Download - Media+Igual - Boletim 4 - Dezembro 2013
Boletim Informativo
Integra uma selecção de notícias
publicadas de 1 a 31 de Dezembro de
2013, a partir da monitorização de
nove títulos de imprensa escrita por-
tuguesa:
- dois de âmbito regional:
As Beiras
Diário de Coimbra
- sete de âmbito nacional:
Correio da Manhã
Diário de Notícias
Público
Caras
Maria
Happy Woman
Men’s Health
Nesta edição:
1. Editorial
2/3/4. Visibilidades positivas
5. Desigualdades e estereótipos
6/7. Violência doméstica
8/9. Análise: Happy Woman
10. Análise: Men’s Health
11. Em poucas palavras
12. A fechar/ Agenda/ Agir +
Boletim Informativo Escrita Igualitária nos Media
Janeiro de 2014 04
MEDIA +igual
A fechar 2013, este boletim, referente às publicações de Dezembro dos nove títulos
monitorizados, vem apresentar um conjunto de 23 análises, de outros tantos 23 arti-
gos selecionados pela Unidade Local de Análise de Imprensa (ULAI).
Destacamos a existência de 7 artigos a que a ULAI atribuí visibilidade positiva, evi-
denciando o papel positivo do algum discurso jornalístico relativamente à temática
da violência doméstica, às questões de direitos de cidadania para a minoria transe-
xual e à discrepância salarial entre homens e mulheres na União Europeia.
As restantes 16 análises reflectem uma consensualização de cometários críticos e
que queremos construtivos relativamente a notícias/artigos onde se reforçam desi-
gualdades, estereótipos e assimetrias de género, bem como se utilizam abordagens
sensacionalistas. A violência doméstica continua a ser um tema de destaque dada a
sua predominância noticiosa, uma vez que a sua representação se mantém limitada
(enfatizando situações isoladas, desculpabilizando agressores, promovendo o sensa-
cionalismo) e porque não é enquadrada num contexto continuado de abusos. Ainda
neste número, as análises da linha editorial e do discurso dominante das revistas
Happy Woman e Men’s Health. A fechar, uma análise que apresenta como, embora
dificilmente neutra, o uso da linguagem no discurso jornalístico (e não só) pode con-
tribuir negativamente para reforço de estereótipos e julgamentos morais, agravados
pela legitimidade dos media na opinião pública.
02
O artigo “Respostas a inquéri-
to papal ‘filtradas’ por padres
e bispos”, publicado no Diário
de Notícias a 31 de Dezembro,
destaca-se, pela positiva, no
corpus de análise relativo ao
último mês de 2013.
Em evidência, a forma como a jor-
nalista Fernanda Câncio noticia as
adaptações portuguesas ao inquéri-
to papal (lançado pelo Vaticano e
destinado aos católicos do mundo)
e acaba por dar o alerta à invisibi-
lidade do tema da violência domés-
tica, no contexto de “situações críti-
cas no seio da família”.
Com maior pormenor, a jornalista
relata que o Patriarcado de Lisboa
optou por transformar as perguntas
de resposta aberta em opções de
resposta, de forma a facilitar o pro-
cesso. E, desta forma, a problemáti-
ca da violência doméstica ficou
ausente das respostas possíveis a
dar pelos católicos, contribuindo
para a sua invisibilidade pública.
O tratamento noticioso do tema —
que, à primeira vista, poderia não
estar directamente relacionado com
questões de assimetrias de género,
— e a desconstrução do mesmo,
contribuem assim para romper a
invisibilidade conferida à violência
doméstica.
Além disso, a própria construção
discursiva do artigo põe em evidên-
cia contradições sobre o tema. Pri-
meiro, a jornalista descreve um
documento emitido pela própria
Conferência Episcopal Portuguesa,
no qual são referidas assimetrias de
poder entre géneros, descritas
como algo que potencialmente
pode limitar “a própria realização
da mulher”. No entanto, como real-
ça a jornalista em seguida: “as
opções de resposta [do inquérito
papal] escolhidas pelo patriarcado
passam ao largo dessas constata-
ções, nunca colocando qualquer
hipótese de resposta relacionada
com a diferença de poder entre a
mulher e o homem e as dificuldades
que tal pode ocasionar na família”.
Por fim, como nota final: a listagem
dos vários métodos contraceptivos
naturais (como caixa) serve tanto
para colmatar a linguagem hermé-
tica usada no inquérito papal (que
usa a nomenclatura científica dos
métodos contraceptivos sem con-
textualização), mas também como
verdadeiro contributo público para
uma melhor informação sobre o
assunto para os/as leitores/as.
visibilidades positivas
Também este artigo do Diá-
rio de Notícias, publicado a
29 de Dezembro, é realçado
pela positiva. O texto, da
autoria de Céu Neves, é dedi-
cado às vítimas de violência
doméstica que residem na
casa de abrigo da UMAR —
União de Mulheres Alternati-
va e Resposta. Assim, o dis-
curso mediático dá visibilida-
de às casas de abrigo como
meio para sair de um contex-
to familiar de violência.
Esta visibilidade acaba por ser
particularmente positiva tendo em
conta a realidade mediática em
torno do tema. Por norma, no
decorrer deste projecto de monito-
rização dos títulos de imprensa, a
violência doméstica apenas ganha
visibilidade mediática em casos de
homicídio ou detenção dos agres-
sores após um acto de violência
extremo. Esta perspectiva de
mulheres que conseguiram sair de
um contexto de violência, com a
possibilidade de poderem ‘dar a
volta’ à sua vida, assume um tom
de esperança — tão raro no discur-
so mediático relacionado com a
violência doméstica.
Em paralelo, o recurso a testemu-
nhos de mulheres vítimas de vio-
lência doméstica contribui para
um maior conhecimento da pro-
blemática, desconstruindo este-
reótipos e lugares-comuns. E este
é um discurso na primeira pessoa
que acaba também por estar
ausente na maioria dos artigos
sobre este tema.
Não obstante, o título escolhido
peca por não usar linguagem
inclusiva (“estar vivo”, usando o
masculino como universal) e por
trazer alguma ambiguidade. Não
são estas mulheres que ameaçam,
pelo que a linguagem pode preju-
dicar a mensagem pretendida.
Seria mais correcto trocar o termo
“ameaça” por “risco”.
Tendo em conta a caixa
“Perguntas&Respostas” sobre este
tema — muito positiva porque dá
informações concretas sobre asso-
ciações de apoio à vítima — seria
também relevante que surgissem
os contactos das entidades. De
qualquer das formas, é um artigo
positivo também para as associa-
ções, porque lhes dá legitimidade
e credibilidade.
03
visibilidades positivas
Na sequência da informação for-
necida pela Comissão Europeia,
Público e Diário de Notícias publi-
caram, a 10 de Dezembro, breves
relacionadas com a discrepância
salarial entre homens e mulheres
na União Europeia.
O tema, pertinente, é uma das
faces visíveis das assimetrias de
géneros na esfera laboral e tem
conseguido alguma relevância
mediática (tendo em conta o perío-
do de monitorização do projecto
MEDIA+Igual).
Não obstante, o título do Público
(“Mulheres ganham em média
menos 16,2 por cento do que
homens na União Europeia”) aca-
ba por ser mais directo do que o
título escolhido no Diário de Notí-
cias (“Mulheres na UE trabalham
59 dias ‘grátis’”). Neste último, não
é imediatamente perceptível a
mensagem de assimetrias de géne-
ro na esfera laboral, já que estes
“dias grátis” podem remeter para
trabalho doméstico não remunera-
do. A ausência de contexto pode,
portanto, contribuir para a pertur-
bação da mensagem.
Ambas as notícias não deixam,
contudo, de ser destaque pela posi-
tiva, ao denunciarem mediatica-
mente estas diferenças salariais.
04
Na edição de 21 de Dezembro
do Jornal Público, o artigo
“Casal com um parceiro tran-
sexual vai poder fazer insemi-
nação artificial” traz a público
uma notícia intimamente
relacionada com questões de
direitos de cidadania para a
minoria transexual. É, por-
tanto, uma visibilidade positi-
va no conjunto das represen-
tações mediáticas, em que a
transexualidade está muitas
vezes ausente.
No entanto, apesar da visibilidade
positiva do tema, a construção do
texto é confusa e a informação
prestada pouco clara, podendo
contribuir para uma percepção
errónea da questão. Isto porque a
notícia em si (que o procedimento
de inseminação artificial seria feito
numa mulher cujo companheiro é
transexual) acaba por ser atraves-
sada por outras informações
(descrição do processo de mudan-
ça de sexo, possibilidade de conge-
lação dos ovócitos antes que os
procedimentos clínicos represen-
tem infertilidade irreversível, …).
Além disso, a caixa de texto, inti-
tulada “O homem grávido”, acaba
também por perturbar a leitura do
artigo, ao introduzir um elemento
de carácter sensacionalista.
visibilidades positivas
Neste artigo do Público, de 5
de Dezembro, “Cinco grávi-
das dizem ter sido coagidas a
abortar por terem VIH/Sida”,
o destaque é sobre a discrimi-
nação de pessoas infectadas
com o vírus VIH/Sida. A visi-
bilidade a este tipo de discri-
minação é positiva, embora o
título acabe por explorar o
sensacionalismo e a discórdia
ideológica inerente ao tema
da interrupção voluntária da
gravidez (IVG).
Das várias áreas onde a discrimi-
nação é sentida (trabalho, serviços
de saúde, escola, família) e que
foram abordadas pelo estudo Stig-
ma Index Portugal, que serve de
fonte ao artigo, a questão da coac-
ção ao aborto foi a escolhida para
título. Uma vez que a percentagem
de casos ocorridos é residual, a
chamada ao título sugere uma for-
ma de aproveitar a controvérsia
que o tema da IVG suscita. É
importante relembrar, por isso, a
sensibilidade do tema e o cuidado
redobrado com que o mesmo deve
ser abordado no discurso mediáti-
co, evitando questões ideológicas.
Neste caso, nota-se alguma ausên-
cia de contexto e de justificação
para o destaque do título ter sido
este. Mesmo tendo em conta a gra-
vidade — indiscutível — da discri-
minação por parte de profissionais
de saúde, outros casos identifica-
dos seriam mais representativos
desta realidade (por exemplo: 45
mulheres pressionadas para fazer
esterilização; 84 aconselhadas a
não ter filhos).
03
Este artigo, dedicado à caracteri-
zação dos trabalhadores sexuais
masculinos de Lisboa , foi publica-
do na edição de 21 de Dezembro
do Correio da Manhã. Sob o título
“Casados procuram sexo”, o dis-
curso jornalístico apresentado é
equívoco e contribui para o refor-
ço de preconceitos contra a popu-
lação brasileira emigrante em Por-
tugal.
Ao longo da notícia, os prostitutos
de Lisboa são caracterizados ape-
nas como sendo “brasileiros e
jovens de 29 anos”. Por outro
lado, os portugueses casados são
apresentados como clientes.
No entanto, o artigo remete à invi-
sibilidade a proporção de traba-
lhadores sexuais portugueses. A
questão só é mencionada, no tex-
to, de forma ambígua: “homens
portugueses estão a encontrar no
negócio do sexo uma solução para
as dificuldades económicas”, sem
nunca existir uma menção directa
a que também existem portugue-
ses a trabalhar como prostitutos —
desvirtuando a informação da fon-
te (projecto ‘Encontros (In)
Seguros', da Liga Portuguesa Con-
tra a Sida).
05
desigualdades e estereótipos
A violência doméstica conti-
nua a ser predominante nos
títulos de imprensa monitori-
zados, no que diz respeito a
questões de assimetrias entre
géneros. No entanto, a repre-
sentação desta problemática
mantém-se limitada, sem ser
enquadrada num contexto de
abusos.
Exemplo disso foi a cobertura do
homicídio de Maria Celina Franco
pelo ex-marido, em duas edições
consecutivas do Correio da Manhã.
No primeiro artigo, “Abate ex-
mulher com tiro na testa” (de 1 de
Dezembro), a forma como o dis-
curso está construído levanta dúvi-
das sobre o historial de violência
doméstica do casal. “Há relatos de
violência doméstica no casal”, lê-
se no destaque, numa construção
frásica que retira alguma credibili-
dade aos factos (ao invés, por
exemplo, de uma frase afirmativa
como “existia um passado de vio-
lência doméstica no casal” ).
Também o verbo usado no título
(“abate”) acaba por ser negativo.
A palavra está muito associada à
morte de animais, pelo que o seu
uso pressupõe uma despersonali-
zação da vítima.
O artigo do dia seguinte (“A vida
da Celina era um inferno”) assume
uma dimensão muito oposta. A
começar no título, no qual a
expressão “inferno” remete para
uma continuidade de maus tratos.
Ao longo do texto, é também refor-
çado o contexto de violência e a
sequência de ameaças de que Celi-
na era vítima — de forma muito
mais legitimada e assertiva do que
no primeiro artigo.
Esta diferença entre as notícias de
um mesmo jornal acaba por
demonstrar que, com mais tempo
para trabalhar nos artigos, o con-
texto sai mais valorizado no dis-
curso jornalístico.
violência doméstica
06
No artigo “Marido ciumento ataca
à facada”, publicado a 22 de
Dezembro no Correio da Manhã,
estamos novamente perante um
discurso que enfatiza apenas um
acontecimento isolado e com
carácter justificativo das acções do
agressor. Ao longo do início do
texto (tanto no título, como na
entrada e no primeiro parágrafo da
notícia), o texto estabelece um
cenário de justificação para o com-
portamento do agressor (“Américo
Valente pensava que Elisa tinha
outro homem”/“movido por ciú-
mes”). Contudo, ao longo do texto,
acaba por ser descrito todo um his-
torial de violência doméstica que
tinha levado, anteriormente, a que
a vítima saísse de casa. O início
sensacionalista do artigo perturba,
portanto, a representação da vio-
lência doméstica como problema
continuado e injustificado.
violência doméstica
07
Em mais um artigo, de 30 de
Dezembro, do Correio da
Manhã dedicado a um caso de
violência doméstica, observa-
-se a representação dos acon-
tecimentos de forma a enfati-
zar o seu carácter insólito,
uma opção que retira serieda-
de ao crime, do ponto de vista
da percepção pública.
Sob o título “Faz queixa à GNR
para ter sexo diário”, o artigo real-
ça o ponto de vista do agressor
(que veio a ser acusado de viola-
ção) e não da vítima. Além disso,
ao não existir uma desconstrução
desta “queixa à GNR” no título , o
discurso acaba por, de certa forma,
dar alguma legitimidade às preten-
sões do agressor. Ainda ao nível da
linguagem, e tendo em conta a res-
ponsabilidade dos media na for-
mação de uma opinião pública, é
de ressalvar negativamente a for-
ma como o texto se inicia: “um
homem tem de ter pito de manhã e
à noite e a mulher tem de dar”,
citando o agressor, mas sem aspas
a iniciar a frase. Mais uma vez, a
preferência pelo sensacionalismo,
ao invés de uma abordagem séria,
faz com que se reproduzam nos
discursos mediáticos estes usos de
linguagem de calão, discriminató-
rios, sexistas e que — sendo usados
para iniciar um texto, de forma
acrítica — contribuem para o
reforço de assimetrias de género.
outras perspectivas
Por outro lado, o Diário de Notí-
cias abordou o tema da violência
doméstica do ponto de vista das
forças de segurança. Este artigo
(“Crime de violência doméstica
aumenta em Lisboa e Porto”),
publicado a 23 de Dezembro, dá
visibilidade mediática ao facto de
este ser o único tipo de criminali-
dade violenta que tem aumentado,
ao invés de um ênfase em casos
isolados. Desta forma, há uma
maior percepção da violência
doméstica como problemática
social. Contudo, falta informação
no que concerne à evolução do
número de denúncias. Só assim é
claro se o aumento do crime de
violência doméstica se deve a um
maior número de detenções ou de
denúncias. Também o único exem-
plo apresentado, de um caso espe-
cífico, surge descontextualizado.
08
Entre a selecção do mês de
Dezembro para o boletim
MÉDIA+Igual, salientaram-se
vários artigos da revista
Happy Woman. Por essa
razão, entendeu-se importan-
te fazer uma análise mais
aprofundada à linha editorial
da publicação e discurso pre-
dominante, tal como reflecti-
dos nesta edição de Dezembro.
No geral, os artigos aqui selecciona-
dos representam uma visão genera-
lizada e bipolarizada de homens e
mulheres. Com um tom frequente-
mente tutorial, a linguagem usada
adopta como incontestável um con-
junto de estereótipos e de julga-
mentos apresentados como “guia
prático” a um ideal de mulher
moderna, público-alvo da revista.
O artigo “Os looks que eles
detestam” (ver imagem abaixo) é
disso exemplo. Trata-se de um tex-
to em tom tutorial que reforça a
ideia de que as mulheres devem
vestir-se para agradar os homens,
através da apresentação das
peças de roupa que “eles” mais
detestam que “elas usem”. Os
dados reportam-se a um inqué-
rito do site Lovestruck, cuja
legitimidade é duvidosa. Aliás,
acaba por ser frequente, neste
tipo de artigos, o recurso a fon-
tes do tipo documental
(estudos, relatórios) como for-
ma de dar credibilidade ao seu
conteúdo (muito embora estas
fontes careçam de alguma legiti-
midade pública).
Além disso, as opiniões dos ele-
mentos masculinos que respon-
deram ao inquérito encontram-se
reproduzidas de forma acrítica, sem
nenhuma desconstrução. Por exem-
plo, a frase “Bronzeado artificial:
56% detesta os tons escuros dos
auto-bronzeadores, que dão uma
imagem «ordinária»” acaba por
reforçar estereótipos pejorativos
que relacionam o aspecto das
m u l h e r e s à s u a s u p o s t a
’promiscuidade’. Um estereótipo
repercutido no texto, sem ser ques-
tionado, ganhando por isso legiti-
midade mediática.
análise: Happy Woman
Há também exemplos positivos,
como o artigo “Drogas, sexo e
anorexia — A verdade que o uni-
verso da moda preferia escon-
der” (na página à esquerda, em
destaque), que dá visibilidade à
hipocrisia no mundo da moda,
desconstruindo o que está por
detrás desta ’beleza ideal’ das
modelos. Ao longo do texto, são
apontados casos de anorexia e
bulimia, assim como outras práti-
cas perigosas que estas mulheres
adoptam para atingirem uma
magreza extrema. Além disso, são
também relatados casos de abuso
de drogas e de violações por parte
de agentes/bookers.
Esta visibilidade é importante
para desmontar estereótipos sobre
a ‘beleza ideal’ associada à magre-
za extrema e sobre a própria pro-
fissão de modelo. Falta explorar,
no entanto, as questões de assime-
trias de géneros que estão na raiz
dos problemas mencionados.
Também a caixa relativa a
“Escândalos made in Portugal”
apresenta informação mais escas-
sa do que o artigo principal, reme-
tendo mais para ‘boatos’ do que
dados concretos.
No entanto, o aspecto mais crítico
é a aparente ausência de conse-
quência do conteúdo do artigo a
nível interno. O texto descreve a
anorexia e a obsessão doentia das
modelos em serem magras. No
entanto, o artigo é acompanhado
por imagens de modelos num
ambiente de glamour, que não
combinam com o assunto tratado
no texto. Além disso, na própria
edição e em edições seguintes,
continuam a surgir modelos mui-
to magras associadas a atributos
positivos — tanto de forma explíci-
ta ou implícita. Desta forma, há
uma duplicidade entre aquilo que
é publicado no artigo e a forma
como o imaginário construído ao
longo da revista acaba por reforçar
exactamente o oposto.
Por fim, o artigo “One Night
Stand — o que eles pensam”
apresenta a visão dos homens
(representados como um “eles”,
generalizados) sobre as mulheres
que fazem sexo casual. Num tom
narrativo, com recurso a vários
testemunhos na primeira pessoa,
o artigo recorre, novamente, a
uma visão estereotipada das rela-
ções, numa óptica exclusivamente
heteronormativa. Além disso,
pode ler-se em destaque, na
segunda página, “Desde que estou
sozinho, tenho tido sexo fugaz. Sei
que não vou encontrar ninguém
‘decente’ deste modo, mas vou-me
entretendo”. A escolha editorial de
pôr este testemunho em destaque,
ao invés de outros menos sexistas,
está a dar legitimidade a estas
assimetrias de género, que
impõem diferentes ’exigências’
morais às mulheres em relação ao
sexo.
09
análise: Happy Woman
10
Em paralelo com a análise
anterior, aos conteúdos e lin-
guagem usada na revista
Happy Woman de Dezembro,
optou-se igualmente por uma
observação crítica aos con-
teúdos da Men’s Health. Até
porque, em vários aspectos,
existem semelhanças em
relação à linguagem usada
em ambas as publicações,
embora tendo em conta
públicos-alvo distintos.
Ao longo da revista, as imagens
das mulheres são, na sua maioria,
objectificadas e sexistas. O tom
discursivo assume, tal como na
Happy Woman, um carácter tuto-
rial, em que a generalização e os
estereótipos são constantes. O dis-
curso-guia presente assume regras
como “faça isto” ou “faça aquilo”,
legitimando a generalização de
homens e mulheres, num texto
sempre heteronormativo. Devido
à legitimidade do discurso jorna-
lístico e à forma como o mesmo é
construído na Men’s Health, os
conselhos e tutoriais apresentados
são reforçados como quase
’ditadura’ sobre aparência, hábi-
tos, saúde e sexualidade.
No artigo “Descubra se ela mente
pelo Facebook” (ao lado), estamos
novamente perante o recurso a
fontes do tipo documental numa
tentativa de legitimação dos con-
teúdos apresentados. Neste caso,
o artigo refere um estudo conduzi-
do por Catalina Toma, da Univer-
sidade de Wisconsin-Madison,
como base para enumerar várias
formas para descobrir se uma
mulher mente pelo Facebook.
Além desta generalização, que não
tem em conta a amostra do estudo
(não mencionada), é importante
realçar como as conclusões do
estudo acabam por ser simplifica-
das e, até, deturpadas. O artigo
científico original, “Separating
Fact From Fiction: An Examina-
t i o n o f D e c e p t i v e S e l f -
Presentation in Online Dating
Profiles”, apresenta tendências de
mentiras por parte de homens e
mulheres, embora existindo assi-
metrias sobre os aspectos que são
escondidos. Já no texto da Men’s
Health, as mulheres são apresen-
tadas como as únicas que mentem
na rede social, contribuindo para a
construção de estereótipos e novas
assimetrias entre géneros.
Nos outros dois artigos apresenta-
dos, “6 erros a evitar na cama!
Cuidado!” (em baixo, à direita) e a
lista de vários conselhos de sexo,
saúde e fitness (em cima), verifica
-se exactamente este carácter
tutorial e generalista, em que a
relação entre géneros (vista sem-
pre de forma binária e oposta, em
que um “eles” se opõe a um “elas”)
é abordada numa lista estandardi-
zada de ‘certos’ e ‘errados’, não
havendo lugar para a espontanei-
dade, nem para a pessoa específica
fora do estereótipo legitimado.
Este tipo de discurso resulta ainda
numa centralidade do homem
como único agente responsável
pelo sucesso da relação sexual. Por
fim, nota à imagem escolhida para
ilustrar o artigo em baixo — ape-
sar do corpo feminino ser domi-
nante, a cara não aparece, repre-
sentando uma despersonalização
da mulher, reduzida apenas à sua
relação corpo-objecto.
análise: Men’s Health
Apesar da visibilidade positiva do tema, este tipo de
títulos (“Primeira professora travesti do país”) acaba
por reforçar as assimetrias que tenta desconstruir.
O percurso de Luma de Andrade é certamente notá-
vel, mas a forma como o título e o texto estão cons-
truídos transmitem a mensagem de que Luma atin-
giu este percurso académico, ‘apesar de’ ser
“travesti”. Ou seja, acabam por ser reforçadas carac-
terísticas individuais de excepção, num discurso que
não é inclusivo. Neste sentido, o artigo recai exacta-
mente nas lacunas discursivas de notícias que desta-
cam “primeiras mulheres” a ocupar certos cargos ou
serem distinguidas publicamente. Ou seja, uma
redução ao género que menoriza a pessoa em ques-
tão. Além disso, há um uso ambíguo da palavra
“travesti”, expressada no título e repetida ao longo
do texto. A mudança oficial de nome (de masculino
para feminino) indica que se trata de uma transexual
e não de uma travesti. No entanto, em pesquisas
posteriores, verificou-se que a própria Luma prefere
ser identificada como travesti. Seria importante que
esta desconstrução dos termos (travesti e transe-
xual) estivesse presente no próprio artigo.
11
em poucas palavras
Este é mais um exemplo explícito de sexismo e
objectificação do corpo da mulher nos conteú-
dos editorais de um jornal. Na secção “Fora de
Jogo”, dedicada a notícias ligadas ao desporto,
a notícia “Kayra: Preferência por atletas” surge
apenas como pretexto para a imagem, em des-
taque de página inteira, da modelo nua. O pró-
prio texto acaba ainda por reforçar um estereó-
tipo de corpo ideal (“adora fazer musculação
sem perder a graciosidade feminina, garante”).
À semelhança de vários exemplos anteriores moni-
torizados, estamos novamente perante uma legiti-
mação dos estereótipos do corpo feminino ideal,
associados à beleza e à idade, através do discurso
mediático. O entrevistador pergunta à modelo
(que tinha, na altura, 29 anos) se esta tem medo
de envelhecer e é exactamente esta questão que é
mencionada no título. Desta forma, o título suben-
tende que é raro (e, portanto, notícia) que Carla
Matadinho lide “muito bem” com a idade.
Correio da Manhã, 07/12/2013 Correio da Manhã, 05/12/2013
Diário de Notícias, 15/12/2013
04
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créditos
Edição: IEBA—Centro de Iniciativas Empresariais e Sociais, Dezembro 2013 Revisão: ULAI—Unidade Local de Análise de Imprensa - APPACDM Coimbra, APAV, GRAAL, NÃO TE PRIVES, SOS RACISMO, UMAR Contactos: IEBA Parque Industrial Manuel Lourenço Ferreira, Lote 12—Apartado 38, 3450-232 Mortágua | [email protected]
12
a fechar Dificilmente neutra, o uso da
linguagem no discurso jorna-
lístico (e não só) pode contri-
buir negativamente para
reforço de estereótipos e jul-
gamentos morais, agravados
pela legitimidade dos media
na opinião pública. Exemplo
disso é a forma como este
caso de violação foi abordado
pelos jornais, que reduziram
a vítima à sua condição de
prostituta.
A associação de vítimas ou agres-
sores a profissões acaba por refor-
çar estereótipos e fomentar julga-
mentos públicos. Neste caso, a
redução da vítima a prostituta des-
credibiliza a queixa de violação, já
que se trata de trabalho sexual.
Essa questão já seria visível no
título do Público de 13 de Dezem-
bro, “Prostituta violada por três
homens em Campanhã”, mas aca-
ba por ser mais negativa no artigo
do DN do mesmo dia, “Prostituta
diz que foi atacada e violada por
três homens”. Mesmo tendo em
conta que qualquer queixa deve ser
tratada com cuidado pelos media,
até à sua confirmação em tribunal,
o facto é que o DN reforça, em
múltiplas ocasiões ao longo do tex-
to, o uso de linguagem que instiga
desconfiança e discriminações
implícitas (“diz que foi atacada”;
“suposta violação”; “de acordo com
a versão contada pela prostituta”).
agenda
Reunião MEDIA + Igual
13 de Fevereiro
Casa de Chá, Jardim da Sereia
Coimbra
14h00
agir +
Projecto GIRA | Gerar Iniciativas e Realidades Alternativas
Com apoio da CIG — Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, a Graal está
a promover o projecto GIRA | Gerar Iniciativas e Realidades Alternativas até Junho
de 2014. A iniciativa, a decorrer em Coimbra, visa a capacitação de mulheres em
situação de desemprego. Para tal, a entidade (que é também parceira do projecto
MEDIA+Igual) promove uma intervenção em rede com instituições da cidade,
resolvendo problemas e transformando o quotidiano, numa lógica de cidadania par-
ticipativa e igualdade de género. Nesse âmbito, realizou-se, a 28 de Janeiro, a Tertú-
lia GIRA, de forma a promover o debate público sobre o desemprego feminino e a
inserção de mulheres no mercado de trabalho.
Para mais informações sobre o projecto GIRA, consulte: http://graal.org.pt