Download - Maria Sonaly 2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIBA
CENTRO DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LINGUSTICA
MESTRADO EM LINGUSTICA
MARIA SONALY MACHADO DE LIMA
A TRADIO ORAL NO PROCESSO DE AQUISIO DA
LEITURA E DA ESCRITA: PARLENDA
Joo Pessoa PB
2008
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MARIA SONALY MACHADO DE LIMA
A TRADIO ORAL NO PROCESSO DE AQUISIO DA LEITURA E
DA ESCRITA: PARLENDA
Dissertao apresentada ao programa de Ps-
Graduao em Lingstica, da Universidade Federal da
Paraba rea de concentrao: Lingstica e Ensino. Linha de pesquisa: Oralidade e Escritura descrio
para obteno do ttulo de Mestre em Lingstica.
Orientadora: Prof. Dr. Maria Claurnia Abreu de Andrade Silveira
Joo Pessoa PB
2008
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MARIA SONALY MACHADO DE LIMA
A TRADIO ORAL NO PROCESSO DE AQUISIO DA LEITURA E
DA ESCRITA: PARLENDA
Dissertao apresentada ao programa de Ps-
Graduao em Lingstica, da Universidade Federal da
Paraba rea de concentrao: Lingstica e Ensino. Linha de pesquisa: Oralidade e Escritura descrio
para obteno do ttulo de Mestre em Lingstica.
APROVADA EM ___/___/___
BANCA EXAMINADORA DA QUALIFICAO
______________________________________________________
Prof. D. Maria Claurnia Abreu de Andrade Silveira (Orientadora)
Universidade Federal da Paraba
______________________________________________________
Prof. Dr. Rosalina Maria Sales Chianca
Universidade Federal da Paraba
______________________________________________________
Prof. Dr. Marizete Fernandes de Lima
Universidade Federal da Paraba
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L732 LIMA, Maria Sonaly Machado de.
A tradio oral no processo de aquisio da leitura e da
escrita: parlenda/Maria Sonaly Machado de Lima Joo Pessoa, 2008.
90p.:il.
Orientadora: Maria Claurnia Abreu de Andrade Silveira
Dissertao (mestrado) UFPB/CCHLA 1. Linguagem. 2. Parlendas Educao Infantil. 3. Aquisio
da leitura e da escrita. 4. Letramento escolar.
UFPB/BC CDU: 800.1 (043)
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Severina, minha me pelo carinho que me
proporcionou, ensinando-me a viver
Srgio Ricardo, meu companheiro, com
quem compartilho as alegrias e os obstculos de
minha vida.
todas as crianas que ingressam neste
mundo fantstico da escrita e da leitura.
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A meu esposo, Srgio Ricardo, agradeo pelo companheirismo e incentivo ao longo
deste perodo de estudo.
A professora Elsia e aos seus alunos do ano letivo de 2007 pela confiana e dedicao
durante toda a pesquisa, compartilhando comigo o valioso dom do conhecimento.
Aos Professores do Programa de Ps-graduao em Lingstica (PROLING) em
especial s Profs. Drs. Rosalina Maria Sales Chianca, Marianne Carvalho Bezerra
Cavalcante, pelo respaldo que tem dado aos meus projetos acadmicos.
Prof. Maria Claurnia Abreu de Andrade Silveira, minha orientadora, por me
conduzir de forma majestosa neste trabalho, com um borbulhamento de idias, que fluram
nas orientaes, transcendendo suas funes acadmicas, tornando-se uma amiga mentora.
Pelas leituras e observaes no exame de qualificao aos professores Rosalina Maria
Sales Chianca e ao professor Onireves Monteiro de Castro.
Gostaria de agradecer em especial a professora Marizete Fernandes de Lima pelas
leituras, observaes e incentivos deste trabalho.
s colegas do mestrado, Bianca e Mnica, bem como aos demais, pela felicidade de
compartilhar de sua companhia durante esta caminhada.
A todos que, direta ou indiretamente, me prestaram apoio na consecuo deste
objetivo.
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incomparvel a riqueza do folclore infantil: os jogos,
as rodas, as canes, as adivinhas, as parlendas. So
mensagens e recados () de povo a povo, de sculo a sculo,
sem sair da perene onda infantil que os leva a ignorados
destinos.
Joo Ribeiro O Folclore
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RESUMO
O presente trabalho originou-se no desafio de comprovar e analisar na sala de aula a
viabilidade da utilizao da parlenda no processo de letramento na educao infantil e assim,
expandir atividades de leitura e escrita, atravs dos textos da tradio oral. A pesquisa
analisou a experincia metodolgica vivenciada com a turma do nvel III (crianas com cinco
anos), em uma escola da rede privada de ensino, durante a operacionalizao de um projeto de
leitura no perodo de um semestre. Esse estudo possibilitou o acompanhamento gradativo da
evoluo da escrita dessas crianas, atravs de atividades sistematizadas com o texto parlenda.
A partir das parlendas, utilizadas em sala de aula pela professora, realizou-se pesquisa
bibliogrfica sobre a multiplicidade de variantes de alguns desses textos, marcas de suas
transformaes e permanncia na memria popular. Com base nos pressupostos tericos de
Vygotsky, Ferreiro, Zumthor e Heylen objetivou-se, especificamente, investigar como a
cultura oral, caracterizada neste trabalho pelas parlendas, pode contribuir no processo
pedaggico da aquisio da leitura e da escrita num contexto de letramento em sala de aula.
Palavras-chave: linguagem letramento parlendas
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RESUMEN
El presente trabajo se origin por el desafo de comprobar la viabilidad pedaggica del texto
oral, especficamente, de los trabalenguas en una sala de clases de educacin infantil. La
investigacin analiz la experiencia metodolgica vivenciada con una clase del tercer nivel
(chicas con cinco aos), en una escuela da la enseanza privada, durante la operacionalizacin
de un proyecto de lectura en el perodo de un semestre. Este estudio posibilit el
acompaamiento paso a paso de la evolucin de la escrita de los nios, a travs de actividades
sistematizadas con el texto trabalenguas. A partir de los trabalenguas, utilizados en la sala
de clases por la profesora, se realiz una investigacin bibliogrfica sobre la diversidad de
variantes de algunos de estos textos, marcas de sus transformaciones y permanencia en la
memoria popular. Con base en los presupuestos tericos de Vygotsky, Ferreiro, Zumthor y
Heylen, se tuvo como meta, especficamente, investigar cmo la cultura oral, caracterizada en
este trabajo por los trabalenguas, puede contribuir en el proceso pedaggico de la
adquisicin de la lectura, de la escrita en un contexto de letramiento en el saln de clases.
Palavras-chave: linguagem letramiento trabalenguas
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 1 Hiptese de escrita das crianas ..................................................................... 57
Tabela 2 2 Hiptese de escrita das crianas ..................................................................... 58
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Conhecimento prvio dos alunos .......................................................................... 61
Figura 2: Ordenao da parlenda por palavras ..................................................................... 64
Figura 3: Parlenda caf com po ......................................................................................... 65
Figura 4: Escrita espontnea ................................................................................................ 66
Figura 5: Parlenda: ordenao por frases ............................................................................. 68
Figura 6: Parlenda pula-pula ............................................................................................... 69
Figura 7: Parlenda do sapato ............................................................................................... 74
Figura 8: Jacar ................................................................................................................... 75
Figura 9: Macaco ................................................................................................................ 76
Figura 10: Parlenda avio .................................................................................................... 77
Figura 11: Parlenda tropeiro ................................................................................................ 77
Figura 12: Parlenda batatinha .............................................................................................. 79
Figura 13: Parlenda do doce ................................................................................................ 79
Figura 14: Parlenda Domingo .............................................................................................. 80
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SUMRIO
INTRODUO ................................................................................................................. 13
APTULO I
CONCEPO DE LINGUAGEM NA APRENDIZAGEM DA LNGUA .................... 17
1.1 A CONCEPO DE LINGUAGEM E APRENDIZAGEM NA PESPECTIVA
VYGOTSKIANA ............................................................................................................... 17
1.2 ORALIDADE E PERFORMANCE NA SALA DE AULA ............................................ 21
1.2.1 O ESPAO DA ORALIDADE E DA ESCRITURA ................................................... 25
1.3 O PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM NA LEITURA E NA ESCRITA ..... 17
APTULO II
A TRADIO ORAL NO PROCESSO DE AQUISIO DA LEITURA E DA
ESCRITA ........................................................................................................................... 36
2.1 NAS TRILHAS DA ORALIDADE COM AS PARLENDAS ........................................ 37
2.2 ESPAO DE LETRAMENTO ESCOLAR: AS PARLENDAS NA SALA DE
AULA .................................................................................................................................. 46
APTULO III
ABORDAGEM TERICO-METODOLGICO DA PESQUISA .................................. 51
3.1 CARACTERIZAO DOS DADOS DA PESQUISA ................................................... 51
3.2 CRITRIOS PARA A ESCOLHA DA SALA DE AULA ............................................. 52
3.2.1 A SALA DE AULA: ASPECTOS GERAIS ................................................................ 53
3.3 O PROJETO DE LEITURA - CONTEXTUALIZAO ............................................... 54
3.4 ANLISE E INTERPRETAO DOS DADOS ........................................................... 54
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3.5 OS ALUNOS: SUJEITOS DA PESQUISA .................................................................... 56
3.6 NAS CIRANDAS DA PARLENDA .............................................................................. 59
4. CONCLUSO ................................................................................................................ 82
5. REFERNCIAS ............................................................................................................. 84
ANEXOS
ANEXO A - DIAGNSTICO DA ESCRITA DAS CRIANAS REALIZADO NO DIA
27/08/2007 .......................................................................................................................... 88
ANEXO B - DIAGNSTICO DA ESCRITA DAS CRIANAS REALIZADO NO DIA
10/11/2007 .......................................................................................................................... 92
ANEXO C COLETNEA DE TEXTOS PESQUISADOS NO MEIO FAMILIAR ........... 96
ANEXO D IMAGENS DO LIVRO CONSTRUIDO PELAS CRIANAS ........................ 100
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INTRODUO
Os textos da tradio oral, relatos, causos, contos populares, parlendas, adivinhas,
trava-lnguas, cantigas de rodas, entre outros, sempre estiveram presentes no imaginrio
social. Esses textos caracterizam-se pela sua difuso atravs da oralidade e, recuperados pela
memria, adquirem a funo de encantar, divertir, entreter e cultivar valores.
Esse acervo oral por vezes no reconhecido como passvel de um trabalho
pedaggico e permanece fora da escola. Os docentes ou por no conhecerem os textos da
tradio oral ou por no reconhecerem neles o interesse que podem despertar nos seus alunos,
ou ainda, por no saberem como abordar textos de carter oral na sua prtica pedaggica,
deixam de explorar, na sala de aula, um material que pode garantir bom subsdio para suas
aulas. Ao recitar uma parlenda ou contar um conto ou at mesmo cantar uma cantiga,
expomos os nossos ouvintes a uma realizao textual linguagem oral em sua plenitude.
A presente pesquisa tem como objetivo comprovar e analisar, na sala de aula, a
viabilidade da utilizao da parlenda no processo de letramento na educao infantil e deste
modo, expandir atividades de leitura e escrita, atravs dos textos da tradio oral. Os objetivos
especficos que norteiam este trabalho so:
Pesquisar a presena dos textos orais Parlendas na prtica docente em uma
turma da educao infantil;
Identificar e analisar gneros orais da infncia Parlenda em uma proposta de
letramento;
Classificar, por categoria, as Parlendas estudadas no universo da sala de aula;
Descrever habilidades sociolingsticas desenvolvidas pelas crianas atravs trabalho
com Parlendas;
O trabalho trata o texto oral como objeto de ensino, que favorece a compreenso do
processo de aquisio da leitura e da escrita nas sries iniciais. A hiptese que direciona este
estudo a seguinte: Qual a contribuio da aplicao da parlenda como recurso didtico no
processo de aquisio da leitura e da escrita. Embora as pesquisas nessa rea tenham crescido,
diversificando o entendimento sobre os processos de aquisio de leitura e escrita, sentimos a
necessidade de refletirmos sobre a iniciao da escolaridade e o papel da cultura popular no
universo letrado. Por vezes, percebemos que atualmente, em nossa sociedade, os textos de
tradio oral tem-se perdido no tempo, sobretudo, pelo modelo de sociedade existente, que
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no favorece o contato das geraes, o que provoca a falta de oportunidade em vivenciar os
contos orais, as brincadeiras da tradio popular, entre outras manifestaes de nossa cultura.
Ao ingressar na escola, seja qual for sua idade, a criana traz consigo as marcas de seu
meio cultural, carregando conjuntos de representaes simblicas que lhe foram transmitidas
por seus pais, avs e amigos. sabido que a criana em idade pr-escolar adquire a maior
parte de seus conhecimentos atravs da transmisso oral. Os adultos com quem convive so os
que a introduzem no uso da palavra.
Durante sculos, o conhecimento foi transmitido atravs da oralidade. Quando no
existiam livros, escolas, nem a infncia como a concebemos hoje. Atravs dos mitos, dos
contos, e de todas as formas possveis de comunicao oral e corporal, transmitiam-se valores
e regras sociais.
Com o passar dos tempos, a escola passou a valorizar de tal forma o livro e a letra
impressa, que acabou subestimando a linguagem oral, sem levar em considerao que
oralidade, leitura e escrita so atividades integradas e complementares. Contudo, no
podemos negar que o primeiro contato da criana com o texto se d atravs da narrao oral,
independentemente de estar ou no vinculada ao livro. Mas, apesar de muitos contos e outros
textos populares terem chegado at ns pela escrita, sua sobrevivncia na histria deve-se
tradio oral.
Antigamente, era extremamente marcante na formao das crianas, a presena de
certas manifestaes da cultura popular. Em uma sociedade predominantemente oral, os
contadores de histrias, os pastoris, os livros cujos contedos estavam indissociavelmente
ligados tradio popular, as festas de So Joo, carnaval e religiosas imprimiram-se com
fora na memria dos narradores. Por este motivo, essencial que no cotidiano escolar
planejem-se projetos em que os textos e os saberes da tradio popular estejam envolvidos no
cotidiano das salas de aulas. neste sentido que a cultura e o folclore, em todo o seu sentir,
pensar, agir, estejam constantemente permeando os planejamentos, deixando o conhecimento
de nossa tradio penetrar na vida dos estudantes. Assim, o ensino no ser mera
transferncia, mas uma constante criao de possibilidades para a prpria produo e
perpetuao da cultura popular.
Questes como essas nos instigaram a vislumbrar a problemtica desta pesquisa:
Como expandir atividades de leitura e escrita, socialmente relevantes, na escola, integrando
atividades que estimulem a oralidade com textos da tradio oral, pertencentes ao nosso
acervo cultural? Neste contexto, optamos, por trabalhar com a aquisio da escrita das
crianas atravs de atividades com texto parlenda considerada como Um conjunto de
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palavras de arrumaes rtmicas em forma de versos que rimam ou no. Ela se distingue dos
demais versos pelas atividades que acompanha, seja jogo, brincadeiras ou movimento
corporal. Jaqueline Heylen (1987 p.13). Todo o trabalho encontra-se respaldados por
propostas pedaggicas que defendem o alfabetizar e letrar como processos simultneos, ou
seja, um ensino sistemtico da noo alfabtica com vivncia cotidiana de prticas letradas,
que permitam ao aluno se apropriar das caractersticas e finalidades do sistema alfabtico e
progressivamente, aprender e automatizar suas convenes. A alfabetizao passa a ser
considerada parte essencial do processo de letramento, que se inicia antes mesmo da fase
escolar e se estende por toda vida. Alis, no contexto concreto de uso social da lngua, que a
alfabetizao se torna aprendizagem significativa para o aluno, pois permite que ele interaja
ativamente com os textos e discursos em circulao e, a partir deles, formule hipteses sobre o
sistema de escrita de nossa lngua.
Observar o cotidiano da educao infantil e conhecer a relao da oralidade e escritura
neste contexto, atravs de prticas onde o texto oral e escrito e cultura popular se entrelaam,
estimulou-nos. Pois, como pesquisadora, vivenciei descobertas, acompanhei o processo em
que as crianas construram sua compreenso sobre a linguagem/cultura.
A pesquisa possibilita ainda, discutir as questes do popular no universo escolar no
apenas como data comemorativa, mas como parte integrante do currculo escolar. A leitura da
bibliografia sobre o tema torna ainda mais aguada essas questes, pois existem poucos
materiais em nossa literatura que reflitam teoricamente sobre, a utilizao dos textos da
tradio oral em sala de aula. O que encontramos so coletneas de textos na seo folclore.
Somando-se a todos esses fatores, o trabalho com parlendas vivel, porque se caracteriza
pelo aspecto ldico. Neste universo a oralidade se transforma em texto escrito e retornam
como oralidade na voz das crianas que lem as parlendas. A ludicidade, neste trabalho no se
resume a uma forma especfica, nem a um objeto especfico, uma vez que, o brincar se
desenvolve no seio de uma cultura, em um contexto social especfico ele no uma atividade
que surge espontaneamente na vida da criana aprende-se a brincar e seus efeitos oferece a
quem dele faz uso, a construo de uma base slida para toda a vida, pois capaz de atuar no
desenvolvimento cognitivo e emocional. Por isso, importante que atividades ldicas
invadam as prticas docentes nas salas de aulas, aproveitando todos os momentos para
proporcionar aos alunos o acesso ao desenvolvimento e ao conhecimento, porque ler e
escrever so aes mentais decorrentes da funo simblica. Assim, o fato de que o objeto
parlenda seria passvel de diversas anlises, apresentando uma multiplicidade de faces e
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mostrando-se potencialmente rico para a aproximao e aprofundamento de questes que tm
me acompanhado ao longo de minha trajetria acadmica, foi um fator decisivo na escolha.
A pesquisa desenvolvida com base nas observaes realizadas durante a
operacionalizao de um projeto de leitura que j faz parte do Projeto Poltico Pedaggico da
escola, vivenciado em sala de aula. Como o universo de textos orais muito vasto, faz-se
necessrio que delimitemos o campo de nossa pesquisa para o trabalho com o texto da
oralidade Parlenda.
Realizaremos um estudo buscando elucidar como se d a aquisio da lngua escrita
atravs do uso sistemtico das parlendas, por meio da anlise das hipteses de escrita
construdas pelas crianas durante o projeto de leitura. Tambm foram analisadas as prticas
educativas que permeiam todo o processo de aprendizagem do alfabetizar letrando. medida
que fomos realizando a anlise dos dados, iniciamos, mais sistematicamente, a escrita do
texto, parte intrnseca prpria produo. Em todo o processo, as idas e vindas entre as vrias
etapas descritas foram constantes. Os estudos sobre aquisio da leitura e da escrita, relao
entre oralidade e letramento, as discusses em torno da performance, norteiam, terica e
metodologicamente, a investigao.
Passamos apresentao da estrutura geral deste trabalho. No primeiro captulo,
apresentaremos as teorias sobre a concepo de linguagem na aprendizagem da lngua dentre
elas: a concepo de linguagem e aprendizagem na perspectiva Vygotskiana, o Processo de
Ensino e Aprendizagem de Leitura e Escrita, numa perspectiva scio-interacionista e
Oralidade e Performance no espao escolar. Este captulo vem apresentar a concepo de
aprendizagem que fundamenta esta pesquisa concebendo-a como processo pelo qual o
indivduo adquire informaes, habilidades, atitudes e valores a partir do seu contato com a
realidade, com o meio ambiente e com as pessoas, isto atravs da interao social.
No segundo captulo, trataremos sobre o papel da tradio oral no processo de
aquisio da leitura e da escrita, como esses textos podem contribuir para a prtica pedaggica
em sala de aula. Compem um estudo enfocando a sua importncia no universo cultural, as
suas transformaes e a permanncia destes textos na tradio oral. Tambm sero discutidas
as questes do alfabetizar letrando, o desafio que se coloca para os primeiros anos de
escolaridade conciliar estes dois processos, assegurando aos alunos a apropriao do sistema
alfabtico e condies possibilitadoras do uso da lngua nas prticas sociais de leitura e
escrita. Abordaremos os subitens Nas trilhas da oralidade, As Parlendas e as Parlendas na
sala de aula: um contexto de letramento.
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O terceiro captulo ser dedicado s questes metodolgicas da pesquisa, momento em
que apresentaremos o corpus parlenda, para a caracterizao, anlise e interpretao dos
dados, espao dedicado a articulao do discurso com a prtica. Nesta etapa buscamos um
enfoque mais amplo das atividades ligadas ao registro, divulgao, transformaes,
utilizaes, permanncias dos textos orais parlendas, no que diz respeito prtica pedaggica
na sala de aula.
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APTULO I
CONCEPO DE LINGUAGEM NA APRENDIZAGEM DA LNGUA
Neste captulo, trataremos sobre algumas concepes de ensino e aprendizagem da
lngua as quais fornecem embasamento terico para o presente estudo. As experincias e os
estudos realizados em minha prtica pedaggica possibilitaram a reflexo e aplicabilidade das
teorias de Piaget e Vygotsky sobre a aprendizagem do sujeito no processo de aquisio da
leitura e da escrita. Somando a essas teorias as descobertas da pesquisadora Emlia Ferreiro
quanto psicognese da lngua escrita, bem como, os estudos sobre letramento difundidos
nestes ltimos anos em nossos sistemas de ensino. Diante destas concepes passamos a
desenvolver trabalhos em sala de aula visando no s compreender como a criana aprende,
mas a melhor forma de ensin-la elaborando e organizando situaes nas quais a criana
seja motivada a pensar e construir hipteses sobre o que est aprendendo. Aliados a essas
teorias, encontram-se os estudos do medievalista Paul Zumthor sobre oralidade e
performance, que favorecem inclusive a atuao de professores, dentro do universo de sala de
aula, expressando-se atravs de suas performances orais. Tambm ser observado o
envolvimento das crianas pela potica da cultura oral atravs das atividades com o texto
parlenda, como poderemos observar detalhadamente no terceiro captulo.
1.1 A CONCEPO DE LINGUAGEM E APRENDIZAGEM NA PERSPECTIVA
VYGOTSKIANA
Desde o nascimento, a criana encontra-se em processo contnuo de desenvolvimento.
Este marcado por aquisies significativas que ela vai incorporando atravs de sua relao
com o seu meio fsico e sociocultural. Para o desenvolvimento da linguagem na criana,
principalmente na primeira infncia, o que se reveste de importncia primordial so as
interaes com os adultos, portadores de mensagens da cultura. Nessa interao, o papel
essencial corresponde aos signos, aos diferentes sistemas semiticos, que tm funo de
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comunicao e logo comeam a ser utilizados como instrumentos de organizao social
(VYGOTSKY, 1988).
Uma das contribuies mais importantes que fundamentam tais colocaes a
vertente histrico-cultural. Um dos maiores expoentes dessa abordagem Lev Semenovich
Vygotsky, que construiu sua teoria tendo por base o desenvolvimento do indivduo como
resultado de um processo social e histrico, enfatizando o papel da linguagem e da
aprendizagem nesse desenvolvimento. A questo central analisada em seus estudos foi a
aquisio de conhecimentos pela interao do sujeito com o meio. Sua teoria aponta para
mecanismos pelos quais a cultura torna-se parte da natureza de cada pessoa. O referido autor
insistiu na concepo de que as funes psicolgicas so produtos da atividade cerebral.
Suas concepes sobre o desenvolvimento humano, como processo scio-histrico,
apresentam a mediao como tema central, pois ele entende que, como sujeito do
conhecimento, o acesso do homem ao mundo dos objetos no direto e, sim, mediado atravs
de recortes do real, operados pelos sistemas simblicos de que dispe. Assim, Vygotsky
(1988) enfatizou a construo do conhecimento como uma interao mediada por vrias
relaes, ou seja, o conhecimento no s est sendo visto como uma ao do sujeito sobre a
realidade, mas principalmente pela interao com outros sujeitos. Nesse processo de mediao
com o mundo, a linguagem tem importncia vital, pois, atravs desse sistema simblico que
fornece os conceitos, as formas de organizao do real, as funes mentais superiores so
socialmente formadas e culturalmente transmitidas. Portanto, sociedades e culturas1 diferentes
produzem estruturas diferenciadas. Como afirma Rego (1995) em seus estudos sobre a teoria
Vygostskyana:
Vygotsky dedica particular ateno questo da linguagem, entendida como sistema
simblico fundamental em todos os grupos humanos, elaborados no curso da histria
social, que organiza os signos em estruturas complexas e desempenha um papel
imprescindvel na formao das caractersticas psicolgicas humanas (REGO, 1995,
p. 53).
A maior mudana na capacidade das crianas para usar a linguagem como um
instrumento para a soluo de problemas ocorre quando elas internalizam a fala socializada,
1Cultura, entretanto, no pensada por Vygotsky como algo pronto, um sistema esttico ao qual os indivduos se
submetem, mas como uma espcie de palco de negociao, em que seus membros esto num constante movimento de recreao e reinterpretao de informaes, conceitos e significado. Oliveira, Z. de M.R. de A natureza do ensino segundo uma perspectiva scio-interacionista In: Revista da Associao Nacional de Educao, ANDE, 18:37-40 1992.
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aquela previamente utilizada para dirigir-se ao adulto usando a fala como instrumento para
planejar a ao. A linguagem passa, assim, a adquirir uma funo intrapessoal, constituda no
pensamento, alm de seu uso interpessoal. A interao social e a linguagem so fundamentais
para a criana. O seu desenvolvimento cognitivo d-se pelo processo de internalizao da
interao social com materiais lingsticos fornecidos pela cultura que lhe propiciam os
sistemas simblicos de representao da realidade, ou seja, o universo de significaes que
lhe permite construir a interpretao do mundo real.
Para Vygotsky na () relao com o outro que a criana vai se apropriando das
significaes socialmente construdas (FONTANA; CRUZ, 1997, p.61). Portanto, a partir
das relaes com o outro que a criana vai reconstruindo internamente as formas culturais de
ao e pensamento. Esse processo Vygotsky denominou internalizao. Ele construdo a
partir da atividade social, completando-se com a vivncia individual dos fatos do cotidiano.
Como afirma o prprio autor:
Uma operao que inicialmente representa uma atividade externa reconstruda e
comea a ocorrer internamente. () um processo interpessoal transformado num processo intrapessoal. () A transformao de um processo interpessoal num intrapessoal o resultado de uma longa srie de eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento (VYGOTSKY, 1988, p.64).
Nesse processo de interao2 com o mundo, a criana aprende e constri junto ao
outro a produo de seu grupo social, a exemplo de valores, costumes, linguagem, jogos e
brincadeiras e o prprio conhecimento popular. De acordo com Vygotsky (1988), a mediao
na interao homem-ambiente se produz pelo uso de instrumentos e signos, desenvolvidos em
geraes precedentes. Fontana e Cruz (1997, p. 58), concebem instrumento como () tudo
aquilo que se interpe entre o homem e o ambiente, ampliando e modificando sua forma de
ao. E acrescenta que para Vygotsky, () tudo o que utilizado pelo homem para
representar, evocar ou tornar presente o que est ausente constitui um signo: a palavra, o
desenho, os smbolos () (ibid, p.59).
Os sistemas de signos (a linguagem, a escrita, o sistema de nmeros), assim como o
sistema de instrumentos, so criados pelas sociedades ao longo do curso da histria
humana e mudam a forma social e o nvel de seu desenvolvimento cultural
(VYGOTSKY, 1988, p.8).
2 Ao internalizar as experincias fornecidas pela cultura, a criana reconstri individualmente os modos de ao
realizados externamente e aprende a organizar os prprios processos mentais. O indivduo deixa, portanto, de se
basear em signos externos e comea a se apoiar em recursos internalizados (imagens, representaes mentais,
conceitos etc.). Rego. T.C.R. Vygotsky: uma perceptiva histrico-cultural da educao. RJ. Vozes 1995.
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Vygotsky (1998) considera a aprendizagem e o desenvolvimento como processos
interligados, construdos em um contexto histrico-cultural. Ele ainda revela que entre esses
dois processos existem relaes dinmicas e complexas. Para entender a relao entre
desenvolvimento e aprendizagem, em Vygotsky, torna-se necessria a compreenso do
conceito de zona de desenvolvimento proximal. Segundo este autor (1998, p.97):
() a distncia entre o nvel de desenvolvimento real, que se costuma determinar atravs da soluo independente de problemas, e o nvel de desenvolvimento
potencial, determinado atravs da soluo de um problema sob a orientao de um
adulto ou em colaborao com companheiros mais capazes.
Para a prtica pedaggica, o conhecimento do processo que o aprendiz realiza
mentalmente fundamental, pois nem sempre significa uma operao mental bem realizada.
O acerto pode significar, apenas, uma resposta mecnica de memorizao. Se o professor
conhecer o caminho utilizado pelo aluno para chegar s solues dos problemas, ele poder
intervir, provocar, estimular ou apoiar o aprendiz, quando ele demonstrar dificuldades num
determinado ponto. De acordo com a perspectiva de aprendizagem vygotskiana, torna-se
possvel trabalhar funes cognitivas superiores que ainda no esto de todo consolidadas.
Quando no consideramos estas funes que se encontram em processo de consolidao,
deixamos de atuar na zona de desenvolvimento proximal que a distncia entre o nvel de
desenvolvimento real (aquele em que a criana consegue solucionar o problema os modos
de agir e pensar sem a ajuda do outro) e o nvel de desenvolvimento potencial (aquele em que
a criana precisa da ajuda do outro para resolver o problema). De acordo com o referido
autor:
() a criana resolve o problema depois de fornecermos pistas ou mostrarmos como o problema pode ser solucionado, ou se o professor inicia a soluo e a criana a
completa, ou ainda, se ela resolve o problema em colaborao com as outras crianas em resumo, se por pouco a criana no capaz de resolver o problema sozinha a soluo no vista como indicativo de seu desenvolvimentos mental. Esta verdade pertencia ao senso comum e era por ele reforada. Por mais de uma dcada, mesmo os pensadores mais sagazes nunca questionaram esse fato; nunca
consideraram a noo de que aquilo que as crianas conseguem fazer com a ajuda
dos outros poderia ser, de alguma maneira, muito mais indicativo de seu
desenvolvimento mental do que aquilo que ela consegue fazer sozinha
(VYGOTSKY, 1988, p.96).
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A linguagem3 constitui a criana e tambm a insere no mundo, permitindo a interao
com diferentes universos. Ao experimentar o mundo atravs da linguagem, as crianas
ampliam seus conhecimentos apoiando-se na cultura4, dando significado s vivncias e
tambm ao que observa no mundo em que vive. O papel da cultura nesse universo tambm
permitir que as crianas se apropriem das significaes construdas socialmente. Atravs da
linguagem e das significaes que, de acordo com Fontana e Cruz (1997, p.61), ()
possibilita o acesso a formas culturais de perceber e estruturar a realidade. Neste sentido,
tanto a oralidade como a escrita so objetos culturais por excelncia, frutos da construo
social.
1.2 ORALIDADE E PERFORMANCE NA SALA DE AULA
Durante o seu desenvolvimento, a criana aprende diversas formas de interagir com o
ambiente onde est inserida. A primeira delas , sem dvida, a linguagem corporal. Muitos
dos acontecimentos relacionados com o discurso da fala, como os sons, alteraes de
volumes, ritmos ou funcionamentos dialgicos nas situaes de conversao, risos, choros,
expresses faciais so utilizados pelas crianas mesmo antes de falar. Concomitantemente a
esta expresso, a linguagem oral vai sendo desenvolvida, tornando-se um poderoso
instrumento de comunicao. No processo de aquisio da linguagem, essa habilidade
converte-se em uma parte integrante das estruturas psquicas do indivduo (a evoluo da
linguagem). Porm, existe algo mais: as novas aquisies de origem social, que operam em
interao com outras funes mentais, por exemplo, o pensamento. Neste encontro nascem
funes novas, como o pensamento verbal. Segundo Vygotsky, a linguagem representa um
marco no desenvolvimento do homem:
A capacidade especificamente humana para a linguagem habilita as crianas a
providenciarem instrumentos auxiliares na soluo de tarefas difceis, a superarem
as aes impulsivas, ao planejarem a soluo e a controlarem seu prprio comportamento. Signos e palavras constituem para as crianas, primeiro e acima de
tudo, um meio de contato social com outras pessoas. As funes cognitivas e
comunicativas da linguagem tornam-se, ento, a base de uma forma nova e superior
de atividade nas crianas, distinguindo as dos animais. (VYGOTSKY, 1988, p.31).
3 Para um estudo mais aprofundado das idias de Vygotsky sobre a questo da linguagem e suas relaes com o
pensamento, ver o livro Pensamento e linguagem (VYGOTSKY, 1987). 4 Cultura compreendida como um conjunto complexo de saberes, as crenas, a arte, os modos, o direito, os
costumes assim como toda a disposio ou uso adquirido pelo homem vivendo na sociedade. (TYLOR, 1871).
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24
A linguagem oral, portanto, no consiste apenas em memorizar sons e palavras. A
aprendizagem da fala pelas crianas no se d de forma desarticulada com a reflexo, o
pensamento, a explicitao de seus atos, sentimentos, sensaes e desejos. A anlise de
Vygotsky sobre as relaes entre desenvolvimento e aprendizagem5 no campo da aquisio da
linguagem nos leva a definir que o desenvolvimento caracteriza-se por um processo natural e
a aprendizagem se apresenta como um meio que fortalece esse processo, atravs dos
instrumentos criados pela cultura que ampliam as possibilidades do indivduo e reestruturam
suas funes mentais. O papel dos adultos, enquanto representantes da cultura no processo de
aquisio da linguagem pela criana, nos leva a descrever um novo tipo de interao que
desempenha um papel determinante na teoria de Vygotsky. Com efeito, alm da interao
social, h nesta teoria uma interao com os produtos da cultura. Esses tipos de interao
manifestam-se em forma de interao sociocultural.
A construo da linguagem oral no linear e ocorre em um processo de aproximao
sucessiva com a fala do outro. Muito antes de entrar na escola, a criana, tem muitas
experincias com o universo lingstico e faz leituras de sua prpria realidade. Ela escuta
histrias, participa de conversas com os parentes e pessoas prximas, escuta rdio e msicas,
v TV entre outras situaes vividas de linguagem; atravs desses mecanismos, a criana vai
construindo a estrutura da linguagem oral. Nas inmeras experincias com a linguagem oral,
as crianas descobrem as simetrias de nossa lngua e seguem criando formas verbais,
expresses e palavras, na tentativa de apropriar-se das convenes da linguagem.
O desenvolvimento da fala e da capacidade simblica ampliam os recursos
intelectuais, pois na produo do discurso oral a criana levada a escutar, a dar opinio e a
refletir sobre o discurso produzido dentro do contexto em que ele se organiza e dentro da
variedade de possibilidades desse discurso. Contudo, preciso deixar bem claro que a
capacidade de comunicao oral ocorre gradativamente, por meio de um processo de idas e
vindas que envolvem tanto a participao das crianas nas conversas cotidianas, em situaes
de escuta, cantos de msicas, parlendas e jogos verbais, rimas e brincadeiras etc.,
(Referenciais Curriculares Nacionais para a Educao Infantil, 1998, p. 127). atravs de
brincadeiras com os textos da oralidade infantil, por exemplo, que as crianas comeam a
interagir e a aprender como a lngua funciona, no s como forma de comunicao, mas como
objeto de representao cultural, produzido e compartilhado pelos membros da comunidade.
5 Segundo Vygotsky, o aprendizado pressupe uma natureza social especfica um processo atravs do qual as
crianas penetram na vida intelectual daqueles que a cercam. (Vygotsky, 1984. p.99), A formao social da
mente.
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25
Esse universo da oralidade, que envolve contos, lendas, adivinhas, ditos populares, parlendas
entres outros textos, refletem os costumes e o saber de um determinado lugar. Portanto, so
elementos valiosos que necessitam ser reconhecidos e vivenciados cotidianamente no s nos
espaos informais, mas principalmente no formal aqui caracterizado pela instituio escolar.
O papel da oralidade no universo escolar, especialmente na Educao Infantil, muitas
vezes limita-se a atividades de contar histrias. Nesse contexto, uma vez as crianas
alfabetizadas, as atividades que envolvam a oralidade vo sendo substitudas pelas atividades
de leitura e escrita, afastando-se das prticas que explorem as habilidades de ouvir e falar. O
fato de o aluno saber falar a lngua parece ser suficiente para determinadas instituies
educativas, no desenvolverem, sistematicamente, atividades que explorem a expresso oral.
Destarte, uma proposta pedaggica que inclua os textos da tradio oral na sala de aula
oportuniza aos alunos reconhecer o saber que tem permanecido afastado da escola. Os textos
do nosso acervo oral esto vivos na memria popular e muitas vezes mantm-se distante de
nossas crianas por falta de sensibilidade da escola em valoriz-lo.
Em se tratando de oralidade, convm delimitar, ou pelo menos precisar, alguns termos
essenciais para o seu entendimento. De acordo com Paul Zumthor, a expresso oralidade
abrange um campo semntico maior e mais complexo do que o simples conceito de
"transmitido pela palavra". A palavra, ento, seria a manifestao mais evidente da oralidade,
mas no a nica nem a mais importante. Nesse sentido, a oralidade no decorrer de sua obra
considerada como toda comunicao potica em que, pelo menos, transmisso e recepo
passam pela voz e pelo ouvido. As variaes das outras operaes modulam esta oralidade
fundamental. (ZUMTHOR, 1997, p.34). Nesta perspectiva, v a voz como imagem criadora,
e estruturadora das possibilidades simblicas que se integra performance (emanao da voz
no corpo), colocando como indissociveis o gesto e a palavra. Isto porque o texto pronunciado
constitui, primeiramente, um sinal sonoro, ativo como tal, e s secundariamente mensagem
articulada, produzindo conexes e intervenes na escritura.
Quando um professor se rene com seus alunos est dispondo de um espao da
performance. Os alunos postam-se em torno dele, ou se no voltados para ele, permitindo que
o professor exera um lugar de destaque. Neste universo da sala de aula, participar da
performance envolve as condies de conversa, de uma troca de idias. Esse acontecimento
inclui a presena integral de quem oraliza o texto com os seus ouvintes. O olhar do educador
volta-se ao mesmo tempo para o texto que esta sendo compartilhado e para os ouvintes, a fim
de perceber os efeitos desse encontro. Ao se tratar de uma performance oral, mesmo no se
expressando atravs da fala, os alunos sinalizam com a expressividade do seu olhar, em
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26
interao com o professor. este que d vida ao texto pronunciado. A oralidade no se reduz
ao da voz. Expanso do corpo, embora no o esgote. A oralidade implica em tudo o que,
em ns, se enderea ao outro: seja gesto mudo, um olhar (ZUMTHOR, 1997 p. 2003).
A performance est vinculada completa interao entre intrprete, texto e ouvinte. A
memorizao e o prazer do leitor/ouvinte e/ou professor/aluno esto vinculados, assim como o
contexto scio-cultural em que est inserido o ato de ler ou de ouvir. Nossa memria faz um
registro eterno quando compreendemos o que est sendo lido ou dito de forma espontnea e
prazerosa. O ouvinte/aluno e o texto sofrem adaptaes medida que se estabelece uma
relao entre eles, logo, as alteraes da performance vo alterar a reao do ouvinte.
Na performance, eu diria que ela o saber ser. um saber que implica e comanda
uma presena e uma conduta, um Daein comportamento coordenadas espaos-temporais e fisiolgicas concretas, uma ordem de valores encarnados em um corpo
vivo (ZUMTHOR, 2000, p. 35).
Desse modo, os estudos sobre a oralidade e performance no universo escolar deveriam
permear os encontros pedaggicos, objetivando auxiliar atividade de ensino-aprendizagem.
Alm de oportunizar aos alunos interpretarem textos orais e/ou escritos, desenvolvendo assim,
sua prpria performance. Assim, a capacidade interpretativa seria pensada enquanto
experincia vivida de cada sujeito cognoscente. preciso garantir atividades significativas,
para que os alunos possam compreender, explicar e aplicar seus conhecimentos de acordo
com o seu contexto e espao temporal, ou seja, levar em conta sua capacidade interpretativa
autnoma, possibilitando a ampliao deste universo oral atravs da participao do aluno na
socializao dos saberes trazido do seu universo para a escola.
A sala de aula um lugar bastante apropriado para a atuao da performance e da
oralidade, mas para que de fato isso acontea, preciso que o professor tenha claro em seu
fazer pedaggico os princpios e a importncia da performance e da oralidade no espao
escolar. Pensar a performance como objeto pedaggico, propiciar momentos em que a criana
possa vivenciar a potica da cultura oral, deveriam ser objetivos concretos no Projeto Poltico
Pedaggico das escolas.
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1.2.1 O ESPAO DA ORALIDADE E DA ESCRITURA
Para Zumthor (1993, p. 220), a performance se realiza na obra potica por trazer em
sua forma elementos que ultrapassam as limitaes textuais. Entre um texto escrito e uma
palavra pronunciada h uma certa diferena, pois a segunda porta um signo global e nico,
to abolido quando percebido. Na performance a transmisso de boca a ouvido transforma o
texto em arte ultrapassando a linha do pensamento racional e mergulhando-o na sinuosidade
da imaginao humana.
A oralidade interioriza, assim, a memria do mesmo modo que a especializa: a voz se estende num espao, cujas dimenses se estendem pelo seu alcance acstico,
aumentada ou no por mecnicos, que ela no pode ultrapassar. A escrita
evidentemente tambm espacial, mas de uma outra maneira. Seu espao a
superfcie de um texto: geometria sem espessura, dimenso pura (exceto nos jogos
tipogrficos de certos poetas), enquanto a receptividade indefinida da mensagem, em
sua identidade intangvel, lhe d a garantia de vencer o tempo. O resultado
maneabilidade perfeita o texto: eu leio, releio, divido, junto, deso ou subo
vontade o seu percurso (ZUMTHOR, 1997, p.42).
Ele ainda defende a possibilidade de que, em funo do momento histrico, o texto vai
depender ou de uma oralidade que funcione na zona da escritura ou de uma escritura que
funcione na oralidade. O fato que o manuscrito mantm a caracterstica ttil-oral e a escrita
vai adquirir mais efeito a partir do surgimento da imprensa. Para este autor o fato do domnio
da escrita ser extremamente difcil e de no ser estimulado entre todas as camadas sociais:
escrever um ofcio rduo, cansativo, um artesanato organizado (1993, p.100). Essas
dificuldades vo sendo minimizadas com o passar dos anos e o incentivo escrita vai ocorrer
somente a partir do sculo XX. O trabalho do escriba era restrito a uma elite: chancelaria
pontifcia, de bispados, de prefeituras. As oficinas dos copistas adquiriam, inclusive,
celebridade pelo exerccio desse ofcio tamanho o seu grau de dificuldade. Essas dificuldades
inerentes escritura, determinada pelo perodo histrico, vo influenciar a sua decodificao,
pois muitos sabiam escrever, mas no ler: eram dois aprendizados distintos.
Estudos sobre a histria da escrita6 demonstram que a mesma exerceu e exerce at os
6Escrita uma representao da lngua falada por meio de signos grficos. Trata-se de um cdigo de
comunicao de segundo grau com relao a linguagem que por sua vez um cdigo de comunicao de
primeiro grau. A fala se desenrola no tempo e desaparece; a escrita tem como suporte o espao, que conserva. O
estudo dos diferentes tipos de escrita elaborados pela humanidade tem, portanto intima relao com o estudo da
lngua falada, assim como com o das civilizaes nas quais elas de aperfeioaram. Um estudo da escrita deve
desenvolver-se em dois planos paralelos: de um lado um estudo histrico da escrita, e dos outro lado um estudo
lingstico. Dubois, Jean et alli, Dicionrio de lingstica. 1997.
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dias atuais um poder a quem se apropria. A palavra, afinal, o meio pelo qual o homem se
manifesta plenamente. A voz est presente na escrita e vice-versa: o verbo encarnado na
escritura (ZUMTHOR, 1993, p.113). A passagem do vocal para o escrito repleta de
confrontaes, tenses, oposies conflitivas e muitas vezes contraditrias. O texto da
tradio oral neste contexto ter seu registro assegurado muito provavelmente bem depois de
sua criao, perdendo assim o rigor de sua transcrio. O texto oral desfaz e recria
permanentemente o seu sentido, o que no ocorre to rapidamente com a escritura.
sabido que nas sociedades grafas, todo o saber era transmitido oralmente. A
memria humana, essencialmente a auditiva, era o nico recurso de que dispunham as
culturas orais para o armazenamento e a transmisso do conhecimento s futuras geraes. A
inteligncia, portanto, estava intimamente relacionada memria. Os mais velhos eram
reconhecidos como os mais sbios, j que detinham o conhecimento acumulado. A
memorizao, nica forma existente de arquivamento at o surgimento da escrita, continua a
cumprir seu ofcio ainda que margem do arquivo.
Toda fonte histrica derivada da percepo humana subjetiva, mas apenas a fonte oral permite-nos desafiar essa subjetividade: descolar as camadas de memria, cavar
fundos em suas sombras, na expectativa de atingir a verdade oculta (THOMPSON,
2002, p. 197)
Toda sociedade tem um saber cumulativo oriundo da memria, e que so reconhecidos
na linguagem. As tradies orais so fundamentais para a manuteno dos costumes e
serviro de alicerce para a constituio da histria de uma sociedade. Ainda que o destino
dessas tradies seja incerto; podem sobreviver incompreensivelmente ou desaparecerem, a
reminiscncia, entretanto, impedir o extermnio da edificao das passarelas entre um
passado fabuloso e nosso pobre presente, entre este e um futuro que s tem por fim um Outro
Mundo (ZUMTHOR, 1997, p.33/34). Culturas s se lembram esquecendo (ZUMTHOR,
1997, p.15). A seleo nos permite desconectar com a histria no momento em que a
vivemos. A memria coletiva vai recuperar ou manter o que pode permanecer funcional. S
registramos o que nos interessa. A teia de percepes de costumes e de idias a responsvel
pelo desenvolvimento e perdurao das tradies orais.
Os textos da oralidade garantem que a cada vivncia de expresso cultural, se criem e
recriem novos espaos atravs das performances. Ela vai encontrar sua plenitude na sua
relao com obras anteriores e posteriores. esta movncia que vai garantir a manuteno das
tradies de uma sociedade. A memria coletiva captura os fragmentos significantes e os
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transforma em elementos de tradio. A manuteno da tradio oral, inclusive, se d pela
reminiscncia, pelo costume e pelo esquecimento, permitindo ao passado permanecer vivo.
Sendo a tradio uma colaborao que pedimos ao nosso passado para resolver nossos
problemas atuais (ORTEGA; GASSET, apud ZUMTHOR, 1997, p. 13), o esquecimento
necessrio a partir do momento em que nenhuma compreenso total e toda interpretao
fragmentria, os vazios tornam-se, pois, primordiais para a continuidade da histria. um
ritual aderir tradio e submeter a ela o seu discurso. A vontade de esquecimento um
mecanismo utilizado para excluir da tradio certos elementos da memria coletiva,
indesejveis para ela. Memria e esquecimento so instrumentos conjuntos e indissociveis
de toda ao. (ZUMTHOR, 1997, p. 20). A memria fruto de uma constante tenso entre o
que mantm a tradio e o que ela preferiu esquecer. No podemos pensar em manuteno
das tradies sem pensarmos em memria, nas suas formas de registro e na seleo do que se
vai registrar.
A oralidade, tratada por Zumthor, genericamente, como poesia oral, a partir da funo
do intrprete/narrador e do ouvinte, fonte primeira de toda forma de comunicao,
convivendo com a escrita, que nasce com outro propsito e assume como vimos, papel
diferenciado da linguagem oral, mas tambm de indiscutvel primazia para a evoluo da
humanidade.
Tanto a oralidade como a escritura so condies sine qua non para a existncia da
tradio. Zumthor (1997) coloca a oralidade e a escritura como objetos da cultura, que so
constitudos de valores culturais revelados em manifestaes do povo. Como o caso do texto
da tradio oral infantil parlenda foco de nossa pesquisa ao mesmo tempo em que
pertence literatura oral histrico pela tradio e transmisso de gerao em gerao. As
parlendas so expresses da cultura popular e conseqentemente trazem uma marca de
sabedoria do povo. () so patrimnio cultural da famlia, da comunidade, do estado, da
nao, do universo (HEYLEN, 1987, p. 154).
No universo escolar, a oralidade e a escritura deveriam caminhar juntas, mas os textos
da tradio oral no so utilizados pela escola em suas possibilidades de desenvolver as
aptides de ouvir, falar, ler e escrever. Fala-se tanto em prticas sociais de leitura e escrita,
contudo, ao observamos o cotidiano de nossas escolas percebemos que os professores no
levam em considerao a riqueza dos textos existentes na prpria comunidade, expressados,
por exemplo, nas brincadeiras das crianas.
O trabalho com a escritura dos textos de nossa tradio oral pode ser um caminho
eficaz para motivar os alunos a desenvolverem diversas habilidades que fomentam as
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capacidades de expresso oral e escrita. A experincia de vrios anos letivos com a utilizao
do texto oral em sala de aula me garante subsdio para afirmar que o texto da tradio oral,
constitui um material de grande riqueza no s para ser compartilhado, mas tambm para
motivar e desenvolver a aprendizagem de uma variada gama de aspectos da linguagem.
1.3 O PROCESSO DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM NA LEITURA E NA
ESCRITA
Durante muito tempo, pensava-se que ser alfabetizado era conhecer o cdigo
lingstico, ou seja, conhecer as letras do alfabeto. Atualmente, sabe-se que, embora seja
necessrio o conhecimento das letras isso no suficiente para ser competente no uso da
lngua escrita. A lngua no um mero cdigo para comunicao. E sim, um fenmeno social
estruturado de forma dinmica e coletiva, a escrita tambm deve ser vista sobre o prisma
sociocultural.
Convivemos por muitas dcadas e talvez ainda hoje no espao de muitas escolas, com
trs tipos fundamentais de mtodos: os Sintticos7, Analticos
8 e os Analtico-sintticos
9,
embora houvesse divergncias entre os trs, ambos concebiam a aprendizagem do sistema de
escrita alfabtica como uma questo mecnica, uma tcnica de deciframento. Estas prticas
seguiam a progresso clssica: primeiro as vogais, depois combinaes de consoantes, at
chegar s formaes das primeiras palavras por duplicao dessas slabas. A concepo
tradicional de alfabetizao acreditava que se aprendia a ler e a escrever memorizando sons,
slabas e letras. Para as crianas se expressarem atravs da escrita era necessrio que elas
conhecessem as letras e famlias silbicas.
No decorrer do tempo outras teorias sugiram, para abordar a linguagem escrita. Tanto
os estudos de Vygotsky, quanto os de Emlia Ferreiro tm muitos pontos em comum, entre
eles podemos salientar que ambos consideram a escrita como um sistema de representao
cultural, e o processo de alfabetizao como o domnio progressivo desse sistema. Para eles a
alfabetizao um processo dinmico e ativo, no uma mera aquisio de uma habilidade
7 Sintticos centrava a interveno didtica no ensino das partes menores para depois partir para as unidades maiores. 8 Analticos centrava o ensino na memorizao de unidades maiores para depois chegar as unidades menores. 9 Conduzia atividades de anlise e sntese das unidades maiores e menores no mesmo perodo letivo.
Coutinho. M. L. Psicognese da lngua escrita: O que ? Como intervir em cada uma das hipteses? Uma
conversa entre professores. In Alfabetizao: apropriao do sistema de escrita alfabtica. Org. Morais. A. G.
Autentica, 2005.
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31
mecnica que permite fazer a correspondncia letra-som. No espao escolar a criana deve ter
oportunidade de escrever diariamente, mesmo sem dominar a conveno ortogrfica, e no seu
ritmo, perceber que texto uma forma de dizer coisas que se quer ou precisa dizer, em
determinadas situaes com inteno e destinatrio especficos. A aquisio da linguagem
tanto da fala quanto da escrita - uma conquista marcante. Quando aprendemos a ler e a
escrever, descobrimos que os sinais da escrita reproduzem, ou melhor, representam o som da
fala. importante percebermos, que ao lermos um texto, estabelecido um dilogo entre tudo
o que sabemos e aquilo que o texto traz de novo.
Por trs de cada prtica pedaggica existem teorias, concepes e idias que
fundamentam o trabalho em sala de aula. Nesta pesquisa, partimos de uma abordagem que
acredita na aquisio da leitura e da escrita como processo que se inicia muito antes da
criana chegar escola e estende-se por muitos anos.
Os resultados da pesquisa pioneira de Emlia Ferreiro e Ana Teberosky, descrevendo a
psicognese da lngua escrita a partir de referencial piagetiano, provocaram significativas
alteraes na fundamentao terica do processo ensino-aprendizagem da leitura e da escrita,
deslocando seu eixo de "como se ensina" para "como se aprende" a ler e a escrever. A
psicognese da escrita, caracterizada como uma descrio do processo atravs do qual a
escrita se constitui em objeto de conhecimento para a criana colocou assim a escrita, no
lugar que lhe cabe - objeto sociocultural de conhecimento. neste centro de aprendizagem,
um sujeito que pensa, que elabora hipteses sobre o modo de funcionamento da escrita,
esforando-se por compreender para que serve e como se constitui esse objeto.
As crianas adquirem o conhecimento da linguagem escrita porque, em interao com este objeto, aplicam a ele esquemas sucessivamente complexos, decorrentes do
seu desenvolvimento cognitivo. O desdobramento que se segue o estabelecimento de diferentes momentos de aquisio, articulados sistematicamente, constituindo um
modelo de aquisio em nveis, fases ou perodos. Estes se sucedem em graus
crescentes de complexidade e aproximao da escrita convencional. (FERREIRO apud AZENHA, 1994, p. 37).
Portanto, a aprendizagem um processo de apropriao do conhecimento que s
possvel com o pensar e o agir do sujeito sobre o objeto que ele quer conhecer. Contudo, ainda
nos deparamos com posturas pedaggicas que concebe a criana como uma espectadora do
processo de aprendizagem; elas sentam-se em suas cadeiras e apenas reproduzem aquilo que o
professor acredita ser importante. A aquisio da escrita no apresentada a este aluno como
algo importante e significativo que pode lhe dar oportunidade de posteriormente intervir na
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32
realidade. A criana quando est em meio ao processo de aquisio da escrita formula teorias,
metodologia e gramticas prprias, num processo lgico e coerente que imagina ser a lngua e
executa algo real e compreensvel para todos.
Desta concepo de ensino, imprescindvel compreender como as crianas elaboram
suas hipteses durante a aquisio da escrita. Desta forma, os possveis erros cometidos pelas
crianas no sero mais vistos como simples erros, uma vez que as crianas constroem seu
conhecimento e os erros so tentativas de acertos. Esses erros so na verdade caractersticos
da fase em que a criana se encontra dentro do processo da aquisio da escrita, so hipteses
que a criana sugere ao escrever, e so eles que daro ao professor o caminho para o
estabelecimento da escrita na criana. Por meio deles o educador desafiar a criana levando-
a ao conflito cognitivo, ou seja, forando-a a modificar seus esquemas assimiladores frente a
um objeto de conhecimento no assimilvel. Como poderemos observar no capitulo trs
quando estaremos analisando as atividades observadas com o texto parlenda.
Segundo Emlia Ferreiro (2001, p. 16):
Quando a criana escreve tal como acredita que poderia escrever certo conjunto de
palavras, est nos oferecendo um valiosssimo documento que necessita ser
interpretado para poder ser avaliado (). Aprender a l-las isto , a interpret-las um longo aprendizado que requer uma atitude terica definida.
Nesta concepo a criana busca a aprendizagem na medida em que constri o raciocnio
lgico. O processo evolutivo de aprender a ler e escrever passa por nveis de conceitualizao
que demonstram as hipteses a que chegou a criana. Os estudos sobre a psicognese da
lngua escrita realizados pelas autoras supracitadas caracterizam-se pela sucesso de etapas
cognitivas que, sem a instruo direta vinda dos adultos so, de forma original, formuladas
pelas crianas em processo de conhecimento a partir da interao com o meio social e escolar.
Os nveis estruturais da linguagem escrita explicam as diferenas individuais e os diferentes
estgios dos alunos. Emlia Ferreiro e Ana Teberosky (1989) apresentam uma anlise dos
nveis de conceitualizao da escrita. Destacaremos as principais caractersticas que marcam
os perodos principais do processo de construo da escrita. Nvel da hiptese pr-silbica,
hiptese silbica, hiptese silbico-alfabtica e hiptese alfabtica. A seguir falar-se- de
cada um deles detalhadamente.
No nvel da hiptese pr-silbica a criana no estabelece relao entre a pauta sonora
e a escrita. A escrita uma reproduo dos traados tpicos da escrita, a criana no
demonstra inteno deliberada de registrar a pauta sonora da linguagem. Escrever
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33
reproduzir os traos tpicos da escrita que a criana identifica como forma bsica de escrita
Teberosky e Ferreiro (1989, p.183). A diferenciao entre a grafia de uma palavra e outra
inexistente, pois os traos so muito semelhantes entre si. Diante deste fato somente o autor
desta escrita capaz de interpretar o que fez.
Sendo assim, a leitura desta escrita bastante instvel, pois se o produtor voltar a fazer
nova interpretao, poder atribuir aos grafismos novos significados. De acordo com
Teberosky e Ferreiro (1989, p. 183), ... a inteno subjetiva do escritor conta mais que as
diferenas objetivas do resultado.... Outro dado interessante no processo de aquisio da
escrita o fato de as crianas diferenciarem seus grafismos pelas caractersticas do objeto
referido. Por exemplo, se a criana representa escrita das palavras elefante e passarinho, os
traos maiores representaro o elefante e os memores o passarinho. Segundo Ferreiro (2001,
p. 185) A escrita uma escrita de nomes, mas os portadores desses nomes tm, alm disso,
outras propriedades que a escrita poderia refletir, j que a escrita do nome no ainda a
escrita de uma determinada forma sonora. Essa necessidade de explicitar o objeto requerido
por meio de suas caractersticas garante o momento da leitura, ou seja, o desenho uma clara
estratgia de remisso ao contedo registrado. Sintetizando o que foi apresentado acima no
Nvel da Hiptese Pr-silbica a criana:
no estabelece deliberadamente vnculo entre a fala e a escrita;
supe que a escrita outra forma de desenhar ou de representar
coisas e usa desenhos, garatujas e rabiscos para escrever;
demonstra inteno de escrever atravs de traado linear com
formas diferentes;
supe que a escrita representa o nome dos objetos e no os
objetos: coisas grandes devem ter nomes grandes, coisas pequenas
devem ter nomes pequenos;
usa letras do prprio nome ou letras e nmeros na mesma
palavra;
pode conhecer ou no os sons de algumas letras ou de todas
elas;
faz registros diferentes entre palavras modificando a quantidade
e a posio e fazendo variaes nos caracteres;
caracteriza uma palavra com uma letra inicial;
-
34
tem leitura global, individual e instvel do que escreve: s ela
sabe o que quis escrever;
supe que para algo poder ser lido, precisa ter no mnimo de
duas a quatro slabas, geralmente trs (hiptese de quantidade mnima
de caracteres);
supe que para algo ser lido, precisa ter grafias variadas
(hiptese da variedade de caracteres).
As autoras Teberosky e Ferreiro (1989, p.193) descrevem o nvel da hiptese silbica
como nvel caracterizado pela tentativa de dar um valor sonoro a cada uma das letras que
compem uma escrita. A criana inicia a tentativa de estabelecer relaes entre o contexto
sonoro (o que ouve) e o contexto grfico (escrita). Nesta tentativa a criana da mais
importncia em determinar o seguinte valor: cada letra vale por uma slaba.
De acordo com Azenha (2001, p. 72), O saldo qualitativo representado por esta
estratgia leva a criana superao global entre a forma escrita e a expresso oral, fazendo
com que, pela primeira vez, se trabalhe com a hiptese de que a escrita representa partes
sonoras da fala. Desta forma, as principais caractersticas que a criana apresenta nesta fase
so:
j supe que a escrita representa a fala;
tenta fonetizar a escrita e dar valor sonoro s letras;
pode ter adquirido, ou no, a compreenso do valor convencional
das letras;
j supe que a menor unidade da lngua seja a slaba;
supe que deve escrever tantos sinais quantas forem as vezes que
mexe a boca, ou seja, para cada slaba oral corresponde uma letra ou
um sinal;
em frases, pode escrever uma letra para cada palavra.
Nesta hiptese de escrita os alunos j tem como conhecimento que a escrita representa
a pauta sonora da palavra. Valendo-se das reflexes, os alunos comearo a perceber que
internamente slabas possuem partes menores e que embora isso no fique claro em todos
os seus escritos pois ainda h oscilaes entre a grafia da slaba com um ou dois caracteres
as crianas comeam a representar algumas slabas das palavras com mais de um grafema,
-
35
fazendo correspondncia sonora. Neste momento podemos considerar que os alunos
encontram-se na fase de transio chamada pelas autoras silbica alfabtica.
Na hiptese silbica alfabtica a escrita oscila entre a correspondncia silaba-letra e
fonema-letra, descobre a necessidade de fazer uma anlise para alm da slaba.
A criana abandona a hiptese silbica e descobre a necessidade de fazer uma
anlise que v mais alm as slabas pelo conflito entre a hiptese silbica e a exigncia de quantidade mnima de grafias (ambas exigncias puramente internas,
no sentido de serem hipteses originais da criana) e o conflito entre as formas
grficas que o meio lhe prope e a leitura dessas formas em termos de hipteses
silbica (conflito entre uma exigncias interna e uma realidade exterior ao prprio
sujeito) (TEBEROSKY; FERREIRO, 1989, p.196).
Nesse estudo pode-se perceber, mais uma vez, que o conflito da passagem de um nvel
para outro gera na criana o amadurecimento da aprendizagem e, no professor, um novo olhar
no processo de alfabetizar. Nesta etapa da linguagem escrita os alunos tm hipteses muito
prximas da escrita alfabtica, uma vez que eles j conseguem fazer relao entre grafema e
fonema na maioria das palavras que escrevem.
A interpretao da escrita infantil nesta perspectiva possibilita ao professor um aparato
terico que lhe permite observar o processo natural que as crianas vivenciam e deste modo,
possa planejar atividades que promovam aos alunos reflexes significativas sobre a lngua.
Simplificando o que Teberosky e Ferreiro, as principais caractersticas so:
inicia a superao da hiptese silbica;
compreende que a escrita representa o som da fala;
combina s vogais ou s consoantes, fazendo grafia equivalentes
para palavras diferentes;
pode combinar vogais e consoantes numa mesma palavra, numa
tentativa de combinar sons, sem tornar, ainda, sua escrita socializvel;
passa a fazer uma leitura termo a termo .
Abordaremos o ltimo nvel de estgio da escrita a hiptese alfabtica. Nesta etapa a
criana est na fase final da evoluo da escrita. Ela compreende que cada um dos caracteres
da escrita corresponde a valores sonoros menores. Quando dizemos que um aluno esta neste
nvel, estamos afirmando que ele capaz de fazer todas as relaes entre grafema e fonema,
embora ainda possua problemas de transcrio da fala e cometa erros ortogrficos. Como os
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alunos sabem que a escrita a representao da fala, eles tm tendncia a escrever exatamente
como se pronuncia as palavras.
A presena dos erros ortogrficos um indicador da forma pela qual as crianas
chegaram a descobrir as funes da escrita, a representao que esta realiza e a sua organizao... Essas inconsistncias com a ortografia, no so no entanto, fatos
permanentes e a superao das falhas dependem do ensino sistemtico (AZENHA,
2001, p. 85).
Como se pode perceber, a criana nesta fase da aquisio da escrita j realizou muitos
processos e sua produo pode ser usada como fonte de comunicao, ou seja, o receptor de
sua produo entender o contedo da sua mensagem escrita.
No intuito de facilitar o entendimento do leitor, passar-se- s caractersticas desta
fase. A criana:
compreende que a escrita tem uma funo social: a comunicao;
compreende o modo de construo do cdigo da escrita;
compreende que cada um dos caracteres da escrita corresponde a
valores menores que a slaba;
conhece o valor sonoro de todas as letras ou de quase todas;
pode ainda no separar todas as palavras nas frases;
omite letras quando mistura as hipteses alfabtica e silbica;
no tem problema de escrita no que se refere a conceito;
no ortogrfica nem lxica.
Diante do exposto observamos que, em cada nvel, a criana elabora suposies a
respeito dos processos de construo da escrita, baseando-se na compreenso que possui
desses processos. Assim, a mudana de um nvel para outro s ir acontecer quando ela se
deparar com questes que o nvel em que se encontra no puder explicar. Conclui-se que a
aquisio da escrita passa por fases de acomodao, assimilao, conflito cognitivo e
novamente assimilao, e, este processo permite criana um constante crescimento
intelectual.
Neste captulo, vimos algumas concepes de ensino e aprendizagem oralidade e
escritura as quais fornecem embasamento terico para o presente estudo, visto que, a pesquisa
busca tambm estabelecer relaes entre teoria e prtica, levando os profissionais da educao
a refletirem sobre suas concepes de ensino da lngua, interagindo, construindo e permitindo
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criana ser agente interativo na construo do seu prprio conhecimento. Tambm
consideramos que os textos da oralidade infantil so elementos que fazem parte do contexto
scio-histrico das crianas e, portanto, deveriam estar presentes no cotidiano da sala de aula,
especialmente, nas sries iniciais, onde dever ocorrer o processo sistemtico de iniciao
leitura e escrita.
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APTULO II
A TRADIO ORAL NO PROCESSO DE AQUISIO DA LEITURA E DA
ESCRITA
Os textos da oralidade dependem, basicamente, de sua finalidade social. Por isso
que, no passado e at em dias atuais, eles so transmitidos de uma gerao para a outra pela
tradio oral. So diversos os povos que expressam seus pensamentos e idias por meio de um
processo oral muito peculiar, sem valer-se da linguagem escrita. Ao estudarmos seus aspectos
histrico-culturais, percebemos o papel importante que essa oralidade exerceu em suas
estruturas superficiais e/ou profundas. Luiz da Cmara Cascudo em sua obra Literatura Oral
no Brasil (1984, p. 23). Nos revela que o termo literatura oral foi criado por Paul Sbillot no
ano de 1881, La litteraires orale comprend ce qui, pour le peuple qui ne lit pas, remplace les
producions lihrares. Embora se reconhecesse a riqueza de sua diversidade, tais textos eram
considerados como expresses singelas de pessoas incultas como podemos observar na
definio de Paul Sebillot sobre literatura oral.
Muitos trabalhos de pesquisas sobre a literatura oral surgiram com a finalidade de
registrar os textos da oralidade, evitando o desaparecimento na memria dos indivduos e
revelando a preocupao pela diminuio do nmero de pessoas que detm a capacidade de
manej-lo. Estudiosos, entre folcloristas e etnlogos interessam-se pela riqueza de aspectos
que se multiplica nestes textos orais, os costumes, o saber de uma determinada comunidade
so elementos que se revelam atravs da cultura oral. Os pesquisadores registravam os textos,
mesmo no havendo interesse em teorizar sobre essas manifestaes. Se analisarmos o
cotidiano das instituies educativas constataremos que so raros os momentos dedicados ao
ensino e/ou anlise com profundidade da potica popular. De acordo com Cascudo Essa
literatura, que seria limitada aos provrbios, adivinhas, contos, frases feitas, oraes, cantos
ampliou-se alcanando horizontes maiores. Sua caracterstica a persistncia pela oralidade
(CASCUDO, 1984, p.23).
A literatura oral rene conto, lenda, mito, adivinhaes, provrbios, parlendas, cantos,
oraes, frases feitas e tornadas tradicionais, enfim, todas as manifestaes culturais
transmitidas de gerao a gerao atravs da oralidade. Cascudo ainda acrescenta:
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O termo genrico (oralidade) que tanto se popularizou e consagrou, deve ser
esclarecido. As formas conservadas escritas e mesmo registradas so sempre
minoria, como meio de circulao oral. Assim Literatura Oral compreende dana e
canto e mesmo os autos populares, conservadas pelo povo oralmente, embora
conheamos fontes impressas. Um baile popular, participando da etnografia,
literatura oral pelo canto pela coreografia, que ensinada por quem sabe e, em
percentagem altssima, jamais foi marcada em letra de forma ou sinalao
convencional (1984, p.515).
A tendncia dos costumes de povos diferentes , quando estes se relacionam de modo
ntimo, construir expresses hbridas, ou seja, suas culturas se misturam, resultando em novas
expresses de manifestao popular. Como os grupos humanos influenciam uns aos outros,
podemos dizer que os textos orais no so estticos, mas atualizados na fala atravs da
performance. Eles so dinmicos, pois alm de pesquisar esto atentos s transformaes do
presente.
Lus da Cmara Cascudo, folclorista brasileiro, pesquisou e estudou as mais variadas
fontes de expresso, sabedoria e criatividade popular. Seus estudos inclusive levaram-no a
publicar um dicionrio do folclore brasileiro entre outras obras importantes. Neste mesmo
perfil de trabalho, muitos outros pesquisadores e seguidores do prprio Cmara Cascudo vm
publicando obras, o que constitui um registro importante para a memria do povo. Contudo,
neste universo literrio percebe-se pouca publicao sobre a utilizao dos textos da tradio
oral no universo escolar. O que encontramos so coletneas de textos transcritos sem
nenhuma abordagem pedaggica.
Apresentaremos a seguir algumas contribuies sobre a amplitude e a riqueza desses
textos da tradio oral parlenda, considerando-a como elemento ldico-pedaggico
essencial para a educao e iniciao das crianas no processo de alfabetizao.
2.1 NAS TRILHAS DA ORALIDADE COM AS PARLENDAS
De acordo com Jaqueline Heylen (1987 p.13), A parlenda :
Um conjunto de palavras de arrumaes rtmicas em forma de versos que rimam
ou no. Ela se distingue dos demais versos pelas atividades que acompanha, seja
jogo, brincadeiras ou movimento corporal.
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A parlenda um rico enunciado ldico pedaggico que diverte, ensina pela sua forma
rtmica sonoro - motora que desenvolve as condies lingsticas e scio-culturais do
homem. Este texto da tradio oral utilizado, especialmente, na fase infantil como
ferramenta de interao e divertimento. Pode ser utilizada em grupo, individualmente ou em
dilogos. Segundo Verssimo Mello (1997, p. 37).
As parlendas constituem aspectos do folclore das crianas inteiramente
caracterizado, distinto, no se confundindo, em absoluto, com nenhuma outra
manifestao folclrica desse perodo da existncia. Desde as mais simples, ditas ou citadas pelos pais, para entreter meninos, at as mais complexas, j recitadas pelas
prprias crianas, conservam em comum estes dois pontos de contato: so sempre
rimas ou ditos instrutivos ou satricos.
As crianas expressam atravs dos textos da oralidade, situaes importantes do seu
desenvolvimento, pois desde cedo os olhos e os ouvidos esto expostos, a uma diversidade de
textos orais compartilhados no meio familiar. Esses tipos de textos desempenham funes que
vo muito alm do mimo, do acalanto, eles esto filiados a uma inteno comunicativa ou
mesmo educativos. O ritmo, associado ao jogo corporal (performance) identifica unidades
meldicas, equipara e d evidncia a fragmentos por meio da rima e da repetio.
Cmara Cascudo divide as parlendas em duas sees: parlendas propriamente ditas e
mnemnicas. As primeiras com o fim exclusivo de divertir a criana. As segundas com o fim
de ensinar-lhes alguma coisa. Contudo, Verssimo de Melo subdividiu as parlendas
propriamente ditas em duas sees: a primeira considerada as mais simples ditas, com fim de
entreter ou ninar crianas. E as demais recitadas ou ditas pelas prprias crianas com fim
especial. Desta maneira ele classificou as parlendas em trs sees: brincos, mnemnicas e
parlendas propriamente ditas (MELO, 1985, p. 38).
Brincos As mais fceis, as primeiras que ouvimos na infncia, ditas ou recitadas,
para entreter ou aquietar meninos. De acordo com este mesmo autor, depois dos
acalantos, cuja funo ninar as crianas, seguem-se os brincos, nos quais as crianas
participam de modo menos passivo, cabendo, todavia, aos pais a iniciao de realiz-
los. Estes primeiros e ingnuos mimos infantis, que os pais carinhosamente utilizam
para entreter o menino ou a menina que est sem sono ou que acordou mais sorridente,
fazem parte da cultura popular oral e esto presentes no cotidiano do povo brasileiro.
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importante salientar que os textos da oralidade se multiplicam e se transformam na
medida que vai sendo utilizados.
Como exemplo, desse brincar: Pe-se a criana montada numa das pernas e imita-se o
galope do cavalinho.
Ca-va-li-nho,
Ca-va-li-nho,
Ca-va-li-nho,
Existem muitas outras parlendas de colo, simples, feitas para esses momentos em
que a criana, ao mesmo tempo em que domina alguns movimentos, comea a descobrir uma
lngua em versos, com ritmos e rima.
Outro parlenda que depende inteiramente da interao do outro e a do Dedo
Mindinho. Brinco bastante conhecido. Pega-se a mozinha da criana e segurando cada
dedo, nesta ordem: auricular, anular, mediano, ndex e polegar, oralizando a parlenda:
Dedo mindinho,
Seu vizinho,
Maior de todos,
Fura-bolos,
Cata-piolhos.
Esse diz que quer comer,
Esse diz que no tem qu,
Esse diz que vai furtar,
Esse diz no v l,
Esse diz que Deus dar.
Paca,
Cutia, tatu, Trara, muu.
Aps oralizar todo brinco procura-se um bolinho imaginrio na palma da mo
perguntando para a criana:
Cad o bolinho que estava aqui?
O rato comeu. (responde-se).
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Ento, procura-se o ratinho, subindo o dedo pelo brao da criana, a partir da palma da
mo dizendo:
Saiu por aqui, por aqui, por aqui e descansou aqui. (pra-se o dedo na articulao do
cotovelo). Continua subindo, foi por aqui at chegar nas axilas da criana, fazendo ccegas.
importante salientar que este brinco foi recolhido em Natal, por Verssimo de Melo
e registrado em sua obra Folclore Infantil (1985, p.43). Foram tambm encontradas muitas
variantes e formas de brincar.
Mnemonicas assim so especificadas parlendas que tm por fim ensinar alguma
coisa aos meninos. Exemplo:
As mnemnicas fixam na retentiva infantil os dados imediatos do pequeno mundo ambiental. So as frmulas divulgadoras dos primeiros princpios, do real imediato,
nomenclaturas indispensveis para as conhecenas indispensveis, nmeros, dias da
semana, meses, etc. (CASCUDO, 1984, p. 61).
Uma mnemonia bastante conhecida a Parlenda do Feijo, oralizada por adultos e
crianas esta sem dvida um texto de nossa tradio que ensina as crianas a memorizarem
a seqncia numrica de forma divertida com uma inteno pedaggica.
Um, dois, feijo com arroz,
Trs, quatro, feijes no prato,
Cinco, seis, falar ingls,
Sete, oito, comer biscoito,
Nove, dez comer pastis.
Outra mnemonia conhecida a semana preguiosa:
Na segunda fiz nada;
Na tera nada fiz;
Na quarta nada farei;
Na quinta formei tenso;
Na sexta fui passear;
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No sbado que voltei;
E no domingo fiz as contas
Do que gastei
Como podemos observar as mnemonias com sua simplicidade e ludicidade, apresenta
finalidades teis educao das crianas. Elas aprendem atravs da interao do texto oral
nomenclaturas imprescindveis para o seu cotidiano.
Parlendas propriamente ditas fazem parte das brincadeiras de iniciativa das
prprias crianas. Diferem dos brincos porque, nestes ltimos, a iniciativa dos pais.
Lembramos por exemplo, do dedo mindinho: no a criana que inicia e desenvolve a
brincadeira. As crianas acompanham passivamente o desenrolar da parlenda.
Diferentemente as parlendas propriamente ditas so iniciadas e organizadas pelas
crianas. Como por exemplo, para saber com quem vai se casar a velha brincadeira de
contar os botes do casaco ou da tnica da farda.
Rei,
Capito,
Soldado,
Ladro.
Esta parlenda sofreu alteraes, atualmente as crianas brincam pulando corda
recitando a parlenda. Esta dinmica entre texto e ouvinte favorece a sua permanecia no
imaginrio social. Os textos da oralidade oportunizam situaes de criao e recriaes, pois
este rico acervo pertence ao povo e explorado e adaptado de acordo com as situaes
cotidianas.
O folclore dinmico e as suas manifestaes revelam uma fora transformadora e
criadora. O que vem a circular entre o povo, seja de carter cultural ou tcnico, este
o aceita, o adapta e faz coisa sua. () a criao folclrica se faz no meio da comunidade folk. Nas manifestaes da literatura, em especial, na linguagem das parlendas, encontramos estes vestgios (VERSSIMO, 1985, p.46).
Com que voc pretende se casar?
Com o loiro,
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Moreno,
Careca,
Cabeludo,
Rei
Capito,
Soldado,
Ladro,
Qual a letra do seu corao?
Uma outra parlenda bastante utilizada pelas crianas a:
Bem me quer,
Mal me quer,
Bem me quer,
Mal me quer, etc.
Esta parlenda realizada com uma flor. Ao mesmo tempo em que se vai despetalando-
a, a menina ou mocinha medita no seu namorado. Atualmente esta parlenda encontra-se
adormecida, acreditamos que o principal motivo caracteriza-se pela proteo ao meio
ambiente de no retirar as flores do seu habitat natural.
Neste universo da oralidade tambm encontramos um tipo curioso de parlenda, de
fcil identificao as chamadas trava-lnguas:
Consiste em um verso, palavra ou expresso, na maioria das vezes de pronunciao
difcil e cuja repetio depressa provoca sempre deturpaes dos termos e
conseqentemente o seu sentido de origem. () No h denominao fixa, prpria para este tipo de parlenda. Amadeu Amaral e Alcides Bezerra denominavam-na,
simplesmente, travalnguas. Alexina de Magalhes Pinto estudou a parlenda sob o
ttulo geral de Exerccios de dico. Ceclia Meireles preferiu cham-las Parlendas com Obstculos. Para Rodrigues de Carvalho so Problemas para desenferrujar a lngua. Fora do pas, Maria Cadilla de Martinez utiliza denominao especial para essas rimas, dizendo textualmente: ellas tienem por objeto el corregirles dificuldades enunciativas (MELO 1985. p. 72).
Como podemos observar, a parlenda um texto universal que faz parte da tradio
oral. Ela caracteriza-se por uma expresso lingstica de transmisso oral, que ocorre em
situaes variadas, passando de boca em boca, percorrendo o tempo e os espaos. Ao observar
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o cotidiano das crianas na escola campo observamos que nas brincadeiras infantis elas no
utilizavam a parlenda como instrumento ldico, para brincar. Como afirma Cascudo, as
crianas so cercadas pelas tradies culturais:
() a multido dos brinquedos tradicionais, todos gratuitos, trazidos pela memria, alguns com msica, facilitando a decorao, outros com os ritmos que substituem a
msica, fcil, bonita, inesquecvel. Primeiro os processos para escolher que inicia o
brinquedo, quem vai correr, cantar ou dirigir a fila neste ou naquele ponto. A
escolha feita por meio de frmulas que indicam, fortuitamente, o iniciador. Na
roda dos meninos e meninas, o mais esperto emprega as frmulas, acatadas e
indiscutidas (CASCUDO, 1984, p.58).
No sabemos quem inventou a parlenda, o que podemos afirmar que ela do
domnio popular, pois nelas esto expressos maneiras de pensar, sentir e agir de um povo. A
comunidade que vivencia as parlendas considera aspectos relevantes sua construo: o
espao onde vive, a ideologia dos indivduos, os pretextos de seu uso, a inteno ldica, a
dinamicidade das palavras, a incertezas das verdades contidas no meio.
As habilidades que os profissionais da educao podem explorar a partir de uma
parlenda so variadas, sejam elas explorao oral, rtmica, auditiva, o conhecimento cultural,
a socializao atravs dos jogos cantados, a explorao da compreenso do sistema escrito, as
aptides artsticas.
sintomtico o valor biolgico, psicolgico e social, pois as parlendas e os jogos
que as acompanham favorecem e estimulam um desenvolvimento biopsicossocial.
Pelo uso do corpo, o indivduo e, em primeiro lugar, a criana,, desenvolve o seu
crescimento, refora a musculatura e aumenta a agilidade. O corpo em movimento
alm de provocar prazer, torna a pessoa dinmica