1
MARCOS BIDART CARNEIRO DE NOVAES
A INVESTIGAÇÃO COOPERATIVA COMO
ESTRATÉGIA METODOLOLÓGICA PARA
PESQUISAS SOCIODRAMÁTICAS EM ORGANIZAÇÕES
FACULDADE POTENCIAR
SÃO PAULO
2012
2
MARCOS BIDART CARNEIRO DE NOVAES
A INVESTIGAÇÃO COOPERATIVA COMO
ESTRATÉGIA METODOLOLÓGICA PARA
PESQUISAS SOCIODRAMÁTICAS EM ORGANIZAÇÕES
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência parcial para obtenção do título de Psicodramatista nível II pela Federação Brasileira de Psicodrama (FEBRAP), sob orientação da Psicodramatista Didata Supervisora Mara Sampaio.
FACULDADE POTENCIAR
SÃO PAULO
2012
3
Dedicatória
Este trabalho é dedicado em especial à minha querida esposa Valéria, que tem sido a mola-
mestra que impulsiona toda a minha vida de pesquisa e escrita. Dedico também à minha
querida mestra Jô, que me abriu as cortinas do psicodrama e à Andréa Claudia, que me
apresentou à pesquisa-ação.
Agradecimentos
Além de agradecer às pessoas acima, agradeço também o carinhosos esforço feito pela minha
orientadora, Mara Sampaio, a Maria Penha Nery que chegou a ser convidada para participar
da banca e não pôde por motigos geográficos e ao Luiz Contro, que com generosidade
contribuiu para que este trabalho chegasse à sua forma final.
4
Resumo
Uma análise dos trabalhos de Moreno mostra um desenrolar natural e transformativo das intervenções e pesquisas. Foi Moreno o criador da socionomia e suas sistematizações, a
sociometria, a sociodinâmica e a sociatria, sendo que é nesta última que se insere o sociodrama. O pesquisador socionômico parte da curiosidade com um tema que poderia
ajudar indivíduos ou integrantes de um determinado grupo a lidar melhor com uma situação naquele momento ou em um momento subsequente. Segue-se a ação do pesquisador (ou pesquisadores) em parceria com o indivíduo ou com o grupo sobre o tema a ser pesquisado e
uma posterior teorização à luz do referencial teórico mais apropriado ou simplesmente a partir dos dados, de forma puramente indutiva. Em primeiro lugar aparece sempre este anseio por
ação, por transformação ou no mínimo por comunicação transformativa. Por isso, quando se fala de metodologia em socionomia, ou seja, em sociodrama e sociometria, o pensamento de Jacob Levy Moreno é frequentemente associado às práticas de pesquisa-ação. Já nos manuais
de pesquisa-ação não se encontram referências à metodologia socionômica. O objetivo deste trabalho é, portanto, analisar e discutir possíveis alinhamentos metodológicos da investigação-
cooperativa, uma das metodologias da família de práticas da pesquisa-ação, com a maneira de atuar de Jacob Levy Moreno e de muitos de seus seguidores. Mais especificamente, pretende-se atingir este objetivo por dois caminhos. O primeiro é analisar e discutir as possibilidades
que a investigação-cooperativa apresenta como um fundamento estruturado para pesquisas realizadas com a utilização da teoria e prática socionômica em organizações. Isto é
apresentado aqui à luz de um caso prático. Em segundo lugar são aqui utilizadas as raízes teóricas da socionomia como uma lente de pesquisa para propor novos embasamentos para a investigação-cooperativa, em especial quando se fala de encontros presenciais e maneiras do
conhecimento vir à tona e ser posteriormente apresentado. Corroborou-se por meio do trabalho a importância de trabalhar com temas organizacionais, sob uma ótica
interpretativista-crítica, típica tanto da pesquisa sociodramática quanto da investigação cooperativa. Por meio desta proposta aprofundaram-se discussões sobre os processos de desenvolvimento do indivíduo em oposição a uma lógica funcionalista que tem por função
primordial gerenciá-lo. Ao final é apresentada a compreensão de que tanto o sociodrama quanto a investigação cooperativa só tem a se enriquecer com o uso recíproco do referencial
metodológico. O sociodrama aumentando sua clareza metodológica em termos de protocolos de condução da pesquisa e de análise das informações oriundas do campo. E a investigação-cooperativa aprendendo com o psicodrama novas formas de geração de conhecimento
vivencial e expressivo, que transcendem as dialógicas.
Palavras-Chave:
Pesquisa-Ação. Investigação Cooperativa. Socionomia. Sociodrama.
5
Abstract:
An analysis of Moreno’s Works shows a natural and transformative development of
interventions and research. Moreno was the creator of socionomy and its systematizations, sociometry, sociodynamics and sociatry, with the latter being the scope of sociodrama. The socionomic researcher, impelled by curiosity, explores a theme that could help individuals or
members of a certain group to better deal with a situation at that moment or at a later moment. There follow the researcher’s (or researchers’) actions, in partnership with the individual or
group, on the theme to be researched and a subsequent theorization based on the most appropriate theoretical framework, or simply based on data, purely inductively. Firstly, there always emerges this desire for action, transformation or at least for transformative
communication. That is why, when we speak about methodology in socionomy, that is, in sociodrama and sociometry, Jacob Levy Moreno’s thought is often associated with action-
research practices. The objective of this work is, therefore, to analyze and discuss the possible methodological alignments of cooperative investigation, one of the methodologies in the action-research practice family, with the way of acting espoused by Jacob Levy Moreno and
many of his followers. More specifically, we intend to reach this objective via two paths. The first is to analyze and discuss the possibilities that cooperative investigation presents as a
structured foundation for research performed using socionomic theory and practice in organizations. This is illustrated here by a practical case. Secondly, here we use the theoretical roots of socionomy as a research lens to propose new bases for cooperative investigation,
especially when the subject is face-to-face meetings and ways of making knowledge emerge and subsequently presenting it. Via the work, we confirmed the importance of working with
organizational themes, from a critical-interpretivist perspective, typical both of sociodramatic research and of cooperative investigation. Through this proposal, we deepened the discussions about the individual’s development processes in opposition to a functionalist logic which has
the primary role of managing him. In the end, we present an understanding that both sociodrama and cooperative investigation can only be enriched by the reciprocal use of the
methodological framework. Sociodrama will increase its methodological clarity in terms of research conduct protocols and analysis of information originating in the field. And cooperative investigation will learn from psychodrama new forms of generating living,
significant knowledge, transcending the dialogic ways.
Key words:
Action Research. Cooperative Inquiry. Socionomy. Sociodrama.
6
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 9
2. A PESQUISA-AÇÃO EM SUAS DIFERENTES VERTENTES........................................ 14
2.1 Aspectos epistemológicos da pesquisa-ação ...................................................................... 16
2.2 Aspectos teóricos da pesquisa-ação .................................................................................... 20
2.3 Aspectos metodológicos da Pesquisa-Ação........................................................................ 21
2.3.1. Metodologias funcionalistas e positivistas de Pesquisa-Ação ........................................ 21
2.3.2 Metodologias críticas e emancipatórias da pesquisa-ação............................................... 23 2.3.3 Metodologias existencialistas e humanistas de pesquisa-ação ........................................ 25
2.4 A questão da implicação e participação do pesquisador .................................................... 28
2.5 Pesquisa-Ação e Observação Participante .......................................................................... 30
3. EPISTEMOLOGIA, TEORIA E METODOLOGIA DA OBRA DE MORENO ................ 33
3.1 Uma breve história e o pano de fundo epistemológico para a obra de Moreno ................. 33
3.2 O pano de fundo teórico para a obra de Moreno nos anos 30 ............................................ 39
3.3 Propostas metodológicas na obra de Moreno: sociometria e sociodrama .......................... 42
3.3.1 Sociometria ...................................................................................................................... 44 3.3.2 Sociodrama ...................................................................................................................... 45
3.4 Métodos, técnicas e elementos da pesquisa sociométrica e sociodramática. ..................... 48
3.5 O papel e habilidades do pesquisador................................................................................. 50
3.6 Geração de conhecimento ................................................................................................... 51
3.7 Apresentação de achados e validação ................................................................................. 54
4. EPISTEMOLOGIA, TEORIA E METODOLOGIA DA OBRA HERON .......................... 55
7
4.1 Uma breve história e o pano de fundo epistemológico para a obra de Heron .................... 55
4.2 Aspectos teóricos da investigação cooperativa................................................................... 57
4.3. Propostas metodológicas da investigação cooperativa: informação e transformação ....... 59
4.4 Métodos, técnicas e elementos da investigação cooperativa. ............................................. 60
4.5 O papel e habilidades do pesquisador................................................................................. 61
4.6 Geração de conhecimento ................................................................................................... 62
4.6.1 Conhecimento experiencial (ou vivencial) ...................................................................... 62 4.6.2. Conhecimento ‘presentational’ (expressivo ou representativo) ..................................... 62
4.6.3. Conhecimento proposicional (ou teórico) ...................................................................... 63 4.6.4. Conhecimento prático ..................................................................................................... 63
4.7 Apresentação de resultados e validação ............................................................................. 63
5. METODOLOGIA ................................................................................................................. 66
6 PESQUISA-AÇÃO E SOCIONOMIA: A METATRIANGULAÇAO ................................ 68
6.1 O pano de fundo epistemológico da Socionomia e da IC comparados .............................. 68
6.2 Aspectos teóricos da Socionomia e da IC comparados ...................................................... 68
6.3 Propostas metodológicas da Socionomia e da IC comparados........................................... 69
6.4 Métodos e técnicas da Socionomia e da IC comparados .................................................... 70
6.5 Comparação do papel e habilidades do pesquisador socionômico e investigador-
cooperativo ............................................................................................................................... 71
6.6 Comparação da geração de conhecimento nas duas modalidades de pesquisa .................. 71
6.7 Apresentação de achados de campo e validação na Socionomia e na IC comparados ....... 71
7. UM EXEMPLO PRÁTICO DE USO DA INVESTIGAÇÃO COOPERATIVA EM
COMBINAÇÃO COM O SOCIODRAMA ............................................................................. 73
8
7.1 Os momentos do grupo – Uma narrativa linear .................................................................. 74
7.1.1 Primeiro estágio: Constituição do grupo e foco do trabalho ........................................... 74 7.1.2 Aquecendo o grupo antes de um encontro....................................................................... 75 7.1.3 Aquecendo um grupo amorfo de forma presencial.......................................................... 76
7.1.4 O diálogo como atividade dramática para grupos amorfos. ............................................ 77
7.1.5 Compartilhamentos .......................................................................................................... 79
7.1.6 Registros e processamentos ............................................................................................. 79
7.2 Segundo Estágio: Ação Transformativa ............................................................................. 82
7.2.1 Aquecendo um grupo que já se conhecia em seu local de trabalho ................................. 82 7.2.2 Facilitando encontros em grupos que se conhece: diálogos e proximidade .................... 83
7.2.3 Compartilhamentos .......................................................................................................... 84 7.2.4 Aquecimento de um grupo maior: construindo o Nós a partir do Eu e do Eu-Tu ........... 86 7.2.5 Atividades lúdicas como ações dramáticas...................................................................... 87
7.2.6 Compartilhamento e Planos de Ação............................................................................... 88 7.2.7 Registros e processamentos ............................................................................................. 88
7.3 Terceiro Estágio: Os momentos do pesquisador - Uma narrativa reflexiva ....................... 90
7.4 Quarto estágio: resultados do trabalho e a geração de conhecimento proposicional ......... 93
8 PROPOSTAS METODOLÓGICAS E CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................. 98
8.1 A Investigação Cooperativa para sociodramatistas: clareza metodológica e boa técnica .. 99
8.2 Uma Investigação Cooperativa apoiada no Sociodrama: riqueza metodológica e
sensibilidade ........................................................................................................................... 101
8.3 Reflexões sobre o trabalho prático apresentado: IC e Sociodrama combinados .............. 102
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 106
9
1. INTRODUÇÃO
O tema metodologia é com frequência associado a aulas áridas, em que conceitos
sobre rígidas normas técnicas e maneiras de se expressar são transmitidos com leves variações
há gerações. Falar em monografia ou TCC para muitos estudantes de sociodrama causa por
vezes incômodo e suspiros de resignação. Isto porque este tipo de trabalho é geralmente
associado a métodos frios, que contrastam com as aulas quentes e cheias de emoção que
vivenciaram.
É no mínimo estranho que assim seja. O fundador do psicodrama, Jacob Levy Moreno
tinha uma maneira de atuar pautada por uma aliança leve entre ação e registros, entre
transformação social e os legados e teorizações sobre esta. O que ele chamava em
determinado momento de sua obra de ‘experimentos’ deveria servir para a melhoria da
qualidade de vida do grupo envolvido. Já os registros destas experiências, achados e
informações oriundas da pesquisa de campo, serviriam como base para intervenções futuras
ou para teorizar sobre o campo.
Uma análise dos trabalhos de Moreno mostra este desenrolar natural e transformativo
das intervenções e pesquisas. O pesquisador sociodramático ou sociométrico parte da
curiosidade com um tema que poderia ajudar indivíduos ou integrantes de um determinado
grupo a lidar melhor com uma situação naquele momento ou em um momento subsequente.
Segue-se a ação do pesquisador (ou pesquisadores) em parceria com o grupo sobre o tema a
ser pesquisado e uma posterior teorização à luz do referencial teórico mais apropriado ou
simplesmente a partir dos dados, de forma puramente indutiva. Em primeiro lugar aparece
sempre este anseio por ação, por transformação ou no mínimo por comunicação
transformativa.
Quando se fala de metodologia, o pensamento de Jacob Levy Moreno é
frequentemente associado às práticas de pesquisa-ação (PA) (KIM, 2009; CONTRO, 2009).
Esta associação é feita tanto por pesquisadores e práticos do psicodrama quanto do
sociodrama, metodologias criadas pelo psiquiatra, filósofo e cientista social romeno de origem
judaica. Já nos manuais de PA como o Handbook of Action Research (REASON;
BRADBURY, 2006, 2008) não se encontram referências à metodologia socionômica.
Socionomia foi o nome dado pelo próprio Moreno à ciência cujos fundamentos ele
lançou. A Socionomia foi sistematizada em três partes: a sociometria, a sociodinâmica e a
sociatria. É nesta última que se inclui o sociodrama, uma forma de intervir e de pesquisar que
10
pressupõe uma investigação e um investigador ativos e dinâmicos, que participam e se
envolvem com o fenômeno a ser conhecido.
Tendo se mudado para os Estados Unidos em 1925, Moreno inicia seus trabalhos
sociométricos em uma época de intensa atividade no campo da ciência social. Moreno estava
atento ao trabalho que estava sendo realizado por Kurt Lewin, citado nas referências
bibliográficas da obra de Moreno Quem Sobreviverá, editado pela primeira vez em 1934.
Kurt Lewin (1946) é frequentemente apontado como o fundador da PA, até por ter
criado o termo. Mas em trabalhos completamente independentes, Moreno constrói um
arcabouço de ideias que pode ser considerado a raiz de uma vertente participativa e humanista
de pesquisa. O autor romeno-austríaco faz este desenvolvimento acompanhando as ideias de
pesquisa social experimental e aplicada da época, mas de forma completamente autônoma.
Alguns pontos sobre a terminologia usada neste trabalho precisam ser já aqui
registrados. Em sua obra Psicodrama, Moreno faz questão de distinguir o sociodrama do
psicodrama, lembrando que o centro dos interesses no primeiro é o grupo e não o indivíduo. O
sociodrama é definido segundo Moreno (2008, p. 109) como “[..] um profundo método de
ação, que aborda as relações intergrupais e as ideologias coletivas”.
Serão usados, portanto, aqui preferencialmente os termos sociodrama, sociodrama
organizacional (DRUMMOND; SOUZA, 2008), pesquisa sociodramática e sociodramatista,
uma vez que a literatura que embasa o trabalho e a intervenção apresentada trata
fundamentalmente de grupos e de pesquisas com e para grupos em organizações. Reconhece-
se aqui a importância da terminologia defendida por Contro (2011), que privilegia os termos
psicosociodrama, psicosociodramatista e pesquisa psicosociodramática. Moreno usa em
alguns momentos de seu trabalho Quem Sobreviverá o termo inverso, sociopsicodrama. No
entanto, uma vez que aqui se pensa em especial na aplicabilidade futura para pesquisas com
grupos, em especial inseridos no cenário das organizações, entende-se como mais adequado a
referência ao sociodrama. Apenas em algumas citações, em respeito ao texto original,
manteve-se o uso da palavra psicodrama.
Quando sociodramatistas falam e escrevem sobre uma forma característica e singular
de pesquisar e de atuar, voltada para pesquisas sociodramáticas, geralmente se apoiam em
referenciais tradicionais qualitativos (NOGUEIRA-MARTINS; BRITO, 2009) ou se referem
à PA de uma forma genérica, de certa forma ignorando que PA é muito mais uma espécie de
denominação guarda-chuva para uma série de práticas ou ainda uma ‘família de abordagens’
(REASON; BRADBURY, 2008, p. 7). Não se trata de uma estratégia metodológica clara,
apoiada em uma única e definida epistemologia.
11
Como em qualquer família, as vertentes da pesquisa-ação por vezes concordam e em
outras discordam veementemente. Algumas vezes estão a serviço de interesses funcionalistas
e de dominação e submissão de pessoas, por vezes de interesses completamente opostos, de
autonomia e emancipação. Falar de PA no psicodrama, sem discutir as epistemologias e
abordagens que estão por trás da prática metodológica em questão é repetir na seara
sociodramática um erro bastante comum na ciência da administração e em outras áreas do
conhecimento, como a Saúde e a Educação. Mais especificamente na área de estudos da
Administração comumente se chama algo de PA sem maiores aprofundamentos. Denominam-
se assim de PA até por vezes métodos qualitativos absolutamente tradicionais e não voltados
para a transformação pessoal social ou organizacional, como pesquisas realizadas com
entrevistas e grupos de foco. É importante fazer a distinção entre pesquisa realizada sobre a
ação ou com o grupo na ação da PA, em que sempre há um objetivo de mudança, cujo alcance
ou não ao longo do tempo é acompanhado por um pesquisador que em maior ou menor grau
faz parte do grupo. Mais adiante as definições de PA serão aprofundadas.
Este trabalho, então, se justifica por dois motivos principais. Em primeiro lugar por
oferecer um panorama das propostas metodológicas morenianas em pelo menos duas fases de
seu trabalho. Em segundo lugar por oferecer aos sociodramatistas organizacionais um maior
conhecimento sobre uma estratégia metodológica específica, a investigação cooperativa (IC),
alinhada da mesma forma que o sociodrama com uma vertente humanista e interpretativista de
PA.
Espera-se assim contribuir para fornecer novos subsídios metateóricos para a prática
de uma Pesquisa-Ação Sociodramática (PAS), no âmbito de uma epistemologia
interpretativista-crítica. Crítica porque o sociodrama, além de se preocupar com a
apresentação de uma visão ampla e dinâmica da realidade, procura apoiar o indivíduo ou
grupo a conscientemente compreender os fatos inseridos em suas influências econômicas,
políticas e culturais, privilegiando um enfoque qualitativo (GIL, 2003). Uma das
características da pesquisa crítica é esta reflexividade e um viés dialético. Os estudos críticos
enfatizam a subjetividade, o sujeito e a ação. O diálogo na perspectiva crítica é essencial, pois
é professado pelos teóricos críticos que qualquer possível verdade está em um campo de
forças de interação entre sujeito e objeto. (PAULA, 2008).
Uma vez que a PA é, como já dito, uma família de práticas, o embasamento teórico e
a triangulação se dá aqui com uma modalidade específica da PA, a investigação-cooperativa
(IC). Espera-se que a costura resultante da união desta última com o sociodrama possa
solidificar as pesquisas socionômicas como estratégia de pesquisa, uma vez que os fortes
12
referenciais teóricos psicosociodramáticos poderiam se unir à clara proposta metodológica da
IC. Outras contribuições esperadas são a de inserir estas três maneiras de ver o mundo (PA,
IC e Socionomia) em práticas multiparadigmáticas, como sugerem Gioia e Pitre (1990).
Espera-se assim também aumentar a compreensão do que seja a PA em suas diferentes
vertentes, incentivando os sociodramatistas organizacionais a formular com clareza em que
orientação para a pesquisa seus trabalhos interventivos estão inseridos. Espera-se por fim
enriquecer a IC com a sabedoria e criatividade moreniana e de seus seguidores
A lacuna explorada é, então, a do enriquecimento teórico e metodológico tanto da IC
quanto do sociodrama. Este último privilegia por vezes a prática interventiva, negligenciando
protocolos metodológicos mais exigentes. Aguiar e Fava (2007) afirmam: “Quanto à pesquisa
em psicodrama, creio que há sim, um campo ainda inexplorado, que procura incorporar a
metodologia psicodramática a projetos formais de pesquisa, por um lado, e tornar o
psicodrama um campo formal de pesquisa, por outro”.
Sobre a P, guarda-chuva sob o qual se protege a IC, deve-se levar em consideração a
afirmação de Demo (1984). Segundo ele a PA pode servir de campo fértil para pesquisadores
mal formados ou medíocres, que vivem mais de entusiasmo do que de fundamentação teórica.
Embora este autor reconheça a validade e criatividade da proposta metodológica da PA, que
permite a aproximação dialógica com os sujeitos da pesquisa, vê nela banalizações excessivas
e abusos, mais voltados para a ação e intervenção do que para a pesquisa.
O objetivo deste trabalho é, portanto, analisar e discutir possíveis alinhamentos
metodológicos da IC com o pensamento de Jacob Levy Moreno. Mais especificamente,
pretende-se atingir este objetivo por dois caminhos. O primeiro é analisar e discutir as
possibilidades que a IC apresenta como um fundamento metodológico estruturado para
pesquisas realizadas com a utilização da teoria e prática sociodramática em organizações. Isto
será feito à luz de um caso prático. Em segundo lugar utilizar as raízes teóricas da socionomia
como uma lente de pesquisa para propor novos embasamentos para a investigação-
cooperativa, em especial quando se fala de encontros presenciais e maneiras do conhecimento
vir à tona e ser posteriormente apresentado.
Alinhado com a proposta acima o trabalho será conduzido em duas etapas. A primeira
etapa é um estudo bibliográfico que culmina com as possíveis ligações entre os aspectos
metodológicos da obra de Moreno, um dos pais não reconhecidos da pesquisa de cunho
participativo e colaborativo, com a PA, em especial na forma da IC. Serão apresentadas em
três capítulos distintos: (1) as diversas formas de PA atualmente praticadas, em busca de suas
bases metateóricas, por meio da análise das principais publicações desta área e a inserção da
13
IC neste quadro; (2) os principais aspectos metodológicos dos trabalhos de Moreno, extraídas
livremente de alguns momentos de seu legado escrito e da produção bibliográfica daqueles
que com ele conviveram e; (3) uma fundamentação teórico-metodológica do que é a IC. Vale
ressaltar que no segundo capitulo acima mencionado será realizada uma revisão apenas
parcial da obra de Moreno. Esta análise será aqui baseada principalmente nos livros O Teatro
da Espontaneidade, publicado pela primeira vez em 1923, Quem Sobreviverá, cujo original
foi editado em 1934, e no livro Psicodrama, editado pela primeira vez em 1946.
Na segunda etapa do trabalho será apresentado um exemplo prático do uso da IC com
base sociodramática, originado em tese de doutorado em administração deste mesmo autor.
Na tese em questão foi abordado como tema central o desenvolvimento de competências para
a sustentabilidade com um grupo de gestores da área hoteleira. O foco aqui não será
apresentar, teorizar ou problematizar sobre o desenvolvimento de competências ou sobre a
sustentabilidade como na tese, mas apenas usar trechos da mesma para ilustrar como a IC e o
sociodrama podem se mesclar em um ambiente de pesquisa e com quais resultados. A partir
daí são feitas reflexões teóricas que costuram os pontos apresentados por mim sobre as
propostas de cada uma das metodologias à luz do trabalho prático aqui exposto.
Em um último e conclusivo capítulo este trabalho caminha em duas direções, seguindo
o plano. Proponho elementos da IC que acredito devem ser levados em consideração por
sociodramatistas, em especial aqueles que trabalham com as modalidades socioeducativa e
organizacional. Proponho também para pesquisadores de outras áreas de estudo, como a
educação, saúde, psicologia e administração que a estratégia metodológica da IC pode ser
enriquecida com elementos do sociodrama, apontando caminhos para isto, com o uso de
elementos extraídos das comparações teóricas e da prática metodológica.
Este trabalho não pretende esgotar as similaridades e diferenças, os encontros e
desencontros, as aproximações e afastamentos entre a obra de Moreno e as práticas de PA ou
de pesquisa qualitativa em geral. Dentro de suas limitações de extensão e profundidade, trata-
se aqui apenas de, à luz de trechos isolados, entender como estas ideias se aproximam e
afastam, em especial quando se fala da modalidade de PA chamada de investigação
cooperativa (IC).
14
2. A PESQUISA-AÇÃO EM SUAS DIFERENTES VERTENTES
A extensa obra de Jacob Levy Moreno é em muitos momentos de difícil leitura, pelo
uso de uma terminologia absolutamente própria, como o próprio autor romeno reconhece
(MORENO, 1992). Facilita a compreensão do todo da obra moreniana o escrito de 1953,
Prelúdios do Movimento Sociométrico, que aparece entre os prefácios da primeira edição
brasileira completa do Quem Sobreviverá. Neste trecho, Moreno (1992) traça um apanhado
reflexivo de sua obra até então. Um dos pontos sobre os quais reflete é sobre a possível
influência de sua obra, em especial seus métodos de intervenção e pesquisa sobre as ideias e
métodos de Kurt Lewin. Deixa, no entanto, claro que “[...] quando falo em ideias e métodos,
refiro-me exclusivamente à teoria e metodologia de grupo e teoria e prática de ação, ou seja,
somente ao trabalho que Lewin começou a fazer a partir de 1936, após ter me conhecido”
(MORENO, 1992, p. 101). Moreno afasta-se assim de qualquer possível influência sobre
trabalhos de Lewin ligados à Gestalt ou psicologia topológica.
Moreno (1992, p. 102-103) relembra então seus encontros com Lewin e revela sua
visão de que “[...] tornei-me um modelo para seus primeiros esforços, nessa, para ele, nova
direção de pesquisa.” Revela positivamente o especial interesse de Lewin na estrutura
democrática dos grupos. Afirma, no entanto, sua crença de que “[...] em 1938 eu era líder
reconhecido nos círculos que se interessavam pelos novos desenvolvimentos na teoria de
grupos e de ação”. Logo a seguir Moreno é bastante duro com Lewin, o acusando de “[...]
ingênuo quanto às práticas astutas e maquiavélicas [...]” que teriam sido usadas para, não
citando Moreno nem seus estudantes, apagar sua influência da obra de Lewin. “Foi um plano
perspicaz colocar na mente de algumas pessoas a ideia de que por pura coincidência
circunstancial, as mesmas ideias desenvolveram-se independentemente.” (ibid, p. 104)
Moreno (1992, p. 105) afirma logo a seguir que Lewin foi “[...] original como teórico,
porém seu trabalho experimental em dinâmica e ação de grupo não o era”. O interessante aqui
é que, mesmo o próprio Moreno reivindicando para si a origem do método participativo de
pesquisa, reconhecidos autores brasileiros da área do psicodrama insistem em cometer o
mesmo erro que outros da área da Administração e apontar Lewin como o pai da PA. Contro
(2009) é o autor que propõe a síntese aqui adotada como a mais coerente. Este autor
reconhece que Moreno trouxe elementos que serviriam como postulados da PA, mas que sua
sua sistematização e reconhecimento foram atribuídas a Lewin. O ponto a ser aqui ressaltado
é que apesar de Lewin ter cunhado o termo action research, esta é, no entanto, uma orientação
15
participativa e dialógica para a pesquisa que já existia muito antes até de Moreno e Lewin
nascerem, como será aqui argumentado.
A PA é considerada até por alguns autores um “quinto paradigma” de pesquisa
(REASON; BRADBURY, 2008). Antes de falar em PA é importante falar do conceito de
ação em si. A palavra ação no contexto de pesquisa pode ser suficiente para quem a imagina
apenas em contraste à pesquisa de laboratório ou com uso de métodos quantitativos. Para
quem está sempre no campo e utiliza basicamente a PA como estratégia metodológica, ação
tem múltiplos significados, intencionalidades e gera diferentes dúvidas quanto às origens da
pesquisa, posicionamento do pesquisador e intencionalidades do mesmo.
Eikeland (2008), um dos pensadores da PA mais influentes da Europa, reporta-se às
ideias de Aristóteles e sua Ética para lembrar um conjunto de categorias que não deveria ser
esquecido por aqueles que tratam da questão da Ação: (1) O ‘eu’ agindo; (2) o ‘o que’ do ato
de agir (hò práttei); (3) quem é afetado pela ação; (4) por quais instrumentos ou meios a ação
é conduzida; (5) para o benefício de quem ou para o bem de que (héneka tinos) e; (6) de que
maneira a prática é conduzida. Avaliar estas categorias por meio da razão (logos) seria uma
tarefa virtuosa do homem prudente (phrónimos). Por este motivo, Eikeland (2008) apresenta o
conceito do sábio grego, que sugere que em qualquer assunto prático “[...] todo agente deve
julgar e decidir as questões por ele mesmo, usando as categorias e outras modificações para
analisar a situação na qual age” (EIKELAND, 2008, p. 166).
Portanto, esta ação, que é chamada de ‘ação ética’ (phrónesis), necessita que o
conhecimento seja revisto em todos os níveis. As deliberações para a ação não são apenas
sobre objetivos e sobre os meios para atingi-los, mas, como afirma Eikeland (2008, p. 149)
deliberações sobre “[...] como eu - ou nós - devo e posso ser justo, correto (fair), amigável e
cuidadoso etc. em relação a outras pessoas com necessidades e desejos muito diferentes [...]”.
Phrónesis não tenta manipular, persuadir ou seduzir, pois, mesmo apresentando seus
pensamentos e razões e propondo maneiras de agir tão ‘transparentemente’ quanto o
fenômeno do discurso e o que o julgamento dos outros permita, com o intuito de convencer,
‘aceita a autonomia do outro para agir de forma diferente’ ou ‘não agir’. Phrónesis leva em
consideração a posição emocional e intelectual do outro, suas habilidades e atitudes, sem usar
este conhecimento de forma manipulativa.
Modalidades participativas ou cooperativas de pesquisa surgem como em outras
pesquisas tradicionais, de anseios em encontrar respostas para determinadas questões, dúvidas
ou do desejo em problematizar uma determinada situação ou realidade. Quando realizada em
uma vertente crítica, a PA tem como ponto de partida os desejos do grupo para o qual se
16
pesquisa, que também se envolve na análise crítica dos achados e na busca ativa de soluções
(LE BOTERF, 1984). Apesar de aqui se privilegiar a abordagem crítica, não haverá a
preocupação em buscar uma única definição para a PA, uma vez que após situar
epistemologicamente a mesma, definições oriundas de diferentes escolas e aspectos teóricos
trazidos por diferentes autores podem surgir naturalmente.
Reason e Bradbury (2006; 2008), as mais influentes vozes da PA na atualidade,
consideram que esta modalidade de pesquisa se baseia em contribuições de três perspectivas
metateóricas, a do pensamento sistêmico, a da teoria crítica e a da psicologia humanística.
Abaixo serão apresentadas estas três vertentes, que pouco ou nada tem a ver entre si, a não ser
o anseio de transformar a realidade enquanto a mesma é pesquisada, ou seja, uma fusão de
subjetivismo (participação do pesquisador na realidade) e objetivismo (aceitação de que existe
algo externo a ser transformado). Serão aqui chamadas de sistêmica-funcionalista, crítica-
emancipatória e humanista-interpretativista.
2.1 Aspectos epistemológicos da pesquisa-ação
A mais conhecida vertente da PA é aquela originária dos trabalhos de Lewin, ligada à
sociotécnica americana e posteriormente associada aos trabalhos do Tavistock Institute
(Pasmore, 2006). Não é, no entanto a vertente mais antiga, como será argumentado a seguir.
Na opinião de Reason e Bradbury (2008) esta abordagem sociotécnica, ou sistêmico-
funcionalista, tinha por vezes o objetivo de fazer com que a resistência à mudança
organizacional fosse diminuída e os trabalhadores aumentassem por sua própria conta a carga
de trabalho. Coach e French (1948) já apontavam no final da década de 40 para o fato de que
métodos participativos poderiam ser mais efetivos do que as tradicionais abordagens de
hierarquias rígidas, na medida em que desempenhavam este papel de envolver os
trabalhadores, lhes dar a sensação de poder e diminuir a resistência aos novos patamares de
produção e qualidade exigidos.
A segunda abordagem é diametralmente oposta, no sentido que geralmente é praticada
com o objetivo de gerar autonomia e emancipação para classes populares ou grupos
oprimidos. É mais antiga que a abordagem sociotécnica e muito antes de Lewin ter cunhado o
termo, podem-se perceber as origens de uma pesquisa participativa e emancipatória. Thiollent
(1987), fazendo todas as ressalvas necessárias, lembra que a Enquete Operária realizada por
Karl Marx foi de certa forma uma maneira precursora de fazer PA. Esta foi uma pesquisa que,
apesar de realizada a partir de um questionário, tinha por objetivo envolver grupos oprimidos
17
em processos de reflexão sobre seu cotidiano. Também as ideias de Gramsci (KEHOE, 2003),
com a sua filosofia da prática e sobre o papel dos intelectuais podem ser consideradas raízes
de uma vertente emancipatória da PA.
A esta tradição emancipatória-crítica estariam vinculados autores como o brasileiro
Paulo Freire (2005), que há muito tempo ultrapassou as barreiras da ciência da educação para
se tornar um autor-cientista com influência multidisciplinar, e o sociólogo colombiano
Orlando Fals Borda (1982; 2006). Estes autores, entre outros, estão alinhados com um dos
ramos da PA chamado de pesquisa participante (PP) e pesquisa-ação participante (PAP). A
abordagem emancipatória-crítica que caracteriza a PAP, além de se preocupar com a
apresentação de uma visão ampla e dinâmica da realidade, procura conscientemente
compreender os fatos inseridos em suas influências econômicas, políticas e culturais e os
transformar em benefício de grupos populares.
Uma das características da pesquisa crítica é a reflexividade do pesquisador sobre seu
trabalho e sobre si próprio como elemento que participa do mesmo. O pesquisador também se
modifica ao longo do trabalho e estas modificações de maneira de pensar e ver o mundo
podem e devem fazer parte dos resultados da pesquisa. Esta perspectiva envolve, portanto,
abandonar o “mundo seguro do funcionalismo, no qual as pesquisas geram hipóteses e
modelos teóricos do trabalho empírico, para abraçar a incerteza e a produção de um
conhecimento que o próprio pesquisador pode questionar em um ou outro momento” (Paula,
2008, p. XI).
A diferença entre a primeira e segunda vertente salta aos olhos. Autores que se
identificam com a PP não fazem referência a possíveis influências lewinianas em suas
práticas. O que existe é a crença na sabedoria dos grupos e na sabedoria dos menos
favorecidos, dos esfarrapados e descalços mesmo que hoje estejam aparentemente vestidos e
calçados. Os autores da linha da PP acreditam também na urgência de se provocar mudanças
em benefício destes grupos e de movimentos sociais, e não de empresas, instituições ou
países, como no caso de Lewin e seus seguidores.
Uma terceira abordagem é a que pode ser chamada de humanista-interpretativista.
Ressalta-se aqui que, se por um lado dividir as formas de PA em diferentes categorias facilita
a compreensão, de outro lado se perdem as nuances epistemológicas e metodológicas, pois
não há na prática divisões tão claras. A PA humanista, por exemplo, pode ser tingida de cores
mais ou menos críticas, mais ou menos voltadas para a emancipação. Em um extremo de um
contínuo pode ser voltada mais para descrever ao longo do tempo mudanças de significados e
sentidos, sem a preocupação de gerar autonomia do grupo com o qual e para o qual se
18
pesquisa. No outro extremo encontramos uma PA interpretativista-crítica, que em muito se
aproxima da PAP. O que as diferencia é que as pesquisas humanistas partem da crença da
conscientização de dentro para fora sobre as estruturas e instituições que as formam e a
necessidade de modificá-las. Trabalhos em especial os de PP são frequentemente mais
militantes e partem de compreensões apriorísticas sobre os mecanismos de opressão que
restringem o campo de ação de grupos.
No primeiro volume do Handbook of Action Research a perspectiva humanista-
interpretativista só é apresenta por meio de um autor, Rowan (2006), ligado às abordagens da
psicologia transpessoal. No segundo volume, em 2008 pode-se perceber que a abordagem
interpretativista influenciou, por exemplo, Swantz (2008), uma autora que se baseia nos
símbolos e rituais trazidos pelos grupos com quem trabalhou para desenvolver uma forma
prática de apreciação dos acontecimentos. A autora descreve sua orientação epistemológica
como de um lado voltada para a ação e transformação da realidade e de outro para a
fenomenologia e hermenêutica. Talvez estas afirmações fiquem mais claras quando se
contextualiza que se trata de uma pesquisadora finlandesa trabalhando e vivendo com
mulheres na Tanzânia. Para ela era necessário em primeiro lugar criar um universo comum de
significados com as pessoas com quem trabalhou depois por mais de 30 anos.
Reason (1993) afirma que a PA se afasta radicalmente dos modelos de pesquisa da
ciência convencional. As características consideradas importantes para modalidades
participativas e cooperativas de pesquisa são a participação em um sentido político e
politizado, o lidar com grupos inseridos em sistemas grandes, complexos e difusos e a
construção social da realidade. Estas maneiras de ver o mundo não podem ser conciliadas com
objetividade, reducionismo e um empirismo clássico. Existe a necessidade de quebra com
velhas noções e a adoção de um novo paradigma de pesquisa.
Sugiro que uma importante mudança está sendo proposta aqui, da confiança no método como uma base para o conhecimento para uma confiança na pessoa humana e na comunidade humana. A abordagem científica tradicional tinha como objetivo assegurar validade regrando e eliminando a influência do pesquisador por meio de métodos experimentais ou positivistas; uma metodologia autorreflexiva em contraste abraça e a visa aumentar a capacidade humana para compreensão crítica. Isto significa que precisamos desenvolver uma epistemologia baseada em autorreflexão pessoal e comunitária que culmina em uma forma mais integrada de consciência. (REASON, 1993, p, 1257)
Reason e Bradbury (2006, p. 7) identificam então o que chamam de uma visão de
mundo participativa, sintetizada no quadro abaixo. Este paradigma de pesquisa e de vida
19
transcende a questão do objetivismo e do subjetivismo e dos quatro paradigmas apresentados
no influente modelo de Burrell e Morgan (1979). Os autores que acreditam neste quinto
paradigma o definem como sistêmico, holístico, relacional, feminino e participativo, pois
parte do princípio de que “[...] nosso mundo não consiste de coisas separadas, mas de relações
das quais somos coautores.” Nós participamos no nosso mundo, de tal modo que a ‘realidade’
(aspas dos autores) que experimentamos é uma co-criação entre elementos dados a priori
(cosmos), sentimentos humanos e a construção intermediadora (ação). Este paradigma seria
fruto do que Reason e Torbert (2001) chamam de action turn, a virada para a ação, uma
referência à chamada virada linguística (linguistic turn) que teria sucedido à visão de mundo
positivista.
Figura 1 – Uma visão participativa da realidade e da pesquisa
fonte: Reason e Bradbury, 2006, p. 7, livremente traduzido pelo autor
Esta crença em um quinto paradigma torna ainda mais relevantes discussões sobre a
qual linha epistemológica um determinado pesquisador que usa a PA em suas diferentes
formas estaria filiado. Isto porque há muitas estratégias de pesquisa chamadas de PA que
20
acabam pressupondo uma realidade objetiva e não construída com a participação dos sujeitos.
Isto ocorre quando usam a maneira funcionalista e positivista de pensar como pano de fundo.
Acreditar na possibilidade deste quinto paradigma deriva da crença em uma
epistemologia participativa, que não é nem puramente estruturalista-marxista, nem
funcionalista, nem interpretativista-hermenêutica, nem simplesmente fenomenológica-
existencialista. Estas noções teóricas fazem sentido apenas no plano metodológico, na escolha
dos problemas de pesquisa e nas intenções, implicações e compromissos subjetivos (valores e
ideologias) e objetivos (encomendas e demandas) do pesquisador. É partindo de uma
epistemologia estendida e transcendendo maneiras arraigadas de ver o mundo e compreender
a pesquisa, que o pesquisador pode se permitir passeios por diferentes e criativas abordagens
filosóficas e de pesquisa, aceitando democraticamente a diversidade.
Barbier (2002, p. 33) aponta que a PA se distancia dos modelos de pesquisa
experimentais tradicionais e que esta abordagem é uma epistemologia per se. Uma maneira de
ver o mundo que apresenta riscos institucionais e riscos pessoais, “[...] que não convém aos
‘mornos’ nem aos aloprados, nem aos espíritos formalistas, nem aos estudantes preguiçosos.”
Riscos institucionais por não ser ainda claramente balizada e necessariamente multifacetada.
Riscos pessoais porque a PA “[...] leva inevitavelmente o pesquisador para regiões de si
mesmo que ele, sem dúvida, não tinha vontade de explorar”.
2.2 Aspectos teóricos da pesquisa-ação
Para falar de teoria e metodologia em PA é importante fornecer algumas noções
básicas sobre PA em duas diferentes correntes, sem se tornar repetitivo ou cair em lugares
comuns. O termo PA foi cunhado em 1946 por Kurt Lewin, ao desenvolver trabalhos que
tinham como propósito a integração de minorias étnicas à sociedade norte-americana. Assim,
definiu PA como uma modalidade de pesquisa que contribui de forma imediata não apenas
para a produção de livros, mas que conduz à ação social (Lewin, 1946). Dois dos elementos
centrais já são, portanto aqui apresentados. A prática e a geração de conhecimento. Um
terceiro poderia ser acrescentado, a necessidade de reflexão sobre a prática.
Contro (2009, p. 15) lembra, no entanto que a PA lewiniana “[...] estava
profundamente amalgamada com a ideologia do governo americano, com quem Lewin
colaborava durante a Segunda Guerra.” Todas as reflexões que neste âmbito eram geradas
tinham propósitos de regulação social e adequação a padrões de coesão estabelecidos de fora
e não pelo grupo, sem que o grupo tivesse a oportunidade de questioná-los..
21
Como mostra o Handbook of Action Research (Reason; Bradbury, 2008) as
preocupações dos teóricos sobre o tema da PA atualmente são as mesmas de outras áreas da
pesquisa qualitativa. Elas envolvem como construir conhecimento em um mundo pós-objetivo
e pós-moderno, como absorver a virada linguística, as questões ligadas à construção conjunta
de significado, como absorver as perspectivas críticas em suas relações com a vida
organizacional etc. De uma forma central o interesse dos pesquisadores que utilizam a PA
pode ser sintetizado na questão: Como podemos mudar as coisas ao mesmo tempo em que as
estudamos? (GAYÁ-WICKS et. al. 2008). Em inglês, os pesquisadores alinhados com esta
estratégia são chamados de action researchers, expressão de difícil tradução. Neste trabalho a
opção será por pesquisadores-atores. A opção dos pesquisadores-atores é por um
conhecimento prático e aplicado, que transforma a realidade enquanto a compreende. Na
medida em que este conhecimento é gerado, comunidades e empresas de forma rápida se
apropriam do mesmo e formulam novas perguntas de pesquisa que geram novos trabalhos, em
ciclos constantes de aprendizagem.
Como antes apresentado, há três principais correntes epistemológicas que norteiam as
modalidades participativas de pesquisa. Cada uma delas acaba gerando diferentes maneiras de
ir a campo, diferentes procedimentos metodológicos e diferentes maneiras de teorizar sobre os
resultados das investigações.
2.3 Aspectos metodológicos da Pesquisa-Ação
Como neste trabalho a preocupação principal é a metodológica, dedica-se espaço a
entender como estas correntes epistemológicas de pensamento antes resumidamente
introduzidas se apresentam na prática em metodologias participativas de pesquisa.
2.3.1. Metodologias funcionalistas e positivistas de Pesquisa-Ação
Macke (2006) apresenta um quadro bem completo da PA de caráter mais
funcionalista. Esta autora identifica as bases filosóficas para uma filosofia do conhecimento e
da ação e consequentemente da ciência da ação, em que o conhecimento estaria a serviço
desta ação e de processos de mudança, desvinculado do conhecer por conhecer. A mesma
autora traça o quadro da discussão entre aqueles que veem a PA como uma forma ou variante
do estudo de caso e outros autores funcionalistas que a enxergam como uma modalidade que
vai além do estudo de caso.
22
Manuais funcionalistas de pesquisa subordinam a PA, por exemplo, às múltiplas
técnicas envolvidas em um estudo de caso (Martins, 2006, p. 47). Autores que se apropriam
desta maneira funcionalista de enxergar a PA a entendem como uma forma de “[...] acoplar
pesquisa e ação em um processo no qual os atores implicados participam, junto com o
pesquisador, para chegarem interativamente a elucidar uma questão da realidade em que estão
inseridos, [...]”. Prossegue este autor lembrando a questão dos ciclos de pesquisa que são
feitos durante a PA, e das espirais destes círculos afirmando depois que no âmbito das
organizações “[...] é uma proposta de pesquisa mais aberta com características de diagnóstico
e consultoria para clarear uma situação complexa e encaminhar possíveis ações, [...]”. Apesar
de que será evitado aqui já antecipar críticas ou análises mais aprofundadas, esta definição
parte de pressupostos questionáveis. O primeiro é definir a PA pelo ‘como’ ela é feita, ou seja,
pelos ciclos de pesquisa e pela implicação do pesquisador. A segunda ao afirmar que em
organizações a mesma sempre tem características de consultoria, o que uma leitura do estado
da arte das publicações e congressos sobre PA desmente rapidamente. E o terceiro por não
considerar aspectos ligados a poder nas organizações como relevantes em termos de pesquisa.
A PA tem características situacionais, já que procura diagnosticar um problema
específico numa situação específica, com vistas a alcançar algum resultado prático.
Diferentemente da pesquisa tradicional, não visa a obter enunciados científicos
generalizáveis, embora a obtenção de resultados semelhantes em estudos diferentes possa
contribuir para algum tipo de generalização.
Outros autores de linhas organizacionais da PA a distanciam dos estudos de caso.
Argyris (1985) é o mais renomado destes autores, que propõe na por ele chamada de ciência-
ação, um envolvimento dos participantes no processo de mudança que faça com que eles
pensem e reflitam sobre o que estão fazendo.
Estas definições acima de PA, em especial as de Martins (2004) e mesmo as de
Argyris (1985), propõe um uso da PA sempre em processos de melhoria organizacional de
forma consultiva. São claramente funcionalistas quando comparadas com outras encontradas
em livros e manuais da atualidade. Isto traz de volta a reflexão sobre o que Reason (2008)
afirma, de que a PA não é de uma prática única, mas uma família de práticas.
Um dos consensos sobre a PA é que ela é uma pesquisa que produz transformação da
realidade. Thiollent (1985, p. 14) como uma pesquisa com base empírica, “[...] realizada em
estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os
participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo
cooperativo ou participativo”. Aqui nota-se o foco da definição no problema coletivo ou
23
melhor, no problema do coletivo, ao qual o pesquisador já está inserido ou se junta para
pesquisar.
Mas nem tudo é consenso. Barbier (2002) é um dos autores que denuncia que há
inúmeras PA´s e que muitas enveredam por caminhos tradicionais, se propondo a mudar a
realidade sem, no entanto, questionar ou modificar o pano de fundo dos pressupostos
organizacionais nem a ordem tradicional e dominante da cientificidade. Lembra o autor que,
não é o fato de se trabalhar usando procedimentos espirálicos de ação e reflexão, que quebra
esta ordem. O autor aponta projetos de PA totalmente roteirizados, ordenados e disciplinados,
que não permitem, portanto nenhuma influência do grupo, ou desvios trazidos pelas
circunstâncias. Até as palavras variáveis dependentes e independentes são usadas, mostrando
a total subordinação a modelos hipotético-dedutivos de pesquisa ou modelos indutivos em que
ao final as ‘conclusões’ são apenas do pesquisador, não ficando claro qual o aprendizado
conjunto e a continuidade da transformação a ser conduzida pelo grupo.
2.3.2 Metodologias críticas e emancipatórias da pesquisa-ação
As modalidades mais críticas e emancipatórias de PA privilegiam definições que
surgem de anseios em encontrar respostas para determinadas questões que questionam a
ordem vigente regulatória. Partem de dúvidas ou do desejo em problematizar uma
determinada situação ou realidade mas têm, como propósito “[...] auxiliar a população
envolvida a identificar por si mesma os seus problemas, a realizar a análise crítica destes e a
buscar as soluções adequadas.” (LE BOTERF, 1984, p. 52). Trata-se, portanto, de concepções
e desenhos de pesquisa que diferem dos tradicionais porque a população não é considerada
passiva no planejamento e condução da investigação e esta não fica a cargo apenas de
pesquisadores profissionais. A seleção dos problemas a serem estudados e sua análise não
emerge da simples decisão do pesquisador ou dos pesquisadores e seus contratantes, mas de
uma interação com a população envolvida, que os discute com o próprio pesquisador.
A linha emancipatória-crítica da PA, chamada de pesquisa participante (PP), têm suas
origens na América Latina, nos trabalhos do colombiano Orlando Fals Borda (1982; 2006).
Este postulou o método do ‘estudo-ação’ ou ‘investigação-ação’ como práxis perante os
problemas derivados da dependência da ação imperialista e da exploração oligárquica. Fals
Borda propõe uma postura permanente de devolução do conhecimento aos grupos que deram
origem a este conhecimento. Isto exige que o pesquisador se envolva como agente no
processo que estuda, já que tomou uma decisão em favor de determinadas alternativas. Ao
aprender não apenas por meio da observação, mas pelo próprio trabalho com as pessoas com
24
quem se identifica o pesquisador fica assim comprometido a ir além da geração de
conhecimento, se envolvendo na práxis política e social do grupo.
Os seis princípios metodológicos a serem seguidos para a investigação-ação conforme
Fals Borda (1982) são: (1) Autenticidade e compromisso, pelo qual os intelectuais, técnicos e
cientistas devem demonstrar honestamente seu compromisso com a transformação social
proposta, sem precisarem fazer passar pelo que não são; (2) Antidogmatismo, que garante ao
grupo com o qual, para o qual e sobre o qual se estuda, liberdade política, religiosa e
organizacional em geral; (3) Restituição sistemática, que garante ao grupo uma devolução do
conhecimento adquirido em linguagem que respeite suas tradições culturais, de forma
sistemática e organizada; (4) Feedback aos intelectuais orgânicos, pelo qual se garante que os
trabalhos gerem contribuição expressa com clareza na exposição teórica e observações sobre
sua aplicabilidade em situações similares, de forma dialética, das bases para os intelectuais
engajados; (5) Ritmo e equilíbrio de ação e reflexão, que garante a articulação do
conhecimento concreto com o geral, do conhecimento local com o nacional e o global, da
formação social com o modo de produção; (6) Ciência modesta e técnicas dialogais, baseadas
em duas ideias: a primeira a de que a ciência deve ser realizada mesmo em situações
insatisfatórias e primitivas, sem que isto signifique falta de ambição; a segunda a de que o
pesquisador deve aprender a ouvir discursos em diferentes sintaxes, romper com a assimetria
das relações sociais e incorporar pessoas por mais humildes que sejam como seres ativos e
pensantes nos esforços de pesquisa.
Oliveira e Oliveira (1982) são alguns dos formuladores da vertente educativa da PP no
Brasil, que se baseia na obra de Paulo Freire, entre outros. Propõem da mesma forma que
outros integrantes da corrente que não haja um uso manipulador e domesticador da pesquisa e
que a pesquisa não seja feita ‘sobre’ grupos observados, mas ‘com’ eles’. Os problemas a
serem estudados devem ser, portanto, “[...] vividos e sentidos pela população pesquisada”.
Fazem os autores, no entanto a pergunta crucial: Quem educa o pesquisador? Quem o ajuda a
recusar os mitos da neutralidade e da objetividade e o obriga a assumir plenamente uma
vontade e uma intencionalidade políticas? Estes autores apontam como essência da PP “[...]
construir com o grupo e a partir da situação vivida pelo grupo um conhecimento da realidade
que conduza à identificação dos meios para superar a situação de opressão” (OLIVEIRA;
OLIVEIRA, 1982, p. 21). Ou ainda “[...] despertar nos dominados o desejo de mudança e a
elaborar, com eles, os meios de sua realização” (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 1982, p. 25)
Oliveira e Oliveira (1982) caracterizam como significativos as seguintes etapas na PP.
A inserção no grupo, a coleta da temática geradora, a organização do material recolhido junto
25
com o próprio grupo e a devolução sistemática. Ressaltam da mesma forma que Fals Borda
que pesquisadores não devem tentar ‘desaparecer’, devendo se apresentar como pesquisadores
que são. Não podem querer ser apenas mais um membro do grupo, para praticar ‘observação
participante’, nem adotar uma postura puramente militante.
Um ponto deve ser deixado claro: Não há PP sem grupos populares envolvidos, sem a
noção de oprimidos se voltando contra uma classe dominante e opressora em busca de
emancipação. Paulo Freire (1981, p. 36) se afasta claramente de qualquer uso da PP que esteja
a serviço de uma classe dominante. “Não é, por exemplo, de interesse da classe dominante,
que se implique o Povo como sujeito participante de seu próprio desenvolvimento”. Segue
afirmando que modalidades de treinamento para uma maior rentabilidade e ‘a serviço da
humanidade’ são apresentados como neutros, mas na verdade são buscas de introjeções dos
interesses dos opressores. Todo pesquisador que se decidir pelo uso da expressão Pesquisa
Participante deve ter clareza sobre suas bases históricas e os objetivos de seus criadores e
levar em conta as ponderações acima.
A grande preocupação de Fals Borda (1982, p. 60), o grande articulador da PP é a
elevação da sabedoria do homem comum ao nível de ciência e a obrigar “[...] os eruditos a
descer de suas torres de marfim a se sujeitarem ao juízo das comunidades em que vivem e
trabalham, em vez de fazerem avaliações de doutores e catedráticos”.
2.3.3 Metodologias existencialistas e humanistas de pesquisa-ação
Barbier (2002) é um dos autores que pode ser considerado como defensor de uma
linha existencialista ou humanista da PA. Ele se utiliza para fundamentar a sua abordagem a
definição sobre a qual pesquisadores franceses chegaram a um acordo em 1986: “Trata-se de
pesquisas nas quais há uma ação deliberada de transformações da realidade; pesquisas que
possuem um duplo objetivo: transformar a realidade e produzir conhecimentos relativos a
estas transformações” (BARBIER, 2002, p, 17). No prefácio do livro A Pesquisa-Ação, o
autor ressalta a importância da implicação do pesquisador, elemento definidor bastante citado
por vários autores que nele se baseiam. Esta questão da implicação do pesquisador também é
comumente confundida como um aspecto por si só caracterizador da PA. O pesquisador pode
estar implicado com o grupo em diversas outras modalidades de pesquisa qualitativa. O que
define a PA é a implicação do pesquisador em uma ação deliberada de transformação da
realidade. (BARBIER, 2002)
Para situar suas ideias em termos epistemológicos, Barbier (2002) elabora histórico da
PA que também remonta à Enquete Operária de Karl Marx como instrumento militante e
26
entende a Escola de Chicago nos Estados Unidos como modelo de intervenção no campo. Por
meio dos estudos de caso desta Escola, trabalhadores sociais voluntários oriundos do bairro
participavam do desenvolvimento do local em que viviam. Não eram, no entanto
pesquisadores, no sentido da PA. É relevante deixar isto aqui registrado, uma vez que também
Moreno cita vários autores da Escola de Chicago como suas principais influências (Moreno,
1992, p, 64).
Barbier (2002), no entanto, atribui os primórdios da PA à ação educativa de John
Dewey e ao trabalho etnológico de Collier com indígenas nos Estados Unidos. Distingue
quatro tipos de PA: (1) PA Diagnóstica, voltada de forma ‘encomendada’ para gerar planos de
ação e solucionar problemas. A intervenção dos pesquisadores em determinadas situações é
pedida por outro grupo, mas são os pesquisadores que estabelecem um diagnóstico e
recomendam medidas saneadoras. De certa forma pode ser equiparada à PA consultiva e
funcionalista apresentada por Martins (2006); (2) PA Participativa é aquela em que desde o
começo os membros da comunidade estão envolvidos no processo de pesquisa, inclusive na
formulação das transformações a serem atingidas. Tem relação, portanto com as formas
críticas de PA; (3) PA Empírica, voltada principalmente para a geração de dados à medida
que o trabalho de transformação da realidade se desenrola, tendo um caráter mais
interpretativo e; (4) PA Experimental, uma proposta de estudos mais controlados, em
situações sociais aproximadamente idênticas.
A palavra experimental não deve ser confundida com o uso que é feito, por exemplo,
por Monteiro (2007), outro autor que pode ser considerado como posicionado na fronteira
entre o humanista-existencialista e o interpretativista-crítico ou hermenêutico-crítico. Para ele
a pesquisa-ação é uma pesquisa experimental par excellence, uma vez que as experiências são
vivenciadas pelo investigador em termos de intervenção, participação e colaboração. As
pesquisas participativas culminam com a interpretação de uma experiência transformadora
vivenciada entre pesquisador e comunidade com a qual e para a qual se investiga. A ideia
deste autor é de que a reflexão é um processo que se materializa em texto. O conhecimento
produzido deve ser efetivado em registros que expressem a construção elaborada durante
determinado processo de formação e transformação.
Barbier (2002, p. 44-45) aponta então três aspectos que parecem a ele fundamentais
para que uma pesquisa seja considerada o que ele denomina de PA Radical, que seria a sua
contribuição para este universo da ‘família de práticas’ da PA. Estes aspectos são a questão da
posição dos sujeitos, ou seja, da implicação, de uma relação com o saber muito mais ligada à
metodologia do que ao resultado e de uma concepção dos processos de mudança como elo
27
entre o processo de elaboração teórica e a elaboração de novas práticas coletivas. “O cerne do
problema situa-se na questão da mudança. A pesquisa-ação visa sempre uma mudança, termo
que não é sempre fácil de precisar”. Barbier (2002, p. 48) define a mudar como “[...] aquilo
por meio do qual o reprimido sai de seu ciclo de repetições”.
Barbier (2002, p.70-71) caminha, no entanto para uma proposta em que o escutar e
apoiar os outros a escutar se torna mais importante do que a mudança do campo exterior e é
isso que torna sua proposta na essência humanista, existencialista e interpretativista, perdendo
por vezes os matizes críticos e emancipatórios encontrados em outros autores. Por meio desta
‘escuta sensível’ pesquisadores e atores são convidados a mudar seus referenciais, transformar
a categoria do ‘sensível’ no eixo central da compreensão, envolver-se plenamente na
“integralidade de nossa vida emocional, sensorial, imaginativa, racional”. O autor afasta-se da
necessidade de protocolos claros de pesquisa e afirma que não há PA sem participação
coletiva e que “O desenvolvimento coletivo supõe necessariamente que nada está previsto,
assegurado, de antemão, exceto a aceitação rogeriana de uma crença (sempre submetida à
dúvida metódica) em um crescimento do ser humano, [...]” (ibid). Crescimento que se
promove no grupo e no indivíduo reflexivo pela instituição de um “pesquisador coletivo”
(ibid).
A escuta sensível proposta por Barbier (2002, p. 93-99) não é apenas interpretativa no
sentido de uma hermenêutica “dura” e sim uma postura quase meditativa, de atenção plena, de
um esforço de suspensão de julgamentos, de bracketing (colocar entre parênteses). Um
complexo processo que envolve por vezes o pesquisador ter que se aconselhar com ‘terceiros
escutadores’ para neutralizar os vieses de sua formação e de seus “[...] esquemas de
percepções, de representações e de ações, que nos chegam de nossa família, de nossa classe
social e que nos arrastam a um conformismo social inconsciente”. Outros autores da linha da
pesquisa-ação humanista como Heron (1996), o idealizador da IC, também ressaltam a
importância deste estado de presença plena, do bracketing e de uma grande limpidez e riqueza
de memórias como elemento importante na construção do conhecimento.
Independente da linha a que são filiados os pesquisadores que usam a PA, algumas
características metodológicas parecem ser comuns. São frequentes as discussões sobre o grau
de envolvimento, participação e implicação do pesquisador. Como inquestionável aparece a
questão de que a PA em suas diferentes vertentes é feita em ciclos, não podendo ser um
procedimento transversal, exigindo um mínimo de tempo para gerar resultados. Todas as
questões acima levam por vezes até ao erro de se definir a PA por ‘como’ ela é feita, em vez
do ‘que’ ela é.
28
Moreno (1992, p183-184) já se preocupava com a questão da observação e da
participação do pesquisador no campo e mostrava o grau de complexidade da palavra
observação quando usada no contexto da pesquisa sociométrica. Mostrava no texto abaixo
também sua percepção de uma participação existencial no processo e não observacional,
quase admitindo que as duas sejam incompatíveis.
O sistema de ação está baseado em consenso que existe somente dentro da coletividade de atores. Este consenso interno, secreto, pode ser objetivado com a ajuda da pesquisa dos atores e usado pelos observadores do comportamento de tal coletividade de atores para complementar e ampliar o sistema que estão desenvolvendo a partir de indícios comportamentais. Frequentemente, mesmo a ajuda dos atores é insuficiente, os observadores tem que ‘subjetivizarem-se’ e tornarem-se membros da coletividade de atores para absorver estes indícios a partir de dentro, a partir de suas próprias participações existenciais no processo.
Estas duas questões, a questão da implicação do pesquisador no processo de pesquisa e
a questão de sua posição de observação e análise do processo, são temas que já foram
abordados em textos de autores que se envolvem com a relação entre sociodrama e PA
(MARRA; COSTA, 2004; WECHSLER, 2007). Será dedicado aqui mesmo assim um tópico
a cada um destes pontos, no intuito de realçar as contribuições dos autores que, no ponto de
vista do autor deste trabalho, melhor se posicionaram sobre estas questões.
2.4 A questão da implicação e participação do pesquisador
Foi antes aqui esclarecido que este trabalho subentende que não há uma pesquisa-ação,
mas sim uma família de práticas. Esta diversidade metodológica se desenvolveu segundo
Thiollent (2006) em vários contextos ideológicos. Diversas influências deram origem às
diversas linhas de PA, como a adaptação à modernização, o reformismo sociotécnico e
socialdemocrata de tipo escandinavo, o espírito crítico ou revolucionário da década de 1960 e
o pós-positivismo da década de 1980. Mais recentemente pode-se até afirmar que estratégias
pós-modernas e desconstrutivistas de pesquisa influenciam pesquisadores que optam pela
solução de problemas com uso da PA.
Desroche (2006) pesquisou profundamente as questões ligadas às diferentes
possibilidades de implicação e participação do pesquisador. Entende este autor que a pesquisa
pode ser feita com a participação do pesquisador no grupo, mas apenas para que algo seja
compreendido, mesmo que ela seja realizada na ação. Também pode ser feita para gerar
29
resultados práticos, a chamada pesquisa de aplicação. Também pode ser feita com diferentes
graus de implicação. Este último aspecto é relevante, pois com frequência é apontada a
implicação do pesquisador como uma das características da PA, quando de fato esta ocorre
em maior ou menor grau dependendo da ideologia que está por trás da pesquisa. Muitas vezes
a pesquisa é sobre a ação, “sobre os atores sociais, suas ações, transações e interações”
(DESROCHE, 2006, p.38). Em outras é voltada para auxiliar em uma prática e quando há um
grau máximo de implicação de todos é assumida pelos próprios atores como uma forma de
autodiagnóstico e / ou de autoprognóstico, tanto em suas concepções como em sua execução e
seu monitoramento.
Desroche (2006) utiliza o seguinte quadro para sintetizar suas ideias e assim nomeia os
diferentes tipos de pesquisa originados pelo cruzamento de possibilidades:
Quadro 1 – Modalidades de PA segundo o tipo de Participação
PESQUISA-AÇÃO
DE EXPLICAÇÃO DE APLICAÇÃO DE IMPLICAÇÃO
SOBRE
Sobre a ação e seus
atores
PARA
Para a ação e seus
atores
POR
Pela ação e seus
atores
TIPO DE
PARTICIPAÇÂO
1 Presença Forte Presença Forte Presença Forte Integral
2 Presença Forte Presença Forte Presença Fraca Aplicada
3 Presença Forte Presença Fraca Presença Forte Distanciada
4 Presença Forte Presença Fraca Presença Fraca Informativa
5 Presença Fraca Presença Fraca Presença Forte Espontânea
6 Presença Fraca Presença Forte Presença Fraca Usuária
7 Presença Fraca Presença Forte Presença Forte Militante
8 Presença Fraca Presença Fraca Presença Fraca Improvisada
Fonte: Desroche (2006, p. 48)
É a profusão de ideologias por trás da PA que faz com que exista esta enorme gama de
possibilidades para os cruzamentos de projetos de autores (pesquisadores) com os projetos
dos atores (sujeitos da prática), independente do fato destes últimos deixarem de serem
objetos como na pesquisa tradicional. Apesar de em muitos trabalhos de pesquisa aparecer o
nome de PA como metodologia, percebe-se em uma leitura mais atenta que os sujeitos
participantes não foram aqueles que criaram nem decidiram, nem ao menos parcialmente, os
30
rumos da pesquisa. Ao final destes trabalhos observa-se que os sujeitos da prática não foram
consultados sobre como deveria ser a apresentação dos relatórios finais, não receberam estes
relatórios em linguagem acessível ao seu conhecimento nem foram convidados para estas
apresentações, tendo sido mais uma vez apenas seres humanos atuando a serviço de outros.
Abre-se aqui a seguir um tópico exclusivo para esclarecer um ponto importante,
estabelecendo uma clara distinção entre PA e Observação Participante, expressão por vezes
utilizada por Moreno ao propor sua maneira de atuar.
2.5 Pesquisa-Ação e Observação Participante
A observação participante (OP) constitui a rigor uma técnica de pesquisa em que o
pesquisador procura tornar-se um membro do grupo observado e dessa forma compartilhar as
experiências de vida para melhor compreender seus hábitos e convenções sociais. Sua origem
pode ser encontrada nos trabalhos do antropólogo Bronislaw Malinowski (1884-1942), que
viveu entre os nativos das ilhas Trobriand, na Nova Guiné, de 1915 a 1918. Esta técnica foi
amplamente utilizada pelos sociólogos da Escola de Chicago nas décadas de 1920 e 1930 no
estudo de problemas urbanos.
Um importante trabalho desenvolvido nessa escola com a utilização da OP foi
Sociedade de esquina, de W.W. Whyte (2005), que contribuiu significativamente para a
orientação de pesquisadores interessados no método. Desse livro depreendem-se “dez
mandamentos da observação participante”, que podem ser assim consolidados: (1) trata-se de
um processo longo; (2) o pesquisador precisa estar preparado para lidar com situações
inesperadas; (3) exige interação entre o pesquisador e o pesquisado; (4) exige que o
pesquisador se diferencie do grupo e abandone esforços de imersão total; (5) exige um
mediador entre o pesquisador e a comunidade sobre ou com a qual se pesquisa; (6) exige do
pesquisador a consciência de que ele mesmo está sendo todo o tempo observado e avaliado e
que “seus passos durante o trabalho de campo são conhecidos e muitas vezes controlados por
membros da população local”; (7) implica saber ouvir, escutar e fazer uso de todos os
sentidos, deixando com o tempo que os dados venham sem esforço ao pesquisador; (8) exige
rotinas de trabalho, autodisciplina e anotações sistemáticas; (9) exige aprendizado com erros e
reflexão sobre os mesmos; e (10) saber lidar com cobranças sobre qual utilidade advirá da
pesquisa para o grupo (VALADARES, 2007 p.154).
Godoy (2006 p.126) propõe que a OP seja compreendida em uma acepção mais
restrita como uma das “técnicas etnográficas” (aspas da autora) utilizadas para colher dados
31
de campo, da mesma forma que entrevistas, histórias de vida e diários. Já para Yin (2001) a
observação participante pode ocorrer enquanto o pesquisador assume funções dentro do grupo
e participa dos eventos estudados. Yin (2001) também a classifica, no entanto, como técnica
de pesquisa que faz parte do esforço para coleta de evidências e não para transformação da
realidade, como é o caso da proposta metodológica da PA ou da PP. A utilização da técnica da
OP não implica, como ocorre na PA e na PP, compromisso com a comunidade em que se
desenvolve a pesquisa, nem superação da oposição sujeito / objeto. O que significa que sua
utilização é pacífica nas pesquisas desenvolvidas sob as perspectivas funcionalistas e
interpretativistas não críticas.
Moreno usa frequentemente em seus escritos o termo ‘observador-participante’ para
caracterizar o pesquisador sociodramático e sociométrico, provavelmente influenciado por
seus contemporâneos da Escola de Chicago envolvidos com estudos de caso. Afirma esta
influência (MORENO, 1992, p. 64), mas relativiza com maestria esta possibilidade de um
afastamento apenas observador, deixando claro em sua obra que mais importante do que
aquilo que há a ser observado é o que pode ser continuamente transformado e desenvolvido
pela ação conjunta entre pesquisador-ator e demais sujeitos da prática.
O uso por Moreno do termo observador participante para o pesquisador psicodramatista
parece ter sido influenciado pela sua forte aderência a todas as atividades que vinham sendo
desenvolvidas pela Escola de Chicago. É o próprio Moreno que cita entre seus influenciadores
muitos dos cientistas sociais desta escola, como será explicitado no próximo capítulo deste
trabalho. Este termo (OP) era corrente nas pesquisas sociológicas da época, mas deve hoje em
dia ser evitado a todo custo em relação à PA, PP, IC ou pesquisas que queiram se inserir em
abordagens participativas ou cooperativas. Em termos metodológicos atuais, ou o pesquisador
é observador participante ou é pesquisador-ator, ou está dentro ou está fora. A OP é uma
técnica de pesquisa em si que tem características fly on the wall. O pesquisador que a adota
não precisa necessariamente gostar do grupo sobre o qual pesquisa, não precisa estar em
busca de transformação social ou mudança organizacional, nem precisa estar implicado com o
grupo ou a realidade.
Em termos metodológicos a visão aqui adotada é que só deveria ser usado o termo OP
no âmbito do sociodrama para designar uma técnica em que outro sociodramatista esteja
atuando com objetivos de transformação ou mudança e o pesquisador apenas relatando. Se
não for este o caso é preciso definir em cada trabalho o que é observação participante. Citar
apenas Moreno como justificativa para o uso do termo ‘observador participante’ pode gerar
muitas dúvidas metodológicas, pois já há manuais muito bem estruturados em ciências sociais
32
qualitativas sobre o que seja a metodologia da OP. Esta não é a escolha metodológica
adequada quando a formulação dos problemas é voltada para pesquisas envolvendo mudança
organizacional ou transformação social com participação do pesquisador. E aqui tanto faz se o
projeto de pesquisa é planejado de fora pelo pesquisador ou orquestrado pelo grupo.
33
3. EPISTEMOLOGIA, TEORIA E METODOLOGIA DA OBRA DE MORENO
Neste capítulo será apresentada inicialmente uma breve história do pensamento de
Moreno para uma melhor compreensão dos aspectos epistemológicos, teóricos e
metodológicos de sua obra. Para falar da postura de Moreno em relação à pesquisa e de como
o sociodrama se desenvolveu como estratégia de intervenção na sociodinâmica de grupos e de
transformação social e de geração do conhecimento busca-se neste trabalho em primeiro lugar
uma compreensão do que está por trás da socionomia em termos epistemológicos e teóricos.
A partir desta compreensão pode-se discutir como este pano de fundo foi traduzido em passos
metodológicos.
3.1 Uma breve história e o pano de fundo epistemológico para a obra de Moreno
Antes de progredir nas reflexões que se seguem, é necessário abrir um parêntese.
Talvez não se possa falar em um único Moreno em termos de epistemologia, sendo necessário
observar o conjunto de suas ideias e situá-las historicamente, como propõe Fonseca (2008).
Este autor propõe uma subdivisão da obra de Moreno em quatro fases, uma filosófica-
espiritual (Palavras do Pai, 1920), a teatral (O teatro da espontaneidade, 1924), uma terceira
sociométrica (1934), marcada pelo lançamento do Quem sobreviverá? (1934) e a quarta e
ultima clínica ou psicoterapêutica, que gerou a trilogia em português chamada de Psicodrama,
volumes I a III (1946-1959-1969).
Durante a adolescência, importantes leituras marcaram o jovem Jacob Levy Moreno: a
Bíblia, o Zohar, escritos de educadores como Rousseau, Pestalozzi e de filósofos tão variados
como Bergson, Peirce e Spinoza (FONSECA, 2008). Alguns autores como Sprague (1998)
entendem o judaísmo e o marxismo como as forças motivacionais da juventude de Moreno,
infelizmente sem citar claramente as fontes. O fundamento do pensamento de Moreno se
deixa mais bem pesquisar na obra de seu mais importante biógrafo, René Marineau (1998)
que tece um completo panorama da construção intelectual do médico romeno-austríaco.
Quando se trata, no entanto, de procurar na própria fonte, encontra-se na obra de
Moreno (1992, p. 29) referências explícitas a duas influências filosóficas: “Tive dois
professores, Jesus e Sócrates. Jesus, o santo improvisador e Sócrates, que de maneira curiosa
é o que mais chega perto de poder ser chamado pioneiro do método psicodramático”.
Tanto Jesus quanto Sócrates foram pensadores e agentes sociais de mudança que nada
nos legaram por escrito. Além disso, têm em comum o fato de terem sido condenados à morte
34
pelas sociedades de suas respectivas épocas. Dizendo isso de forma apenas metafórica, foram
seguidos por ‘apontadores’ e ‘registradores’ que organizavam muitas vezes a partir da
memória as lições e os acontecimentos ocorridos no campo.
Seria necessário um verdadeiro tour de force de pesquisa, um profundo mergulho de
leitura e uma esmerada capacidade introspectiva e teórica para identificar as raízes do
pensamento de Moreno em sua fase filosófica-espiritual, que fica então de fora deste trabalho.
No Quem Sobreviverá, que aqui é consultado tanto na sua edição de 1992 quanto em edição
de 2008, encontramos importantes fundamentos para a obra de Moreno do ponto de vista
metodológico, mesmo que por vezes paradoxais e conflitantes. O Livro Psicodrama foi
consultado principalmente no que tange ao seu primeiro e terceiro volumes e o livro O teatro
da espontaneidade em sua recente tradução e edição brasileira de 2012.
Acredita-se aqui que só é possível entender o Moreno de Quem Sobreviverá se este for
lido com chamadas lentes ‘fora da caixa’. Moreno foi um precursor em muitos sentidos de sua
carreira. Sua genialidade e sua assumida megalomania e o fato de ter entrado em
controvérsias com ícones como Freud e Marx esconde e mascara por vezes inovações e
invenções feitas por ele. Estes aspectos ocultam também por vezes as pedras fundamentais
que ele lançou, tanto no campo técnico, como no teórico-metodológico, bem como influências
a outros gênios da época, como Martin Buber.
Moreno (1992) afirma, portanto claramente o seu interesse no homem acima dos
procedimentos científicos tradicionais, sublinhando com todas as letras a sua visão humanista.
Está interessado em estabelecer encontros com o eu real e não com as sombras. Deixa, no
entanto claro que este encontro não ocorre sempre de forma suave e amorosa. Faz questão em
sua obra de fundamentar seu conceito na palavra alemã Begegnung (encontro) que possui em
sua raiz a palavra gegen (contra). Ou seja, todo encontro real, franco e aberto é também
confronto, é dialógico na medida em que é encontro afetivo, mas também é dialético na
medida em que pontos de vista diferentes e por vezes opostos vêm à tona.
Voltando à questão das fases da obra de Moreno há aspectos interessantes a serem
observados. Se forem tomadas partes isoladas do livro Quem Sobreviverá como exemplo,
dificilmente se acreditará que se está falando de um pesquisador que tem uma visão de mundo
participativa e de construção conjunta de conhecimento. Trechos como o abaixo devem ser
entendidos como criadas em um determinado ambiente de pesquisa em que hipóteses e
verificações, medições e estatísticas, eram a linguagem vigente e praticamente a única
compreensível em termos de pesquisa.
35
As hipóteses e os postulados acima apresentados não podem ser aceitos nem rejeitados como se fossem artigos de fé. [...] Se essas causalidades operam dentro do grupo humano, elas devem ser verificáveis por outros métodos, além do sociométrico. (Moreno, 2008, p. 357).
Como já mencionado, as frases acima parecem extraídas de manuais positivistas, ao
usar as palavras ‘hipóteses’, ‘causalidades’ e ‘verificáveis’. Aqui se faz uma ressalva de que o
positivismo é associado a abordagens quantitativas de pesquisa, o que não é correto. Pesquisas
realizadas sob a égide do positivismo podem ser qualitativas, a questão é o modelo mental, o
paradigma de pesquisa a que estão subordinadas. As frases de Moreno acima apontam
exatamente para esta influência linguística, a da sociologia funcionalista e positiva vigente
nos anos 20 do século passado, originada no pensamento de Durkheim (2008). Uma visão de
mundo que propunha que fatos sociais (expressão também usada por Moreno) deviam ser
explicados (causalidades) por outros fatos sociais, como o próprio uso da expressão ‘verificar’
denota.
Nesta fase da obra moreniana paisagem’, influências funcionalistas e positivistas
estão, portanto, claras no nível do discurso. É utilizada por Moreno uma linguagem totalmente
alinhada com a do Manifesto do Círculo de Viena de 1929 (Hunt, 2007, p. 224). Os três
pilares do Manifesto eram exatamente a formulação de leis, a busca por explicação causal e a
formulação de teorias, testáveis e observáveis. Uma leitura atenta do Quem Sobreviverá
mostra a clara influência desta visão de mundo. A visão positivista pode ser resumida como
sendo aquela em que teorias científicas podem e devem ser formuladas como teorias
axiomáticas formuladas em linguagem lógica (logicismo), e que estabelece uma distinção
clara entre termos de observação e termos teóricos. Além disso, esta escola de pensamento é
marcada pela busca de uma visão neutra, pela preferência a fenômenos claramente
observáveis e pela priorização de abordagens dedutivas de testes de hipóteses.
Nesta época a posição positivista era vista como progressivamente insatisfatória por
muitos pensadores e pesquisadores, principalmente por duas razões inter-relacionadas
(BURRELL; MORGAN, 1979): (1) a impossibilidade de o observador ser considerado neutro
em termo de valores e; (2) o fato de que o quadro de referências do pesquisador era cada vez
mais percebido como ativo e moldador da realidade pesquisada. Segundo estes autores
pensadores como Dilthey, Weber e Husserl são vitais para a formação desta maneira de
perceber a ontologia e a epistemologia científica e começam a escrever sobre a visão de
mundo do verstehen (compreender em busca de evidências) em vez do erklären (explicar em
busca de causalidades) no final do século XIX. Nesta maneira de pensar as manifestações
36
exteriores da vida humana deveriam ser interpretadas em termos da experiência interna. Para
isto seria necessário um novo método, uma vez que para a compreensão de fenômenos sociais
e culturais os métodos originários das ciências naturais com suas grandes leis, generalizações
e explicações causais seriam inapropriados.
Alinhado com estas mudanças e rompendo com a própria linguagem por ele utilizada,
Moreno fazia em seus trabalhos menção explícita aos pensadores ligados ao interpretativismo,
ao interacionismo simbólico e à Escola de Chicago. Moreno (2008, p.93-94) já começava a
questionar a ciência da época e a propor novas bases para a pesquisa, se referindo a uma
ciência da ação: “Como se inicia um experimento social? Ele não começa com organismos e
comportamentos; essa é uma visão de observadores e espectadores. Um experimento social
começa com ‘você’ e ‘eu’, com reuniões e encontros, com atores e contra atores”.
Moreno (2008, p.94) lançava neste mesmo ponto de forma organizada os fundamentos
e entrelaçamentos epistemológicos, teóricos e metodológicos da pesquisa com base na
socionomia: “Uma pesquisa com base na ação inicia-se com dois verbos – ser e criar – e com
três substantivos – atores, espontaneidade e criatividade.” Note-se que todos estes verbos e
substantivos dentro do referencial socionômico ganham significados próprios, que serão mais
bem explorados a seguir.
Em primeiro lugar, o termo ser (ou estar). Mesmo sem se referir aos autores
interpretativistas que tratam do tema ‘compreender’ (vestehen), Moreno abre espaço em sua
obra já neste momento para o encontro entre subjetividades e objetividades. O que ‘é’ ou
‘está’, é um encontro de visões subjetivas de atores e visões objetivas de coatores. Moreno
(2008, p. 94-95) formula isto de forma mais clara:
O sistema de atores baseia-se num consenso que existe apenas no interior da coletividade de atores. Esse consenso interno e secreto pode ser ‘objetivado’ com a ajuda investigativa dos atores e usado pelos observadores do comportamento dessa coletividade de atores com o intuito de complementar e ampliar o sistema que eles estão desenvolvendo, a partir de pistas comportamentais.
Nota-se claramente na formulação acima a aparente confusão paradigmática que
ocorreria se o trecho acima for lido com lentes de hoje. De um lado as descobertas devem ser
feitas pelo próprio grupo, com a ‘ajuda investigativa’ dos membros do grupo. A frase, no
entanto revela ‘observadores do comportamento’, que podem usar “pistas comportamentais”
para interferir de forma funcionalista no sistema. Isto para pesquisadores de linhas
37
interpretativistas-críticas da PA seria inimaginável, pelo risco de estarem indicando alguma
forma de engenharia social.
Moreno (2008, p. 95), no entanto, afirma que estes “[...] observadores têm que se
‘subjetivar’ e transformar-se em membros da coletividade de atores para conseguir as pistas
interiores, isto é, da própria participação existencial no processo.” Esta sim é a afirmação
atual e importante, pois a anterior é feita usando a linguagem da época, do funcionalismo
prevalecente, a única linguagem compreensível na ciência da época. Esta segunda frase é
inovadora, radical, inimaginável naquele momento, mas está lá, desafiadora e confrontadora,
70 anos antes de seu tempo. Aquilo que poderia por outros ser chamado de confusão
paradigmática é na realidade prenúncio de ruptura, da construção de novos paradigmas de
pesquisa e da ausência de modelos prontos para encaixar a novidade que era a socionomia.
O objetivo de Moreno a esta altura de sua obra não era pequeno e tinha certamente a
ver com o segundo verbo, criar. Visava ele construir uma sociedade melhor e mais justa,
citando em seu Quem Sobreviverá os pais do cooperativismo, Owen e Fourier, como tendo
um lugar de honra na tribuna da experimentação comunitária. Manifesta claramente o desejo
de uma “evolução espontânea da sociedade” (MORENO, 2008, p. 305), baseada na teoria do
realismo sociométrico e nos métodos sociométricos: “A organização verdadeira e factual da
comunidade deveria ensejar uma expressão política do sistema de governo, por meio da
análise sociométrica das relações humanas [...]” (MORENO, 2008, p.309).
Nesta fase adulta surgem com clareza as contribuições de Moreno para uma ruptura
paradigmática. Em texto chamado de As raízes do Psicodrama (MORENO, 2006, p. 38-46)
cita algumas influências. Como conceitos dos quais se afasta para construir suas ideias cita
Freud, Marx e as maneiras tradicionais de fazer teatro. Vale aqui ressaltar que o teatro tinha a
função que hoje pode ser atribuída à televisão, ao cinema e à internet e jogos eletrônicos.
Afirma ter buscado uma forma de “[...] “drama” que se encaixasse nos critérios do encontro”,
com uma “liberação do ator dos roteiros” um “não-lugar dos espectadores” e uma busca de
“ultrapassar a dissidência entre a vida e a representação da vida”.
Moreno afirma mais adiante no mesmo texto que o Psicodrama tenta atingir a utopia
da filosofia de Platão e a mais profunda essência da vida mencionada pelo fundador do
idealismo transcendental, Immanuel Kant. Afirma ele que o psicodrama deseja, por meio da
invenção e aplicação de numerosas técnicas, “[...] evocar o mais alto nível de existência, a
mais profunda essência da vida, o ‘Ding an sich’ [a coisa em si] kantiano da psique, ou, em
termos psicodramáticos, a realidade suplementar”.
38
Abro aqui um parêntese para esclarecer que Kant realizou uma revolução filosófica
dentro da própria modernidade, buscando levar a sério o fato de que a evidência empírica não
é um critério suficiente para assegurar uma verdade científica. Estabeleceu uma crítica do
conhecimento tradicional, no qual concluiu que nossos sentidos não nos mostram a coisa em
si, pois nossas percepções sobre o mundo são determinadas pelos modos humanos de perceber
o mundo. Consolidou-se com isso aos poucos a ideia de que nossos modos de conhecer
definem o nosso próprio conhecimento e tornou-se premente investigar as estruturas pelas
quais o homem constrói seu próprio conhecimento.
Uma das grandes inovações de Kant foi oferecer uma nova descrição de como
funciona a nossa razão e de como o homem elabora aquilo que ele chama de realidade. No
entanto, nem Kant, nem nenhum dos pensadores por ele influenciados fizeram incursões em
como fazer isto, não fizeram propostas metodológicas. Nem o idealismo, nem a
fenomenologia de Husserl ou Heidegger (1995) sequer insinuam como se deve proceder para
conhecer a realidade. São todos filósofos expectadores como Moreno denomina, na mais pura
essência do termo e definiram as bases para uma filosofia da consciência e não para uma
ciência da ação. Esta reflexão serve para de novo apontar para o caráter inovador e de ruptura
do Psicodrama. Não existia antes de Moreno este esforço, bem ou mal sucedido, de no plano
da ação investigar a construção das percepções sobre o mundo.
O teatro é apontado com frequência como uma influência filosófica ou metodológica
para as ideias de Moreno. Moreno (2012) se afasta claramente de qualquer ligação com o
teatro clássico, em suas formas estruturadas. Afirma claramente que não desejava usar o
teatro, mas “[...] desencadear uma revolução no teatro”. (MORENO, 2012). A linguagem que
usa com alusão ao teatro, na referência a palco e plateia, protagonistas, atores e cenas, deve
ser, portanto, compreendida de forma contextualizada, metafórica e dialética.
Torna-se necessário transcrever aqui mais um trecho de sua obra em fases mais tardia:
“Contrariamente às percepções correntes, o psicodrama não tem origem teatral. A influência
teatral chegou mais tarde. Sua influência foi mais negativa do que positiva. Ele ensinou-me
sobre o que não fazer”. (MORENO, 2006, p.38). Como o fundador do método faz questão de
explicar existe um dilema na relação ‘encontro’, base do psicodrama e do sociodrama e
‘teatro’. Teatro em sua acepção tradicional pode ser considerado o “[...] ópio das massas”
(ibid, p. 39). No psicodrama e, portanto no sociodrama, a pessoa ou o grupo entram no teatro
para confrontar o ator principal com o fato de que “[...] ele não é na realidade, Zarathustra, o
papel que está desempenhando, mas apenas um homenzinho, Carl Meyer, e que o drama de
Carl Meyer, e não o drama de Zarathustra lhe é pertinente.” (ibid., p. 40).
39
Ou seja, para Moreno o teatro que interessa é tanto o dos bastidores quanto o da cena
explícita, uma vez que apesar de ser uma representação da vida, Moreno (2012, p. 18-19)
afirma que desejava a qualidade de “[...] uma produção que alcançasse o mesmo patamar de
um Shakespeare ou de um Ibsen”. Como, no entanto as encenações deveriam ser realizadas
por artistas que eram pessoas comuns e não atores treinados e não havia textos criados por
virtuosos autores, a “[...] verdadeira arte do momento, no aqui e agora, continua uma utopia”.
Em meados dos anos 60, Moreno explica o que fez para criar uma forma de ‘drama’
ou de ação profunda, que se encaixasse nos critérios do encontro, chegando aos seguintes
pontos importantes: (1) eliminação da necessidade de “espectadores” com cada pessoa
podendo ser um ator em potencial; (2) liberação dos atores de roteiros, atuação com total
espontaneidade em episódios de sua vida real, sem roteiro escrito; (3) criação de métodos que
podem ser usados na vida diária: “a vida iguala o drama e o drama iguala a vida” (MORENO,
2006, p. 44).
Muitas são as influências apontadas, para a obra de Moreno. Extraídos da obra do
próprio Moreno temos até agora Jesus, Sócrates e Kant e os pensadores da Escola de Chicago.
Acredita-se aqui, como já mencionado, que explorar a influência de Jesus na obra de Moreno
merece um trabalho à parte, um tour de force que não caberia no escopo deste estudo. Com
Sócrates, Moreno se relaciona positivamente no sentido da importância de estabelecer
diálogos, diálogos que não se limitam ao dialético-lógico, assumindo por vezes posturas
dialéticas críticas. Alguns aspectos da vida de Sócrates como ela chegou a nós podem ser aqui
registradas como elementos absorvidos por Moreno: (1) ao contrário dos sofistas, Sócrates
não cobrava pela disseminação do conhecimento e o fazia em praças públicas e ágoras; (2)
quando jovem Sócrates parece ter estudado a fundo as ciências naturais e físicas de sua época
se voltando depois para estudos da ética e da filosofia; (3) o processo de se conhecer e de
descobrir o que é bom para cada um é um processo dialético e dialógico, de perguntas e
respostas, de perplexidades e compreensões repentinas; (4) a filosofia é um processo, uma
tarefa para toda a vida, que se faz por meio destes diálogos com outros. (TARNAS, 1991)
3.2 O pano de fundo teórico para a obra de Moreno nos anos 30
Quando se trata de falar das influências para a sociometria Moreno é bem mais claro.
Afirma que o “O solo para a sociometria foi preparado pelo pensamento de J. Baldwin, C.H.
Cooley, G.H Mead, W. I Thomas e particularmente John Dewey.” (MORENO, 1992, p. 64).
40
Neste ponto é importante uma pequena digressão sobre cada um destes autores, que ajudam a
compreender a construção teórica e metodológica moreniana.
James Mark Baldwin (1861-1934) foi um psicólogo experimental, formado em
Princeton e um dos fundadores da Psychological Review. Esta é sem dúvida uma das revistas
mais main stream da psicologia americana e Baldwin chegou a ser presidente da APA
(American Psychological Association). Por outro lado, foi um revolucionário, sendo apontado
por Ken Wilber, um dos expoentes da Psicologia Transpessoal, como um dos antecedentes de
sua psicologia integral. Sua maior contribuição teórica foi o chamado Efeito Baldwin, que
contrariava a proposta dos Neo-Lamarckianos da época. Segundo ele um mecanismo
chamado de fator epigênico formava o aparelhamento congênito tanto quanto a seleção
natural. Em particular acreditava que as decisões comportamentais tomadas e mantidas ao
longo de gerações eram fruto de práticas culturais tanto quanto do genoma. (WIKIPEDIA,
2011)
Charles Horton Cooley (1864-1929) foi um sociólogo americano, que estudou
economia e sociologia na Universidade de Michigan. Ele é o criador do conceito de que uma
pessoa surge das interações interpessoais no âmbito social e das percepções dos outros sobre
ela, o chamado looking glass self. Cooley discordava da divisão entre sociologia e
metodologia, privilegiando abordagens empíricas e de observação. Apreciava o uso de
estatísticas, mas mais ainda estudos de caso realizados com seus próprios filhos como sujeitos
da observação. Em seu trabalho mais importante, Social Process, estudou como valores
primários de grupos como lealdade, amor e ambição entram em choque com valores
institucionais e comunitários como os do Protestantismo. No entanto, é seu conceito antes
mencionado que influenciou a obra de autores como William James e de outros
interacionistas. O conceito do looking glass self se baseava em três elementos: a imaginação
da nossa aparência para outra pessoa, a imaginação do julgamento desta aparência e algum
tipo de autossentimento, como orgulho ou mortificação (WIKIPEDIA, 2011).
George Herbert Mead (1863-1931) foi um filósofo americano pertencente á Escola de
Chicago. Faz parte e é um dos mais conhecidos membros de uma corrente de pensamento
chamada de interacionista simbólica. Ao contrário de filósofos mais ontológicos como
Heidegger, os interacionistas simbólicos podem ser considerados pragmáticos. Acreditam que
o desenvolvimento do self se dá no âmbito do social e a “[...] mente individual só pode existir
em relação com outras mentes com significados compartilhados” (MEAD, 1982, p.5). Mead
cria uma verdadeira filosofia do ato social como constitutiva da mente, do eu e da sociedade,
criando um nexo da ação. Quando se percebe uma casa se percebe moradia, quando se
41
percebe comida se percebe o comer. Diferente de Dewey, cujo pensamento será resumido a
seguir, o foco de Mead não era a ação humana, mas a ação social. Para Mead, a existência em
comunidade vem antes da consciência individual, uma afirmação que nitidamente influencia o
ser relacional de Moreno.
William Isaac Thomas (1863-1947) foi outro sociólogo americano, conhecido por seus
trabalhos na área de sociologia da migração. Enunciou o chamado teorema de Thomas: “Se
uma pessoa define uma situação como real, ela é real em suas consequencias”. Thomas
trabalhou em parceria com Florian Znaniecki, autor do famoso The Polish Peasant, um
clássico entre os estudos de caso influenciados pela Escola de Chicago. Sua postura
pragmática de estudo em vez de moral em relação ao crime na comunidade polonesa de
Chicago lhe custou a vida acadêmica, tendo sido preso pelo FBI em 1918 sob acusação de
“[...] transporte interestadual de mulheres para propósitos imorais”. (WIKIPEDIA, 2011)
John Dewey (1859-1952) é apontado por Moreno como sua principal influência para a
criação das ideias sociométricas por volta dos anos 30 do século passado, foi um filósofo,
psicólogo e educador americano. Doutor pela Univervidade John Hopkins, um de seus
primeiros trabalhos importantes foi um artigo na Psychological Review de 1896, contra o
tradicional conceito de ‘estímulo’ e ‘resposta’ na psicologia. Afirmou neste artigo que o que
serve de ‘estímulo’ e o que é dado como ‘resposta’ depende de uma avaliação da situação
feita pelo sujeito, ou seja, de contextualização. Dewey se referia a sua filosofia como
‘instrumentalismo’ e não ‘pragmatismo’, como muitos o apontam. A obra de Dewey é rica
tanto em aspectos de lógica e de método quanto de ação social e luta pela democracia.
(WIKIPEDIA, 2011).
Moreno (2008, p. 54) estabelece como a grande base teórica para seus conceitos
sociodinâmicos e sociométricos a questão da espontaneidade-criatividade. Define
espontaneidade como uma força que “[...] opera no presente, isto é, aqui e agora; ela
impulsiona o indivíduo na direção de uma resposta adequada a uma nova situação ou a uma
nova resposta a uma velha situação.” Afirma de forma dialética que estes impulsos levam a
duas direções, uma de adequação, em suas palavras automatismo e reflexividade e outra de
criatividade e produtividade, como se estes conceitos estivessem ligados à ruptura. A
criatividade é considerada um “conceito gêmeo”, inseparável da espontaneidade e apresentado
por Moreno (ibid, p. 58) como parte de um cânon de “[...] quatro fases: criatividade,
espontaneidade, aquecimento e conserva.”
Muito mais poderia ser escrito sobre a base teórica do pensamento moreniano. Trata-
se, no entanto de tema recursivo nos escritos psicodramáticos, tanto sob o ponto de vista
42
clínico quanto organizacional. Estender-se aqui seria fugir do cerne do trabalho, que é a
proposta metodológica da socionomia, mais especificamente da sociometria e do sociodrama.
3.3 Propostas metodológicas na obra de Moreno: sociometria e sociodrama
Em termos metodológicos, o Moreno dos anos 30 pode ser considerado um dos
precursores do que hoje é chamado de método multiparadigmático ou pesquisa multimétodo.
Encontra-se em sua obra um enorme peso às ciências positivas e dedutivas que vigoravam na
época: “Toda ciência ocupa-se de um conjunto de fatos e dos meios para mensurá-los. Não
existe ciência sem recursos adequados para descobrir os fatos e sem meios adequados para
medi-los” (Moreno, 2008, p. 76). Esta frase, extraída do trecho em que são apresentados os
pressupostos ontológicos da sociometria, mas também da maneira como se vai pesquisar a
espontaneidade dos indivíduos, reflete novamente a paixão matemática positivista.
No entanto, aparentemente de forma paradoxal, Moreno propõe que estas verdades
sejam reconciliadas com uma ‘operacionalização’ (ibid, p. 79), pela qual os ‘organismos’ do
grupo se convertam em ‘atores’. Quando as duas frases abaixo são lidas em contraposição ao
enunciado anterior, pode-se perceber a ousadia moreniana, que já propõe um método para o
futuro:
O experimentador faz um processo lento, mas real, como um movimento dialético em direção ao verdadeiro método experimental do futuro. Em vez de correr para testar uma hipótese, construindo rapidamente um grupo de controle versus um grupo experimental – um pseudo-experimento com pseudo-resultados – ele usa seu tempo para pensar sobre a nova situação. Antes de propor qualquer projeto experimental ou programa social, o experimentador deve considerar a constituição correta do grupo. Para que os membros estejam adequadamente motivados a participar espontaneamente, é preciso que sintam, no tocante ao experimento, que ‘ele é uma causa sua, e não de quem promove a ideia – o investigador, o empregador, ou qualquer outro agente do poder’
O forte conteúdo político, ético e reflexivo da constituição de grupos de pesquisa,
embutido nas frases acima de Moreno, entra totalmente em choque com as ideias positivas
puras e com qualquer pretensa neutralidade do pesquisador. Neutralidade esta que Moreno
não advoga como será mostrado logo a seguir. Fica então claro que uma linguagem que fala
de ‘experimentos’ e ‘experimentador’, ‘teste de hipóteses’, grupos de controle’ é apenas o
“dialeto” da época, uma vez que as ideias mais profundas de Moreno entravam totalmente em
43
choque com os ideais positivistas de busca de causalidade claras, neutralidade e
verificabilidade.
Moreno progride conciliando o ‘dialeto’ vigente com a nova linguagem que propõe.
Ao mesmo tempo em que declara obsoleta a hierarquia das ciências proposta por Comte (ibid,
p. 81). Denomina o pesquisador sociométrico de “[...] homo metrum, assim como todos
objetos de pesquisa”, mas declara, no entanto, que os objetos de pesquisa não são mais apenas
objetos e sim atores de pesquisa.
Este objetivo é alcançado quando se consideram os objetos de pesquisa não apenas como objetos, mas como atores de pesquisa, não somente como objetos de observação e manipulação, mas como co-cientistas e co-produtores do projeto experimental a ser executado por eles.
No capítulo que trata da Teoria das Relações Interpessoais, Moreno (ibid. p. 83)
afasta-se de vez de qualquer preocupação matemática e numérica e afirma que “É perigoso
para a ciência esquecer a origem das palavras, especialmente das palavras-chave de seu
próprio vocabulário”. Afirma que hoje há um “medo da linguagem” que se expressa na busca
por uma expressão científica em “[...] fórmulas algébricas e símbolos lógicos menos
tangíveis”. Estas considerações são tecidas no âmbito da defesa do termo ‘encontro’ (em
alemão Begegnung e em inglês encounter) como ideal para descrever o interpessoal como fato
vivo. Uma vez que a palavra ‘encontro’ significa mais do que uma vaga relação interpessoal.
Significa que “[...] dois ou mais atores encontram-se, não somente para se encararem
mutuamente, mas para viver e experimentar um ao outro, como atores, cada um à sua
maneira”. Continua Moreno (ibid, p. 84) afirmando que quando duas pessoas verdadeiramente
se encontram, o fazem com todas as suas forças e fraquezas e apenas parcialmente conscientes
de seus objetivos. É esta dificuldade e a busca das sutilezas dos encontros que faz com que se
pesquise sem a ânsia de traduzir tudo em números.
As afirmações acima de Moreno formam a essência da pesquisa qualitativa. O medo
de que se abandone cientificidade, ordem e conhecimento quando se usa estratégias não
convencionais de pesquisa ainda permeia o mundo acadêmico, em especial quando se trata de
pesquisas pós-modernas (GOULDING, 2002). Mas na época em que Moreno escrevia, o
tema quase não se apresentava como problemático. Com exceção dos primeiros sociólogos da
Escola de Chicago, ainda párias no mundo acadêmico, fazer ciência era trabalhar com
números e provas matemáticas;
44
As preocupações morenianas de unir estatística e linguagem acabam derivando na
criação e uso dos métodos privilegiados por Moreno, a sociometria e as intervenções
sociodramáticas. Moreno (2009, p. 302) ressalta que quando se trata de sociodrama e pesquisa
o ponto de suas ideias se resume a duas principais questões: (1) “[...] a transição de métodos
verbais para métodos de ação (em que o aspecto verbal do comportamento é apenas um
fenômeno)” e; (2) a transição de “[...] métodos psicológicos individuais para métodos do
grupo (em que o contexto do comportamento individual é colocado num mais amplo quadro
de referências)”.
É no mesmo Quem Sobreviverá que Moreno escreve o que pode ser considerado como
os pressupostos metodológicos da pesquisa baseada na sociometria e no sociodrama:
Quem Sobreviverá? criou as bases científicas da psicoterapia de grupo, visto que não tinha precedente na época de sua publicação. Incluiu a mais ampla variação de realizações que, positivamente, interagiram a favor da psicoterapia de grupo: 1) o surgimento da ação do grupo no aqui e agora, 2) o envolvimento da espontaneidade de todos os participantes do grupo, 3) o aquecimento, 4) atividades, 5) observações, 6) entrevista, discussão, 8) agrupamento e reagrupamento, 9) técnicas de atuação, 10) análise da interação, 11) catarse de grupo. (MORENO, 1992, p.62)
Uma vez caracterizada aqui a crença de que Moreno é um dos precursores de
uma metodologia multiparadigmática e multimétodos, abaixo são brevemente apresentados os
dois principais sistemas metodológicos, a sociometria e a o sociodrama.
3.3.1 Sociometria
Na visão de Moreno (2008, p. 62) a sociometria pretendia ser uma “ciência
autônoma”, que “retrocedia do máximo para o mínimo, para os átomos e as moléculas
sociais”. Em uma época em que a sociologia era preocupada com grandes eventos de massas e
com as generalizações de Durkheim, Moreno (ibid, p. 62) propunha: “Assim, pode ser
considerada uma sociologia dos eventos dinâmicos microscópicos, independente do tamanho
do grupo social no qual é aplicada, pequeno ou grande.”
O criador do método reconhecia o estado difuso e embrionário do mesmo e sugeria
que a sociometria fosse usada em conjunto com a antropologia e a economia e não em
sobreposição a estas ciências. Sugeria por outro lado que não fossem assimiladas apenas suas
técnicas sem a devida atenção à sua fundamentação teórica. Referia-se no caso das técnicas
aos sociogramas, testes sociométricos, análises de pequenos grupos, psicodramas e
sociodramas, enquanto que deixava claro que a seu ver o referencial teórico era “[...] os
45
conceitos de ator in situ, ego-auxiliar ou alter-ego, espontaneidade, criatividade, tele,
aquecimento, átomo social, redes de comunicação psicossocial, efeito sociodinâmico etc.”
(MORENO, 2008, p.64). Na sua perspectiva o uso deste referencial teórico é importante para
a “elaboração de hipóteses significativas, mas também é um pré-requisito para o uso
adequado das técnicas e para a construção de experimentos produtivos.” (ibid, p.65).
Moreno (1992) afirma que a sociometria partilha com a sociologia clássica a tendência
para sistemas sociais elaborados e com o socialismo revolucionário a ideia de ação social
planejada. Sugere, no entanto sua aplicação a pequenos grupos e, à medida que se obtêm
conhecimento destes pequenos sistemas, seu uso para um planejamento social em larga
escala.
Mais adiante o autor romeno reconhece que a sociometria é uma ciência classificatória
voltada para se fazer generalizações com base nestas classificações, a equiparando a ciências
naturais como geologia e geografia e propondo estudos matemáticos de propriedades
psicológicas de populações. Estas frases apontam para as mesmas lógicas subjacentes
positivistas e empiristas mais tradicionais, ponto já bastante enfatizado neste trabalho.
3.3.2 Sociodrama
Quando fala do sociodrama, Moreno (2008, p. 109) utiliza outra linguagem: “O
verdadeiro objeto do sociodrama é o grupo, que não se limita a um número especial de
indivíduos, podendo consistir de todas as pessoas que vivem em um determinado lugar, ou
pelo menos todos que pertençam a uma mesma cultura.” (ibid, 2008, p. 110). É, portanto todo
o grupo que “sobe ao palco” em busca de soluções coletivas e por meio de métodos de ação,
ao mesmo tempo profundos e de outro lado dramáticos, na mais plena acepção da palavra.
O autor do método sociodramático pressupõe que há uma divisão entre um grupo que
“sobe ao palco” e outro constituído por uma ‘plateia’. O primeiro circunscrito ao determinado
número especial de indivíduos, que vivem em determinado lugar, fazem parte da mencionada
cultura e participam da intervenção. Do segundo grupo pressupõe-se tacitamente que já esteja
organizado por algum tipo de papel cultural e social que caracterizem também os integrantes
do primeiro grupo, a fim de que mesmo para eles a ação faça sentido. “O sociodrama,
portanto, para que seja efetivo, deve enfrentar a difícil tarefa de desenvolver métodos
profundos de ação, cujos instrumentos de trabalho sejam tipos representativos dentro de uma
dada cultura e não pessoas privadas.” (ibid. p, 110).
Moreno (2009, p. 376) afirma que durante o sociodrama o grupo é decomposto em
“[...] pequenos terapeutas individuais, e estes se converteram nos agentes da terapia”.
46
Extrapolando esta frase para o ambiente da pesquisa ou da intervenção em organizações,
poder-se-ia dizer que o grupo com o qual e para o qual se trabalha se decompõe em diversos
pesquisadores-interventores ou pesquisadores-atores, que são ao mesmo tempo os atores, e
autores da mudança de realidade proposta, sendo eles mesmos transformados internamente,
subjetivamente e externamente em seus comportamentos.
A seguir as sugestões metodológicas e técnicas sobre como intervenções grupais
deveriam ser realizadas:
Quadro 2 – Sujeitos, Agentes e Veículos da Intervenção.
1) Sujeito da Intervenção
1.1) Quanto à constituição do grupo
Grupo inestruturado - Grupo em formação, a
organização do mesmo não é considerada no
planejamento do trabalho.
Grupo organizado - Grupo já constituído, com valores e a
dinâmica própria, o diagnóstico destes deve ser previamente
feito para o planejamento.
1.2) Quanto ao local da intervenção
In locu - A intervenção se dá na própria empresa,
comunidade, organização ou até nas casas de membros do grupo.
Situação secundária – Intervenção se dá em locais
especialmente arranjados para tal, como escolas hotéis, centros de convenção ou outros.
1.3) Quanto ao objetivo da intervenção
Causal - A intervenção visa retornar às origens dos problemas grupais, incluindo-as in vivo no processo de
intervenção e busca de soluções.
Sintomática – Intervenção é voltada para a solução de problemas com apoio do grupo. Não há necessariamente
grande exposição dos mesmos.
2) Agentes da Intervenção
2.1) Quanto à fonte de influência para a mudança
Centrada no pesquisador (interventor) – Um
pesquisador ou um grupo deles conduz a intervenção. Os
membros do grupo não são usados sistematicamente como agentes da intervenção
Centrada no grupo - Cada membro do grupo se torna
agente da intervenção, voltado para influenciar um ou mais
de um dos demais membros. O grupo é um todo que interage entre si e com a comunidade.
2.2) Quanto à forma da influência
Espontânea e livre - Existe liberdade de experiência e
expressão. O locutor ou ator da intervenção é
improvisado e extemporâneeo, podendo ser um dos
membros do próprio grupo.
Ensaiada e preparada – A intervenção é preparada pelo
pesquisador, com lições e regras pré-produzidas. Ela é
memorizada e ensaiada pelo pesquisador, sendo ele o
principal ator ou locutor.
3) Veículo de Intervenção
3.1) Quanto ao modo de influência
Métodos de leitura e verbais - Leituras, lições,
palestras, apresentações de filme, discussões.
Métodos dramáticos ou de ação - Dança, música, teatro,
fazer filmes e teatros de bonecos.
3.2) Quanto ao tipo de veículo
Conservados ou mecânicos - Uso de filmes prontos,
teatro comum ou de fantoches ensaiados, passos
ensaiados de dança, canto conduzido, música “em
conserva” (partituras ou reprodução digital).
Espontâneos ou criadores – Filmes como medida
preliminar para ação, teatro comum ou de fantoches
improvisado, música composta na hora, filmes feitos pelo
grupo, ou outros métodos improvisados.
3.3) Quanto à origem do veículo
Apresentação face a face - Representações dramáticas
de todos os tipos mencionados acima.
À distância – Rádio, televisão, internet, intranet,
mensagens de texto e outros veículos de comunicação.
fonte: adaptado de Moreno 1997, p. 376-377
47
Percebe-se no quadro acima a preocupação metodológica e técnica que a obra de
Moreno tem desde o seu início. No entanto, se o desejo é buscar embasamento um nível
acima, no epistemológico, talvez seja mais fácil encontrar suporte para a compreensão da obra
moreniana no pensamento de autores pós-Moreno. Em Gadamer, aluno de Husserl e
Heidegger e que escreveu seus textos mais relevantes nos anos 60, encontram-se pistas para o
que ocorre em termos dialógicos nos encontros morenianos. Isto porque a ação de Moreno é
dialógica e o encontro de Moreno é similar ao conceito de diálogo gadameriano que
Domingues (2009, p. 6) apresenta:
No texto “A inaptidão ao diálogo” Gadamer analisa as formas de diálogo que, segundo ele, se apresentam na nossa vida e se encontram sob ameaça: diálogo pedagógico, diálogo da negociação, diálogo terapêutico e diálogo íntimo. A análise acentua que a inaptidão em geral para o diálogo tem que ver com a impossibilidade de relação, que assimila a uma “impotência de escuta” do outro e a uma rejeição do comum. Quanto a si, um diálogo é uma receptividade. Como receptividade, acentua um compromisso. A interpretação de Gadamer dá conta deste compromisso pelo outro ligado à recepção do outro e à implicação com o outro – o esquema monológico do pensamento é em função da reflexão, delimitando o espaço do diálogo a este discorrer constante sobre as representações próprias.
Ainda em Domingues (2009) encontram-se ligações entre o diálogo na visão de
Gadamer e os diálogos em Platão, a quem Moreno também se refere com alguma frequência,
no mesmo ponto de sua obra em que se refere a Sócrates como um de seus mestres. “Sócrates
estava envolvido com pessoas reais, agindo como parteiro e clarificador, de forma muito
parecida com a dos psicodramatistas modernos” (Moreno, 1992, p.29).
Segundo Domingues (2009), um exame de Gadamer indica exatamente que a
experiência da individualidade se constitui na mediação pelo outro. É nesta passagem que o
diálogo se torna operante. O diálogo significa a demanda do saber nesta interação entre o
outro e o próprio – demanda característica do discurso sobre a amizade, ou sobre o
humanismo diriam alguns. “Se vós sois amigos um do outro, então, deveis ter naturezas
apropriadas um ao outro” (Platão, 1982, p. 85). Esta frase certamente poderia estar na base do
discurso sociométrico de Moreno, como todo o diálogo sobre a amizade de Lísias em sua
interminável e estonteante dialética.
Existe um conceito por trás da abordagem moreniana que é a homem como um
desempenhador de papéis sociais, muito mais do que apenas de seus papéis individuais. O
homem é chefe, subordinado, cidadão, eleitor, político, pode representar o síndico do prédio,
o prefeito. No sociodrama são trazidos para o palco estes papéis e os diálogos entre eles, que
48
transcendem as questões problematizadoras individuais, voltando-se para a transformação do
grupo e do próprio pesquisador-ator.
Esta crença na possibilidade de transformação do próprio pesquisador-ator é
corroborada pela afirmação de Moreno (1992, p.120-121): “[...] começamos a especular sobre
a possibilidade de haver procedimento terapêutico não centrado primariamente na ideia de
sublimação, mas que deixa o homem em seu estado espontâneo, juntando-se a grupos também
de forma espontânea.” Esta atração aos grupos não deve se dar nem por sugestão nem por
religião. Moreno afirma também sua crença na saúde natural do ser humano ao propor que os
esforços de desenvolvimento devem ser espontâneos e tão próximos quanto possível de um
crescimento natural, mudando o indivíduo apenas “[...] na medida em que a transformação,
forçosamente, ocorrerá como consequência da reorganização de agrupamentos”.
É o próprio Moreno (1992, p, 135-136) quem esclarece seu sonho metodológico: “[...]
penetrar no meio da criação, da ‘vida e produção contínuas’[...]”. O autor romeno percebe a
necessidade de uma comunidade disposta a experimentar com ele e tenta “[...] clarificar em
minha mente o que o método científico poderia significar.” Afirma que a metodologia
científica se destina aos intelectos medíocres e que os gênios não tem necessidade da ciência
formal. O método científico tradicional impede uma maioria de pessoas de participar do “[...]
desenvolvimento de instrumentos científicos e do progresso da ciência”, referindo-se a isto
como distribuição desigual de volume de poder social.
3.4 Métodos, técnicas e elementos da pesquisa sociométrica e sociodramática.
Antes mesmo de Lewin (1946), Moreno (1997 p.58) em seu Psicodrama afirmava
“[...] em especial na esfera humana é impossível entender o presente social se não tentarmos
mudá-lo.” O fundador do psicodrama e idealizador da psicoterapia de grupo fazia uma
oposição entre Bergson e Peirce (que em outros pontos o influenciaram), a quem Moreno
(1997) se referia como filósofos-expectadores. Contrapunha a isto a figura do filósofo-ator, o
próprio Moreno: “Onde o filósofo percebe a superfície a que confere uma expressão
aforística, o ator terapêutico das grandes religiões, em seus períodos vitais, penetrou na
própria essência, por meio da ação e da realização”. (MORENO, 1997, p. 59).
Em suas intervenções iniciais, Moreno age e realiza segundo sua proposta, mas com
participação limitada do grupo. Uma de suas intervenções famosas foi realizada em um
reformatório juvenil feminino, a New York State Training School for Girls, em Hudson.
Durante esta experiência é só o pesquisador quem analisa o que acontece, ao menos nos
49
registros no Quem Sobreviverá. Não há registros de conclusões e aprendizados realizados com
o envolvimento do grupo ou clareza sobre o que os indivíduos refletiram e que mudanças
decidiram implantar em suas vidas a partir daí. As mudanças parecem terem sido decididas
pelo pesquisador, que já foi a campo com o intuito de estudar os benefícios destas mudanças.
Muito menos há registros de transformações sociais que tenham sido decididas antes,
propostas pelo grupo e dado origem às pesquisas. A partir das mudanças sociométricas
propostas pelo grupo não são estudadas as regras de conduta, novos valores e códigos sociais,
novas estratégias de convivências etc. Nada do que um pesquisador atual de PA em suas
diversas modalidades, em especial as críticas teria estudado. É, no entanto na fase seguinte de
sua atuação, a fase chamada por Fonseca (2008) de terapêutica, que muitos dos elementos que
apoiam as intervenções grupais morenianas são consolidadas e em muito se assemelham a
práticas atuais de PA.
Em Psicodrama: Terapia da Ação e Princípios da Prática, Moreno (2006) ressalta a
importância das dinâmicas do presente, do aqui e agora em todas as suas implicações
imediatas, pessoais, sociais e culturais. É nesta conexão com pacientes e com grupos de
pacientes, que acontece algo que metodologicamente pode ser chamado de pesquisa-ação
socionômica. São trazidos à tona com mais clareza as dimensões do tempo, as dinâmicas
grupais, os diferentes tipos de realidade, a tele, o encontro, papéis e agrupamentos de papéis, a
teoria e o ‘como proceder’ metodológico do aquecimento, dramatização e compartilhamento.
São apresentadas as técnicas do duplo, solilóquio, espelho, que por vezes são confundidas
com a teoria em si.
Por exemplo, no primeiro relato do livro acima, intitulado Psicodrama Numa Clínica
Pediátrica, fica claro que as mães participam ativamente, que Moreno as faz analisar as
experiências e que o objetivo de mudança estava pré-determinado em parceria com elas antes
do começo da sessão (MORENO, 2006, p. 48-56). Apesar de em termos de pesquisa os
protocolos serem frouxos e não ocorrerem ciclos de pesquisa, a participação dos envolvidos
na elaboração dos resultados as pesquisa pode ser considerado bem próximo do que é
considerado hoje como PA.
Os demais casos apresentados em Psicodrama: Terapia da Ação e Princípios da
Prática se deixam melhor analisar por psicodramatistas e psicólogos experientes em termos
de metodologia. Basta aqui a constatação de que houve uma enorme evolução entre o
experimento no Hudson para a fase terapêutica em termos de metodologia. Nesta última fase
não há menção a nenhuma forma de verdade científica, gráficos e fórmulas. A preocupação é
com a mudança qualitativa do ser humano, mesmo que seja no plano individual. Esta fase
50
apresenta extrapolações possíveis para a PA, como a do psicodrama autodirigido (ibid, p,
138). Trazido para o contexto do grupo percebe-se que é muito similar à investigação
cooperativa que será adiante apresentada, pois é o próprio sujeito que estimula e dirige as
ações e o trabalho é ao mesmo tempo diagnóstico, prognóstico, servindo para orientar as
ações e dialético, ensinando de forma crítica formas de comportamento.
As explicações sobre o ‘como’ fazer na literatura pesquisada de Moreno são escassas
quando se trata do sociodrama. Encontram-se mais frases sobre ‘o que’ são, por exemplo, o
teste de população, o próprio sociodrama e outros procedimentos metodológicos do que
exatamente protocolos de pesquisa claros sobre como proceder para colocá-los em prática. Os
testes sociométricos são detalhados no Quem Sobreviverá, mas as conclusões são seguidas por
estatística descritiva simples.
O mesmo acontece no teste aplicado em uma escola pública. Perguntar a crianças
quem elas gostariam que ficasse ao seu lado e fazer as pessoas se moverem para isso, com
intuito de colher dados quantitativos pode ser considerado uma pesquisa feita por meio da
ação, ou uma pesquisa em movimento, mas não PA. Parece muito mais um grupo de foco com
objetivos de análises quantitativas e o que hoje em dia ainda seria considerado pior em termos
de ética na pesquisa, sem que isso fosse revelado aos participantes. Aplicam-se depois testes a
professores, corroboram-se resultados, mas pelo que se pode depreender da leitura, nada se
modifica na vida nem de alunos nem de professores.
3.5 O papel e habilidades do pesquisador
Moreno (1992, volume I, p. 215) dedica um trecho do Quem Sobreviverá à figura do
pesquisador e suas habilidades. Considera que na sua proposta investigativa há dois aspectos
fundamentais. A primeira como conseguir uma abordagem próxima e precisa do fenômeno
investigado. A segunda é o próprio investigador, o ‘sociometrista’ como Moreno (1992) o
chama. O termo utilizado é ‘observador participante’, e certamente influenciado pela Escola
de Chicago, cuja importância em termos de influência sociológica Moreno não esconde, pelos
autores que cita como seus norteadores teóricos. Moreno (1992, p. 215) ressalta que o
pesquisador “[...] entra em contato com indivíduos e situações, mas ele próprio – com seus
preconceitos e tendências, sua equação de personalidade e sua própria posição no grupo –
permanece sem exame e, portanto, representa quantidade não medida”.
No primeiro volume do Psicodrama (MORENO, 2009) há um trecho dedicado ao que
seria a função do diretor e do ego-auxiliar. Moreno (2009, p. 308) diz que: “O diretor
51
psicodramático tem três funções: (a) é um produtor; (b) é o terapeuta principal e (c) é um
analista social”. Como produtor procura encontrar personagens e roteiros a fim de montar
uma produção que atenda às necessidades coletivas. Como agente terapêutico assume
responsabilidade final pelo sucesso ou fracasso da intervenção. Como analista social, ele e os
egos-auxiliares extraem dos participantes informações “para testá-los e exercer influência
sobre eles.” (ibid p. 309)
Independente disto usa as seguintes palavras aqui consideradas relevantes para o que
deve ser um bom pesquisador e como deve se portar em campo. Em primeiro lugar afirma que
ele deve se tornar um participante subjetivo, “ele pode entrar sucessiva e simultaneamente nas
vidas de vários indivíduos” (ibid, p. 134) podendo assim se tornar um amigo das pessoas com
quem trabalha.
Para praticantes da área do sociodrama organizacional, ressalta-se aqui a importância
do domínio das técnicas sociodramáticas para que uma pesquisa possa ser considerada como
sociodramática. É preciso ficar claro como o grupo foi aquecido, o que é considerado a
dramatização e como foi dirigido o compartilhamento. Quando couber é relevante se
mencionar especificamente as técnicas do duplo, solilóquio, inversão de papéis ou outras,
como o uso de objetos intermediários e maximização. Em especial em casos de pesquisas
organizacionais, torna-se cada vez mais claro quais os papéis deve exercer um pesquisador
sociodramático e a necessidade, portanto da montagem eventual de uma equipe de pesquisa.
3.6 Geração de conhecimento
Moreno em seus trabalhos iniciais mostra preocupação com a geração de
conhecimento, mas não explicita de forma clara como este deve vir à tona. No Quem
Sobreviverá, por exemplo, o foco do estudo recai sobre as motivações e expressões de
escolhas sociométricas das meninas internas na instituição no Hudson. É a partir destas
escolhas que o autor tece suas observações (MORENO, 1992, p. 62). Não há relatos de que
estes materiais sejam discutidos com os grupos de estudantes e sirvam para reflexão do
próprio grupo. As únicas frases que aparecem no livro são expressões primárias e as
categorizações de Moreno, um trabalho qualitativo clássico. Ao final desta etapa busca a
formulação de ‘leis sociogenéticas’, uma postura que poderia ser apontada como
convencional e com origens no empirismo inglês (MARTINS, 1994). Apenas para lembrar o
ponto antes afirmado, não se crê aqui que haja paradoxos entre o qualitativo e o positivo, em
especial na obra de Moreno. Este, em sua criatividade, cria pontes entre métodos e propõe
52
pesquisas livres e não subordinadas a prisões paradigmáticas, ora empíricas no sentido
baconiano, ora testes de hipóteses positivistas, ora visando compreender percepções de forma
qualitativa.
Em busca da sociometria de grupos (ibid, p. 97) Moreno usa por vezes a linguagem
em voga na época, a da ‘verdade científica’ positiva. O relato da experiência no Hudson é
muito esclarecedor para se compreender a metodologia moreniana na época e seus avanços.
Moreno deixa clara a importância de ter obtido “o apoio entusiástico e total da
superintendente” (ibid. p. 98), entendendo subjetivamente os demais grupos de interesse como
obstáculos à pesquisa naquele momento inicial. Em vez de realizar sociodramas práticos
iniciais para testar a percepção das pessoas em relação a ele e sua equipe que trabalha,
controla sua ansiedade e se aquece imaginando como está sendo visto, em uma espécie de
autoavaliação sociométrica. Forma neste estágio uma equipe de copesquisadores, entre
assistentes sociais e professores da comunidade.
A partir daí Moreno não é absolutamente claro em termos metodológicos. Fala de
aquecimento, mas não informa como se deram as conversas com as meninas, se elas sabem
para que é feito o experimento e que ideias estão por trás. O leitor de seu livro também não é
aquecido, mergulha direto em tabelas, efeitos sociodinâmicos, escolhas, gráficos e
sociogramas. Como se uma matemática desconhecida e não explicada estivesse por trás das
afirmações e o leitor ignorante a devesse procurar em outro lugar para entender aquilo.
Indivíduos são classificados, surgem fórmulas e dimensões. Como em trabalhos científicos
tradicionais são feitas reflexões sobre os erros metodológicos que talvez tenham sido
cometidos (ibid, p. 106).
Em nenhum momento aparece um relato claro de que as escolhas e achados tenham
sido apresentados ao grupo para discussão, crítica do mesmo e futuro encaminhamento de
ciclos da pesquisa. O grupo aparentemente ‘sofre’ a intervenção, é obrigado a agir para
satisfazer a curiosidade do pesquisador que quer comprovar certas ideias ou gerar teorias a
partir do campo. Reconheço aqui a limitação de estar lidando apenas com um livro e sem
acesso a volumes do Sociometry, que talvez fossem importantes para entender o que se
passou. Lendo-se apenas o Quem Sobreviverá? não se encontram as reflexões acima em
nenhum momento do experimento, o que não quer dizer que outros pesquisadores que tenham
trabalhado mais próximos a Moreno não possam a qualquer momento mostrar o contrário.
Moreno segue depois para o que chama de análise quantitativa do experimento de
Hudson. Mesmo sem dispor de sistemas estatísticos de análise de dados como os atuais, a
estatística era extremamente avançada na época. Apesar disso, Moreno apresenta resultados
53
descritivos simples, sem correlações, sem análises fatoriais e sem conclusões mais
aprofundadas. Nem testa hipóteses nem induz nada. A partir de gráficos extremamente
complexos descobre fatos como “[...] o desejo de permanecer nas cabanas atuais é de 51%”.
Nada que talvez um simples questionário não pudesse resolver. Isto aponta para análises de
dados pouco complexas, que surgem, no entanto a partir de uma teorização muito profunda.
Ao longo do tempo a ação em si que ocorre no experimento começa a mostrar
fenômenos de novos afetos, atrações e repulsas. São-nos, no entanto ocultos os diálogos,
eventos e casos que ocorrem entre as pessoas. Todas são números e cabanas e intervalos de
tempo. G. era isolada e rejeitava R. e depois quando testada de novo G. ocupava posição de
líder e gostava de R. O que aconteceu? Ninguém perguntou nem a G. nem a R., ou se algo foi
perguntado não é revelado ao leitor. Tudo aparentemente fruto do teste sociométrico e das
leis, como dos trabalhos em pares etc. Em outro momento um relacionamento é analisado,
mas também sem contato com as pessoas, sem perguntas. Na análise da diferenciação de
grupos familiares e de trabalho (ibid, p. 135) Moreno anota que D.R. e L.R. se rejeitavam no
grupo familiar e relata com mais detalhes como isto afeta o processo tecnológico, teorizando
sobre isto. De novo, as meninas não são envolvidas como sujeitas ativas da pesquisa,
confrontadas com este fato que foi teorizado e perguntadas sobre o que foi achado, bem como
convidadas a tecer considerações e propostas de melhoria. Mesmo com estas restrições e
limitações aqui expostas, Bustos (1998) considera o experimento no Hudson o ponto alto da
obra moreniana em termos metodológicos sociométricos.
A experiência no Hudson tem como elemento que pode ser considerado de uma
metodologia participativa a concordância das meninas em participarem em um grande
experimento. Elas têm ao menos o direito a uma grande decisão para quem está preso.
Escolher cinco pessoas com quem morar, a partir das limitações impostas pelo pesquisador e
pela superintendência da instituição. Fora isso, todos os outros elementos do experimento no
Hudson dificilmente podem ser chamados de PA. São testes duros, impostos, em que o grupo
não decide, questionários são preenchidos e o grupo é observado. Os ‘registros de testes de
situação’ são quase etnometodológicos e excluem o pesquisador, que é uma ‘mosca na
parede’. Como a etnometodologia só surge na década de 60, percebe-se porque Moreno diz
em outros momentos que é influenciado pelo interacionismo simbólico de Mead. Esta é uma
perspectiva sociológica que acredita que as pessoas agem em relação às coisas e pessoas
baseando-se no significado que essas coisas e pessoas tenham para elas, significados estes que
por sua vez são resultantes da sua interação social e modificados por sua interpretação.
54
3.7 Apresentação de achados e validação
Resultados de trabalhos sociodramáticos são apresentados de forma variada e
subordinada aos objetivos propostos e do momento. Existem hoje congressos e publicações
voltados para a área do Sociodrama. No entanto, talvez o mais importante na visão dos
sociodramatistas seja a apresentação vivencial dos resultados para os grupos envolvidos. Esta
apresentação dos resultados se confunde com a própria sessão psicodramática ou
sociodramática, tornando importante o papel do registrador, ou processador, como é
comumente chamado. Percebe-se então que a apresentação de achados em painéis de
congressos e em artigos científicos em revistas é muito mais ‘fria’ do que o que pode ter
ocorrido em campo e vivenciado e apresentado ao próprio grupo.
Em termos de validação, é necessário aqui se abrir parênteses. Grande número dos
trabalhos e artigos apresentados em publicações sobre Psicodrama mostram desde o seu início
uma grande preocupação com uma validação científica tradicional, o que acaba fazendo com
que haja uma lacuna entre o que pode ter acontecido no campo e o que está sendo apresentado
à comunidade acadêmica e de prática.
Tratei até aqui de apresentar aspectos que fundamentam uma metodologia
socionômica, sociodramática e / ou sociométrica em suas diferentes fases, para mais adiante
analisar e discutir os encontros e desencontros da obra de Moreno com a PA, com a IC e com
um paradigma participativo de pesquisa. Como a modalidade chamada de Investigação-
Cooperativa é relativamente pouco conhecida, no próximo capítulo serão apresentados os
fundamentos da mesma, para mais adiante se costurarem as ideias até aqui delineadas.
55
4. EPISTEMOLOGIA, TEORIA E METODOLOGIA DA OBRA HERON
A investigação-cooperativa (IC), no original cooperative inquiry, é uma forma de PA,
ou seja, realizada com a participação em maior ou menor grau de todos os envolvidos. Foi
criada por John Heron (nascido em 1928) e muito incentivada e expandida por Peter Reason,
editor do Handbook of Action Research da SAGE (2006; 2008) e durante muitos anos diretor
do Postgraduate Programme in Action Research, da Universidade de Bath na Inglaterra e do
Centre for Action Research in Professional Practice (CARPP).
Esta modalidade de pesquisa tem seu impulso inicial em um artigo de Heron (1970),
The Phenomenology of Social Encounter: The Gaze. Os principais pontos do mesmo eram:
(1) O olhar profundo (gaze) era um fenômeno distinto, impossível de ser reduzido a algo
ligado aos olhos; (2) sua combinação de propriedades espaciais e mentais envolve uma
abordagem não cartesiana da mente; (3) ele oferece conhecimento participativo não
inferencial, mas parcial sobre o estado mental do outro; (4) a mutualidade inerente do
significado é pressuposta pelo uso da palavra.
A partir destes pontos Heron (1970) afirma que o cientista social tradicional não pode
pesquisar a natureza do olhar fazendo experimentos ou coletando dados. Seu status e
significância só podem ser explorados plenamente de dentro, pelo envolvimento com a
condição humana e com o pesquisador se colocando como um sujeito socialmente sensível,
envolvido em olhar profundamente (gazing) o outro e com o outro.
4.1 Uma breve história e o pano de fundo epistemológico para a obra de Heron
A IC é aplicada no desenvolvimento pessoal e profissional por praticantes de muitos
campos. Heron, seu criador, esteve envolvido com psicologia transpessoal e holística e
facilitação de grupos e de 1977 a 1985 dirigiu na qualidade de Diretor Assistente da
Universidade de Londres programas de desenvolvimento profissional para médicos. Sendo
assim, a sua maneira de praticar a IC progrediu desta atitude com uma preocupação voltada
para transformações emocionais e práticas para a atual, praticada no South Pacific Centre for
Human Inquiry, na Nova Zelândia, onde se desenvolveram práticas radicais de co-
aconselhamento (co-counselling) e pesquisa espiritual.
A IC ganhou em importância com o apoio de Reason, um dos epistemólogos
fundamentais para a PA no século passado e no atual. A IC é apontada por ele como afinada
com o chamado paradigma participativo de pesquisa, enquanto que muitas das variantes da
56
PA são oriundas de uma época em que a PA era praticada como um experimento de campo
tradicional, com variáveis a serem estudadas e a pressuposição de separação entre pesquisador
e sujeitos da pesquisa. (REASON, 1993). Como apontado por Elden e Chisholm (1993), "o
pesquisador no modelo clássico de pesquisa-ação age tanto quanto possível quanto um
cientista convencional”.
Reason e Heron (2008) escreveram muitos artigos e capítulos de livros juntos. A mais
recente publicação é um capitulo do Handbook of Action Research em que definem a IC como
uma forma de PA na segunda pessoa. PA na segunda pessoa se interessa pela habilidade de
investigar face a face com outros assuntos de interesse recíproco, como por exemplo, a
melhoria de prática pessoal e profissional. Também está preocupada com a criação de
comunidades de pesquisa e de aprendizagem.
Na visão de Chandler e Tobert (2008) há três formas de ‘voz’ envolvida na PA, em
termos de subjetividade. Pode-se ter uma PA na primeira pessoa, em que o mais importante é
a voz do pesquisador sobre suas transformações ao longo da pesquisa e seus diálogos com
colegas, amigos e sujeitos da pesquisa. Pesquisas na segunda pessoa, com o ‘tu’ ou ‘vós’
geram uma segunda ‘voz’, fruto da intersubjetividade dos encontros. E a pesquisa na terceira
pessoa, a voz do ‘ele-ela’ ou ‘eles-elas’ é a tentativa de objetivar estes encontros. Reason e
Bradbury (2008) alertam para a questão de que esta busca por objetividade só se torna
confiável se o próprio pesquisador estiver envolvido em um processo de autoinvestigação
(sef-inquiry). O (A) pesquisador (a) ou facilitador (a) precisa todo o tempo, por meio de
cadernos de campo e rigorosa autoanálise, questionar seus próprios pressupostos e propósitos,
analisar suas práticas e estar permanentemente voltado para o desenvolvimento de suas
habilidades e experiências.
Na IC todos estão engajados no desenho e gestão da pesquisa, todos entram na
experiência e ação que estão sendo exploradas e todos são envolvidos no fazer sentido e tirar
conclusões. Assim, todos os envolvidos podem tomar iniciativa e exercitar influência durante
o processo. Esta não é uma estratégia de pesquisa sobre pessoas, mas com pessoas e para
pessoas. (HERON; REASON, 2008). Apesar deste escrito de 2008 já ser sintético, justifica-se
aqui fazer um breve resumo da obra de Heron (1996), Cooperative Inquiry: Research into the
Human Condition. Isto porque a IC é pouco conhecida no âmbito organizacional, pouco
citada como estratégia de pesquisa nas publicações brasileiras sobre psicodrama e seus textos
básicos ainda não traduzidos para o português
Heron (1996, p. 2) aponta inúmeras influências para seu trabalho, bem como trabalhos
de outros que ele entende que confluem na mesma direção que o seu, citando entre eles Kurt
57
Lewin pelos seus valores participativos e democráticos, Jacob Levy Moreno pela terapia
radical da ação e a emergência dos grupos de auto-ajuda como um fenômeno social de grande
importância.
4.2 Aspectos teóricos da investigação cooperativa
Como já dito, a IC é uma pesquisa com pessoas e não sobre pessoas. Os sujeitos estão
envolvidos nas decisões sobre conteúdo e métodos, feitos nas fases de ação e reflexão. Há um
jogo proposital entre reflexão e fazer sentido de um lado e experiência e ação do outro,
mantendo-se especial atenção para que haja procedimentos apropriados para a validade da
pesquisa e seus resultados. Os conceitos de validade e resultados aplicáveis a esta modalidade
de pesquisa serão discutidos mais adiante.
A questão da participação é formada por dois aspectos complementares. Um
epistêmico, que diz respeito à relação entre aquele que busca o conhecimento e aquilo que é
conhecido. Os pesquisadores se envolvem como sujeitos na experiência com aquilo que deve
ser conhecido. Aquilo que é por eles experimentado, por sua vez envolve formas de
conhecimento que são fruto da participação, criando uma circularidade que não pode ser
quebrada. O outro aspecto é político e diz respeito às relações entre as pessoas e a maneira
como as decisões para a pesquisa são tomadas, uma vez que estas decisões afetam a todos. Se
os sujeitos participam na geração do conhecimento, devem participar no pensar e no decidir
sobre os rumos da pesquisa.
Existem formas de IC plenas ou parciais, conforme apresentadas no quadro abaixo:
Quadro 2 – IC e Participação
Fonte: Heron, 1996, p. 25
58
A forma parcial de envolvimento é comum quando, por exemplo, os iniciadores da
pesquisa não são da mesma organização que os sujeitos da prática ou de categorias
profissionais diferentes, o que impede pleno envolvimento. De qualquer forma, as duas
formas são radicalmente diferentes da pesquisa qualitativa tradicional, ou de formas
estratégicas de PA, nas quais a participação dos sujeitos da prática nas decisões é limitada ou
nenhuma, somando-se a isso o fato de que a participação plena do pesquisador na experiência
é impossível.
Na pesquisa qualitativa em suas formas mais críticas e pós-modernas pode até haver a
preocupação de empoderar os sujeitos da pesquisa, ou mesmo de checar com eles (elas) os
resultados da pesquisa para efeito de validação. O início dos procedimentos de pesquisa pode
ter sido realizado com grupos de foco, respostas a entrevistas, diálogos reflexivos ou
participação em uma sequencia de encontros psicosociodramáticos. Pode-se até se estabelecer
procedimentos pós-pesquisa para compreender se o grupo está usando as conclusões da
pesquisa. Quando se fala, no entanto, de IC deve haver ao final do trabalho de pesquisa um
estímulo para que os participantes testem suas afirmativas em ações conscientes e cruciais.
Estas ações e reflexões devem estar ligadas aos objetivos de mudança ou transformação
pessoal, social ou organizacional propostos no início dos trabalhos de pesquisa.
A participação epistêmica antes mencionada gera rigor e validade na medida em que:
(1) são fundamentadas na experiência do pesquisador, como sujeito e co-sujeito de pesquisa;
(2) são aceitos como válidos dados de natureza mais tradicional; (3) a natureza dialógica e
compartilhada da geração de conhecimento é aceita; (4) a intersubjetividade da cultura e do
uso da linguagem são aceitas como fundamento para a geração de conhecimento, ou seja,
tanto de aspectos verbais, quanto não verbais.
Fazer IC implica em participação política. Esta parte da premissa de que as pessoas
têm o direito de decidir sobre o desenho, gestão e considerações extraídas da pesquisa. Isto dá
a elas a oportunidade de se identificar e se expressar em termos de preferências e valores e
empodera os sujeitos da prática como seres humanos plenos, impedindo a opressão e
unilateralidade dos valores do pesquisador. Esta participação política implica no exercício de
quatro valores políticos básicos (Heron; Reason 2001): autonomia, hierarquia ativa, hierarquia
passiva e cooperação. Cada participante do grupo pode se mover entre as quatro posições e as
três primeiras são precursoras que culminam com a quarta.
Autonomia é o valor que permite a identificação das necessidades e interesses
idiossincráticos de cada um. Hierarquia ativa é o valor que permite a cada um no grupo
59
identificar as opções que promovem interesses e necessidades individuais e do grupo e as
enunciar livremente. É a liderança criativa que aparece pela iniciativa do pesquisador ou do
grupo de promover a pesquisa e que emerge espontaneamente entre os participantes do grupo
quando alguém propõe outras iniciativas que aumentam a autonomia e cooperação de todos os
participantes. Hierarquia passiva permite a cada participante identificar propostas que deseja
ou não seguir, fazendo escolhas de forma livre e autêntica. E, por fim, a cooperação é o valor
que permite que aqueles que fazem parte do grupo inicial ou permanecem no grupo ao longo
da pesquisa, se envolvam por livre e espontânea vontade, negociem decisões com os pares e
pesquisador e “celebrem a diversidade e diferença como unidade genuína” (Heron; Reason,
2001, p. 122-123).
4.3. Propostas metodológicas da investigação cooperativa: informação e transformação
A IC pode cobrir uma enorme variedade de tópicos de pesquisa. A sua primeira grande
subdivisão é em pesquisas de caráter informativo ou transformativo. As primeiras podem
cobrir desde a participação em manifestações artísticas, a pesquisas sobre a vida intrapsíquica,
relações interpessoais, formas de cultura, meio-ambiente, economia, educação, política até a
participação em outras realidades e estados alterados de consciência. As de caráter
transformativo podem ser voltadas para a transformação do meio-ambiente, (ecologia ou
arquitetura) na estrutura social (práticas, rituais, desenvolvimento organizacional,
transformação política ou econômica, luta contra a opressão), educação (estudos auto-
dirigidos, estudos com pares, mudança escolar), profissão (habilidades, auditoria por pares,
competências, delegação e facilitação), questões pessoais (intimidade, sexualidade) e questões
de estilo de vida (domicílio, ocupação, recreação).
Grupos de pesquisa podem ser iniciados por um chamado de pesquisadores ou pelos
próprios interessados, que depois solicitam apoio de pesquisadores ou pesquisam por conta
própria. Cada uma destas modalidades tem seus próprios desafios, que não podem ser
cobertos aqui, mas que são detalhadas em Heron (1996). Este início determina se a pesquisa é
internamente iniciada (por iniciativa do grupo) ou externamente (por iniciativa do
pesquisador) e de certa forma determina a questão da participação plena ou parcial antes
abordada. A partir daí se determinam papéis, se pesquisadores e pares tem os mesmos papéis,
papéis complementares ou contrapapéis.
Heron (1996), além disso, sugere, fazendo menção às ideias de Nietzsche e ao drama
grego, que as pesquisas podem ter fronteiras abertas ou fechadas e se dar em culturas
60
apolíneas ou dionisíacas. Este último ponto diz respeito ao grau de planejamento, protocolo,
criatividade e intuição permitidos, tratando-se de um aspecto muito bem abordado no livro de
referência, mas que infelizmente não cabe aqui por razões de espaço.
4.4 Métodos, técnicas e elementos da investigação cooperativa.
Investigações Cooperativas são longitudinais por excelência. Dependendo do tema
abordado e da proximidade do grupo e se a questão é meramente gerar transformação ou
informação podem variar de algumas semanas a muitos anos. Heron (1996) sugere que
independente da duração da pesquisa, que ele ressalta não deve ser inferior a seis semanas,
mesmo que simples e informativa, sejam realizados os seguintes estágios, que podem ser
subdivididos em fases ou ciclos:
Primeiro Estágio: É um primeiro momento reflexivo da pesquisa em que deve ser
determinado pelo pesquisador que inicia o grupo em parceria com alguns dos
copesquisadores:
- O foco ou tópico da pesquisa e o tipo da mesma, se informativa ou transformativa.
- Uma declaração de início e um plano de ação inicial.
- Definição de métodos de anotação e gravação das informações e transformações
realizadas na primeira fase de ação, que podem ser a memória radical (anotações feitas a
partir de experiências profundas do pesquisador), filmagens, fotos e manutenção dos aspectos
expressivos do conhecimento. As diferentes maneiras como o conhecimento vêm à tona serão
abordadas no próximo item.
Segundo estágio: É a primeira fase de ação, durante a qual os sujeitos da prática
exploram a experiência e ação e selecionam os aspectos que tem a ver com o foco da
investigação. Aplicam as habilidades de pesquisa antes elencadas e mantém anotações ou
registros variados sobre os dados gerados.
Terceiro Estágio: É na verdade um estado mental e de percepção do (a) pesquisador (a),
que permite manter em suspenso preconcepções e se manter aberto para a experiência, ações e
mudanças de rumo que podem ser necessários durante a investigação. Isto significa que
apesar da nomenclatura segundo e terceiro estágios estes se entrelaçam e acontecem
concomitantemente, permitindo ao pesquisador (a) realizar reflexões mesmo se mantendo
plenamente imerso no segundo estágio, da ação.
Quarto Estágio: É um segundo momento de reflexão mais aprofundada e distante da
prática, em que os pesquisadores e copesquisadores se encontram para compartilhar seus
61
dados, os rever, escolher o que aconteceu de mais relevante e planejar novas fases da
pesquisa. Nesta última fase que ocorre quando da conclusão da pesquisa, é importante fazer
sentido e atingir um mínimo de acordo sobre a construção teórica e sobre a maneira que os
resultados serão apresentados, à academia ou outros interessados no processo de mudança e
seus resultados.
4.5 O papel e habilidades do pesquisador
Heron (1996) recomenda que para praticar IC o pesquisador possua algumas
habilidades. Estas surgem em maior ou menor grau dependendo da fase em que se encontra a
mesma. Estágios, fases e ciclos da pesquisa serão abordados a seguir, mas na investigação
informativa é necessário:
- Estar presente, que tem a ver com empatia, com encontrar e sentir, com participar da
própria experiência interna e a de outros. Não se trata de estados meditativos e sim
necessariamente ligado à presença do outro;
- Abertura imaginativa, que tem a ver com a capacidade de estar receptivo a
significados e a como o pesquisador dá forma às pessoas e ao mundo por meio de sua
imaginação. É uma habilidade que tem a ver com intuição e criação de significados;
- Colocar entre parênteses (bracketing), que tem a ver com a capacidade de gerenciar
rótulos conceituais e modelos imbricados no processo de perceber pessoas e o mundo. Esta é
a habilidade que permite manter em suspenso classificações e construtos que impomos à
nossa percepção, para manter a abertura e a imaginação.
- Recomposição (reframing), que tem a ver com a revisão conceitual e com a
habilidade de não só manter em suspenso conceitos e modelos, como de tentar novos, com
testar novas assunções
E na investigação transformativa:
- Congruência dinâmica, que significa estar atento à falta de congruência de aspectos,
relacionados com o saber prático, com saber como agir, com o estar atento durante o agir, as
formas estratégicas e os valores que norteiam a ação, seus propósitos, motivos, contexto e
crenças que apoiam a ação prática, bem como os resultados, bem como apontar e corrigir
estes desvios;
- Competência emocional, que é a habilidade de identificar e gerenciar estados
emocionais, mantendo a ação livre de reações não processadas do passado e limitando a
influência de convenções sociais inapropriadas ou condicionamento social;
62
- Desapego, que é a habilidade de se mover levemente e sem fixação de propósito,
estratégia e forma de comportamento e motivos. Deve de um lado assegurar que cada
pesquisador invista sua identidade e mantenha sua segurança emocional, permanecendo
intencional sem se tornar manipulativo;
- Intencionalidade auto-transcendente, que envolve ter em mente, mesmo quando
ocupado com determinadas formas de ação que existem outras alternativas que podem estar
sendo propostas pelo grupo ou se apresentando no campo, com relevância e aplicabilidade à
situação como um todo.
4.6 Geração de conhecimento
Heron (1996, p. 104) manifesta sua crença de que a IC pode ter resultados de natureza
quádrupla. Podem ocorrer transformações pessoais pelo engajamento no foco e processo de
pesquisa, apresentações sobre o foco e o processo nas formas artísticas e culturais mais
diversas, relatórios teóricos e proposicionais e podem ser gerados resultados e ações práticas,
de ordem transformativa ou sobre a maneira de participar adquirida no processo. Seriam então
estas as quatro formas de conhecimento esperadas de um processo de IC:
4.6.1 Conhecimento experiencial (ou vivencial)
Este que se dá por meio do encontro direto, sentimentos e percepções que são gerados
por estes encontros com seres e suas imagens mentais que cada um dos copesquisadores
forma de si próprio e dos outros. Apenas por meio do contato direto com outros
copesquisadores pode se criar o tipo de intimidade necessária para que se gere verdadeira
pesquisa de grupo.
4.6.2. Conhecimento ‘presentational’ (expressivo ou representativo)
Este é uma habilidade intuitiva de expressar e representar os padrões significativos de
formas e processos que emergem durante a pesquisa. Além de formas artísticas pode
aparecer de formas metafóricas e pode ser um precursor ou complementado por descrições
detalhadas (thick descriptions), estórias e construtos incipientes.
63
4.6.3. Conhecimento proposicional (ou teórico)
Este é a conceitualização, teorização e formulação de propostas teóricas a partir do que
foi experimentado, vivenciado e apresentado pelo grupo. Sugere-se que profundidade em
apresentação e descrições ricas sejam seguidas por conceitualização teórica clara.
Comprometimento com este tipo de conhecimento é fundamental quando se convive
com o ambiente da pesquisa. Há que se ter o cuidado, face ao caráter de ação e participação
deste tipo de investigação para que relatórios meramente informativos ou sobre a prática não
preponderem. Afirmações que informam e ao mesmo tempo são frutos de teorização, podem
ser reconhecidas por serem reflexões sobre evoluções e mudanças na prática em termos de
seus muitos componentes, como comportamentos, estratégias, normas, propósitos e valores e
os motivos possíveis para isso. Estas afirmações devem ser feitas de forma contextualizada e
com a comunicação das crenças que as apoiam. Descrições das mudanças sociais e ambientais
que a ação prática trouxe devem ser seguidas de informações das redefinições feitas no
domínio da pesquisa a partir delas. Por este último processo o transformativo gera o
informativo, gerando o chamado ‘paradoxo da ação’, ou seja, de que o conhecimento se revela
com maior plenitude para aqueles que buscam a excelência na ação.
4.6.4. Conhecimento prático
Este é o saber praticar as habilidades e competências relevantes para transformar o
domínio estudado ou para manter as capacidades participativas adquiridas. O fato das
capacidades práticas e transformativas terem sido construídas se comprova por aplicação dos
conhecimentos obtidos no ambiente de trabalho, demonstrações práticas para públicos
externos, gravações audiovisuais, reconstruções dramáticas, histórias que evoquem o impacto
do trabalho e sessões de treinamento entre outros.
4.7 Apresentação de resultados e validação
Os resultados vivenciais e expressivos antes apresentados são considerados
inseparáveis dos pesquisadores, são por assim dizer ‘residentes’. Já as propostas teóricas e
conhecimentos práticos podem ser considerados separáveis e reproduzíveis.
Estes resultados inseparáveis podem, no entanto, ser ‘transformativos’ das pessoas que
os geram. Estas transformações podem se separar das pessoas e se estender ao ambiente social
e biológico. Quando estes resultados modificam padrões, eles podem ser ‘iluminativos’, no
sentido de jogar luz sobre relevos, fazer com que venham para frente da cena aspectos
64
desconhecidos e sejam jogados para as sombras outros que eram preponderantes. A
comunicação destes resultados gera sempre informação, bem como as propostas teóricas, que
são sempre resultados ‘informativos’.
Em termos de garantia a validade da investigação, permitindo uma subjetividade
crítica e a presença de uma consciência discriminatória alguns procedimentos precisam ser
planejados e aplicados, em especial nas fases de reflexão, mas envolvendo as fases de ação:
- Ciclos menores de pesquisa permeando os estágios garantem que, por meio de processos de
retroalimentação e refinamento, as partes e o todo sejam combinados e recombinados;
- Divergência e convergência usadas em todos os estágios de pesquisa e seus ciclos menores,
garantem que os tópicos estudados se articulem de forma mais completa;
- Reflexão e ação em equilíbrio garantem que o conhecimento experimental oriundo da
prática seja tão importante quanto às reflexões e mudanças internas dos participantes;
- Aspectos da reflexão devem ser mantidos em equilíbrio, em especial descrição, avaliação da
descrição, construção de teoria e aplicação do que foi aprendido em um ciclo ao próximo;
- Desafio à subjetividade não crítica garante a qualquer copesquisador a possibilidade de
assumir o papel de “advogado do diabo” quanto às reflexões e ações que estejam sendo
deixadas de fora. Estas incluem ‘não observações’, aspectos da experiência que mostram
limitações do modelo ou programa de ação, fixação inconsciente em algumas assunções ou
ideias que guiam planos de ação e falta de rigor na aplicação de métodos ou procedimentos.
- Aceitação de caos e ordem é uma atitude que tem a ver com validade na medida em que
aceita desafios e pressupõe tolerância à ambiguidade, entendendo que retirar aspectos da
pesquisa prematuramente por mera ansiedade asfixia a mesma e gera falso conhecimento.
- Colaboração autêntica define o diálogo intersubjetivo como o componente-chave para a
pesquisa, fazendo de cada membro do grupo um igual em termos de poderes e saberes com o
pesquisador que iniciou a pesquisa.
Além da forma com que os resultados são apresentados, trata-se aqui também de como
avalia-los em termos de validade. Uma vez que a IC é considerada aqui como uma
metodologia interpretativa de pesquisa, mas que frequentemente adquires matizes críticos,
uma maneira de avaliar a qualidade de trabalhos é a proposta por Alvesson e Skoldberg
(2000) e resumida por Pozzebon (2004).
No quadro abaixo, são apresentados os elementos significativos para garantir a
validade de pesquisas com uma orientação interpretativista-crítica.
Quadro 4 – Critérios para avaliação de pesquisas interpretativistas-críticas
65
Critério de Avaliação Aspectos da Interpretação
Autenticidade Interação vivencial com o material empírico
Plausibilidade Interpretação sensata e razoável
Criticidade Interpretação crítica
Reflexividade Reflexões sobre o texto e linguagem
fonte: livremente traduzido pelo autor da adaptação de Pozzebon (2004) para Alvesson e Skoldberg (2000)
Autenticidade começa a se construir antes do ato de escrever e significa realmente
estar presente em vivências e experiências reais do grupo, vividas no campo de forma quase
etnográfica. Plausibilidade é uma preocupação ligada ao ato de interpretar achados e de
escrever de forma conectada com o referencial teórico e consistente com a forma acadêmica,
gerando contribuições e implicações para pesquisas futuras no campo estudado. Criticidade é
a habilidade de provocar revisão de ideias pré-concebidas, levando o grupo, o leitor e o
pesquisador a pensar de forma inédita sobre determinadas realidades. Reflexividade é a
postura de estar atento às ambiguidades da linguagem e do próprio texto gerado, em busca das
assunções do grupo, do próprio autor e considerando como a maneira em que a pesquisa é
conduzida influencia seus resultados. (POZZEBON, 2004). O alcance dessas metas de rigor
acadêmico será discutido nas conclusões deste trabalho.
66
5. METODOLOGIA
Alinhado com a proposta do trabalho, os procedimentos metodológicos serão de duas
naturezas. Em primeiro lugar será apresentado um trabalho de campo prático, durante o qual
foram combinados elementos do sociodrama e da investigação-cooperativa. A seguir serão
realizadas reflexões iniciais sobre os aspectos teóricos acima apresentados, com uso da
metatriangulação. A seguir, a partir da apresentação do trabalho de campo e das reflexões
oriundas da metatriangulação, serão analisados e discutidos os procedimentos e resultados do
trabalho, de campo, apresentando suas vantagens e limitações.
A metatriangulação é uma abordagem usada para articular paradigmas subjacentes à
teoria existente. Ajuda os teóricos a reconhecer, cultivar e acomodar as percepções oriundas
de diferentes visões de mundo, de modo a criar bases teóricas ainda mais ricas para a
compreensão dos fenômenos que estão sendo estudados. Trata-se de uma meta-análise
qualitativa que tem por objetivo favorecer e liberar a criatividade.
Segundo Lewis e Grimes (1999) a metatriangulação é um modelo de três fases, com
algumas etapas. O objetivo é explorar as assunções básicas de alguns paradigmas e assim
poder se referir a temas que sejam de forma comum emergentes desta análise, construindo
teorias a partir daí. No presente trabalho foram usadas algumas fases das etapas. O modelo,
pelas próprias características da metatriangulação, não é algo a que o pesquisador tenha que se
ater, mas um norteador para evitar uma criatividade desfocada.
Neste trabalho a metatriangulação foi usada como uma abordagem que facilitasse
explorar aspectos ainda não revelados de justaposições e contradições entre as bases teóricas
da IC e da Socionomia de Moreno. Considerando que não havia clareza inicial sobre estas
similaridades ou discrepâncias, os procedimentos iniciais foram de leituras flutuantes e
exploratórias, em busca de temas comuns, consoantes ou dissonantes. Como Gioia e Pitre
(1990) propõem, a ideia é a de construir pontes entre ideias que aparentemente não tenham
pontos em comum ou mesmo pertençam a paradigmas diferentes. Sugestão esta que foi
utilizada, por exemplo, por Giddens (1984), que não teve a menor relutância em se apoiar em
ideias de fontes completamente divergentes para formular a Teoria da Estruturação. O autor
inglês chegou a afirmar que é necessário evitar o conforto de dialogar com outros autores
apenas dentro do paradigma em que se situa um determinado trabalho. É assim que se avança
em relação a pontos de vista previamente estabelecidos e se evita a preguiça intelectual.
67
Em alguns momentos se partiu das propostas mais comuns da IC em busca do mesmo
tom, cor ou sabor na obra de Moreno (ou algo que absolutamente não combinasse com o tom,
cor ou sabor). Em outros momentos o caminho foi o inverso e a lente utilizada foi a obra de
Moreno, servindo esta para a leitura do Handbook of Action Research e artigos publicados na
Action Research ou International Journal of Action Research, bem como no European Group
for Organizational Studies (EGOS) em seu grupo de pesquisa de PA.
Assim, o quadro abaixo pode descrever os procedimentos utilizados em casa fase:
Quadro 1 – Fases da Metatriangulação
Atividade Propósito na Metatriangulação Propósito neste trabalho
Definição do fenômeno de interesse. Coleta de exemplos metateóricos
Fase 1 - Trabalho Básico Definir de forma ampla o campo de estudo, de forma que permita flexibilidade de interpretação e ao mesmo tempo ajude a diferenciar paradigmas e os pontos de transição entre eles. Coletar informações nos textos analisáveis sob os diferentes paradigmas
Aproveitar a aparente lacuna para desenvolver os elos entre teoria da socionomia e PA, na forma da IC.
Planejamento da análise Busca por similaridades e diferenças teóricas
Fase 2 - Análise dos dados Determinação de um plano para coleta de dados Sobreposição das ideias teóricas dos autores envolvidos
Leitura flutuante e identificação dos principais aspectos teóricos da PA e da Socionomia Comparar a teoria na PA e aspectos teóricos da obra de Moreno
Explorar metaconjecturas e articular uma proposta metateórica Realizar uma auto-reflexão crítica
Fase 3 - Construção teórica
Justapor e contrastar visões, conduzindo à criatividade teórica. Criticar os achados e revelar limitações
Procurar pelo oculto, pelo não formulado, ou pelo que pode ser desconstruído do antigo nas obras sobre PA e na obra de Moreno Fazer uma auto-crítica e uma crítica do trabalho
fonte: o autor baseado em Lewis e Grimes, 1999
A seguir é apresentada então a experiência prática mencionada, em que elementos da
IC já foram combinados com estratégias sociodramáticas de pesquisa.
68
6 PESQUISA-AÇÃO E SOCIONOMIA: A METATRIANGULAÇAO
A seguir serão apresentados os resultados das leituras realizadas, em busca por
dissonâncias e consonâncias entre as metodologias da pesquisa-ação e em especial da
investigação cooperativa e do que se pode chamar de uma PA sociodramática.
Por uma questão de ordem metodológica serão apresentadas abaixo as áreas de
dissonância e concordância seguindo a maneira como os trabalhos de Moreno e Heron foram
abordados neste trabalho. Depois, serão apresentados os aspectos em que uma área de estudos
olhada com a lente da outra provocou reflexões interessantes para o autor do trabalho.
6.1 O pano de fundo epistemológico da Socionomia e da IC comparados
Uma sutil diferença entre estas maneiras de pensar está nas origens epistemológicas.
As pesquisas de cunho socionômico permitem diferentes abordagens, pela própria riqueza das
bases do pensamento de Moreno, que muito leu e muito aceitou. Apesar da PA e suas
vertentes, dentre elas a IC, também serem cunhadas em diferentes paradigmas, há uma
diferença fundamental. O sociodrama organizacional pode se diferenciar quando aplicado, por
exemplo, no nível da técnica e dos propósitos, mas mantém algo em comum, uma raiz de
parentesco com todas as outras pesquisas de cunho socionômico. Esta raiz comum é o pano de
fundo teórico de Moreno e provavelmente até a maneira do diretor conduzir a sessão
sociodramática, seguindo determinados passos. Já as diferentes pesquisas de cunho
participativo diferem não só na maneira como os pesquisadores veem o mundo, mas também
por vezes radicalmente na sua origem e no seu embasamento teórico. Não há como no caso do
sociodrama ‘escolas’ de formação de investigadores cooperativos, sendo esta uma habilidade
que se aprende na prática.
Diferentes formas de pesquisas de forma participativa e pesquisas sociométricas e
sociodramáticas e sociométricas têm muito em comum, muitas áreas de consonância. Duas
delas chamam a atenção. A primeira é a crença em um ser humano capaz de transformar sua
realidade, de forma individual ou em pequenos coletivos. A outra é a visão participativa
ampla e declarada tanto por pesquisadores da PA quanto psicodramatistas e sociodramatistas.
6.2 Aspectos teóricos da Socionomia e da IC comparados
69
A ênfase por teorização a partir dos achados de campo vem ganhando peso tanto nos
periódicos de PA quanto na Revista Brasileira de Psicodrama (RBP), como por exemplo em
Nery (2007). Se há clareza ou não sobre o que o termo teorização significa é outra questão,
que precisa ser explorada no âmbito de trabalhos mais aprofundados sobre teoria e metateoria.
O grande ponto de consonância e aproximação entre pesquisadores participativos e
pesquisadores sociodramáticos é a aceitação da intervenção na realidade social, por um ser
humano em ação como necessidade para se construir conhecimento. O abandono de crenças
em que cientistas sociais atuam como moscas na parede, observando de forma neutra
experimentos de campo é o grande ponto de comunhão entre estas modalidades de pesquisa.
Como já mencionado, a grande dissonância é o pano de fundo teórico. Pesquisadores
sociodramáticos partem de uma rica elaboração para enxergar a realidade, como por exemplo,
a teoria da criatividade e espontaneidade, e a teoria dos papéis. Já pesquisadores da linha da
IC partem de referenciais teóricos tradicionais, usando a metodologia mais no plano da
estruturação da pesquisa.
Nada impede, no entanto que as duas maneiras de atuar sejam conjugadas. Observa-se
isto na evolução da teoria psicodramática. As obras de autores como Freud, Foucault e outros
foram ganhando seu espaço aliadas a trabalhos sociodramáticos e diferentes campos de estudo
se conjugaram ao longo do tempo com o sociodrama.
6.3 Propostas metodológicas da Socionomia e da IC comparados
Há áreas de dissonância entre a IC, como pesquisa da família de práticas da PA e as
propostas metodológicas feitas por pesquisadores morenianos. São questões ainda não
debatidas, instrumentos que não foram colocados para tocar juntos e que, portanto não foram
afinados. Por exemplo, define-se com frequência a PA entre os sociodramatistas em termos de
seus ciclos ou a PA como necessariamente composta por ciclos, mas com frequência os
encontros sociodramáticos são únicos, não permitindo ciclos de pesquisa, o que não os torna
menos participativos. Além disso, é de novo equivocado definir uma metodologia pelas suas
características de condução. Dizer que a principal característica da PA é ser cíclica é como
dizer que a pesquisa envolvendo o sociodrama é aquela que tem um aquecimento, um jogo ou
dramatização e uma discussão ou compartilhamento. Várias técnicas como o Design Thinking
(BROWN, 2008) o Creative Problem Solving (OSBORN, 1953) e outras similares se
apropriaram desta forma de conduzir sessões grupais, sem serem necessariamente
sociodramáticas. Também é apenas equivocado definir a PA pela implicação do pesquisador
70
na pesquisa ou com o grupo com o qual e para o qual se pesquisa. Como já afirmado várias
outras pesquisas qualitativas, em especial as feministas e as pós-modernas reivindicam esta
implicação, sem serem PA.
Em muitos sociodramas busca-se um recorte de algo que possa ser cuidado ou tratado
naquele encontro, encerrando-se a problemática com o fim do encontro. Enquanto isso na PA
procura-se demandas ou problemas grupais que exatamente possam ser abordados em uma
série de encontros, às vezes anos de trabalho. O que não quer dizer que não haja experiências
sociodramáticas de longo prazo, o que será abordado a seguir, quando se falar de
consonâncias.
Clareza metodológica parece ser uma preocupação maior de pesquisadores na família
de práticas que compõe a PA do que sociodramatistas. Estes últimos por vezes se limitam a
dizer vagamente que usaram a PA sem explicar com clareza quais eram os objetivos de
transformação almejados e como se deram os ciclos de pesquisa, bem como frequentemente
sem deixar claros os protocolos de análise das informações. Pesquisadores da PA por sua vez
não têm um corpo teórico único por trás de seus trabalhos, como é o caso de quem se baseia
na obra de Moreno e seus seguidores. Isto confere aos trabalhos sociodramáticos uma cola
teórica que a PA não possui.
6.4 Métodos e técnicas da Socionomia e da IC comparados
Outra área de clara semelhança entre as práticas da PA e do sociodrama é a
flexibilidade, a aceitação de diferentes formas de entrar no campo, colher dados e interagir
com as pessoas, sejam elas teatrais, em música, filme, dança, na linguagem que aquela
população trouxer.
Nota-se, no entanto algumas diferenças também claras. Os pesquisadores que usam a
IC têm protocolos menos claros para conduzir um grupo durante um encontro ou ao longo das
diversas fases de um trabalho. Pesquisadores da área sociodramática, pela sua própria
formação, são mais atentos aos procedimentos de aquecer o grupo, dramatizar ou propor jogos
para trabalhar os temas geradores e ao final compartilhar. Já os pesquisadores que usam a IC
parecem ser mais rigorosos quanto aos procedimentos de registro e processamento. Como
seus trabalhos são sempre voltados para teorização, as diretrizes sobre os estágios e ciclos da
pesquisa e sobre como foi gerado o conhecimento são mais claras.
71
6.5 Comparação do papel e habilidades do pesquisador socionômico e investigador-
cooperativo
Nem sempre sociodramatistas parecem estar preparados ou dispostos a entregar a
condução de intervenções aos públicos com quem pesquisam. Como isto, no entanto, também
varia entre as diferentes formas de IC, talvez seja uma área mais de consonância do que de
discordância. Para uma participação democrática e de coconstrução participativa do
conhecimento a habilidade de sair do controle é relevante. Atuar no papel mais de facilitador
do que de diretor permite ao grupo refletir de forma autônoma e incentiva a formação de seres
humanos cientes de seu papel corresponsável pelas mudanças.
Tanto sociodramatistas quanto investigadores-cooperativos partem do principio de
entender os sujeitos da prática como cogeradores do conhecimento. Baseado no referencial
estudado entende-se que uma área de dissonância é melhor formação do sociodramatista sobre
condução de sessões e aspectos teóricos a serem observados, enquanto que os praticantes da
IC têm propostas mais claras sobre o que é informação e qual a transformação desejada, bem
como sobre a validade e relevância de seus trabalhos, abandonando pressupostos de rigor
científico tradicionais.
6.6 Comparação da geração de conhecimento nas duas modalidades de pesquisa
De todas as formas de PA estudadas a IC é aquela que tem uma proposta mais clara
para a geração de conhecimento e análise dos achados de campo. A IC oferece esta divisão do
conhecimento de forma não cartesiana. Aceitando a presença de um conhecimento vivencial e
expressivo, dois aspectos mais sutis, sensíveis e emocionais, mas também exigindo geração de
conhecimento proposicional e prático, mais racional e observável na ação, a IC proporciona
um cardápio farto para reflexões e teorizações.
O sociodrama por outro lado tem sua riqueza no corpo teórico antes mencionado, que
serve de ponto de partida rico para a análise e discussão dos achados oriundos no campo, bem
como para a geração de novos conhecimentos.
6.7 Apresentação de achados de campo e validação na Socionomia e na IC comparados
72
No capítulo das considerações finais serão apresentadas as propostas metodológicas
que decorrem destas reflexões e da análise do trabalho que se segue. Buscar-se-á lá apresentar
a sociodramatistas como praticar uma forma de PA criteriosamente apoiada na socionomia e
ao mesmo tempo metodologicamente forte e ao mesmo tempo apresentar a pesquisadores que
usam a PA e em especial a IC a riqueza do método e das técnicas sociodramáticas e
sociométricas.
Fica neste ponto apenas o registro de que a estratégia de pesquisa com participação
dos sujeitos que mais consonâncias têm com os métodos socionômicos é exatamente a da
investigação cooperativa, que merece atento estudo dos sociodramatistas.
73
7. UM EXEMPLO PRÁTICO DE USO DA INVESTIGAÇÃO COOPERATIVA EM
COMBINAÇÃO COM O SOCIODRAMA
É chegado o momento de fazer o que Moreno sugere, de me subjetivar e me tornar
explicitamente participante, abandonando qualquer tipo de observação ou teorizações do tipo
fly on the wall e revelar como criei e penetrei em grupos. É hora de me tornar parceiro de
pesquisa de sujeitos da prática, interessado em algo que está acontecendo na prática e nos
rumos da pesquisa. Busco aqui apresentar meu diálogo interno e minhas interações com
minha orientadora, meus supervisores e apoiadores na pesquisa, ocorridos durante a
preparação de minha tese de doutorado (BIDART-NOVAES, 2012).
Neste processo, diálogos internos e diálogos externos se misturam e eu, como
pesquisador, assumi diferentes papéis em que diferentes vozes precisam ser reveladas.
Exponho aqui apenas o início de meu trabalho de doutorado, momentos de formação de um
grupo de pesquisa com o uso da investigação cooperativa, mas ao mesmo tempo entremeado
com a minha experiência e prática como sociodramatista organizacional.
Divido a apresentação a seguir em quatro partes. Uma primeira focada em momentos
do grupo, em sua história de composição e constituição no tempo, passando pelos três
primeiros estágios mencionados antes quando se introduziu a IC. Este trecho relata um
primeiro estágio de início do grupo em parceria com alguns dos copesquisadores, em que se
define o foco ou tópico da pesquisa e o tipo da mesma, se informativa ou transformativa e em
que se adotam planos de ação inicial. A seguir, como segunda parte, será apresentado muito
brevemente o início do segundo estágio de pesquisa, o da ação propriamente dita, durante a
qual se dão as experiências a serem exploradas e durante o qual os sujeitos da prática
selecionam os aspectos que tem a ver com o foco da investigação. Este estágio foi conduzido
com gestores de uma empresa de hotelaria, como parte de trabalho de doutorado. A terceira
parte do trabalho aqui apresentado é o terceiro estágio proposta pela IC, aqui na forma apenas
das minhas reflexões. Como antes afirmado é estágio imerso no segundo estágio, que me
permitiu manter em suspenso preconcepções e me manter aberto para a experiência, ações e
mudanças de rumo que pudessem ser necessários durante a investigação. Isto significa que
apesar da nomenclatura segundo e terceiro estágios estes se entrelaçam e acontecem
concomitantemente.
O quarto estágio, o de geração de conhecimento teórico é aqui exposto na qualidade das
reflexões sobre os aspectos metodológicos que permearam o trabalho.
74
7.1 Os momentos do grupo – Uma narrativa linear
Tenho certa experiência com pesquisa-ação, que me foi proporcionada pelos meus 18
meses de trabalho com as bordadeiras da Cratera da Colônia durante meu mestrado
(BIDART-NOVAES et al, 2009) e agora ampliada pelos outros 18 meses com os gestores da
cadeia hoteleira com os quais desenvolvi meu doutorado (BIDART-NOVAES, 2012). No
primeiro trabalho encontrei um grupo no qual algumas mulheres já se conheciam, certa
identidade geográfica comum, uma identidade religiosa que se revelou em certos momentos.
No segundo trabalho o grupo surgiu depois do primeiro estágio da pesquisa, sendo que no
início tudo era caos e ambiguidade para mim como pesquisador.
7.1.1 Primeiro estágio: Constituição do grupo e foco do trabalho
Neste momento de reflexão e reconstrução preciso reencontrar as colas, as pequenas
certezas, aquilo em que me baseava para dar início ao trabalho. Sabia que a instituição no
âmbito da qual eu fazia meu trabalho de doutorado exigia que o mesmo fosse conduzido
dentro de uma organização com fins lucrativos. Isto não está escrito em nenhum manual, ou
no regulamento da universidade, existem, no entanto regras informais e rígidas neste sentido.
Um começo ligeiramente caótico do trabalho é típico de trabalhos de PA em suas
diversas modalidades e pode causar angústia no pesquisador e seus orientadores. Mais uma
vez, como em processos anteriores, precisei ter calma e confiança, assegurando à minha
orientadora que avançaríamos a tempo. Decidimos pela proposta de enviar em parceria com a
empresa de consultoria com a qual trabalho uma mala direta a mais de 3000 gestores de RH,
enfatizando se tratar de um grupo de pesquisa sobre educação para a sustentabilidade, baseado
em IC e sem custo para os participantes e com objetivos a serem definidos pelo grupo.
Mais de 60 pessoas confirmaram presença para este encontro inicial. Destas precisei
filtrar aquelas que após contato se revelaram “em busca de emprego” ou que desejavam estar
no grupo “só para fazer contatos”. A regra era que só estariam presentes gestores de
organizações, mas acabei flexibilizando para estagiários muito interessados no tema e pessoas
que se mostraram vibrantes com o assunto. Formei então o grupo inicial de pesquisa de 36
pessoas, com integrantes de empresas das mais diversas áreas de atuação e com formação
acadêmica extremamente diversificada.
A maioria dos participantes, mais de 50%, trabalhava em áreas ligadas a
desenvolvimento do potencial humano nas empresas, com seus diversos nomes, Recursos
Humanos, Gestão de Pessoas, Educação Corporativa, Desenvolvimento de Lideranças,
75
Desenvolvimento Humano e Desenvolvimento Organizacional. Algumas delas (ou deles), em
torno de 30% eram das áreas chamadas de Responsabilidade Social, ou Socioambiental,
Relações com a Comunidade ou Marketing Institucional. Os demais vinham de áreas como
Marketing, Comunicação e até uma pessoa era do contencioso de um escritório de advocacia.
7.1.2 Aquecendo o grupo antes de um encontro
Estas pessoas que se inscreveram e desejavam participar do encontro inicial tinham
suas dúvidas e medos, da mesma forma que eu, o iniciador do projeto. Não há espaço aqui
para que eu coloque todos os e-mails deles, mas apesar de serem expressões escritas,
revelavam a fase do caos, ou da indiferenciação como preferem outros. De forma sintética, em
um único e-mail de resposta aos anseios dos possíveis participantes, abordava os seguintes
pontos: (1) procurava tranquilizar o grupo sobre a carga de trabalho e e-mails; (2) confirmava
que era um trabalho gratuito desenvolvido no âmbito de meu doutorado; (3) comprometia-me
com um prazo máximo de dois anos; (4) apresentava a mim e à minha orientadora e; (5)
Esclarecia o papel da empresa de consultoria que havia cedido espaço, material e seu acervo
de jogos e vivências sociodramáticas em T&D para o nosso grupo. Também informava o
grupo sobre a criação de uma comunidade virtual de interesse específico que teria o propósito
de facilitar a troca de experiências e geração de conhecimento em rede. A ideia da mesma era
me facilitar ao não me obrigar a mandar todos os textos por e-mail para todos e para cada
novo membro.
Procurei também antes mesmo do encontro, aquecer as pessoas sobre o tema. Fiz isso
estimulando os inscritos para o encontro a deixar em uma página da internet criada para o
grupo a deixar sua compreensão sobre sustentabilidade, sem nenhuma apresentação prévia do
tema de minha parte. A maior parte das definições apresentadas nesta fase era oriunda de uma
conserva cultural sobre sustentabilidade, lugares comuns sobre pensamento voltado para o
futuro e poucas eram criativas e a meu ver ‘fora da caixa’. De um total de 25 definições
apresentadas no aquecimento do grupo, coloco abaixo apenas seis exemplos de definições
tradicionais e três das que considero criativas:
1. É pensar e agir a longo prazo, refletindo a respeito dos impactos de cada ação
realizada.
2. Está relacionada ao tripple bottom line: viver, produzir, levando em conta os
aspectos sociais, ambientais e econômicos.
3. Equilíbrio entre os aspectos social, ambiental e econômico respeitando as pessoas, a
sociedade e o meio ambiente.
4. O meu ponto de vista, sustentabilidade é qualquer atitude ou ação que apóia a
preservação do nosso planeta.
76
5. Para mim sustentabilidade é trabalhar, produzir, inovar, desenvolver tecnologias,
desempenhar qualquer atividade hoje, sem comprometer a perspectiva de que as
gerações futuras também poderão fazê-los. Logo, sustentabilidade tem ver com a
continuidade: ambiental, social, cultural e econômica.
6. É uma forma de administração empresarial que leva em conta, não somente o
crescimento do negócio, a geração de lucro, mas também todos os fatores que estão
em volta da empresa: sociedade, meio ambiente, comunidade local, enfim, é um
modo de pensar sistêmico e coerente com as demandas do mundo atual.
Estas três definições abaixo podem ser consideradas mais criativas, ou ‘fora da caixa’,
representando expressões menos ‘congeladas’:
1. Quando ouço a palavra sustentabilidade, tenho a sensação de tentar aplicar,
desenvolver e manter algo novo. É como ter uma ideia nova, brilhante, que possa vir
a favorecer a todos. Algo positivo e diferente que ainda está no processo de criação,
onde se tem a intenção de não se deixar perder no tempo, buscar critérios, estudo e
discernimento para sua permanência, sem perder a essência principal da ideia na
sociedade.
2. Um conceito em permanente construção para mim. A união de saberes locais com
saberes globais para garantir a permanência da raça humana sobre o planeta e do
planeta em si com toda a riqueza de suas espécies e culturas.
3. Sustentabilidade é equilíbrio, respeito e ética.
7.1.3 Aquecendo um grupo amorfo de forma presencial
Chegou o grande dia para mim. Estava ansioso e isto se manifestava de forma física,
emocional e mental, me mostrando claramente que a indiferenciação ou caos é também do
diretor psicosociodramático. Estômago revirando, medo de entrar em cena, cabeça acelerada.
Quantas pessoas viriam de fato? Muita gente dizia que as pessoas faltam a encontros de graça.
Medo de que acontecesse algo aos carros das pessoas na rua, apesar de termos pago um extra
para que o vigilante do dia ficasse até mais tarde. Minhas ideias se revelariam proveitosas e
gerariam continuidade do grupo? Delineava-se um rico ambiente de sentimentos, que nem
sempre pesquisadores revelam e admitem estar trazendo para seus campos de pesquisa. Estes
sentimentos surgiam por causa de minha implicação com o grupo e com o tema a ser
pesquisado.
Passei a usar meus conhecimentos de sociodrama para facilitar o encontro. Meu
objetivo era compreender de forma cooperativa o que significava sustentabilidade para aquele
grupo naquele momento, as percepções e papéis de cada um neste contexto, sem esconder isto
do grupo.
Minha curiosidade era exatamente se o grupo iria trazer algo novo além das definições
pasteurizadas depois de aquecido e colocado em ação. O início do encontro foi um
aquecimento que costumo chamar de “coquetel”. Todos com copos de refrigerante ou água na
77
mão, andando pela sala, encontrando pessoas que não conheciam e ouvindo suas expectativas
para o encontro, realizando o que eu havia descontraidamente chamado de “entrevistas”. Após
este bate papo relaxado fiz o primeiro levantamento de expectativas, do qual surgiram alguns
temas principais, abaixo exemplificados:
Encontro 1 - EXPECTATIVAS DO GRUPO (25/02)
Todo mundo veio de coração aberto para entender o propósito do grupo (a expressão
coração aberto apareceu duas vezes(.
Troca de ideias e experiências. (a expressão trocar apareceu três vezes).
Ver sustentabilidade na prática e não só na teoria. Buscamos ideias para aplicar no
trabalho, trazer sustentabilidade para a vida dos funcionários (a questão da
aplicabilidade apareceu 5 vezes).
Este compartilhamento inicial de expectativas foi registrado por uma colega de grupo
de Psicodrama. Revelou um grupo em busca de aplicabilidade prática e com vontade de trocar
e compartilhar. Outra colega foi incumbida de um registro não linear, registro este carregado
com a subjetividade dela, enriquecendo minha visão sobre o grupo.
7.1.4 O diálogo como atividade dramática para grupos amorfos.
Moreno usa a expressão de grupos amorfos para aqueles que se encontram pela
primeira vez, sem que os integrantes se conhecessem antes. A atividade proposta foi a de que
em grupo fosse criado um jornal expondo o que as pessoas daquele grupo acreditavam que era
sustentabilidade. Este tipo de atividade esconde do pesquisador o que está sendo dialogado
durante a construção das ideias pelo grupo. Dá, no entanto, extrema autonomia para que o
grupo entre si e com confiança exerça o diálogo, assuma e represente papéis. Isto neste
momento é importante porque pesquisadores representam de certa forma a autoridade e o
poder instituído. Poder conversar entre pares sem interferência externa dá ao grupo a
possibilidade de construir a coparticipação, a confiança e a união grupal.
A atividade também provocava em mim as primeiras reflexões. Como me tornar
realmente participante e não um mero observador das atividades? Neste momento optei por
uma participação mais subjetiva, que se resumia a passar rapidamente por cada grupo e
mostrar claramente que estava a escutar de forma totalmente imersa. Mais adiante, no
compartilhar, minha atenção era para evitar julgar o que havia escutado dos grupos.
A maioria dos participantes dentro dos grupos parecia falar de obrigações e culpas das
organizações. Eu me perguntava ao mesmo tempo se eles refletiriam sobre a sua
corresponsabilidade, sobre o individual. Cada um é responsável? Pode ou deve fazer algo?
Tem que fazer algo? Refletia sobre eles e sobre mim mesmo. Vou poder fazer um trabalho
78
sobre sustentabilidade sem modificar meus hábitos individuais? Não tenho a menor ideia de
onde vêm minhas roupas, minha comida... Gasto luz e água sem pensar... Mas será que
sustentabilidade é isso? Economizar recursos? Em um mundo que cresce alucinadamente?
Confusão... Confusão é bom, pois é o que moverá muitas de minhas reflexões posteriores.
Imagem 1 – Grupo de Estudos em Educação para a Sustentabilidade – 25.02.2010
Imagem 2 – Grupo de Estudos em Educação para a Sustentabilidade – 25.02.2010
79
O mais relevante aqui, pela proposta de construir ideias metodológicas é apresentar
como o conhecimento foi construído. Neste momento do trabalho a construção de
conhecimento com o grupo se deu a partir das imagens acima, bem como sobre o conjunto
delas escolhido pelo grupo, sobre o qual cada um dos grupos e integrantes individuais então
compartilhou, quando desejavam.
7.1.5 Compartilhamentos
O momento acima revela o que Heron (1996) chama de conhecimento expressivo e foi
o gancho para o compartilhamento. Os jornais expostos acima se tornaram objetos
intermediários para a revelação de aspectos até então não explicitados sobre uma
compreensão de sustentabilidade social e coletiva. No jornal da esquerda, na imagem 2 acima,
a figura central escolhida para representar a dúvida é um ponto de interrogação na forma de
um gigantesco arranha-céu. No outro jornal da imagem 2, está no centro o Brasil em forma de
mapa e cercado de outras ideias. Figuras escolhidas e representações criadas pelo grupo, com
as quais o grupo depois se depara para refletir e compartilhar sobre suas escolhas e rejeições.
7.1.6 Registros e processamentos
Ainda sobre o primeiro encontro, é importante relatar que havia duas colegas de curso
de Psicodrama registrando, uma com a incumbência de registrar linearmente o que ocorresse e
outras com toda liberdade para expressar subjetivamente o que entendia que ocorria. A visão
da primeira me serviu para exercitar a técnica da memória radical, me recordando sensações e
sentimentos ocorridos durante o encontro. Já a visão da segunda sobre o compartilhamento
grupal, me informou muito sobre as sensações e percepções do grupo, com a inclusão da
subjetividade de uma terceira pessoa.
Em determinado momento, durante a leitura dos cartazes, ficou para mim a
impressão de que houve a tentativa de direcionar o resultado, a leitura. Neste
momento o grupo se retraiu.
O objetivo do exercício parecia ser definir a missão do grupo, mas em determinados
momentos o tema solicitado parecia ser o que cada um acreditava que deveria
pesquisar.
Apesar de ter sido solicitado que se reunissem e refletissem sobre as questões: como
e por onde começar / como implementar a sustentabilidade nas empresas / como
sensibilizar as pessoas. o grupo estava desaquecido para a atividade e talvez até
resistindo em discutir sobre elas. Alguns participantes insistiram em fazer
colocações a respeito das empresas nas quais trabalham, ou seja, o grupo pareceu
voltar ao “individual”, com cada um insistindo em colocar sua opinião e não mais de
construir ou participar em grupo.
80
Após a apresentação do que foi discutido em subgrupos e a retomada quanto às
perguntas, lentamente o grupo voltou a se reunir. O grupo parecia ter percebido algo
mais concreto. Creio que estas etapas foram importantes para resgatar o grupo.
Fiquei com a sensação de que neste primeiro encontro seria importante ter
esclarecido em maior profundidade o objetivo da formação do grupo e da
participação de todos. O trabalho como um todo, na minha percepção foi positivo.
As observações da minha colega foram fundamentais para meu crescimento, para
minhas reflexões e para minha mudança de postura. Precisava confiar na sabedoria do grupo,
mesmo estando dirigindo um grupo que tinha como objetivo o meu doutorado. Não podia por
isso assumir um papel excessivamente diretivo e condutor, ou deixaria de dirigir uma
pesquisa sociodramática na qual os temas, anseios e soluções partissem do grupo.
O segundo encontro ocorreu em local diferente do primeiro em local cedido por uma
das empresas participantes. Pessoas aquecidas contribuíam por e-mail, indicando sites e
notícias. Prosseguíamos, participando e investigando já de forma colaborativa. Neste encontro
apresentei na íntegra um filme, Escritores da Liberdade e como grande conclusão do encontro
surgiu a necessidade de superar divergências de ‘gangues’ e partidos para trabalhar para
‘passarmos de ano’.
Começamos a preparar o terceiro encontro. As pessoas continuavam interessadas e
enviando contribuições. Um sugeria um site, outro que participássemos da campanha de
desligar as luzes. Outras ações e propostas foram colocadas por mim e todas estas mantidas no
site. Alguns dos integrantes do grupo pareciam já estar bem familiarizados com a metodologia
colaborativa de pesquisa. Por trás da animação, alguns membros mostravam os motivos que
os fariam mais tarde desistirem do trabalho. Falavam de auditorias exaustivas nas empresas
em que trabalhavam, trabalhos a serem entregues nos MBA´s de sustentabilidade e outras
razões. Atendendo ao pedido de uma das participantes apresentei perguntas para o grupo. O
próprio grupo em um movimento participativo e cooperativo fundamental para que uma
pesquisa possa ser classificada como tal, definiu a data do próximo encontro.
Minhas perguntas e o exemplo de como os participantes reagiram está aqui:
Bom dia Marcos, tudo bem? Gostei muito da proposta de trabalho para o próximo
encontro, seguem as minhas possibilidades de atuação:
Pergunta do Pesquisador (P): O que cada um pode fazer em seu entorno? Sem
pressões, sem incômodos, confortavelmente.
Resposta do participante (R): Oferecimento de palestras, discussões e treinamentos
sobre o tema sustentabilidade, fomento à iniciativa de projetos como: coleta
seletiva, economia de energia elétrica e água, reciclagem de óleo de cozinha.
P: Onde pode fazer? Sem ser pressionado, sem sofrer represálias, sem desconforto.
R: Empresa, Comunidades, Escolas.
P: Como pode fazer? Sem interferir indevidamente, sem causar problemas, só
gerando soluções
81
R: Penso em formar grupos de apoio junto aos focos de ação, a partir dos quais a
ações serão realizadas. Estes grupos serão formados, treinados e preparados para
tornarem-se multiplicadores nos locais onde atuarão.
P: Quanto custa? Pode fazer algo de graça? Pode pesquisar, ensinar, transformar?
R: A princípio custo zero dado que os principais insumos sejam tempo e pessoas
voluntárias, como eu. Contudo, se considerarmos a utilização de folders, panfletos
e outras mídias podem incorrer custos sobre o projeto, contudo neste momento não
tenho estimativas... Tenho disponibilidade para pesquisas e divulgação de ideias e
conceitos relacionados ao tema, bem como para participar de projetos já existentes.
P: Com quem você vai fazer? Quem será seu grupo fora do grupo?
R: Na empresa posso formar grupos de interessados, imagino que tenhamos por
aqui algo em torno de 10 pessoas interessadas em participar de palestras e
workshops. Também há em torno de quatro pessoas interessadas em atuar como
voluntários. Além do ambiente-empresa, tenho amigos pessoais dispostos a
atuar como voluntários.
Abraços, A.
O trecho acima sugere que o participante já estava aquecido e pronto para criar novos
comportamentos e intervir na sua realidade profissional, levando as aprendizagens dos
encontros psicosociodramáticos para o seu contexto profissional e social. Mostra também o
impacto que sessões de cinema antecedidas por um aquecimento, com um compartilhamento
reflexivo em seguida, e concluídas pela formulação de planos de ação, têm nas
transformações da realidade.
Na preparação para este próximo encontro outra participante enviou um texto que seria
decisivo para muitas das ações e reflexões posteriores, também mostrando o afirmado acima.
Não vou transcrever todo o texto enviado por e-mail aqui, apenas a parte que serviu de nova
pista e arranque para o grupo, tanto em termos de reflexos quanto de ações.
Olá, Marcos! Assisti "Escritores da Liberdade" no final de semana e, já pensando
nas perguntas lançadas para nosso próximo encontro, segue um artigo interessante
que também poderá nos ajudar a refletir... Um abraço, M.
O negócio da sustentabilidade / Ideia Socioambiental - 08/04/2010 - 16:06:35
Três grandes barreiras impedem a ação decisiva corporativa:
- Gestores sentem falta de uma base comum para direcionar questões relevantes para
suas companhias e indústria. Mais da metade dos entrevistados no grupo de líderes
apontou a necessidade de estruturas melhores para entender a sustentabilidade.
- Como mencionado anteriormente, as companhias não compartilham uma definição
comum ou linguagem para discutir a sustentabilidade.
- A meta para ações é frequentemente definida de forma fraca e não coletiva dentro
da organização. E frequentemente não há entendimento de como medir o progresso
uma vez que as ações são tomadas.
Até aqui, no terceiro encontro , muitos e-mails haviam sido trocados, mantendo o grupo
aquecido e criativo. Ocorriam por parte de vários dos interessados manifestações importantes
para mim, que lido com encontros e com aspectos teóricos da PA e da IC. Entre estas
82
reflexões algumas sobre a possibilidade ou não de trabalharmos à distância, via skype,
webcam, msn etc. O Encontro 3 se realizou então e seguindo os pedidos do grupo coloquei
depois no site a síntese no mesmo bem como o referencial teórico que norteava minhas
reflexões, cumprindo a minha obrigação como pesquisador de apresentar o pano de fundo de
minhas ideias ao grupo, devolvendo ao grupo o conhecimento gerado por ele.
Pouco tempo depois, em maio, realizou-se o quarto encontro do grupo, no qual
apresentei de forma mais aprofundada a metodologia da IC e contei ao grupo presente que
havia se aberto uma porta no campo para nosso estudo, na Hotelaria Brasil. Os aspectos
metodológicos também foram, portanto apresentados e debatidos com o grupo.
Iniciou-se então um novo ciclo de pesquisa com os gestores da Hotelaria Brasil. Fica
aqui um breve registro de como se iniciou este novo estágio transformativo de pesquisa.
7.2 Segundo Estágio: Ação Transformativa
O novo estágio iniciou-se com um encontro com parte dos gestores da cadeia
hoteleira, a Hotelaria Brasil, que possuía em 2012 oito empreendimentos hoteleiros. Neste dia
não estavam todos os gestores presentes, apenas os dos empreendimentos mais próximos. A
fim de apresentar o que ocorreu de forma mais sintética de modo a que o que ocorreu no
segundo estágio e no terceiro faça sentido, serão apresentados os processamentos das sessões.
Estes foram feitos por mim, sem ajuda de auxiliares e registrados em parte no momento em
que ocorreram e também logo depois.
7.2.1 Aquecendo um grupo que já se conhecia em seu local de trabalho
Ao contrário do grupo inicial, neste os participantes já se conheciam, estavam felizes
em se reencontrar e as atividades puderam ser mais focadas e diretas, atendendo anseios do
próprio grupo. O encontro aconteceu em 27 de maio de 2010 em uma das unidades da rede. A
primeira atividade consistiu em um aquecimento cognitivo. Provoquei uma reflexão
individual sobre como será a realidade daqui a vinte anos. Os principais pontos levantados
foram a preocupação com a saúde e a qualidade de vida; aspectos financeiros como a
aposentadoria; outros ligados ao contato com a natureza, como estar no meio do mato; ainda
outros participantes admitiam não conseguir imaginar o futuro.
Alguns comentários do grupo após o aquecimento eram do tipo: “Se a gente não
começar a fazer alguma coisa agora, não teremos nada disso”. “Esse movimento já começou a
83
ser feito pelas pessoas que tem educação”. “Algumas pessoas já cuidam disso”. “Temos que
ter visão de futuro, pois a expectativa de vida aumentou”.
7.2.2 Facilitando encontros em grupos que se conhece: diálogos e proximidade
Em seguida trabalhei novamente com a construção de jornais, para poder perceber
diferenças entre as construções com grupos amorfos e grupos já constituídos.
ATIVIDADE 2: Cartaz e Discussão em grupos
Grupo 1: Formado por 8 pessoas: discussão mais emocional, com muitas risadas.
Mulheres animadas, numa discussão calorosa e inquieta e os homens mais passivos,
mais quietos e observadores. Escolheram todos juntos as figuras, trabalhavam em pé
e andando pela sala.
Grupo 2: Formado por 6 pessoas: discussão mais formal, seguindo uma linha de
raciocínio, todos sentados. Cada um escolheu uma figura e explicou para o grupo o
porquê da sua escolha. Todos falavam baixo. (A presença do diretor da empresa, no
grupo pode ter influenciado?)
Grupo 1 Grupo 2
Imagem 3 – Encontro 1 da Hotelaria Brasil
A seguir, como no primeiro encontro, os grupos apresentaram seus cartazes e
compartilharam sobre o que haviam construído em seguida. Abaixo a apresentação de cada
um dos grupos e suas expressões.
Grupo 1: Uma pessoa falou, representando todo o grupo. Escolheram figuras que
representam eixos que entendem sobre Sustentabilidade Ambiental / Social /
Religioso - Espiritual, lado humano, respeito, memória. Fome.
Grupo 2: Cada um falou um pouco sobre a sua figura. Ética: sustentabilidade passa
pelo indivíduo no grupo. Não temos que fazer o que for melhor para nós, temos que
priorizar o grupo. Qualidade de vida: Daqui a 20 anos, quero poder usufruir o que eu
plantei. Será que teremos sustentabilidade sem perder a história? Será que os rios
estarão limpos? Os prédios antigos têm que ser readaptados. É preciso saúde para
desenvolver trabalhos. Eficiência: A gente vai deixar de usar energia fóssil para usar
energia elétrica? Qual a fonte desta energia? Existem os interesses políticos; quem
se beneficia com isso? Recursos Naturais: Como fazer tudo isso sem degradar os
recursos naturais? Que atitudes devemos tomar para manter esses recursos intactos?
84
7.2.3 Compartilhamentos
A atividade foi então analisada e discutida pelo grupo no compartilhamento, a partir da
minha pergunta sobre como foi o trabalho e o que havia surgido durante a atividade? Algumas
expressões foram: “Diversidade dos interesses”. “Compartilhar ideias”. “Estar aberto para o
que o grupo tem a dizer. Acrescentar ideias e objetivos”. “Cada um tem uma ideia sobre o
assunto, uma ideia sobre o tema, que é muito amplo”. Evidenciava-se a contribuição
sociodramática para uma maior clareza sobre a complexidade do tema e um afastamento das
ideias pré-concebidas iniciais.
O grupo chegou à conclusão de que as ideias representavam diferentes visões, que
passaram a chamar assim:
Grupo 1: Visão Green Building:
Tendência de mercado na construção civil, com reaproveitamento de água,
iluminação natural, economia de energia.
Econômico: um projeto tem que se sustentar economicamente
Social + Ambiental: pessoas interagindo, manter o ecossistema
Velocidade de informação: internet, ver os que os outros entendem e estão fazendo
por sustentabilidade.
Grupo 2: Visão Mad Max:
Visão de futuro de 30 anos atrás.
Corremos o risco de lutar pela sobrevivência e pelos recursos.
Estão ocorrendo e vão ocorrer mais desastres naturais ligados ao aquecimento
global.
Estas concepções formuladas criativamente já evidenciavam uma construção teórica
do próprio grupo, apenas facilitada por mim. A partir destas visões perguntei ao grupo o que
eles sentem vontade de aprender, explicitando que na minha visão aprendizagem e mudança
estão diretamente relacionados, pois a única demonstração de que alguém aprendeu algo é na
ação. Algumas das frases foram:
Tudo o que pode ser usado em casa. Como economizar água, onde jogar a pilha?
A base das pessoas que trabalham com a gente não é bem formada. Elas não têm
noção de higiene, de separar material reciclado. Temos que ensinar essas pessoas .
Disseminar a ideia para a população em geral, para a massa que faz mais sujeira.
São poucos os lugares que reciclam lixo. O governo tem que ter uma forma que
facilite isso.
De que forma eu evoluo de uma maneira inteligente? As pessoas aprendem com os
erros. Talvez a gente perceba que poderia ter feito melhor e de outra forma.
A cidade de São Paulo cresceu desgovernada; é uma potência, mas não tem
qualidade de vida. Minha casa vai virar depósito (de lixo reciclável)?”.
85
Aprendizado é só informação? Como avaliar, reter e desenvolver esta ideia?
Reciclagem, por exemplo: todos sabem que tem que reciclar. E daí? A pessoa leva
isso para casa, para a comunidade?.
Percebi dois tipos de questionamentos, um estratégico e um operacional.
Estratégico: aprender a valorizar a questão da sustentabilidade para aprender a lidar
com ela no meu dia-a-dia. Hoje, eu não tenho ações de sustentabilidade. Como
pensar no futuro e levar em consideração o presente? Tenho que achar tempo para as
ações de sustentabilidade. Tempo e significado. Operacional: Quais são as técnicas
que efetivamente farão diferença no futuro? Onde a gente busca essa informação?
Quem avalia esta efetividade? Reutilizar água da chuva vai ser realmente eficiente
no futuro?
É um assunto muito novo. Como fazer com que todos façam um pouquinho? Educar
e valorizar para passar isso para as pessoas que trabalham com a gen te. Temos que
superar barreiras.
A empresa que quiser ser totalmente sustentável vai pagar muito mais caro por tudo
Precisamos ver o resultado. Para que estou fazendo isso? Que benefício traz? Para
quem?
Tem que mudar na base. Os mais pobres sofrem com as enchentes e continuam
jogando lixo nas ruas.
Duas categorias maiores de preocupações emergiram, conforme os registros acima.
Uma mostra que o foco inicial das reflexões era o externo. Os pobres tem mais
responsabilidade. Talvez um espelhamento no nível micro da disputa entre países ricos e
pobres sobre quem deve liderar o processo de mudança global em relação às emissões de
carbono e poluição em geral.
Ao serem perguntados sobre o que poderiam fazer de fato na empresa os gestores
falaram em ter um foco educacional, formulando assim: “A empresa ser sustentável e permitir
que os outros também sejam sustentáveis”. Manifestaram também preocupação sobre
empregabilidade e sustento dos empregados em caso de demissão. Lembraram também a
importância da ação local: “Atuar na microrregião em que está localizado e depois ir
ampliando as ações”. Manifestaram sua crença de que “Só de falar em sustentabilidade a
gente fica mais sensível ao tema”.
Em um compartilhamento final o grupo chegou a algumas conclusões importantes:
O grupo vai para o como muito rápido. Todos cheios de ideias e com muita vontade.
Tem vários exemplos da própria empresa, que já estão implantados, e que podemos
usar
Por ser muito complexo e envolver comportamentos das pessoas, como fazemos
para a ideia ser tornada prática? O que cada um faz hoje dentro da sua unidade que
pode servir de exemplo?
86
É viável. Experimentação não tem certo e errado.
Como palavras finais o grupo considerou que era uma oportunidade de criarem algo
juntos, que o encontro valeu a pena e que um passo foi dado.
Algum tempo depois, aproveitando um encontro semestral com todos os gestores da
rede em Guarulhos, realizou-se o segundo encontro sobre sustentabilidade, desta vez com o
grupo completo, com notas tomadas por mim mesmo:
7.2.4 Aquecimento de um grupo maior: construindo o Nós a partir do Eu e do Eu-Tu
O fato de já haver um grupo que se reuniu e a certeza de que o assunto está em
andamento fez deste segundo encontro realizado em 16/06/2010 algo que fluiu com maior
naturalidade. Por outro lado como se verá, gerou ainda maior ansiedade dos gestores por
ações práticas.
O encontro se iniciou com o grupo sentado em U, mas com um lay out tradicional,
com cadeiras por trás de mesas. Não mudei nada de início, me adequando ao espaço, apenas
me sentando no meio da roda. Apresentei-me rapidamente e contei brevemente os
antecedentes. Propus como primeira atividade a elaboração de uma linha da vida com foco em
sustentabilidade, a princípio individual. Depois cada um compartilharia com outro colega em
duplas e perguntaria em uma minientrevista o que a sua linha da vida tinha de informações e
como ela contribuía para que ela ou ele se interessasse no encontro.
Anotei a seguir as palavras-chave ligadas a sustentabilidade que apareceram em cada
linha da vida. As mais significativas em termos de frequência foram: 1) Cuidado com a
natureza (7 vezes); 2) Horta /Pomares em sítios e propriedades rurais (5 vezes); 3)
Reciclagem e reuso (5 vezes); 4) Contato com a natureza (3 vezes); 5) Cultura e raízes
culturais (3 vezes); 6) Voluntariado e preocupações sociais (3 vezes) e 7) Unir estudo,
trabalho e casa em questões ambientais (3 vezes)
A atividade evidenciou a progressão do grupo e aprofundamento de ideias, com a
inclusão da cultura e das raízes culturais, do âmbito social e de uma corresponsabilidade nas
questões ambientais.
87
7.2.5 Atividades lúdicas como ações dramáticas
Com um grupo que já se conhece fica mais fácil aplicar atividades com maior exposição
individual e, portanto, maior qualidade dramática. Optei pela atividade das paródias musicais,
na qual o grupo acaba revelando muito de seu cotidiano e de seus temas geradores, tendo que
depois ‘subir ao palco’ para apresentar a composição de sua autoria.
Música Grupo 1 – Pout pourri infantil e Jesus Cristo (RC)
Algodão quando nasce,
Vira toalhão
Se estiver pendurado
Colaborando com o mundão
O óleo brigou com a água
Dentro do encanamento
O óleo saiu poluindo
A água contaminada
Jogue o lixo (2x)
Jogue o lixo na lixeira certa
Olho para o céu e vejo fumaça preta a sujar o ar
Olho o caminho e vejo uma multidão que vai lá limpar
Sinto o cheiro de podre do lixão que vai pro mar
Peço socorro para Petrobras me apoiar
(refrão)
Parabéns pra você
Nesta data querida
Muita sustentabilidade
Muitos anos de vida
Música Grupo 2 – A festa (Ivete Sangalo)
Hoje é sustentável lá na HB
Pode aparecer vai rolar 5´s para você (bis)
Chega aí, pode entrar.
É sustentável, pode reusar á á...
Vem aí outra vez
Vem pra cá reciclar
Árvores, tudo bem?
Não mataremos vocês também.
Esta entrada em cena para cantar, mesmo que seja um material construído em outro
momento, aquece, provoca liberação da espontaneidade e provoca também uma postura
receptiva para o posterior compartilhamento. Apesar de ser uma maneira de atuar diferente
das cenas psicodramáticas clínicas, se revelou coerente com o ambiente organizacional, no
qual alguns tipos de exposição podem ter efeitos negativos para o vínculo de confiança com o
pesquisador.
88
7.2.6 Compartilhamento e Planos de Ação
Como dito antes, o grupo estava ansioso por formular planos de ação, que ganham um
caráter catártico ao canalizarem a energia do grupo para a mudança. Vários projetos foram
definidos, alguns mais estratégicos, como a troca de melhores práticas e definições de
responsabilidades e atuação de cada unidade, outros mais táticos e operacionais, como-
projetos de reciclagem, tanto na compra de produtos quanto no descarte e projetos de
economia de papel, água e luz. Também surgiram propostas para envolver as equipes e -
ganhar espírito de rede, envolvendo outras áreas e pessoas.
7.2.7 Registros e processamentos
Logo a seguir, alguns dos hotéis passaram a enviar suas ações. Estas foram sintetizadas
por mim depois em um e-mail devolutivo para o grupo. Este é um exemplo de material
processado, devolvido ao grupo com certo grau de reflexividade do pesquisador, que assim
influencia o grupo nos seus propósitos. A consolidação foi feita mantendo um conceito de
sustentabilidade em vários planos e eixos que podem e devem acontecer simultaneamente:
econômico, social, ambiental, tecnológico, cultural e político.
As ações já implantadas eram principalmente nos eixos Tecnológico / Ambiental, nas
seguintes áreas: 1) redução dos consumos de água e esgoto, com ações como vasos sanitários
dos apartamentos com água pela metade, suficiente para descargas, programa de reuso das
toalhas; 2) resíduos sólidos, como reutilização de Papel A4 impresso para rascunho, redução
do uso de comandas para o café da manhã, reaproveitamento dos envelopes do malote,
descarte correto de pilhas das fechaduras e controles remotos, coleta de óleo da fritadeira da
cozinha por empresa especializada; 3) ações ainda mais complexas e avançadas como geração
de renda a partir dos resíduos, por meio de parcerias com cooperativas de catadores; 4) ações
para redução do consumo de energia, como redução das luzes da recepção após as 23:00,
travamento dos elevadores de madrugada e digitalização dos mesmos, uso de
lâmpadas econômicas e de sensores de presença, bem como redução da iluminação artificial
em várias áreas com aproveitamento da a iluminação natural.
Vale aqui frisar a eficácia das atividades sociodramáticas e da minha atenção para
questões ligadas a aquecimento e desconstrução da conserva cultural, atenção utilizada para
manter o grupo em movimento e refletindo sobre seu cotidiano.
89
Com estes objetivos e pano de fundo teórico-metodológico em mente passei a organizar
visitas a cada unidade hoteleira individualmente. Meu objetivo era fechar este primeiro ciclo
de pesquisa e organizar uma segunda fase, seguindo as diretrizes da investigação colaborativa
e da pesquisa sociodramática. Antes das visitas tive uma entrevista com o Diretor de
Operações da rede hoteleira, para discutir o que estava sendo feito. Ele reiterou a autonomia
do grupo e a liberdade para que eles continuassem construindo uma visão de sustentabilidade
de baixo para cima, nos hotéis que aderissem ao tema.
As visitas que realizei aos hotéis da rede transcorreram de forma muito agradável e
consolidadora do relacionamento e vínculos com os gerentes dos hotéis. Procurei em cada
uma, apesar do intuito ser mais um bate-papo, fazer sempre duas perguntas, deixando o
gerente e seus assistentes discorrerem o máximo possível sobre elas. A primeira era voltada
para saber o que tinha sido feito até então sobre o tema sustentabilidade no hotel, resgatando
as conquistas. A segunda inquiria como seria o hotel dos sonhos, se não houvesse restrição de
verbas, nem de tempo e era voltada para desfazer conservas. A partir daí,em cada conversa,
articulei as ações para a próxima fase. Abaixo o relato de cada uma de forma muito sucinta:
Hotel 1:
O hotel já desenvolve controles mais eficientes de redução de cons umo de
energia elétrica e de água desde o início do projeto. Estes passam pela
conscientização da equipe e pela compra de equipamentos mais modernos, como os
chuveiros que gastam menos água, mas que se pagam rapidamente em termos de
conta de água. O dilema é a reciclagem de resíduos sólidos. Mesmo havendo uma
Lei Municipal que prevê a reciclagem, ou o destino final por meio de companhia
adequada, o tráfego de caminhões tem sérias restrições na área. Mesmo assim, latas,
papelões, cabides de roupas e outros materiais mais nobres já são reciclados.
Contribuem inclusive com verbas para as festas de final de ano e de dias
comemorativos dos funcionários, como o Dia das Crianças.
O hotel dos sonhos teria painéis solares, muito mais plantas nas fachadas, os
ainda não implantados cartões que desligam a energia dos apartamentos
automaticamente, equipes mais bem treinadas, a solução para a reciclagem de
resíduos, parcerias no bairro com outros hotéis.
Hotel 2:
Desde o início do projeto houve grande conscientização da equipe para as
necessidades sobre sustentabilidade. A equipe do hotel é, no entanto muito enxuta, o
que impede que seja escolhida uma pessoa para se dedicar a reciclagem ou outros
assuntos. O gerente se ressente de ter apresentado projetos de implantação de
energia solar para os acionistas, inclusive com estudos de viabilidade econômico-
financeira, que disseram que se tivessem os R$ 45 mil necessários, construiriam
mais uma sala de eventos.
O hotel dos sonhos teria um estacionamento verde em vez de asfaltado,
paredes verdes, painéis solares e reuso da água. O hotel usa água de um poço
próprio, mas esta depois é descartada. Teria também algum tipo de parceria com
cooperativas de reciclagem de Jaguariúna. O gestor, no entanto lembra que a
existência das mesmas depende do apoio do poder público que em prefeituras
passadas foi dado e agora parece não existir mais.
90
Hotel 3:
Hotel bastante avançado no tema, talvez pela inserção regional que tem ou
pela consciência do gestor. A assistente de gerência está muito envolvida,
aparentemente a equipe também. Esforços constantes vêm sendo feitos para reduzir
o consumo de água e de energia elétrica, conforme os e-mails anteriores. Uma
parceria com uma cooperativa de coleta seletiva de resíduos foi estabelecida.
O hotel dos sonhos faz os olhos brilharem. Um estacionamento cheio de
árvores, painéis solares, reuso de água, equipes bem treinadas, hóspedes envolvidos,
parcerias com a UNICAMP e com órgãos locais. Um dos hotéis mais participativos
da rede.
Hotel 4
Esta unidade da rede é a mais sobrecarregada pela realidade hoteleira. Um
hotel que não dorme, tripulações e passageiros de vôos cancelados ou de escalas de
vôos nacionais e internacionais chegam em plena madrugada. A equipe do hotel
parece ainda não ter podido absorver o tema sustentabilidade, as ações são poucas,
nada está sendo feito em termos de ações efetivas para reduzir o consumo de água e
energia ou de reciclar resíduos, quem diria em assuntos mais profundos.
Até sonhar parece difícil e necessita um pouco de estímulo meu. Por incrível
que pareça o membro da equipe que se mostra mais interessado no assunto é um
gestor financeiro que já trabalhou em outras unidades da rede.
Hotel 5
O hotel tem uma equipe muito reduzida, apesar disso o gerente tem feito
todos os esforços possíveis para se dedicar ao projeto. O foco de sua atuação tem
sido o envolvimento da equipe de camareiras, arrumadeiras e de manutenção em
torno de economia. Ressente-se da possibilidade de algum tipo de atuação na área de
resíduos sólidos. Da mesma forma que no Manhattan, pode até reciclar, mas
depende da boa vontade de um senhor que recolhe os resíduos, pois não há coleta
seletiva implantada pela prefeitura.
O hotel dos sonhos teria parcerias com consultores, coleta seletiva, energias
alternativas, parcerias profundas com a prefeitura e as grandes empresas da região,
como grandes bancos da região.
Dois grandes temas geradores ainda não resolvidos e congelados surgiram em todas as
conversas: a relação com os acionistas e a questão de como lidar com resíduos sólidos e
reciclagem. Isto me levou a encerrar a primeira fase ou ciclo deste segundo estágio da
pesquisa e propor o início de um segundo ciclo. Temas em um trabalho de IC, como em
muitos de PA surgem no campo e na ação e são submetidos ao grupo na hora ou
imediatamente após os encontros. O grupo se compromete com ações e os mesmos temas
surgem mais à frente para que o grupo possa refletir sobre o que fez e como pensa sobre
aquilo agora, decidindo sobre novas ações.
7.3 Terceiro Estágio: Os momentos do pesquisador - Uma narrativa reflexiva
Este é o estágio de reflexão do pesquisador sobre o que percebi surgir do grupo, e
sobre minhas reflexões sobre o uso da socionomia na pesquisa. Neste tópico fujo de reflexões
teóricas mais aprofundadas sobre temas como a sustentabilidade socialmente construída e o
significado do trabalho como base para o desenvolvimento de competências e outros, que
91
eram foco de meu doutorado. Irei aqui refletir e teorizar como me comportei e como o grupo
interagiu com o mundo mediado pela metodologia socionômica, para que isto sirva de
elemento para construir as reflexões finais.
Meu trabalho e minha atuação no campo estão afiliados a que linha epistemológica e
ideológica? A quem sirvo como pesquisador? Que propósitos estão por trás de meu trabalho,
claros e velados? Se estas são algumas das perguntas que norteiam a parte teórica de minha
análise e discussão da obra de Moreno e da IC, entendo que sobre estas devo aqui me
debruçar intelectualmente e como sugere Heron, emocionalmente. É um momento também
para analisar aspectos metodológicos em si, quando fui feliz ou não ou quando eles me foram
úteis ou não.
Julgo-me um sociodramatista organizacional orientado por uma postura
socioconstrutivista e humanista-crítica. Esta auto rotulagem nem sempre é fácil para mim.
Muitos dos trabalhos que realizo no âmbito de minha atuação em organizações são
aparentemente funcionalistas, encomendados pelas áreas de treinamento e desenvolvimento
das empresas, que muitas vezes partem de tendências da moda e leituras de ‘gurus’. O espaço
para levar grupos a críticas e reflexões profundas é restrito, mas possível, pois os objetivos
finais dos trabalhos, de coesão e integração grupais são predeterminados. Pergunto-me, no
entanto, se mesmo sendo um médico, os ‘experimentos’ de Moreno na instituição do Hudson
não tinham este caráter integrador e de observância dos anseios do ‘contratante’. Apesar da
aparente impossibilidade nos trabalhos lá realizados para que o grupo lidere totalmente a
investigação, houve certa autonomia para decisões, como afirmado por Contro (2011). Era, no
entanto impossível para o grupo, com o apoio do pesquisador decidir por uma revolta ou por
uma fuga em massa da instituição como solução para o problema, uma decisão que, se
contasse com apoio do pesquisador, caracterizaria um trabalho do tipo emancipatório
característico da PP.
A escolha da metodologia da IC provoca uma sensação de estar um pouco ao sabor do
vento. Entenda-se isto não como falta de rigor, mas como subserviência em determinados
momentos aos desejos do grupo, em termos de destinos da pesquisa, sobre quem fica e quem
sai do grupo e como novas pessoas que se incorporam à rede sociométrica. Ocorreram
decisões do grupo até sobre novas formas tecnológicas desta rede se montar, como o tempo
foi mostrando. Este me deixar levar pelo grupo, me permitiu trabalhar com um grupo de 30
gestores de diferentes organizações, dos quais cinco continuam ativos no trabalho com os
gestores hoteleiros. Depois trabalhei com os 15 gestores da rede hoteleira e com diversos
gestores de flats e hotéis de médio porte da região dos Jardins em São Paulo. Isto me permitiu
92
olhar para o bairro com novos olhos e conhecer novas pessoas, invertendo papeis com elas ao
escrever e refletir. Esta possibilidade faz sentir um calor gostoso no peito, uma sensação de
que o segredo estava debaixo do travesseiro. Pensar globalmente e agir localmente, um velho
chavão, mas que resume a questão da possibilidade do ser humano como indivíduo fazer
transformações em larga escala a partir de microtransformações.
Liberdade de se deixar levar pelo grupo e por pequenas intuições não significa total
autonomia. Meu trabalho já começou com restrições impostas pelas necessidades acadêmicas.
Na universidade em que estudava à época não há a possibilidade de se fazer estudos sobre
ONG´s. A ideia de trabalhar todo o tempo com um grupo amorfo também não era bem-vinda,
de modo que ter uma organização na qual trabalhar ou um grupo de gestores de uma mesma
área não se pode dizer que é algo que surgiu espontaneamente.
Fico feliz comigo mesmo de poder dizer que trabalhei no meu bairro. Vejo tantos
pesquisadores omitindo que estão pesquisando na escola em que trabalham e que o grupo foi
escolhido pelo fácil acesso. Acessibilidade do grupo não é vergonha e se esforçar para
encontrar o campo de pesquisa também não. Só provoca viés, mas viés existe em qualquer
pesquisa, até nas quantitativas mais hard core. A luta por eliminar o viés por vezes mata a
alma também, em especial nos settings psicosociodramático.
O fato de ter seguido a sugestão moreniana de compreender os integrantes do grupo de
pesquisa como cocientistas e coprodutores do projeto experimental, também é motivo de
satisfação pessoal. “Isto pode significar que o bravo mundo dos homens precisa ser não
apenas compartilhado, mas também coproduzido; isto é, deve ser criado não apenas por um
ou por poucos gênios, somente; mas sim pelo esforço de todas as pessoas” (MORENO, 1992,
p. 137). Mesmo que o nível reflexivo e o nível emocional que ainda estejam longe do que
gostaria de tocar, os sujeitos da prática estão pesquisando e produzindo o conhecimento e
decidindo os rumos da pesquisa junto comigo e na medida do possível provocando mudanças
em sua realidade enquanto pesquisam. Pode não ficar absolutamente claro na leitura linear,
mas muitos dos momentos importantes e insights foram proporcionados por textos enviados
por elas e eles e comentários feitos por elas e eles. Fiz questão de sempre deixar isto
registrado e agradecer, caracterizando o caráter social e de construção cooperativa do que
estávamos fazendo. Isto teve o efeito de que algumas pessoas que nunca estiveram no grupo
ou haviam deixado de ir enviassem alguns dos textos ou informações mais importantes,
provocando surpresas e adesões ao grupo que não se podia imaginar no começo.
Mais uma vez pude constatar ao realizar encontros presenciais a suavidade, a
característica não intrusiva, mas ao mesmo tempo o poder do método sociodramático de se
93
conduzir encontros vivenciais. Aquecer bem o grupo, sensível e atento para seu estado e para
seus desejos, para os temas que se formam, é uma poderosa maneira de trazer à tona
conteúdos que de uma forma racional nunca apareceriam.
7.4 Quarto estágio: resultados do trabalho e a geração de conhecimento proposicional
O trabalho de campo que serve de bases para reflexões, foi movido a paradoxos,
tensões e ambiguidades. O paradoxo central, a tensão motora do trabalho de campo foi o
reflexo no nível organizacional do que ocorre hoje com o indivíduo. Um ser humano exaurido
pela contradição entre consumo desenfreado, ambição financeira sem medida e a noção de
que podem ser exatamente estas decisões que destroem possibilidades de harmonia em um
futuro sustentável. O reconhecimento mesmo que inicial da maior complexidade do termo fez
com que os gestores desencadeassem ações inéditas, como buscar alianças com os catadores
de resíduos e formas mais democráticas de convívio com seus colaboradores.
Aqui serão registradas apenas as principais considerações finais feitas pelo grupo, o
que é chamado na IC de conhecimento proposicional. Neste ponto de maior aprofundamento
da investigação, o pesquisador buscou os diferentes significados atribuídos pelos gestores ao
trabalho com sustentabilidade e sua relação com o desenvolvimento e progressão (ou
regressão) em termos de ações competentes. Ações que poderiam ser éticas, reflexivas,
discursivas, criativas, práticas e/ou no plano das rotinas cotidianas. O foco do olhar recai
sobre as ações porque, segundo a proposta deste trabalho, é aí que se encontram os elementos
observáveis do desenvolvimento humano e social.
O trabalho de campo foi todo conduzido seguindo a crença de um ser humano ativo e
reflexivo, que pode, a partir destes elementos, reflexão e ação, construir e desconstruir suas
atividades. Como ficou evidenciado nesta investigação, o trabalho humano é fruto da
interação entre os indivíduos e destes com grupos e com instituições, com o ideário ideológico
que formam estas instituições e com os sistemas sociais daí resultantes.
No caso da presente investigação observou-se claramente uma progressão na
consciência dos atores sobre o efeito das estruturas sobre eles. A maneira de se expressar
sobre esta influência foi ganhando contornos mais nítidos conforme o grau de confiança entre
pesquisador e grupo aumentou, culminando com reflexões abertas sobre mecanismos de
poder. Prevaleceu um padrão de adaptação ao status quo no plano das ações práticas e
criativas. Quando, no entanto, se trata de uma tomada de consciência mais profunda foi
possível observar como a postura dos gestores mudou ao longo do tempo em relação a seus
94
empregadores e donos dos empreendimentos. Passaram também a refletir com mais
profundidade no seu papel como replicadores destas estruturas nas suas relações com
funcionários, em especial os com posição inferior na hierarquia organizacional.
A força da estrutura, expressa pelo ideário econômico-financeiro vigente, parece ter
impedido os atores envolvidos nesta pesquisa de fazerem modificações mais radicais em seu
modo de agir em relação à sustentabilidade. Este ideário é uma herança cada vez mais
questionada e a consciência por parte dos gestores da necessidade de ações mais profundas
esbarrou sempre em justificativas e racionalizações oriundas desta maneira de pensar
tradicional em termos econômicos. A mentalidade do ser eficiente, lucrar e manter o
patrimônio íntegro e pronto para gerar mais lucros, como única máxima gerencial de uma
organização foi apontada abertamente pelos gestores como mecanismo de coerção
dificultador para uma abordagem de sustentabilidade mais ampla.
Para evitar uma ênfase excessiva nos aspectos mais problemáticos, nas dificuldades
encontradas pelos gestores, ressaltam-se aqui também os principais elementos elencados
como facilitadores. Estes foram principalmente as atividades colaborativas, os encontros
vivenciais e à distância e as interações voltadas para aprimoramento de práticas bem
sucedidas. A criação de regras e rotinas até então não existentes para encontros e a
formalização estruturada de um trabalho de sustentabilidade facilitou a reflexão e os avanços
obtidos. Pode-se afirmar que baseado nos resultados dos encontros e entrevistas, as reuniões
grupais presenciais foram apontadas como imprescindíveis para avanços neste campo.
Importante reflexão metodológica que precisa ser feita neste ponto é sobre as
evidências de aumento da confiança, causadas pelas situações de ‘copresença’ (GIDDENS,
1984, p. 64). Mais de uma vez os gestores se manifestaram clara e positivamente sobre a
importância da realização dos encontros presenciais. Afirmaram que nada os substituía em
termos de geração de conhecimento e de propostas de ação. Isto corrobora as pressuposições
de Giddens (1984) sobre as experiências vivenciais do eu (experiencing Self), ancoradas na
espacialidade do corpo e na orientação para os outros.
Pelos mecanismos de monitoramento reflexivo da ação dos outros e
automonitoramento reflexivo, percebeu-se que os gestores lentamente ganharam confiança
para expor com mais clareza o que faziam em termos de ações para a sustentabilidade.
Passaram a expor também com mais clareza o que deixavam de fazer e o que não iriam
mesmo fazer por receio da postura dos investidores. Apesar de nem sempre revelarem
inicialmente seus motivos para ações e em especial para não agir, aos poucos estas vieram à
tona, pelo aumento da confiança no pesquisador e no grupo.
95
A afirmação de Beck (2007), sobre a excessiva ênfase no conhecimento racional e de
uma grande fé irracional na ciência como instância mediadora da reconstrução da sociedade
foi mais de uma vez corroborada pelos gestores, em diferentes momentos da linha do tempo
do trabalho. Enquanto que a crença no papel do Estado se alternou nas expressões dos
gestores, bem como se expressaram dúvidas sobre o papel dos clientes e certezas sobre os
desejos dos acionistas, não houve manifestações de dúvidas sobre o papel da ciência. As
únicas dúvidas foram sobre a veracidade das informações sobre relações custo-benefício de
determinados produtos e processos e a confiabilidade das empresas que ofereciam alguns
deles, mas não na instituição científico-tecnológica como um todo.
Os gestores em momento algum se furtaram a entender como tema e problema o
desenvolvimento de competências e a sustentabilidade no decorrer do trabalho. Foram ao
longo do tempo inclusive assumindo uma maior participação no aprofundamento do tema e do
problema. Nos primeiros encontros havia uma postura de que seriam exatamente os pobres, os
que mais sofrem com o problema em termos climáticos, os maiores causadores de poluição.
Aos poucos esta mentalidade mudou e ficou claro que, enquanto as causas dos problemas
ligados à mudança climática talvez estejam mais ligadas ao padrão de consumo dos ricos, os
riscos são de fato igualmente distribuídos, ou talvez em alguns casos atinjam mais ainda os
mais favorecidos ou suas empresas, como no caso das inundações que atingiram um dos
hotéis e as empresas vizinhas. Isto levou o grupo a um dos processos mais importantes em
termos de desenvolvimento de competências, que foi o de deixar de ser responsável apenas
pela conscientização dos outros a se tornar corresponsável pela solução do problema.
Se, de um lado, houve maior consenso sobre esta questão, em outras o dissenso
cresceu. As atitudes a serem tomadas em relação a funcionários, por exemplo, geraram uma
área de clara discordância. Enquanto alguns gestores manifestavam preocupação com doenças
ocupacionais e empregabilidade como temas fundamentais para se falar de sustentabilidade,
outros achavam que nada que se faça pelos empregados vale à pena em termos de
relacionamento. Estes últimos entendem que os empregados acabam sempre ‘entrando na
justiça’ contra os empregadores em algum momento. Ou seja, aparentemente não veem os
funcionários como um grupo de pessoas que podem se beneficiar de ações sustentáveis dos
empreendimentos, independente das relações trabalhistas e das possibilidades destas pessoas e
suas ações trabalhistas gerarem malefícios financeiros para os empreendimentos.
A adequação a todos os temas levantados na pesquisa se deu muitas vezes seguindo as
observações teóricas de Engeström (2001), por meio de contradições e conflitos. O mais
profundo deles foi talvez a compreensão do papel dos acionistas. Estes eram antes vistos
96
como um elemento protetor, acolhedor e por quem se tem respeito, pois é quem faz o
investimento necessário para que exista o empreendimento. É também o dono inquestionável
do local de trabalho. O investidor, no entanto, passou a ser visto também como um elemento
impeditivo de ações mais significativas em termos de sustentabilidade, na medida em que
pensa prioritariamente em retorno financeiro.
Assim sendo, pode-se afirmar que tensões e contradições, paradoxos e ambiguidades,
foram o motor do desenvolvimento dos gestores e não dificultadores. Foram estes embates
internos e externos que provocaram o desenvolvimento expansivo da consciência dos gestores
no sentido proposto por Engeström (2001) e de um desenvolvimento dialógico, reflexivo e
elíptico como proposto por Sandberg (2007).
No quadro abaixo são apresentados exemplos destes aspectos conflituosos e ambíguos,
sem a pretensão neste momento de afirmar que elas são teses e antíteses que precisem ser
reconciliadas de forma sintética.
Quadro 9 - Tensões, contradições, paradoxos e ambiguidades.
Tema Maneira de pensar 1 Maneira de Pensar 2
Visão de futuro Mad Max – Escassez total Green Building – Tecnologias salvadoras
Sustentabilidade Noção ampla – Surge quando o grupo
se manifesta criativamente
Tecnológica-Ambiental – Surge quando o
grupo parte para a prática
Acionistas Facilitadores – Vistos como parceiros
em projetos
Dificultadores – Vistos como adversários em
projetos
Lucro Elemento inquestionável – Objetivo da
atividade
Elemento questionado – Objetivo do
acionista
Clientes Foco da prestação de serviços –
Gerador de receitas
Foco da conscientização – Gerador de
problemas ambientais
Fornecedores Adversários – Vistos como obstáculos
à redução de custos
Parceiros – Vistos como geradores de
soluções ambientais e sociais
Funcionários Leigos – Público a ser educado sobre
sustentabilidade
Conhecedores – Público que tem sua parcela
de contribuição a dar
Governo Fonte de soluções – Prestador de
serviços de quem se espera fiscalização
Fonte de problemas – Prestador de favores,
gera regras para atender interesses ocultos
Resíduos sólidos Fonte de problemas – Fator que gera
custos e insalubridade
Fonte de soluções – Fator que gera receitas e
satisfação dos funcionários
Pressão diária Elemento motivador – Fator para que a
eficiência aumente
Elemento desmotivador – Fator impeditivo
para ações sustentáveis
Gestores Estadistas – Partes que podem tomar
decisões autônomas
Ativistas – Partes que necessitam influenciar
e mobilizar
Cooperativas Pessoas necessitadas – Parte a quem se
podia prestar favores
Pessoas empoderadas – Parte com quem se
podia contar para ações
Pesquisador Elemento que apoiava o grupo de
gestores
Elemento que incomodava o grupo de
gestores com as reflexões
Fonte: elaborado pelo autor
97
Há que se sublinhar que a compreensão das contradições não levou a mudanças
radicais, a rupturas com o status quo, mas levou a adaptações. Como por exemplo, o já
mencionado desenvolvimento de habilidades ao apresentar e negociar orçamentos para ações
sustentáveis. Esta apresentação passou a ser feita de modo que aspectos financeiros das ações,
com pagamentos parcelados, fossem de certa forma melhor aceita pelos acionistas. Estas
pequenas mudanças evidenciam uma compreensão do problema, ao mesmo tempo em que
mostram incapacidade de romper com as estruturas de forma mais contundente.
98
8 PROPOSTAS METODOLÓGICAS E CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se que a obra de Moreno foi claramente influenciada por aspectos filosófico-
espirituais, pelas questões de uma filosofia da ação social prática e engajada, da construção
conjunta da realidade pelos sujeitos integrantes de uma comunidade, da interação simbólica
criativa, do pragmatismo e dos primórdios das questões ligadas à linguagem, às lutas sociais e
às lutas pela democracia. A partir das leituras aqui feitas entende-se que Moreno é um dos
pais não reconhecidos da pesquisa-ação. Não reconhecido muitas vezes pelos próprios
sociodramatistas, mas em especial não conhecido e reconhecido como criador de uma vertente
da pesquisa participativa pela comunidade científica que desconhece a socionomia.
Quando se trata de metodologia, nota-se a grande influência que a Escola de Chicago
teve na visão de mundo moreniana e na consequente tentativa de unir a objetividade desta
escola e os métodos quantitativos em voga na época, com uma perspectiva subjetivista e
interpretativista que Moreno trazia de suas discussões com filósofos existencialistas e
influenciados pela fenomenologia, de sua época em Viena (MORENO, 1992)
Moreno transita entre as relações interpessoais, as mudanças em pequenos grupos e as
mudanças em grande escala, que exigiram metodologias cooperativas radicais. Assume que a
ideia de revoluções sociais em grande escala passa pela sua cabeça como uma espécie de
brincadeira criativa, pois entende que estas foram momentos em que a “[...] a humanidade
acha-se em estado altamente produtivo, semelhante a um homem talentoso em estado de
inspiração. Ideias até então latentes ganham proeminência rapidamente e formam
constelações novas, estimulantes e criativas” (MORENO, 1992, p. 141).
O autor reconhece preferir fazer revoluções em pequena escala, mais concentradas e
eficazes em termos de estudo, mas com o risco de caírem no abismo do faz de conta e
artificialidade. Aponta a importância do que chama de revolução cristã como aglutinadora e
transferidora de tradições e valores religiosos e intelectuais do acervo judeu, dos fariseus e de
poucos e exclusivos santos para pobres e ricos, judeus e não judeus e para todos os povos de
todas as nações.
Moreno nos fala da força perceptiva de líderes como Jesus de Nazaré e o apóstolo
Paulo. Fala também da bandeira de igualdade levantada tanto pela Revolução Americana de
1776 quanto pela francesa de 1789 e entende que estas reforçaram a influência do coletivo.
Reforça seu conceito de que mesmo a Revoluções Russas e 1917 foi um experimento
sociométrico intuitivo e imagina frases de Lênin para si mesmo necessárias para liderar “uma
revolução social com todas as suas brutalidades”. Afirma de um lado que estas frases
99
imaginárias de Lênin foram ditas em momento de cinismo honesto e por outro que há
semelhança entre sua posição de conceder político ao povo, e a de Prometeu, que deseja
iluminar o povo com poder científico. Ambas são talvez no fundo projeções de Moreno, um
metodólogo um pouco Lênin, um pouco Prometeu.
Mesmo em se tratando apenas da fase inicial de diagnóstico e primeiras ações
subsequentes, no âmbito de um trabalho maior de IC, já se podem perceber pontos em que a
IC e a PAS podem contribuir mutuamente e se apoiar.
Em primeiro lugar apresenta-se a seguir o que a IC tem a oferecer para
sociodramatistas e logo a seguir o que os métodos e técnicas oriundos da socionomia podem
aportar para pesquisadores, facilitadores e consultores de outras áreas de atuação.
8.1 A Investigação Cooperativa para sociodramatistas: clareza metodológica e boa
técnica
Encontram-se nos relatos de pesquisa socionômica três posições metodológicas mais
frequentes. Por vezes estudos meramente qualitativos, em que a participação dos grupos é
mínima. Outros trabalhos são apontados pelos autores como de Pesquisa-Ação, sem clareza
de porque estejam sendo assim denominados. Também se encontram com frequência meras
descrições de sessões psicodramáticas ou sociodramáticas, em que são apresentados os
momentos de aquecimento, dramatização e compartilhamento, com breves considerações do
autor baseadas na teoria de Moreno. Isto, dependendo da experiência, grau de conhecimento
do autor e qualidade do estudo feito no campo é feito com maior ou menor profundidade e
gerando maior ou menor aporte teórico e enriquecimento para a comunidade psicodramática e
sociodramática.
Mesmo quando é manifesto o desejo de realizar trabalhos de transformação ou
mudança pessoal, social ou organizacional, muitos sociodramatistas não deixam claro como
pretendem proceder em termos metodológicos, em termos de protocolos de condução da
pesquisa e de análise das informações oriundas do campo. Uns simplesmente criticam as
origens funcionalistas da PA e parecem desconhecer que há outras modalidades de PA
extremamente críticas e emancipatórias ou as humanistas, interpretativas e mesmo pós-
modernas. Declarações sobre participação do grupo e a importância de uma tomada de
decisão compartilhada nem sempre se refletem em empoderamento, autonomia e verdadeira
participação dos grupos nos destinos da pesquisa.
100
Com exceção clara de Contro (2011), os autores sociodramáticos brasileiros citam
recorrentemente, no momento de embasar metodologicamente seus trabalhos, Lewin, Barbier
e os próprios autores da comunidade psicodramática como referências de PA. Não são estas
definitivamente as únicas e mais importantes referências em termos de PA e de modalidades
de pesquisa participativa, participante, colaborativa e cooperativa. Fato é que desde 2001 a
SAGE publica um Manual de Pesquisa-Ação (Handbook of Action Research) e inúmeros
outros autores no mundo se dedicam ao tema. Há ao menos dois periódicos no mundo que se
dedicam exclusivamente a esta família de abordagens, o Action Research e o International
Journal of Action Research. Deve ser considerado, portanto, um erro metodológico crasso
chamar de pesquisa-ação aquelas intervenções únicas, sem propósito de mudança ou de
pesquisa participante intervenções aquelas intervenções que nada tem a ver com o trabalho
com grupos populares oprimidos em sua busca por autonomia e emancipação.
Como forma de solucionar algumas destas dificuldades, a IC é uma boa proposta. Com
suas características de respeitar formulação de problemas pelos grupos e trabalhar em ciclos
mais curtos ou mais longos de pesquisa, esta se assemelha às formas de PA com as quais
pesquisadores socionômicos ou psicosociodramáticos já estão familiarizados. O estruturar dos
resultados em informativos (meramente descritivos) ou em transformativos, e as formas de
geração de conhecimento em quatro, organiza a maneira de agir e de pensar dos
sociodramatistas (HERON, 1996)
Conhecimento vivencial, o conhecimento do encontro, do olho no olho é a matéria
prima, a razão de viver do sociodramatista. Ela ou ele sabe que é difícil descrever o que
acontece quando pessoas se encontram, com sensibilidades à flor da pele. Nem é importante
descrever com palavras, o importante é o sabor destes encontros e a empatia, a tele em
palavras do referencial moreniano. O que acontece em termos de conhecimento vivencial
pode ser bem traduzido pela angústia criativa de Moreno, ao querer arrancar seus olhos e
trocar com os de cada um com quem compartilhava, angústia esta expressa em poema
conhecido por todos os sociodramatistas (MORENO, 1997).
O fato da IC em sua proposta metodológica aceitar o conhecimento expressivo ou
representativo (presentational) é relevante para sociodramatistas. Cartazes, poemas, desenhos,
paródias musicais, representações do cotidiano na forma de noticiários ou cenas teatrais sobre
o cotidiano e jogos são formas de expressão de um grupo que devem ser levadas em
consideração como expressão do que está acontecendo no campo, registradas e apresentadas
ao grupo para análise e reflexão. Nos tempos atuais deve-se sem preconceito aceitar que os
grupos se expressam por redes sociais e conexões as mais diversas, e-mails, mensagens de
101
texto. É preciso aceitar esta interação 24 horas por dia, 7 dias por semana em rapidez enorme,
em frases curtas, mensagens múltiplas e nem por isso menos criativa.
Estes dois momentos de borbulhar do conhecimento são seguidos na proposta
metodológica da IC por aquilo que transforma um estudo de campo ou em pesquisa científica,
ou em consultoria, ou em trabalhos intermediários. Para que se possa falar de pesquisa, é
necessário que o pesquisador, só ou idealmente em parceria com o grupo gere conhecimento
teórico e propostas práticas a partir do que foi gerado no campo. Ciclos de ação devem ter
espelhos em ciclos de reflexão, tanto nos diálogos internos quanto externos. Reflexões devem
se traduzir em novos planos e propostas de ação. O próprio pesquisador deve se modificar
durante o processo ou sair do processo com propostas de modificação, nem que seja de
melhoria em suas habilidades e práticas. Caso contrário entende-se que havia uma pesquisa
em um campo que não gerava envolvimento e comprometimento, um campo no qual o
coração do pesquisador ou pesquisadora não estava plenamente imbricado.
Por fim, se o trabalho de IC demanda conhecimento prático, mesmo em suas
modalidades menos transformativas e mais comunicativas, o grupo deveria comunicar o que
aprendeu e o que poderia fazer e mudar a partir do conhecimento adquirido. Em estudos
desenvolvidos em períodos de tempo maior esta mudança prática precisa aparecer, os diálogos
e reflexões devem conduzir a mudanças práticas de comportamento e até de crenças e
paradigmas.
8.2 Uma Investigação Cooperativa apoiada no Sociodrama: riqueza metodológica e
sensibilidade
A investigação cooperativa só tem a se enriquecer com as propostas sociodramáticas,
em especial nas suas formas de geração de conhecimento vivencial e expressivo.
Sociodramatistas possuem uma ampla paleta de recursos tanto para entender os momentos
que um grupo vive ou chega para um encontro, que aquecimentos, diferentes formas de
dramatizações e maneiras de conduzir os compartilhamentos podem ser usados a partir deste
conhecimento.
Ou seja, sociodramatistas são, com frequência, mais bem treinados como facilitadores
de grupo do que pesquisadores acadêmicos tradicionais. Mesmo os pesquisadores mais afeitos
ao uso da PA o fazem geralmente com o recurso único e exclusivo de aquecimentos não
alinhados aos temas geradores e depois com rodas de diálogo, sem que outras formas de
102
aquecimento adequadas ao grupo bem como outras formas de expressão sejam usadas, que
não a razão e a fala racional. (OLIVEIRA, 1982)
Esta enorme gama de combinações de tamanhos de grupos e possibilidades de
aquecimentos, jogos, dramatizações e uso recursos como objetos intermediários já foi motivo
de estudo por muitos sociodramatistas. A questão é como usar exatamente esta grande
criatividade e espontaneidade com uma margem metodológica clara oferecida pela IC.
O maior conhecimento gerado por trabalhos apoiados no sociodrama deveria ser para a
comunidade envolvida e não para simples apresentações em congressos, periódicos e para
monografias e TCC´s. Este conhecimento estaria assim mais alinhado com as diretrizes
ontológicas e epistemológicas do fundador do Psicodrama Uma geração de conhecimento
para a academia ou para outros psicodramatistas e sociodramatistas deveria ser uma
consequência da primeira. Se isto é o que ocorre ou não fica para reflexão dos próprios
pesquisadores e para nossas considerações finais.
8.3 Reflexões sobre o trabalho prático apresentado: IC e Sociodrama combinados
Cabem aqui algumas palavras sobre os sucessos e possíveis pontos de melhoria no uso
combinado das duas técnicas no trabalho com os gestores da rede hoteleira, até porque era
este o motivo da inserção do mesmo aqui.
Pela formação e maneira de trabalhar do autor deste trabalho, a socionomia foi uma
escolha natural e óbvia como estratégia de pesquisa. No entanto, a contribuição do
planejamento em estágios e fases, as reflexões sobre o que aguardar do grupo e o que
introduzir como sementes externas, bem como sobre os quatro tipos de conhecimento foram
fundamentais para não se limitar a uma pesquisa clássica socionômica, em seus vieses
qualitativos ou sociométricos.
Isto significa que houve um equilíbrio entre a criatividade socionômica dionisíaca, um
se deixar levar pelo grupo e pela intuição, com aspectos apolíneos da construção acadêmica
de uma pesquisa, com a permanente cobrança por protocolos, registros e seleção de dados de
uma forma que permita posterior teorização.
O conhecimento vivencial experimentado pelo primeiro grupo de pesquisa e depois
pelo grupo de gestores hoteleiros sempre foi ressaltado como importante pelos participantes e
o pesquisador mergulhava nele e tornava-se parte do grupo. A surpresa com a metodologia
sociodramática, com a velocidade com que conteúdos eram trazidos à tona e analisados pelo
103
próprio grupo, deixava a todos animados e com os olhos brilhando. No entanto, esta análise já
é quase proposicional. O que aconteceu de fato em termos presenciais é como já dito difícil de
traduzir. É como tentar explicar para alguém o sabor de uma laranja. Talvez um pedacinho de
conhecimento expressivo acrescente mais a este trecho do que palavras.
Figura xx – O pesquisador e o grupo
Foto: Fernanda Soares
Esta imagem acima fala com toda a clareza da satisfação e surpresa da equipe de
pesquisadores com o grau de profundidade e entrega que o grupo inicial de pesquisa oferecia.
Eram pessoas que até aquele dia nunca tinham se encontrado e que graças às propostas do
sociodrama interagiam de corpo e coração. Conhecimento expressivo como o retratado na
imagem acima é uma consequência dos encontros. Pode ser construído e apresentado pelos
participantes ou precisa ser coletado, registrado e guardado pelo pesquisador. Já o
conhecimento proposicional vem como resultado das reflexões do grupo de uma forma mais
104
imediata e de reflexões finais do pesquisador sobre tudo o que ocorreu no campo, ao final de
todos os estágios de pesquisa.
O surgimento do conhecimento prático em um primeiro nível, mesmo que superficial é
fácil de observar pelas ações relatadas pelos gerentes da hotelaria como fruto dos encontros e
pelas reflexões que os mesmos começam a fazer, estas já mostrando maior complexidade. De
um ponto inicial em que as principais ações eram com as pessoas mais simples e de educação
e conscientização, passa-se a perceber que as ações mais importantes são de negociação com
partes interessadas, principalmente acionistas.
Corroborou-se por meio do trabalho a importância da proposta de trabalhar com temas
organizacionais, sob uma ótica interpretativista-crítica, típica tanto da pesquisa
sociodramática quanto da IC. Por meio desta proposta aprofundaram-se discussões sobre os
processos de desenvolvimento do indivíduo em oposição a uma lógica funcionalista que tem
por função primordial gerenciá-lo. Este foi o paradoxo central, a tensão motora do trabalho de
campo, um reflexo do que ocorre hoje com o indivíduo. Um ser humano exaurido pela
contradição entre consumo desenfreado, ambição financeira sem medida e a noção de que
podem ser exatamente estas decisões voltadas para resultados financeiros que destroem
possibilidades de harmonia em um futuro sustentável. O reconhecimento mesmo que inicial
da maior complexidade do termo fez com que os gestores desencadeassem ações inéditas,
como buscar alianças com os catadores de resíduos e formas mais democráticas de convívio
com seus colaboradores.
Conhecimento oriundo de trabalhos da família da PA pode ser assumidamente
normativo, como propõe Reason (2006). Afirmar como as coisas devem ser ou como se
imagina que as pessoas devem proceder é natural de trabalhos com um viés político. Afirmo
aqui como conclusão que não podem ser consideradas como PA meras descrições de sessões
psicodramáticas ou sociodramáticas, em que são apresentados os momentos de aquecimento,
cena e compartilhamento, com breves considerações do autor baseadas na teoria de Moreno.
Mesmo quando é manifesto o desejo de realizar trabalhos de transformação ou mudança
pessoal, social ou organizacional tanto sociodramatistas quanto pesquisadores da linha da PA
por vezes não deixam claro como pretendem proceder em termos metodológicos, em termos
de protocolos de condução da pesquisa e de análise das informações oriundas do campo. No
caso dos sociodramatistas deve-se levar sempre em conta que há outras modalidades de PA
além das emancipatórias ou as humanistas como as propostas por Moreno e ainda as
interpretativistas e mesmo pós-modernas, aceitando sem preconceito os trabalhos
funcionalistas.
105
Surge como implicação desta afirmação que sociodramatistas precisam se posicionar
claramente sobre ideologias que os norteiam e as do grupo, bem como deixar claros se os
objetivos do trabalho foram formulados pelo grupo, pelo pesquisador ou por organização,
bem como transparecer, prazos, protocolos metodológicos e oferecer conhecimento teórico
como resultado de seus trabalhos.
106
REFERÊNCIAS
AGUIAR, M.; FAVA. S. Ensinar, aprender e pesquisar, Revista Brasileira de Psicodrama, v. 15, n 2, p. 139-153. 2007
ALVESSON, M.; SKOLDBERG, K. Reflexive Methodology: New Vistas for Qualitative Research, London: Sage Publications, 2000.
AMARAL, G.F.; OLIVEIRA, P.M. Prefácio à Edição Brasileira. In: Psicodrama. Goiânia, GO: Dimensão Editora, 1992
ARGYRIS, C., PUTNAM, R.; SMITH , D. Action science: concepts, methods and skills for
research and intervention. San Francisco CA: Jossey-Bass, 1985 BARBIER, R. A pesquisa-ação. Brasília: Líber Livro, 2002
BIDART-NOVAES, M. ; FRANCO, M.A.S ; PONTES, R.A. . Facing Resignation and
Silence: A Transforming Action-Research Experience in Brazil, International Journal of
Action Research, v. 5, p. 184-214, 2009.
___________________. A discussão sobre sustentabilidade e o desenvolvimento de competências gerenciais nas organizações: investigando de forma cooperativa atores,
estruturas, discursos e ações. Tese de Doutorado. Univ. Presbiteriana Mackenzie, 2012 BROWN, T. Design Thinking, Harvard Business Review, June 2008, p. 1-9
BURREL,G.; MORGAN,G. Sociological paradigms and organizational analysis. London:
Heinemann Educational Books, 1979. CHANDLER, D.; TORBERT, W.R. Transforming inquiry and action by interweaving 27
flavors of Action Research, Action Research, v. 1, n. 2, p. 133-152, 2003
COACH, L.; FRENCH, J. Overcoming Resistance to Change, Human Relations, v. 1, 1948 CONTRO, L. Veredas da Pesquisa-Psicodramática entre a Pesquisa-Ação Crítica e a
Pesquisa-Intervenção, Revista Brasileira de Psicodrama, v.17, n.2, pp. 13-24, 2009
__________. Psicossociologia Crítica: A intervenção psicodramática. Curitiba: Editora CRV, 2011
DEMO, P. Pesquisa Participante : Mito e Realidade, Rio de Janeiro: SENAC, 1984
DESROCHE, H. Dos projetos de autores aos projetos de atores. In: THIOLLENT, M. (org.) Pesquisa-Ação e projeto cooperativo na perspectiva de Henri. Desroche. São Carlos, SP: EdUFSCar, 2006
DOMINGUES, J. Diálogo Hermenêutico, 2009, Disponível em :
< http://www.lusosofia.net/textos/domingues_jose_dialogo_hermeneutico.pdf > , acesso em 30.01.2010.
107
DRUMMOND, J.; SOUZA, A.C. Sociodrama nas organizações. São Paulo: Agora, 2008
DURKHEIM, E. As regras do método sociológico. São Paulo: Martin Claret., 2008 EIKELAND, O. The ways of Aristotle: Aristotelian Phronesis, Aristotelian Philosophy of
Dialogue and Action Research. Bern: Peter Lang , 2008
FALS BORDA, O. Participatory (action) research in social theory: origins and challenges. In: Reason P. & Bradbury, H. The SAGE Handbook of Action Research: Concise paperback edition. London, Thousand Oaks, New Delhi, Singapore: Sage, p. 27-37, 2006
_______________. Aspectos teóricos da pesquisa participante . In: Brandão, C.R (org).
Pesquisa Participante. São Paulo: Brasiliense, 1982 FONSECA, J. Psicodrama da Loucura. São Paulo: Ágora, 2008
__________ Apresentação à Edição Brasileira. In. Moreno, J.L; Moreno. Z; Psicodrama. São
Paulo, Daimon, 2006 FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005
GAYÁ WICKS, P.; REASON, P.; BRADBURY, H. Living Inquiry: Personal, Political and
Philosophical Groundings for Action Research Practice. In: Reason, P. & Bradbury, H. The
Sage Handbook of Action Research: Participative Inquiry and Practice. London, Thousand Oaks, New Delhi, Singapore: Sage, p 15-30, 2008
GIDDENS, A. The Constitution of Society: Outline of the Theory of Structuration.
Cambridge: Polity Press, 1984 GIL, A.C. O método fenomenológico na pesquisa da administração, In: Caderno de Pesquisa
de Pós-Graduação IMES, ano 4 n. 8, 1º Sem. 2003
GIOIA. D.A.; PITRE, E. Multiparadigm perspectives on theory building, Academy of
Management Review, 14 (4) p.584-602, 1990
GODOY, A. Estudo de caso qualitativo. In: GODOI, C.K.; BANDEIRA-DE-MELLO, R.; SILVA, A.B. Pesquisa Qualitativa em Organizações. São Paulo: Saraiva, 2006.
GOULDING, C. Grounded Theory: A Practical Guide for Management, Business and Market Researchers. London: Sage, 2002
HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995
HUSSERL, E. A Ideia da Fenomenologia. Lisboa: Edições 70, 1990 .
HERON, J.; REASON, P. The Practice of Co-operative Inquiry: Research ‘with’ rather than ‘on’ people. In: The Sage Handbook of Action Research: Concise paperback edition.
London, Thousand Oaks, New Delhi, Singapore: Sage, p. 144-154, 2006
108
________.Co-operative Inquiry: Research into the Human Condition. London, Sage
Publications, 1996
________. The Phenomenology of Social Encounter: The Gaze, Philosophy &
Phenomenological Research. v. 31, n. 2, p. 243-264, 1970
HUNT, S. On the Rhetoric of Qualitative Methods: Toward Historically Informed Argumentation in Management Inquiry, Journal of Management Inquiry, v. 3, n. 3, p. 221-
234, 1994 KEHOE, K. The Whole Picture - Gramscian Epistemology through the Praxis Prism,
2009. Disponível em < http://www.mercuryfrost.net/colr/editions/2003/2003ix.pdf > acesso em 30.10.2009.
KIM, L.M.V. Psicodrama e Intervenção Social, Revista Brasileira de Psicodrama, v.17, n.2, pp. 25-32, 2009
LE BOTERF, G. Pesquisa participante: propostas e reflexões metodológicas. In: BRANDÃO,
C.R. (Org.). Repensando a pesquisa participante . São Paulo: Brasiliense, 1984. LEWIN. K. Action-research and minority problems, Journal of Social Issues, v. 2, p. 34-36,
1946
LEWIS, M. W.; GRIMES A.J. Metatriangulation: Building Theory From Multiple Paradigms, Academy of Management Review, v. 24, n. 4, p. 672-690, 1999
MACKE, J. A Pesquisa-ação como estratégia de pesquisa participativa. In: GODOI, C.K. et. al.. Pesquisa Qualitativa em Organizações . São Paulo: Saraiva, 2006
MARRA, M.M; COSTA. L.F. A Pesquisa_Ação e o Sociodrama: Uma conexão possível? Revista Brasileira de Psicodrama, v. 12, n. 1, p. 99-115, 2004
MARTIN, A. Large-group Processes in Action Research. In: The Handbook of Action
Research. London, Thousand Oaks, New Delhi, Singapore: Sage, p. 166-176, 2006 MARTINS, G. Estudo de caso: uma estratégia de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2006
MEAD, G.H. The Individual and the Social Self: Unpublished Essays by G. H. Mead. (Ed.)
David L. Miller. Chicago: University of Chicago Press, 1982 MONTEIRO, S. Pesquisa-ação e produção de conhecimento na formação docente. Encontro
Nacional de Didática e Prática de Ensino, 26, Anais do Encontro... Porto Alegre, 2007
MORENO, J.L. O teatro da espontaneidade . São Paulo: Ágora / Daimon, 2012 ____________. Psicodrama - Primeiro Volume. São Paulo: Cultrix, 2009
___________. Quem sobreviverá: fundamentos da sociometria. (Edição do estudante), São
Paulo: Daimon, 2008
109
___________. Quem sobreviverá: fundamentos da sociometria, psicoterapia de grupo e
sociodrama. VC Goiânia, GO: Dimensão Editora, 1992
__________.; Moreno. Z.T. Psicodrama - Terceiro Volume: terapia da ação e princípios da prática. São Paulo, Daimon, 2006
__________. Psicodrama. São Paulo: Cultrix, 1997
MORGAN, G. Paradigmas, metáforas e resolução de quebra-cabeças na teoria organizacional, RAE Revista de Administração de Empresas , 45 (1),p p. 58-69, 2005.
NERY, M.P. Epistemologia da Socionomia e o psicodramatista pesquisador, Revista
Brasileira de Psicodrama, v.15, n.2., p. 79-91, 2007
NOGUEIRA-MARTINS, M.C.F.; BRITO, V.C.A. Psicodrama e Pesquisa, Revista
Brasileira de Psicodrama, v.17, n.2., p. 143-158, 2009
OLIVEIRA.R.D; OLIVEIRA, M.D. Pesquisa Social e Ação Educativa, In: BRANDÃO. C.R.
(Org.). Pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense, 1982 OSBORN, A.F. Applied Imagination: Principles and Procedures of Creative Thinking. New
York: Charles Shribner´s Sons, 1953
PASMORE, W. Action Research in the work place, In: REASON, P.; BRADBURY, H. (eds) The Sage Handbook of Action Research. London, Thousand Oaks, New Delhi, Singapore: Sage Publications, 2006 , p. 38-49
PAULA, A.P. P. (2008) Teoria crítica nas organizações. São Paulo: Thomson Learning.
PESSOA Jr. O. O canto do cisne da visão ortodoxa da filosofia da ciência, scientiæ zudia, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 259-63, 2004
PLATÃO The Dialogues of Plato: Lysis, on Friendship. 1982 Disponível em <
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=3950 > acesso 30.01.2010
POZZEBON, M. Conducting and Evaluating Critical Interpretative Research: Examining Criteria as a Key Component in Building a Research Tradition, IFIP International
Federation for Information Processing, v. 143, p. 275-292, 2004 REASON, P.; BRADBURY, H. (eds) Introduction. In: Reason, P.; Bradbury, H. The
Handbook of Action Research, London, Thousand Oaks, New Delhi, Singapore: SAGE, 2006, p. 1-14, 2006
_________________________. Introduction. In: Reason, P.; Bradbury, H. The Handbook of
Action Research: Participative Inquiry and Practice. London, Thousand Oaks, New Delhi,
Singapore: SAGE, pp.11-14, 2008
REASON, P. ; TORBERT, R.W. The action turn, Concepts and Transformation, v. 6, n. 1., p. 1-37, 2001
110
_________.; HERON J. Research with people: The paradigm of co-operative experiential inquiry, Person Centred Review, 1986, v. 1, n. 4, p. 456-475, 1986
ROWAN, J. The Humanistic Approach to Action Research. In: REASON, P.; BRADBURY, H. The Handbook of Action Research. London, Thousand Oaks, New Delhi, Singapore:
Sage, pp. 106-116, 2006
SPRAGUE, K. Pisando no cosmos com os pés no chão, In: HOLMES, P.; KARP, M.; WATSON, M. (orgs.) O Psicodrama após Moreno: inovações na teoria e na prática. São Paulo: Ágora, 1998
SWANTZ, M. L. Participatory Action Research as Pratice. In: REASON. P.; BRADBURY,
H. The Handbook of Action Research: Participative Inquiry and Practice. London, Thousand Oaks, New Delhi, Singapore: Sage, p.31-48, 2008
TARNAS, R. The Passion of the Western Mind: Understanding the Ideas that shaped Our World View, New York: Ballantine Books, 1991
THIOLLENT, M. Crítica Metodológica, Investigação Social e Enquete Operária. São Paulo: Polis, 1987
VALADARES, L. Os dez mandamentos da observação participante, Revista Brasileira de
Ciências Sociais, v. 22, n63, 2007, p.153-155, 2007 WECHSLER, M. P. F. Pesquisa e Psicodrama. Revista Brasileira de Psicodrama, v.15, n. 2,
p. 71-78., 2007
WHYTE, W.F. Sociedade de esquina. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. __________. Participatory action research. New York, London, New Delhi: Sage, 1991.
Wikipedia(2011).
http://en.wikipedia.org/wiki/James_Mark_Baldwin; http://en.wikipedia.org/wiki/Charles_Cooley; http://en.wikipedia.org/wiki/George_Herbert_Mead;
http://en.wikipedia.org/wiki/W._I._Thomas; http://en.wikipedia.org/wiki/John_Dewey
YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2001.