Meio Ambiente, Paisagem e a invenção do objeto turístico no Norte Mato-grossense – reflexões preliminares.1 Zuleika Alves Arruda – Doutoranda em Geografia - IG Unicamp Orientadora: Profa. Dra. Arlete Moysés Rodrigues – IFCH Unicamp
O ato de viajar constitui uma das práticas sociais mais antigas da sociedade humana. No
entanto, a atividade turística tem em sua origem uma historicidade circunscrita a um
determinado tempo e espaço, antes de transformar-se numa pratica social presente, em
quase todas as sociedades e, inclusive, integrada à agenda dos indivíduos das diversas
classes sociais. A atividade turística é considerada uma das atividades econômicas de
maior crescimento no mundo dentro da estratégia de expansão de capitais transnacionais,
via incorporação de novos espaços, estabelecendo novas territorialidades e
“(re)inventando” novas paisagens.
A explosão da atividade turística está estreitamente associada a uma fuga planejada da
sociedade humana para o “anticotidiano” em uma busca de paisagens imbuídos por uma
“necessidade de (re)aproximação com a natureza e uma necessidade de humanização da
vida cotidiana do mundo contemporâneo.
Atualmente, ao considerarmos a paisagem(natural / social) como elemento substancial do
fenômeno turístico e, portanto um recurso de grande valor no desenvolvimento e
consolidação da atividade turística, os componentes da paisagem constituem de suma
importância na construção da imagem turística do lugar e como elemento definidor da
fruição turística da localidade.
Nesse contexto, os lugares em que vivemos, aqueles que visitamos e percorremos,
contribuem para as nossas imagens da natureza e vêm compor o quadro individual da
leitura da realidade. Cada imagem e idéia sobre o mundo são compostas, portanto, de
experiência pessoal, aprendizado, imaginação e memória. O meio ambiente natural e a
visão de mundo estão estreitamente ligados. A paisagem é percebida pelo sentido e nos
chega de maneira informal ou formal, ou seja, pelo senso comum ou de modo seletivo e
organizado. Ela é produto da percepção e de um processo seletivo de apreensão, mas
1 Texto produzido para avaliação da disciplina: Turismo, Sociedade e Território. IG - Departamento de Geografia.Campinas:2003.
necessita passar o conhecimento espacial organizado, para se tornar verdadeiro dado
geográfico.
Devido à complexidade da problemática, pretendemos, no entanto, delinear apenas
algumas pistas, através de uma leitura preliminar de como as representações com relação á
natureza contribuíram para a invenção do território turístico no decorrer do processo
histórico de produção espacial do Norte Mato-grossense.
A Invenção Da Paisagem Como Representação Da Natureza
È inegável que o homem, desde quando se entendeu como tal e elaborou-se como criatura,
sempre tem relacionado-se e pensado a natureza nas suas mais variadas formas.
Elaborações diversas foram, ao longo do tempo, materializando, em camadas nem sempre
excludentes, nossas interações, percepções e relações com a natureza.
No decorrer da história a idéia de natureza é construída socialmente e o entendimento que
os homens tem do mundo não-humano variou ao longo da história do ocidente, bem como
entre os diferentes povos. E, por conseguinte, a natureza, transformada em maior ou
menor grau, passa a estar presente no imaginário social de toda a história da humanidade.
A natureza é um conceito abstrato e resultado da invenção de um pensamento dominante
em um determinado momento histórico.
Na concepção de Meinig(1979),2 a natureza e a paisagem são termos que estão
relacionados, mas abarcam mundos de compreensão diferenciados. No entanto, para ele,
o que diferencia a paisagem da natureza é o seu caráter de unicidade que imprime a
nossos sentidos, afastando-se da lógica cientifica do binário homem-natureza; e se
diferencia de ambiente porque não trata de nossa sustentabilidade enquanto criaturas, mas
sim de nossas manifestações enquanto culturas. Desse modo, o meio ambiente é o
imaginário do nosso tempo sobre natureza.
O meio ambiente foi decomposto como totalidade, incluindo aí as sociedades, e em seu
lugar foi construído o conceito de natureza ideal, que inspira uma serie de movimentos
ambientalistas. Esse novo olhar que transformou a natureza em meio ambiente vem
2 MEINIG(1979) Apud HOLZER(1993), W. Um Estudo Fenomenológico da Paisagem e do Lugar: A Crônica dos Viajantes no Brasil do Século XIX. Tese de Doutoramento. FFLCH – USP: São Paulo, 1993. p. 53.
produzindo também uma nova organização territorial e simbólica3 construindo um
mosaico fragmentado de elementos naturais prontos para serem explorados pelos agentes
hegemônicos.4
A translação de natureza se dá, no entanto, quando a paisagem empírica passa a integrar as
diversas dimensões do imaginário e a atuar como agente, mais do que como cenário na
interação sóciocultural5.
Nessa perspectiva, em estudo realizado Luchiari (2002)6 analisa que, em cada época, o
imaginário coletivo define a concepção social de natureza e a traduz, transformando-a em
artefatos materiais e simbólicos, ou seja, em cultura. Sua tradução mais completa foi
registrada na historia pela elaboração do conceito de paisagem, que, longe de ser apenas
um modelo abstrato de compreensão do meio, é também a materialidade por meio da qual
a racionalidade humana organiza os homens e a natureza em territórios.
Desse modo, a paisagem não existe a priori, como um dado da natureza, mas somente
em relação á sociedade e dependerá do valor que é atribuído em cada momento histórico.
Embora o conceito de paisagem tenha se difundido notadamente, a partir do século
XVIII, alimentado pelo espírito romântico ligado ao mundo natural, sua percepção sempre
esteve ligada á estruturação do cotidiano das sociedades humanas através de suas praticas
religiosas, culturais, nas técnicas e na economia.O contato com a natureza era
significativo e simbólico na vida das pessoas e as sociedades se constroem, ao longo do
tempo nessa relação peculiar com ela. Por exemplo, a contemplação e a veneração da
natureza pelas sociedades da antiguidade eram, freqüentemente, uma forma de exprimir o
temor e o respeito despertados pelas manifestações dos fenômenos naturais, com os quais
não possuíam defesas. As florestas, montanhas, o mar, pântanos7 entre outros elementos
da natureza estavam associados ao imaginário social como sinônimos de perigo e medo.
3 LUCHIRARI, M. T.D.P. A Representação da Paisagem no Período Contemporâneo. (pp.25) In: Paisagem, Imaginário e Espaço.(Orgs) Rozendahl,Z. & Corrêa, R. L.Rio de Janeiro: EdUERJ,2001. 4Faria, M. O. O mundo Globalizado e a Questão Ambiental.(pp.6-7) In: Neiman, Z. (Org).Meio Ambiente: Educação e Ecoturismo.Barueri, SP: Morole, 2002. 5MENEZES,U.T. B. A Paisagem Como Fator Cultural.(pp.39).In:Turismo e Paisagem.YAZIGI.(Org) São Paulo:Contexto 2002. 6LUCHIRARI, M. T.D.P. Op. Cit.. .pp.22). 7 Serres desenvolve uma análise em sua obra O Contrato Natural onde realiza uma analise a partir da descrição de um pintor Goya tentando demonstrar que ao longo da história, mais especificamente da história ocidental, a concepção dominante de natureza (representada pelo pântano) sempre foi, de certa forma permanente, uma concepção idealizada, separada da história humana. Quando separadas natureza e sociedade perdem a sua materialidade e também seus significados. Apud. Faria, M. O. O mundo Globalizado e a Questão Ambiental.(pp.6)In: Neiman, Z.(Org).Meio Ambiente: Educação e Ecoturismo.Barueri, SP:Morole, 2002.
A sua concepção de paisagem, na maioria das vezes, era caracterizada como um conjunto
de objetos selecionados e dispostos impregnados pelo sentido de sobrevivência, que
satisfizessem ás suas necessidades imediatas do corpo e da alma.
A partir da Idade Média, com o aparecimento e o desenvolvimento da pintura da
paisagem, marcando diversas fases de concepção e relação com a natureza. O
Renascimento, como o próprio nome indica, constituiu uma etapa de “despertar” ou
“renascer” do espírito humano, depois de um longo período em que o homem foi oprimido
por um sistema, no aspecto físico, intelectual e espiritual: o feudalismo.8 A discussão de
questões filosóficas, os estímulos as grandes viagens, a moda de colecionar trabalhos de
pintores italianos do século IVII, tudo contribuiu para o surgimento de novas idéias
estéticas, que eram mais realísticas do que quaisquer outras dos períodos precedentes,
porque eram asserções não somente da filosofia da estética, mas sobre a paisagem real,
visível.
Com o século XVII se inicia uma paixão pelas viagens, que vem acompanhada pelo
conhecimento da natureza e pela compressão da paisagem. Para a geografia, assim como
para outras ciências desse mesmo período, este fato influenciou consideravelmente a
construção do conceito de paisagem.9 Para o seu descobrimento contribuíram escritores,
naturalistas e também políticos.
No entanto, se até o século XVIII, a paisagem era sinônimo de pintura, com o
romantismo, uma nova concepção de paisagem passa a ser construída. A paisagem surge
como possibilidade de representação e as apreciações que passam a ser construídas da
paisagem enquanto forma, conteúdo e narrativas literárias, artísticas, cientificas denotam
hierarquia e valores correspondentes a marcos históricos, em especial focalizando a
civilização ocidental10.
De acordo com Artaloytia (1998)11 con la sensibilidad romántica el paisaje se interioriza
y es fuente, manantial de sentimientos, enriquecimiento espiritual del hombre. Se
distonsiona la realidad, pero siempre apasionadamente, en literatos, pintores, grabadores.
El romanticismo descubre también otro elemento fundamental: la montaña, espacio 8 MOLINA, S. E. Turismo e Ecologia.Bauru:SP:EDUSC,2001.pp. 23-24 9LUCHIRARI, M. T.D.P. Op. Cit. pp.15 10 GOMES, E. T. A. (2001)”Natureza e cultura, representações na paisagem” (pp.57;59) In: ROSENDHAL; CORREA, R. L. Paisagem, Imaginário e espaço. Rio de Janeiro, EDUERJ.
marginal con frecuencia horrible, que causa miedo, espanta... Esta nova visión y
sensibilidad hacia la Naturaleza, va acompañada de la labor científica de geólogos,
naturalistas, geógrafos, historadores, etnólogos, ya importante a finales del siglo XIX. El
positivismo intenta organizar, digerir, de un modo coherente, el material científico
acumulado, en un ambiente de euforia intelectual, estableciendo las bases del futuro del
hombre de la revolución técnica e industrial”.
Na geografia a concepção de paisagem possui as suas bases epistemológicas a partir da
geografia alemã permeada pela influencia do positivismo, do racionalismo e do
romantismo emergente. A separação radical entre o homem e o mundo natural é algo que
marca a idéia de natureza que se construiu no ocidente e que está na base do humanismo
e das ciências modernas. A idéia de paisagem envolve diretamente, nas suas acepções, as
várias, e diferentes, visões de relacionamento entre o homem e a natureza.
A cerca da realidade apresentada Artaloytia (1998)12 registra que o momento “ es preciso
conocer la Naturaleza, y la incipiente geología, la más desarrollada botánica, la
geografía...coinciden en este momento. Pero también, paralelamente, la Naturaleza es
fuente de recursos, se inserta en un espacio que es preciso dominar: es objetivo político y
militar, y de ahí mapas más preciosos y detallados”.
Na geografia o conceito de paisagem embora sendo um dos mais antigos, envolve
questionamentos de sua cientificidade devido à ambigüidade conceitual que permeia no
decorrer do pensamento geográfico13.
No inicio do século XX, a paisagem foi um dos primeiros temas a ser abordado na
geografia numa perspectiva cultural pelos geógrafos alemães, sendo posteriormente,
incorporado pela geografia cultural, nos anos 20, por meio do geógrafo americano Carl
Sauer, da Escola de Berkeley e retomada pela geografia cultural na década de 70.
A morfologia da paisagem proposta por Sauer representa uma antecipação da geografia
cultural que passa através de uma leitura com base fenomenológica e existencialista uma
abordagem privilegiando os aspectos subjetivos da paisagem.
11ARTALOYTIA, J. A. Z. (1988) “Vocación viajera y entendimiento del paisaje en la generación del 98”. (pp. 90-91). In: MENDOZA e CANTERO (orgs) Viajeros y Paisajas. Madrid: Alianza Editorial. 12 Ibid. p.90 13 Para HOLZER(1993), um problema para trabalhar alguns conceitos na geografia como, por exemplo, o de paisagem é o idioma. Segundo o autor cada um deles tem para um determinado termo, acepções que apesar da aparente semelhança escondem sutilezas que são, muitas vezes, intraduzíveis.
No decorrer do pensamento geográfico inúmeros trabalhos procuraram (des)construir o
conceito polissêmico da paisagem. No entanto, a compreensão da paisagem geográfica
dependerá simultaneamente várias dimensões que cada matriz epistemológica
privilegia14.
Para Ronai(1977)15, a paisagem é um espaço onde a funcionalidade se dá em proveito de
um espetáculo estético. Para ver uma paisagem é necessário se estar distante, isto é,
separado, exterior, espectador, como se pode estar de um cenário (décor), de uma cena.
No entanto, em análise realizada por Holzer(1993)16 considera que, tanto Ronai quanto
Lacoste associavam a espetacularização da paisagem como potencializadora de sua
mercantilização. A espetacularização da paisagem era vista como um processo de
fetichização. Essa redução da paisagem somente a seus elementos visuais, ou pior, a um
mero espetáculo, nos permite uma analise interessante de sua crescente mercantilização ao
longo do tempo, mas, por outro lado, coloca sérios problemas para seus próprios
seguidores, o problema de limitar o conceito de paisagem a sua definição mais primitiva:
de porção do espaço que abarca com o olhar.”
Outra perspectiva relevante na análise da paisagem é realizada por Gomes (2002)17,
quando aponta que a paisagem só existe a partir do individuo que organiza, combina e
promove arranjos e conteúdo e forma dos elementos e processos, num jogo de mosaicos.
Esses mosaicos, como puzzeles18, são representações do existente ou do ansiado para
determinado espaço, apreendido segundo determinada perspectiva. A apreensão e a
representação de imagens são derivadas de filtros fisiológicos, socioculturais e ideológicos
reforçados pelas vertentes dos conhecimentos científicos, técnicos etc., e pela dimensão
histórico –contextual, vivenciada ou experimentada pelo(s) individuo(s) de representar o
mundo.
No contexto da preeminência da paisagem como representação da natureza, em estudos
realizados Serrano(1987)19 aponta que as viagens de ilustração desenvolvidas pelos
ingleses desde meados do século XVII desempenharam um papel significativo pois não 14 ROSENDHAL, Z; CORREA, R. L. Paisagem, Tempo e Cultura. Rio de Janeiro, EDUERJ. 15Ronai(1977)Apud HOLZER, W.pp.60 16 Id. Ibid p. P.61 17 GOMES. E, T, A , Op. Cit,pp. 56--59 18 Puzzeles em alemão significa quebra-cabeças.
apenas possibilita uma mudança no olhar dos homens sobre a natureza mas também
contribui como para o surgimento do turismo moderno.
A sociedade ao (re)valorizar as paisagens naturais, constrói um novo modelo perceptivo
em relação ao meio e lhe impõe novas leituras e novos práticas econômicas e sociais.
Nesse contexto, ao(re)inventar a natureza como paisagem valorizada, abriu caminho para
incorporação da natureza à sociedade e a valorização da paisagem para a atividade
turística.
Da invenção da paisagem à construção do objeto turístico – uma leitura do território
Mato-Grossense
Como fora discutido anteriormente, a idéia de natureza é historicamente construída
socialmente e o seu entendimento que os homens tem do mundo variou ao longo da
história ocidental. A paisagem remete necessariamente á natureza e á representação, e
ambas remetem ao problema do imaginário em função da mediação simbólica que assume
a representação da natureza para os mais diferentes grupos sociais20. É com base na
representação da natureza como paisagem, e como cenário para as ações humanas, que se
institui o seu consumo pelas atividades econômicas no decorrer da história.
Para Gomes (2001)21a paisagem enquanto representação e reapresentação do mundo é
datada, sendo tecida pelo registro de praticas socioespaciais contemplando
aculturamentos e adaptações por meio de artificializações da natureza e naturalização do
artificial, nos diferentes estágios e clímax dos sistemas naturais e técnicos, bem como dos
níveis de conhecimento e mediações atingidos.
Entre a primeira metade do século XIX e os primeiros anos do século XX o território
norte mato-grossense, cujo predomínio natural corresponde ao domínio amazônico22,
19 SERRANO, C.M,T(1987). A vida nos Parques: Proteção ambiental, turismo e conflitos de legitimidade em Unidades de Conservação(pp.104). In: BRRHNS, H,T ; SERRANO, C.M.T(Orgs). Viagens à Natureza:Turismo, Cultura e ambiente.Campinas:SP:Papirus,. 20CASTRO, I. E,(2002) Paisagem e Turismo (pp125).In:YAZIGI,E(orgs).Turismo e Paisagem.São Paulo: Contexto.
21 GOMES,E.T.A Op. Cit.. pp.56 22 Refletindo as condições climáticas, a porção centro - norte, caracteriza pelo predomínio da floresta ombrófila densa (amazônica) e ombrófila aberta (de transição). Como no sentido oposto, espalha-se pela zona confrontante com o estado de Rondônia prolongamento do que ocorre nas áreas mais úmidas da região norte, esta cobertura vegetal (ombrófila) é mapeada da seguinte forma: na porção setentrional do estado junto à margem esquerda do rio Araguaia; próximo ao rio Xingu, o rio Teles Pires e no sentido oposto, espalha-se pela zona confrontante com o estado de Rondônia. A maior parte
juntamente com a porção oeste e norte do Brasil, constituía uma das regiões pouco
conhecidas do planeta. Com o desejo de investigar e explorar esse “território vazio” até
então desconhecido e exótico; inúmeros viajantes e ou representantes de expedições
cientificas nacionais e estrangeiras, se dirigiram com o intuito de desvendar ou apropriar
das inúmeras riquezas até então inexploradas. A extensa rede hidrográfica, as matas e as
florestas, a variedade da fauna e da flora era, por si só, elementos reveladores dos
incalculáveis tesouros que seu território abrigava.
Presente no imaginário social como “natureza intocada”, onde se localizam os limites da
“barbárie e civilização” o território Mato-grossense, passa a ser concebida a partir do
século XIX, como um reservatório de recursos econômicos e vazios populacionais, a ser
imperativo das conquistas, dos povoamentos, exploração e colonização. A fantástica
abundância dos recursos naturais, a remota localização geográfica, a dimensão territorial,
a baixíssima densidade demográfica e a natureza primitiva são elementos fundamentais na
composição da imagem de mato Grosso como um território rico a ser conquistado.
Toda esta abundância exercia um certo fascínio sobre os viajantes23, além de lhes
provocar uma grande inquietação marcada pela dubiedade entre o paradisíaco e o infernal
cristalizadas no imaginário social acerca da paisagem.
De acordo com análise realizada por Galetti24(2000) as imagens de “sertão-fronteira”,
projetadas sobre o território e a população mato-grossenses, tanto por viajantes
estrangeiros quanto por brasileiros, foram incorporadas por setores da classe dominante
regional, sobretudo intelectuais, e utilizadas em suas disputas políticas e em suas próprias
representações sobre a identidade regional.”
Na Amazônia, os constrangimentos impostos pelo mundo natural ao movimento dos
homens têm sido, historicamente, por demais evidentes. Essa lentidão da transformação do
mundo natural pelo homem deve-se a fatores econômicos, políticos e administrativos,
influenciando o ritmo de expansão da sociedade colonial e, posteriormente, a partir da
década de 70 por uma política de integração nacional.
da área do Norte Mato-grossense corresponde a uma faixa de transição entre o cerrado e a floresta ombrófila, sendo denominada como áreas de tensão ecológica (contatos de tipos de vegetação). 23 A respeito do fascínio dos viajantes e da sua relação com a natureza e a atividade turistica inúmeros trabalhos são relevantes de serem citados como: U URRY, J. (1996). O olhar do turista..; ARTALOYTIA, J. A. Z. (1988) “Vocación viajera y entendimiento del paisaje en la generación del 98”. 24 GALETTI, L.G. (2000) O Poder das imagens: o lugar de Mato Grosso no mapa da civilização.(pp.22) In: SILVA.L.S.D.(Org). Relações cidade –campo:Fronteiras.Goiânia:Ed. UFG.
O espaço da Amazônia Norte Mato-grossense evocado outrora pelos poetas,
cancioneiros, historiadores e viajantes como cenário de grandes e exuberantes paisagens
naturais; predominado pelo imaginário social como ‘natureza intocada’, passa nos últimos
anos a ser incorporado no circuito turístico pelos planejadores, incorporadores e
divulgados pela mídia como um espaço a conquistar.
Esse espaço, concebido anteriormente pelo predomínio dos elementos naturais, ocupados
pelas populações tradicionais, é substituído pelos objetos técnicos, pelos interesses
econômicos e inseridos no circuito da mercadoria. Ou seja, os elementos da paisagem
natural outrora fonte de sobrevivência das comunidades ali existentes, passam a ser
comercializados e inseridos em uma nova dinâmica espacial: a do turismo.
A atividade turística surge em uma nova ordem econômica de produção espacial onde,
ocorre uma supervalorização das paisagens e recriação de novas paisagens.Desse modo o
elemento central da construção social das práticas turísticas, a paisagem, resulta do arranjo
espacial de sistemas de objetos (naturais e sociais), (re)criando cenários com uma
intencionalidade de atender a atividade turística. No entanto, ao se produzir um espaço
para ser consumido como lugar turístico, destrói-se, assim, as próprias condições que
deram origem a esta ‘mercadoria’.
Nesse sentido, compartilhamos com Rodrigues (1996)25, quando pondera que a industria
do turismo produz espaços delimitados e espacialmente destinados a um determinado tipo
de consumo – o consumo da natureza – através dos denominados ‘serviços’ do turismo.”
(...) No caso da procura do natural – é a natureza ‘pura’ transformada pela atividade. (...)
essa mercadoria, o consumo do espaço caracteriza-se pelo uso ‘efêmero do território’ ,
num processo continuo de (des)territorialização e (re)territorialização.
O consumo do território pelo turismo é intermediado de um conjunto indissociável, de
bens e serviços que compõem o ‘fazer turístico’, isto é, o ato de praticar o turismo e tudo
aquilo que essa prática envolve, em termos de objetos e ações26.Entre as ações que
conduzem ao consumo das paisagens pela atividade turística encontram-se as formulações
discursivas e simbólicas que servem para a construção imagética do lugar contribuindo
25 RODRIGUES, Arlete M. A produção e o consumo do espaço para o turismo e a problemática ambiental. In:
Yazigi,E.(Orgs).Turismo, Espaço, Paisagem e Cultura. São Paulo: contexto,1996. 26Cruz. R. C. Política de Turismo e Território. São Paulo: Contexto, 2000.p.9.
para a estetização e valorização da paisagem, bem como a existência das políticas públicas
que constituem as decisões e ações políticas de intervenção no espaço.
Nesse contexto, novas territorialidades passam a ser construídas no espaço norte mato-
grossense, com a penetração de empreendimentos turísticos, políticas publicas que
possuem o compromisso de atender cronogramas, cujo tempo e valores são medidos por
padrões de mercado mundial e interesses econômicos. Essas transformações espaciais e as
suas condições sóciopolíticas modificam a região em benefício de alguns atores
hegemônicos, responsáveis por novas relações territoriais, onde os nexos próximos e o
predomínio do interesse econômico sobrepõem-se ao social e ambiental.
De acordo com Almeida (1998)27, a construção do objeto turístico em si não existe, sendo
uma invenção pelo e para o turismo, responsável pela sua invenção. Os objetos turísticos
planejados, construídos pelos empreendimentos turísticos ou mesmo decretados,
institucionalizados, eles consistem, pois, no estabelecimento de uma nova estrutura sócio-
espacial, cujo eixo de compreensão terá que emergir, não da leitura do turismo, mas entre
si, na sociedade.
Desse modo, no processo de construção imagética do lugar como objeto turístico, o
poder público busca através da mídia dar visibilidade ao espaço divulgando através de
folders, sites turísticos e revistas especializadas a valorização dos três ecossistemas que
compõem o cenário turístico a ser explorado pelo turismo em Mato Grosso. Tais
formulações discursivas podem ser avaliadas a seguir onde evidencia a supervalorização
da paisagem Mato-grossense como um recurso paisagístico a ser explorado: “ (...) uma
viagem de poucas horas é suficiente para se perceber e comprovar o contraste do moderno
com o natural. Grandes áreas do seu território ainda estão intocadas. Monumentos
megalíticos milenares formam um dos mais lindos cenários da natureza, Chapada dos
Guimarães, em pleno Cerrado. A Floresta Amazônica Mato-grossense, com sua
exuberância e mistérios, escondem rios de águas claras e cachoeiras imensas, tão remotas
que ainda nem nome têm. Isso sem falar nos mais de 1000.000 km2 do Pantanal, maior
reserva de biodiversidade do planeta, que nasce e se forma em Mato Grosso. Todas essas
regiões abrigam uma rara diversidade de animais, plantas, pássaros, peixes e insetos.
Parceiro da amplidão, o homem nativo ou adaptado, cada um á sua região, parece ignorar
a passagem do milênio e a chegada do novo século. São profundos conhecedores de ervas
medicinais e comungam a convivência com a fauna e a flora. Ai, em meio a natureza,
longe das intempéries das grandes civilizações, ele vive. E como vive!”28
Para Rodrigues(1996)29 se a atividade turística não é nova, o desenvolvimento dos meios
de comunicação de massa – em especial a TV - facilitam a circulação ‘das paisagens’, da
natureza sacralizada para ser observada (embora se diga que é para ser vivida). Cria-se e
(re)cria-se a ‘sacralização da natureza’ , ou sacralização da história, materializada no
espaço, como espaço privilegiado do turismo.
E o marketing turístico encarrega pela ‘sacralização da natureza’ através da transformação
dos objetos naturais ou artificiais em atrativo turístico, simulando território para o turismo,
inventando vocações para as localidades. Se por um lado o marketing turístico divulga a
paisagem natural como potencialidade para o desenvolvimento turístico, a cultura como
valor patrimonial, não compõe ainda o cenário a ser explorado.Nessa construção
imagética o Homem é apenas uma abstração, sendo raramente inserido neste cenário.
Com o objetivo de dar maior visibilidade ao Estado de Mato Grosso, o poder público
através da SDTUR(Secretaria de Desenvolvimento do Turismo do Estado de Mato
Grosso) no ano de 2000 inicia-se uma política de divulgação através do slogan:Mato
Grosso:quatro estações, quatro regiões, mil emoções!
O marketing turístico traz implícita e explicita a assertiva da ‘venda de paisagens’ ao
atribuir ás potencialidades naturais do Estado de Mato Grosso como o principal produto a
ser formatado e comercializado no mercado internacional e nacional.
A estratégia para a inserção do Estado no mercado turístico nacional e internacional
consistia nas seguintes diretrizes: elaboração do Plano estratégico de Desenvolvimento
Turístico Sustentável, preparação de infra-estrutura, capacitação de mão de obra e
conscientização turística, descentralização e municipalização das ações do governo,
implementação de um programa de qualidade do produto turístico de Mato Grosso,
desenvolvimento de uma estratégia de marketing internacional nos idiomas: português,
inglês e espanhol, apoiada em avançadas ferramentas como: moderno site com todas as
informações sobre potencialidades naturais, culturais, bem como todas as informações de 27 ALMEIDA, M. G. (1998) “Cultura- invenção e construção do objeto turística.” Espaço aberto 3 – Turismo e Formação Profissional. AGB/ Seção Fortaleza/CE, pp. 19 28 SDTUR. Mato Grosso: Quatro estações, quatro regiões, mil emoções.Cuiabá, 2000.
infra-estrutura e serviços, Cd-Rom, vídeos, diversos tipos de folders (revista, bolso),
Cartazes (geral e regionais), Shell folders, shell letter, mapa turístico do Estado e da
capital, a criação de uma nova logomarca e novo slogan.
E através de um discurso homogeneizador o poder público (re)elabora a sua estratégia de
desenvolvimento e crescimento priorizando a modalidade denominada de “ecoturismo30” e
internalizando a idéia do “turismo sustentável31” como condição sine qua non para atrair
divisas e fomentar a atividade no estado de Mato Grosso.
É como demonstra Furlan32 (2003), que o para o governo o “ecoturismo” tem sido visto
como uma modalidade de turismo estratégica e ‘salvadora’ para as possíveis alternativas
econômicas em áreas não incorporadas pelo turismo de massa. A autora pondera também
que do lado dos setores produtivos a “re-descoberta da natureza intocada” tem identificado
uma essa mercadoria valiosa incentivando investimentos nesse setor.
Apesar das inúmeras criticas e da inconsistência conceitual do que consistiria um
‘turismo sustentável’ em sua prática, o termo ‘desenvolvimento sustentado33’ foi
incorporado no discurso da atividade turística a partir dos ecos da discussão dos
problemas ambientais nos anos 80 decorrentes da atividade turística. Inúmeras críticas são
realizadas ao turismo de massa e à saturação dos roteiros associados á degradação
ambiental, e que tendo nos atrativos naturais sua principal mercadoria, passa a ganhar
importância crescentes no âmbito mundial e com isto, novas áreas começam não só a
integrar esta modalidade de turismo como também – através do marketing feito em torno
da beleza de suas paisagens naturais passam a se tornar ponto de convergência de um
fluxo crescente de turistas, com o qual não contavam até então. 29 RODRIGUES, A M.Op.cit.p.p.55 e 62 30 Analisando a literatura e os discursos à cerca do ecoturismo, percebe-se que existe uma grande confusão conceitual no que diz respeito a essa modalidade de turismo.O ecoturismo, além de comumente confundido com o turismo ecológico, turismo verde ou de natureza, está, até o momento, circunscrito a poucos casos, levando em conta que as nossas áreas de conservação e de proteção ambiental não dispõem de uma política integrada e de um planejamento estratégico de uso e ocupação voltados especificamente para o turismo. 31 O conceito de Ecodesenvolvimento foi sendo apropriado pelo discurso do desenvolvimento Sustentável na década de 70, e aparece nos relatórios nos Relatórios, no ano de 1987, da União Internacioanal para a Concervação da Natureza (IUCN) sendo posteriormente popularizado pelo chamado Relatório Brutland. O desenvolvimento sustentável , apesar das inúmeras controvérsias, é um conceito aparentemente indispensável presente nos discursos dos diversos segmentos da sociedade e nas políticas do desenvolvimento no final deste século. 32Furlan,S,A.(2000) Ecoturismo: do sujeito ecológico ao consumidor.(pp48) In:RODRIGUES,A B.(Org) Ecoturismo no Brasil:possibilidades e limites. São Paulo:contexto. 33Ao emergir na história recente com uma ótica preservacionista, o ambientalismo contemporâneo protegeu ecossistemas naturais e tomou, mais uma vez, a natureza como externalidade. Por outro lado, ao reinventar a natureza como paisagem
Nessa perspectiva, o “ecoturismo” constitui uma tentativa de inserir o turismo no modelo
de desenvolvimento sustentável. A proposta ecoturistica consiste possibilitar o contato
dos indivíduos com os espaços naturais de modo a garantir a sustentabilidade econômica e
ecológica.
Nessa perspectiva, a Embratur adota o conceito de “ecoturismo” como um segmento da
atividade turística que utiliza forma sustentável o patrimônio natural e cultural, incentiva
sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista através da
interpretação do meio ambiente, promovendo o bem estar das populações.
Analisando as premissas conceituais do “ecoturismo”, Mendonça & Ziermen(2002)34,
ponderam que o “ecoturismo” não contém um fim em si, não existe para desenvolver-se a
si mesmo, mas sim possibilitar a inserção destas regiões que, em vias de regra foram
afastadas do desenvolvimento regional. Outra critica realizada pelos autores consiste na
idéia de que a promoção do bem estar social das populações compreende-se sua
integração ao processo de desenvolvimento econômico sem corromper suas características
culturais mais profundas, pois são eles os verdadeiros conhecedores das formas de
sustentabilidades específicas daqueles ambientes.
Ao analisar as formulações discursivas a respeito do desenvolvimento sustentável nas
atividades turísticas, Luchiari (2000)35 ressalta que, o seu conceito é, antes de tudo, um
instrumento político e, nesse sentido, funciona como uma panacéia para garantir a
exploração econômica ao longo do tempo e ou escala planetária.
Na prática, no entanto, o “ecoturismo” se transformou em mais uma resposta do setor
produtivo e ás pressões sociais pela conservação ambiental do que possuir uma ideologia
conservacionista. O ecoturismo mascarado pelo discurso ambientalista do “retorno á
natureza”, emerge como uma resposta a uma nova tendência do mercado, com todas as
características que lhes são próprias: uma base econômica, a competitividade, a
supervalorização da satisfação do cliente, o poder de sedução ou atração desse cliente
visando o lucro.
valorizada, abriu caminho para a (re)incorporação da natureza á sociedade, reproduzindo sua estrutura perversa de estratificação social. Luchiari. T.P. Op. Cit. pp.9 e 10
34 MENDONÇA, R. ; NEIMAN, Z. (2003) Ecoturismo: discurso, desejo e realidade.(pp168) In: NEIMAN, Z. Meio Ambiente, Educação e Ecoturismo. Barueri, SP: Manole, 35 LUCHIARI,T. (2000) Urbanização turística: um novo nexo entre o lugar e o Mundo.(pp119) In. SERRANO, C.; BRUHNS, H. T.; LUCHIARI, M. T. D. P. (orgs) Olhares contemporâneos sobre o turismo. Campinas, SP: Papirus.
Desse modo, ocultado pelas formulações discursivas do “turismo sustentável” através da
modalidade do “ecoturismo”, o setor público-privado investe em um novo nicho do
mercado e passa a realizar a comercialização da natureza. Os fatores sócioculturais e
ecológicos foram incorporados ás políticas econômicas, socializados no imaginário
coletivo e absorvidas ao próprio mercado que passou a vender bem “rotulados como
ecológicos.”
Nesta perspectiva, os empreendedores privados buscam adquirir know-how e
financiamentos necessários para implantar e operar empreendimentos e roteiros
ecoturísticos competitivos internacionalmente e atentos ás expectativas desses “novos
consumidores”. Para as destinações turísticas e investidores do setor, o “ecoturismo” é
altamente rentável, possui como diferencial absorver um pequeno número de turistas e
principalmente porque atinge um público consumidor que pode pagar preços exorbitantes
pelos serviços e roteiros oferecidos com o rótulo do “exótico”, “pitoresco” ou mesmo
“primitivo”.Para Rodrigues(2000)36, o ecoturismo nasce nesse contexto mítico, como
produto para ser comercializado, na venda de esteriótipos, imagens, rótulos, como o
objetivo concreto e explicito da captação de nichos de demandas diferenciados, que
busquem modalidades alternativas de turismo.
Nesse contexto, inúmeros investidores do setor e operadoras de viagem estão
apropriando do discurso do “ecoturismo” mais como um viés para ampliarem os seus
investimentos, do que possuírem de fato, práticas ambientalmente éticas em relação ao
meio ambiente natural e cultural, ou seja, fortalecendo assim, o mercado das empresas da
“ecorrotulagem”.37
No espaço Norte mato-grossense onde a atividade turística é marcada pela modalidade
do “ecoturismo” até o momento, não dispõem de uma política integrada e de planejamento
estratégico de uso voltado especificamente para o turismo. Tal proposta consiste apenas
nas formulações discursivas do setor público para captar recursos ou pelos investidores
privados para atrair novos consumidores do espaço e capitalizar seus investimentos. 36 Rodrigues, A . B. Turismo Eco-Rural: Interfaces Entre o Ecoturismo e o Turismo Rural.In: ALMEIDA, J. A . RIED, M. (Orgs) Turismo Rural e Desenvolvimento Sustentável. Campinas, SP: Papiarus, pp.115 –117. 37 Nesse sentido, o termo ecoturismo teve sua abrangência e tem sido empregado como rótulo da indústria para conquistar uma porcentagem maior do mercado do turismo através do discurso do “retorno á natureza”. De acordo com Iverson (1997) nesta perspectiva o ecoturismo foi modificado, reembalado e produzido para atender esse novo nicho do mercado e as praticas duvidosas de empresas que atuam com o rótulo de “ecoturismo”. A deturpação do ecoturismo por
Os poucos investidores do setor denominado de “ecoturismo”, preferem
empreendimentos de baixo custo inicial e rápida amortização, que sejam rentáveis em
curto prazo e não causem grandes prejuízos caso fiquem inviabilizados por mudanças
políticas ou pela degradação ambiental dos atrativos. Isso resulta em instalações precárias,
produtos de baixa qualidade e operadores descomprometidos com o futuro da região.
A atividade de exploração do turismo é pautada no uso dos recursos naturais visando sua
exploração imediatista e marcada pela ausência de medidas efetivas de proteção
ambiental, comprometendo assim os atrativos naturais.A atividade praticada tem
apresentado danos ambientais, tendo por conseqüência, a descaracterização da paisagem
natural e a destruição de patrimônios culturais. Ocorrendo o risco, portanto, de
sobrecarregar rapidamente as regiões naturais, em vez de contribuir para sua conservação.
O pólo “ecoturístico” Norte mato-grossense – de predomínio do ecossistema amazônico
– possui atrativos naturais/culturais em abundância, mas poucos produtos
‘ecoturísticos38’. A Amazônia legal tem Unidades de conservação legalmente criadas, mas
ainda carentes de efetiva implantação, na maioria dos casos, onde os atrativos naturais
estejam adequadamente protegidos e onde exista um manejo e infraestrutura específico
para o “ecoturismo”. A maior parte dos empreendimentos denominados de “ecoturistas”
da região oferece produtos mal concebidos e roteiros aquém das perspectivas de um
‘turismo sustentável’. Outro fato que deve ser levando em consideração é que, na
Amazônia os investidores interessados em turismo evitam a região, devido aos riscos
associados a investimentos de longa amortização. Esses riscos resultam principalmente da
instabilidade normativa, com freqüentes mudanças nas regras de financiamento e
licenciamento de empreendimentos.
As políticas públicas do turismo como instrumento de construção do objeto turístico:
De acordo com Cruz(2000)39 uma política pública do turismo pode ser entendida como
um conjunto de intenções, diretrizes e estratégias estabelecidas e /ou ações deliberadas, no
operadoras que, estão ‘engajadas no verdadeiro ecotruismo’ só de forma muito superficial. Adaptamos a terminologia utilizada por Iverson(1997) apud Fennel. In; Ecoturismo: Uma introdução. São Paulo: contexto, 2003. 38 Produtos turísticos são atrativos naturais dotados da infraestrutura receptiva, interpretação, guias, roteiros etc. necessários para realizar a visitação á localidade. 39 CRUZ , R. Op. Cit. p.40
âmbito do poder público, em virtude do objetivo geral de alcançar e/ou de dar
continuidade ao pleno desenvolvimento da atividade turística num dado território. O modo
como se dá a apropriação de uma determinada parte do espaço geográfico pelo turismo
depende da política pública de turismo que se leva a cabo no lugar. Á política pública do
turismo cabe o estabelecimento de metas e diretrizes que orientem o desenvolvimento
socioespacial da atividade, tanto no que tange á esfera pública como no que se refere á
esfera á iniciativa privada.
Em Mato Grosso como o objetivo de incentivar e viabilizar a atividade turística,
notadamente a modalidade do “ecoturismo”, o poder público vem implementado alguns
programas regionais, como por exemplo: o Proecotur e o BID Pantanal. No entanto, tais
programas merecem serem cuidadosamente analisados para melhor compreensão de como
vem correndo a territorialização da atividade turística e a sua configuração espacial
decorrente de tais políticas.
De acordo com a Embratur/ MMA, o Proecotur é um programa de planejamento
estratégico e investimentos visando o desenvolvimento do “ecoturismo” na Amazônia
brasileira. O programa é co-financiado pelo governo brasileiro e pelo Banco Inter-
Americano de Desenvolvimento – BID, e executado pelo Ministério do Meio Ambiente
em parceria com os noves Estados da Amazônia Legal, entre eles o Estado de Mato
Grosso.
O novo modelo de desenvolvimento definido pela política nacional Integrada para a
Amazônia Legal (PNIAL) tem como objetivo final “a elevação da qualidade de vida das
suas populações, mediante o crescimento econômico sustentável, o pleno aproveitamento
das potencialidades naturais e culturais e a internalização e melhor distribuição da
riqueza. A efetivação desse objetivo pressupõe uma nova estratégia de desenvolvimento
centrada no respeito á natureza. A respeito á diversidade interna, á articulação das
dimensões econômica, social e ambiental e á redução dos conflitos e desigualdades
regionais”.
Dentro dessa nova dinâmica espacial a oferta de destinos ecoturísticos depende,
essencialmente, da existência de áreas de elevado valor ecológico e cultural e da maneira
como essas áreas são geridas. Nesse sentido, a Amazônia brasileira apresenta uma enorme
vantagem competitiva sobre os destinos concorrentes. O “ecoturismo” é uma importante
alternativa de desenvolvimento econômico sustentável utilizando racionalmente os
recursos naturais sem comprometer a sua capacidade de renovação e sua conservação.
Diante da problemática apresentada a EMBRATUR lança para implementar o turismo na
Amazônia o PROECOTUR 40 O objetivo do PROECOTUR é viabilizar o
desenvolvimento do turismo na Amazônia Legal e principalmente do “ecoturismo”, como
base para o desenvolvimento sustentável da região. Esse objetivo será atingido mediante
os seguintes objetivos específicos:
1. Proteger e desenvolver os atrativos turísticos da região, por meio de medidas como
implantação de áreas protegidas com manejo específico para o ecoturismo;
2. Criar um ambiente de estabilidade para investimentos em empreendimentos de
ecoturismo mediante a definição de políticas e normas e o fortalecimento dos órgãos de
gestão ambiental e desenvolvimento turístico estadual e regional: viabilizar e atrair
investimentos privados para o setor turístico na região; maximizar a competitividade e
eficiência econômica do setor e minimizar seu ônus sobre o setor público, mediante o
aproveitamento de forças do mercado; garantir a permanente sustentabilidade econômica
no setor; maximizar os benefícios sociais e ambientais gerados pelo desenvolvimento do
setor; Grifos nossos.
3. Viabilizar operacionalmente empreendimentos de ecoturismo por meio da realização
de estudos de mercado, da identificação, desenvolvimento e adaptação á região de
tecnologias para geração de energia, tratamento de efluentes etc. e da disponibilização dos
resultados para investimentos privados através da elaboração do plano de manejo, cujos
objetivos serão:
Implementar infraestrutura necessária para transformar seus atrativos naturais em
produtos ecoturísticos de nível internacional;
garantir a proteção a longo prazo desses atrativos e de seu contexto ecológico e
paisagístico, garantindo, assim, a competitividade internacional do pólo e a sua viabilidade
a longo prazo e empreendimentos instalados em função de seus atrativos;
40MMA/ SCA/ PROECOTUR. Elaboração de uma estratégia Amazônica de Turismo Sustentável: PROECOTUR.
Julho:1999. O documento foi copiado na íntegra e os grifos e análise realizada pela autora.
garantir a proteção a viabilidade ecológica dos ecossistemas terrestres e fluviais que
são o principal atrativo da Amazônia Legal – a reputação das áreas protegidas onde a
natureza recebe proteção efetiva é fundamental para a sua competividade como destinos
turísticos e para a imagem internacional da região como um todo;
viabilizar a implantação de empreendimentos de ecoturismo em terras públicas dentro
das áreas protegidas, por meio de concessões, criando oportunidades para
empreendimentos ecoturísticos complementares e de portes variados, que viabilizem,
principalmente, a participação de empresários locais;
viabilizar a visitação dos atrativos naturais das áreas protegidas por parte dos
visitantes hospedados em seu entorno; minimizar o ônus imposto ao setor público pela
administração das áreas protegidas mediante mecanismos de co-gestão que dividam esse
ônus com o setor privado e, principalmente, com empreendimentos ecoturísticos
beneficiados pelas mesmas.
4. Viabilizar financeiramente novos empreendimentos de ecoturismo mediante a
implantação de linhas de credito específicas para o setor.
5. Melhorar ou implantar a infra-estrutura básica necessária para viabilizar o aumento do
fluxo turístico para a Amazônia Legal.
A proposta do Proecotur deverá romper os paradigmas tradicionais de projetos de
desenvolvimento regional por meio de:
Apropriação dos recursos naturais da Amazônia pela sociedade, para o seu uso
econômico indireto, viabilizando ao mesmo tempo a proteção dos ecossistemas e sua
inserção no contexto econômico regional;
Parceria entre a sociedade civil, o setor privado e o setor público, mediante estratégias
de implementação, nas quais todos os parceiros deverão contribuir para alcançar objetivos
comuns;
Direcionamento das forças de mercado e de recursos privados, mediante
regulamentações e investimentos estratégicos, para alcançar os objetivos econômicos,
sociais e ambientais de interesse público;
Redefinição do papel do Estado como agente de fomento ao desenvolvimento
substituindo investimentos pesados em infraestrutura física por investimentos privados por
meio de concessões de exploração de infraestrutura. A infraestrutura necessária para a
viabilização do Proecotur será implantada utilizando o capital privado e será operado de
forma eficiente, sem onerar o estado.
O marketing de destino é uma ação regional para apresentar a Amazônia Brasileira como
um local competitivo no mercado ecoturístico em níveis nacional e internacional. No
contexto do Proecotur, o objetivo do marketing é o de associar o destino da Amazônia
brasileira a uma imagem de natureza conservada e protegida, com produtos ecoturísticos
de padrão internacional oferecendo ótimas oportunidades para investimentos em longo
prazo no setor oferecendo aos visitantes uma experiência única, segura, confortável, com
serviços prestados adequadamente por profissionais altamente qualificados.
O esforço em níveis governamental regional e nacional, de criar e divulgar essa imagem
internacionalmente não se limita a ‘produzir uma imagem’ mas, sobretudo, por meio de
parcerias com o setor privado, manter e monitorar os pólos ecoturísticos para o seu bom
funcionamento contribua para a valorização da Amazônia como um todo, reforçando a
imagem criada. Nessa perspectiva, os operadores e prestadores de serviço nos respectivos
pólos, por sua vez, terão o interesse em manter essa imagem, pois dela dependerá o
sucesso de seus negócios.
Nesse aspecto, torna-se relevante as considerações de Luchirai41 (2002 quando pondera
que as modalidades de turismo de natureza que, aparentemente, estão mais próximas de
uma concepção de turismo sustentável, são limitados pelas estratégias de mercado, pelas
políticas públicas que tornam a natureza como mercadoria, valorizada pelo turismo
internacional e pelas práticas sociais.
A construção imagética do espaço Mato-grossense ganha nesse contexto uma dimensão
sócio-econômica estratégica para assegurar uma posição competitiva na divisão espacial
do consumo “ecoturístico”, assim como os demais “pólos ecoturísticos” cartografados,
pela política turística nacional e interesses hegemônicos internacionais.
Para não concluir:
As propostas políticas elaboradas para a implementação da atividade turística através do
”ecoturismo” estão implícitas a idéia de adaptação dessa nova modalidade a uma
41 LUCHIARI, T, M, P, Op. Cit.,pp,20
tendência de mercado emergente. Mascaradas por um conjunto de formulações discursivas
pautadas no “desenvolvimento sustentável”, o poder público elabora políticas setoriais
através da realização de projetos e programas com o objetivo de viabilizar o
desenvolvimento da atividade econômica, através de medidas concencionais do mercado
relacionada ao marketing, á promoção, aos incentivos fiscais, ás acomodações e ao
transporte. Tais políticas de planejamento e gestão estão implícitas a idéia da “formatação
dos produtos ecoturísticos” para atender as exigências de uma nova ordem global do
capital internacional. Desse modo, torna-se evidente o aspecto político no que diz respeito
à transformação da paisagem em mercadoria e suas inúmeras estratégias para inseri-la no
mercado consumidor internacional.
Portanto, nas atividades turísticas, deve reconhecer que a base da atividade está
fundamentada no meio ambiente e que os recursos naturais são limitados. Torna-se mister
reconhecer que a base da atividade turística deverá ser baseada no uso racional dos
recursos naturais do meio ambiente, da valorização da comunidade local, do tratamento
ético dos empregados que compõe o Trade turístico. Nessa perspectiva é que os custos
socioculturais do desenvolvimento do turismo devem ser considerados.
*****