Jarbas Couto e Lima
Lingüística e Antropologia: a linguagem como condição de cultura?
Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Lingüística do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Lingüística.
Orientadora: Profa. Dra. Cláudia Thcreza Guimarães de Lemos
Unicamp
Instituto de Estudos da Linguagem
1998
UNIOADC ::fO.C ... -N.' l:<t.:MADA;
L628L
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA IEL - UNICAMP
Lima, Jarba'5 Couto e Linguística e antropologia: a linguagem como condição de cultura?
I Jarbas Couto e Lima.-- Campinas, SP: [s.n.], 1998.
Orientador: Cláudia Thereza Guimarães de Lemos Dissertação (mestrado) - Uníversidade Estadual de Campinas,
Instituto de Estudos da Linguagem.
1. Estmturalismo. 2. Levi-Strauss, Claude, 1908-. 3. Linguagem. I. Lemos, Cláudia Thereza Guimarães de. IL Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Título.
BANCA EXAMINADORA:
Profa. Dra. Cláudia Ther Guimarães de Lemos- Orientadora
\
Pro f. Dr. Mauro William Barbosa de Almeida
Profa. Dra. Nina Virgínia de Araújo Leite
Data de aprovação:
3
Agradeço à Profa. Cláudia Thereza
Guimarães de Lemos pela confiança depositada e
pela sábia orientação, à Prof. Nina Virgínia de
Araújo Leite pela auxílio constante e gentil, à
Profa. Mariza Corrêa pela leitura da primeira
versão deste trabalho e pela sugestões
apresentadas.
Agradeço também aos meus professores no
Curso de Ciências Sociais da Universidade
Federal do Maranhão e aos Membros da Escola de
Psicanálise do Maranhão pelo aprendizado e pelo
incentivo.
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« Les mythes ne disent rien qui nous instruise sur l'ordre du monde, la nature du réel, I' origine de l'homme ousa destinée. Les mythcs nous apprennent beaucoup sur les sociétés dont ils proviennent, ils aident à exposer les rcssorts intimes de leur fonctionnement, éclairent la raison d'être de certains modes d'opératíon de l'esprit humain, si constants au cours des sifdes et généralement répandus sur d'immenses espaces, qu'on peut les tenir pour fondamentaux et chercher à les retrouver dans d'autrcs sociétés et dans d'autres domaines de la vie mcntale oU on ne soupçonnait pas qu'ils intervínssent, et dont, à son tour, la nature se trouvera éclairée.~~
(Lévi-Strauss, L'Homme nu, 1971, p.571)
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SUMÁRIO
!.INTRODUÇÃO
2. CAPÍTULO I :ANTROPOLOGIA E FONOLOGIA
3. CAPÍTULO 2: A ORDEM PRÓPRIA DA CULTURA
4. CAPÍTULO 3: A GUISA DE CONCLUSÃO: A LINGUAGEM COMO
CONDIÇÃO DE CULTURA?
5. RE}'ERÊNCIA B!LBIOGRÁFICA
9
16
49
66
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RESUMO:
O objetivo deste trabalho é discutir a hipótese de Claude Lévi-Strauss no sentido de tomar-se a linguagem corno condição de cultura. Parte-se do pressuposto de que a obra de Lévi-Strauss permite uma dupla interpretação relativamente a essa hipótese.
A primeira delas é construída a partir do exame da referida hipótese à luz dos fundamentos teóricos que o autor importa da Lingüística Estrutural, relacionando-os à sua intenção de dar um estatuto teórico rigoroso para a Antropologia. A segunda interpretação é construída a partir do exame das noções de linguagem e cultura apresentadas em alguns trabalhos posteriores a Antropologia Estrutural, como A Oleira Ciumenta e O Pensamento Selvagem. Tais noções são relidas a partir de alguns pontos da elaboração de Jacques Lacan sobre a linguagem e da noção de estrutura em Edmund Leach.
Palavras-chave: 1. Estruturalismo 2. Lévi-Strauss 3. Linguagem
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Introdução:
E comum encontrarmos sob o térmo "estntturalismo" um conjunto de saberes
heterogêneos no qual são incluldos, sob este mesmo têrmo, a Antropologia de Lévi-Strauss e a
Lingüística da chamada Escola de Praga. Dessa forma pensa-se estar reunindo num mesmo
campo a Lingüística, a Antropologia, a Psicanálise, dentre outros saberes. A que isso se deve? A aplicação de um método de investigação comum a 1:odos esses campos? Ao uso comum de
conceitos elaborados num lugar teórico comum a todos? Não é preciso ir muito longe na
comparação entre esses campos para concluir que tal generalização merece uma investigação
mais detida. Nos~:,o percurso intelectual como professor de Antropologia e nosso interesse no
estudo da Psicanálise colocou-nos no interior desta problemática. Especificamente, no que ela
envolve as relações da Antropologia de Léví-Strauss com a Lingüística. A atitude de alguns
9
literatura chamada "estruturalista" a que tivemos acesso, tem sido, muitas vezes, em dar de
barato que Lévi-Strauss simplesmente faz uso de uma teoria e de um método já prontos tomados
de empréstimo da Lingüística para a fonnulação de sua teoria antropológica. Encontramos,
todavia, num campo de estudos sobre a linguagem que vai além de uma abordagem estritamente
Lingüística, a Psicanálise, o genne de um questionamento sobre os fundamentos teóricos que
pem1item a Lévi-Strauss relacionar cultura e linguagem. De tal forma que situe a real
contribuição da Lingüística para sua teorização, mas também, que vá além de uma abordagem
propriamente Lingüística sobre a linguagem.
Lévi-Strauss concebe a linguagem como fonnalmente análoga à cultura. Para ele suas
"arquiteturas" são similares. Dessa maneira Lévi-Strauss supõe encontrar na estrutura dos
sistemas fonológicos o "modelo lógico" através do qual o antropólogo pode encontrar a estrutura
dos fenômenos da cultura. Baseando-se nisso, pode-se realmente situar na relação entre a
Lingüística e a Antropologia, tomadas como ciências, a correspondência teórica que se estabelece
entre a estmtura da cultura e a da linguagem na perspectiva estruturalísta de Lévi-Strauss.
Num primeiro momento, o problema da':i relações entre linguagem e cultura em Lévi
Strauss está realmente referido à relação estabelecida entre a Lingüística e a Antropologia, ou
seja, a seus estatutos de ciências e a seus respectivos objetos, a língua e a cultura. A ambição
científica ele Lévi-Strauss é bastante evidente, assim corno a sua crença de que a Lingüística é
capaz de fornecer para a Antropologia um modelo de ciência tão rigoroso quanto o encontrado
nas ciências da natureza.
Poderíamos nos perguntar, portanto, até que ponto as concepções de linguagem e
cultura formuladas por Léví-Strauss se devem à aplicação do método estmtural transportado da
fonologia. Questões desse típo surgem quase que simultaneamente à abordagem da hipótese da
analogia entre línguagem e cultura. Por outro lado, sabemos que Lévi-Strauss com a constmção
da hipótese da analogia pensa estar considerando a linguagem também como condição de cultura:
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"(, .. )Situando-se de um ponto de vista mais teórico, a linguagem
aparece também como condição da cultura, na medida em que esta última
possui uma arquitetura similar à da linguagem, ambas se edificam por
meio de oposições e correlações, isto é, por meio de relações lógicas.
Tanto que se pode considerar a linguagem como um alicerce destinado a
receber as estruturas às vezes mais complexas, porém do mesmo tipo que
as suas, que correspondem à cultura encarada sob diferentes aspectos"
(Lévi-Strauss [1953] ed. bras. s/d: 86 ).
O fundamento da contribuição da Lingüística para a Antropologia, segundo a perspectiva
estruturalísta de Claude Lévi-Strauss, está, pmtanto, sustentada na hipótese da analogia entre as
estruturas da linguagem e da cultura. A referida hipótese permite a Lévi-Strauss, ao tomar de
empréstimo o método de análise estrutural da fonologia, tomar a estrutura dos sistemas
fonológicos como "modelo lógico" através do qual o antropólogo pode definir a estrutura dos
fenômenos da cultura, Investigar esta hipótese, em primeiro lugar, tem para nós o valor de
procurar no interior da relação entre Lingüística e Antropologia a correspondência teórica que se
estabelece entre a cultura e a linguagem, na perspectiva de Léví-Strauss.
O objetivo deste trabalho, no entanto, é ir além disso. Investigar a hipótese straussiana da
linguagem como condição de cultura remete~nos a uma investigação detida sobre as relações
entre linguagem e cultura que vão além da aplicação do método de análise estrutural da
Lingüística ao estudo dos fenômenos da cultura.
Segundo o historiador François Dosse, o lugar decisivo da elaboração de uma
Antropologia estruturalista é Nova York. É lá que ocorre um encontro entre Lévi-Strauss e seu
colega lingüista da New School, Roman Jakobson, decisivo, segundo Dosse, para o posterior
surgimento da Antropologia estrutural: "( ... ) Jakobson assiste aos cursos de Lévi-Strauss sobre o
parentesco e Lévi-Strauss acompanha os cursos de Jakobson sobre som e sentido" (Dosse1993:
33). Segundo Dosse, é a conselho de Jakobson que Lévi-Strauss começa a redigir em 1943 sua
obra "Les Structures Élémentaires de la Parenté", um marco definitivo para o surgimento da
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Antropologia estrutural.
Segundo essa perspectiva o problema das relações entre linguagem e cultura em Lévi~
Strauss está referido à relação estabelecida entre a Lingüística e a Antropologia, ou seja, a seus
estatutos de ciências. Reside, portanto, na ambição científica de Lévi~Strauss, o motor de seu
movimento teórico em direção à Lingüística.
Há de fato um solidário relacionamento entre lingüistas e antropólogos que permanece
vivo durante muitos anos. A preocupação em aprofundar o conhecimento entre llnguagem e
cultura dá origem a um encontro formal entre lingüistas e antropólogos em 1952, na Universidade
de Indiana, Estados Unidos. Lingüistas e antropólogos realizaram uma conferência' com o fim de
comparar suas respectivas disciplinas. Em seu pronunciamento Claude Lévi-Strauss apontou
alguns níveis distintivos da relação entre linguagem e cultura abordados nessa conferência:
I) "A relação entre uma língua e uma cultura. Para estudar uma
Cultura, será necessário o conhecimento da língua? Em que medida e até
que ponto? Inversamente, o conhecimento da língua ímplica no
conhecimento da cultura, ou ao menos de alguns de seus aspectos ?"
(Lévi-Strauss [1953] ed. bras_ s/d:85)
2) Quanto à " ... relação entre linguagem e cultura em geral"
pergunta: "Mas não negligenciamos um pouco este aspecto? Durante as
discussões, nunca se considerou o problema posto pela atitude concreta
de uma cultura face a sua língua. Para dar um exemplo, nossa civilização
trata a linguagem de maneira que poderíamos qualificar de imoderada:
falamos continuadamente, qualquer pretexto nos serve para nos
expressarmos, interrogarmos, comentarmos ... Esta maneira de abusar da
linguagem não é universal; nem é mesmo freqüente. A maior parte das
culturas que chamamos primitivas usa da linguagem com parcimônia;
1 Nesta conferência Roman Jakobson apresentou um informe final intitulado "A Linguagem Comum dos Lingüistas e dos Antropólogos", posteriormente publicado no Suplemento do Jnt. Journal of American Línguistics, XIX. No 2, abri!, !953. Tradução bnL~i!eira de lzidoro Blikstein e José Paulo Paes. Em: Lingüútica e Comunicação, cultrix, São Paulo, ed. bras. s/d.
!2
não se fala quando se quer e sem motivo. As manifestações verbais são aí
freqüentemente limitadas a circunstâm;ias prescritas, fora das quais se
poupam as palavras"(Lévi-Strauss [1953] ed. bras. s/d:85-6).
3) "Um terceiro gmpo de problemas recebeu ainda menos atenção.
Penso aqui na relação, não mais entre uma língua - ou a própria
linguagem - e uma cultura ou a própria cultura - mas entre Lingüística e
Antropologia consideradas como Ciências." (Lévi-Strauss [1953] ed.
bras. sld:86)
Esta última questão, considerada capital para Lévi-Strauss, pennaneceu, porém,
secundári<l nas discussões, segundo ele, devido às dificuldades no tratamento do problema das
relações entre linguagem e cultura. Até aqui, para Lévi-Strauss, o problema das relações entre
linguagem e cultura está referido à relação estabelecida entre a Lingüística e a Antropologia, ou
seja, a seus estatutos como ciências. A ambição científica de Lévi-Strauss realmente se revela na
sedução pelo rigor teórico encontrado na Lingüística, semelhante, segundo ele, ao das ciências da
natureza. Assim poderíamos entender a acolhida que Lévi~Strauss dá a es~a ciência, na pretensão
de construir uma Antropologia rigorosa. Exemplo disto é a referência do autor ao rigor que os
lingüistas alcançaram:
"Como para nos pregar uma peça, eis que se põem a trabalhar desta
maneira rigorosa da qual nos resignáramos a admitir que as ciências da
natureza detinham o privilégio. Donde, no que nos conceme, um pouco
de melancolia e - confessêmo~lo - muita inveja. Gostaríamos de aprender
dos lingüistas o segredo de seu sucesso. Não poderíamos, nós também,
aplicar ao campo complexo de nossos estudos - parentesco, organização
social, religião, folclore, arte - esses métodos rigorosos dos quais a
Lingüística verifica diariamente a eficácia T' (Lévi-Strauss [1953] ed.
bras. s/d:87).
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Enquanto na França, durante todo o século XIX, a Antropologia físíca era dominante e
adotava o modelo das ciências da natureza, Uvi~Strauss inova ao transpor para a Antropologia o
modelo lingüístico de cientificidade. O que o levou à mptura com a Antropologia física foi, antes
de tudo, o comprometimento desta com uma conceito de homem que se reduzia a sua constituição
biológica, racial, o que, segundo o próprio Lévi-Strauss, é a base de todo racismo. Saussure, por
exemplo, concebia esta abordagem sobre o homem baseada nos estatutos da física e da biologia
como o fator de diferenciação da Antropologia com relação à Lingüística. Uma vez que só chegou
a conhecer a Antropologia física, para o renomado lingüista era a perspectiva que esta disciplina
tinha sobre o homem que permitia estabelecer uma ·distinção precisa entre as duas ciências: para
Saussure a diferença entre a Lingüística e a Antropologia (física) decorria de que esta última
"( ... )estuda o homem somente do ponto de vista da espécie, enquanto a linguagem é um fato
social" (Saussure [1916] ed. bras. s/d:l4). Adotando uma perspectiva sobre o homem que não se
reduzia a unicamente abordá-lo sob o aspecto físico, mas sobretudo em relações sociais definidas
por sua função de significação, com o uso do modelo lingüístico, Lévi-Strauss realiza uma
revolução na Antropologia, na medida em que supõe encontrar na Lingüística um modelo de
ciência capaz de uma abordagem científica rigorosa sobre os fenômenos sociais.
A razão da opção de Lévi-Strauss pelo modelo científico da Lingüística, mais
específicamente da fonologia, se justifica, nesse sentido, por esta se apresentar como uma ciência
rigorosa capaz de abordar um objeto simbólico. Ou seja, a slmilitode entre os objetos da
Lingüística e da Antropologia proposta por Lévi-Strauss reside, em primeiro lugar, no caráter
simbólico desses objetos. Desta forma a Lingüística abre a perspectiva de uma abordagem
científica, com o mesmo rigor das ciências da natureza, sobre um objeto cuja natureza é antes de
tudo simbólica e não física.
O pnmetro capítulo do nosso trabalho, portanto, trata de explicitar os termos da
transposição da teoria e do método próprios da fonologia para o estudo de fenômenos da cultura.
Esta reflexão é importante do ponto de vista da atribuição à Lingüística de um lugar na
formulação teórica de Lévi~Strauss, assim como para situar o evento da transposição do método
estmtural para a Antropologia. É através da aplicação desse método que a Antropologia torna-se a
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primeira, dentre as ciências humanas, a ressaltar a cientificídade da Lingüística e a reconhecê-la
como "ciência-piloto",
Poderíamos nos perguntar até que ponto as concepções de linguagem e cultura formuladas
por Lévi-Strauss se devem à aplicação do método estrutural transportado da fonologia.
Entretanto, por outro lado, consideramos que, para Lévi-Strauss, as relações entre a Lingüística e
Antropologia, remetem também a uma elaboração teórica original que pennite relacionar
linguagem e cultura, tomando a primeira como condição da segunda, mas indo-se além da
aplicação do método de análise fonológico. Considerando-se um segundo momento de sua
teorização, chega-se a pensar que Lévi-Strauss aponta os fundamentos da analogia entre
linguagem e cultura. em princípios psico-lôgicol cuja existência não poderia ser creditada nem à
língua nem ao uso do método científico de análise. O segundo momento de nossa investigação,
que compreende o segundo e o terceiro cap(tulos, nos remete, portanto, à seguinte questão: que
concepção de linguagem é esta com a qual Lévi-Strauss conta para definir a linguagem como
condição de existência dos diversos fenômenos da cultura e incluir dentre eles a língua?
Neste ponto poderemos pensar no estabelecimento de distinções teóricas importantes
entre os conceitos de língua e linguagem. Dizer que linguagem é condição de cultura, não
significa necessariamente dizer que língua é condição de cultura. A principal preocupação dessa
etapa de nossa investigação é com a possibilidade, que nos parece presente em Lévi-Strauss, de se
pensar a linguagem como uma ordem lógica subjacente aos fenômenos da cultura. Neste aspecto
apostamos que, com Lévi-Strauss, é possível realizar-se uma dupla equivalência conceptual: entre
linguagem e estrutura e entre cultura e simbólico, enquanto conjunto de sistemas simbólicos.
2 O uso dessa grafia para o tcJmo "psicológico" decone de nossa intenção de distinguí-lo do uso que faz dele a Psicologia.
15
Capítulo I
Fonologia e Antropologia
No conjunto de ensaios organizados na seção "Linguagem e Parentesco" de seu
"Antropologia Estrutural" e que foram produzidos no período de 1945 a 1956, Claude Lévi
Strauss destaca a Lingüística como a ciência que realizou os maiores progressos, tomado o
conjunto das Ciências Sociais. Chega mesmo a emplacar a acetosa frase sobre a posição da
Lingüística entre as demais: "A única [ a Lingüística], sem dúvida, que pode reivindicar o nome
de ciência"( Lévi-Strauss [1945] ed. brcts. s/d: 45).
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As considerações feitas por Lévi-Strauss sobre o grau de cientificidade alcançado pela
Lingüística se baseiam em dois momentos da relação entre a Língüfstica e as Ciências Sociais. O
primeiro destes momentos remonta aos sociólogos do final do século XIX que se debruçavam
sobre os problemas do parentesco. Nesses estudos, segundo Lévi-Strauss, era de grande
ímportãncia a assistência de lingüistas e filólogos, fornecendo ao sociólogo etimologías que
pennitiam estabelecer vínculos entre termos de parentesco. Esses vínculos, segundo Lévi-Strauss,
não eram dados de antemão: até que chegasse o auxílio do lingüista, eles eram imperceptíveis ao
sociólogo.
Mas tal procedimento, que levava em conta tão somente o aspecto etimológico dos
termos, se justificava apenas numa época onde a pesquisa Lingüística se apoiava sobretudo em
uma perspectiva histórica. Para Lévi-Strauss, este primeiro momento da relação entre a
Lingüística e a<; ditas Ciências Sociais se caracterizava pela ausência de esforço no sentido de
fazer beneficiar um lado da fronteira científica com os progressos metodológicos alcançados pelo
outro. Com isso Lévi-Strauss demonstra uma preocupação comum a alguns lingüistas
estmturalistas, a de por fim a todo tipo de isolacionismo. "Esse isolacionismo tão odioso na vida
científica quanto na vida política" ( Jakobson 1952: 16). Preocupação que vincula-se aos
princípios teórico-metodológicos do pensamento estruturalista. Segundo estes princípios, não se
pode verdadeiramente isolar os elementos de um sistema ma<; tão somente distingui-los. Se o
processo de análise permite tratá-los separadamente é sempre de maneira art.ificíal. A separação
entre os diferentes níveis de análise, formal, semântico, descritivo, histórico, é possível, mas
trata-se apenas de um procedimento metodológico que pode ser extensivo à relação entre as
di versas ciências.
Assim, o nascimento da Fonologia marcará uma mudança no relacionamento entre a
Lingüística e as Ciências Sociais. Segundo Lévi-Strauss, este fato subverte a situação que
caracterizava até então a relação entre as referidas ciências. A Fonologia traz urna contribuição
inovadora sobretudo no aspecto metodológico para as Ciências Sociais. A importância desta
contribuição é considerada pelo antropólogo francês, sob este aspecto, "revolucionária":
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"A fonologia não pode deíxar de desempenhar, perante as
ciências sociais, o mesmo papel renovador, que a física nuclear, por
exemplo, desempenhou no conjunto das ciências exatas." ( Lévi
Strauss [1945] ed. bras. sld: 47).
O nascimento da Fonologia no interior do estruturalísmo lingüístico, portanto, inaugura o
segundo momento das relações entre a Lingüística e as Ciências Sociais. Este momento, apesar de
ser segundo, é inaugural, pois funda uma nova Antropologia.
A análise de como este segundo momento da relação entre a Lingüística e as Ciências
Sociais se dá no interior da formulações de Lévi-Strauss nos colocará no curso de urna
investigação sobre os fundamentos da Antropologia Estmtural. A princípio nosso trabalho se
pautará na análise do conjunto de ensaios de Lévi-Strauss referidos acima e contidos em sua obra
"Antropologia Estrutural".
Na seção do ''Antropologia Estrutural" intitulada "Linguagem e Parentesco", encontramos
um primeiro artigo que foi originalmente publicado no Journal of the Linguistic Circle o f NeH'
York em agosto de 1945. Neste artigo - reproduzido em "Antropologia Estrutural" sob o título
de '"'A Análise Estrutural em Lingüística e em Antropologia"- o autor nos remete às implicações
mais importantes, para a Antropologia, desta "revolução" que representou o surgimento da
Fonologia para as Ciências Sociais. A importância da contribuição pode ser observada, segundo
o antropólogo francês, se lançarmos mão do anigo de N. Trubetzkoy "La Phonologie Actuelle",
publicado em Paris em 1933. Segundo Lévi-Strauss, neste "artigo programa" Trubetzkoy
explicitará os procedimentos fundamentais do método fonológico. A preocupação de Levi
Strauss, por sua vez, consistirá na verificação da possibilidade da transposição desses
procedimentos metodológicos da fonologia, expostos por Trubetzkoy, ao estudo de fatos da
ordem da cultura.
Façamos uma análise cuidadosa do artigo de Trubetzkoy citado por Lévi-Strauss - ao qual
tivemos acesso em espanhol com o título de "La Fonologia Actual" - para melhor entendermos
este momento no qual nasce a fonologia, que, como já dissemos, se tornará, segundo Léví-
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Strauss e muitos outros, a base de uma revolução epistemológica nas Ciências Sociais dos
meados do século XX. Trubetzkoy inicia seu artigo situando historicamente os primeiros
lingüistas a se colocarem um problema que seria, posteriormente, fundamental para o surgimento
da fonologia de sua época: o estudo das chamadas "oposições fônicas". Este ato faria dos
lingüistas que o realizaram os precursores da fonologia incipiente. Dentre eles está J. Winteler
( 1876), o primeiro a indicar a necessidade de distinguir dois tipos de oposições fônicas, segundo
a capacidade de cada urna delas para expressar ou não diferenças semânticas ou gramaticais.
Segundo Trubetzkoy a importância deste autor se reduz ao fato de este ter sido o primeiro a
admitir a existência de tais oposições, sem que no entanto isso tenha exercido qualquer influência
sobre o desenvolvimento da fonologia como ciência.
Outros autores, como H. Sweet e seu discípulo O. Jesperson, tiveram idéias análogas
quanto ao estudo das oposições fônicas, porém estes últimos também, segundo Trubetzkoy, não
souberam retirar de suas luminosas idéias nenhuma conseqüência de ordem metodológica. Para
Tmbetzkoy, isso decorre do fato destes autores serem foneticistas, o que os conduziu
naturalmente a analisar as oposições fônicas seguindo métodos puramente fonéticos. Segundo
Trubetzkoy, nem F de Saussure, fundador da Lingüística moderna, chegou a uma solução do
problema metodológico que consistia em encontrar uma alternativa para a análise das oposições
fônicas que se restringisse a abordá-las pelo aspecto físiológico. Para Trubetzkoy, ainda que se
possa encontrar no Curso de Lingüística Geral a distinção entre o som "material" e o significante
"incorpora!" e que Saussure tenha dado grande importância à fonologia, isso não resolvia o
problema metodológico, já que Saussure continuava a propor o uso do mesmo método dos
foneticístas para descrever e estudar os fonemas.
Em verdade, encontramos no Curso de Lingüística Geral uma passagem que indica que a
fonologia para Saussure é uma ciência natural, é a "fisiologia dos sons":
"A fisiologia dos sons (em alemão lautphysiologie ou
sprachphysiologie) é freqüentemente chamada de 'fonética' (em
alemão phonetik, inglês phonetics, francês phonétique) este tem1o
19
nos parece impróprio, substituímo-lo por fonologia"(Saussure
[1916] ed. bras. s/d: 43).
Para Trubetzkoy, somente J. Baudoin de Courtenay realiza urna correta distinção entre
fonética e fonologia, criando assim as condições para a elaboração de urna metodologia própria
da fonologia e uma abordagem metodologicamente adequada das oposições fônicas. Ao
proclamar urna diferença precisa entre os sons da fala e as imagens jônicas que compõem uma
língua considerada, Baudoin de Courtenay pode propor a criação da "fisiofonética" que se
ocuparia dos sons, e de urna outra ciência que se ocuparia dos fonemas denominada
"psicofonética", visto que estes últimos eram definidos como "o equivalente psíquico do som".
Com esta definição de fonema Baudoin de Courtenay cria uma distinção entre o aspecto físico
dos sons da fala e o aspecto psíquico dos fonemas, apesar de propor uma equivalência entre eles,
reduzíndo o fonema a uma imagem do seu correspondente físico, os sons.
Esta distinção, contudo, ainda é considerada insatisfatória por Trubetzkoy, já que,
diferentemente de Courtenay, o príncipe estruturalista vê nos sons tanto o aspecto físico quanto
psíquico, colocando a distinção entre sons da fala e fonema como situada no caráter diferencial
deste último, remetendo a solução da questão para a noção saussureana de valor lingüístico :
por una parte, los 'sonidos' no con.stituyen fenômenos
físicos, sino psicofísicos por definición (un sonido es 'un fenômeno
físico perceptible por medio del oído' o bien una 'impresión
auditiva causada por un fenômeno fisico') y, por la otra, lo que
distingue el fonema del sonido no es su carácter puramente
psíquico, antes bien su· carácter diferencial, lo qual hace de él un
valor lingüístico".3 (Trubetzkoy [1933]: 16)
O trabalho destes precursores, porém, serviu para que S. Karcenwskí, R. Jakobson e
Trubetzkoy pudessem fundar a fonologia como ciência. Assim, quando juntos propuseram ao
primeiro congresso de lingüistas de Haya um programa para o estudo dos "sistemas fonológicos",
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puderam estar cientes de que o terreno já estava preparado. Este programa de estudos despertou o
interesse do Círculo Lingüístico de Praga, em cujas publícações surgiram os primeiros trabalhos
de fonologia de diferentes autores, dentre eles a importante obra de Jakobson "Remarques sur
L' Évolucion Phonologique du Russe'4 .
O momento fundante da ciência fonológica tem nestes fatos os seus antecedentes
históricos. Trubetzkoy toma, portanto, como ponto de partida do seu artigo "La Fonologia
Actual", uma análise das concepções teóricas dos precursores da fonologia sobre as oposições
fônicas com o objetivo de distinguir estas concepções daquelas encontradas na fonologia de sua
época. Isto significa que, neste artigo, Trubetzkoy está interessado, sobretudo, em distinguir um
procedimento metodológico próprio da fonologia de sua época. A principal diferença entre as
concepções fonológicas de sua época relativamente àquelas de seus precursores reside, portanto,
numa precisa diferenciação entre fonética e fonologia: para Tmbetzkoy, a fonologia de sua época,
não tem somente a consciência da diferença fundamental entre fonética e fonologia, mas procura
fazer da ênfase dada a esta diferenciação a chave da sua contribuição para o estudo das
"oposições fônicas". Mais do que simplesmente colocar a diferença entre a fonética e a fonologia,
segundo Trubetzkoy, a fonologia de sua época " ... no deja de acentuaria con toda energia de que
es capaz (Trubetzkoy [1933]: 18).
Este parece ser o ponto realmente importante para que possamos situar os avanços
teóricos e metodológicos realizados pela fonologia de que nos fala Lévi-Strauss. A diferença
entre fonética e fonologia é seguidamente demarcada por Trubetzkoy. Através desta diferenciação
é que seu artigo "La Fonologia Actual" começa o adquirir o seu caráter verdadeiramente
"programático". A partir dela são definidos o objeto, os objetivos e o método da fonologia
estrutural, como mostra o quadro abaixo. É imponante ressaltar que o quadro abaixo foi
formulado por nós a partir das distinções da fonologia em relação á fonética encontradas no artigo
de Trubetzkoy que ora analisamos:
3 O grifo em negrito é meu. {Este estudo também é citado no artigo de Lévi-Strauss A Análise Estrutural em Lingüística e em Antropología, para discutir o problema de situar o estágio dos estudos de parentesco em relação aos estudos lingüísticos na véspera da ''revolução fonológica".
21
Fonética Fonologia
Objeto - "' fatores materiais do fala, quais - O; fonemas "( ... ) vale decir lo;
de estudo sejam, as vibrações do ar, a posição e elementos constitutivos de! significante
"' movimentos dos órgãos q"' o; !ingtiístico, elementos incorporales,
produzem. puesto que e! significante mismo lo es
• o que se pronuncia em realidade ao (segun F. Do Saussure)" (Trubetzkoy
se falar uma língua. [1933]: 19).
-O que se crê pronunci[lf ao se falar uma
língua.
Objetivos - descobrir as diferenças de sons que - •• Estudíar las diferencias que cada uno
permanecem imperceptíveis " debe notar en su lengua materna, puesto
falante. qoo elbs son '" '"' sirven para
- Estudar o mecanismo do diferenciar e! sentido de las palabras de
funcionamento do; orgãos las frases" (Trubetzkoy [1933]: 19).
articulatórios.
Atitude - Atomista: cada som é estudado do - Estruturalista : parte do sistema , como
em forma isolada, sem levar om do um todo orgiinico para estudar sua
relação consideração sua rclaçao oom o; estrutum.
a SC\l demais sons da língua - Univcrsalista: Dcdk:a-~e a descoberta
objeto - Individualista: Cheg(\·Se à de Leis univcrsJb " emutura do
genemlizoção através de uma linguagem.
quantidade razoável de estudos
parciais consagrados a sons isolados.
Com efeito, o procedimento metodológíco de caráter estruturalista que diferencia a
fonologia da fonética - esta última de natureza atomista * tem como ponto central a concepção de
fonema baseada no seu aspecto diferencial, e não simplesmente no aspecto psicofísico dos sons
da fala. Isto representa atribuir a certas relações lógicas, em detrimento de qualquer outro aspecto,
um papel de grande relevância na definição de fonema. Que relações são estas?
22
O procedimento estruturalista se fundamenta, portanto, na tese de que o fonema constitui
se num "elemento diferencial". Para Trubetzkoy, isto equivale a dizer que o fonema é antes de
tudo um valor lingüístico, no sentido saussureano. Assim ao tratar o fonema como valor
lingüfstico, Trubetzkoy enfatiza o caráter relaciona! e sistêmico do fonema, pois para Saussure a
língua é "um sistema de valores puros"(Saussure [ 1916]ed. bras. s/d: 130). Por outro lado, esta
concepção do fonema e das relações lógicas que o definem não deixa de repousar no princípio
saussureano da arbitrariedade do signo. Do ponto de vista da língua concebida como sistema,
este princípio esvazia os seus elementos constitutivos de qualquer relação necessária no vínculo
interno que une um som a uma idéia. Sabemos que, para Saussure, considerando-se os elementos
que entram em jogo na constituição do signo, quais sejam, o "conceito" e a "imagem acústica", o
vínculo que os une é inteiramente arbitrário, ou seja não há nenhuma relação de motivação na
"escolha" de um pelo outro. Uma vez que estes elementos lingüísticos a que nos referimos são
ambos, para Saussure, de natureza psíquica e dada esta combinação (conceito/imagem acústica)
produzir apenas forma e não substância, a principal conseqüência disto é que os valores
lingüísticos tornam-se inteiramente relaftvos.
Dísto decorre também que o valor atribuído ao signo lingüístico torna-se inteiramente
dependente da noção de sistema. Assim sendo, é justificado que o procedimento analítico do
lingüista deva partir do sistema para obter os elementos que o constituem, como quer a fonologia
de Trubetzkoy. Segundo Saussure, o sistema lingüístico é uma totalidade solídáría, o que faz
com que o valor de um t.enno lingüístico seja definido apenas pela presença simultânea de outros.
Os valores são ...
" ... puramente diferenciais, definidos não positivamente por seu
conteúdo, mas negativamente por suas relações com os outros termos
do sistema. Sua característica mais exata é a de ser o que os outros
não são"( Saussure [1916] ed_ bras. s/d:136).
Com efeito, o modo como Trubetzkoy trata o fonema, como um elemento diferencial, é
portanto, uma forma de aplicar a teoria do valor lingüístico saussureana ao estudo dos fonemas.
Ao transpo11ar o modelo teórico saussureano da língua para sua aplicação no estudo do fonema,
23
tanto Trubetzkoy, quanto Jakobson e Karcewski contróem, na fonologia uma metodologia que
toma como ponto de partida o sistema fonológico, pois só partindo desta "totalidade solidária" se
poderá apreender a estrutura do sistema. Um elemento somente poderá ser definido se tornado em
sua relação diferencial com os demais elementos do sistema. Desta forma é que a fonologia
defendida por Trubetzkoy é definida como "estruturalista por natureza", o que significa que
enfoca primordialmente o sistema como um todo para, a partir daí, encontrar sua estrutura.
Isto, contudo, não basta para fazer da fonologia uma "ciência piloto", pois, como já
dissemos, segundo Lévi-Strauss a fonologia iria operar uma revolução científica na Lingüística e
nas ciências sociais. Para tanto, algo de novo se iria associar à contribuição que seus fundadores
retiraram de Saussure e dos demais precursores no estudo das oposições fônicas. O caminho que
conduz à contribuição inovadora dos fundadores da fonologia decorre de um aprofundamento no
estudo das oposições jônicas. Isso leva os fonólogos à elaboração de uma definição de "oposição
fônica" apresentada no "Projeto de Terminologia Fonológica Standardizada"(Ver: "Trabalhos do
Cfrculo Lingüístico de Praga", v oi IV). No sentido definido no "Projeto", uma "oposição fônica"
é uma diferença fônica suscetível de ser em ampla medida útil para diferenciar as significações
intelectuais de um língua dada. Para compreendermos a dimensão do legado teórico da fonologia
aplicado por Lévi-Strauss no estudo dos fenômenos culturais, precisamos apresentar, mesmo que
de maneira resumida, o quadro conceptual da fonologia estrutural da época.
Trubetzkoy concebe as oposições jônicas como correlações lógicas, portanto as
diferencia em dois tipos, as di.sjunções e as correlações, sendo a correlação uma propriedade que
consiste na oposiçüo entre a presença e ausência de uma qualidade fonológica que distingue
vários pares de fonemas. Como, por exemplo, em português, a oposição entre a presença e
ausência de sonoridade que distingue os pares de fonemas h: p, d: t, Por outro lado, as oposições
fõnicas têm a propriedade da disjunção quando duas - ou mais - unidades fonológicas
pertencentes ao mesmo sistema se opõem uma a outra sem fonnar entre si um par de correlações,
como, por exemplo, (p] e [s] Além disso, Trubet.zkoy define a presença de uma qualidade
fonológica numa correlação corno série marcada e sua ausência como série não-marcada. Por
24
último chama a faculdade que certas correlações possuem de combinarem-se entre si de feixes de
correlação .
Não podemos, portanto, perder de vista que a concepção estruturalista das oposições
fônicas se constitui e se reafirma a partir do caráter relaciona! do fonema. Posto isso, chegamos
ao ponto de articulação da teoria do valor saussureana com a noção de "oposição fônica". Isto se
expressa quando Trubetzkoy afirma que "una cualidad fonológica sólo existe como término de
una oposición fonológica'' (Trubetzkoy [1933]: 24). Dado que uma qualidade fonológica é um
dos termos de uma oposição dentro de um sistema fonológico, esta qualidade fonológica terá o
seu valor lingüístico estipulado na oposição em relação aos termos do sistema. Assim, o valor
lingüístico de um fonema é definido pela diferença em relação ao seu oposto e em relação aos
demais elementos do sistema. Isso cria, segundo Trubetzkoy, a necessidade de se estudar regras
de emprego dos fonema..;;, bem como as condições de valor de uma oposição dada e as
combinações de fonema.;; ;:tdmitidos numa língua dada.
É importante notar, entretanto, que, como nos alerta Benveniste, Saussure jamais
empregou a palavra estrutura. A palavra empregada pelo mestre gencbrino e cuja noção é
considerada essencial em sua teoria e a de sistema.
"( ... ) A noção de língua como sistema havia muito que era
admitida pelos que haviam recebido o ensinamento de Saussure, primeiro
em gramática comparada, depois em Lingüística GeraL Se se acrescentam
estes dois outros princípios, igualmente saussureanos, de que a língua é
forma, não substância e de que as unidades da língua não podem definir
se a não ser por suas relações, indicam-se os fundamentos da doutrina que
iria, alguns anos mais tarde, por em evidência a estrutura dos sistemas
lingüísticos." (Benveniste 1988: 100)
Mas, para firmarem a fonologia corno uma ciência dentro dos padrões epistemológicos
das ciências da natureza da época, esta geração de fonólogos foi além no aspecto metodológico
do problema. Para isso são definidos outros procedimentos metodológicos mais genéricos os
quais Lévi-Strauss ressalta em seu artigo e cuja validade para a Antropologia ele irá verificar.
25
Desses procedimentos metodológicos da fonologia apontaremos abaixo aqueles que são
considerados por Lévi-Strauss importantes para a Antropologia estrutural, em sua transposição
para o estudo dos fenômenos da cultura:
a) Levar em conta o caráter concreto do objeto de estudo:
"Pero lo que sobretudo importa es que esa teoria se
apoya sobre una masa de hechos concretos y la circunstancia
de que toda ella ha nacido de los trabajos sobre problemas
concretos de Ia fonologia de la más distinta<; lenguas. La
fonologia actual no se limita a declarar que los fonemas son
siempre miembros de un sistema , sino que muestra5 sistemas
fonológicos concretos poniendo en evidencia su estructura."
(Tmbetzkoy [ 1933]: 27).
b) Investigar as !eis fonológicas válidas para todas as línguas:
" ... aplicando los prmcíp10s de la fonologia a muchas
lenguas enterarncnte diferentes, con e! fin de poner en evídencia
sus sistemas fonologicos, y estudiando la estructura de esos
sistemas, no se tarda en advertir que ciertas combinaciones de
correlaciones pueden ser bailadas en las mas diversas lenguas, en
tanto que otras no existen en ninguna parte. Trátase aqui de !eyes
de la estructura de los sistemas fonológicos. Aun quando se las
obtiene por pura inducción empírica, tales leyes se dejan a veces
deducir logicamente, lo qual les otorga un caráter absoluto
(Tmbetzkoy [1933]: 27).
c) O estudo comparado:
"La investigacion de leyes fonológicas generales
supone eJ estudio comparado de los sistemas fonológicos de todas
26
las lenguas de! mundo, con exclusion de sus relaciones genéticas"
(Trubetzkoy [1933]: 28)
d) O estruturalismo e universalismo sistemático da fonologia.
Este último aspecto do método da fonologia, sobre o qual nos detivemos acima, merece
que digamos um pouco mais sobre ele. Segundo Trubetzkoy, há uma diferença significativa em
relação às teorias de Ferdinand de Saussure e de J. Baudoin de Courtenay: estes autores
elaboraram suas teorias em uma época em que a Lingüística científica se resumia à Lingüística
histórica. Esta última, por sua vez, dado seu caráter atornístico, se preocupava em estudar os
elementos lingüísticos tomados isoladamente, o que logicamente se opunha às tendências
univcrsalistas e estruturalistas da teorias de Saussure e B. de Courtenay. Consequentemente, a
defesa da legitimidade de suas teorias teria levado estes autores a uma atitude psicológica que
impingia uma certa degradação à lingüística histórica< Isto é assinalado, sobretudo com a ênfase à
oposição entre a "sincronia" e a "diacronia'' proposta por Saussure. A posição adotada por
Trubetzkoy a respeito das diferenças entre sincronia e diacronia, na fonologia é, por assim dizer,
mais amena. Para ele, admitir uma oposição radical entre os dois eixos da linguagem, seria uma
concessão ao atomismo dos neogramáticos:
"Grifo meu.
"Puesto que un sistema fonológico no representa la
suma de fonemas aislados, sino un todo orgânico cuyos fonemas
constítuyen los miembros y cuya estmctura se halla sumetida a leyes,
la 'fonologia histórica' no puede circunscribirse a la história de los
fonemas aistados, sino que debe encarar e\ sistema fonológico como
una entidad orgânica en via de desarrollo. Comtemplados desde ese
punto de vista, los cambios fonológicos y fonéticos adquieren un
sentido y una razón de ser. Al tiempo que se hal!a hasta cierto punto
detenninada por las !eyes genemles de estructura - que excluyen
ciertas combinaciones y favoreceo la existência de otras -, la
27
evolucion del sistema fonológico está gobemada en cualquier
momento dado por lu tendencia hacia un fin." (Trubetzkoy [1933]:
29).
A fonologia nascente, segundo Trubetzkoy, teria seu "estruturalismo" e seu
''universalismo sistemático" caracterizados por esta diferença em relação a Saussure: por
considerar a "evolução" dos sistemas fonológicos. Uma outra diferença importante é que há,
nesta época, um movimento de mptura com o "atomismo" que dominava não somente a
Lingüística mas um conjunto de outras ciências. Segundo Tmbetzkoy a fonologia de sua época
faz parte de um movimento científico mais amplo, que envolvia a física, a química, a biologia, a
psicologia e que envolveria posteriormente a Antropologia.
Consideramos a incursão que realizamos até aqui no artigo de Tmbetzkoy, deste modo,
suficiente para uma primeira apresentação dos fundamentos teóricos da fonologia estrutural.
Retomando agora a questão da relação da Antropologia com a Lingüística, vejamos como Lévi~
Strauss avalia a aplicação do método estrutural da fonologia ao estudo dos objetos da
Antropologia. Isso desde já pressupõe que a hipótese da semelhança entre estes objetos ou bem
está na própria natureza deles, ou bem decorre da próprio processo de formulação do método
estrutural, uma vez que na fonologia é o próprio processo de análise das oposições fônicas que
permite elaborar propriamente o conceito de fonema e assim construir o seu objeto.
Sobre esta questão, o que podemos considerar por enquanto é que, para Lévi-Strauss, é
possível supor uma semelhança formal entre a cultura e a linguagem. No que se refere aos estudos
de parentesco, por exemplo, ele considera isso bastante evidente:
"No estudo dos problemas de parentesco (e sem dúvida também no
estudo de outros problemas), o sociólogo .se vê numa situaçãQ
formalmente semelhante à do lingüista fonólogo: como os fonemas os
tennos de parentesco são elementos de significação; como eles, só
adquirem esta significação sob a condição de se integrarem em
sistemas; os 'sistemas de parentesco', como os 'sistemas fonológicos'.
são elaborados pelo espúito no estágio do pensamento inconsciente;
28
enfim a recorrência, em regiões afastadas do mundo e em sociedades
profundamente diferentes, de fonnas de parentesco, regras de
casamento, atitudes identicamente prescritas entre certos tipos de
parentes etc. faz crer que, em ambos os casos, os fenômenos observados
resultam do jogo de leis gerais mais ocultasC. .. ).6 ( ... )numa outra ordem
de realidade, os fenômenos de parentesco são fenômenos de mesmo
tipo que os fenômenos lingüísticos." ( Lévi-Strauss [1945] ed. bras. s/d:
48-49).
Consideramos de fundamental importância uma análise mais detida do conteúdo destas
afirmações de Lévi-Strauss, cuja validade parece se sustentar na aplicação do método estrutural
da fonologia aos estudos antropológicos. Lévi-Strauss supõe encontrar nos estudos do parentesco
uma tendêncía a se passar de uma interpretação "atomista" para uma abordagem estruturalista.
Segundo Lévi-Strauss, os estudos sobre o parentesco estavam, sobretudo com Rivers- para quem,
por exemplo, o casamento entre primos cruzados na Índia era subproduto da organização dualista
lá existente -, inteiramente submetidos a uma "abordagem diacrônica" e "atomista". Nestes
estudos os fatos de parentesco eram tratados de maneira isolada, "( ... )cada detalhe de
terminologia, cada regra especial de casamento, é ligada a um costume diferente, como uma
conseqüência ou vestígio: cai-se num excesso de descontinuidade" (Lévi-Strauss[1945Jed. bras.
sld:50).
Este "excesso de descontinuidade" tem, segundo Lévi-Strauss, pouca capacidade
explicativa, ignora ou generaliza uma série de fenômenos do problema do parentesco: para Lévi
Strauss o casamento entre primos cruzados, por exemplo, antes de ser conseqüência ou vestígio
de um costume isolado é um caso privilegiado no qual coexistem dois aspectos de um mesmo
princípio geral da organização social, o "principio da reciprocidade", através do qual realiza-se,
numa sociedade, "a passagem da hostilidade à aliança, da angústia à confiança, do medo à
amizadc"(Lévi-Strauss 1976:107). O "princípio da reciprocidade", segundo Lévi-Strauss, age de
duas maneiras diferentes e complementares:
& Grlfos meus.
29
" ... ou pela constituição de classe que delimita automaticamente o
grupo dos cônjuges possíveis ou pela determinação de uma relação, ou
de um conjunto de relações que permitem dizer em cada caso se o
cônjuge considerado é desejável ou excluído. Os dois critérios são dados
simultaneamente mas sua importância relativa varía."(Lévi-Strauss
1976:107)
No caso dos primos cruzados, entretanto, os dois aspectos do princípio de reciprocidade
coexistem e têm a mesma importância relativa. Com isso Lévi-Strauss ressalta as característica')
de anterioridade e generalidade da noção de sistema para o entendimento dos fenômenos do
parentesco. Diferentemente do modo como Rivers vinha tratando o fenômeno do parentesco,
como uma união diferencial explicada por um causa única7, Lévi-Strauss sustenta a tese de que,
embora cada um dos possíveis traços do fenômeno do parentesco - no caso do casamento entre
primos cruzados, a união preferencial com a filha do tio materno - tenha sua própria história e
esta possa ser diferente para cada um dos grupos onde o traço apareceu, eles não são isolados e
independentes um dos outros:
"Cada qual aparece, ao contrário, como uma variação sobre um
tema fundamental, como uma modalidade especial que se desenha
sobre um pano de fundo comum, e é unicamente aquilo que há de
individual em cada qual que pode ser explicado por causas
particulares ou área cultural consideradas" ( Lévi~Strauss 1976; 164).
Esta concepção, segundo o fundador da Antropologia estrutural, legitima uma abordagem
que passe a considerar os sistemas de parentesco em seu "conjunto sincrônico". Isto levaria o
antropólogo a tratar os fátos do parentesco do mesmo modo que o fonólogo trata os fonemas, ou
seja, a partir do sistema que constituem. A partir daí é possível encontrar a "estrutura global do
parentesco" refletida em cada um dos sistemas.
7 Rivers explica o casamento entre primos cruzados, nas ílhas Bank, como união preferencial com a filha do tio materno como um privilégio matrimonial em relação às moças do grupo transmitido ao filho da irmã pelo irmão da mfie_
30
Entretanto, para que os elementos de parentesco sejam comparados aos fonemas é
necessário, segundo Lévi-Strauss, uma definição mais acurada dos próprios sistemas de
parentesco. Para Lévi-Strauss, o que se denomina comumente sistema de parentesco recobre duas
ordens diferentes de realidades: a primeira é constituída pelos termos do parentesco, ou seja, as
palavras que servem para exprimir diferentes tipos de relações fami!iais. Por exemplo: pai, mãe,
tio, primo, etc. Entretanto, o fenômeno do parentesco não se resume a esta nomenclatura, que
comporia o que é denominado por Lévi-Strauss como "sistema tenninológico", ou seja, uma
espécie de léxico, onde os termos tem sua significação dada de fmma isolada, sem considerar sua
posição no sistema tomado como um todo. Ficar na análise deste "sistema" seria, segundo ele,
adotar uma posição atomista. Numa outra ordem de realidade, à qual somente se teria acesso por
uma aplicação do método estrutural, está o 'sistema de atitudes', através do qual indivíduos ou
grupos de indivíduos "se sentem- ou não se sentem, conforme o caso- obrigados uns em relação
aos outros a uma conduta determinada: respeito ou familiaridade, direito ou dever, afeição ou
hostilidade" (Lévi-Strauss [1945] ed. bras. s/d:53). Para Lévi-Strauss, a "analogia" dos "sistemas
de parentesco" com os "sistemas fonológicos" é válida apenas quando o antropólogo leva em
conta os primeiros como sendo sistemas de atitudes, pois, neste caso, cada elemento do
parentesco, asstm como o fonema, é definido por sua relação com os demais elementos do
sistema,
Para Lévi-Stmuss, a diferença apontada entre o "sistema terminológico" e o "sistema de
atitudes" implica em supor a inexistência de relações de correspondência termo a termo entre
atitudes e nomenclaturas. Segundo ele, se há correspondência ela se dá atnwés do
restabelecimento de uma interdependência ao modo de uma ''integração dinâmica" entre estas
duas ordens de realidade do sistema de parentesco,
Lévi-Strauss utiliza a análise realizada sobre o problema do tio materno, clássico nos
estudos de parentesco, para situar, num "exemplo concreto" as distinções e correlações existentes
entre sistema terminológico e sistema de atitudes, assim como para demonstrar uma aplicação
prática do método estrutural num problema próprio da Antropologia_ Segundo Lévi-Strauss, nas
ciências sociais, durante todo o século XIX pelo menos, tratou-se a recorrência de relação entre
31
tio materno e o sobrinho num grande número de sociedades como a sobrevivência de um regime
matrilinear, tratamento este somente contestado com propriedade por RH.Lowie em sua obra
"The Matrilineal Complex", de 1919. Lévi-Strauss reputa a Lowie a engenhosidade de criar, com
esta obra, a única base positiva de uma teoria do parentesco com base numa concepção
sistemática do parentesco, em contraposição ao atomismo dominante do século XIX. O princípio
de Lowie para explicar o problema da recorrênda de tipos regulares da relação entre tio materno
e sobrinho em várias sociedades consiste em tratá-lo como "um caso particular de uma tendência
muito geral de associar relações sociais definidas com formas8 definidas de parentesco sem
considerar o lado materno ou patemo."9
A partir deste prindpio de Lowie, Lévi-Strauss terá um suporte razoavelmente firme
para construir um teoria do parentesco baseada em processos intrínsecos ao próprio sistema. A
partir daí Lévi~Strauss suporá o seguinte: assim corno nos sistemas fonológicos os sons de uma
língua são "escolhas" dentro de um universo amplo de possibilidades do aparelho vocal, nos
sistemas de parentesco, as atitudes existentes no interior de um sistema considerado são definidos
dentro de uma diversidade de atitudes interindividuais possíveis. Da mesma forma que nos
sistemas fonológicos, nos sistemas de parentesco apenas alguns elementos constituirão as
combinações de uma dada estrutura.
É importante considerar que a distinção operada por Lévi-Strauss entre sistema de
terminológico e sistema de atitudes, não significa que ele abrace a tese de que ninguém poderá
compreender um termo se não tiver um conhcncímento não-linguístico deste teimo. Ou seja, de
que as atitudes atribuídas culturalmente ao tio ou a um sobrinho precisem ser vivencladas para
que se compreenda o sentido das palavras tio e sobrinho. Ao que nos parece, Lévi-Strauss apenas
quer remeter a questão da significação das atitudes sociais para a estrutura dos sistemas sociais.
Ao dar relevo ao aspecto estrutural do problema do parentesco, Lévi-Strauss procura o
significado de uma determinada atitude do sistema de parentesco num código que opera a partir
das relações entre os termos do sistema.
8 Grifos meus. 9 R.H. Lowie, citado por Lêvi-Strauss (Lévi-Strauss,[I945 ],ed. bras. s/d:56).
32
Ainda no caso específico do problema do Tio Materno, ou "avunculado"- tenno mais
adequado para designar o fenômeno nos estudos do parentesco- a concepção de Radicliffe Brown
indica a existência de um sistema de atitudes antitéticas . Esta concepção senl tomada por Lévi
Strauss para buscar neste sístema de atitudes antitéticas, os pares de oposições que são tão caros
ao fonólogo. Segundo Lévi-Strauss, um par de oposições, no caso do problema do tio materno, é
visto por Radcliffe Brown da seguinte forma:
"Num caso, o tio matemo representa a autoridade família!; ele é
temido, respeitado, obedecido e possui direitos sobre seu sobrinho, no
outro, é o sobrinho que exerce privilégios de familiaridade em relação a
seu tio, e pode tratá-lo mais ou menos como vítima. Em segundo lugar
existe uma correlação face ao tio matemo e a atitude com relação ao
pai. Em ambos os casos encontramos os mesmos dois sistemas de
atitudes, mas invertidos: nos gmpos onde a relação entre pai e filho é
familiar, a relação entre tio e sobrinho é rigorosa; e lá onde o pai
aparece corno o austero depositário da autoridade familial, é o tio que é
tratado com liberdade."(Lévi-Strauss [1947] ed. bras. s/d:57).
A objeção que Lévi-Strauss apresenta para a interpretação que Radcliffe-Browm faz do
avunculado é a de que para este último o sentido destas oposições é determinado pelo tipo de
filiação. Assim, no regime patrilinear, onde o pai representa a autoridade, a relação entre tio
materno e sobrinho é, digamos, afável. Inversamente, no regime matrilinear, o tio materno
encarna a autoridade e tem relações rigorosas com o sobrinho. Para Lévi-Strauss é possível uma
outra interpretação na qual se adote como princípio que a relação avuncular não se dá entre dois
termos - tio materno/sobrinho - " ... mas a quatro termos: ela supõe um ümão, uma irmã, um
cunhado e o sobrinho". Ademais, no que ele denomina "sistema global de parentesco"( ... ) "se
acham presentes quatro tipos de relações organicamente ligadas, a saber: irmão/irmã,
marido/mulher, pai /filho, tio maL/filho ela irmã." (Lévi-Strauss [1945] ed. bras. s/d:61)
Lévi-Strauss analisa o problema do parentesco em diversas sociedades e chega a duas
conclusões fundamentais: primeiro, que os problemas do parentesco devem ser tratados corno
33
relações internas ao sistema, Segundo, considerando-se o "sistema global" de parentesco, que
nele ocorre a mesma relação fundamental entre os quatro pares de oposição que são necessários
para sua elaboração, Isso induz o fundador da Antropologia estrutural a formular uma lei , válida
para qualquer sistema de parentesco considerado, segundo a qual "a relação entre o tio materno e
o sobrinho está para a relação entre irmão e irmã, corno a relação entre pais e filho está para a
relação entre marido e mulher" (Lévi-Strauss [ 1945] ed, bras, s/d:59), A partir desta lei, Lévi
Strauss propõe os seguintes esquemas interpretativos para cada sistema de parentesco por ele
estudado:
+ +
A~ O
\ Trobriand- matrilinear Tcherkesses- patrílinear
+ +
A~ O
\ Siuai- matrilínear Tonga - patri[inear
34
+ Onde: + representa relações Livres e familiares
L; =o
\ - representa rel. acentuadas pela hostilidade
b. Homem, O Mulher, /1= O marido e mulher,
L; o irmão e innã
Lac. Kutubu- patrilinear
Com o esquema acima podemos entender o que Lévi-Strauss considera a estrutura
mais simples do parentesco, que ele chama de "átomo de parentesco":
"Esta estrutura está fundada, ela própria, sobre quatro
termos (irmão, irmã, pai, filho) unidos entre si por dois pares de
oposições correlativos e tais que, em cada uma das duas gerações em
causa, existe sempre uma relação positiva e uma negativa." (Lévi-
Strauss [1945] ed. bras. s/d: 64)
Este procedimento metodológico de Lévi-Strauss representa um golpe na concepção
atomista e naturalista do parentesco, as relações do parentesco não serão mais definidas por
vínculos de filiação ou consangüinidade, simplesmente. O que Lévi-Strauss adota como ponto de
partida não é mais a família biológica, mas o próprio sistema de parentesco tomado como sistema
simbólico: "o que é verdadeiramente elementar não são as famílias, termos isolados, mas a
relação entre estes termos."( Lévi-Strauss [1945] ed. bras. s/d: 69)
Estas considerações a respeito da aplicação da análise estmtural aos estudos do
parentesco indicam a possibilidade, para Lévi-Strauss, da aplicação do método estrutural da
fonologia aos estudos de parentesco, já que pressupõe os mesmos procedimentos fundamentais
indicados na análise estrutural dos sistemas fonológicos:
35
l) é aplicado na análise de um problema cuja concretude reside no estudo realizado por
Lévi-Strauss sobre a organização social de várias sociedades concretas: os indígenas das ilhas
Trobriands, na Oceania, dos Tcherkesses, no Cáucaso, etc., das quais o autor diz "mostrar"
"sistemas de parentesco concretos'',
2) apresenta a possibilidade, às vezes por indução empírica, outras por dedução lógica, de
analisar a.;; estruturas de diferentes sistemas de parentesco e propor a existência de leis universais.
3) Tais leis são obtidas por um estudo comparado dos sistemas de parentesco em várias
socledades do mundo. Assim como a fonologia faz com as diferentes línguas.
4) Quanto ao estruturalismo e universalismo sistemático de sua Antropologia, serão
discutidos com mais profundidade na seqüência deste trabalho.
Deste modo, investigar os fundamentos de uma concepção de linguagem em Lévi
Strauss nos permitirá compreender porque, para ele, a língua fornece um "modelo lógico" capaz
de explicitar a estrutura das demais formas de sistemas de significação presentes na cultura. Ao
aderir às concepções de um outro fonó!ogo da época, R Jakobson, sobre os fundamentos da
linguagem, Lévi-Strauss adota também a concepção lógica dos sistemas de significação adotada
pelos estruturalismo lingüístico. De fato, para J akobson, é possível partirmos do estudo de uma
língua particular para chegarmos a uma teoria geral da linguagem, concebida como uma forma de
comunicação, dentre outras; consideradas todas as outras formas de comunicação, é possível
concebê-la a partir de uma mesma teoria geral da línguagem.
A busca de invariantes universais também se sustenta teoricamente nas descobertas de
Jakobson sobre as regularidades encontradas nos sistemas fonológicos e que desembocaram na
tese da existência de universais que fundamentam os sistemas fonológicos das línguas de todo o
mundo. Segundo Jakobson, a análise lingüística consiste em desmontar, por níveis de análise, as
unidades constitutivas mais complexas do discurso em moJfemas que são seus últimos elementos
dotados de significação. Num nível mais profundo, a análise lingüística consiste em alcançar os
últimos elementos constituintes dos mm'femas, que são capazes de dijàenciar um morfema de
36
outro. A estes elementos últimos Jakobson dá o nome de traços distintivos, não sendo os fonemas
nada mais do que feixes de traços distintivos.
Na obra "Fundamentais of Language" Jakobson apresenta, em primeiro lugar a língua no
nível dos "traços distintivos". Este nível, segundo ele, é o que permite que o falante de uma
língua ao ouvir uma fala nesta língua divide facilmente e de maneira inconsciente a corrente
sonora contínua em um número determinado de unidades que se sucedem. Estas unidades
apresentam, cada uma delas, um número determinado de traços que, por sua vez, se apresentam
cada um deles como um termo de uma correlação que é usado nesta língua com um valor
diferencial.
Os rnorfemas constituem estruturas compostas de traços distintivos que são as últimas a
serem dotadas de significado próprio. Assim, corno pretendemos já ter mostrado em Trubetzkoy,
para diferenciar um morfema de outro, o falante seleciona entre duas qualidades polares de uma
mesma categoria (contraste grave/agudo) ou entre presença ou ausência de uma determinada
qualidade (oposição sonoro/surdo). Segundo Jakobs.on, é da posse de um código que compreende
todos os traços distintivos de sua língua que o falante é capaz de distinguir os mmji?mas e as
palavras inteiras e assim fazer o recorte necessário à significação.
Desta forma, a análise estrutural na Lingüística separa, ainda que de maneira artificial,
dois níveis principais da linguagem. Por um lado o nível semântico, que compreende as unidades
significativas simples e complexas, do morfema ao discurso. Por outro lado, separa, por assim
dizer, o nível difi?rencial , que corresponde às unidades significativas simples e complexas cuja
função é diferenciar as diversas unidades significativas.
Uma proposta mais detalhada sobre a importância dos níveis da análise lingüística e da
própria língua é encontrada em Benveniste. Segundo ele, a noção de nível é essencial para uma
adequação da análise à natureza articulada da linguagem e ao caráter discreto dos seus elementos.
Esta adequação está, segundo Benveniste, correlacionada com a aplicação da técnica da análise
distribucionaL
37
"O procedimento inteiro da análise tende a delimitar os elementos
através das relações que os unem [relação sintagmática e relação
paradigmática]. Consiste em duas operações que se comandam uma à outra e
das quais todas as outras dependem: I" a segmentação; 2" a substituição"
(Benveniste, 1988:128).
Entretanto, na medida em que segmentação e substituição não têm o mesmo alcance
analítico, segundo Benveniste, pode-se observar uma diferença entre as duas operações: embora
seja preciso, em primeiro lugar, segmentar o "texto" - para Benveniste; para Jakobson,
"discurso" - em partes cada vez mais reduzidas e a partir daí, identificarem-se esses elementos
não segmentáveis, há um nível, o dos elementos não segmentáveis, em que somente as
substituições operam.
Por exemplo, ao segmentar a seguinte palavra:
Fr. Raison , "Razão" em [r]-[e]-[z]-[õ], em que se podem operar as seguintes
substituições pelas quais identificamos fonemas da língua francesa:
[s] em vez de [r] (saison, "estação");
[a] em vez de [f:} ( rasons, "raspemos");
[y] em vez de [õ] (rayon, "raio")
[e) em vez de [õ] (raísin, "uva")
Além do mais, essas substituições podem ser arroladas: a classe dos substitutos possíveis
de [r] em [rczõ] compreende [b], [s], [m] [t] [v]
Segundo Bcnveniste, os fonemas são os elementos scgmentáveis mínimos cuja análise
permite identificar traços distintivos. Por exemplo, no fonema [d'] isolam-se quatro traços
distintivos: oclusão, dentalídade, sonoridade, aspiração. Entretanto, por não poderem os traços
distintivos realizarem-se fora da articulação fonética em que se apresentam e por não serem
38
ordenados sintagmaticamente: a oclusão é inseparável da dentalidade e o sopro, da sonoridade,
ambos são passíveis de serem analisados apenas pela operação de substituição.
Dessa forma, Benveniste distingue duas classes de elementos mínimos: os que são ao
mesmo tempo segmentáveis e substituíveis, os fonemas e os que são apenas substituíveis, os
traços distintivos dos fonemas.
A partir desses processos Benveniste atinge o que chama:
"Os dois níveis inferiores da análise, o das entidades segmentáveis
mínimas, os fonemas, o nível fonemárico, e o dos traços distintivos, que
propomos chamarem-se merismas (gr. mérisma, - atos, 'delimitação,
parte, pedaço'), o nível merismático." ( Benveniste 1988: 128)
Uma vez que, chegando-se a este ponto, a análise não pode descer para um nível inferior
ao merismático, Benveniste propõe que a análise vise o nível superior, composto de porções de
texto mais longas.
Por exemplo:
Seja a cadeia ingl. [li:vineiz] "leaving things (as they are)". Identifica-se, em diferentes
posições, as três unidades fonemáticas [í], [e], [n], tenta-se ver se essas unidades nos permitem
delimitar uma unidade superior que as conteria e, assim, encontram-se seis combinações
possíveis dessas unidades[ien], [ine], [ein], (eni], [nie], [neiJ_
Segundo Benveniste, há nesse exemplo duas combinações que encontram-se efetivamente
na cadeia, mas realizadas de tal maneira que têm dois fonemas em comum. Diante dessas opções,
portanto, deve-se escolher urna e excluir outras: em [li:vineiz] será ou bem [nei],ou bem [ein].
Ante a estas opções Benveniste nos diz que o falante rejeitará [nei] e escolherá [ein]. Coloca-se
Benvenistc, contudo, a pergunta que é também a nossa: "de onde vem a autoridade dessa
decisão?'' . Ele mesmo reponde:
39
"Da condição lingüística do sentido ao qual deve satisfazer a
delimitação da nova unidade de nível superior: (einJ tem um sentido,
[nei] não tem" ( Benveniste 1988: 131)
Em suma, Benveníste propõe que, embora a técnica da análise distribucionaJ não o ponha
em evidência, o nível é um operador, na medida em que "uma unidade lingüística só será
concebida como tal se se puder identificar em uma unidade mais alta (Benveniste 1988: 131).
Assim, do fonema passa-se ao nível do signo, do signo ao nível da palavra, da palavra à frase, da
frase ao nível do discurso.
Benveniste ainda propõe uma teoria da relação entre os níveis, que segundo ele, baseia-se
num princípio de relação entre forma e sentido. Retomemos, no entanto, a questão das invariantes
universais.
O problema das relações invariantes universais que organizam os sistemas fonológicos,
segundo Jakobson, tem raízes históricas no questionamento bastante antigo sobre a existência e
definição de elementos diferenciais últimos na linguagem, cujo início remete aos gramáticos
sânscritos (sphota) e a Platão (stoijeion). O estudo propriamente lingüístico sobre as invariantes
universais da linguagem, porém, começou apenas em 1870, prosseguindo com o surgimento do
estnl1uralismo do qual o autor faz parte. Adotando a mesma solução apresentada por Trubetzkoy
-já comentada neste trabalho - para a querela sobre "oposições fônícas", Jakobson considera a
relaçilo entre as entidades fonológicas e os sons como a questão crucial para uma concepção de
oposição fônica que permita chegar a uma distinção precisa entre a fonética e a fonologia. O
método estruturalista é o que, segundo ele, propriamente diferencia e vincula a fonética à
fonologia, já que através dele se pode definir as relações entre as entidades fonológica.;; e os sons.
Os limites. deste vínculo da fonética com a fonologia se definem "na relación que guardao las
entidades fonologicas con e\ sonido". (lakobson [ 1956]1967: 15-16).
Ao analisar a questão das relações entre as entidades fonológicas e os sons, Jakobson
parte da premissa de que os fonemas, concebidos como feixes de traços distintivos, estão ligados
internamente aos sons concretos. Ou seja, situa os traços distintivos dentro dos sons da fala. Isso
40
corresponde a situar o fonema no interior da fala, no seu nível motor, acústico ou auditivo. Com
esta concepção do fonema como imanente ao sons da fala, Jakobson pretendia se opor às diversa<;
concepções que de maneira'> diferentes desvinculam os fonemas dos sons concretos, tais como:
a) O ponto de vista "mentalista" - o fonema é concebido como equivalente mental de um
som situado fora da mente;
b) O ponto de vista "redutor do código" situa o fonema no código e as variantes
fonológicas na mensagem;
c) O ponto de vista "genérico" opõe o fonema ao som corno a classe à espécie. O
fonema é concebido como a classe dos sons que apresentam propriedades semelhantes;
d) O ponto de vista "ficcionista" - Os fonemas são entidades abstratas, fictícias.
Apresentaremos d) o ponto de vista ''algébrico" de forma isolada, pois é nele que
Jakobson encontrará uma oposição mais clara à sua premissa. Segundo esse ponto de vista existe
uma separação máxima entre fonema e som. Essa corrente que tem em Hjelmslev seu principal
representante, pretendia, segundo Jakobson, que a Lingüística se transformasse na álgebra da
línguagem, que operasse com entidades não-norneadas naturalmente, mas apenas com aquelas
entidades nomeadas arbitrariamente por uma escrita fonética, que pudesse ser empregada para o
estudo dos fonemas de qualquer língua. Dessa maneira, para Jakobson, a proposta de Hjelmslev
consi;;te em separar o "plano da expressão", ou seja, "o significante (no sentido saussureano) de
seu aspecto sonoro". Seria construir um código ocasional em oposição ao fenômeno universal da
fala, o que significa, para Jakobson, pretender estudar os fonemas sem recorrer a suas premissas
fonéticas. Procedimento do qual discorda:
"Todo intento de reducir el lenguage a sus elementos
invariantes últimos, mediante un mero análisis de su distribucíon en e!
texto y sin referéncia a sus correlatos empíricos, está condenado ai
fracasso." (Jakobson [I 967] 1956:25).
41
Segundo Jakobson, uma teoria do valor que considere apenas o caráter formal dos
elementos dos sistemas fonológicos não reproduz os diferentes traços distintivos em que se
baseia a trama fonética nem a relação estrutural entre eles. À semelhança da música, os sistemas
fOnológicos, ainda que possam dispor de uma notação gráfica, não podem abstrair-se da matéria
sonora que organizam. Assim, a forma fonológica deve ser estudada em sua relação com a
matéria sonora selecionada pelo código da língua em questão, compreendendo um processo pelo
qual a matéria sonora é elaborada pelo código, que lhe impõe uma organização segundo as leis
próprias da língua. Para Jakobson, isso representa uma intervenção da cultura na natureza, uma
função presente na língua de impor regra..:.; lógicas a um contínuo sonoro.
Jakobson nos diz ainda que a estrutura fonológica da sílaba - que, segundo ele, é o
"esquema elementar" em torno do qual os fonemas se agrupam - vem determinada por um
conjunto de regras que constituem um "modelo lógico" o qual se repete cada vez que aparecem
as seqüências lógicas de fonemas no contínuo da fala. Sabemos que Lévi-Strauss utiliza o
"modelo lógico" da língua como um modelo capaz de reconstituir as lógicas internas subjacentes
aos fenômenos da cultura. Isso, para ele, é possível tão somente por haver semelhança entre as
estruturas dos dois tipos de fenômenos - culturais e lingüísticos -, as quais o "modelo lógico"
serviria para explicitar. Entretanto, segundo Lévi-Straus.s, isto é possível apenas enquanto um
procedimento científico, sem que, no entanto, uma estrutura intetfira na constituição da outra.
Sob esse aspecto, parece-nos que o problema da Lingüística estrutural é semelhante ao da
Antropologia estrutural, isto é, a definição de princípios de classificação. Do ponto de vista da
ciêncías humanas, a análise estrutural de fato representa um avanço pois, com o método estrutural
ultrapassa-se o modelo de classificação genética, a busca de uma ongem comum, de um
protótipo, para as diferentes culturas ou línguas, conforme o caso. Com esse procedimento
refutam-se os critérios classificatórios de natureza histórica como os únicos capazes de explicitar
as relações de similitude supostas existentes nos fenômenos. Para os estruturalistas, as
congruência<; entre as culturas, assim como entre as línguas não se dão por um parentesco
exclusivamente genético.
42
"O parentesco de estrutura pode resultar de uma origem
comum; pode igualmente_ provir de desenvolvimentos realizados
independentemente por várias línguas, mesmo fora de qualquer
relação genética." ( Benveniste 1988: 116)
Esse problema de classificação é, portanto, um problema também de distinção entre
filiação e afinidade, distinção esta que só se torna possível para as ciências humanas com o
surgimento desse novo método cla'isificatório que se baseia na análise de processos lógicos
concebidos como estruturas. A partir daí, é possível supor analogias entre as estruturas e
reconhecer na comparação feita entre elas ]eis de transformação que permitem passar de uma
estrutura a outra.
Para Jakobson, no caso da fonologia a descrição comparativa dos sistemas fonológicos de
diversas línguas cotejadas até mesmo com a aquisição da fonologia e a regressão fonológica do
afásico permitiriam a identificação de leis, leis de implicação vigentes nas diferentes línguas do
mundo. Os avanços que representariam esses estudos para a fonologia, colocariam para os
fonólogos a tarefa de buscarem as leis gerais que regem os diferentes sistemas fonológicos das
diferentes línguas.
"Cada paso que se du en esta direción nos permite reducir la lista
de los rasgos distintivos empleados por las !enguas del mundo; la
supuesta mu!tiplicidad de los rasgos se muestras en buena medida
ilusoria.(. .. )Es preciso completar el estudio de las invariaciones dentro
del sistema fonemático de una lengua con la búsque de invariaciones de
validez universal en e! sistemas fonemático dei lenguage." ( Jukobson
196738-39)
Este avanço científico da fonologia que denuncia a existência de leis universais nos
sistemas fonológicos, é utilizado por Lévi~Strauss também como um modelo, mas, neste caso,
como modelo de ciência, cujo método é capaz de dar conta de processos análogos na cultura, uma
vez que os sistemas culturais podem ser concebidos como sistemas de significação. Daí o
trabalho do Antropologia estrutural envolver a busca das constantes universais da cultura, as
43
quais poderiam expressar a existência de leis de valor universal assim como ocorre na linguagem.
Este fato é de fundamental importância para as pretensões de Lévi-Strauss de definir um alto grau
de cíentificídade para as ditas ciências sociais.
Para Lévi-Strauss, não se trata, todavia, de reduzir a sociedade à língua, ainda que possa
tomar a linguagem corno condição da cultura ao admitir analogias entre as estruturas dos
fenômenos, mas será preciso antes compreender qual sentido adquire a noção de linguagem em
Lévi-Strauss. Ao dizer que "conosco a linguagem está dada", Lévi-Strauss trata de supô-la como
algo que vai além da língua e que subjaz a outros fenômenos culturais. Utilizar o modelo
fonológico elaborado pela Lingüística para definir relações supostas na língua, para buscar regras
lógicas similares supostas como também subjacentes aos fenômenos da cultura, é uma maneira de
definir tais regras pela ciência, mas que não é a única.
Daí a importância do método estrutural para que se possa conduzir a análise dos diversos
aspectos da viela social a um nível mais profundo. O que, com Lévi-Strauss, num primeiro
momento, é levado às últimas conseqüências e irá desembocar no ideal da elaboração de um
código universal aplicável a qualquer ordem de estrutura. O procedimento do antropólogo, neste
caso, seria o de mostrar:
... uma espécie de código universal, capaz de exprimir as
propriedades comuns às estruturas específicas provenientes da cada
aspecto. O emprego deste código deverá ser legítimo para cada sistema
tomado isoladamente e para todos, quando se trata de compará-los.
Estaremos assim em posição de saber se atingimos ou não sua natureza
mais profunda e se coexistem ou não em realidades do mesmo tipo"
(Lévi~Strauss [I 951] ed. bras. s/d:79).
Com o objetivo de propor aos lingüistas a realização deste empreendimento, até certo
ponto ingênuo, de aplicação de um código universal ao estudo das propriedades comuns às
estruturas específicas de cada língua a partir do modelo das estruturas do parentesco de cada
região estudada, Lévi~Strauss faz uma síntese das características estruturais de diversos sistemas
44
de parentesco de algumas regiões estratégicas do mundo. Isso o leva a considerar cinco grandes
áreas do mundo, segundo a modalidade de suas estruturas de parentesco:
a) Área Indo-Européia:
-Muitos elementos disponíveis para ocupar a mesma posição na estrutura
-Estrutura com organização simples.
b) ÁreaSino-Tibetana:
- Elementos pouco numerosos
- Estrutura com organização complexa
c) Área Africana:
-Diversas modalidades intermediárias entre os típos "a" e "b"
d) Área Oceânica:
-Elementos pouco numerosos
-Estrutura com organização simples
c) Área Norte-Americana:
-Elementos em número relativamente elevado
- Estrutura com organização relativamente simples
-Assimetria da estrutura em relação à estrutura da língua.
Desta fonna Lévi-Strauss chega a acreditar, ainda que não por muito tempo, na seguinte
hipótese: desde que o lingüista disponha de características estmturais como as descritas acima,
caberú a ele, comparando-as às estruturas de parentesco, " ... dizer se as estruturas lingüísticas
45
destas regiões podem ser, mesmo aproximativamente, formuladas nos mesmos termos ou em
termos equivalentes" (Lévi-Strauss [ 1951] ed. bras. s/d: 82)
Nós não chegamos a pesquisar sobre a existência de trabalho de lingüistas nessa área, uma
vez que nosso interesse repousa menos na verificação empírica da hipótese da comparação entre
as estruturas de um determinado tipo de sistema de parentesco e a língua correspondente, do que
com a investigação da hipótese da analogia entre linguagem e cultura de modo geral.
A hipótese de um código universal capaz de exprimir as estruturas específicas é
posteriormente considerada legitima somente se tomada como decorrente da aplicação do método
científico. O método estrutural supõe a semelhança entre os fenômenos da cultura, incluindo~se a
língua, sob um aspecto essencial, o da natureza de sua organização interna. Entretanto, este ideal
classificatório que seria o de dispor de leis universais capazes de regerem fenômenos análogos
quanto a suas estrutura parece filiar Lévi-Strauss ao ideal positivista de ciência de Auguste
Comte. Essa possível influência é mencionada por Dosse ( 1993) em sua história do
estruturalismo.
As leis de estrutura se constróem como uma atividade do pensamento humano.Segundo
Lalande (1993) a palavra lei envolve diferentes sentidos que, segundo ele, são
" ... escalonados em série continua, c ligados por transições
estreitas entre dois sentidos limites: o de regra imperativa, anterior
aos fatos que rege; o de fórmula geral, estabelecida a posteriori pelo
estudo dos fatos de que ela é a lei." ( Lalande 1993: 61 0).
Lévi-Strauss parece ver na forma que o pensamento humano encontra de estruturar a
realidade estes dois sentidos limites de lei, que em um constante movimento pendular e
impossibilitado de unir os dois pontos extremos desse semicírculo, insiste em tocá-los repetidas
vezes. Pelo menos na versão straussiana o estruturalismo, assim corno a ciência de um modo
geral, opera como que ínspirada no modelo de Auguste Comte. Pende em primeiro lugar para o
46
segundo sentido limite de lei indicado por Lalande, isto é, como "fó1mu!a geral, estabelecida a
posteriori pelo estudo dos fatos de que ela é lei".
Para Com te poder formular sua "filosofia positiva", ele diz ter encontrado "uma grande lei
fundamental" no progresso do conhecimento humano:
"A lei consiste em que cada uma de nossas concepções
principais, cada ramo de nossos conhecimentos, passa sucessivamente
por três estados históricos diferentes: estado teológico ou fict(cio,
estado metafísico ou abstrato e estado científico ou positivo."(Comte
[!842]!983: 4)
Desse modo, no processo de desenvolvimento do conhecimento humano, Comte supõe
encontrar os três estados referidos acima e os define da seguinte maneira: o "estado teológico",
como o movimento do "espírito humano" para a busca de "conhecimentos absolutos" de
fenômenos que seriam produzidos por "forças sobrenaturais"; o "estado metafísico" como a
substituição dos "agentes naturais" por "forças abstratas" como produtoras dos fenômenos; por
último, o "estado positivo" que reconhece os limites do "espírito humano" para obter ''noções
absolutas" e assim,
"renuncia a procurar a origem e o destino do universo, a
reconhecer as causas íntimas dos fenômenos, para se preocupar
unicamente em descobrir, graças ao uso bem .combinado do racioclnio e
da observação, suas !eis efetivas, a saber, suas relações invariáveis de
sucessão e de similitude (Comte [1842] 1983: 4)
O segundo sentido de lei apresentado por Lalande, o de "regra imperativa anterior aos
fatos gue rege", sustenta propriamente a idéia de Lévi-Strauss de que há uma estrutura subjacente
aos fenômenos da cultura, na medida em estes sejam produtos da condição classifícatória do
pensamento humano. Se podemos ver neste sentido da noção de lei uma referência ao conceito de
"imperativo categórico" kantiano, pelo qual Lévi~Strauss não negará ter estado bastante
interessado, ela não será menos percebída em Comte. Comte admite que no "estado posítivo''
47
" ... a perfeição do sistema positivo à qual este tende sem cessar,
apesar de _ser muito provável que nunca deva atingi-la, seria poder
representar todos os diversos fenômenos observáveis como casos
particulares de um único fato geral, como a gravitação o exemplifica"
(Comte, [1842] 1983: 4)
A ambição científica de Lévi-Strauss parece estar a meio caminho de uma teoria geral do
conhecimento humano. Isso se revela, principalmente em sua preocupação em apontar nos
fenômenos sociais o que Com te supõe encontrar no âmago do conhecimento humano, a busca de
"relações invariáveis de sucessão e similitude10"(Comte, [1942],1983:4). A hipótese da analogia
entre a linguagem e a cultura não deixa de se sustentar na hipótese de que toda criação humana
consiste em estabelecer relações entre termos, constituindo-se assim numa linguagem.
Este aspecto da questão da analogia entre cultura e linguagem nos dirige, sobretudo, para
um estudo da chamada "função simbólica", de onde resulta, segundo Lévi-Strauss, a
representação desdobrada como o impulso original que constrange os homens a trocarem
palavras. Por esta abordagem que envolve uma discussão sobre os conceitos de cultura e
linguagem em Lévi-Strauss atingiremos, além de outras coisas, um outro aspecto da relação entre
Lingüística e Antropologia. Para isso temos que dar ao estruturalísmo de Lévi-Strauss o estatuto
de uma teoria própria sobre a linguagem no sentido genérico do termo.
10 Um dos senlldo de "similitude., indicados por Lalande é " ... carater[stica daquilo que é semelhante( ... ) quer dizer, análogo. Em particular, característica das figuras geométricas semelhantes: 'a idéia de similitude, quer dizer, da semelhança de duas figuras que diferem apenas pela escala sobre as quais são construídas deve certamente também ser contada entre os dados da intuição imediata'(Cornout, "Traité de L'enchaínement'" , etc. Cap II 8 27)"' (Lalande, "Vocabulário Técnico e Crítico da Fi/o!u?fia" (Tradução de Fátima Sá Corrêia ... et ali -São Paulo, Martins Fontes, 11.)93: 1019)
48
Capítulo 11
A Ordem Própria da Cultura
''Cada coisa sagrada deve estar em seu lugar 11."
(Frase de um pensador indígena)
Por vána,;; vezes, no artigo "Lingüística e Antropologia" (capítulo IV do Antropologia
Estrutural) que teve origem em uma adaptação do seu pronunciamento na conferência de
lingüistas e antropólogos de 1952, o autor afirma que linguagem e cultura tiveram
desenvolvimentos paralelos no espírito humano, diferenciando além disso os níveis de realidade
em que aparecem. As atividades sociais pertencem a um nível mais superficial, acessível à
observação empírica, enquanto que a linguagem pertenceria a um nível mais profundo. Este seria,
segundo Lévi-Strauss mais um motivo para não ser permitido estabelecer uma correlação entre
uma e outra enquanto tais, mas, ao contrário, somente no que diz respeito a suas estruturas. A
preocupação de Lévi-Strauss está, sobretudo, voltada para conceber a existência de leis universais
que constituem uma atividade inconsciente, mas sem condicioná-las á língua, a qual é tomada
somente como fonte de demonstração da existência de tais leis, naquilo que sua estrutura é
tomada como modelo.
Assim, o que pode se revelar como analogia entre as estruturas da língua e da cultura, se
dá apena,<; ao nível mais profundo da estrutura 12, pressupondo-se, para definir os tipos de relações
lógicas supostamente análogas, a aplicação do método estrutural. Tomar um modelo lógico
11 cítndo por Lévi-Strauss (Lévi-Strauss 1976: 30). 11 Usar o termo estrutura desta maneira parece redundante, pois, de certo modo, "estrutura" já pressupõe um nível profundo. Insistimos em usá-lo desta forma, entretanto, para diferenciar do uso que se faz do termo no campo da
49
retirado da língua para ser aplicado no estudo dos fenômenos da cultura, com o intuito de
demonstrar sua estrutura, é algo que depende da aplicação do método estrutural, mas também
que tem como condição conceber-se a estmtura como uma linguagem subjacente a qualquer
fenômeno cultural, dentre eles a língua. Contudo, ainda não exploramos suficientemente o que a
analogia entre língua e cultura deve ao fato de ambas terem, segundo Lévi-Strauss, a mesma
função, fato apontado por Lévi-Strauss quando diz que fenômenos culturais, como os sistemas de
parentesco, os mitos, o totemismo são 'sistemas de significação', ou seja, são linguagem.
Com efeito, a aplicação do método estrutural ao estudo dos fenômenos da cultura conduz
Lévi-Strauss a construir uma modo de explicação da cultura que a concebe como constituída por
"sístemas de significação". Isso nos leva a questionar em que se sustenta esta possibilidade -
apontada por Lévi-Strauss no estudo dos sistemas de parentesco - de conceber-se a cultura como
sistema...:; de significação. De acordo com o nosso ponto de vista, tal concepção de cultura é, num
primeiro momento- como procuramos apontar no capítulo anterior- resultante de uma tentativa
de aplicação do método estrutural da fonologia nos estudos antropológicos. Investigaremos agora
outro pressuposto que o pensamento de Lévi-Strauss admite, a saber, que a analogia entre cultura
e língua reside na possibilidade de serem ambas tratadas como "sistemas simbólicos". Mas o que
significa dizer que tanto no caso da língua quanto no caso da cultura estamos lidando com
"sistemas simbólicos", com "sistemas de significação"?
Sigamos Lévi-Strauss, talvez ele próprio nos dê a chave de seu pensamento. Ao analisar o
artigo de Trubctzkoy "La Phonologie Actuelle", Lévi-Strauss aponta particularmente que a
primeira possibilidade de aplicar-se o método estrutural da fonologia nos estudos antropológicos
estaria em considerarmos o caráter "inconsciente" do objeto da fonologia, os sistemas
fonológicos. É comum vermos Lévi-Strauss, em suas incursões Linguisticas, tratar a língua como
uma elaboração coletiva, de caráter "inconsciente" - o que significa tão somente, para ele, que o
falante não tem ciência das leis sintáticas e morfológicas da língua. Isso faz da língua um
fenômeno social e como tal, com uma ordem e funcionamento próprios, independente da
Antropologia, no qual a palavra estrutura, como é usada pelo estrutural-funcionalismo íng!ês, serve para descrever relações no nível dos fenômenos.
50
influência individual do falante. Esta concepção garantiria, pela própria autonomia do seu objeto
de estudo, a língua, o rigor científico do método aplicado pelos fonólogos. Para encontrar as leis
de sua estrutura, o lingüista precisaria apenas aplicar bem o método. Desse modo, ao supor a
possibilidade de aplicação de um método científico através do qual o investigador tivesse acesso
às estruturas tanto da língua quanto dos fenômenos culturais, Lévi-Strauss está também supondo
o caráter "inconsciente" das leís que regem a estrutura desses fenômenos. De tal fonna que tais
leis seriam resultantes das regularidades que o cientista chegasse a encontrar na análise da
estrutura, uma vez que em seu funcionamento na língua, assim como nos fenômenos culturais, é
"inconsciente". Para Lévi-Strauss a ciência representa um modo de classificar dentre outros. O
"pensamento selvagem" assim como outras formas de pensamento adotam uma ordem
classificatória estmturalmente semelhante entre si. A semelhança, segundo ele, reside no caráter
psico-lógico e inconsciente da estmtura. Por outro lado, a aplicação do método estrutural,
exatamente por ser uma maneira de ordenar, científica e estruturalmente semelhante ao modelo
das ciências da natureza, daria às leis de estrutura o estatuto daquelas encontradas em ciências
que, como diria Lévi-Strauss, "podem reivindicar este nome", ou seja as ciências naturais.
De maneira geral, podemos afirmar que é o fato de os fenômenos culturais serem de uma
ordem que os faz estruturalmente condicionados à linguagem. Ou seja, que as mais diferentes
formas de expressão cultural guardam uma analogia: o fato de serem estruturadas. Assim, mesmo
um procedimento científico adotado na apreensão da estrutura de um fenômeno, não passa de um
modo de expressão cultural, ou seja de um modo de ordenação de fatos e dados culturalmente
definida. Resta, contudo, ainda discutirmos como o fundador da Antropologia Estrutural explica
o modo de ordenação de caráter inconsciente que rege as diferentes "formas de vida social".
Lévi-Strauss parece indicar essa preocupação quanto se pergunta sobre a natureza das diferentes
formas de vida sociaL
"As diferentes formas de vida social, íncluída a língua, são
substancialmente da mesma natureza: sistemas de conduta dos quais
cada um é uma projeção, no plano do pensamento consciente e
51
socializado, de leis universais que regem a atividade inconsciente do
espírito?" ( Lévi-Strauss [1951] ed. bras. s/d: 75).
Mas se nos perguntássemos onde estaria a origem13 de tal atividade, não a
encontraríamos, de acordo com Lévi-Strauss, senão na estrutura natural do cérebro humano.
Já dissemos, e nunca é demais repetir, que para Lévi-Strauss a cultura e a língua têm
em comum sobretudo o fato de ambas terem "estruturas" análogas. A apreensão da "estrutura"
se revela, contudo, somente por análise, dado o caráter inconsciente de suas leis. Mas, por outro
lado, para o antropólogo francês, há um "espírito" comum a toda estrutura. A presença desse
"espírito", marcada pela sua ausência no debate entre lingüistas e antropólogos. foi proclamada
por Lévi-Strauss na conferência sobre Antropologia e Lingüística realizada em 1952, nos Estados
Unidos.
"Não nos lembramos [lingüistas e antropólogos] suficientemente
de que a língua e a cultura são duas modalidades paralelas de uma
atividade mais fundamental: penso, aqui, neste hóspede presente entre
nós, se bem que ninguém o tenha lembrado de convidá-lo aos nossos
debates: o espírito humano." (Lévi-Strauss [ !953] ed. bras. s/d:89).
Como podemos ver, Lévi-Strauss atribui a presença da estrutura em diversas formas da
vída social, inclusive no pensamento, à atividade inconsciente do ''espírito humano". O Espírito
humano é pois o lugar da estrutura. Antes da óbvia conseqüência psicológica, esta asserção
indica, primeiramente, uma conseqüência sociológica, pois retira da chamada "consciência
coletiva" o engendrnmento e a manutenção de regularidades existentes na vida social, como, por
exemplo, a "escolha" de uma determinada coisa como símbolo para representar um determinado
1.1 Claudc Lépinc, em dissertação de Mestrado apresentada na USP, em 1974, aponta a existência de dois aspectos na noção de inconsciente em Lévi-Strauss: primeiro, como uma "razão natural", um princfpio efetivo de organização da vida mental, como uma razão que se pensa espontaneamente nos homens ; em segundo lugar, como aquilo que permite e garante a apreensão do fenômeno social, uma vez que a vida subjetiva tanto do etnógrafo quanto do indígena é organizada pe!os mesmos princípios lógicos de operações mentais. Os sistemas simbólicos que constituem a cultura seriam, portanto, dotados de uma ordem própria de natureza inconsciente. (cf. Lépine, Claudc- ''O Inconsciente na Antropologia de Lévi-Strauss", São Paulo, Editora Átíca, 1976)
52
valor no sistema monetário. Lévi~Strauss faz uma referência a esta questão numa passagem do
seu artigo "Linguagem e Sociedade", capítulo III do "Antropologia Estrutural":
" ... a pretensa consciência coletiva se reduziria a uma
expressão, no nível do pensamento e condutas individuais, de certas
modalidades temporais de leis universais em que consiste a atividade
inconsciente do espírito."(Lévi-Strauss [1951] ed. bras. s/d:83).
Lévi~Strauss nos dá elementos suficientes para pensar que os fenômenos da cultura têm
suas estruturas condicionadas à existência do inconsciente, pensado como uma linguagem. Mas
seria preciso sermos muito infiéis ao próprio autor para não considerarmos que sentido ele atribui
á noção de linguagem e de inconsciente.
Lembremos que Lévi-Strauss procura na língua um "modelo lógico" capaz de explicitar a
estrutura das outras formas de vida social, ainda que isto não signifique tratar o modelo da língua
como a origem dos demais. Mesmo quando o fundador da Antropologia estrutural cria o axioma
de que "Todo problema é de linguagem", não está pensando na língua como fundadora do
humano, ou seja, da "função simbólica", mas que a cultura, tendo a mesma função que a língua,
poderá receber o mesmo tratamento também quanto a sua forma, ou seja, ser tratada como
linguagem. A linguagem, não a língua, é vista em Lévi-Strauss como um critério essencial para
atestarmos a passagem da sociedade do estado de natureza para a cultura. Assim é que se poderia
dizer com Lévi-Strauss que "o critério essencial ela cultura é a linguagem" (Lévi-Strauss
1989: 140).
Isto nos faz ver porque, no caso dos sistemas de parentesco, por exemplo, Lévi-Strauss
não postula uma correlação entre língua e atitudes, ainda que tome o sistema de atitudes e os
sistemas fonológicos para compará-los, Ele postula sim uma correlação "entre expressões
homogênea.;,;, já formalizad<l':i, da estrutura linguística e da estrutura social.'' (Lévi-Strauss [1953]
ed. bras. s/d: 90).
Parece portanto que Lévi~Strauss está preocupado em indicar com o paralelísmo entre
língua e cultura, além da analogia entre as estruturas dos dois tipos de fenômenos, a função
53
comum que a língua, assim como as outras fonnas de expressão cultural, desempenha na vida
sociaL Assim, ele encontrará nos estudos de Kroeber sobre a moda algo semelhante ao que
encontrou nos estudos que realizou sobre os sistemas de parentesco. Ou seja, que em ambos os
casos, assim como na língua, estamos diante de ''um conjunto de operações destinadas a
assegurar, entre os indivíduos e os grupos, um certo tipo de comunicação" (Lévi-Strauss [1951]
ed. bras. s/d:77). Sendo que, segundo Lévi-Strauss, pode-se pensar as regras do casamento corno
um sistema mais grosseiro que o da língua, mas que preserva em sua constituição um grande
número de traços comuns a ambos.
Lévi-Strauss encontra nos fenômenos da cultura um estado de cmsas que resulta da
função simbólica. Ele se pergunta:
" ... Como no caso das mulheres, o impulso original que constrangeu
os homens a 'trocar' palavras não deve ser procurado numa representação
desdobrada, ela mesma resultante da função simbólica fazendo sua
primeira aparição? Desde que um objeto sonoro é apreendido como
oferecendo um valor imediato, ao mesmo tempo para aquele que fala e
para aquele que escuta, ele adquire uma natureza contraditória, cuja
neutralização só é possível pela troca de valores complementares a que
se reduz toda a vida socia!".(Léví-Strauss [195!] ed. bras. s/d:78).
No caso da língua como no caso dos demais fenômenos culturais a estrutura é estrutura de
um sistema. Assim definir um elemento significa indicar o seu lugar no sistema composto por
esses elementos. O que apena_<; se torna possível quando leva-se em conta a estrutura desse
sistema.
Dessa maneira, o conceito de estrutura 1 ~ vai adquirindo um sentido mais preciso na obra
de Lévi-Strauss. Pode-se, portanto, presumir que tal conceito envolve, como na noção de língua
1 ~ Lalande considera o emprego do termo "estrutura", como "gesta! C, "num sentido especial e novo"- no contrário do sentido que tem na biologia e na psicologia-. Segundo ele, '·emprega-se( ... ) para designar, por oposição a uma simples cornbinação de elementos, um todo formado de fenômenos. taís que cada um depende dos outros e só pode
54
de Saussure, a idéia de que há uma ordem própria dos fenômenos da cultura. Isto indica um
modo de tratar diferentes fenômenos culturais como análogos á língua e corno condicionados á
linguagem.
Podemos nos perguntar a partir de que referenciais teóricos Lévi-Strauss supõe possível a
analogia entre as funções dos fenômenos referidos. Antes, porém, é importante notar que os
fundamentos lingüísticos da teoria estrutural antropológica não tem, todavia, pelo menos
diretamente, a mesma origem daqueles encontrados na teoria estrutural lingüística. No caso da
Antropologia- ainda que não se deva desprezar as relações pessoais entre Mauss e Saussure - é a
partir da noção de troca simbólica formulada por Mareei Mauss, de que uma sociedade é feita de
indívtduos que se comunicam entre si, que Lévi-Strauss diz encontrar a função dos fenômenos
culturais: função de comunicação sustentada no caráter simbólico dos objetos trocados. Esta
função de comunicação foi observada nas sociedades humanas, segundo Lévi-Strauss, pelo menos
em três níveis: comunicação de mulheres, comunicação de bens e serviços, comunicação de
mensagens. É baseando-se na concepção das "trocas simbólicas" que no curso de sua elaboração
teórica o fundador do Antropologia estrutural chega a uma definição de cultura, inteíramente
dependente da noção de comunicação:
" A cultura nao consiste, portanto, exclusivamente em formas de
comunicação que lhes sejam próprias (como a linguagem), mas também
e talvez sobretudo - em regras aplicáveis a toda sorte de 'jogos de
comunicação', quer estes se desenrolem no plano da natureza ou no da
cultura ( Lévi-Strauss [1952] ed. bras. s/d:25).
Foi em decorrência desta concepção de cultura com função de comunicação, que foi
possível introduzir no estudo da ordem dos fenômenos da cultura concepções derivadas da teoria
lingüística no que se refere não mais à aplicação do método fonológico, mas à própria função
comunicativa da linguagem, bem como à ordem nela existente.
ser o que é na e pela sua relação com eles" (Lalande, André- Vocabulário Técnico c Crítico da Filosofia; tradução de Fátima de Sá Corrêia ... et ali- São Paulo, Martins Fontes, 1993).
55
O conceito de cultura em Lévi-Strauss como um "sistemas ele significação" encontra, por
outra via, seu fundamento sociológico na obra de Mareei Mauss, em que a importância dada aos
sistemas simbólicos pode ser medida na seguinte fórmula, proferida numa conferência para
psicólogos em 1924:
"Enquanto os senhores seguem esses casos de simbolismo muito
raramente e com freqüência em série de fatos anormais, nós seguimos
inúmeros deles de uma maneira constante e dentro de séries imensas e
dentro de fatos normais" ( Mauss, citado por Lévi-Strauss 1974: 6).
Um primeiro aspecto da noção de cultura como simbolismo em Lévi-Strauss, que é
estreitamente derivada de Mauss, servirá para que ele possa conceber cultura também como
sistema. Para Mauss, a cultura é oposta ao indivíduo. Para ele o indivíduo enquanto tal nem é
formador de cultura nem é resultante dela, como um produto. Cultura é um sistema autônomo.
Neste sentido, Lévi-Strauss adota o princípio simbólico que Mauss defende para indicar a
natureza sístémica dos fenômenos sociais. Para Mauss, as condutas individuais não são
simbólícas por elas mesmas. Elas são os elementos que compõem um sistema como um
constructo coletivo. Ao conceber a cultura enquanto sistemas de significação, Lévi-Strauss não se
propõe, todavia, a negar a realidade social, nem propriamente a dar ao símbolo um lugar de
precedência em relação ao sistema. Mas ao dizer com Mauss que "o social só é real enquanto
integrado em sistema"(Lévi-Strauss, 1974: 14) nos parece que Lévi-Strauss, no máximo- o que
não consideramos que seja pouco-, está indicando que há uma ordem na cultura que é sistêmica.
Que tal ordem, por também ser simbólica é análoga àquela do universo lingüístico que, para ele, é
o que sempre tende a ser sistemático.
"Mauss estava certo ao constatar, desde 1920, que 'em
resumo, desde que chegamos à representação das propriedades
mágicas, estamos diante de fenômenos semelhantes ao da linguagem'
poís foi a Lingüística- e mais particularmente a Lingüística estrutural
- que nos familiarizou desde então com a idéla de que os fenômenos
fundamentais da vida do espírito, aqueles que condicionam e
56
determinam suas formas mais gerais, situam-se no estágio do
pensamento inconsciente." ( Lévi-Strauss 1974:19)
O caráter sistêmico e inconsciente dos fenômenos da cultura expresso na noção de "fato
social total" é o que permite, segundo Lévi-Strauss, ao etnógrafo o distanciamento necessário em
relação ao seu objeto, a saber, a cultura do outro. Ao mesmo tempo é também o que petmite a
reintegração de ambos, o etnógrafo e o outro, na via inconsciente da estrutura. O inconsciente em
Lévi-Strauss em função disso é concebido, de um lado, como leis que estruturam os sistemas
simbólicos que constituem a cultura, estando sua origem na natureza do cérebro, como razão
natural; de outro, como o lugar epistemologicamente garantido da apreensão de tais leis, que
podem ser traduzidas em modelos lógicos, ou seja, que podem tomar o "inconsciente" como
objeto. Para Lévi-Strauss o inconsciente é, antes de tudo, um modo de leis estmturais regerem os
sístemas de relações concebidas enquanto tais.
Podemos encontrar aqui uma vertente do pensamento de Lévi-Strauss que
explica sua concepção de linguagem, pois trata-se de abordar o problema da correlação entre
língua e cultura dando-se ênfase ao aspecto da natureza simbólica de ambas. Este aspecto do
problerna traz à baila o "princípio da arbitrariedade do signo", assim como foi formulado por
Fcrdinand de Saussure, princípio este que, posto sob uma análise rigorosa por Benveniste, teve
sua validade posta em dúvida. Assim, Lévi-Strauss parte da crítica. de Benveniste para negar a
arbitrariedade apríorística do signo lingüístico e afirmar a arbitrariedade dos fenômenos da
cultura. Fenômenos estes que eram tidos, comumente, pelos antropólogos como motivados, seja
por aspectos geográficos, raciais, seja pelas determinações da natureza sobre o homem.
Sabemos. porém, desde o "Curso de Lingüística Geral", que Ferdinand de Saussure, ao
discorrer sobre a natureza do signo lingüístico, critica o conceito de língua como nomenclatura,
ou seja, como "uma lista de termos que correspondem a outras tantas coisas" (Saussure [ 1916]
ed. bras. s/d: 79). Em alternativa a esta vísão que considera simplista do vínculo que une um
nome a uma coisa, Saussure apresenta o ''signo lingüístico" como sendo aquilo que "une não
57
uma coisa a uma palavra, mas o conceito a uma imagem acústica". Desta fonna é que ele propõe
um terminologia que chame o conceito de ''significado" e a imagem acústica de "significante",
preservando o termo "signo" para indicar a combinação do significado com o significante.
Uma das características primordiais do signo lingüístico é sua "arbitrariedade", segundo
Saussure, isto quer dizer que "o laço que une o significante ao significado é arbitrário"(Saussure,
[1916] ed. bra..<.;. s/d: 81 ). A diferença entre as línguas seria suficiente para indicar a validade de tal
princípio. Pois, se tornássemos, como fez Saussure, em francês, o significado de "boeuf ", para
este mesmo significado teríamos um significante diferente em alemão, "oks" e em português,
"boi".
Para Saussure a principal conseqüência do princípio da arbitrariedade é que os signos só
são aceitos como "modo de expressão", após sua fixação por uma regra. "É essa regra que obriga
a empregá-los, não seu valor intrínseco" (Saussure, [ 1 916], ed. bras. s/d: 82). Isto decon·e do
sentido que o princípio da arbitrariedade do signo tem para Saussure, de que a relação entre o
significante e o significado é "imotivada", ou seja, o significante não tem com o significado
nenhum laço natural que fixe o seu uso como um modo de expressão no uso da linguagem. Corno
já dissemos, para Saussure, sua fixação depende de uma lei que está ligada ao fato de a língua ser
um fenômeno, por natureza, coletívo. O que não quer dizer que esta "lei" seja uma regra
livremente consentida, mas que decorre da própria ordem da língua como "algo que se suporta"(
Saussure[l9!6]ed. bras. s/d: 85).
Lévi-Strauss, entretanto, irá por em dúvida esta concepção de natureza do signo, ainda que
sua teoria admita uma concepção de linguagem como algo que tem uma ordem própria,
concepção esta que também é encontrada em Saussure em relação à língua. Sua discordância
relativamente a Saussure se refere especificamente ao "princípio da arbitrariedade do signol5",
como foi concebido por Saussure. Lévi-Strauss se apoia em Benveniste para dizer que "a técnica
não é tão natural nem a linguagem tão arbitrária" (Lévi-Strauss [1956] ed, bras. s/d: lll).
1' Grifo meu.
58
Benveniste escreve um artigo na "Acta Lingüística" de Copenhague, em 1939, que recebe
o mesmo título do capítulo do Curso de Lingüística Geral que trata do signo, a saber, "A Natureza
do Signo Lingüístico". Ao fazer isso Benveniste parece desejar rescrever o que os discípulos de
Saussure haviam apreendido da natureza arbitrária do signo. Em seu "A Natureza do Signo
Lingüístico", Benveniste coloca em xeque o que comumente se compreende como "arbitrariedade
do signo" em Saussure. Apesar disso, não se afoba em sua crítica: admite a bipartição do signo
(sígnificante/significado) antes de por em dúvida se a arbitrariedade estaria de fato no âmbito da
relação que une estas duas faces do signo. Segundo Benveniste, quando Saussure toma o signo
lingüístico como aquilo que une o significado ao significante e trata esta união como
"imotivada"- o que indica que não há entre o primeiro e o segundo "nenhuma ligação natural na
realidade"- , o mestre genebrino estaria "falseando" seu raciocínio "pelo recurso inconsciente e
sub-reptício a um terceiro termo que não estava compreendido na definição inicial. Esse terceiro
termo é a própria coisa" (Benveniste 1988: 54).
Pa11indo de uma interpretação particular sobre os conceitos saussureanos, interpretação
esta que invoca um pensamento "sub-reptlcio" ou uma "vontade" não manifesta de Saussure,
Benveniste apresenta a "coisa". Ou seja, traz à baila o "objeto real" para o âmbito da definição de
signo. A "coisa" é tomada como"( ... ) a princípio, expressamente excluída da definição do signo,
e que nela [na definição] se introduz como um desvio e aí instala para sempre a contradição"
(Benveniste 1988: 54). Benveniste atribui esta exclusão ao fato de Saussure ter estabelecido, a
princípio, que ;;a língua é forma, não substância", daí haver como deconência a forçosa exclusão
da substância, ou seja da própria coisa.
Benvcniste propõe, portanto, uma interpretação da concepção de signo saussureana que
inclua o "terceiro termo'' a que se refere:
"C .. ) ora, é somente se se pensa no animal boi, na sua
particularidade concreta e substancial que se tem base para julgar
'arbitrária' a relação entre "boi" de um lado, "oks" de outro como
uma mesma realidade." (Benveniste 1988: 54-55).
59
Benveniste encontra as razões disto que chama "anomalia" no raciocínio de Saussure
sobre a natureza do signo lingüístico numa característica que ele considera própria do pensamento
histórico e relativista do fim do século XIX. Esta característica reside no emprego do método
comparativo para observar. ..
" .. nos diferentes povos as reações suscitadas por um mesmo
fenômeno: a infinita diversidade das atitudes e dos julgamentos leva à
consideração de que nada é aparentemente necessário.( ... ) O verdadeiro
problema é muito mais profundo. Consiste em reencontrar a estrutura
íntima do fenômeno do qual não se percebe senão a aparência exterior e
em descrever a sua relação com o conjunto das manifestações de que
depende" (Benveniste 1988: 55)
Adotando uma perspectiva diferente daquela adotada por Saussure, Benveniste afirma que
o laço que une o significante ao significado é necessário: se observarmos um falante de uma
determinada língua, para ele o conceíto (significado) é "forçosamente idêntico", na sua
consciência, ao "conjunto jônico" (significante) a que está ligado. Isto se deve, segundo ele, ao
fato de que significado e significante são "impressos" simultaneamente no "espírito" do falante.
Segundo esta perspectiva de Benveniste, "O espírito não contém formas vazias, os conceitos são
nomeados."
Portanto ao considerar que o signo não é arbitrário em sua natureza ou seja, quanto a sua
própria constituição, Benveniste coloca-se numa perspectiva diferente da que apresentamos acima
como sendo a concepção de arbitrariedade própria de Saussure. Contudo Benveniste não é de
todo contrário ao princípio da arbitrariedade, ele sugere urna "zona" onde o princípio da
arbitrariedade tem sua validade. Este domínio situa-se fora do signo lingüístico. Em vez de situar
se no seu interior, na relação entre significante/significado, situa-se na relação "Signo"/
"elemento da realidade". Para Benveniste "O arbitrário só existe aqui em relação com o
fenômeno ou objeto material e não intervém na constituição própria do signo".
(Benveniste !988:57).
60
Esta nova concepção da natureza do signo apresentada por Benveniste, assim como
aconteceu com a de Saussure, terá suas conseqüências. Vimos que para Saussure a imutabilidade
e mutabilidade do signo se dão em decorrência deste último ser arbitrário, o que quer dizer
"imotivado", pois nenhum indivíduo ou grupo de indivíduos, enquanto tais, poderiam modificá-lo
ou mantê-lo imutável por uma regra livremente consentida. Por outro lado, de maneira diferente,
para Benveniste a arbitrariedade do signo lhe é exterior, ou seja, ocorre entre o signo já
constituído e o elemento da realidade. Desta forma, dada a arbitrariedade entre o signo e o objeto,
a "fixação" ou "substituição" que ocorrem na relação entre um e outro, é dependente apenas de
"fatores históricos":
"Não é entre o significante e o significado que a relação ao mesmo
tempo se modifica e permanece imutável, é entre o signo e o objeto; é, em
outras palavras, a motivação objetiva da designação, submetida como tal, á
ação de diversos fatores históricos." (Benveniste 1988: 58).
Para Benveniste isso conduz a uma conseqüência - a que Lévi-Strauss atribui muita
importância que diz respeito principalmente à teoria do valor lingüístico. Segundo ele, a
concepção de signo comumente atribuída a Saussure atrela erroneamente a noção de valor
lingüístico a sua noção de arbitrariedade; apenas porque não está, segundo Saussure,
naturalmente fixada a relação entre significado/significante é que seria possível se pensar numa
teoria do valor lingüístico. O fato de Benveniste negar a arbitrariedade como algo imanente ao
signo tem uma conseqüência diferente: a recusa da noção de valor como dependente da relação
!motivada entre significante e significado. O valor lingüístico, para Benveniste, seria inteiramente
dependente da relação entre os próprio signos já constituídos e não da relação que os constitui:
"O caráter absoluto do signo lingüístico assim entendido comanda,
por suu vez, a necessidade dialética dos valores em constante oposição, e
forma o princípio estrutural da língua." (Benveniste 1988: 59).
61
Vejamos corno Lévi-Strauss adota uma atitude, digamos, intermediária em relação a
Saussure e Benveniste. O fundador da Antropologia estrutural, elabora, por assim dizer, uma
síntese das duas concepções sobre a natureza do signo.
As concepções sobre natureza do stgno lingüístíco em Lévi-Strauss aparecem,
primeiramente, no posfácio que escreve para seus ensaios sobre linguagem e cultura. Este debate
a que nos referimos ocorre num contexto específico em que o autor responde à acusação de seus
críticos - Haudricourt c Granay - de que ele errava ao não considerar a linguagem e a cultura
corno realidades inteiramente opostas, uma vez que na linguagem estaríamos diante de uma
"dupla arbitrariedade"- a do significante em relação ao significado e a do signo em relação ao
objeto "real" - enquanto que a cultura seria conseqüência de uma relação direta que a sociedade
mantém com a natureza.
Para Lévi-Strauss nem a linguagem é tão arbitrária assim, nem os meios de intervenção da
cultura na natureza tem urna relação tão necessária com esta última. A concepção de cultura
apresentada pelos seus críticos é inadmissível para Léví-Strauss, pois, segundo ele, "limitaria sua
função simbólica".
Vejamos em primelfo lugar, como Lévi-Strauss aborda a questão da arbitrariedade na
língua. O autor concorda, num primeiro momento, com Bcnveniste sobre a arbitrariedade do
signo em relação ao objeto "real", Entretanto, admite a arbitrariedade apenas como um caráter
apriorístico do signo lingüístico:
"Na natureza de certos preparados á base de leíte fermentado, nada
existe il priori que imponha a forma sonora: fromage ( queijo). ou
melhor, from- pois a desinência é comum a outras palavras( ... ), até aí o
signo lingüístico parece arbitrário" (Lévi-Strauss [1956] ed. bras.
s/d: 112).
Considerado arbitrário a priori o signo lingüístico deixa de sê-lo a posteriori. Para Lévi
Strauss, as "opções fonológicas" se são a priori arbitrárias em relação ao "designatum" não o
62
senam a posteriori. Estas "opções fonológicas" desde que "escolhidas" pela língua,
influenciariam, a posterior i,
" ... não talvez o sentido geral das palavras, mas na sua posição
dentro de um meio semântico. Esta influência a posteriori se produz em
dois níveis: o fonológico e o lexicat. (Lévi*Strauss [1956] ed. bras. s/d:
112).
A influência que os gmpos de fonemas teriam a. posteriori sobre o designatum sena
justificada pelos estudos dos fenômenos da si nestes ia, segundo os quais os falantes de uma língua
associam algumas propriedades físicas ~ cores, por exemplo - às propriedades fonológicas
estruturais da língua. Uma vez adotada pela língua a associação dos fonemas a determinadas
propriedades físicas de um objeto designado, o uso a posteriori destes fonemas para designar
outros objetos afetariam o conteúdo semântico ao qual estarão vinculados. Segundo Lévi-Strauss,
isso explica o lamento de Mallarrné, para quem as palavras francesa "jour" e "nuit" apresentavam
uma relação invertida no vínculo com seus respectívos objetos.
O mesmo ocorre no léxico: uma vez estabelecido, no léxico, o vínculo entre um
significante e um significado, vínculo este que é concebido por Lévi~Strauss - assim como por
Benveniste - corno já dado a priori, a influência sobre os objetos que este léxico viesse a
designar a posteriori dependeria da relação entre os signos de um dado sistema. Ou seja, tanto
Benveniste quanto Lévi-Strauss baseiam a<; relações estabelecidas entre os signos na noção de
sistema, ainda que com alguma modificações na concepção da natureza do signo. Para eles os
signos, sejam de que natureza forem, tem seus valores semânticos dependentes apenas das
relações estabelecidas com os demais signos do sistema.
A diferença de maior relevância apontada por Léví-Strauss não contradiz a concepção de
lfngna como sistema:
"Assim, o caráter arbitrário do signo lingüístico é apenas
provisório. Uma vez criado o signo, sua função torna-se relativa, de um
63
lado à estrutura natural do cérebro, de outro ao conjunto dos outros signos
~que para o universo lingüístico é o que sempre tende a ser sistemático"16
Lembremos que, para Lévi-Strauss, o pensamento mítico, por exemplo, é a reorganização
de uma "experiência sensível" - experiência, a priori, natural - ao nível de um "sistema
semântico". Este momento de reorganização, segundo ele, coloca para os fenômenos da cultura a
mesma função dos signos já constituídos, cujos valores serão definidos por sua relação com os
elementos do sistema. A cultura seria, portanto, composta de vários sistemas de reorganização
das experiências sensíveis, o que dá a esta última sua função de comunicação, entendida aqui
como decorrente da relação entre os signos.
"A partir do momento onde numerosas formas de vida social -
econômico, lingüístico, etc. - se apresentam como relações, abre-se
o caminho a uma Antropologia concebida como uma teoria geral
das relações, e a análise das sociedades em função dos caracteres
diferenciais, próprios aos sistemas de relações que as definem".
(Lévi-Strauss,[l956], cd, bras, s/d: 117),
É baseando-se nas idéias expostas acima que Lévi-Strauss suporá, pela via de uma
teoria da estrutura, uma analogia formal entre lfngua e cultura. Ainda que apontando diferença'>
relevantes sobre a concepção de signo, mantém-se a concepção de uma ordem sistemática que,
peto menos a priori, é arbitrária. Mesmo não sendo arbitrários a posteriori , os termos desse
sistema continuam relativos a uma ordem própria. Ora, na medida em que Lévi-Strauss concebe a
cultura como "sistemas simbólicos", como "sistemas de significação" ele parece estar dizendo
que os fenômenos culturais têm uma ordem sistemática, afinal, uma estrutura. Porém, se podemos
inferir disso que essa estrutura da cultura tem uma ordenação autônoma, própria, não podemos
estar seguro de que Lévi-Strauss esteja com isso dizendo que as tentativas de definir as relações
estabelecídas nessa estrutura, ao modo da fonologia, por exemplo, sejam a própría natureza delas.
10 Esta citação foi traduzida por nós do texto em inglês do "Estrutural Antropology" , Ancho! Books Edition, 1967, New York. Isto se deveu ao fato de termos encontrado erros grosseiros quanto à terminologia Lingüística. no texto em português.
64
De nosso ponto de vista, a necessidade de ordenar, classificar, parece ser, para Lévi-Strauss,
condição de cultura e é a própria ordenação classificatória que faz da cultura linguagem. Podemos
concluir disso que a própria maneira de definir como a cultura é estmturada é, portanto,
dependente da própria condição do pensamento de ser ordenado como uma linguagem.
65
Capítulo 3:
A guisa de couclusão: a linguagem como condição de cultura ?
Para discutir a idéia de Lévi-Strauss de que todo fenômeno cultural envolve uma
linguagem, um princípio de ordenação, tomemos a crítica que o antropólogo E. R Leach faz à
noção de estrutura adotada por ele. Assim poderemos ver - como de fato afümou o próprio Lévi
Strauss- que não há, no fundo, nenhuma incompatibilidade entre suas propostas, ainda que Leach
seja comumente citado corno um dos principais críticos de Lévi-Strauss.
Apresentaremos, resumidamente, algumas idéias de Leach concernentes à linguagem,
mais especificamente, à distribuição lingüística dos povos kachins e chans da alta Birmânia e sua
relação com as reflexões do autor sobre a teoria dos sistemas sociais. Em sua obra intitulada
"Sistemas Políticos da Alta Birmânia", Leach, sem dúvida, privilegia o aspecto político da
mudança lingüística observada na sociedades por ele estudadas. Procuramos, entretanto, recortar
algo de sua análise que tende para uma reflexão lingüística. Ainda que considerando tal reflexão
datada, é importante ressaltá-la como suporte de uma tese sobre a teoria dos sistemas sociais no
que toca o pressuposto de desequilíbrio destes últimos. Mais do que considerar, todavia, o
aspecto político dos processos sociais da mudança lingüística apontados por Leach, pretende-se
dar ênfase à sua intenção de apresentar a mudança lingüística como um processo de identificação
culturaL O que consiste para ele em considerar que esse processo de identificação de um povo
com uma língua, ou com variedades dela, pode sustentar a tese do desequilíbrio dos sistemas
sociais, ou seja, de sua dinamicidade.
A contribuição de E. R, Leach para a teoria dos sistemas sociais é o ponto de maior
importância do livro em questão. Contudo, não seria vão ressaltar que essa teoria dos sistemas
66
sociais apresentadas por Leach, ao questionar os pressupostos de uma teoria sociológica baseada
no equilíbrio dos sistemas sociais derivados do uso de analogias orgânicas, também inaugura
uma crítica à corrente emergente na Antropologia de sua época, a saber, o Estruturalismo
francês. Sua crítica parte de um suposto equívoco na concepção estruturalista dos sistemas sociais
assim corno na hipótese da analogia destes com os sistemas lingüísticos, que consistiria em
concebê~ los como equilibrados.
Consideremos a questão aí apontada por Leach, ainda que não concordemos em que,
para Lévi-Strauss, a ordenação estrutural dos sistemas simbólicos implique imutabilidade. A
crítíca de Leach, seja em relação às teorias organicistas, seja em relação ao estruturalismo francês,
consiste em apontar que o suposto equilíbrio dos sistemas, segundo ele, sustentado por essa
teoria, é apenas um artificio intelectual do antropólogo, já que a prátíca etnográfica atesta seu
desequilíbrio. A tese que Leach defende é a seguinte:
"( ... )embora os fatos históricos nunca estejam, em todo e qualquer
sentido, em equihbrio, podemos obter percepções genu[nas se, para o
propósito de análise, inserirmos esses fatos no molde constritivo de um
sistema_ de idéias do tipo como se, composto de conceitos que são
tratados como se fizessem parte de um sistema de equilíbrio. Além do
mais, pretendo ter demonstrado que esse procedimento fictício não é
apenas uma ferramenta analítica do antropólogo11social, mas
cO!Tesponde também ao modo como os kachins apreendem seus próprios
sistemas por meio das categorias verbais de sua própria língua."(Leach
1996:51)
Leach combate, nos antropólogos organicistas, a concepção de sistemas sociais como
se estes fossem reais, naturalmente existentes c, consequentemente, combate a idéia de que a
maneira corno são ordenados seja inerente a tais sistemas, como se este fosse um fato da natureza.
No modo de ver de Leach, os sistemas sociais, não sendo naturais, só podem ser assim
concebidos, enquanto sistemas, quando os fatos etnográfícos e históricos são ordenados por uma
17 Grifo meu
67
"fic<;:ão do pensamento".
"Primeiro cnamos um conjunto de categorias verbais que são
cuidadosamente dispostas para formar um sistema ordenado, depois ajustamos
os fatos a estas categorias verbais, e de repente 'vêem~se' os fatos ordenados
sistemicamente! Mas nesse caso o sistema é uma questão de relação entre
conceitos, e não de relações "realmente existentes" dentro dos dados factuais
brutos ... " (Leach !996:54)
Pretendemos mostrar que, sob essse aspecto, Leach não está em total desacordo com
Lévi-Strauss. Para o autor de "Sistemas Políticos da Alta Birmânia", o sistema, do ponto de vista
"empírico", não está ordenado. Na verdade, o empírico é marcado pela contingência, portanto,
segundo ele, não se pode nem afirmar se af há sistema. O sistema é, para e!e, construído na
relação entre os conceitos. Desta forma, portanto, o sistema é uma construção do pensamento: "a
ficção do pensamento é apenas um meio para atingir um fím" (Leach 1996:59).
Acompanhando o desenvolvimento de seu argumento façamos um resumo do modo como
Leach descreve os povos estudados por ele, a saber, os povos denominados kachin e os chan,
ambos situados no nordeste da Birmânia, localidade que Leach chamará de região das Co! i nas de
kachin, servindo este termo para designar a região onde estão situados tanto os kachin quanto os
chan:
"Num nível grosseiro de generalização, os chans ocupam os
vales ribeirinhos onde cultivam arroz em campos irrigados; são um povo
relativamente sofisticado, com uma cultura algo semelhante a dos
birmaneses. Os Kachins, por outro lado, ocupam as colinas onde
cultivam arroz usando sobretudo as técnicas de cultura itinerante através
de derrubadas e queimadas." (Leach 1996: 65)
68
Ao iniciar sua análise por uma visada sobre a situação "ecológica" dos povos
estudados, o autor está pretendendo demonstrar, antes de tudo, que "a situação ecológica é um
fator limitante, e não determinante da ordem social." ( Leach 1996: 91). Desta forma rompe com
a idéia de que haja qualquer ordem geográfica naturalmente dada na sociedade.
No que se refere a seu trabalho etnográfico, o interesse inicial de Leach reside em
investigar se uma única estrutura social prevalece ao longo de toda a região Kachin. Baseado em
dados históricos, Leach chega à conclusão, entretanto, de que essas sociedades estão em
permanente mudança estrutural, cujo mecanismo ele tenta explicar. O autor descobre que os
povos Chan e Kachin estabelecem categorias para se nomearem enquanto grupo e para definir de
maneira sistemática os tipos de relações sociais que estabelecem entre si.
A categoria chan, portanto, é usada para denominar os povos que se encontram
t.erritorialmente dispersos, mas que tem uma cultura razoavelmente unifonne. No aspecto
lingüístico, ainda que esses povos apresentem uma considerável variação dialetal, pode-se dizer,
de acordo com Leach, que os chan da Birmânia do Norte e do Yun-nam Ocidental falam urna
mesma língua, o taí. Segundo Leach, as exceções são os chan de Mong Hsa que falam um dialeto
do maru, os chan do vale do Kubaw que falam uma corruptela do birmanês e pequenos bo!sões
heterogêneos de chan nas regiões do alto Chindwin e do vale do Hukawng, cuja língua é
principalmente o jinghpaw, com forte mistura dotai c do assarnês.
Leach, portanto, não encontrará nessa dis.posicão social dos nativos que, segundo ele, é
um fato empírico, nenhuma regularidade absoluta, seja geográfica, seja cultural. A única maneira
de identificá-los como um gmpo específico é, segundo Leach, referindo-se à própria nomeação
que eles se conferem e que denota para eles uma estabilidade social representada pela identidade
cultural assim como serve para diferenciá-los do grupo oposto que são os Kachin.
Sobre a categoria kachin Leach diz que, originariamente, ela era aplicada
indistintamente aos povos cuja sociedade era intrinsecamente desequilibrada e que habitavam as
69
fronteiras do Nordeste da Birmânia. Apenas posteriormente foi usada para designar os povos
poliglotas que viviam no distrito de Bhamo e no estado de Hsemwi do Norte. Estes povos eram
falantes de línguas e dialetos conhecidos pelos nomes de jinghpauw, gauri, maru, atsi, lachi e lisu.
Era, entretanto, comum os etnógrafos utilizarem a categoria kachin como uma categoria cultural
ou geográfica. Entretanto, a partir de 1900, segundo Leach, também ...
" ... as idéías etnológicas dos lingüistas começaram a 1mpor~se.
Grierson e outros especialistas fonnularam a teoria segundo a qual uma
análise da atual distribuição de línguas e dialetos revelaria o curso das
migrações históricas das diversas 'raças' das quais supostamente
descendem a população moderna" (Leach 1996: 107)
Mas Leach não concorda com os princípios dessa doutrina. Para ele, todos os povos da
região de Bhamo c de Myitkyina que não são chans nem birmaneses se consideram kachin,
independente da língua que falam.
Diferentemente dos chan os kachin estabeleceram subcategorias as quais, segundo
Leach, são de três tipos: lingüística, territorial e política. Leach, sem dúvida, se debruçará mais
detidamente sobre as categorias políticas, especialmente aquelas que os próprios kachin denotam
pelos temms gumsa e gumlao. Entretanto, recortaremos do autor uma breve análise das
subcategorias de tipo lingüístico elaboradas pelos kachin que inclui uma indicação de como elas
se combinam com as diferenças políticas desses povos.
Dada a diversidade lingüística observada na região das Colinas de Kachin, o que
interessou a Leach foi algo mais que a tradicional preocupação histórica dos linguistas da época,
que tentavam responder de que modo a distribuição diferenciada de línguas veio a ocorrer. Para
Leach, o mais importante foi o dado que encontrou naquela região: sociedades que, do ponto de
vista do observador, apresentavam culturas quase idênticas em outros aspectos, mas que,
entretanto, mantinham diferenças lingüísticas consideráveis, Ou, ao contrário, sociedades
culturalmente distintas, mas que apresentavam grandes semelhanças Lingiiíst.icas. Podemos
observar çom isto que a ênfase de Leach na abordagem dos fatos lingüísticos foge àquela dos
70
linguistas tradicionais, que tendiam a estabelecer correspondência, por exemplo, entre uma "raça"
e uma língua específica. Vejamos o que diz Leach sobre isso:
"Numa comunidade mista de falantes de lisu, de atsi, de maru e de
jinghpaw, os falantes de jinghpaw enquanto grupo manifestarão decerto
alguma solidariedade entre si contra o resto. Isso porém é totalmente
diferente de afinnar que todos os falantes de jinghpaw da Região das
Colinas de kachin são de certo modo distintos enquanto grupo social de
todos os falantes de atsi ou de todos os falantes de maru. Politicamente
falando, os atsis são totalmente indistinguíveis, como grupo, dos
jinghpaws gumsa" (Leach 1996: 109).
Para Leach a identidade Lingüística pode ser usada de várias maneiras diferentes. Em
pnmerro lugar, para distinguir classes sociais: segundo ele, na Birmânia do Norte, tanto o tai
quanto o jinghpaw podem ser considerados línguas do que seria lá uma espécie de "classe média
alta''. Por outro lado, ele aponta uma mudança lingüística à qual os grupos que falam tai e
jínghpaw tenderam historicamente: "assimilar" a língua de seus vizinhos que falam naga, maru e
palaung. Essa "assimilação" se deveu, segundo Leach, ao fato de:
" ... nas regíôes de língua mistas o poder político ter tido a
hegemonia dos aristocratas de fala tai ou jínghpaw. Assim 'tornar-se ta i'
ou 'tornar-se jínghpaw' teve vantagens políticas ou econômicas. Em
reação a isso, os aristocratas genuinamente tais ou jinghpaws
desenvolveram por seu turno fonnas Lingüísticas próprias. Fizeram isso
mediante a incorporação em sua fala diária de numerosas expressões
t1oreadas e poéticas tiradas da linguagem de seu ritual religioso." (Leach,
1996:110)
Em segundo lugar, a identidade lingüística poderia ser usada como "um distintivo de
solidariedade política ou 'nacional". Segundo Leach, na Birmânia do Norte, essa solidariedade
política é encontrada em grupos lingüísticos localizados, corno o hpon, o rnaingtha, o gauri e o
duleng.
71
Em terceiro lugar, para o autor de "Sistemas Políticos da Alta Birmânia", a identidade
lingüística pode ser um fenômeno eminentemente histórico. As comunidades de línguas
jinghpaw, maru, nung se apresentaram para Leach como misturadas, mas segundo ele, "deve ter
havido uma época no passado em que esse grupos lingüísticos estavam territoríalmente
separados" (Leach 1996: 110). Entretanto, não é o valor histórico desses fenômenos lingüísticos o
que interessa a Leach. Seu olhar estivera voltado para o que ele considera um paradoxo aparente,
que reside no fato de que" ... embora em certos casos os Kachins pareçam ser excessivamente
conservadores quanto a falar uma língua,(. .. ) em outros parecem quase tão dispostos a mudar sua
língua quanto um homem dispõe a trocar de roupa" ( Leach 1996: 111 ).
Segundo Leach, este paradoxo demonstra a relação que, para ele, um homem em geral
tem com a língua, uma relação marcada pela afirmação sobre o seu status social, o que faz do uso
desta ou daquela variação da língua, ou da própria língua, um ato ritual, que expressa
solidariedade ou distância social em relação a seus vizinhos.
No caso das comunidades de Hpalang supracitadas, sua estrutura poliglota composta
por seis grupos lingüísticos é explicada por Leach como sendo a composição de seis facções que
usam a língua como um distintivo de solidariedade e da diferença entre grupos. Paralelamente a
este fenômeno, Leach pode observar também a ex.istência, em outras regiões das Colinas de
Kachin, de subgrupos Kachins diferenciados que adotam a mesma língua, o jinghpaw.
A análise destes dois fenômenos, a partir da noção de identidade lingüística,
conduziram Leach a uma reflexão sobre as relações entre os sistemas polítícos gumsa e gumlao
c os grupos tenitoriais e lingüísticos nas Colinas de Kachin. De forma resumida, podemos dizer
que, para Lcach, há urna preocupação em investigar as relações entre a identidade política e o uso
de uma determinada língua, ou variedade dela, como fator de diferenciação entre os grupos. O
sistema gumsa é, desta forma, "um sistema que implíca uma hierarquia ordenada do mundo
social; implica também uma integração política em grande escala. Cada grupo estabeleceu uma
re!ação com todos os outros"(Leach 1996: 112). A tese de Leach é que em tais sistemas políticos
centralizados é impossível a manutenção a longo prazo de diferenças lingüísticas localizadas. Isto
72
o leva a concluir que
" se encontrarmos um sistema político que abarca vários
grupos lingüísticos e esses grupos lingüísticos são ordenados numa
hierarquia de classe, superior e inferior, há uma probabilidade prima
facie de que a situação Lingüística seja instável e de que os grupos
lingüísticos de classe superior tendam a assimilar os grupos de classe
inferior" ( Leach 1996: 112).
Por outro lado, o sistema gumlao, teoricamente oposto ao gumsa é, segundo Leach,
"um republicanismo anárquico. Cada homem é tão bom quanto o seu vizinho, não existem
diferenças de classe, nem chefes;" (Leach 1996:112). Neste sistema "o faccionarismo é
frequente", sendo possível encontrar diferentes unidades lingüísticas correspondentes às pequenas
entidades políticas locais autônomas.
A suponíve! correspondência dos sistemas gumsa e gumlao com as respectivas
estruturas socías homogêneas ou heterogêneas é, entretanto, contestada por Leach. Sua teoria dos
sistemas sociais não admite a uniformidade de tais sistemas. Leach procura demonstrar que no
caso kachin é diferente:
"Presumo que dentro de uma área definida de uma forma um
tanto arbitrária - isto é, a região das Colinas de Kachin - existe um
sistema social. Os vales entre as colinas estão incluídos nessa região, de
modo que os chans e os kachins são, nesse nível, parte de um sistema
social único. Dentro desse sistema social maior existem, num período
dado, um número de subsistemas significativamente distintos que são
interdependentes. Três desses sistemas poderiam ser classificados como
chan, kachin gumlao e kachin gumsa. Considerados t:iÍmplesmente como
modelos de organização, podemos pensar nesses sistemas como
variações sobre um tema. A organização kachin gumsa modificada numa
direção seria indistinguível da dos chans; modificada noutra direção,
seria indistinguível da kachin gum!ao. Consideradas historicamente, tais
73
modificações realmente ocorrem, e é lícito falar de kachins que se
tornaram chans e de chans que se tomaram kachins. Quando, pois, eu na
qualidade de antropólogo, examino uma dada localidade kachin ou chan,
devo reconhecer que qualquer equilíbrio do tipo que parece existir pode
ser, na verdade, um equilíbrio muito transitório e instáveL Além disso,
devo estar constantemente ciente da interdependência dos subsistemas
sociais. Em particular, se examino uma comunidade kachin gumsa, devo
esperar que grande parte do que constatar pode ser íninteligível, a não ser
por referência a outros modelos de organização correlatos, por exemplo,
chan ou kachin gumlao ."(Leach 1996:12 l)
A tese do desequilíbrio dos sistemas sociais é, portanto, a base de toda crítica à teoria
da cultura que trate esta última de maneira estática e pregnante. O uso de termos como "ordem"
"sistema'·, "estrutura", somente poderá ser licenciado, de acordo com Leach, com a ressalva de
que são artifícios do pensamento na tentativa que o antropólogo faz de dar conta de uma realidade
cuja estrutura é, para ele, de fato, inapreensível. Por último, urna vez admitindo-se que a língua é
um fenômeno social, o seu desequilíbrio enquanto sistema é uma conseqüência do processo de
identificação cultural que dá à língua o status de um objeto simbólico que permite aos homens
com eles se identificarem e se diferenciarem e estabelecerem entre si relações sociais baseadas na
solidariedade e no poder.
Retomemos o momento a que nos referimos no capítulo anterior, no qual Lévi-Strauss
toma o inconsciente como o termo mediador entre o eu e outro. Aí Lévi-Strauss supõe estar, em
comparação com a Psicanálíse, diante do mesmo problema: o de uma pesquisa rigorosamente
positiva:
"assim, a apreensão (que só pode ser objetiva) das formas
inconscientes da atividade do espírito conduz do mesmo modo à
subjetivação, pois, definitivamente, trata-se de uma operação do mesmo
tipo que, na psicanálise, faculta-nos a reconquista, para nós mesmos, do
nosso eu mais estranho e, na indagação etnológica, nos faz alcançar o
mais estranho dos outros como se fosse um entre nós. Nos dois casos: é o
74
mesmo problema que se coloca: o de uma comunicação procurada, tanto
entre um eu subjetivo e um eu obietivante, quanto entre um eu objeto e
um outro subjetívado. E, também nos dois casos, a nesquísa mais
rigorosamente positiva dos itinerários inconscientes desse encontro,
tracada definitivamente na estrutura inata do espírito humano e na história
particular e irreversível dos indivíduos ou dos grupos é a condicão do
êxito. (Lévi-Strauss 1974:22)
Ora, é um equívoco supor que a Psicanálise encontre o seu rigor numa pesquisa positiva.
Esse equívoco de Lévi-Strauss só se pode sustentar por sua suposição de que a estrutura de que a
Psicanálise trata é aquela mesma cujo modelo ele dirá que os fonólogos encontraram
primeiramente na língua, ou seja, aqttela definida a partir da aplicação do método de análise
estrutural. Considerando-se este sentido da noção de estrutura é possível dizer que a língua
enquanto tal não serve mais ao estmturalismo de Lévi-Strauss do que para fornecer o modelo de
apreensão do seu objeto, a estrutura dos fenômenos da cultura. E que aí está um campo onde é
possível se estabelecer uma distinção precisa entre a Psicanálise de J. Lacan e a etnologia de
Lévi-Strauss. Ou seja, uma distinção do que estes saberes fazem da linguagem e da Lingüística
nos quais e;.;tão presentes.
Ao identificar o inconsciente com o coletivo do social c, ao mesmo tempo, com relações
universais de funcionamento da mente humana, Lévi-Strauss o reduz ao aspecto lógico da
estrutura. Sendo sobretudo a partir daí que poderá conceber a analogia entre linguagem e cultura.
Lacan, assim como Leach, apresenta uma preocupação semelhante no que toca a
questão da cultura como um simbolismo ordenado. Entretanto, impossibilitados, pela escopo de
nosso trabalho de entrar mais a fundo em sua teoria, passemos uma vista d'olhos nos seus
"Escritos" para indicarmos a maneira como, inicialmente, ele concebe as relações entre
linguagem e cultura. Escreve ali o autor, tornando o viés de uma palestra solicitada por uma
instiruição de estudantes de letras, em um texto intitulado "A Instância da Letra no Inconsciente
75
ou a Razão desde Freud" . É bom observarmos que o próprio título do texto já dá o tom do que
queremos dele ressaltar e que, não obstante o .aspecto genérico deste texto, ele nos parece ser
suficiente para colocar a questão que nos interessa. Considerando-se que, segundo o próprio
Lacan, a qualidade do objeto deste texto é "literária", sigamos o seu ensinamento e tomemos isso
ao pé ela letra.
Não se deve estranhar o privilégio dado ao simbólico e á linguagem por Lacan. Esse
prívilégio consiste em dar a dignidade necessária à fala, pois a experiência do analista "recebe
dela seu instrumento" (Lacan 1992: 225). Lacan, entretanto, ainda vai mais longe: segundo ele,
"para além dessa fala, é toda estrutura da linguagem que a experiência psicanalítica descobre no
inconsciente"( Lacan 1992: 225).
Há, portanto, uma analogia estabelecida por Lacan entre linguagem e inconsciente que
não deve ser confundida com aquela que estabelece Lévi-Strauss entre linguagem e cultura, ainda
que este último considere o caráter inconsciente dos fenômenos da cultura. Num exemplo que o
acaso nos presenteou vejamos em que ponto se baseia a principal distinção entre Lévi-Strauss e
Lacan quanto a um aspecto de suas concepções de linguagem, o da significação. Lembremos de
que, para Lévi-Strauss, Mallarmé reclama da inadequação das propriedades físicas das palavras
'jour" e "nuit" aos referidos objetos a que elas supostamente estariam ligadas. As propriedades
físicas, sinestésicas, da palavras estariam, para o poeta, segundo Lévi-Strauss, em desacordo com
o conteúdo semântico dos fenômenos "dia" e "noite". Isso serve a Lévi-Strauss para indicar que a
significação depende em certa medida das propriedades físicas dos significantes. Ora, Lacan está
a larga distância disso. Vejamos o que diz Lacan:
"o dia e a noite não são de modo algum algo que seja definível pela
experiência. A experiência pode indicar apenas uma série de modulações,
de transformações, e mesmo uma pulsação, uma alternância da luz e da
obscuridade, com todas as suas transições. A linguagem começa na
oposição - o dia e a noite. E a partir do momento em que há o dia como
significante, esse dia é entregue a todas as vicissitudes de um jogo por
76
meio do qual ele acabará por significar coisas bem diversas". (Lacan,
1988: 192-193)
Em quais premissas língüísticas Lacan se fiará para reconhecer a significação como tal, uma
vez que ela já está ai desde Freud, segundo Lacan ? Teremos que chamar Saussure à baila mais
uma vez, agora com Lacan. No pensamento lacaniano as ordens do significante e do significado
são concebidas como distintas e separadas. Esta distinção para Lacan vai além da questão do
arbitrário do signo. Ou seja, ultrapassa a questão simplesmente estrutural, para não dizer
sistêmica, de Lévi-Strauss à qual a questão do arbitrário se coloca. Lacan privilegia os vínculos
próprios ao significante e volta-se para a questão da função significante na gênese do significado.
Na perspectiva da Psicanálise, como diz Lacan, o olhar sobre a linguagem não se obscurece.
·' ... na ilusão de que o significante responde à função de representar
o significado, ou melhor: que o significante tenha que responder por sua
existência ao título de um significação qualquer, seja ela qual for"
(Lacan, 1992: 228)
Neste ponto queremos salientar que Lacan não se coloca a questão, que é a de Lévi
Strauss, da reintegração da cultura na natureza. Antes, ele destroça a dualidade natureza e cultura.
Entretanto, também para Lacan, linguagem é condição de cultura e esta não será uma premissa
desprezível no pensamento lacaniano:
" ... a dualidade etnográfica da natureza e da cultura, está em vias
de ser substituída por uma concepção temária - natureza, sociedade e
cultnra - da condição humana, cujo último termo seria possivelmente
redutível á !ínguagem, ou seja, ao que distingue essencialmente a
sociedade humana das sociedades naturais" (Lacan 1992:226).
77
Deste modo supomos que, ainda que sejam necessárias as distinções, as concepções de
Lévi-Strauss, Leach e Lacan sobre linguagem e cultura são, num aspecto, semelhante: há uma
concordância entre eles, ainda que em perspectivas diferentes, em que, num certo sentido, a
linguagem é condição de cultura.
Sabemos que, entre as concepções de linguagem de Lévi-Strauss e Lacan há diferenças -
e grandes: Lacan privilegia a "letra", o que quer dizer, a essência do significante, cujo vínculo se
estabelece não mais no sentido vertical saussureano, o do significado mas na sua relação com
outro significante. O signifícante estabelece os seus vínculos na "cadeia significante". Para Lacan,
além do mais, o significante é um sinal que não remete a um objeto. O significante, para Lacan, é
também o sinal de uma ausência. Como, para ele, o significante faz parte da linguagem - o que
quer dizer que estabelece relações- ele o define o significante como um sinal que remete a um
outro sinal que é como tal estruturado para significar a ausência .
Lévi-Strauss, diferentemente, num primeiro momento, se embrenha numa teoria de
códigos abstratos, cujas leis lógicas que estabelecem as relações entre os elementos da
signífícação se reduzem ao sumo das transfomações de grupos de sistemas. A hipótese da
analogia entre as estmturas dos sistemas fonológicos com os demais sistemas simbólicos que
formam a cultura conflui na análise estrutural de Lévi-Strauss para um espécie de definição
forrmll dessas estruturas, o que para Leach só pode ser artificial. O ideal de um código universal
que pudesse ser aplicado como modelo de análise decorre do aprisionamento momentâneo de
Lévi-Strauss à Fonologia. Consideramos, porém, que a concepção de linguagem em Lévi-Strauss
não se reduz apenas à vertente metodológica do seu pensamento.
Antes, entretanto, de confundirmos o pensamento de Lévi-Strauss com a aplicação do
método de análise estrutural, vejamos a força da função significante indicada por Lacan nos
próprios estudos que Léví~Strauss realiza sobre o mito e sobre o que ele chama de "pensamento
selvagem"
Por esse caminho, consideramos ser possível não nos desviarmos de onde a linguagem
nos interroga em Lévi-Strauss. É justo, depois de um árduo percurso sobre uma parte obscura de
78
sua obra, que retenhamos um certo olhar do autor sobre a linguagem, aquilo que pode ser lido nas
entrelínhas de seu estruturalismo.
Para isso devemos levar em conta o fato de que a atenção de Lévi-Strauss sempre está
voltada para a possibilidade de estabelecer relações entre esferas que, num primeiro momento,
nada leva a aproximar. Procedendo dessa maneira, Lévi-Strauss está operando a partir do mesmo
princípio que opera no pensamento do chamado "senso comum" ou "pensamento popular": a
"descoberta" de analogias entre coisas, em princípio, dessemelhantes. Lévi-Strauss estuda a
possibilidade de encontrar-se este mesmo princípio operando no pensamento mítico.
O problema de Lévi-Strauss consiste também, por esse ângulo, em procurar saber até que
ponto as analogias entre sistemas, em princípio, dessemelhantes é totalmente arbitrária. Ele se
pergunta, por exemplo, em que se baseia a correspondência estabelecida pelos habitantes das
ilhas do estreito de Torres, que separa a Austrália da Nova Guiné, entre sua distribuição social em
clãs e os nomes de animais. Ou, em que se baseia o fato de que na América do Sul povos das
famílías lingüísticas Karib "( ... )dão nomes de animais a povos estrangeiros e lhes atribuem uma
aparência física, um caráter e um comportamento de acordo. O povo dos sapos tem pernas longas
e ventre inchado, o dos bugios tem barba, etc ( Lévi-Strauss 1985: 13). Alguns povos, segundo
Léví-Strauss chegam a elaborar verdadeiras teorias de evolução das espécies baseadas em
correspondências estabelecidas entre homens e animais. entre animais e animais ou entre os
próprios homens de tribos diferentes.
As relações de analogia estabelecidas entre o mundo natural e o mundo anima!, no caso dos
povos indígenas estudados por Lévi-Strauss, utilizam-se de traços que correspondem menos a
propriedades objetivas do que a valores que possam ser considerados éticos ou morais. Segundo
Lévi-Strauss, conjugam-se critérios relacionados à experiência e critérios que correspondem a
valores simbólicos:
"Os animais projetam suas características empíricas sobre os gmpos
humanos que se consideram seus descendentes, e esses grupos humanos
79
projetam sobre o mundo animal o seu sistema de valores e suas
categorias". ( Lévi-Strauss 1985: 15)
Segundo Lévi~Strauss, alguns outros povos sul-americanos classificam os seus clãs ou os
de seus vizinhos por critérios que ele denomina "imaginários". Dentre esses critérios Lévi-Strauss
inclui algumas características lingüísticas:
"Os sikuani dos ltanos da Venezuela atribuem muitas vogais
nasalizadas a seus vizinhos, os Saliva, que segundo os mitos refugiaram
se num forno de barro quando veio o Dilúvio, ao passo que eles, os
sikuani, conseguiram flutuar sobre uma jangada, e têm muitas vogais
oraís. Essa oposição entre fonemas escuros e fonemas claros também
pode ser encontrada na Austrália, onde se considera que os Yalbiri ou
Lander Walbiri falam 'alto' ou 'claro', isto é. com consoantes não
agrupadas, ao passo que os outros grupos falam "pesado' ou 'fechado'."
(Lévi-Strauss 1985: 16-17)
É tomando, portanto, como ponto de partida a questão da analogia, comumente estabalecida
no "pensamento popular", entre as ocupações profissionais e a personalidade daqueles que as
exercem que Lévi-Strauss escreve "A Oleira Ciumenta". Nesse livro a verdadeira intenção de
Lévi-Strauss é investigar os mitos das Américas constituintes de uma cosmogonia que contém a
"(...) idéia de que o ceramista e os produtos da sua indústria desempenham um papel mediador
entre as forças celestes e as forças terrestres, aquáticas ou subterrâneas (. .. )" ( Lévi-Strauss 1985:
20). Assim como no caso da analogia estabelecida no "pensamento popular" entre as ocupações
profissionais e personalidade, um dos problemas levantados por Lêvi-Strauss no estudo desses
mitos, particularmente, consiste em trazer à luz analogias tanto de estrutura quanto de conteúdos
entre eles, ainda que se trate de mitos provenientes de regiões muito distantes entre si.
Segundo Lévi~Strauss, a aná!ise desses mitos revela, em primeiro lugar, que:
"não apenas na América, mas também em outras partes do
mundo, a passagem do contínuo ao descontínuo resulta da intervenção
80
de divindades exigentes e rancorosas. Surge assim o lugar concedido
ao ciúme nos mitos sobre a origem da cerâmica"(Lévi-Strauss 1985:
31).
O trabalho de Uvi-Strauss, a partir daí, consiste em demonstrar que esses mitos e crenças
estabelecem ligações triangulares entre três elementos que neles aparecem18: cerâmica, ciúme e
Engole-vento que estabelecem as seguintes relações: a cerâmica e o ciúme, o ciúme e o engole-
I 19 ~ . vento, o engo e-vento e a ceram1ca.
Num segundo passo da análise do mitos amencanos, Lévi-Strauss aponta a segunda
relação que neles se estabelece: entre ciúme e engole-vento. Segundo Lévi-Strauss, nas regiões
estudadas, o pensamento mítico atribui a essa categoria engole-vento valores semânticos iguais
ou muito próximos. O nome engole-vento advém, segundo Lévi-Strauss, dos traços encontrado
no próprio pássaro: o nome se refere à enorme boca do pássaro e à sua voracidade. Há, entretanto,
segundo Lévi-Strauss, grandes disparidades entre os mitos nos quais aparecem engole-vento. Por
exemplo, entre os Maia-Quiché da Guatemala, segundo Lévi-Strauss "são os pássaros noturnos a
quem os senhores do reino infernal de Xibalba confiam a guarda de seus jardins" ( Lévi-Strauss
18 Segundo LCvi-Strauss, os (ndios Jivaro, que vivem na fronteira entre o Equador c o Peru, contam em um dos seu mitos, o seguinte: " ... que o Sol c a Lua. que eram humanos, viviam antigamente na Terra e dividiam a mesma casn e a mesma mulher. Ela se chamava Aoho. isto é, Engole-vento, e gostava do abraço quente do Sol, mas tinha medo do contato com Lua, cujo corpo era muito frio. Sol resolveu fazer ironias sobre essa diferença. Lua, humilhado, subiu para o céu agarrando-se num cipó, c ao mesmo tempo soprou sobre Sol, eclipsando-o. Quando os dois maridos desapareceram, Aoho se sentiu abandon;:tda. Tentou seguir Lua até o céu, levando um cesto cheio de argila que as mulheres usam para fazer cerâmica. Lua percebeu, e para se ver livre dele de uma vez por todas cortou o cipó qne unia os dois mundos. A mulher caiu com o seu cesto, a argila se espalhou sobre a Terra, e hoje pode ser encontrada em v<iríos lugares. Aoho se transformou no pássaro que tem o seu nome, e a cada lua, pode-se ouvir seu lamento, chornndo pelo marido que a abandonou.
Mais turdc, o Sol também subiu para o céu, usando um outro cipó, Mas, mesmo lá no alto, a Lua continua a fugir dele, os dois nunca caminham juntos e nunca podem se reconciliar. Por isso o Sol só pode ser visto de dia, e a Lua de noite.
·se', diz o mito, 'o Sol e a Lua tivessem entrado em aconJo para compartilhar a mulher, em vez de cada um querê-la só para si, entre os Jivaro os homens também poderiam ter uma mulher em comum. Mas, como os dois astros ficaram com ciúmes um do outro e brigaram pela mulher. os Jivaro sempre sentem ciúme c nào param de se desentender por causa das mulheres que querem ter".
A argila que serve para fabricar os recipientes destinados às festas c aos rituais provém da alma de Aoho, e as mulheres vão apanhá-la nos lugares onde caiu, enquanto Aoho se transformava em Engolc-vento."(Lévi-Strauss 1986: 23·24) 19 Termo usado por Lévi-Strauss para designar uma categoria na qual o pensamen!O mítico reúne os pássaros da farnflia do caprimulgfdeos que são mais conhecidos no Brasil pelo tenno "curiango" e os da sub família dos corJeilíneos qw: no Brasil são conhecidos como "bacurau'·.
81
1985: 53). Já entre os Tupi do Amazonas é urna divindade com o mesmo statuto da lua que, para
esses últimos, é a deusa da vegetação. Nesse exemplo, portanto, segundo Lévi-Strauss, o engole
vento passa de servir aos deuses ao status próprio de uma divindade.
Diante do caráter heteróclito dos mitos de engole-vento, caráter este que é ressaltado de
maneira exaustiva em "A Oleira Ciumenta", Lévi-Strauss busca uma maneira de classificá-los.
Passando, por transição, de uns a outros, Lévi-Strauss encontra uma continuidade entre eles.
Dado este triângulo de relações suposto nos mitos das Américas do Sul e do Norte, Lévi
Strauss depreendc a lógica do pensamento mítico analisando as conexões supostas existentes no
triângulo mítico apontado acima, da seguinte maneira: a primeira conexão, entre ciúme e
cerâ.mica resulta, segundo ele, de que as teorias indígenas mais elaboradas acerca da cerâmica
colocam-na como objeto de um conflito: todos os mitos das américas do Sul e do Norte colocam
continuamente a posse e o uso da cerâmica como o objeto de uma rivalidade entre as forças do
alto e as de baixo, ele um conflito cósmico.
A segunda conexão, entre ciúme e Engole-vento, resulta, segundo Lévi-Strauss,
"de um dedução empírica que imputa ao pássaro uma natureza
sofredora e um grande apetite, devido a sua vida solitária, aos seus
hábitos noturnos, seu grilo lúgubre e seu bico _grande, que lhe permite
engolir os maiores insetos" (Lévi-Strauss 1985: 69).
A terceira conexão entre cerâmica e engole-vento, segundo Lêvi-Strauss é particularmente
importante porque põe em jogo certos princípios fundamentais da análise estrutural dos mitos.
Ele adota assim um procedimento analítico específico no caso desta conexão:
"Para demonstrar a conexão entre o engole-vento e a cerâmica
teremos que recorrer a um pássaro [joão-de-barro} que não aparece em
nenhum dos mitos considerados até agora. Mas esse procedimento se
justifica por duas razões. Primeiramente, esse pássaro figura em outros
mitos que, como mostraremos, estão em relação de transformação com os
primeiros( ... ) além disso, os hábitos do pássaro, de acordo com as
82
infommções dos viajantes e zoólogos, contrastam em vários aspectos
com os do engole-vento ( Lévi-Strauss 1985: 69-70).
Lévi-Strauss conclui que a conexão entre cerâmica e engole-vento é uma relação
estabelecida indiretamente ...
" ... por intermédio de um pássaro cujos hábitos observáveis e mitos
colocam em correlação e oposição com o engole-vento: pois esse
pássaro, no qual se invertem todas as valências semânticas do outro
remete, diretamente à cerâmica" ( Lévi-Strauss 1985: 77).
A lógica do pensamento mítico obedece, portanto, segundo Lévi-Strauss, a dois modos de
operação. Segundo ele os homens conjugam a observação empírica, alimentada pela curiosidade
pelos seres e pelas coisas que os cercam, com as inferências não validadas pela experiência , mas
que satisfazem a imaginação e a reflexão.
Lévi-Strauss já havia escrito antes disso uma obra, "O Pensamento Selvagem", com a
intenção de se contrapor aos que atribuem uma indigência intelectual ao pensamento indígena, ao
chamá-lo "pensamento selvagem". Os partidários desse ponto de vista mencionam duas situações
para justificar a suposta miséria intelectual dos selvagens: a primeira diz respeito a sociedades em
cujas línguas faltam termos para exprimir conceitos genéricos como os de árvore ou animal, ainda
que os possuam para exprimir conceitos específicos, como um inventário minucioso de espécies c
variedades. A segunda situação remete àquelas sociedades cujas línguas têm termos muito gerais
e esses termos prevalecem sobre as denominações específicas.
O argumento de Lévi-Strauss reside em indicar que a seleção conceptual varia conforme a
língua:
'" ... o uso de termos mais ou menos abstratos não é função de
capacidades intelectuais, mas de interesses. desigualmente marcados e
detalhados de cada sociedade particular, dentro da sociedade nacional."
( Lévi-Strauss 1976: 20).
83
De acordo com o que foi dito acima, pode-se inferir que, para Lévi-Strauss, a construção de
conceitos numa determinada língua, antes de ser uma capacidade específica do mente,
corresponde à atenção às propriedades do real dispensada pelos homens de um determinada
sociedade. O principal equívoco de quem argumenta em defesa da hipótese de uma carência
intelectual dos «selvagens", segundo Lévi-Strauss, é negligenciar a diversidade do pensamento
humano.
Lévi-Strauss também não admite que os seres e coisas que são objetos do conhecimento
indígena, o sejam na medida em que sejam úteis. No caso da<; espécies animais e vegetais, por
exemplo, "elas são classificadas úteis e interessantes porque são primeiro conhecidas (Lévi
Strauss 1976: 29). Ao apresentarmos a análise que faz Lévi-Strauss das relações de analogia
estabelecidas nos diferentes mitos, assim como da questão da suposta indigência intelectual dos
''povos indígenas", estamos, dessa maneira, apontando para o ponto que nos interessa: a
concepção de linguagem como uma estmtura subjacente aos fenômenos culturais:
"A verdadeira questão não é saber se o contato de um bico de picanço
cura dores de dentes, mas, se é possível, de certo ponto de vista, fazer
juntos 'irem' o bico de picanço e o dente do homem (congruência, cuja
fórmula terapêutica nâo constitui mais que uma aplicação hipotética,
entre outras) e, por intermédio desses agrupamentos de coisas e de seres,
introduzir um princípio de ordem no Universo; porquanto, a qualificação,
qualquer que seja, possui uma virtude própria em relação à falta de
classificação." ( Lévi-Strauss 1976: 29)
É correto pensar, portanto, que, para Lévi-Strauss, a ordem e a sistemática está na base de
qualquer pensamento. Ela é montada sob a regência da 'congruência'. Con.seqi.íência disso é que
toda verdade, nessa perspectiva, antes decone da ordenação e da coerência, o que para Lévi
Struuss é tão válido para o "pensamento selvagem" quanto para o pensamento científico da
cultura ocidental.
É numa concepção de linguagem que privilegia a ordem em detrimento dos termos
isolados que o conceito straussiano de estrutura se assenta. Neste sentido por ele atribuido,
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linguagem é, por assim dizer, uma ordem lógica que ordena os fenômenos simbólicos do que se
costuma denominar cultura. A cultura, de acordo com Lévi-Strauss, nada mais é do que a
emergência, ao nível da vida social, desses fenômenos simbólicos ordenados. Lévi-Strauss
esforça-se, portanto, em indicar, de maneira geral, como opera essa lógica que constitui a
estrutura dos fenômenos culturais. Sua obra "A Oleira Ciumenta" consiste em analisar isto no
plano dos mitos.
Assim, para Lévi-Struass a lógica dos tennos heteróclitos, ou seja, as relações necessárias
estabelecidas entres esses termos que, em princípio, nada leva a relacioná-los é perfeitamente
possível pois suas relações tomam-se necessárias a posteriori. Isto ocorreria, segundo ele, da
seguinte forma:
"É só em relação ao conteúdo que [os termos} podem ser chamados
heteróclitos; pois, pelo que se refere à forma, existe entre eles uma analogia,
que o exemplo do bricolage permitiu definir: esta analogia consiste na
incorporação, à sua própria forma, de certa dose de conteúdo, que é de certa
forma igual para todas as imagens significantes do mito, os materiais do
bricoleur, são elementos defin(veis por um duplo critério: serviram como
palavras de uma linguagem que a reflexão mítica "desarma", à maneira do
bricoleur que cuida das peças de engrenagem de um velho despertador
desmontado; eles podem servir ainda para o mesmo uso, ou para uso
diferente, por pouco que sejam desviadas de sua primeira função. ( ... ) esta
lógica funciona um pouco ao modo do caleidoscópio." ( Lévi~Struuss 1976:
56-57)
Segundo Lévi-Strauss, dessa forma é possível construírem-se estruturas análogas por meio
de recursos iexicais diferentes. "O elementos não são constantes apenas as relações" (Lévi
Strauss 1976: 76). Nesse sentido é que para ele os termos não tem nunca significação intrínseca,
"sua significação é 'de posição', função da história e do contexto cultural por um lado, e por
outro, da estrutura do sistema em são chamados a figurar" ( Lévi~Strauss 1976: 77). Um outro
aspecto interessante dessa concepção de linguagem como estrutura em Lévi-Strauss é que,
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segundo ele, os traços de distinção observados nos termos que compõem o sistema são escolhidos
pelo próprio sistema que lhes dá significados arbitrários ao ordená-los. É a partir dessa ordenação
que emerge a "mensagem". Tal ordenação repete-se, portanto, operando em vários eixos:
"As relações que [o mito e o totemismo] estabelecem entre os
termos são, na maioria das vezes, baseadas na contiguídade (serpente e
termiteira, entre os Luapula, como também entre os Toreiya, da Índia
do Sul20 ), ou na semelhança ( formiga vermelha e cobra-capela,
semelhança pela 'cor', segundo os Nuer)" ( Lévi-Strauss 1976: 85).
Em suma, a partir de um segundo momento de sua teorização que, podemos dizer,
representa um ir além do uso do método estrutural, Lévi-Strauss procura demonstrar que as
lógicas que estruturam qualquer fenômeno cultural concebido como um sistema simbólico são
análogas, sobretudo em um ponto: para ele, o fato de haver ligação entre os termos é mais
essencial do que a natureza dessas ligações.
Segundo Lévi-Strauss o trabal!1o da ciêncn1 lingüística é, portanto, levantar hipóteses
sobre a natureza das relações estabelecidas entre os termos dos sistemas estudados. Para Lévi
Strauss a noção de "oposição binária", por exemplo, é uma tentativa da Lingüística estrutural de
superar as dificuldades ele definir relações considerando a natureza dessas últimas. Tais
definições, entretanto, para Lévi-Strauss, permanecem hipotéticas. Uma vez que os fenômenos
simbólicos, incluindo-se a língua, tem sua lógicas construídas com base na qualidade, segundo
Lévi-Strauss, a natureza deles continua inapreensíveL
"A noção de oposição binária é feita a expensas de uma diversidade
de natureza, insidiosamente reconstituída em proveito de cada
oposíção: dimínuído num plano, o número de dimensões se
restabelece em outro. Poderia muito bem acontecer, entretanto, que,
em lugar de uma dificuldade de método, tivéssemos aí um límite
inerente à natureza de certas operações íntelectuais, cuja fraqueza, e
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ao mesmo tempo força, seria de poderem ser lógicas, embora
permanecendo enraizadas na qualidade. (Uvi-Strauss 1976: 89)
A hipótese de Lévi-Strauss de que a linguagem é condição de cultura, portanto, pode
adquirir um novo sentido baseado na concepção de estrutura como linguagem, que nos parece ser
decorrente de sua elaboração posterior à publicação de "Le Totemisme aujourd'hui" {1962).
Assim a analogia entre a língua e a cultura passa a se estabelecer não pela aplicação do método
de análise estrutural importado da Lingüística e menos ainda, do postulado de uma similitude
objetiva entre língua e cultura. Tudo se encaminha, a partir daquele ponto do pensamento
straussiano, ao contrário, para conceber os fenômenos culturais pelo aspecto psíco-lógico. O
termo linguagem, sob esse aspecto, denota um sentido equivalente à estrutura, como aquilo que
ordena os fenômenos simbólicos, que, por sua vez, assim o são por serem ordenados. Essa
interpretação da hipótese da linguagem como condição de cultura nos parece possível ao mesmo
tempo em que pode talvez aproximar Lévi-Strauss teoricamente mais da Psicanálise do que da
Lingüística. Dessa maneira, Lévi-Strauss concebe a linguagem num sentido cada vez mais
distante daqueles fixados pela Lingüística, ainda que desta última não prescinda. O termo
linguagem passa a designar mais uma lógica subjacente a qualquer fenômeno cultural, porque
simbólico, do que estritamente um fenômeno lingüístico.
Dessa forma totemismo, o mito, a própria língua e, porque não dizer, a arte e a ciência têm
suas existências atribuídas a uma ordem cujo funcionamente é psíquico. Ou seja, para Lévi
Strauss, a estrutura, antes de ser definida cientificamente, é o que ordena o próprio pensamento
científico, assim como qualquer outro fenômeno da cultura, A forma de definir a estrutura dos
fenômenos simbólicos é sempre arbitrária, ínsidiosa e temporária e vem atender à exigência de
ordenação própria da linguagem que, neste caso, é condição de cultura.
Tomar uma determinada forma de ordenar, isolando arbitrariamente certos fenômenos e
agrupando-os entre si para dar-lhes um sentido, como a verdadeira, atende a exigências de outro
20 "Os membros do dã da serpente rendem um culto aos formigueiros(- .. ) por que servem de morada às serpentes (Thurston, voLVIL p.l76). Da mesma forma, na Nova Guiné, "(. .. )certos tipos de plantas, como seus parasitas animais e vegetais, são tidos como pertencendo ao mesmo conjunto mítico e totêmíco." ( Wirz, vol Il p. 21)
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tipo, também de ordem cultural, mas também política. Na via do político, portanto, qualquer
fenômeno cultural estará, a partir daí, inscrito, desde que nele se inscreva uma subjetividade.
Desse ponto de vista a linguagem será sempre condição de cultura, uma vez que a primeira é a
condição de entrada do sujeito no mundo.
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SUMARY
The aim of this work is to discuss the hypothesis put forward by Claude Lévi~Strauss that language could be taken as a condition for culture. Our initia! assumption is that LéviStrauss works allow a double interpretation relatively to such hypothesis.
A first ínterpretation is built upon the examination of that hypothesis under the light of the theoretical principies set up by Structural Linguistics, as wel! as by relating them to LéviStrauss's intention of giving a strict scientific status to Anthropology. The second interpretation is built upon the examination o f the notions o f language and culture presented by Lévi-Strauss in some of the works pub!ishecl after L' Anthropologic Structuralc, such as La Potiêrc Jalousc and La Pensée Sauvage. Such notions are rcviscd on thc basis of some o f the points concerning Janguage as dcveloped by Jacques Lacan as wel! as of the notion of structure present in Edmund Leach's work ..
Palavras-chave: 1. Estruturalismo 2. Lévi-Strauss 3. Linguagem
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