedor]
3. Prestação de quantidade distinta da devida, seja para
mais [devedor exige que lhe seja devolvido] ou para
menos [credor exige o remanescente]
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
4. Prestação realizada em local diverso do acordado
5. Entrega de coisa diferente da acordada [direito de
substituição]
6. Prestação de qualidade diversa da devida [relativa à
conduta ou ao objecto] – própria das prestações de
facere
7. Prestação padece de um defeito de direito [vg entrega
de coisa alheia]
8. Violação de deveres acessórios
9. Realização defeituosa da prestação, expressamente
consagrada na lei
O credor procedeu à sua aceitação por desconhecer a
desconformidade ou, conhecendo-a, apondo uma reserva:
o Desconhecimento do credor: pelo facto de o defeito não ser
detectável, quando a prestação haja sido realizada sem
carecer de aceitação ou quando haja sido realizada a terceiro.
Aceitação da prestação em pleno conhecimento: não
se pode considerar esse cumprimento como
defeituoso.
o Conhecimento da inexactidão do cumprimento, com reserva: o
credor pode aceitar o que lhe for prestado.
O credor tem interesse, apesar do defeito, em receber
a prestação.
A boa fé impõe-lhe o dever de aceitar o que for
prestado – vg defeito pouco significativo, sem prejuízo
de indemnização pelo devedor.
O defeito é relevante:
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
o Não se justificaria que o credor demandasse a contraparte por
um defeito insignificante do cumprimento [bom senso e boa fé
objectiva] – art. 762º-2.
o Importância do defeito é apreciada em concreto, mas
determinada objectivamente à luz do interesse do credor.
Foram causados danos típicos:
o Delimitação pela negativa: foram causados prejuízos distintos
daqueles que o credor poderia sofrer em caso de
incumprimento definitivo ou de mora.
o Dever de eliminação do defeito ou de redução da
contraprestação [vg preço].
Excluem-se do âmbito do cumprimento defeituoso as situações em que a
prestação é efectuada tardiamente [arts. 804º ss] e quando a falta de quantidade
não afecte a totalidade da prestação [casos em que o incumprimento parcial
implique uma correlativa satisfação do interesse do credor].
Pela consequente satisfação parcial do interesse do credor, com o
cumprimento defeituoso, poder-se-ia defender que este seria um tipo de
incumprimento parcial, seja ele definitivo ou retardado/mora [vg quando a
obrigação deficientemente cumprida é genérica]. Não segundo ROMANO
MARTINEZ, uma vez que a satisfação parcial do interesse do credor nem sempre
se verifica e, mesmo que tal suceda, os meios de que dispõe o credor [exigência da
eliminação dos defeitos, vg] excedem os meios legalmente previstos para as
hipóteses de incumprimento definitivo parcial ou de mora parcial. Por outro lado, o
incumprimento definitivo parcial e a mora parcial pressupõem que o credor só haja
aceite uma parte da prestação. Por fim, o incumprimento parcial corresponde a
uma visão meramente quantitativa da insuficiência da prestação, visão essa que
não é contundente com o cumprimento defeituoso.
Ao cumprimento defeituoso aplicam-se os arts. 762º ss e 798ºss pelos
indícios terminológicos explicitados supra, e só a partir do momento em que a
prestação defeituosa é aceite pelo credor.
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
São ainda de aplicar, analogicamente, as regras do incumprimento definitivo
e da mora:
Regras da impossibilidade culposa: aplicam-se quando a deficiência
seja de tal ordem que o credor não tenha qualquer interesse na
prestação recebida e esta não possa ser realizada em momento
posterior.
Regras da mora: aplicam-se quando a prestação possa ser executada
mais tarde.
Finalmente, do regime da execução inexacta estabelecido em termos
especiais para alguns contratos [vg quanto à compra e venda - arts. 905º ss e 913º
ss - e empreitada - arts. 1220º ss], pode-se inferir um conjunto de princípios
básicos:
O credor pode exigir que o cumprimento defeituoso seja rectificado,
lato sensu
Se o defeito não for eliminável, o credor pode exigir que a prestação
seja substituída.
Enquanto o defeito não for eliminado, ou a prestação substituída, o
credor pode invocar a excepção do não cumprimento [arts. 428º ss] e
recusar a sua contraprestação [vg pagar o preço].
Quando o cumprimento defeituoso implique uma perda de valor da
prestação efectuada, o credor pode reduzir a sua contraprestação, de
modo a reequilibrar a relação contratual.
O credor tem direito à resolução do contrato, verificados os
pressupostos dos arts. 801º e 808º.
Para além disso, o credor tem o direito à indemnização por todos os
danos que a prestação defeituosa haja causado.
§5: RESPONSABILIDADE POR ACTO DE TERCEIRO. A responsabilidade do
devedor pode ser agravada por facto de outrem, seja por culpa in eligendo, in
instruendo ou in vigilando.
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
Por outro lado, o devedor pode responder objectivamente pelo
incumprimento imputável a terceiro, a quem encarregara e executar a prestação a
que estava adstrito [art. 800º, sem culpa]. Mesmo tendo o devedor agido com
diligência, in eligendo, in instruendo ou in vigilando do auxiliar, é responsável pela
actuação deste, uma vez que o devedor retira benefícios da actuação de terceiros e
deve suportar os prejuízos inerentes [ubi commoda ibi incommoda]. Por fim, o
credor deverá ficar em situação idêntica à que estaria se a prestação tivesse sido
cumprida, na totalidade, pelo devedor, tendo o direito de exigir um cumprimento
diligente deste.
§6: FIXAÇÃO CONTRATUAL DOS DIREITOS DO CREDOR. Os direitos do
credor podem ser fixados contratualmente pelas seguintes vias:
Cláusulas de limitação e de exclusão da responsabilidade:
o Liberdade contratual
o Proibição de renúncia antecipada aos direitos por parte do
credor [art. 809º] – não pode renunciar ao direito a ser
indemnizado pelo incumprimento. Excepções a esta regra:
Acordo prévio, desde que a exclusão ou limitação não
compreenda actos que representem a violação de
deveres impostos por normas de ordem pública.
É lícita a exclusão contratual da responsabilidade
objectiva, sem culpa, e não da responsabilidade
subjectiva.
o Cláusulas de limitação da responsabilidade: limitação máxima
ou agravamento.
o As cláusulas de exclusão da responsabilidade distinguem-se
da delimitação do objecto do negócio jurídico [art. 405º],
fixando o seu conteúdo ou extensão [vg cláusula de contrato
de seguro ou placa em parque de estacionamento].
Cláusula penal:
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
o Montante fixo ajustado pelas partes para a indemnização
resultante de qualquer dos tipos de incumprimento [art. 810º].
o Redução da cláusula penal [art. 812º].
Sinal: cfr. supra, contrato-promessa [arts. 441º ss].
GARANTIA DAS OBRIGAÇÕES
Garantia Geral
§1: PATRIMÓNIO DO DEVEDOR. O património do devedor constitui a
garantia geral das obrigações por ele assumidas [art. 601º].
“Garantia” deve, aqui, ser entendida em termos objectivos: enquanto
segurança no cumprimento das obrigações, assegurando o pagamento de débitos,
e não enquanto coercibilidade.
A garantia geral incide sobre todos os bens que integram o património do
devedor, indiscriminadamente, à altura da execução, independentemente de terem
sido adquiridos antes ou depois da constituição do crédito [excepto quando haja
acordo de limitação de responsabilidade, nos termos do art. 602º]. Contrapõe-se,
assim, às garantias especiais, que incidem sobre bens certos e determinados do
património do devedor. A garantia geral não prevalece em relação a garantias
especiais.
Só respondem pelo cumprimento das obrigações os bens do devedor
susceptíveis de penhora [art. 601º], i.e., aqueles que constam dos arts. 821º ss
CPC.
Importa ainda aferir a que título o devedor detém os bens no seu património:
se for proprietário, os bens respondem na totalidade; se for titular de um direito real
menor [vg usufrutuário] ou de um direito pessoal de gozo [vg arrendatário] cumpre
apreciar caso a caso:
Usufrutuário: a execução só abrange o direito de usufruto e não a
propriedade sobre a coisa.
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
Locatário: o direito de gozo sobre a coisa locada não é executável,
em princípio, salvo tratar-se de arrendamento para o comércio ou
indústria.
No caso de concurso de credores, e não sendo o património do devedor
suficiente para saldar todas as dívidas, proceder-se-á ao rateio [art. 604º]: os vários
credores, independentemente da data de constituição do crédito, serão pagos
proporcionalmente através do património do devedor [aquele a quem era devida
maior quantia irá receber uma quota superior à dos demais].
§2: GARANTIAS APARENTES. Na prática bancária, frequente é que o
devedor preste garantias de cumprimento, ditas especiais, que têm, na verdade,
uma eficácia meramente obrigacional, pelo que apenas produzem efeitos inter
partes. Estas garantias são aparentes porque nada acrescentam à garantia geral,
nem podem ser apostas por um dos credores aos demais, em caso de concurso de
credores.
Em conclusão, visto que apenas produzem efeitos entre o devedor e o
credor, as garantias aparentes são ineficazes em relação aos demais credores.
Exemplos:
Carta de conforto [comfort letter]
Negative pledge
Cláusula pari passu
Contrato-promessa de garantias especiais
Conservação da Garantia Patrimonial
§1: CONSERVAÇÃO DO PATRIMÓNIO. Com vista a evitar a dissipação de
bens do património do devedor, estabeleceram-se meios conservatórios da garantia
patrimonial [arts. 605º ss], dos quais:
Declaração de nulidade
Sub-rogação do credor ao devedor
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
Impugnação pauliana
Arresto
§2: DECLARAÇÃO DE NULIDADE. art. 605º.
§3: SUB-ROGAÇÃO DO CREDOR AO DEVEDOR. A sub-rogação do credor
ao devedor permite que o credor exerça contra terceiros direitos do devedor [arts.
606º ss].
Distingue-se da acção directa, no âmbito da união de contratos.
§3: IMPUGNAÇÃO PAULIANA. Através da impugnação pauliana [arts. 610º
ss] o credor pode tornar relativamente ineficazes actos de alienação ou oneração
patrimonial perpetrados pelo devedor para o prejudicar. Destes actos excluem-se
aqueles de natureza pessoal [vg casamento, divórcio ou adopção].
Esta acção desvia-se do princípio geral da responsabilidade patrimonial, uma
vez que destrói a barreira que se interpõe entre o direito de execução dos credores
e os bens alienados pelo devedor, que já se encontram na esfera jurídica de
terceiro. Corresponde, pois, a uma reacção legal à violação do princípio de garantia
patrimonial.
Eis os requisitos da impugnação pauliana [arts. 610º-612º]:
Acto praticado pelo devedor que não seja de natureza pessoal
Esse acto provoca, para o credor, a impossibilidade de obter a
satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa
responsabilidade
Acto praticado de má fé [bilateral] ou tratar-se de um acto de
natureza gratuita
É necessário que o crédito seja anterior ao acto, ou mesmo posterior,
quando o acto tenha sido efectuado dolosamente com o fim de
impedir a satisfação do direito do futuro credor.
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§4: ARRESTO. O arresto [arts. 619º ss] designa a apreensão judicial de bens
do devedor se houver justo receio de extravio ou dissipação dos mesmos.
Cessão de Bens aos Credores
§1: NOÇÃO. A cessão de bens aos credores é um contrato mediante o qual o
devedor inadimplente, ou em vias de não cumprir as suas obrigações, encarrega os
credores, ou alguns deles, de procederem à liquidação do seu património ou de
parte dele, repartindo entre si o produto do mesmo para satisfação dos respectivos
créditos [art. 831º].
Este negócio pode servir de remédio ao incumprimento, obstando, pois, à
aplicação das regras da garantia do cumprimento, designadamente à execução do
património do devedor.
§2: REGIME. A cessão de bens não é oponível aos credores com créditos
anteriores à celebração do negócio, que não tenham nela participado [art. 833º].
Esta figura não funciona, pois, como uma garantia especial [cfr. infra], na medida
em que os credores cessionários não adquirem qualquer preferência sobre os bens
cedidos em caso de concurso com outros credores com créditos anteriores à
cessão.
Se os credores tiverem créditos constituídos em data posterior à cessão,
cumpre distinguir:
Bens sujeitos a registo: se a cessão tiver sido registada, é oponível a
esses credores [art. 832º-2]; se a cessão não tiver sido registada, o
direito desses credores não é oponível mesmo em relação a terceiros
cujos créditos se constituíram em data posterior à da cessão de bens.
Bens não sujeitos a registo: a cessão é oponível a esses credores.
Os credores relativamente aos quais a cessão de bens seja oponível não
podem executar a parte do património do devedor que tenha sido cedida [art. 833º,
2ª parte].
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§3: NATUREZA JURÍDICA. A cessão de bens não é um contrato
exclusivamente obrigacional, na medida em que se apresenta como oponível a
terceiros que se tenham constituído como credores depois do seu ajuste.
Não há, contudo, qualquer transferência da propriedade dos bens, mas sim a
incumbência de um encargo [art. 831º]: os credores cessionários são encarregados
de liquidar o património do devedor, aproximando a figura do contrato de mandato,
ainda que com especificidades.
Feita a liquidação, o devedor fica liberado das suas dívidas perante os
credores cessionários na medida em que o produto da liquidação tenha satisfeito os
créditos destes [art. 835º]. Se, diversamente, for insuficiente o produto recebido, os
créditos mantêm-se na proporção não paga. Se exceder, incumbe aos credores a
devolução do remanescente.
Garantias Especiais
§1: GARANTIAS ESPECIAIS. Através das garantias especiais, a lei permite
que o credor, por via negocial, se coloque numa situação privilegiada em relação
aos demais credores, sem perder os direitos próprios dos credores comuns.
Se for insuficiente a garantia especial, o credor preferencial terá que
concorrer ao rateio com os restantes credores, conforme explicitado supra.
Em suma, a garantia especial constitui um reforço da garantia geral.
§2: PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO. A prestação de caução [arts. 623ºss] pode
constituir-se mediante a prestação de outras garantias pessoais ou reais e
prossegue duas finalidades:
Assegurar o cumprimento de eventuais obrigações, que não se sabe
ainda se se virão a constituir – compensando os prejuízos decorrentes
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de um eventual futuro incumprimento contratual [vg contrato de
empreitada].
Assegurar o cumprimento de obrigações de montante indeterminado
– como as partes não têm ainda a possibilidade de avaliar a
amplitude exacta da obrigação, podem acordar quanto à constituição
de uma caução.
O depósito de dinheiro, títulos de crédito, pedras ou materiais preciosos
como caução é havido como penhor [arts. 623º-1 e 666º-2], facto que justifica a
qualificação da caução em garantia especial mista, um tertium genus entre as
garantias pessoais e reais.
§3: GARANTIAS PESSOAIS. As garantias pessoais implicam que, para além
do património do devedor, exista o património de um terceiro responsabilizado pelo
pagamento da mesma dívida, através da adjunção de bens penhoráveis de outro
património.
Garantias pessoais típicas: fiança e aval
Garantias pessoais atípicas: garantia autónoma e carta de conforto
Estudaremos os seguintes exemplos de garantias pessoais:
Fiança:
o O credor passa a ter como garantia de cumprimento dois
patrimónios: o do devedor – que responde por dívida própria –
e o do fiador – que responde por dívida alheia [arts. 627º ss].
o Em relação a ambos os patrimónios, o credor tem tão-só a
garantia geral, concorrendo contra todos os credores no
rateio.
o Fiador: responsabilidade pessoal pelo cumprimento de uma
dívida alheia.
o Características da fiança:
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Característica imprescindível: acessoriedade [art. 627º-
2] – a fiança fica subordinada a acompanhar a
obrigação afiançada.
Declaração expressa
Constituição de forma menos onerosa
Acompanha a invalidade e extinção da
obrigação principal
Fiador pode invocar meios de defesa do
afiançado
Característica que pode ser afastada: subsidiariedade
[benefício da excussão, art. 638º].
O fiador só responde quando se provar que o
património do devedor é insuficiente
Pode ser afastada pela vontade das partes
Característica inexistente nas obrigações
mercantis
o Caso em que o fiador se apresenta como
principal pagador, tornando-se ambos
responsáveis solidários pelo pagamento.
o Pode constituir-se mediante negócio jurídico entre fiador e
credor, com ou sem acordo do afiançado.
Subfiança ou abonação:
o Pressupõe a existência de duas fianças numa relação
sucessiva.
o O subfiador garante, perante o credor, a solvabilidade do
fiador [art. 630º].
o O subfiador dispõe de duplo benefício da excussão [art. 643º]:
é-lhe lícito recusar o cumprimento enquanto o credor não tiver
excutido os bens do devedor ao fiador.
Pode ser total ou parcialmente afastado pelas partes
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Não vigora no caso de obrigações comerciais
Caso em que o subfiador responde
solidariamente com o fiador e o devedor
Retrofiança:
o Figura não prevista na lei: negócio atípico na sua formulação
mas cujos efeitos o aproximam da fiança.
o O retrofiador garante o devedor perante o fiador que exerce o
direito de crédito no qual ficou sub-rogado.
o Se o fiador for chamado a honrar a dívida do seu afiançado, a
lei confere-lhe um direito de crédito contra este, com base
numa sub-rogação legal [arts. 644º e 592º] – o exercício desse
direito de crédito pode ser garantido através de uma
retrofiança.
o Se o devedor, demandado por via da sub-rogação, não pagar
ao seu fiador, este exige o cumprimento ao retrofiador.
Mandato de crédito:
o Quando alguém encarrega outrem de conceder crédito a um
terceiro [art. 629º-1], e o fizer exigindo que seja realizado por
sua conta, celebra um contrato de mandato [art. 1157º] e, no
caso do art. 629º, sem representação [art. 1180º] – o
mandatário concede crédito em nome próprio.
o O mandato de crédito não constitui, todavia, um verdadeiro
contrato de mandato, na medida em que não têm aplicação as
regras dos arts. 1181º ss. Corresponde, sim, a uma garantia
pessoal.
o O mandante responde como fiador do terceiro [mutuário]
perante o mandatário [mutuante].
o A iniciativa de prestar garantia cabe ao fiador, e,
contrariamente ao que acontece na fiança, a vontade de a
conceder não tem que ser expressamente declarada [art.
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628º-1]. A fiança resultante do manda to de crédito tem como
fonte directa a lei e não a vontade das partes
o Livre revogação [art. 629º-2, 1ª parte].
o O encarregado, depois de ter aceite o encargo, pode
licitamente não conceder o crédito, mas apenas quando a
situação patrimonial do terceiro ou do autor do encargo se
tiverem alterado em data posterior à do encargo [art.629º-3].
o Responsabilidade por actos lícitos – denúncia do mandato de
crédito [art. 629º-2].
Seguro de crédito:
o Diploma avulso. Contrato feito pelo credor, o tomador de
seguro, para cobertura do prejuízo resultante do não
cumprimento da obrigação.
Convenção del credere:
o Uma das partes assegura à outra que os créditos desta
perante terceiros, relacionados com a actividade da primeira,
serão por ela saldados em caso de incumprimento desses
devedores.
o Prevista no Código Comercial e no Regime do Contrato de
Agência.
o Uma pessoa [comissário ou agente] garante perante o credor
[comitente ou principal] o cumprimento da obrigação do
devedor [pessoa contratada por intermédio do comissário ou
agente], em termos idênticos aos do art. 1183º.
Aval:
o Garantia pessoal característica dos títulos de crédito,
concretamente das letras, das livranças e dos cheques.
o Tal como a fiança, um património torna-se responsável pelo
pagamento da dívida alheia, mas não constitui uma obrigação
acessória da dívida avalizada, mantendo relativa autonomia.
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
Garantia autónoma ou garantia bancária:
o Concessão eventual de um crédito equivalente ao do
montante garantido, mediante uma contrapartida [comissão].
Cartas de conforto ou comfort letter:
o Missiva dirigida a uma instituição de crédito por uma
sociedade-mãe que, numa relação de grupo, detém uma
posição accionista significativa na sociedade-filha, informando
acerca da existência de um compromisso assumido pela
primeira perante a destinatária, dando o seu patrocínio quanto
à seriedade da recomendada ou quanto ao cumprimento dos
deveres por ela assumidos.
§4: GARANTIAS REAIS. As garantias reais pressupõem a afectação de bens
do devedor ou de terceiro ao pagamento preferencial de determinadas dívidas.
São mais eficientes que as garantias pessoais na medida em que reduzem o
risco, uma vez que o credor é pago, preferencialmente, pelo valor de determinados
bens. Todavia, são menos flexíveis quanto à sua constituição, modificação e
execução.
As garantias reais associam-se normalmente aos direitos reais de garantia.
Por vezes, todavia, o titular exerce um poder directo e absoluto sobre determinada
coisa corpórea [vg na hipoteca], uma vez que lhe é conferido o direito de requerer a
sua venda judicial.
Para mais, só se podem qualificar como direitos reais as garantias que
incidam sobre coisas e não aquelas que recaiam sobre direitos [vg penhor de
direitos, arts. 679º ss].
Consignação de rendimentos [arts. 656º ss]:
o Não se confunde com a consignação de receitas
o O credor paga-se pelos rendimentos de certos bens imóveis
ou móveis sujeitos a registo.
o Pode ser convencional [prevista no CC] ou judicial [CPC]
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
o Carece de registo para produzir efeitos contra terceiros
o Em caso de concurso, o credor tem preferência ante os
demais pelo valor dos rendimentos consignados.
o Pode operar independentemente de ter havido violação do
direito de crédito – motivo pelo qual é incluída entre os
acordos que facilitam o pagamento de dívidas [ROMANO
MARTINEZ]. Apresenta similitudes com a dação pro solvendo
[art. 840º-1], uma vez que confere ao credor meios que lhe
facilitam a satisfação do crédito.
o Aplicam-se-lhe as normas da hipoteca [art. 665º].
Penhor:
o Incide sobre coisas ou direitos não hipotecáveis [vg direitos de
autor], necessariamente móveis [art. 666º-1] – pergunta-se se
abrangerá complexos de coisas/universalidade, vg o
estabelecimento comercial.
o Penhor de coisas [arts. 669º ss]
o Penhor de direitos [arts. 679º ss] – aplicam-se, por remissão,
as regras do penhor de coisas [art. 679º].
o Penhor com desapossamento – o autor do penhor entrega o
bem ao credor pignoratício ou a um fiel depositário [contrato
real quoad constitutionem], com tradição da coisa. Função de
publicidade.
o Penhor sem desapossamento
o O credor pignoratício vai, de forma preferencial, satisfazer o
seu crédito pela venda judicial da coisa empenhada.
o Proibição de pactos comissórios [art. 694º]: não se permite
que o credor fique com o bem dado em garantia.
Hipoteca:
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
o Tanto significa o direito real de garantia, como também o
contrato mediante o qual se constitui o direito em causa
[bilateral].
o Tipos de hipoteca [art. 703º]:
Legal
Judicial
Voluntária
o Incide sobre coisas imóveis ou coisas móveis que sejam
equiparadas ás primeiras [versa sobre bens registáveis,
enfim].
o Recai sobre direitos reais que não a propriedade [vg usufruto,
direito de superfície … - art. 688º].
o Não há direitos sobre direitos, pelo que a hipoteca terá por
objecto coisas determinadas [art. 716º], abrangendo as partes
componentes e integrantes do bem.
o Vigora também a proibição do pacto comissório [art. 694º]:
não se pode acordar que o credor hipotecário fará seu o bem
garante.
Privilégios creditórios:
o Concedidos a certos credores atendendo à natureza do crédito
[arts. 733º ss]. Constitui uma preferência de pagamento
independente de registo – preferência de cumprimento.
o Não são susceptíveis de serem constituídos por negócio
jurídico.
o Podem ser mobiliários ou imobiliários, gerais ou especiais.
o A sua eficácia depende do acto de penhora sobre os bens que
são objecto da respectiva incidência – só se constituem
efectivamente quando ocorrem os factos ou os actos de que a
lei faz depender a sua atribuição.
Direito de retenção:
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Direito das Obrigações II - Lara Geraldes @ FDL
o Confere ao devedor, que se encontra adstrito a entregar uma
coisa e disponha de um direito de crédito sobre o credor, o
direito de não efectuar a prestação, mantendo a coisa que
deveria entregar em seu poder [arts. 754º ss].
o Pressuposto: o crédito do devedor da entrega da coisa deve
resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela
causados.
o Similitude com a excepção do não cumprimento [arts. 428º
ss], embora possa ser exercido independentemente de relação
sinalagmática, tenha função de garantia e incida apenas sobre
coisas corpóreas, móveis e imóveis.
Garantias de natureza processual: penhora e arresto repressivo, que
não estudaremos nesta sede.
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