LITERATURA DE CORDEL: caminhos para reflexão no contexto escolar
Autora: Kathia Eiko Fujisawa de Freitas¹ Orientador: Dr Alexandre Villibor Flory²
Resumo
O objetivo deste artigo é discutir o estudo da literatura, que não pode se
restringir à apresentação cronológica da historia literária em detrimento da
leitura direta de textos literários. Ao contrário, pois o potencial epistemológico e
didático da leitura está na busca do que é próprio de cada obra, de suas
peculiaridades e idiossincrasias. Para isso foi desenvolvido um projeto
objetivando despertar nos alunos o interesse pela leitura, por meio de práticas
de leitura diversas das tradicionalmente estudadas no contexto escolar. Com
isso, pretende-se ajudar o aluno a transitar por diferentes visões sociais e
discursivas e, ainda, estimular seu senso crítico e estético, de forma que ele se
perceba capaz de ler e produzir textos sem sofrimento e por obrigação. Deste
modo, o trabalho visa à formação de um leitor com ampliação de seu horizonte
de expectativas, com o intuito de questionar e transformar suas visões de
mundo a partir da leitura literária. No caso em questão, isso se faz pelo estudo
do subgênero Literatura de Cordel. O processo de trabalho permitiu que os
alunos estabelecessem pontes de sentido entre o seu repertório prévio e o
tratamento de assuntos próximos ao cotidiano das pessoas que esse
subgênero possibilita, percebendo o valor estético-literário bem como social da
Literatura de Cordel em especial, e da Literatura em geral.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura de Cordel; Leitura Literária; Estética da
Recepção; Literatura e Sociedade.
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1 Professora de Língua Portuguesa, concluinte PDE – 2010. Graduada em Letras pela FAFIU –
UNIPAR com Especialização Processo do Ensino da Aprendizagem de Língua Portuguesa. Docente no Colégio Estadual Vicente Tomazini Ensino Fundamental, Médio e Normal, em Francisco Alves, NRE – Umuarama. Contato: [email protected] 2
Professor de Teoria da Literatura e Literaturas de Língua Portuguesa da Universidade
Estadual de Maringá (UEM). Contato: [email protected]
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1 INTRODUÇÃO
O estudo da literatura não pode se restringir à apresentação cronológica
da história literária em detrimento da leitura direta de textos literários. O simples
enquadramento em uma série literária apenas busca os traços comuns a todas
as obras, mostrando um caráter de filiação. O maior potencial epistemológico e
didático está, no entanto, no que é próprio e específico de cada obra, em suas
peculiaridades e idiossincrasias.
Portanto, faz-se necessário um trabalho de formação do leitor,
proporcionando a ampliação do seu horizonte de expectativas, com o intuito de
questionar e transformar sua visão de mundo e de estética por meio da leitura
literária. Por esse caminho se tem acesso a uma manifestação cultural
insubstituível, porque, ao mesmo tempo em que os textos remetem a uma
visão de época historicamente determinada, constituem também uma
manifestação particularizada, porque expressam a visão de um autor
específico. Além disso, a relação da história com a literatura não é apenas a
determinação do contexto em que foi escrita, mas envolve a historicização das
categorias literárias, como a instância narrativa, a criação dos personagens, o
público esperado, entre outros itens. Afinal de contas, a literatura está na
história (contexto), mas a história também está na literatura e não só no plano
do conteúdo, mas da forma.
Um primeiro passo teórico desta perspectiva volta sua atenção aos
autores até então deixados de lado pelo cânone literário. O questionamento do
cânone – que elege algumas obras como sendo as melhores e exige que
sejam difundidas com essa valorização, esquivando-se à crítica justamente por
seu estatuto clássico – é um dos itens mais importantes para as teorias e
críticas literárias na atualidade. Assim, quais os critérios que canonizam um
texto? Qual a função da obra de arte na sociedade contemporânea? Ela pode
ajudar a criar conhecimento, além de entreter? São questões que colocamos
para a discussão sobre o cânone hoje em dia.
Além disso, o público não é mais abstrato ou universal, mas localizado
historicamente. A maneira de ler influencia as leituras posteriores, de modo que
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o estudo da literatura não se restringe apenas ao estudo da psicologia dos
autores nem da criação da obra. Há, ainda, a dimensão da recepção, e a
interação com os leitores deve levar em conta seu horizonte de experiências.
Segundo as Diretrizes Curriculares do Paraná, um dos itens
fundamentais para o ensino da literatura são os pressupostos teóricos da
Estética da Recepção. Essa linha teórica busca formar um leitor capaz de
sentir e de expressar o que sentiu, com condições de reconhecer nas aulas de
literatura um envolvimento de subjetividades que se expressam pela tríade
obra/autor/leitor, por meio de uma interação que está presente no ato de ler. De
fato, trata-se da relação entre o leitor e a obra, e nela a representação de
mundo do autor que se confronta com a representação de mundo do leitor, no
ato ao mesmo tempo solitário e dialógico da leitura. (DCEs: 2008, p. 58).
Neste trabalho, o tema central será a discussão de obras literárias de
um gênero específico, a literatura de cordel. Sua posição à margem do cânone
ajuda a realizar o questionamento deste, ao mostrar o valor tanto estético-
literário como social da literatura de cordel. O tratamento de assuntos próximos
ao dia-a-dia das pessoas por esse gênero possibilita, ainda, um contato mais
interessado por parte dos alunos, desde que a professora consiga fazer a
mediação entre as significações que o texto possibilita e a experiência dos
alunos.
No Ensino Médio observa-se certo distanciamento entre a leitura de
obras literárias e o interesse dos adolescentes, muito em função da didática
utilizada, que segue uma apresentação cronológica da história literária. Mais do
que isso, a falta de uma cultura letrada e leitora faz com que os alunos vejam
com desconfiança a leitura proposta pela escola, tomada como distante de
suas vidas e questões mais urgentes. A leitura acaba marcada pela
obrigatoriedade curricular, dificultando que seja considerada importante. Assim,
para conseguir fazer dos alunos leitores interessados e que possam aprender
algo com a leitura, faz-se necessário pensar em novas metodologias didáticas,
em uma nova abordagem do texto literário, o que acaba redundando em uma
concepção de arte complexa e relacionada ao mundo circundante.
Uma questão central para o artigo pode ser expressa assim: como a
escola pode contribuir para que os alunos se tornem leitores críticos, que
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tenham consciência da busca pelos direitos de cidadania, seja cultural ou
política? No recorte desse artigo, trabalhamos essa questão pelo subgênero
Literatura de Cordel, o que nos propõe caminho apropriado para realizar esse
propósito.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Nosso objetivo será guiado por uma abordagem sócio-histórica das
formas e da recepção literárias, partindo de um contexto específico e das
interações vivenciadas, tendo a palavra com signo privilegiado. Como diz, com
acerto,
As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios. É, portanto, claro que a palavra será sempre o indicador mais sensível de todas as transformações sociais, mesmo daquelas que as despontam, que ainda não tomaram forma, que ainda não abriram caminho para sistemas ideológicos estruturados e bem
formados. Bakhtin (2010, p. 42):
A ação de ler é um processo de percepção, de entendimento de mundo
que envolve uma particularidade do homem: a capacidade simbólica e de
interação como outro pela mediação da palavra. A palavra é entendida
enquanto signo vivo, dialético, voltado para o outro, produzindo um sentido
pessoal e social, no qual o texto não se apresenta ao leitor como algo pronto.
Sendo assim, a recepção de um texto se dá por meio de um leitor ativo.
A partir da década de 60 do século XX começaram a surgir novas
propostas, novos olhares sobre o fenômeno literário, havendo nítida mudança
do foco: se no romantismo o autor (e seu gênio criador) estavam em primeiro
plano, e se para o realismo e o formalismo a obra é praticamente autônoma, a
partir da segunda metade do século XX a atenção desloca-se, cada vez mais,
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para o leitor, ou seja, para as instâncias da recepção da obra literária. Contra o
pensamento tradicional, que vê a recepção como um nível alheio à obra, as
teorias atuais percebem que a interpretação da obra literária passa,
necessariamente, pela sua recepção. Candido (1985) concebe a literatura sob
a tríade autor-obra-público, como vemos a seguir:
A literatura é, pois, um sistema vivo de obras, agindo umas sobre as outras e sobre os leitores; e só vive na medida em que estes a vivem, decifrando-a, aceitando-a, deformando-a; a obra não é produto fixo, unívoco ante qualquer público; nem este é passivo, homogêneo, registrando uniformemente o seu efeito. São dois termos que atuam um sobre o outro, e aos quais se junta o autor, termo inicial desse processo de circulação literária, para configurar a realidade da literatura atuando no tempo. (CANDIDO, 1985, p. 74).
Além dessa concepção ampliada da literatura, Candido discute quais
seriam as três principais funções da literatura: a total, a social e a ideológica.
A função total, de acordo com Candido (1985, p. 45) “deriva da
elaboração de um sistema simbólico, que transmite certa visão do mundo por
meio de instrumentos expressivos adequados”. A afirmação apresenta
expressões individuais e sociais que excedem a situação imediata de criação
da obra, permitindo que ela continue sendo lida através dos tempos. A esse
respeito o teórico (1985, p. 45) afirma que “a grandeza de uma literatura, ou de
uma obra, depende da sua relativa intemporalidade e universalidade, e estas
dependem por sua vez da função total que é capaz de exercer”, ou seja, não
permanece presa a um momento ou tempo determinado.
Por outro lado, a função social refere-se ao papel exercido pela obra
para estabelecer relações sociais, satisfazer necessidades, manter ou mudar a
ordem estabelecida na sociedade. Porém, ela não depende da vontade ou da
consciência dos autores e leitores, ela “decorre da própria natureza da obra, da
sua inserção no universo de valores culturais e do seu caráter de expressão,
coroada pela comunicação” (CANDIDO, 1985, P. 46). Aqui a obra é vista em
sua relação com o meio sociocultural.
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A função ideológica diz respeito a um sistema definido de ideias e
acontece quando autores estabelecem desígnios conscientes em relação à
obra. Sua importância está na relação do destino da obra e sua apreciação
crítica, embora não seja o centro de seu significado. Segundo Candido (1985,
p.47), “só a consideração simultânea das três funções permite compreender de
maneira equilibrada a obra literária”, na qual a função total é realçada pelos
aspectos estéticos.
De acordo com Candido (1985) a sociologia moderna defende que a
arte é social na ação de fatores do meio e no efeito prático que produz no
indivíduo, levando-o a modificar sua conduta e sua concepção de mundo.
Aponta, como fator decisivo, os tipos de relações estabelecidas e os fatos
estruturais associados à produção artística, como causa ou consequência. O
que influencia os fatores socioculturais está relacionado à 1) estrutura social, 2)
valores e 3) ideologias, além das técnicas de comunicação. O primeiro item
(estrutura social) se manifesta mais visivelmente na definição da posição do
artista, ou na configuração de grupos receptores; o segundo, valores, na forma
e conteúdo da obra; e as ideologias aparecem na sua fatura e transmissão.
“Eles marcam, em todo o caso, os quatro momentos da produção, pois: a) o
artista, sob o impulso de uma necessidade interior, orienta-o segundo os
padrões da sua época, b) escolhe certos temas, c) usa certas formas e d) a
síntese resultante age sobre o meio.” (CANDIDO, 1985, P. 21).
Neste sentido, torna-se evidente que a criação da obra literária não
pode ser desvinculada da sua atuação na sociedade, pois ela só está completa
no momento em que repercute e atua. Esse processo de comunicação inter-
humano pressupõe três elementos: comunicante, comunicado e comunicando,
representados pelo artista, a obra e o público, que juntos forma um quarto
elemento do processo, o efeito.
O leitor se aproxima do texto por dois caminhos: no nível pragmático, o
texto tem sua atenção voltada para o destinatário, buscando instrumentos que
facilitem a comunicação, cabendo ainda ao leitor o resgate do interdiscurso. No
nível linguístico-semântico, o texto não diz tudo objetivamente, pois apresenta
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lacunas e espaços que devem ser preenchidos pelo leitor, que recria o que é
omitido, abrindo várias possibilidades de interpretação.
A leitura, entendida como leitura de mundo e não só como
decodificação da palavra, exige um leitor criativo, mobilizador de
conhecimentos para preencher espaços do texto, indo além das intenções do
autor, construindo uma significação socialmente válida. No trabalho com a
leitura é necessário estar atento à estruturação subjetiva do aluno de hoje,
partindo de estímulos cotidianos. Esse percurso cria novas didáticas que visem
uma postura reflexiva, questionando os modelos tradicionais de aprendizado.
Sabemos das dificuldades que os alunos enfrentam para romper com
uma postura construída pelas práticas escolares, assumindo-se como sujeito
crítico, visto que as instituições são marcadas antes pela passividade, num
modelo em que o aluno não questiona os saberes „transmitidos‟, com respostas
prontas para as perguntas colocadas. Neste contexto, os discentes leem livros
(literários ou não) apenas para estarem preparados para as provas. Romper
com formas de alienação como essa faz-se necessário para produzir
significados tanto pessoais quanto sociais, pois todo conhecimento do sujeito é,
também, conhecimento do mundo onde ele se situa, portanto social. Isso é a
base para que haja envolvimento, compreensão, cumplicidade, percepção e
interpretação por parte dos alunos. A ampliação do conhecimento é decorrente
do acesso aos mais variados textos, permitindo assim uma melhor
compreensão do seu papel como sujeito histórico.
A linguagem é, portanto, um instrumento de ação e construção da
cidadania, permitindo ao indivíduo tornar-se sujeito de sua história e de sua
humanidade. A escola é um dos espaços em que se pode, pela linguagem,
promover a organização social dos conhecimentos.
O grande desafio é o de oferecer instrumentos para que os alunos
mantenham uma relação significativa com a leitura e a escrita, sendo capazes
de buscar no texto os sentidos – pessoais e sociais – que ele é capaz de
produzir. Diante de leitores da contemporaneidade, expostos a uma
multiplicidade de leituras, vivendo num ambiente cujos avanços tecnológicos
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promovem, a cada dia, novas e variadas formas de leitura, o desafio é dos
mais complexos. Busca-se a formação de um leitor autônomo, capaz de formar
um juízo sobre suas leituras, que o levem a pensar e agir criticamente. Isso só
será viável se a escola tomar seus alunos como sujeitos sócio-históricos
definidos, e que esteja aberta para novas práticas sociais de leitura, que
atinjam a sociedade como um todo, incluindo as camadas populares. A posição
do professor não mais pressupõe um conhecimento total e irrestrito, mas exige
que o professor atue como um mediador entre os alunos e os textos. Além de
uma prática de leitura fundamentada no gosto, na apreciação estética enquanto
fonte de prazer – pois sem isso a leitura se torna maçante – é imprescindível
que o professor procure despertar a motivação para a leitura pelo
conhecimento que essa propicia, contribuindo para que os alunos consigam se
situar melhor no mundo. Assim, a leitura não busca apenas o divertimento nem
a elevação do espírito pela arte, mas também, e principalmente, que a arte seja
compreendida como um caminho para um conhecimento útil em suas vidas.
Assim, não mais apartada da vida social, a arte ganha lugar de destaque entre
os equipamentos que fazem das pessoas cidadãs.
A leitura é uma habilidade humana, segundo Paulo Freire (1997). Ler
não é uma atitude passiva, não se reduz a uma simples decodificação de sinais
gráficos, mas pressupõe uma atividade de reconstrução de sentidos. Ela não é
um ato solitário porque envolve diálogo com o interlocutor, mesmo que diferido
no tempo e no espaço. No momento que fazemos o cruzamento de um texto
com outro e colocamos questões, os interlocutores ampliam-se.
No processo educativo produz-se conhecimento e ocorre a interlocução
de saberes, efetivados nas práticas culturais, nas experiências de vida e no
cotidiano, tendo uma função essencial na vida dos sujeitos, pois é nela que as
relações sociais se consubstanciam. Deve-se pensar a educação considerando
os vínculos culturais e educativos nela existentes, os quais são trazidos tanto
pelos docentes quanto pelos discentes e construídos a partir das relações
tecidas na escola.
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Educar consiste em conviver, na experiência cotidiana, com as
identidades plurais, com as diferenças. Ela é indispensável para uma educação
inclusiva, que insira os diferentes saberes, as diversidades culturais e as
identidades, mesmo diante de um mundo cuja realidade prima pela exclusão
social. Sendo assim, é essencial uma proposta que contribua para a inclusão
social e que promova a construção de uma sociedade menos excludente, que
propicie uma prática pedagógica alicerçada numa pedagogia fomentadora de
liberdades individuais e coletivas de cada sujeito social.
Pensando em uma escola e suas dimensões, deve-se levar em
consideração que educar não é transmitir conhecimento nem acumular
informações, mas propiciar ao aluno, através do ato educativo, experiências
significativas de aprendizagem. O ato educativo implica uma relação dialógica
com o educando em que se estabelecem laços de interação, e o educando
passa a dar sentido ao que aprendeu.
Paulo Freire propõe que se estabeleça uma educação cuja prática
procure respeitar educandos e educadores, enquanto sujeitos históricos
produtores de conhecimento, para que eles possam ter autonomia. Isso poderá
acontecer a partir do respeito à história e à cultura desses sujeitos, enquanto
seres que ensinam e aprendem e que fazem parte de uma sociedade em
transformação. Na base do projeto está, portanto, uma educação intercultural,
onde a interação/integração dos sujeitos que aprendem flua no ambiente
cultural, nas relações sociais, como também no campo das subjetividades,
porque a educação também é formadora de caráter e, vista pelas lentes da
interculturalidade, permite que o ensinar e o aprender no ambiente escolar
desenvolva uma convivência pautada no aprendizado mútuo, no respeito e no
estabelecimento de vínculos de solidariedade e amizade.
Essa é a base teórica de uma nova proposta didática, que vê a instância
docente como mediadora, no grupo de alunos, da construção de saberes que
não ocorre de cima para baixo, mas pela interação no grupo, coordenados pelo
docente, que coloca questões, propõe debates e encaminhamentos que levam
adiante o que está sendo discutido e estudado. A delimitação do objeto de
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estudo faz parte desse quadro complexo, pois a própria escolha dele já implica
determinadas concepções didáticas e literárias.
3 LITERATURA DE CORDEL E O ENSINO DE LITERATURA
Os processos de aprendizagem veiculados na perspectiva da
interculturalidade objetivam que o espaço escolar seja lugar de criação de
sentidos, de fazer e de pensar que efetivem a emancipação dos sujeitos,
propondo uma prática educativa que vise o desenvolvimento da capacidade de
escutar. Nesse caso, pode-se aprender muito com os poetas de cordel, já que
ouvir é um dos seus aspectos mais significativos, porque está atento aos
modos e assuntos dos mais diferentes grupos, em especial dos populares, e
converte esse saber em lições em sua produção textual. É no mundo social
que nossas vivências são delineadas, tanto em territórios físicos como
simbólicos, pois, ao longo de nossas vidas, são variados os processos de
aquisição de conhecimentos, como são variadas também nossas experiências
pessoais e coletivas. No âmbito da cultura popular, o poeta de cordel mostra-se
como um produtor de cultura e de saber, um saber provido de um
conhecimento não marcado pelo apelo científico que, por sua vez, é
procedente de ações que são elaboradas no cotidiano e que mostram o modo
de fazer e de ver o mundo dos sujeitos sociais originários das camadas
populares, associado a formas literárias que vieram com os portugueses.
Desse modo, o cordel é elemento importantíssimo na compreensão
desse saber, visto como não pertencente aos clássicos estabelecidos, até
mesmo porque apresenta e representa o pensar e o agir do poeta frente ao
mundo que o cerca, voltado para a oralidade e para o universo popular. Isso
ficou de fora do cânone literário, mas o questionamento desse cânone pelas
teorias contemporâneas o colocou como tema a ser estudado. Além disso,
autores valorizados pela 'alta cultura', por sua notável erudição e criatividade,
como Ariano Suassuna, instauraram outras perspectivas para uma avaliação
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positiva dessas formas. Uma obra como o Auto da Compadecida, de
Suassuna, sofre influência dos autos medievais e da tradição portuguesa
vicentina, e também está intimamente relacionada à tradição nordestina da
literatura de cordel.
Esse é o pano de fundo teórico para uma reavaliação dessa literatura.
Sua temática popular e derivada diretamente de questões do mundo atual faz
esse subgênero, também didaticamente, ganhar interesse. Pois se um dos
problemas atuais do ensino de literatura é justamente a distância das obras
com a experiência dos leitores, o cordel permite a volta das questões.
Por Literatura de Cordel entendemos uma forma que tem origem no
hábito milenar da tradição oral de contar histórias que, aos poucos, começaram
a ser escritas e depois impressas, mas sem perder o caráter oral, seja da
entonação ou do canto, seja em sua aproximação com questões cotidianas
populares. Sendo assim, é um subgênero épico com muito acessível ao grande
público, dependendo de poucos intermediários e, daí, de fácil disseminação e
penetração social. A literatura de cordel impressa era (é) vendida em feiras no
Brasil, em especial no Nordeste, cantado ou declamado por seus próprios
autores, tornando o folheto ainda mais atrativo.
O Cordel se desenvolveu em outras partes do mundo, tornando-se
assim uma literatura articulada por formas diferentes. Sua presença na França
é denominada de “Litterature de Colportage”, que eram carregadas nas
mochilas, entre outras coisas como jornais, enfeites femininos, sendo uma
literatura volante voltada ao meio rural. “Já nos meios urbanos os franceses
divulgavam essa literatura nos Jornais de Sátira, populares ou denominados
“Canard”, conforme registra Maxado (1980) Em outras regiões, como na
Inglaterra, na Holanda e na Alemanha, o Cordel era semelhante àqueles
nordestinos, em sua forma literária escrita e visual, pois suas capas traziam
xilogravuras que fixavam aspectos do tema tratado.
Segundo Márcia Abreu (2006), no Brasil sua publicação começou no
final do século XIX, na Paraíba, onde alguns poetas usavam prensas manuais
de jornais. Com essas prensas, transformavam em folhetos os poemas que
tinham composto, depois vendidos em feiras, em mercados, em estações de
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trem e de ônibus. A denominação Cordel vem do fato dos folhetos ficarem
expostos pendurados em varais.
Mesmo de modo sucinto, vale a pela falar algo sobre sua composição
formal, mas sem realizar uma análise dessa forma. Na maior parte dos casos,
trata-se de uma brochura com 8, 16, 32,48 ou 64 páginas, número determinado
pela quantidade de folhas de papel dobradas em quatro empregadas em sua
confecção. As estrofes podem ser sextilhas, setilhas e décimas, sendo a
narrativa em sextilha a mais utilizada. As setilhas tratam de temas da
atualidade, enquanto que as décimas são empregadas em motes. Quanto às
rimas, as estruturas usuais seguem ABCBDB, ABCBDDB e ABBAACCDDC. As
palavras rimadas devem manter uma relação de sentido, não se pode
conseguir uma rima a qualquer custo. Os temas são os mais variados, tendo
como traços marcantes os exemplos morais de ordem social, econômica e
espiritual. As ilustrações que acompanham a literatura de cordel são chamadas
de xilogravuras.
Trazem marcas de valores, atitudes e linguagem de seus autores. Nesse
sentido, torna-se um rico material didático que possibilita o ensino-
aprendizagem, pois produz conhecimentos sobre a história e a cultura da
sociedade nordestina e, também, brasileira, bem como outro recurso para se
trabalhar a leitura engajada à realidade, que vai propiciar o desenvolvimento da
leitura crítica e, por conseguinte, o exercício da cidadania.
Segundo nosso ponto de vista, a literatura de cordel é uma forma de
conhecimento que discorre sobre o mundo social e os sujeitos coletivos e
individuais que dele fazem parte. E que desponta entre muitos meios
educativos, além do livro didático, por ser singular na sua feitura e na forma de
conhecimento que propicia.
Concebemos a literatura como uma forma de manifestação artística,
que, como tal, apresenta diferentes faces ao longo da história, pois expressa as
características que conferem peculiaridade ao momento em que se produz a
obra, recebendo e proporcionando fortes influencias artísticas, culturais e
sociais, em que se caracteriza como elemento ativo, passível de transformação
e mudanças, numa interação com a sociedade.
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4 MÉTODO DA INTERVENÇÃO REALIZADO
A seleção pelo gênero discursivo popular (oral e escrito) Cordel, como
visto, constitui-se como uma contribuição para a formação de leitores,
ampliando seus conhecimentos culturais e estéticos, proporcionando
discussões sobre aspectos culturais, políticos, sociais, diferenças regionais,
variação linguística, forma e conteúdo literários.
Este projeto foi desenvolvido com alunos do Ensino Médio matutino do
Colégio Estadual Vicente Tomazini Ensino Fundamental, Médio e Normal.
Inicialmente, os alunos assistiram ao filme O auto da compadecida, dirigido por
Guel Arraes. Discutimos a obra pelo texto de Suassuna adaptado para o
cinema e dirigido por Arraes, deixando para depois o estudo do texto teatral
propriamente dito. Após essa atividade foi realizado um levantamento de
conhecimentos prévios dos alunos e comentários sobre o subgênero escolhido.
Apresentamos uma variedade de cordéis para que os alunos tivessem uma
vivência da diversidade desse gênero. Na sequência, os alunos fizeram a
leitura dos cordéis escolhidos por eles. Em seguida, assistiram à apresentação
de curtas-metragens que dissertam a respeito da Literatura de Cordel e da
audição de repetes.
Depois do contato inicial com vários textos de cordel, os alunos leram a
peça O auto da compadecida. A intenção era possibilitar o estudo das relações
entre a obra e o subgênero estudado. Após a leitura, houve uma discussão a
partir de questões elaboradas pelo professor, com o propósito de comparar a
obra literária com o filme, seguido ainda de uma dinâmica de argumentação
comparativa entre ambos, procurando elementos de aproximação e de
especificidade de cada forma artística. Também foi realizada uma análise
comparativa do texto do Auto da Compadecida com alguns Cordéis, para
verificar em que grau Ariano Suassuna, seu autor, se valeu da tradição do
Cordel, e no que diverge. É inegável que sua literatura e, mais, seu projeto
literário conseguiu ampla penetração em todos os níveis sociais no Brasil, tanto
pela repercussão de sua montagem em forma de minissérie pela TV Globo,
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quanto pela sua boa acolhida nos meios intelectuais e universitários. Se o
Cordel ainda está à margem do cânone, sua valorização por Suassuna, aliado
às teorias literárias mais atuais, vêm trazendo dignidade artística, social e
universitária ao gênero Cordel, o que foi também, debatido pela classe. Um
exemplo claro da valorização desse gênero, em especial, e dos gêneros não
valorizados pelo cânone, encontra-se no livro de Márcia Abreu, Cultura
Letrada, de 2006, referência fundamental para o desenvolvimento das
estratégias ora apresentadas, e que corrobora a argumentação aqui realizada.
Por fim, após a realização dessas atividades, os alunos escolheram
trechos de obras lidas para fazer uma leitura expressiva – com entonação,
gestos etc. Pretende-se, com isso, abrir espaço para novas perspectivas
didáticas e de criação de conhecimento, pois a entonação já traz consigo, por
si só, uma interpretação feita pelo próprio aluno, que pode ser discutida pelos
demais e pelo professor, que, nesta situação, não está mais no centro da
interpretação, mas junto aos alunos. Essa perspectiva didática envolve, além
da entonação, o corpo dos alunos (quando em movimento ou, mesmo,
sentados, mas em posição confortável para melhor dicção e articulação), o
sentido conferido pelo grupo (são várias pessoas participando da leitura, cada
um com seu papel, que pode variar para que todos participem), além do jogo
lúdico propiciado pelo exercício teatral. Palavra-chave aqui: trata-se de um
exercício, com grande potencial educativo e renovador das práticas tradicionais
de leitura, mas que depende, num primeiro momento, de uma leitura tradicional
do texto, em cima da qual cada um pode procurar o seu modo de participar da
atividade.
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5 RESULTADOS OBTIDOS
A observação dos resultados das várias etapas do projeto permite-nos
concluir que os alunos foram bem receptivos ao apresentarmos o projeto, pois
se tratava de um gênero já presente em seu repertório, visto que a literatura de
cordel era tema de telenovela na Rede Globo. Isso facilitou muito a aceitação
inicial, pois eles já estavam familiarizados com o gênero, o que veio ao
encontro de nossa proposta. Iniciamos o projeto com questionamentos sobre o
interesse dos alunos pelo cinema, no contexto da exibição do filme adaptado
da peça O Auto da Compadecida. Os alunos gostaram muito do filme, apesar
de já o terem assistido. Os principais motivos apresentados foram a
simplicidade e o despojamento do texto e das atuações. Além disso, foi
destacada a linguagem „cotidiana‟ empregada por Suassuna e levada às telas,
bem como o fato dos atores serem conhecidos. A leitura do texto teatral foi em
certa medida satisfatória, pois, como conheciam o filme, houve motivação para
conhecer o texto-fonte e realizar a comparação entre os gêneros. Havia grande
curiosidade em saber em que medida o filme era fidedigno ou não em relação à
obra de Suassuna. Essa atividade foi muito importante, pois os alunos
observaram que, através da leitura, o leitor necessariamente dá um significado
e materializa, a seu modo, os personagens, suas feições, o modo de falar, o
ritmo. Ou seja, o texto teatral – como o literário, de modo geral – é aberto no
sentido de exigir a atualização por parte dos leitores / espectadores, enquanto
o cinema já define esses itens de antemão. Desse modo, fica difícil discutir a
fidedignidade de determinada representação, pois há grande liberdade
interpretativa, dentro de certos limites.
Houve certa resistência por parte de alguns alunos no início das
atividades com as leituras dos cordéis, situação essa que foi se modificando
aos poucos, em decorrência das explicações iniciais sobre o subgênero cordel
e de um maior contato dos alunos com os livretos de cordel disponibilizados
para a leitura. As atividades elaborada com o propósito de que os alunos se
apropriassem gradativamente das principais características típicas da Literatura
de Cordel mostrou-se muito eficiente. As questões propostas para serem
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respondidas por escrito, seja por uma leitura global e por uma leitura detalhada,
bem como a exibição dos curtas-metragens, contribuíram para o conhecimento
mais aprofundado do cordel.
Na realização de leitura dramatizada obtivemos participação expressiva
de todos os alunos. Para essa atividade eles estavam muito motivados,
buscando, a cada leitura realizada, novas possibilidades interpretativas,
pontuando onde precisavam enfatizar o ritmo, a tonalidade da voz ou o gosto.
Essa atividade foi muito produtiva, pois observamos que eles estavam
receptivos para ouvir as considerações dos outros em relação ao desempenho
da leitura dramatizada. A troca entre eles dos papéis, até encontrarem o que
melhor desempenhavam na leitura dramatiza, não foi vista como algo negativo
e sim positivo, pois a cada leitura procuravam novas formas para melhorar sua
performance. Nesse sentido, a leitura propiciou também um intenso e
proveitoso trabalho em equipe.
Partindo do princípio que um dos objetivos do ensino da literatura e da
leitura é criar condições para que o aluno atue de maneira plena no seu meio
social, a proposta desenvolvida alcançou o seu objetivo. Os textos estudados
possibilitaram que a leitura passasse a ter uma finalidade real que extrapola a
finalidades da escola. É possível desenvolver um trabalho de leitura que crie
oportunidades para que o aluno exerça e exercite sua liberdade de pensar e
expor suas ideias, ainda que inseguro no começo.
Ao final do trabalho, pudemos perceber, pelos comentários, que vários
alunos sentiram-se estimulados à leitura. Tudo isso revela que é possível
proporcionar uma ampliação de conhecimentos de mundo do aluno e a
apreciação de manifestações culturais. Acreditamos que os alunos possam ser
motivados à leitura não por obrigação, mas voluntariamente, ao longo de sua
vida.
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6 CONCLUSÃO
A presente estratégia trouxe para a sala de aula o gênero discursivo
Cordel em atividades de leitura, nas aulas de Língua Portuguesa, visando que
o trabalho pedagógico com o Cordel contribuísse para a formação dos leitores
e para ampliar seus conhecimentos sobre aspectos variados ligados à literatura
e à sua posição no mundo. O interesse maior era despertar nos alunos o gosto
pela leitura, oferecendo a oportunidade de práticas de leitura diversas daquelas
tradicionalmente estudadas no contexto escolar. Essas práticas procuram
articular saberes que os alunos já possuem como repertório vivencial e artístico
com outras formas e perspectivas de análise de cunho acadêmico. Deste
modo, o discurso escolar não anula ou desvaloriza as experiências culturais e
sociais dos alunos, mas procura ampliar os horizontes de expectativa dos
novos leitores. Assim, não há antagonismos insolúveis entre as experiências da
vida pessoal e as escolares, pois elas se complementam e se reforçam. Daí a
escolha recair sobre um subgênero literário que não está no centro do cânone,
o que facilita que se evitem leituras já estabelecidas dos textos escolhidos.
O trabalho possibilitou uma forma de ajudar o aluno a transitar por
diferentes visões sociais e discursivas e, ainda, estimular o senso crítico de
forma que ele possa perceber que é capaz de ler e produzir textos sem que
isso possa significar sofrimento e obrigação.
Por ser uma produção que se propagou no nordeste, o cordel revela
parte da realidade e da cultura desta região, gerando um conhecimento sobre o
outro e, consequentemente, sobre nós mesmos.
O cordel como gênero discursivo, oral e escrito, tem a finalidade de
informar, entreter, narrar acontecimentos, opinar e ensinar. Com essa
linguagem e temática próximas do cotidiano os temas são os mais variados. A
origem das histórias narradas nos folhetos pode surgir de diversas fontes:
interpretações de fatos reais, mitologias e histórias do folclore, invenção do
autor, etc. A leitura desse gênero levou os alunos a mobilizar conhecimentos
de várias áreas, bem como possibilitou a oportunidade de ampliar seus
repertórios de temas a serem desenvolvidos em textos futuros, assim como
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poderá mudar seus pontos de vista acerca da importância da literatura para a
aquisição de informações.
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7 REFERÊNCIAS
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