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Ficha Catalográfica
MIRANDA, Ana Carolina Neves. Pesquisa Histórica da Fazenda Santa Eufrásia, Vassouras (RJ). Ouro
Preto, 2014. 156 p.; il; 29,7cm 1. Palavras chaves. Fazenda Santa Eufrásia, Pesquisa Histórica, Restauro.
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EQUIPE TÉCNICA
Coordenação Geral
Manoel Vieira
Coordenação da Pesquisa
Ana Carolina Neves Miranda
Auxiliar de Pesquisa
Priscila Bento Souza
Maria Agripina Neves
Revisão de Texto
Fabiana Rodrigues de Souza
Fotografia e diagramação
Irans Souza da Conceição
Agradecimento
Isabel Rocha, ETMP – IPHAN-RJ
Almir Santos de Oliveira – ETMP – IPHAN-RJ
Elizabeth Dolson, Fazenda Santa Eufrásia
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QUADRO DE SIGLAS ANS Arquivo Noronha Santos, IPHAN
ACMV Arquivo da Câmara Municipal de Vassouras
CDH Centro de Documentação Histórica da Universidade Severino Sombra
ETMP-RJ Escritório Técnico Médio Paraíba – IPHAN RJ
IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
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QUADRO DE FIGURAS Figura 1- Localização da Fazenda Santa Eufrásia e demarcação da área edificada. ..................... 7 Figura 2 - Fazenda Santa Eufrásia, casa de vivenda, 2013. .......................................................... 8 Figura 3- Mapa de demarcação da Fazenda de Santa Cruz. ........................................................ 11 Figura 4- Proprietários de terras da Fazenda de Santa Cruz, séc. XIX. ...................................... 13 Figura 5 - Terras pertencentes a José Clemente Pereira e suas divisas, séc. XIX. ...................... 17 Figura 6- Desenho demonstrativo da aviventação de rumos judiciaes, e repartição das Fazendas S° Roque e Cachoeira . ................................................................................................................ 18 Figura 7 – Localização das Fazendas Santa Eufrásia, Cachoeira e São Roque. ......................... 20 Figura 8 – Sobreposição do mapa de localização atual das fazendas e o “Desenho demonstrativo da aviventação de rumos judiciaes, e repartição das Fazendas S° Roque e Cachoeira”. ............ 20 Figura 9 - Comparação entre o Desenho demonstrativo e mapa 2007. ....................................... 21 Figura 10 - Demarcação do açude, Desenho demonstrativo e Aerofoto 2013. ........................... 22 Figura 11 - Localização e divisas de St. Eufrásia, 2007. ............................................................. 25 Figura 12 - Coronel Horácio José de Lemos, sec. XX. ............................................................... 38 Figura 13 - Família Lemos, comemoração de bodas de ouro do casal Horácio e Francisca. ...... 40 Figura 14 - Pecuária, Fazenda Santa Eufrásia, séc. XX. ............................................................. 41 Figura 15 - Planta Baixa Fazenda Santa Eufrásia com áreas demolidas e alterações. ................ 42 Figura 16 - Lareira construída na primeira metade do séc. XX. ................................................. 43 Figura 17- Fazenda Santa Eufrásia, Heric Hess, 1941. ............................................................... 47 Figura 18 - Casa de vivenda após o tombamento em 1970. ........................................................ 49 Figura 19 - Fachada posterior, local onde estava o trecho demolido. ......................................... 50 Figura 20 - Cavalariça, parte da fachada frontal. ........................................................................ 50 Figura 21 - Cavalariça, fachada posterior. .................................................................................. 51 Figura 22 - Casa de vivenda, obra emergencial 1995. ................................................................ 53 Figura 23 - Esquema de movimentação da parede frontal. ......................................................... 55 Figura 24 - Solução adotada pelo IPHAN para a estabilização da tesoura. ................................ 56 Figura 25 - Esquema do telhado da cozinha................................................................................ 57 Figura 26 - Casa de vivenda após a obra de recuperação do telhado. ......................................... 58 Figura 27 - Fachada deteriorada da Casa de Vivenda, 2002. ...................................................... 60 Figura 28 - Forro de estuque em desprendimento. ...................................................................... 61 Figura 29 - Colapso da alvenaria da cavalariça. .......................................................................... 62 Figura 30- Edificações primitivas da Fazenda Santa Eufrásia, sec. XIX. ................................... 63 Figura 31- Calha gerada pelo alteamento do telhado. ................................................................. 65 Figura 32 - Esquema evolutivo da casa de vivenda no século XIX. ........................................... 68 Figura 33 - Espigão anulado para altear o telhado. ..................................................................... 69 Figura 34 - Fazenda Santa Eufrásia, início do sec. XX. .............................................................. 70 Figura 35 - Detalhe, trecho demolido. ......................................................................................... 71 Figura 36- Fachada da cozinha. ................................................................................................... 72 Figura 37 - Vão, planta da casa de vivenda. ................................................................................ 72 Figura 38- Demolição de parede na cozinha. .............................................................................. 73 Figura 39 - Divisões no forro, sala de estar. ................................................................................ 74 Figura 40 - Substituição de duas janelas por portas. ................................................................... 75 Figura 41 - Fachada após a retirada da hera. ............................................................................... 75 Figura 42 - Jardineira inserida na fachada................................................................................... 76 Figura 43 - Cavalariça, escoramento 2010. ................................................................................. 77
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Figura 44 - Localização do gasoduto e açude. ............................................................................ 78 Figura 45 - Registro de terra Ezequiel de Araujo Padilha. ........................................................ 128 Figura 46 - Avaliação dos bens de raiz da Fazenda Santa Eufrásia, 1890. ............................... 129 Figura 47 - Escritura de compra e venda 1905. ......................................................................... 130 Figura 48 - Ata Conselho Consultivo, 02/09/1969.................................................................... 131 Figura 49 - Ata do Conselho Consultivo, 21/01/1970............................................................... 131 Figura 50- Fazenda Santa Eufrásia, processo 789-67-T. ........................................................... 132 Figura 51 - Fachada posterior da casa de vivenda, 1968. .......................................................... 132 Figura 52 - Fazenda Santa Eufrásia, meados do séc. XX. ......................................................... 133 Figura 53 - Fachada Casa de Vivenda, séc. XX. ....................................................................... 133 Figura 54 - Obra emergencial do telhado da Casa de Vivenda, 1995. ...................................... 134 Figura 55 - Retelhamento da Casa de vivenda, obra emergencial 1995. .................................. 135 Figura 56 - Fachada Casa de Vivienda, 2001. ........................................................................... 136 Figura 57 - Fachada posterior Casa de Vivenda, quartos dos fundos, 2001. ............................ 136 Figura 58 - Lateral Casa de Vivenda, 2001. .............................................................................. 137 Figura 59 - Fachada da Cozinha, 2001. ..................................................................................... 137 Figura 60 - Copiar, 2002. .......................................................................................................... 138 Figura 61 - Detalhe do Telhado, com barras de metal, restauração em 1994. .......................... 138 Figura 62 - Telhado, Casa de Vivenda. ..................................................................................... 139 Figura 63 - Telhado da Casa de Vivenda. 2007. ....................................................................... 139 Figura 64 - Telhas de vidro, Casa de Vivenda, 2007. ............................................................... 140 Figura 65 - Interior do telhado da Casa de Vivenda, 2007. ....................................................... 140 Figura 66 - Vão entre os telhados, 2007. ................................................................................... 141 Figura 67 - Telhado entre a Cozinha e Sala de Jantar, 2013. .................................................... 141 Figura 68 - Casa de Vivenda, estuque, 2008. ............................................................................ 142 Figura 69 - Estuque Sala de Jantar, 2013. ................................................................................. 142 Figura 70 - Piso do quarto da sacada - Casa de vivenda, 2012. ................................................ 143 Figura 71 - Degradação de um dos banheiros. .......................................................................... 143 Figura 72 - Cavalariça, 2002. .................................................................................................... 144 Figura 73 – Fachada lateral da Cavalariça, 2009. ..................................................................... 144 Figura 74 - Fachada posterior da Cavalariça, 2009. .................................................................. 145 Figura 75 - Degradação da fachada - Cavalariça, 2009............................................................. 145 Figura 76 - Pau a pique - Cavalariça, 2009. .............................................................................. 146 Figura 77 - Degradação de uma das paredes internas da Cavalariça. ....................................... 146 Figura 78 - Tijolo, Cavalariça, 2008. ........................................................................................ 147 Figura 79 - Escoramento da cavalariça, 2010. .......................................................................... 147 Figura 80 - Armazém, 2010. ..................................................................................................... 148 Figura 81 - Portas - Armazém, 2010. ........................................................................................ 148 Figura 82 - Visão frontal do açude. ........................................................................................... 149 Figura 83 - Lateral do açude, 2008. .......................................................................................... 149 Figura 84 - Açude - Escoamento da água, 2008........................................................................ 150 Figura 85 – Açude - Parede de pedra, 2009. ............................................................................. 150 Figura 86 - Degradação da parede do Açude, 2009. ................................................................. 151 Figura 87 - Buraco próximo a parede de contenção do açude. ................................................. 151 Figura 88 - Perímetro Tombado em estudo pelo IPHAN. ......................................................... 152 Figura 89 - Levantamento das fachadas Cavalariça. ................................................................. 153 Figura 90 - Planta Cavalariça. ................................................................................................... 154 Figura 91 - Planta Fazenda Santa Eufrásia. ............................................................................... 155
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SUMÁRIO
QUADRO DE SIGLAS ..................................................................................................................... 3
QUADRO DE FIGURAS .................................................................................................................... 4
SUMÁRIO ....................................................................................................................................... 6
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 7
1- OCUPAÇÃO E PRIMEIRAS EDIFICAÇÕES ....................................................................... 10
2-PROPRIETÁRIOS E USOS DO ESPAÇO EDIFICADO .......................................................... 29
3-TOMBAMENTO E OBRAS FISCALIZADAS PELO IPHAN ................................................. 44
4-EDIFICAÇÕES E ESTUDO MORFOLÓGICO ...................................................................... 63
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 79
5- CRONOLOGIA ....................................................................................................................... 80
6- CLIPPING .............................................................................................................................. 83
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................................. 89
ANEXO DOCUMENTAL ................................................................................................................. 93
ANEXO FOTOGRÁFICO ............................................................................................................... 128
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INTRODUÇÃO
A Fazenda Santa Eufrásia1 está localizada entre a RJ- 127 e a BR-393, vias que
dão acesso às cidades de Vassouras, Mendes e Barra do Piraí. Possuindo acesso por
ambas as estradas, a fazenda contempla uma área extensa de aproximadamente
236,8300 ha (A REDE, Levantamento Topográfico, 2013).
Figura 1- Localização da Fazenda Santa Eufrásia e demarcação da área edificada.
Fonte: Google Earth, 2009.
Exemplar da arquitetura rural do Vale do Paraíba Fluminense, a construção de
suas edificações remete ao século XIX, trazendo características que mesclam sistemas
construtivos diversificados: “alvenaria de pedra argamassada e de pedra seca, adobe e
pau-a-pique, alvenaria de tijolos maciços e furados, forro em estuque e forro em
madeira encadeirado” (INEPAC, 2008, p. 333). Alguns desses elementos referem-se às
diversas modificações que a fazenda passou no decorrer de sua utilização e em mãos de
diversos proprietários.
1 Outras denominações, como “Fazenda Santa Euphrásia” ou “Fazenda Santa Eufrázia” também são
encontradas em documentos cartoriais do século XIX e XX.
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Composta por duas construções retangulares paralelas (casa de vivenda e
cavalariça), um armazém de menor dimensão e uma casa para empregados, a fazenda
possui também um açude e é circundada por um gramado. Na área fronteira da casa
principal estavam localizados os antigos terreiros de café, hoje substituídos pelo
gramado. A Fazenda Santa Eufrásia traz ainda uma área de vegetação nativa e um
bosque localizado na área posterior à cavalariça.
Figura 2 - Fazenda Santa Eufrásia, casa de vivenda, 2013.
Foto: Irans Souza da Conceição.
Tombada em 1970 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN), o instrumento abrangeu “seus bosques e parque secular, inclusive a
edificação da sede com o respectivo mobiliário e objetos antigos” (ANS, Processo 789-
T-67, p. 27), sendo então um tombamento de bens edificados e paisagísticos. Embora
seu tombamento seja datado de 1970, encontra-se ainda em processo, pela
Superintendência do IPHAN-RJ, um estudo que busca delimitar as áreas de entorno e
definir taxas de ocupação e gabarito.
O presente texto tem por objetivo oferecer os resultados de uma pesquisa
histórica da Fazenda Santa Eufrásia para subsidiar o projeto de restauração dos bens
edificados da mesma – a saber: casa de vivenda, cavalariça, armazém e açude. A
metodologia adotada consistiu em uma análise comparativa feita a partir de um
levantamento bibliográfico e documental de fontes primárias, secundárias e relatos
orais, além de ampla pesquisa iconográfica, focando as edificações que constituem o
objeto deste estudo. A busca documental foi efetuada nos seguintes arquivos: Arquivo
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do Estado do Rio de Janeiro; Arquivo Nacional; Arquivo Noronha Santos – IPHAN;
Arquivo Público Mineiro (plataforma on-line); Biblioteca Nacional; Câmara Municipal
de Vassouras; Centro de Documentação da Universidade Severino Sombra; Diário
Oficial da União (plataforma on-line) e Escritório Técnico Médio Paraíba (ETMP –
IPHAN/RJ). As entrevistas foram realizadas com a proprietária da Fazenda Elizabeth
Dolson e servidora do IPHAN Isabel Rocha. Procurou-se localizar alterações e
intervenções realizadas ao longo do tempo, bem como analisar os diversos discursos
que compuseram o monumento, aspectos estes que se refletem na preservação desse
bem e em sua manutenção.
A estrutura deste estudo obedece aos seguintes tópicos: 1) “Ocupação e
primeiras edificações”, no qual são relatados os dados mais recuados sobre a fazenda e
seu desenvolvimento ao longo do século XIX; 2) “Proprietários e usos do espaço
edificado”, que objetiva uma discussão sobre as duas famílias que administraram a
fazenda e os usos dados a ela nesses períodos, incluindo o período de estagnação e
hipoteca; 3) “Tombamento e obras fiscalizadas pelo IPHAN”, onde se constrói uma
reflexão sobre os instrumentos legais de manutenção da integridade física do imóvel, as
obras realizadas pelo IPHAN e os indicadores do estado de conservação da fazenda em
diversos períodos; e 4) “Edificações e estudo morfológico”, onde se faz o estudo
comparativo das edificações, estabelecendo análises do material levantado nos Arquivos
e da edificação atual. Além disso, conta com uma cronologia, um clipping, no qual
estão inseridos recortes de jornais, revistas e páginas da internet que fazem referencia à
Fazenda e um amplo anexo fotográfico contendo imagens da Fazenda Santa Eufrásia em
diversos períodos.
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1- OCUPAÇÃO E PRIMEIRAS EDIFICAÇÕES
O Vale do Rio Paraíba Fluminense teve sua ocupação marcada pelo processo de
interiorização da metrópole e pela abertura de novos caminhos, de acordo com as
recomendações do governo pombalino2. Ponto de ligação entre as Minas e o Rio de
Janeiro, possuiu função estratégica no controle e no abastecimento da economia
mineradora durante o século XVIII e em parte do XIX. Desse contexto, fez-se a abertura
de caminhos como o Caminho Novo de Garcia Paes, do Proença, do Tinguá e do
Rodeio e, no século XIX, das estradas do Comércio e da Polícia (MAIA FORTE, 1975,
p. 73). Para os construtores desses caminhos e para aqueles que povoaram o território
foram oferecidas sesmarias ao longo do percurso, além de outras vantagens como a
isenção de serviço militar, privilégios fiscais e imunidades no campo judicial (como
indultos a criminosos). Em contrapartida, os donatários possuíam uma série de
obrigações condicionadas às doações, estando entre elas: a demarcação dos lotes em até
dois anos após a doação, a exploração agropecuária do terreno em até três anos e a troca
de serviços com os mineiros (FRIDMAN, 2013, p. 2).
A abertura dessas vias estabeleceu uma “economia de passagem” (FRIDMAN,
2013, p. 1), na qual foram instalados postos de fiscalização do ouro, postos de apoio aos
tropeiros e ranchos com produção agrícola voltada para a subsistência. Essa “economia
de passagem”, aliada à política de doação de sesmarias, contribuiu efetivamente para o
processo de apropriação territorial do vale, formando uma rede urbana composta por
freguesias e vilas ao longo do caminho.
Dentre as sesmarias doadas desde o início do século XVIII, três nos chamam a
atenção por se ligarem diretamente à compreensão do nascimento da Fazenda Santa
Eufrásia. Primeiro, a Fazenda de Santa Cruz, que compreendida todo o território
parcelado naquela região durante o século XVIII e XIX; segundo, a Sesmaria das
Cruzes; e terceiro, a Sesmaria de Vassouras e Rio Bonito, atual cidade de Vassouras. A
2 Trata-se do período em que Sebastião de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal (1750 a 1777), realiza
uma série de alterações na legislação econômica portuguesa. Entre suas determinações estavam a interiorização da metrópole a qual buscava estender o poderio português as áreas longínquas da colônia, utilizando-se dos “homens de negócio” (FURTADO, 1999) como elemento de ocupação e demarcação desse território.
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Fazenda de Santa Cruz abrangia uma área que ia da faixa litorânea da cidade do Rio de
Janeiro até o vale do rio Paraíba do Sul, como pode ser visto no mapa abaixo.
Figura 3- Mapa de demarcação da Fazenda de Santa Cruz. Fonte: FRIDMAN, 2005, p. 19
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A Fazenda de Santa Cruz corresponde atualmente ao bairro de Santa Cruz, no
Rio de Janeiro, e a “parte de dez municípios fluminenses: Itaguaí, Barra do Piraí,
Mendes, Nova Iguaçu, Paracambi, Paulo de Frontin, Piraí, Rio Claro, Vassouras e Volta
Redonda” (FRIDMAN, 2009, p. 151). Pertencente aos padres Jesuítas, foi confiscada
pela Coroa Portuguesa ainda no século XVIII, sendo parcelada dando origem a muitas
outras sesmarias menores, como a de Palmas, Vassouras e Rio Bonito, e a Chanceler
França – posteriormente denominada Sesmaria das Cruzes, em 1793 – pertencente a
Miguel Angelo Fagundes e França (FRIDMAN, 2009, p. 151).
As sesmarias subdivididas deram origem às roças, aos engenhos de açúcar e às
fazendas que se dedicariam posteriormente ao plantio do café, além da formação de
vilas e freguesias como a de Vassouras, formada em 1833 por um pequeno grupo de
agricultores que havia rompido com a Vila de Paty do Alferes. Em 1809 as terras
referentes à Sesmaria das Cruzes, já estavam sob a propriedade de José Clemente
Pereira (ACMV, Terras, Aviventação de Rumos, 1855, p. 66). Em documento de
meados do século XIX encontramos a referência à posse dessa terra como sendo o
proprietário antecedente Miguel Angelo Fagundes e França.
[...] a Carta da Sesmaria na decima quinta linha diz que as terras que Sua Magestade Havia por bem conceder a Miguel Angelo Fagundes França, que são as que o Excellentissimo Senhor Conselheiro Jose Clemente Pereira hoje possue e mandou demarcar [...] (ACMV, Terras, Aviventação de Rumos, 1855, p. 65).
Não encontramos o período exato da compra dessa sesmaria e qualquer outro
detalhe da concessão dessas terras, mas consta que estas pertenciam a “José Clemente
Pereira (sesmaria das Cruzes) como cabeça de casal, por seu consórcio com D.
Francisca Mariana de Oliveira Coutinho, viúva do Coronel Bento Luís de Oliveira
Braga” (MAIA FORTE, 1941, p. 29).
Essa sesmaria possuía uma grande extensão de terras que fazia divisa com as
propriedades de Bento de Oliveira Braga, Antônio da Costa Franco e Luiz Homem de
Azevedo. Este último era o proprietário da Sesmaria de Vassouras e Rio Bonito
(FRIDMAN, 2009, p. 51). Em mapa da Fazenda de Santa Cruz (Fig. 4), do início do
século XIX, é possível notar a demarcação das terras de José Clemente Pereira e outros
sesmeiros da região de Vassouras já citados nesse trabalho.
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Figura 4- Proprietários de terras da Fazenda de Santa Cruz, séc. XIX.
Fonte: Biblioteca Nacional.
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O parcelamento dessas terras e suas divisas nas primeiras décadas do séc. XIX
são peças fundamentais para compreender a localização da Fazenda Santa Eufrásia, sua
edificação e os conflitos inerentes à sua terra, pois foi em meio a esse contexto de
disputa de terras, demarcações de divisas, economia cafeeira e sociedade rural que a
Fazenda Santa Eufrásia foi construída e assim se desenvolveu. Com base nesses dados,
vamos discutir a implantação da Fazenda Santa Eufrásia na região e a atuação de seu
proprietário como um dos construtores da vila de Vassouras.
Em 1834, José Clemente Pereira e Bento d’Oliveira Braga, entre outros,
solicitam um representante da Coroa para “medir, tombar e demarcar as sesmarias das
fazendas denominadas das Cruzes, Palmas, Rio Bonito e Vassouras, sitas no Termo da
Villa de Vassouras”3 (ACMV, Terras, Medição, 1834, p. 2), em conformidade ao
processo já estabelecido por outros sesmeiros donos de grandes propriedades, que, por
volta dos anos de 1830, procuraram meios legais para obtenção de titulação das terras
via medição judicial supervisionada. Esses homens visavam estabelecer suas
propriedades, em vista do grande número de posseiros que ocupavam a região e mesmo
legitimar a posse terras devolutas entre as suas sesmarias. Segundo Fridman, “tais
medidas acabaram por expulsar ou marginalizar os posseiros que se tornaram agregados
das fazendas ou se transferiram para o vale paulista” (FRIDMAN, 2013, p. 5),
consagrando as grandes fazendas na economia de café no Vale.
A partir dessa medição, encontramos a primeira referência àquele que pode ser
considerado o primeiro proprietário da Fazenda Santa Eufrásia: Comendador Ezequiel
de Araujo Padilha. A documentação cartorial não consta de dados referentes à fazenda
anteriores ao século XIX e nem mesmo há citação de possíveis proprietários anteriores a
Ezequiel. Relatos orais conferem a Pedro Petra Padilha4 a titulação de primeiro
proprietário da fazenda, porém nenhum dado foi encontrado – nem em registros
cartoriais, nem em registros eclesiásticos ou iconográficos – que pudesse subsidiar essa
informação. Nenhuma referência ao nome de Pedro Petra Padilha foi encontrada nas
3 Terras indicadas no mapa anterior pelas legendas 1, 2 e 3.
4 O nome Pedro Petra Padilha é recorrente na fala da atual proprietária da fazenda e mesmo em
matérias jornalísticas como o primeiro proprietário da Fazenda Santa Eufrásia. Encontramos essa referência no final do Processo de tombamento 789-T67 no qual Alzira Inglês de Souza menciona uma liteira com as iniciais PPP que seria do primeiro proprietário da Fazenda Pedro Petra Padilha. Mas em nenhum momento esses dados são confirmados pelos arquitetos do IPHAN: Augusto da Silva Teles e Paulo Santos, que atribuem ao Comendador Ezequiel de Araujo Padilha a titulação de primeiro proprietário.
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buscas realizadas nos arquivos da região para o período compreendido entre os séculos
XVIII e XIX.
As medições das sesmarias solicitadas em 1834 foram realizadas por todo o Vale
do Paraíba fluminense (FRIDMAN, 2009), como pode ser visto na figura 4, tanto que,
em 17 de agosto de 1837, Ezequiel de Araujo Padilha e outros, representados pelo
Procurador Francisco d’Oliveira Castro, requereram explicações ao Juiz Municipal por
se sentirem “gravemente ofendidos e prejudicados pela medição” (ACMV, Terras,
Medição, 1837, p. 4) que estava sendo realizada pelo próprio Juiz por requerimento do
Conselheiro José Clemente Pereira. Acusaram-no de estar cometendo injustiças graves
por ser amigo íntimo do requerente e enfatizaram que as terras demarcadas, que se
supunha serem pertencentes ao Conselheiro, não lhe eram de direito:
[...] tem o Supe e outros um direito a com justiça não pode ser contestada, não podem os Supes ver-se despejados do que hé seo, sem ao menos esgotarem os meio da opposição marcados na Ley e por isso estão na firme resolução de sustentarem sua proprieds a despeito de poder e influencia em seu adversário, e por meio de embargos allegarão o que lhes convier (ACMV, Terras, Medição, 1837, p.4).
Assim é possível verificar que existia um conflito de interesses entre o
Conselheiro José Clemente Pereira e outros proprietários de terra da região, dotados de
pouca influência em relação ao Conselheiro. Provavelmente, essa medição ia ao
encontro às recomendações do Governo sobre as sesmarias, em 1809, o qual
“recomendou que nenhuma terra fosse deixada livre entre as concessões” (FRIDMAN,
2013, p. 4). Informação mencionada posteriormente em um traslado de 1855 em que
Conselheiro José Clemente Pereira justifica a demarcação de suas terras “a fim de não
deixar terrenos devolutos entre duas sesmarias” (ACMV, Terras, Aviventação de
Rumos, 1855, p. 66).
No documento da disputa de terras de 1834 não consta a localização específica
das terras, mas pode-se considerar que Ezequiel de Araujo Padilha lutava pela
manutenção das terras onde hoje está edificada a Fazenda Santa Eufrásia, ainda não
mencionada nesse período. Essas terras abrangiam a área da Sesmaria das Cruzes, de
propriedade de José Clemente Pereira, conforme os mapas cartoriais já mencionados
nesse trabalho. A mesma indicação está presente no relatório da Comissão Especial
Revisora de Títulos de Terras para obtenção da titulação das terras da fazenda Santa
Eufrásia, em 1943:
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Atendendo a que segundo informa o Serviço do Patrimônio da União (fl. 13), trata-se de terras “compreendidas na Sesmaria das Cruzes” concedida a Miguel Angelo Fagundes e França, em 12 de outubro de 1793, já julgada como legalmente desmembrada do Patrimônio da Nação pela ex-P.C.E.R.T.T no processo n° 296-39, da referida Comissão. (Diário Oficial da União, 1943, p. 20, grifo da autora).
Sobre o conflito, não temos dados mais contundentes pelo fato de que o
documento se encontra incompleto, apresentando somente quatro folhas e não
detalhando o fim dessa disputa judicial. Não temos dados exatos sobre a compra das
terras por Ezequiel de Araujo Padilha, mas consta na documentação que este estava de
“posse das terras desde mil oitocentos e trinta e sete” (ACMV, Terras, Aviventação de
Rumos, 1855, p. 21). Essa posse, bem como a de outras terras de sua propriedade, foram
extremamente questionadas em disputas judiciais no decorrer da primeira metade do
século XIX por outros proprietários que faziam divisas com as terras de José Clemente
Pereira. Mas parece claro que Ezequiel de Araujo Padilha seria um pequeno proprietário
em vias de expansão que se via prejudicado pela demarcação de divisas promovida pelo
Conselheiro José Clemente Pereira em 1834.
Em 1855, outra disputa judicial visou à demarcação das divisas entre as terras de
fazendeiros do Vale Paraíba Fluminense na Sesmaria das Cruzes e na Sesmaria de São
Roque (ACMV, Terras, Aviventação de Rumos, 1855). Impetrado por Manoel da Costa
Franco contra Ezequiel de Araujo Padilha, já sob o título de Comendador, a aviventação
de rumos perdurou durante quase todo o século XIX. Outro processo, no mesmo
período, visava também a demarcar as divisas das terras de Pedro Vieira de Andrade
com Ezequiel de Araujo Padilha e Manoel da Costa Franco.
Em todos os processos discutem-se as divisões das terras das antigas sesmarias,
principalmente aquelas que envolviam divisas que pertenceram ao Conselheiro José
Clemente Pereira (Fig. 5).
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Figura 5 - Terras pertencentes a José Clemente Pereira e suas divisas, séc. XIX.
Fontes: Arquivo Nacional.
Dado relevante nesse processo refere-se à longa duração da disputa judicial, pois
consta que esta vinha se arrastando desde 1814 pelos antecessores dos suplicantes e
suplicados, sendo herdada pelos seus respectivos filhos e novos proprietários. Em 1837
há um acordo entre José Clemente Pereira e Antonio da Costa Franco, no qual o último
desiste do pleito “contentando-se elle Franco, com que a margem do Rio Paraíba lhe
fiquem pertencendo 1250 braças” (CDH, Libelo Cível, Reinvindicação de Medição de
Terras, 1855, p. 38). Conforme consta no “Desenho demonstrativo da aviventação de
rumos judiciaes, e repartição das Fazendas S° Roque e Cachoeira” do século XIX.
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Figura 6- Desenho demonstrativo da aviventação de rumos judiciaes, e repartição das Fazendas S° Roque e
Cachoeira. Fonte: ACMV, Terras, Aviventação de Rumos, 1855.
O Comendador Ezequiel, citado nesse mapa, entra nesse processo de
aviventação de rumos não mais discutindo as terras demarcadas pelo Conselheiro José
Clemente Pereira em 1837, nas quais se havia visto prejudicado. Acabou tornando-se
réu, pois os suplicantes afirmaram que Ezequiel não havia comprado a terra pertencente
ao Conselheiro. Tal fato foi contestado pelo réu, que indicou ter comprado
“legitimamente as terras da questão do finado conselheiro José Clemente Pereira a 28 de
janeiro de 1845 como prova a escritura de fl 14” (CDH, Libelo Cível, Reinvindicação
de Medição de Terras, 1855, p. 38) e delas ter-se apossado de forma “legítima e
pacífica” fazendo derrubadas, roçadas e plantações. As terras em questão referem-se
“[ao] matto virgem que existe nos fundos das benfeitorias, encostados na linha do lado
sul da mediçao da Sesmaria das Cruzes, na parte das terras da Fazenda dos Francos”
(CDH, Libelo Cível, Reinvindicação de Medição de Terras, 1855, p. 16). Sendo então
19
possível verificar que as demais terras pertencentes a Ezequiel estavam na parte norte
do Rio Paraíba, divisando com as terras pertencentes anteriormente a José Clemente
Pereira, demarcado nesse mapa como “legítima materna de Dona Thereza”, mais um
dado que corrobora com a hipótese de Ezequiel ter-se visto prejudicado pelo
adensamento e pela demarcação de divisas ocorrida em 1834.
Nesse processo, Ezequiel de Araujo Padilha foi registrado como morador na
Vila de Vassouras desde 1834, sendo que em 1840 foi mencionado como testemunha da
disputa judicial de demarcação de terras de José Clemente Pereira e Manoel da Costa
Franco. Seu registro traz a seguinte descrição: “branco, natural de Minas, casado, idade
trinta annos, morador no termo desta Vila, vive de lavoura” (CDH, Libelo Cível,
Reinvindicação de Medição de Terras, 1855, p. 98). Neste período, portanto, Ezequiel já
exercia atividade agrícola. O documento informa também que teria nascido por volta do
ano de 1810.
Nesse contexto não foram encontrados dados diretamente referentes à Fazenda
Santa Eufrásia, nem sobre o início de sua construção, nem sobre a abertura de estradas
ou mesmo sobre seu uso como local de morada de Ezequiel de Araujo Padilha. A partir
disso, podemos estabelecer a seguinte questão: a ausência de tais referências à Fazenda
no decorrer dos processos, na primeira metade do século XIX, deve-se ao fato de a
fazenda ainda não ter sido construída? Ou seria ela apenas um sítio sem grande
expressão?
O primeiro indício que poderia auxiliar no esclarecimento dessa questão está
presente no “Desenho demonstrativo da aviventação de rumos judiciaes, e repartição
das Fazendas S° Roque e Cachoeira”, já mencionado nesse trabalho. Cruzando esse
Desenho com o mapa atual localização das fazendas citadas, São Roque e Cachoeira,
podemos nos aproximar da localização da Fazenda Santa Eufrásia naquele contexto. Ao
traçar uma linha em torno da atual localização dessas fazendas, é possível verificar que
a Fazenda Santa Eufrásia encontra-se atualmente na área central (ponto central do
mapa), divisando com ambas as fazendas mencionadas.
20
Figura 7 – Localização das Fazendas Santa Eufrásia, Cachoeira e São Roque.
Fonte: Google Earth, 2014.
Sobrepondo o mapa atual de localização das Fazendas com o “Desenho
demonstrativo da aviventação de rumos judiciaes, e repartição das Fazendas S° Roque e
Cachoeira” notamos que a localização das fazendas é extremamente próximo aquelas
citadas no Desenho demonstrativo, como pode ser visto abaixo.
Figura 8 – Sobreposição do mapa de localização atual das fazendas e o “Desenho demonstrativo da aviventação
de rumos judiciaes, e repartição das Fazendas S° Roque e Cachoeira”.
A partir desse cruzamento de dados, podemos aferir que o “Sítio” demarcado na
área central do Mapa de demarcação de terras das Sesmarias das Cruzes e São Roque
refere-se às edificações primitivas da Fazenda Santa Eufrásia.
21
Não apenas esse fato contribui para essa afirmativa. Outros aspectos, como a localização e o nível do Rio Paraíba do Sul, presente na
parte inferior desse Desenho, a uma distância relativamente pequena da Fazenda São Roque5, nos trouxeram informações para que fosse
localizada a área referida, demarcada em ambos os mapas.
Figura 9 - Comparação entre o Desenho demonstrativo e mapa 2007. Fonte: ACMV e INEPAC
5 A Fazenda São Roque possui ainda conformação muito próxima daquela presente “Desenho demonstrativo da aviventação de rumos judiciaes, e repartição das Fazendas
S° Roque e Cachoeira”. Com exceção ao terreiro de café, as edificações remanescentes possuem o mesmo desenho apresentado no mapa.
22
Outro aspecto que nos chamou atenção refere-se à presença do córrego ladeando o “Sítio”, denominado “Córrego do Sitio”. Na Fazenda
Santa Eufrásia ainda é possível notar a presença desse córrego à margem da casa de vivenda. E por último, esse Desenho já apresentava a
delimitação do açude da Fazenda (Figura 10), dados que poderão ser confirmados a partir de pesquisas arqueológicas no local.
Figura 10 - Demarcação do açude, Desenho demonstrativo e Aerofoto 2013.
Fonte: ACMV e Google Earth.
23
A partir desses dados, acreditamos que o “Desenho demonstrativo da
aviventação de rumos judiciaes, e repartição das Fazendas S° Roque e Cachoeira” traz
as edificações primitivas da Fazenda Santa Eufrásia. Nota-se, no mapa, a presença de
duas edificações perpendiculares, uma de maior dimensão e outra menor. Diferente da
atual disposição da Fazenda no qual se encontra duas edificações paralelas. Contudo, os
dados ainda são incipientes para se fazer qualquer afirmação mais contundente sobre a
relação das edificações primitivas indicadas no Desenho demonstrativo e as atuais
edificações, o que poderá ser explicitado a partir da pesquisa arqueológica realizada no
local.
O que nos deixa em dúvida é a datação desse Desenho demonstrativo. Ele está
contido em um processo de aviventação de terras de 1855, possuindo como título
“Desenho demonstrativo da aviventação dos rumos judiciais e repartição das Fazendas
São Roque e Cachoeira”, em trecho que traz informação sobre o traslado do processo
judicial anterior, de 1834. Mas consta no mesmo Desenho que essa demarcação de
terras ocorreu em 1837. Reside, portanto, a dúvida se este teria reproduzido as fazendas
conforme se apresentavam no ano de 1855, data do processo, ou se fazia referência a
1837, ano da demarcação de terras.
Em busca de dados que pudessem esclarecer melhor tal questão, recorremos ao
registro de terras paroquiais realizado em 1855 em toda a província do Rio de Janeiro.
No livro 73, referente à Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Vassouras,
constam Ezequiel de Araujo Padilha e Custódio de Araujo Padilha como proprietários
de terras no “Rio Bonito desta Freguezia de N. Sra da Conçao de Vassouras” (Livro de
Registro de Terras Paroquiais n° 73, 1855, p. 1). Essas terras demarcam duas
propriedades da família Araujo Padilha, obtidas por meio de compra, sem referência ao
vendedor. Custódio registra uma porção de terras que fazem divisas a um lado com a
Fazenda da Cachoeira de Francisco José Teixeira Leite, por outro com Francisco Justino
Figueira e, por fim, com Ignacio Gomes de Aguiar (Livro de Registro de Terras
Paroquiais n° 73, 1855, p.1). No registro não constam edificações nem a metragem da
terra, mas verifica-se que membros da família Araujo Padilha estavam instalados em
regiões muito próximas, visto que as terras de Ezequiel abrangiam a mesma região
como pode ser visto no trecho a seguir:
Eu abaixo assinado sou Senhor e possuidor de uma de uma porção de terras havidas por compra, cujas terras dividem com a Fazenda da
24
Cachoeira de Pedro José de Andrade pelo rumo que vem do Rio Parahiba, rumo inutilizado pela posterior mudança da Fazenda das Cruzes pelo Rumo da Fazenda da Cachoeira do mesmo Andrade lado do fundo rumo da sesmaria das Cruzes athé encontrar o rumo dos foros e da lei seguindo athé o rumo que está ao pe do Sitio de Camillo José Pereira de Faro e do marco do canto em linha reta vindo este rumo dividindo com Mestre José João de Sousa e Felisberto Gomes da Silva e continuando a divisa com o mesmo Felisberto com o Sitio que foi do fallecido Francisco Barbosa da Silva athé encontrar a divisa da Rocha e depois seguindo a divisa com o fallecido Jacintho da Silva e depois com o mesmo Jacintho nas terras nas terras que forão do fallecido Felix Barbosa athé encontrar com o Sitio de Maria Joaquina dividindo com este athé chegar ao rumo da Fazenda das Cruzes com a qual finaliza a divisa [...] que se acha a mil braças de Parahiba [...] as terras que possuo comprehendem de cento e setenta alqueires de milho, a cento setenta (Livro de Registro de Terras Paroquiais n° 73, 1855, p. 2).
O registro de terras de Ezequiel foi realizado de forma mais detalhada que o de
seu irmão, provavelmente devido à grande extensão das mesmas, que contavam, já
naquele período, com 170 alqueires. Segundo Stein (1990), as fazendas de café no auge
da economia cafeeira (1850-1860) possuíam – em sua maioria, cerca de 57% –
extensão acima de 100 alqueires. Essas fazendas, em 1890, se encontravam em mãos de
26 proprietários, podendo-se enquadrar as terras de Ezequiel entre elas. E, de acordo
com o mesmo autor, a família Araujo Padilha estava na região oeste da cidade de
Vassouras, destacando-se na produção cafeeira. Os dados são corroborados por Fridman
(2013), que informa serem seis proprietários de terras entre a vila de Vassouras e Barra
do Piraí na primeira metade do século XIX. Entre eles estavam
[...] os irmãos Ezequiel e Custódio de Araújo Padilha (fazendas Santa Eufrásia e Pocinho), Camilo José Pereira de Faro (barão do Rio Bonito e dono da sesmaria do Ipiranga cuja testada na margem direita do Paraíba media 1.010 braças), Felisberto Gomes da Silva (fazenda de Campo Alegre), Joaquim Francisco Moreira (fazendas Floresta, Vitória e Triunfo) e Pedro José Vieira de Andrade (fazenda Cachoeira) (FRIDMAN, 2013, p. 6).
Destes citados por Fridman, encontramos Ezequiel como proprietário da
Fazenda Santa Eufrásia junto de seu irmão. Os três demais citados, de acordo com
registro de terras 1855, faziam divisas com as terras de Ezequiel. Deste modo, é
possível afirmar que as terras registradas por Ezequiel em 1855 abrangem a Fazenda
Santa Eufrásia. Cruzando esses dados com o mapa das atuais fazendas existentes na
região, encontramos ainda as atuais divisas da Fazenda Santa Eufrásia muito próxima à
registrada em 1855 como pode ser visto no mapa abaixo.
25
Figura 11 - Localização e divisas de St. Eufrásia, 2007.
Fonte: INEPAC, 2007.
Portanto, deduz-se que o Sítio citado como de Camillo José Pereira de Faro –
herdeiro do Barão de Rio Bonito – seja algum dos sítios anexos à Fazenda Pocinho ou
localizado em áreas pertencentes à família Faro. As terras de Mestre José João de Sousa
e Feliberto Gomes da Silva correspondem à Fazenda de Campo Alegre, também vizinha
à Santa Eufrásia. Quanto aos demais nomes, não foram encontradas referências às
fazendas, mas acredita-se que, pelas dimensões dadas, correspondam às atuais divisas
das terras da Fazenda Santa Eufrásia. Corroborando com esses dados, o inventário de
Alexandrina de Araujo Padilha (1890) traz na descrição dos bens de raiz “Fazenda
Santa Eufrásia [...] situada no lugar denominado Rio Bonito da Freguesia de Vassouras,
pertencente aos herdeiros do cazal do finado comendador Ezequiel de Araújo Padilha”
(CDH, Inv. Alexandrina de Araujo Padilha, 1890, p. 7). Assim, podemos ver que o local
onde está localizada a Fazenda recebia a denominação de Rio Bonito, algo que não
perdurou até os dias atuais.
Dados referentes ao início da construção das edificações e mesmo do açude não
foram encontrados na documentação ao longo do século XIX, mas acreditamos que a
Fazenda Santa Eufrásia começou a ser edificada na década de 1830, quando já se
verifica a presença de Ezequiel de Araujo Padilha como possuidor de terras no Vale do
26
Paraiba Fluminense. O primeiro registro direto da Fazenda Santa Eufrásia se dá em
1855, em um processo de embargo de obra nova, com o seguinte teor:
Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e cincoenta e cinco aos dezessete de julho do dito anno, onde fomos ainda nós officiais de Justiça abaixo assignados, fomos à fazenda de Ezequiel de Araujo Padilha ali procedemos o Embargo a uma derribada que o mesmo estava fazendo, cuja derribada fica na beira de um cafezal em Santa Eufrazia em cuja derribada estavam trabalhadores escravos do mesmo embargado o qual intimamos mandasse parar a derribada do que dice ficava e por não termos mais que lavrar fechamos este auto. (ACMV, Obra Nova, Embargo, 1855, p. 56, grifo da autora).
Esse documento refere-se à paralização de obras nas terras disputadas por
Ezequiel e pelos herdeiros dos Francos, sendo notório que até esse período não haviam
citações à propriedade de Ezequiel enquanto fazenda ou mesmo sítio, conforme hipótese
levantada neste trabalho. O registro não traz dados específicos sobre as edificações, não
se podendo afirmar se as edificações apresentadas no “Desenho demonstrativo da
aviventação de rumos judiciaes, e repartição das Fazendas S° Roque e Cachoeira”
referem-se ao ano de 1855 ou 1837 como questão levantada nesse trabalho, restando-
nos essa lacuna para compreensão do desenvolvimento construtivo do imóvel na
primeira metade do século XIX. Mas, pode-se afirmar que a Santa Eufrásia já se
constituía como unidade agrária em 1855 por ser denominada Fazenda nesse processo.
Os dados mais recuados sobre as atuais edificações podem ser encontrados nos
inventários de Ezequiel de Araujo Padilha e de sua esposa, Alexandrina de Araujo
Padilha, datados respectivamente de 1880 e 1890. Esses documentos trazem uma
descrição detalhada da dimensão e da composição da fazenda nesse período, existindo
entre eles informações quanto ao número de edificações, terreiros de café, terras e
cafezais, que analisaremos a seguir.
O inventário de Ezequiel foi iniciado um ano após sua morte, na cidade de
Barroso, em Minas Gerais. Dentre as descrições dos bens do casal estavam as terras e
edificações da Fazenda Santa Eufrásia, uma casa no caminho de Vassouras e outra em
São Mateus, em ruína; um paiol, terras e cafezais em Januário; terras e cafezais em São
Bernardo, São Mateus, Boa Vista e no rumo da Fazenda Cachoeira, além de cento e
cinquenta alqueires de mata virgem confrontantes com as terras dos Francos e Werneck
(CDH, Inv. Ezequiel Araujo Padilha, 1880), provavelmente as terras que foram
disputadas ao longo do século XIX.
27
Com relação às terras e cafezais, nota-se que Ezequiel possuía produção em
locais diversificados, nos quais estabelecia famílias de agregados, em alguns casos
composta por até 16 pessoas (CDH, Libelo Cível, Reinvindicação de Medição de
Terras, 1855). Outro ponto indicado refere-se ao início de sua produção como
cafeicultor. Na avaliação dos bens consta de “trinta e dous mil pes de cafés de trinta e
cinco anos em Santa Eufrasia a sessenta reis o pé” (CDH, Inv. Ezequiel Araujo Padilha,
1880, p. 36). Ainda consta no mesmo inventário que Ezequiel também possuía “dezoito
mil ditos de quarenta anos em São Bernardo a quarenta reis, setecentos e vinte mil reis”
(CDH, Inv. Ezequiel Araujo Padilha, 1880, p. 36v), o que sugere que sua atuação como
cafeicultor teria sido iniciada antes da produção em Santa Eufrásia.
A grande contribuição desses inventários para o objetivo principal deste trabalho
refere-se à descrição detalhada das edificações da fazenda em 1880 e 1890,
representando registros contundentes das edificações de Santa Eufrásia, principalmente
aquelas que são objetos de estudo desta pesquisa. Ezequiel deixa à sua família “uma
casa de vivenda assoalhada forrada de estuque, com sessenta e três palmos de frente e
cento e quarenta e quatro de fundo” (CDH, Inv. Ezequiel Araujo Padilha, 1880, p. 36v),
com paiol contínuo de cinco lances. Avaliada em três contos de reis, a sede da Fazenda
possuía, nesse período, cerca de 13,86 metros de frente e 31,68 metros de fundo6, sendo
interligada ao paiol. O mesmo dado aparece no inventário de Alexandrina, mas com
medidas inversas: a casa de vivenda possuía “132 palmos de frente por 64 de fundo”
(CDH, Inv. Alexandrina de Araujo Padilha, 1890, p. 07).
A Fazenda possuía também, em 1880, um outro paiol de “oito lances com vinte
palmos de frente por quarenta e sente fundos” avaliado a cento e sessenta mil reis, “uma
casa para empregados com sete lances com dezoito palmos cada lance” que foi avaliada
em quatrocentos e oitenta mil reis e “dezesseis lances de senzalas cobertas de telhas e
com a frente abalaustrada” avaliada a trezentos e vinte mil reis (CDH, Inv. Ezequiel
Araujo Padilha, 1880, p. 36v). A primeira edificação não foi identificada no inventário
de Alexandrina, mas a casa dos empregados é citada como uma “caza assoalhada
coberta de telha repartida para dormitórios de empregados com 140 palmos de frente
por 34 de fundos” (CDH, Inv. Alexandrina Araujo Padilha, 1890, p. 7), medidas
próximas às citadas no inventário de Ezequiel, que perfaziam um total de 126 palmos. A
6 Utilizou-se como medida um palmo equivalente a 22 cm.
28
senzala consta como uma “caza coberta de telhas (antiga senzala) com 360 palmos de
comprido por 34 de fundo com varanda em todo o comprimento em 18
compartimentos”, divergindo somente quanto ao número de lances, que no inventário
anterior eram dezesseis.
Havia também, em 1880, uma casa de ferraria e engenho com seus pertences;
uma casa próxima ao açude; dois galinheiros; um pomar e “cinco terreiros em quadra
sendo quatro de cal e um de pedra lavrada, por três contos de reis” (CDH, Inv. Ezequiel
de Araujo Padilha, 1880, p. 35v). Esses dados também estão contidos no inventário de
Alexandrina, trazendo as dimensões exatas de cada terreiro de café e da casa próxima ao
açude. Os terreiros a cal do lado norte e sul possuíam medida iguais, cada um com
70,68x 24,32m, o do lado poente possuía 38,30 x 19,06m, o nascente possuía 35,30x
19,06m e o terreiro de cantaria lavrada media 19,60 x 16,30 m. Todos eles estavam “em
um só quadrado, cercados por um muro de 3 palmos de altura por 1 1/2 de grossura na
frente da caza de vivenda” (CDH, Inv. Alexandrina de Araujo Padilha, 1890, p.7v).
Outros dados nos apontam o número de cômodos e a disposição destes na casa.
Na avaliação dos bens móveis descrita por cômodo, Santa Eufrásia, em 1880, era
constituída por sala de espera, sala de visita, sala interna, sala de jantar, sala do oratório,
sala da escola, quartos da escola – os quais eram ligados por um corredor –, quarto do
corredor da escola, primeiro quarto junto à sala interna, segundo quarto, primeiro quarto
do oratório, segundo quarto, terceiro quarto, quarto da área, primeiro quarto da
máquina, segundo quarto da máquina, primeiro quarto da sala de espera, segundo
quarto, escritório, sala da enfermaria, salão dos crioulos, quarto da cozinha, quarto perto
da cozinha e cozinha. No total, constam vinte e quatro cômodos descritos, sendo notória
a presença de uma sala do oratório e uma escola.
No decorrer do século XIX, a Fazenda Santa Eufrásia se constitui como uma das
grandes fazendas produtoras de café da região e pode-se notar que, em 1880, já estava
totalmente construída, com a casa de vivenda e cavalariça em conformação semelhante
a que conhecemos atualmente, com exceção ao trecho demolido. O declínio da
produção cafeeira assolou não só esta fazenda como as demais da região. Muitos foram
os fazendeiros endividados que recorreram a empréstimos em empresas financeiras e
particulares, até que a abolição da escravatura aprofundou a crise. Santa Eufrásia,
inserida nesse contexto, finaliza o século XIX hipotecada, dada como garantia ao
29
empréstimo contraído pelos herdeiros de Alexandrina de Araujo Padilha após sua
morte, recebendo assim um novo uso.
2- PROPRIETÁRIOS E USOS DO ESPAÇO EDIFICADO
No decorrer de sua história, a Fazenda Santa Eufrásia esteve concentrada nas
mãos de duas famílias: Araujo Padilha e Lemos (herdeiros Inglez de Sousa). Essas
famílias geriram a fazenda por cerca de um século cada uma, com exceção do período
que vai de 1895 até 1905, no qual o bem esteve hipotecado em propriedade de Gracie
Ferreira e Cia e, em seguida, pela Companhia Central do Brasil. Dentre esses
proprietários, a família Araujo Padilha foi responsável por um período de grande
desenvolvimento, mas também por um período de estagnação. Devido a fatores como a
crise cafeeira no fim do século XIX, a abolição da escravatura e a morte do patriarca,
houve um grande endividamento da família, que terminou por culminar na hipoteca de
1885 e no sequestro dos bens em 1895. Já a família Lemos, que comprou a fazenda em
1905, destinou à mesma duas novas funções: primeiro a de pequena agricultura e
pecuária de gado leiteiro; e, segundo, a utilização atual como local de visitação turística.
Comendador Ezequiel de Araujo Padilha, por nós considerado o primeiro
proprietário da Fazenda conforme explicitado no tópico anterior, foi um homem que
exerceu grande influência sobre a vida política e comercial de Vassouras. Natural de
Barbacena, filho de Custódio de Araujo Padilha7 e Eufrásia Fabiana da Rocha, possuía,
de acordo com Salvador Moya (MOYA, 1956, p. 44), um irmão de mesmo nome que
seu pai, que havia nascido e sido batizado na Vila de Vassouras. Ezequiel nasceu por
volta da década de 1810, em Minas Gerais, conforme consta em sua descrição como
testemunha no processo que foi citado no tópico anterior: “branco, natural de Minas,
casado, idade trinta annos, morador no termo desta Vila, vive de lavoura” (CDH, Libelo
Cível, Reinvindicação de Medição de Terras,1855, p. 98). Essa descrição é datada de
1840, e, portanto, nesse período ele já vivia em Vassouras como homem casado e
agricultor.
7 O nome Custódio é frequente na família Araujo Padilha e em alguns casos esses são diferenciados
pelas denominações “Júnior” ou “Sobrinho”.
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Sua esposa foi Alexandrina Leopoldina Siqueira, que após o casamento adotou o
sobrenome Araujo Padilha, em data desconhecida por nós. Ela também possuía origem
mineira, natural de São João Del Rei, e era filha de Antonio Simplício Siqueira e Luiza
Perpétua Siqueira (MOYA, 1956, p. 44). O número de filhos do casal é um dado
impreciso, relacionando a listagem apresentada por Moya com os inventários do casal,
chagamos a um total de treze filhos:
1- Eufrásia de Araujo Padilha (27/06/1840) casada com Custódio de Araujo
Padilha;
2- Marcellina de Araujo Padilha (23/03/1843) casada com Martiniano de Araujo
Padilha;
3- Francisca de Araujo Padilha (15/05/1845), que após o casamento com Antonio
Francisco Marques passa a assinar Francisca Padilha Marques;
4- Alexandrina (31/03/1849);
5- Januária de Araujo Padilha (25/01/1851) casada com Ezequiel de Araujo Padilha
Sobrinho;
6- Luiza de Araujo Padilha (12/11/1852), que após o casamento com Venancio
Jose Gomes da Costa passa a assinar Luzia Padilha Gomes da Costa;
7- Maria Padilha Dias (07/05/1854) casada com João Antonio Dias;
8- Ezequiel de Araujo Padilha Jr (25/07/1855);
9- Custódio (25/12/1857);
10- Quitéria de Araujo Padilha (21/01/1860) casada com Cornelio de Araújo Padilha
de Figueiredo;
11- Antônio de Araujo Padilha (25/01/1862);
12- Ambrosiana (25/12/1867).
13- Carlota de Araujo Padilha.
Destes, somente dez aparecem nos inventários de Ezequiel e Alexandrina como
herdeiros8. Notamos, a partir do confronto entre essa documentação e os dados de Moya
(1956), uma discrepância representada pela ausência de Carlota de Araujo Padilha como
filha do casal, já que ela estava presente em ambos os inventários. Os demais que não
foram citados nos inventários provavelmente faleceram antes desse período. Nesses
8 Dados contidos nos inventários Ezequiel de Araujo Padilha (1880) e Alexandrina de Araujo Padilha
(1890).
31
dados foi possível perceber a forma de manutenção da herança familiar com o
casamento entre primos.
Partindo dessa genealogia, é possível considerar que o nome da Fazenda Santa
Eufrásia pode ter sido uma homenagem à mãe de Ezequiel ou à santa de mesmo nome,
que pode ter sido uma entidade de grande devoção familiar, visto que o nome Eufrásia
se repete por gerações. Também era comum, durante o período colonial e imperial, dar
nomes aos locais de acordo com o santo do dia ou de devoção, assim como homenagear
os pais reproduzindo os nomes nos filhos e netos (STEIN, 1990). Deste modo, a
denominação da Fazenda pode ser compreendida a partir desses dois aspectos citados.
Os primeiros registros sobre a participação de Ezequiel de Araujo Padilha na
vida social vassourense remetem aos anos de 1834 e 1835, quando aparece como
mesário da Irmandade de Nossa Senhora da Conceição, sendo Juiz da mesma em 1848
(ANS, Processo 789-T-67, p. 3). Essa irmandade era composta pelos homens abastados
da vila, detentores de riqueza e prestígio perante a sociedade, sendo a donatária das
terras onde hoje se localiza a cidade de Vassouras.
Outro cargo exercido por Ezequiel foi o de vereador e suplente nos anos de
1840, 1849 a 1852, 1858 a 1861, tendo aparecido também como eleitor no Almanack
Laemmert de 1853. Segundo Silva Telles
[...] os Vereadores são eleitos em escrutínio secreto, por todos os cidadãos do município, eleitores do primeiro grau; isto é, todos os indivíduos livres, maiores de vinte e cinco anos, possuidores de renda anual superior a 100 mil réis (SILVA TELLES, 1968, p. 43).
Com base nessas informações e nos cargos exercidos, pode-se afirmar que
Ezequiel de Araujo Padilha possuía renda e prestígio suficientes para figurar nas
principais instituições que governavam a cidade de Vassouras no século XIX.
Ezequiel ainda exerceu a função de curador de menores e coletor de capelas e
resíduos na região do Pocinho no ano de 1857 (ACMV, Inventário, Libelo Cível de
Habilitação, 1857, p. 1), local que fazia divisa com a Fazenda Santa Eufrásia e no qual
seu irmão Custódio de Araujo Padilha possuía terras, conforme consta no registro de
1855. Além desses, exerceu o cargo de suplente da Caixa Filial do Banco Commercial e
Agricola da Côrte nos anos 1859 e 1860 (ANS, Parecer de Tombamento, 2001, p. 5) e
realizou empréstimos, desde 1838, a diversos fazendeiros da região, entre os quais
32
estavam Manoel Francisco da Cunha Rabello (1838) e José Joaquim de Castro (1853),
além de seu irmão e de seu sobrinho, Custódio de Araujo Padilha e Martimiano de
Araujo Padilha (CDH, Inv. Ezequiel de Araujo de Padilha, 1880).
Como fazendeiro e agricultor de café, consta na documentação que, em 1840,
Ezequiel de Araujo Padilha vivia de lavoura no Rio Bonito do Termo de Vassouras,
sem, no entanto, especificar o tipo de lavoura. Cruzando esse dado com o seu
inventário, de 1880, é possível verificar que sua produção como cafeicultor remete ao
mesmo período, pois foram avaliados em seu inventário “dezoito mil ditos de quarenta
anos em São Bernardo a quarenta reis, setecentos e vinte mil reis” (CDH, Inv. Ezequiel
Araujo Padilha, 1880, p. 36v). Cabe ressaltar a possibilidade da existência de pés de
cafés mais antigos que os citados nos inventários, visto que na maioria das vezes esses
eram desconsiderados na avaliação dos bens (ROCHA, 2007).
No entanto, sua atuação como cafeicultor era diversificada e sua produção
abrangia locais diversificados, como podemos verificar nos processos do século XIX,
nos quais Ezequiel se apresentava em constante processo de expansão e realizava
diversas obras (derrubadas) nas terras que comprava, além de ceder terras a outros
fazendeiros, como seu vizinho Pedro José Vieira de Andrade (CDH, Libelo Cível,
1853). Em seu inventário foram registradas terras e cafezais em Januário, São Bernardo,
São Mateus, Boa Vista e no rumo da Fazenda Cachoeira9. Nessas terras, Ezequiel
estabelecia famílias de agregados, em alguns casos composta por até 16 pessoas (CDH,
Libelo Civel, Reinvindicação de Medição de Terras, 1855), como forma de manutenção
da posse.
Outros registros sobre a atuação de Ezequiel de Araujo Padilha como fazendeiro
e agricultor de café são encontrados no Almanak Laemmert (1844 a 1889), desde 1848.
Ezequiel de Araujo Padilha figura entre os principais fazendeiros e agricultores de café
do município de Vassouras, permanecendo nesta listagem até o ano de 1879. A partir de
então, passam a ser citados os “Herdeiros de Ezequiel de Araujo Padilha”. Seu sogro,
Antônio Simplício Siqueira aparece no ano de 1848 como fazendeiro e agricultor de
café no mesmo almanaque e seu irmão Custódio de Araujo Padilha é citado a partir de
1851, exercendo a mesma atividade.
9 Esses locais não foram encontrados nos mapas atuais, com exceção ao “rumo da Cachoeira” que
acreditamos ser a área de divisa entre a Fazenda Santa Eufrásia e a Fazenda Cachoeira.
33
Por último, encontramos Ezequiel de Araujo Padilha desenvolvendo atividades
de comércio de café no Rio de Janeiro – junto com seus sobrinhos e genros, “Custódio
de Araújo Padilha J° e Martiniano d’Araujo Padilha, sócios componentes da firma que
sob razão social de Padilha e Irmão” (CDH, Inv. Ezequiel de Araujo Padilha, 1880, p.
101), inscrita no Tribunal do Comercio em Novembro de 1877 no Rio de Janeiro,
conforme indicado por sua esposa, Alexandrina. Porém, em 1863 já encontramos
ambos os sobrinhos estabelecendo “commercio de commissões de café com o capital de
200:000$000 sob firma de Padilha & Irmão” (Diário Oficial, 1863, p. 2) Ou seja,
Ezequiel só entra como sócio de seus sobrinhos posteriormente à criação da firma.
Nota-se que, a todo momento, as relações familiares eram os principais meios de
manutenção das posses da família Araujo Padilha, seja com o casamento entre primos,
seja através da associação entre parentes.
A partir desses dados podemos identificar a cafeicultura como um dos primeiros
usos da Fazenda Santa Eufrásia no século XIX. Conforme já dissemos anteriormente,
não consta na documentação pesquisada nenhum dado anterior à atuação de Ezequiel de
Araujo Padilha, nem outros dados que possam esclarecer sobre usos distintos da
Fazenda Santa Eufrásia anteriores à lavoura de café. Tal conclusão, da fazenda enquanto
grande produtora de café, pode ser demonstrada não só pelo grande volume de cafezais
mas também pela disposição de suas edificações, maquinários e pelas relações
comerciais estabelecidas pelo seu proprietário.
De acordo com Stein (1990, p. 50), o cultivo de café no período de expansão da
região do Vale do Paraíba Fluminense (1800-1830) era realizado em pequena escala,
praticado por escravos e adaptando-se às especificidades daquele espaço. No entanto, a
partir de meados da década de 1830, o café já havia se tornado um empreendimento
seguro e “o número de cafeeiros havia se tornado a medida de riqueza de um
fazendeiro” (STEIN, 1990, p. 51) e a indicação de sua força de trabalho. Considerando
que os primeiros registros da presença de Ezequiel se dão no fim da década de 1830,
este se adequa ao segundo período revelado por Stein, o de consolidação cafeeira e
construção e expansão das vilas e freguesias. Assim, podemos considerar que Ezequiel é
atraído para o vale em busca de expansão e renovação de riquezas, proporcionadas pela
terra farta e barata e pela crescente importância da economia cafeeira.
34
Com relação à produção de café na Fazenda Santa Eufrásia, consta na avaliação
dos bens “trinta e dous mil pes de cafés de trinta e cinco anos em Santa Eufrasia a
sessenta reis o pé” (CDH, Inv. Ezequiel Araujo Padilha, 1880, p. 36). Deste modo, a
plantação de café em Santa Eufrásia remete aos anos de 1845, período próximo ao
considerado por Célia Muniz (2005) de expansão das lavouras cafeeiras e implantação
de benfeitorias (década de 1840), assim como por Stein (1990) como a idade de ouro do
café (1850 a 1860). A existência dos cafezais no sítio São Bernardo, citado no mesmo
inventário como possuindo idade de 40 anos, indica que a atuação de Ezequiel como
cafeicultor já teria sido iniciada antes da produção no local. Com idade muito próxima à
dos cafezais de Santa Eufrásia, aparecem também dois mil pés de cafés de trinta e
quatro anos em São Mateus, produção pequena se comparada ao volume da anterior,
mas que demonstra as diversas localidades de atuação desse indivíduo. No inventário de
sua esposa, esses cafezais são avaliados em conjunto, considerado pelo avaliador como
cem mil pés velhos em bom estado (CDH, Inv. Alexandrina de Araujo Padilha, 1890).
Não temos dados sobre o volume da produção de Santa Eufrásia ao logo do
século XIX. Recibos e contratos de compra e vendas não foram encontrados, e os
poucos registros sobre os cafezais estão nos inventários já citados ao longo deste texto.
Consideramos que o auge de sua produção se deu durante a década de 1850, visto que
nesse período Ezequiel estava expandindo suas terras e realizando derrubas em locais
diferentes de Santa Eufrásia, coincidindo com as idades dos cafezais relatados em seu
inventário.
A apropriação desse espaço enquanto fazenda de café pode ser notada nas
dimensões e relações espaciais das edificações de Santa Eufrásia. Segundo Stein (1990)
Os alojamentos para as pessoas livres (casa de vivenda) eram construídos no sopé do morro [...] Ao redor do quadrado ficavam alinhados os alojamentos dos escravos (senzalas), os armazéns ou tulhas, os paióis, as casas de tropa, as estrebarias e os chiqueiros. No centro do quadrado havia um largo pátio de terra batida chamado de terreiro [...] Esse núcleo de construções era conhecido como a sede da Fazenda". (STEIN, 1990, p. 47)
A Fazenda Santa Eufrásia enquadra-se nesse perfil. Além da casa de vivenda e
paiol contiguo à sede da fazenda, ainda continha uma senzala de grandes dimensões,
“360 palmos de comprido por 34 de fundo” (CDH, Inv. Alexandrina de Araujo Padilha,
1890, p. 7v), utilizada para abrigar os 184 escravos citados no inventário de Ezequiel de
35
Araujo Padilha. Também continha cinco grandes terreiros, já citados nesse trabalho,
além de
[...] uma casa de engenho contendo as seguintes machinas [sic] despolpador e batedor de café, [...] roda e tanques de café; e uma dita contigua contendo engenho de pilões, brunidor e lavador, moinho e ventilador com grande salão de escolha (CDH, Inv. Ezequiel de Araujo Padilha, 1880, p. 35v).
Os dados são complementados com as informações do inventário de
Alexandrina, ao indicar que nessa casa havia “todas as machinas [sic] aperfeiçoadas
para o beneficio de café, do fabricante Lindgoossd” (CDH, Inv. Alexandrina de Araujo
Padilha, 1890, p. 7v), um despolpador e um tanque de cantaria para bater café.
Finalizando esses dados, Santa Eufrásia contava também, em 1880, com um açude
construído para movimentar as máquinas do engenho o qual encontramos referência no
“Desenho demonstrativo da aviventação de rumos judiciaes, e repartição das Fazendas
S° Roque e Cachoeira” de meados do século XIX já citado nesse trabalho.
Como fazenda produtora de café, Santa Eufrásia contou com uma estrutura que
foi consolidada ao longo do século XIX: maquinário, escravos e a expansão constante
das áreas de produção indicam a manutenção desse sistema.
A partir da década de 1870, entretanto, um segundo momento passa a atingir o
vale. Diversas fazendas que viviam da produção cafeeira passaram por um período de
estagnação e endividamento. Segundo Stein, os cafeicultores enfrentaram um mercado
difícil nas décadas de 1870 e 1880. Os fatores indicados abaixo foram primordiais para
o assolamento dessa crise.
A terra maltratada: rotina, erosão, mudanças meteorológicas. Cafeeiros envelhecidos e o desaparecimento de solo virgem. Escassez de trabalho escravo efetivo. Tentativa de diversificação da colheita. Mudanças tecnológicas. Finanças: medo de insolvência do fazendeiro. (STEIN, 1990, índice).
Santa Eufrásia, em 1880, possuía trinta e dois mil pés de cafés de trinta e cinco
anos, somando-se a um total de 163 mil plantados nas demais terras de Ezequiel, dos
quais 132.000 estavam com idade superior a 14 anos (Iv. Ezequiel Araujo Padilha,
1880). De acordo com Stein (1990), em 1878 julgava-se que um cafezal de 10 a 15 anos
não era mais produtivo e que seu solo estava completamente arruinado. Tanto que em
1890, no inventário de Alexandrina, o avaliador registra detalhadamente somente os
cafezais produtivos, perfazendo um total de 107 mil com idade inferior a 14 anos (CDH,
36
Inv. Alexandrina de Araujo Padilha, 1890). Portanto, Santa Eufrásia estava assolada
nesse contexto de crise do sistema cafeeiro no Vale do Paraíba Fluminense, com
cafezais praticamente improdutivos, a substituição da mão de obra escrava, além do
endividamento e posterior morte de seu patriarca.
Ezequiel de Araujo Padilha morreu em “23 de julho de 1879 na Freguesia do
Barrozo na Provincia de Minas Gerais” (CDH, Inv. Ezequiel de Araujo Padilha, 1880,
p. 72) deixando os dez herdeiros já citados, uma viúva e um quinhão de 244:625$800
reis. Nesse período, nota-se que a propriedade ainda possuía um bom valor e as posses
da família eram grandes, mas havia sinais de endividamento.
Antes da morte de Ezequiel, em 1878, havia uma diferença no balanço da
fazenda de 27.735$597 negativo, valor que se vai aumentando com os sucessivos
empréstimos efetuados pelos herdeiros após a morte do patriarca. Em dezembro de 1880
a quantia chegava a 44.876$972 e, a partir desse momento, tornam-se sucessivos os
empréstimos realizados em mãos de Grace Ferreira e Cia por Alexandrina e, após a sua
morte em 1883, pelos demais herdeiros.
Essa sucessão de empréstimos em conjunto com a crise do sistema cafeeiro
culminou na hipoteca da fazenda em 21 de janeiro de 1884 (ANS, Processo de
Tombamento, anexo II, p. 43). João Antônio Dias, procurador dos herdeiros menores,
casado com umas das filhas do casal, foi autorizado em juízo a [...] contrahir em empréstimo com o Banco do Brazil a quantia de 80 contos de reis dando em garantia com a hypoteca a fazenda Santa Eufrasia sita n’esta freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Vassouras com todas as suas terras, machinas, casas, cafesaes, animaes, accessorios e mais benfeitorias pertencentes ao espólio da dita finada, podendo para este fim assignar as escripturas necessárias (CDH, Inv. Alexandrina de Araujo Padilha, 1890, p. 10).
Tal valor é considerado irrisório para a recuperação de uma fazenda no final do
século XIX, visto que Stein (1990) considera que eram necessários ao menos 200
contos para se recuperar uma fazenda nesse período. O pagamento dessa dívida, no
entanto, não foi efetuado e levou a um novo processo de penhora dos bens. De acordo
com a arquiteta Isabel Rocha, “após a morte da mãe e reconhecendo as dívidas
anteriores, os herdeiros acordaram com os credores um novo empréstimo” (ANS,
Parecer de Tombamento, 2001, p. 6). Como garantia, novamente é deixada a Fazenda
37
Santa Eufrásia. A nova quantia acordada era de 81:823$313, que deveria ser paga nos
três anos seguintes, acrescida de juros anuais.
Na escritura de hipoteca, as edificações são descritas como
casa de vivenda assoalhada, forrada de estuque com sessenta e três palmos de frente e cento e quarenta e quatro ditos de fundos; um paiol contiguo a casa de vivenda com cinco lances, uma dita com oito lances, com vinte palmos de frente por quarenta e sete de fundos (ANS, Processo de Tombamento, anexo II, p. 44).
Muito próxima àquela realizada no inventário de Alexandrina, registra-se nessa
também todo o maquinário de café e escravos de serviço de lavoura, demostrando que a
Santa Eufrásia ainda permanecia com a mesma função anterior.
O pagamento da dívida acordada novamente não foi efetuado, e, em 1891, os
herdeiros buscaram em juízo requerer autorização para estabelecer a venda da Fazenda
Santa Eufrásia, pois pesava sobre ela “uma grande responsabilidade hypothecaria” que,
de acordo com os mesmos, dificilmente seria extinta. Indicando que tinham “uma
importante proposta da parte de uma Companhia em que a divida será paga e os
herdeiros virão ainda a ficar aquinhoados” (CDH, Inv. Alexandrina de Araujo Padilha,
1890, p. 15), ou seja, os herdeiros tinham a pretensão de vender a fazenda e ainda obter
lucros. O valor acordado seria de duzentos e sessenta contos de reis, mas não foi o que
ocorreu.
A dívida foi executada em 1895, tendo por credores Gracie Ferreira e Cia,
sucedida pela Companhia Central do Brasil. Por um período de cinco anos, a Fazenda
ficou à venda em praça pública e foram realizados três editais, para os quais não
apareceu nenhum comprador, sendo que o último ofereceu uma vantagem de 20% de
desconto e nem assim houve comprador (ANS, Parecer de Tombamento, 2001, p. 7).
A Fazenda permaneceu estagnada durante todo esse período. Na avaliação dos
bens, em 1897, é frequente o uso do termo “máo estado” para qualificar as edificações
existentes na fazenda. Nota-se uma grande alteração na propriedade que em 1890 havia
sido avaliada em bom estado e, após sete anos, se tornou decadente. Na sequência, o
avaliador descreve “uma casa com quatro lances, coberta de telha e assoalhada e em
máo estado” (ANS, Processo de Tombamento, anexo II, p. 76v) que acreditamos ser o
paiol contíguo citados nas demais avaliações.
38
A Fazenda Santa Eufrásia permaneceu em mãos da Companhia Central do Brasil
até 1901, quando foi negociada para Silvério da Costa Nunes e mulher. Além dessa,
foram executadas também as dívidas dos herdeiros que envolviam terras de Santa
Eufrásia. A fazenda foi comprada somente em 1905, pelo Coronel Horácio José de
Lemos (ANS, Parecer de tombamento, 2001), e, a partir de então, rompe-se com o
processo de estagnação das ultimas décadas do século XIX, passando a assumir novas
funções: agricultura de subsistência e agropecuária.
Coronel Horácio José Lemos é natural de Minas Gerais, da cidade de Passos. É
citado no Almanaque Sul Mineiro, em 1884, como fazendeiro de engenho de serrar. Em
1897 aparece como morador no morro do chá, na cidade de Passos. É considerado
eleitor no mesmo período, constando como comerciante de gado vacum e carnes verdes
na praça do Rio de Janeiro (Almanak Administrativo, 1897). Foi comandante do 13°
Batalhão de Infantaria em 1889, em Santa Cruz no Rio de Janeiro.
Figura 12 - Coronel Horácio José de Lemos, sec. XX. Fonte: Arquivo particular Fazenda Santa Eufrásia.
39
Casado com Francisca de Assis Lemos teve nove filhos:
1- Francisco Ravisio Lemos;
2- Alcides Lemos;
3- Abílio Assis Lemos;
4- Alzira Lemos Inglês de Souza, casada com Henrique Inglês de Souza
5- Alice Lemos Infante Vieira, casada com Atila Infante Vieira;
6- Alyria Lemos de Azevedo, casada com Edgar de Azevedo;
7- Alvim Lemos;
8- Orminda Lemos de Azevedo, casada com Athos de Azevedo;
9- Jenny Lemos da Siqueira, casada com Francisco da Silveira Júnior;
De acordo com relatos orais, Coronel Horácio teria se estabelecido no Vale do
Paraíba pela grande oferta de terras, pois no início do século as fazendas estavam à
venda por preços baixos. De fato, ele comprou diversas fazendas da região, sendo que a
maior parte delas, como a Santa Eufrásia, estava hipotecada (Diário Oficial, 1959). Esta
permaneceu em mãos de Horácio José Lemos por um período de treze anos. Durante
esse tempo, não encontramos registro de obras, modificações ou qualquer tipo de
alteração nas edificações.
No momento de instalação na fazenda, ainda de acordo com relatos orais,
Horácio José Lemos “mandou queimar todo o cafezal” (Entrevista, 2013) que estava em
Santa Eufrásia. Acreditamos que essa queima tenha se dado posteriomente em torno de
1929, com a quebra da Bolsa de Nova York e a crise do café que assolava todo o país.
Em 23 de agosto 1918, na cidade do Rio de Janeiro, o Coronel Horácio José de
Lemos fez uma doação em vida a seus filhos e netos das seguintes fazendas: Santa
Isabel, Santa Engrácia, Santa Cecília, Fortaleza, Santa Eufrásia, Santa Luzia, Santa Rita
e Cachoeira. Todas, conforme o registro de doação em vida, foram compradas no início
do século XX. Há uma divergência na datação se considerarmos os relatos orais. De
acordo com os mesmos, a doação teria acontecido em uma festa de bodas de Ouro do
casal, realizada no hotel Glória no Rio de Janeiro em 1928, como forma de homenagear
os filhos e netos (Entrevista, 2013).
40
Figura 13 - Família Lemos, comemoração de bodas de ouro do casal Horácio e Francisca. Fonte: Arquivo particular Fazenda Santa Eufrásia
Mas os registros cartoriais constam dessa doação registrada em 1918. Nessa
transação, a Fazenda Santa Eufrásia foi doada a Alzira Lemos Inglês de Souza, que
permaneceu à frente dos cuidados da Fazenda até a década de 1930, quando sua filha
Alzira Inglês de Souza (Alzirinha) passou a assumir os cuidados da propriedade
juntamente com seu irmão Francisco Herculano Inglês de Souza. No registro de doação,
a fazenda é descrita “ocupando uma superfície quadrada de duzentos e oitenta e sete
hectares e seis mil quatrocentos e doze metros com as casas e mais benfeitorias
existentes” (ANS, Parecer de Tombamento, Escritura de doação, 1918, p. 3), além de
possuir um engenho de cana e outro de café. Sem maior detalhamento das edificações e
do estado de conservação do imóvel, a documentação nos fornece somente um dado
sobre o terreno da Fazenda, que foi desmembrado por constar no termo de doação da
Fazenda da Fortaleza, de mesma data, que era composta do antigo Sitio do Guedes e
parte da Fazenda Santa Euphrasia, sem especificar as dimensões desse
desmembramento (Diário Oficial, 1959).
Ao longo do século XX, Santa Eufrásia teve como principal uso a pecuária
leiteira, abandonando-se completamente a produção cafeeira. Segundo a atual
proprietária, com a doação em 1918, Horácio José Lemos deu à sua filha um número “X
41
de cabeças de gado para iniciar [...] e ela se orgulhava daquelas descendentes da vaca do
coronel” (Entrevista, 2013). Os dados são conflituosos pois há relatos de que Horácio se
dedicou à criação de cavalos e gado leiteiro nas fazendas compradas desde o início de
sua presença no Vale do Paraíba. Ele aparece como criador e exportador de gado desde
1897 no Almanack mercantil do Rio de Janeiro, juntamente com seu filho Raviso
Lemos. A expansão da pecuária em Santa Eufrásia é creditada a Alzirinha e assim
permanece como principal atividade por toda a primeira metade do século XX. É
relevante, nesse caso, perceber que a pecuária se tornou a atividade principal da fazenda
Santa Eufrásia, desde as primeiras décadas do século XX, conforme pode ser visto em
fotografia10 provavelmente anterior à década de 1930.
Figura 14 - Pecuária, Fazenda Santa Eufrásia, séc. XX. Fonte: Arquivo particular Fazenda Santa Eufrásia
O mau estado das edificações, indicado na avaliação dos bens de 1897,
provavelmente foi solucionado por esses proprietários ao longo das primeiras décadas
do século XX. Alzirinha e seu irmão Francisco Herculando Inglês de Souza podem ser
considerados os responsáveis por maior parte das alterações do imóvel ao longo desse
período. De acordo com a atual proprietária, Alzirinha e seu irmão realizaram uma série
de intervenções na fazenda, que, de acordo com os mesmos, estava em estado precário 10
Essa foto possui datação desconhecida mas acreditamos que seja anterior a década de trinta, pelo vestuário e principalmente a técnica fotográfica albumina (produzida até a década de 1920).
42
de conservação. Segundo Elizabeth Dolson, quando sua tia Alzirinha assumiu a fazenda
na década de trinta, “o assoalho tinha que ser pulado, tinham tábuas faltando [...] Mas
você não nota. Porque antigamente era qualquer largura, qualquer. Não tinha uma
assimetria” (Entrevista, 2013). Ela se refere ao estado precário em que se encontrava o
assoalho da casa de vivenda e à sua troca ao longo dos anos.
Outras modificações creditadas a Alzirinha e seu irmão foram as alterações na
área interna da casa. Acredita-se que em torno dos anos de 1940 Alzirinha fez uma
grande obra na área interna casa. Segundo relatos, ela removeu uma alcova presente na
sala interna da casa e demoliu alguns trechos: “duas janelas, dois quartos, corredor”
(Entrevista, 2013). Esses trechos referiam-se à área central da casa, transformada em um
grande salão como pode ser visto na planta atual da fazenda.
Figura 15 - Planta Baixa Fazenda Santa Eufrásia com áreas demolidas e alterações. Fonte: Arquivo Técnico ETMP.
43
Outro dado, presente na discussão oral sobre esse salão, refere-se à lareira, que
teria sido construída por Alzirinha com projeto e execução próprios. De acordo com os
relatos, um dos cômodos demolidos para a construção da lareira referia-se ao quarto de
Francisco Herculano, justificando que ele teria demolido um trecho posterior da casa
como retaliação à demolição de seu quarto pela irmã (Entrevista, 2013, Diário de Obras
1994). Não podemos confirmar os dados orais pela ausência de outras fontes que
subsidiassem as informações contidas neles. Mas são relevantes por nos esclarecerem
alguns pontos visíveis de alterações da edificação da casa sede, nos dando indícios da
origem dessas intervenções.
Figura 16 - Lareira construída na primeira metade do séc. XX. Fonte: Arquivo Técnico do ETMP.
Sobre a manutenção do imóvel, foram frequentes os relatos de que Alzirinha
dispensava grande esforço para a salvaguarda da fazenda, realizando reparos em toda a
casa de vivenda e cavalariça. Foi recorrente a informação de que a mesma percorria
fazendas e antiquários da região para recolher mobiliário e peças para a conservação da
casa, como pode ser visto no trecho no qual sua sobrinha se refere ao trabalho executado
na manutenção da fazenda
Ela precisava restaurar parte da casa, precisava de uma madeira grande ia nas fazendas aí e olhava uma madeira “Aquela ali é minha”, “Eu to precisando daquilo” [...] Isso aqui foi a vida dela. Nesse
44
trabalho de salvar mesmo e construir o que sobrou da fazenda” (Entrevista, 2013).
Esse mesmo tipo de informação está presente na fala da arquiteta Isabel Rocha,
que indica que Alzirinha conhecia técnicas de construção antigas e facilmente as
reproduzia. Até meados da década de 1960, a fazenda Santa Eufrásia já havia passado
por uma série de alterações, a casa de vivenda já possuía o trecho demolido do paiol
contiguo e estavam redistribuídos alguns espaços da área interna.
Portanto, com o falecimento de Alzira Lemos, a fazenda passou a ser
propriedade de seus dois filhos: Alzira Inglês de Souza (Alzirinha) e Francisco
Herculano Inglês de Souza. Em seguida, após a morte de Francisco, seus filhos
Elizabeth Inglez de Souza Dolson, Diana Inglez de Souza e Eduardo Inglez de Souza
tornam-se proprietários.
Desde 2001, a herdeira Elizabeth Dolson passou a cuidar diretamente da
fazenda, incluindo a Santa Eufrásia no roteiro de turismo rural do Vale do Paraíba
Fluminense. Ela também se dedica à plantação de eucalipto e café em pequena escala. E
vem buscando promover a preservação dessa fazenda tombada pelo IPHAN em 1970, a
pedido de Alzira Lemos Inglês de Souza e de sua filha, Alzirinha.
3- TOMBAMENTO E OBRAS FISCALIZADAS PELO
IPHAN
O tombamento da Fazenda Santa Eufrásia, como apontado anteriormente,
iniciou-se com a solicitação realizada junto ao IPHAN pelas proprietárias Alzira Lemos
Inglez de Souza e sua filha Alzira Inglez de Souza (Alzirinha) em 1967. Contando com
uma carta de recomendação de Roberto Burle Marx11 e trazendo em anexo uma lista de
bens móveis considerados de valor nacional, o processo de tombamento foi iniciado
pelo IPHAN tendo Paulo Santos12 como relator. O histórico da Fazenda foi elaborado
11
Roberto Burle Marx (1909 - 1994) foi um artista plástico brasileiro, reconhecido internacionalmente ao executar trabalhos paisagísticos. Na região de Vassouras executou o trabalho de jardim da Fazenda Santa Eufrásia e o projeto do Memorial Judaico da cidade. 12
Paulo Santos (1904 – 1988) arquiteto, trabalhou no IPHAN desde sua fundação e foi professor de história da arquitetura na UFRJ.
45
por Augusto Carlos da Silva Telles13 e conteve dados sobre os proprietários e as etapas
construtivas da mesma. Ambos os arquitetos foram responsáveis por instruir o processo
de tombamento da cidade de Vassouras, em 1958.
Nota-se, logo no início do processo, os valores atribuídos à Fazenda e os
discursos preconizados para a sua chancela. Paulo Santos, em seu parecer, a fim de
justificar o tombamento desse exemplar da arquitetura rural do Vale do Paraíba, destaca
como características marcantes a autenticidade, a singeleza, o encanto, a sedução e o
deslumbramento, como pode ser verificado no trecho a seguir:
A casa da Fazenda Santa Eufrazia tem superior interêsse como testemunho de uma época de que são raros os remanescentes com tamanha autenticidade: a começar pela fachada estirada, tratada com grande singeleza e encanto, precedida de um gramado que lhe realça as qualidades de boa arquitetura e emoldurada na mata basta, que complementa o quadro e lhe acrescenta sedução; depois, tem o bosque, que o maior dos nossos paisagistas admirou deslumbrado; e finalmente, o mobiliário, os objetos, a liteira, as carruagens, que lhe conservavam aquilo que nas casas de moradia evocativa da época em que a casa foi construída e uma palpitação de vida que sem eles teriam totalmente desaparecido (ANS, Processo 789-T-67, p. 11).
Citado nesse trecho, Burle Marx também ia de encontro ao mesmo discurso
adotado pelos outros técnicos para se tombar a Fazenda, exaltando a preservação da
mata, plantas e árvores consideradas por ele como seculares, além de toda a edificação
da casa de vivenda, mobiliada com móveis de época de extremo valor.
A fazenda foi tombada sob número 424, folha 69 do Livro de Tombo Histórico e
sob número 48, folha 12 do Livro de Tombo Paisagístico, em 22 de janeiro de 1970. A
tramitação do processo se deu por cerca de dois anos, porém não há grande
detalhamento nos volumes que constituem o processo. Abrangeu-se, com o
tombamento, os bosques e parques, a edificação da sede e o respectivo mobiliário
descrito no mesmo processo, conforme trecho a seguir.
Fazenda de Santa Eufrásia, em Vassouras, Estado do Rio de Janeiro, com seus bosques e parque secular, inclusive a edificação da sede com o respectivo mobiliário e objetos antigos, relacionados no Processo 789-T-67 (ANS, Processo 789-T-67, p. 23).
13
Augusto Carlos da Silva Telles (1923 - 2012), arquiteto, servidor do quadro do IPHAN desde 1957, primeiro como consultor e depois como técnico da Diretoria de Tombamento e Conservação. Foi presidente da Fundação Nacional próMemória e secretário do IPHAN. Fundador e presidente do ICOMOS até 1982. Realizou diversos trabalhos de conservação e restauração de bens imóveis.
46
Contudo, em uma disputa familiar, o herdeiro Francisco Herculano Inglez de
Souza solicitou a impugnação do tombamento ao IPHAN, em 1970. O pedido foi
indeferido pelo mesmo na reunião seguinte do seu Conselho Consultivo. Entre as
justificativas apresentadas por Francisco, constava o fato de que a fazenda não
mantivera seu aspecto original, que diversas modificações internas (assoalho e
encanamento) haviam sido feitas e que “mais de 90% dos móveis e utensílios constantes
da relação que instrui o processo n° 789-T-67, jamais pertenceram à Fazenda” (ANS,
Processo 789-T-67, p. 27).
Esse pedido de impugnação nos traz informações relevantes para se
compreender o estado de conservação das edificações em estudo no período de seu
tombamento. Como citado no tópico anterior, na primeira metade do século XX a
fazenda sofreu uma série de obras e modificações visando à conservação dos imóveis.
Entre elas estavam a modificação do assoalho e a alteração na divisão interna dos
cômodos. De acordo com Francisco, a Fazenda
[...] não se encontrarva [sic] na atual configuração quando doada por HENRIQUE INGLEZ DE SOUZA ao impugnante e sua irmã, ALZIRA INGLEZ DE SOUZA, com cláusula de usufruto vitalício à ALZIRA LEMOS INGLEZ, mãe do declarante (ANS, Processo 789-T-67, p. 26).
Esse trecho corrobora com as informações presentes nas entrevistas, de que boa
parte das alterações da fazenda ocorreu após a doação aos herdeiros de Henrique Inglez
de Souza.
Contribuindo ainda mais para fortalecer essa afirmativa, Francisco enumera as
alterações sofridas nas edificações da fazenda, no período anterior ao pedido de
tombamento: “restauração de assoalho, telhado, alteração de fachada e substituição de
encanamento interno e externo” (ANS, Processo 789-T-67, p. 26). Dentre essas,
conseguimos localizar a alteração do assoalho, conforme exposto no tópico anterior,
como tendo sido efetuada na década de 1940. Quanto à fachada da casa de vivenda,
pode-se considerar que a mesma foi sendo alterada ao longo do tempo, visto que em
uma fotografia de Eric Hess, datada de 1941, a fachada não apresentava a conformação
atual, com portas substituindo duas janelas próximas ao copiar.
48
Nota-se, nessa imagem, que até 1941 a fachada estava com conformação
próxima à encontrada no início do século XX, visto que as fotografias anteriores a esse
período, já inseridas nesse trabalho, apresentam a mesma configuração. O dado novo
apresentado é a hera que cobre parte da fachada, plantada provavelmente entre as
décadas de 1930 e 1940.
Outro dado fornecido nessa impugnação refere-se ao terreiro de café. De acordo
com Francisco
[...] não é de estranhar que “BURLE MAX” tenha ficado deslumbrado com a visão da Fazenda pois, o impugnante gastou vultuosa verba e igual energia [sic], em transformar o antigo “TERREIRO SECADOR DE CAFÉ”, em extenso gramado que orla a edificação remodelada (ANS, Processo 789-T-67, p. 27).
Portanto, a alteração do terreiro de café foi realizada em período anterior ao
tombamento, conforme pode ser verificado nesse trecho, na foto anterior e nas
informações fornecidas nas entrevistas. O que nos deixa em dúvida é se o trecho sem
gramado na foto seria parte remanescente do terreiro de café de pedra lavrada ou se
seria uma quadra de tênis, visto que, de acordo com Isabel Rocha (2013), Alzirinha
relatou que havia substituído o terreiro de café para que fosse feita uma quadra de tênis.
No entanto, anos depois a mesma desistiu da quadra, gramando todo o restante da área
fronteiriça à casa de vivenda. De acordo com ela, as pedras desse antigo terreiro de café
foram utilizadas na manutenção da cavalariça e no calçamento da parte fronteiriça da
casa de vivenda (Entrevista, 2013).
Nas atas do Conselho Consultivo de 1970, referentes ao tombamento da
Fazenda, fez-se menção ao bom estado de conservação em que esta se encontrava,
ressaltando o trabalho das proprietárias na preservação desse bem, mas também
destacava as alterações sofridas na casa de vivenda.
A edificação, propriamente dita, acha-se algo modificada, seja quanto às folhas de vidraças das portas que se abrem para a fachada, seja no pequeno alpendre da mesma existente, seja, também, na mutilação ocorrida, há anos, com a eliminação do primitivo puchado [sic] de serviço, que se encontrava em ruína eminente. Êste puchado dispondo-se ortogonalmente ao corpo principal da casa, para o lado dos fundos (ANS, Processo 789-T-67, p. 10).
49
Nota-se, neste trecho, que as alterações sofridas na casa de vivenda eram de
conhecimento do IPHAN mesmo antes do pedido de impugnação de Francisco, sendo
relevante verificar que as principais alterações ressaltadas foram aquelas referentes à
casa de vivenda: portas, alpendre ou copiar e puxado de serviço, citado nos inventários
do século XIX como paiol contíguo. Portanto, a Fazenda Santa Eufrásia chega ao ano de
1968 com todas as alterações da sua casa de vivenda e, provavelmente, sem as demais
edificações que a compunha, visto que em nenhum momento são citadas outras
construções além da casa de vivenda e cavalariça.
Figura 18 - Casa de vivenda após o tombamento em 1970.
Fonte: ANS, I. RJ-376.03.
Continuando a acompanhar a descrição do estado de conservação pelo IPHAN,
no inventário da Fazenda realizado por Silva Telles há também indicação quanto às
alterações e mutilações já descritas no processo, às quais acrescenta “a eliminação das
antigas cozinhas” (ANS, I.RJ-376.01, p. 1). Sem indicar a localização exata, Silva
Telles atribui uma função ao trecho que acreditamos se tratar do puxado de serviço
demolido. Essa informação também está presente na análise da arquiteta Isabel Rocha,
que designa o trecho posterior da casa como fachada da cozinha (ANS, Processo de
Tombamento, anexo IV, p. 05).
50
Figura 19 - Fachada posterior, local onde estava o trecho demolido. Fonte: ANS, I. RJ-376.03.
O armazém, o açude e a cavalariça não foram detalhados no processo de
tombamento, somente a última foi citada nos textos referentes à descrição da fazenda e
no registro fotográfico, sendo parte constituinte de seu inventário da Fazenda.
Figura 20 - Cavalariça, parte da fachada frontal.
Fonte: ANS, I. RJ-376.03.
51
Figura 21 - Cavalariça, fachada posterior.
Fonte: ANS, I. RJ-376.03.
Assim como ocorreu quanto ao tombamento da cidade de Vassouras, a
fiscalização do IPHAN começou a atuar de forma mais regular a partir da instalação do
escritório técnico, em 1984. No período anterior a este, a fiscalização ficava a cargo do
arquiteto Augusto Carlos da Silva Telles, que visitava a cidade de forma esporádica,
sendo que os pedidos de vistorias e obras eram encaminhados à Superintendência, no
Rio de Janeiro – que atendia à demanda das demais cidades do estado (MIRANDA,
2012). Dessa forma, além do processo de tombamento e dos inventários, poucos são os
registros da Fazenda Santa Eufrásia nos arquivos do IPHAN anteriores ao ano de 1984,
visto que seu estado de conservação foi considerado “bom” por Silva Telles, em 1979
(ANS, I.RJ-376.01, p. 2).
A partir de então, a presença do IPHAN na fiscalização da Fazenda tornou-se
constante. Pareceres, solicitações de obras e laudos de vistoria passam a ser frequentes
na documentação técnica do IPHAN. Nesse mesmo ano, após uma vistoria realizada na
Fazenda Santa Eufrásia, a arquiteta Isabel Rocha (chefe o escritório técnico de
Vassouras) solicita à Superintendência do Rio de Janeiro autorização para realização de
obras no estuque da fazenda. De acordo com a mesma, este estava se desprendendo em
diversas partes por um período de mais de um ano (ETMP-RJ, Pasta Técnico 01, 1984).
52
Consta na documentação que a técnica utilizada na recuperação do estuque, a pedido da
proprietária, seria modificada retirando-se o original. Seria utilizado
[...] estuque de gesso, placa de 2 cm tendo como resistência e segurança fios de sisal e serão amarrados todos com arame galvanizado n° 18, todo o barro existente nos devidos forros será retirado deixando as ripas limpas (ETMP – RJ, Pasta Técnico 01, 1984).
Na documentação não está evidente se esse método foi realmente utilizado na
recuperação do estuque, visto que no ano seguinte o escritório técnico solicita outro
estucador para terminar o serviço, sem especificação das técnicas. Somente foi
mencionado que o serviço foi executado de modo “satisfatório dentro das condições
encontradas”, com exceção ao “florão da sala de jantar foi o que ficou destoante, não
tendo o estucador conseguido elaborar com perfeição o modelo original” (ETMP-RJ,
Pasta Técnico 01, 1984).
Em 1986, outra vistoria foi realizada pelo Escritório Técnico de Vassouras de
modo a verificar o estado de conservação do telhado, que, de acordo com a proprietária,
continha sinais claros de infestação por cupim em diversos pontos. O telhado foi
descrito com os seguintes problemas: primeiro, o cupim estava instalado nos caibros e
“em dois barrotes de sustentação do forro da sala de música” (ETMP-RJ, Pasta Técnico
01, 1986); segundo, “as peças mestras dos rincões no canto esquerdo frontal e posterior”
(ETMP-RJ, Pasta Técnico 01, 1986) estavam com problemas graves de conservação;
terceiro, a linha da cumieira estava terminando após a última tesoura, estando em
balanço; e quarto, o rincão posterior encontrava-se em ângulo maior que o original,
originando um vão entre as terças. Tais problemas permanecem por quase uma década,
tornando-se recorrente na documentação técnica do IPHAN o relato dos mesmos,
agravados com o passar dos tempos, sendo constante a recomendação de obra em toda a
estrutura do telhado para solucionar esse problema.
Além dos problemas apresentados no telhado, no ano de 1992, foi constatada
uma série de outros eventos, em muitos casos acentuados pelo mau estado de
conservação do telhado. Entre eles estavam o excesso de umidade e rachaduras na
alvenaria, com destaque para a aba do forro do escritório (ETMP-RJ, Pasta Técnico 01,
1992). A técnica Isabel Rocha, em parecer de vistoria, descreve o mau estado de
conservação da Fazenda Santa Eufrásia da seguinte maneira:
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A fazenda, de forma geral, está em estado precário de conservação, seja pela deterioração natural do imóvel, seja pela falta de manutenção efetiva da estrutura e da cobertura. O processo é por nós bastante conhecido. A falta de recuperação do telhado, e sua manutenção com consertos isolados e periódicos, ora uma série de diferença nos encaixes das telhas que permitem a infiltração de águas pluviais. Estas atingem os forros, as madeiras e as alvenarias. [...] Outro que se aproveita da madeira úmida e deteriorada é o cupim que tem se alastrado em muito (ETMP-RJ, Pasta Técnico 01, 1992).
Por meio desse documento, ela recomendava mais uma vez a realização de obras
urgentes no imóvel, o qual deveria ser recuperado em toda sua estrutura, com a
restauração do telhado, forro e esquadrias, limpeza do forro e porão e recuperação das
instalações hidráulicas e elétricas (ETMP-RJ, Pasta Técnico 01, 1992).
Após um longo período de discussões e indicações para execução das obras no
telhado, tanto por parte do IPHAN como da proprietária, em 1995 foi iniciada sua
execução. Sendo a obra de maior vulto com subvenção do IPHAN realizada na Fazenda
após o seu tombamento, visava a atender emergencialmente o telhado. Entre as
prioridades elencadas pelo escritório técnico de Vassouras estava a desinfestação de
toda a casa, devido à gravidade do avanço dos cupins; a troca dos caibros e ripas que
foram alterados ao longo do tempo, possuindo madeiras diversas, além do ataque de
cupim; a amarração de telhas, capas e bicas soltas; a troca dos barrotes do forro que
estavam apodrecidos e a recomposição do forro de estuque, danificado ao longo do
tempo pelas constantes infiltrações do telhado (ETMP-RJ, Obra emergencial, 1995).
Figura 22 - Casa de vivenda, obra emergencial 1995.
Fonte: ETMP-RJ, Obra Emergencial, 1995.
54
Executada por Accioly Engenharia com um valor total de R$ 77.233,00, sendo
metade do previsto em orçamento do IPHAN para o início da obra, o trabalho teve
duração de cinco meses, de janeiro a junho de 1995. Constou da “troca de caibros, ripas,
frechais, peças das tesouras e demais madeiramento que compõem a cobertura, com a
amarração das telhas bicas e emassamento das telhas capas” (ETMP-RJ, Especificação
de Obra, 1994, p. 1), da retirada do estuque que estava solto e da embalagem do acervo
móvel da casa de vivenda e cavalariça.
Diversos problemas foram apresentados no desenvolvimento da obra, por ter
sido executada no período chuvoso e também pela relação pouco harmoniosa entre a
fiscalização e os proprietários, sendo frequentes no diário de obra paralizações ou
inconvenientes causados por esses fatores. Por outro lado, os técnicos do IPHAN
conseguiram detectar, no decorrer dessa obra, alguns dados relevantes sobre o sistema
construtivo e as alterações da casa de vivenda e cavalariça, além da demolição do trecho
posterior da casa de vivenda, já relatado nessa pesquisa. Isabel Rocha relata que a
parede frontal, localizada em frente aos quartos 1 e 2, ao lado do quarto da sacada, havia
se inclinado para a frente em período anterior (ETMP-RJ, Diário de obra, 18/01/1995).
De acordo com a arquiteta, a inclinação teria sido ocasionada pela troca de um
“baldrame na base dessa parede” pela proprietária, em uma data indefinida.
55
Figura 23 - Esquema de movimentação da parede frontal.
Fonte: ETMP-RJ, Obra Emergencial, 1995.
Esse último fato trouxe um problema de difícil solução para a continuidade da
obra do telhado, visto que
O frechal externo estava preso no frechal entre os Quartos com chapa de ferro onde se vê bem o quanto andou. Nas cimalhas de forro e nas paredes perpendiculares internas também há marcas desse movimento. Com isso puxou todo o telhado para frente, daí os caibros estarem praticamente soltos da cumeeira. Não há como trazer a parede para o lugar sem destelhar direto toda a frente da casa (impossível em tempos de chuva), liberar a estrutura, escorar a alvenaria por inteiro e pressioná-la para o lugar. Serviço quase impossível pois afeta diversas janelas e o peço [sic] da alvenaria (adobe) exigirá a presença de maquinário e equipamentos especiais (ETMP-RJ, Diário de obra, 18/01/1995).
A solução adotada foi reforçar a “amarração de ferro com tirantes em cabo de
aço” (ETMP-RJ, Diário de Obra, 18/01/1995) sem retornar a parede para o local. O
feito foi indicado pelos técnicos do IPHAN como insatisfatório, mas concernente às
possibilidades de execução naquele momento.
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Outro ponto abordado, quanto aos problemas ocasionados pelas alterações do
imóvel ao longo dos anos, foi a linha da tesoura existente entre o Quarto da Lareira e o
Escritório. A linha da tesoura estava sem apoio no frechal, “assentando-se diretamente
sobre a parede” (ETMP-RJ, Diário de Obra, 30/01/1995). De acordo com a técnica
Isabel Rocha, haviam vários indícios de que esse problema era antigo: as rachaduras
verticais existentes na parede, o barrote inferior que havia descido 8 cm encostado no
solo e as marcas de massa nas cimalhas do forro e rodapé comprovavam que o esforço
tinha sido transferido para parede havia bastante tempo. Para a estabilização da tesoura,
o IPHAN adotou como solução o “desbastamento da linha para assentamento de peça
nova, recompondo a sua cabeça sobre o frechal externo, presa a ela por meio de
braçadeira em ferro” (ETMP-RJ, Diário de Obra, 30/01/1995). Esta última entraria sob
a asa que ia até a altura do pilar da porta de divisa dos dois cômodos, na qual se
colocaria um pontalete para aliviar o esforço da asa sobre a cabeça da tesoura
reconstituída. A técnica do IPHAN ainda indicava outras soluções, tanto para a tesoura
como para a parede e o barrote inferior, mas essas extrapolariam o orçamento da obra, e,
por isso, o termo aditivo não foi aprovado pelo órgão.
Figura 24 - Solução adotada pelo IPHAN para a estabilização da tesoura.
Fonte: ETMP-RJ, Obra Emergencial, 1995.
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Por fim, outro trecho extremamente discutido nessa obra refere-se ao telhado da
cozinha e às suas calhas. A obra foi executada sem a concordância total dos técnicos do
IPHAN, mas os mesmos não encontraram outra solução, justificada pelo fato de que no
“buraco (cômodo existente depois da cozinha) [...] se misturam os materiais (adobe na
parede da cozinha, tijolinho e tijolo furado na parede externa, bica nova de um lado e
bica velha de outro)” (ETMP-RJ, Diário de obra, 23/02/1995), dificultando o
assentamento do novo telhado ou a sua mudança.
Figura 25 - Esquema do telhado da cozinha.
Fonte: ETMP-RJ, Obra Emergencial, 1995.
As calhas desse trecho aparecem como alvo de reclamação constante da
proprietária da Fazenda nos anos posteriores à obra, sendo acordado com o IPHAN que
a empresa Accioly Engenharia iria refazer o serviço nesse trecho. Porém, não consta na
documentação se esse combinado foi realmente executado.
De qualquer forma, a obra no telhado foi de suma importância para a
salvaguarda do monumento, pois, de acordo com os técnicos do IPHAN, possibilitou
uma sobrevida ao imóvel que se encontrava em estado de ruína iminente. No entanto, os
mesmos foram enfáticos ao ressaltar que obras estruturais deveriam ser executadas para
que o novo telhado não fosse comprometido. Ainda assim, tais obras estruturais não
foram executadas até os dias atuais.
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Figura 26 - Casa de vivenda após a obra de recuperação do telhado.
Fonte:ETMP-RJ, Obra Emergencial, 1995.
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A obra emergencial do telhado obteve grande destaque na imprensa e várias
publicações relataram o seu desenvolvimento, destacando o esforço conjunto para salvar
a fazenda. Entre elas, as publicações do jornal local “Tribuna do Interior” merecem
destaque. Porém, no ano de 1998 – três anos após a obra do telhado – o cedro que se
localizava na parte posterior da casa de vivenda caiu sobre grande parte do telhado da
casa, atingindo a sala de jantar, o quarto de vestir e o banheiro. Houve alguns estragos,
por cerca de 9m2, com a quebra de telhas e estuque, deixando algumas áreas
desprotegidas (ETMP-RJ, Laudo de vistoria, 1998), mas sem atingir a parte estrutural
do telhado. O escritório técnico de Vassouras executou pequenos reparos, como a
retirada dos galhos e recomposição das fiadas, deixando uma lona no local até que
novas obras pudessem ser executadas.
Após esse período, a Fazenda não passou por novas obras de grande vulto,
apesar de serem recorrentes na documentação técnica as solicitações dos proprietários
com relação à conservação da casa de vivenda e da cavalariça, seja na alvenaria ou
mesmo no telhado. A Fazenda Santa Eufrásia permaneceu fechada por um longo tempo
após a morte da proprietária Alzira Inglês de Sousa, não tendo sido executado nenhum
trabalho de manutenção nas edificações por cerca três anos. Sua sobrinha, Diana
Schaudone, assumiu então a responsabilidade sobre a propriedade, mas por curto
período de tempo, realizando uma série de intervenções pontuais na casa. Entre elas, a
retirada da hera de toda a fachada, com o consentimento do IPHAN, e a transformação
de “duas fiadas de bica e uma capa” em “três fiadas de bicas e duas fiadas de capas”
(ETMP-RJ, Relatório Técnico de Reintegração do Acervo, 2002), de modo irregular.
Posteriormente, Elizabeth Dolson assumiu a fazenda, na qual permanece até hoje.
No ano de 1998, a Fazenda Santa Eufrásia tem parte dos seus bens móveis
roubados. Em 2001 novamente foi efetuado outro roubo de maior dimensão que o
primeiro. Esse trouxe não somente a perda de parte do patrimônio móvel da fazenda,
como também deixou marcas na alvenaria da casa de vivenda devido à remoção do
console e do espelho da Sala de Música e ao furto na instalação elétrica, com a remoção
dos interruptores, lâmpadas e fios aparentes do interior do imóvel (ETMP-RJ, Relatório
Técnico de Reintegração do Acervo, 2002). Partes desses bens móveis foram
reintegrados à Fazenda no decorrer dos anos seguintes, processo que corre em segredo
de justiça e ainda encontra-se em andamento.
60
Após um período de abandono e sucessivos roubos, o estado de conservação da
Fazenda Santa Eufrásia em 2001 é descrito como precário, sem nenhum tipo de
ventilação e iluminação. A casa permanecia fechada, possuindo trancas e travas nas
janelas e portas, sem a mínima higienização do imóvel (ETMP-RJ, Laudo de Vistoria,
2001, p. 2). O telhado da casa de vivenda, que havia passado pela obra de 1995,
mostrava várias telhas quebradas, bicas entupidas e goteiras, além da calha sobre o
Corredor entre a Cozinha e a Sala de Jantar, que continuava a apresentar os problemas
constantemente relatados nos pareceres e laudos de vistorias do escritório técnico. A
Fachada apresentava ruptura e desgaste do emboço, como pode ser visto na foto a
seguir.
Figura 27 - Fachada deteriorada da Casa de Vivenda, 2002.
Fonte: ETMP-RJ, 2002.
A estrutura da casa foi descrita pela técnica Isabel Rocha como “uma gaiola
desarticulada e desestruturada” (ETMP-RJ, Laudo de Vistoria, 2001, p. 4) devido às
diversas intervenções dos proprietários ao longo do século XX. Havia um deslocamento
na parte superior do baldrame da fachada frontal e, na parte do escritório, foi encontrado
um trecho em tijolinho para substituí-lo. O barroteamento estrutural estava com
problemas de encaixe nos apoios por capilaridade (ETMP-RJ, Laudo de Vistoria, 2001,
p. 5) e o açude apresentava diversas rachaduras no muro da represa.
61
Além dessas, outras vistorias foram realizadas ao longo da década de 2000,
caracterizando um maior cuidado com a Fazenda, com a realização de pequenos reparos
de manutenção da casa de vivenda, cavalariça e açude. Em 2008, a casa já se encontrava
com os bens móveis reintegrados e novamente montados, as alvenarias recuperadas e
caiadas, o telhado limpo com a retirada de plásticos e folhas que obstruíam as bicas e
calhas. Alguns cômodos, no entanto, encontravam-se ainda mais degradados,
principalmente aqueles localizados ao fundo da casa de vivenda (Quarto das Sacadas e
no Quarto de Vestir) e a cavalariça.
Figura 28 - Forro de estuque em desprendimento. Fonte: ETMP-RJ, 2008.
Em 2009 e 2010 foi instalado um gasoduto (Gasbel II) nas terras da Fazenda
Santa Eufrásia. Durante esse processo, a empresa responsável por esse serviço executou
o escoramento da cavalariça com projeto e recurso próprio. As paredes de adobe foram
escoradas e as fachadas, frontal e dos fundos, foram reforçadas com a colocação de uma
mão francesa na parte superior do escoramento. Esse escoramento permaneceu até o ano
de 2013, sendo substituído por outro de estrutura metálica.
62
Figura 29 - Colapso da alvenaria da cavalariça.
Fonte: ETMP-RJ, 2009.
Concluindo o estudo deste capítulo, percebe-se que a Fazenda Santa Eufrásia
teve sua conformação estabilizada após o tombamento, sem grandes alterações em suas
edificações nos últimos anos, constando apenas de um trabalho de intervenções
pontuais. No entanto, o imóvel sofreu com períodos de estagnação, abandono e falta de
manutenção, ocasionando a degradação de várias partes. Hoje, a Fazenda Santa Eufrásia
possui como principal função a visitação turística e uma pequena produção de café e
eucalipto. A casa de vivenda encontra-se com parte do trecho posterior interditado
devido à cessão do forro e à quebra de um caibro sobre o quarto da sacada. Esta também
apresenta problemas estruturais e na alvenaria. A cavalariça está muito degradada, visto
que em 2009 o pau-a-pique sofreu um colapso na vedação, com diversos trechos em
desprendimento, resultante das diversas intervenções sofridas ao longo do tempo. Ainda
assim, a fazenda guarda em suas edificações o registro do período cafeeiro.
63
4- EDIFICAÇÕES E ESTUDO MORFOLÓGICO
As edificações presentes na Fazenda Santa Eufrásia remetem ao século XIX,
mas passaram por diversas modificações ao longo do tempo: demolições, remoção do
terreiro de café, alterações no telhado e intervenções pontuais que alteraram alguns
aspectos da edificação primitiva. Desse modo, este último tópico traz uma análise
comparativa das imagens e documentos textuais, atualizando informações presentes no
Parecer de Tombamento elaborado pela arquiteta Isabel Rocha, em 2001, visando a
reconstituir e situar temporalmente as intervenções sofridas pela fazenda.
O primeiro registro de suas edificações remete, como já indicado no primeiro
tópico, ao “Desenho demonstrativo da aviventação de rumos judiciaes, e repartição das
Fazendas S° Roque e Cachoeira” de meados do século XIX. Como já foi dito, existe
uma dúvida quanto às edificações apontadas nesse mapa, se são referentes ao ano de
1837 ou ao ano de 1855, data do processo de demarcação de terras. Nesse Desenho é
possível notar as edificações primitivas da Fazenda: duas edificações perpendiculares,
uma de menor dimensão na parte fronteiriça ao açude e outra de maior dimensão,
paralela a esse. Conforme já discorremos no tópico 1, não podemos afirmar com certeza
se são as mesmas edificações que temos atualmente, mas o desenho nos permite aventar
boas hipóteses.
Figura 30- Edificações primitivas da Fazenda Santa Eufrásia, sec. XIX.
Fonte: ACMV, Terras, Aviventação de Rumos, 1855.
64
O Desenho nos traz também informações sobre o modo de implantação da
fazenda no século XIX. A água, de acordo com Werneck (1978) e Taunay (2001), era o
aspecto mais importante para se implantar uma fazenda. Para ambos os autores, a
localização desse fator era de suma importância para o início da produção agrária e
instalação dos engenhos. Para Werneck (1978) se a água não pudesse ser levada às
proximidades do local de instalação da fazenda, esta deveria ser fundada onde aquela se
encontrava, justificando que esse era “o motivo porque muitos e grandes
estabelecimentos estão feitos sem aformozeamento” (WERNECK, 1978, p. 32). Ao
visualizarmos esse Desenho demonstrativo podemos notar que a Fazenda Santa Eufrásia
obedece a esse esquema e que a água não representou um inconveniente à sua
implantação, pelo contrário. Ao lado das edificações passava-se um córrego, assinalado
no mapa como “Córrego do Sítio” e à frente encontrava-se o açude, ambos ainda
presentes na Fazenda.
Outro ponto abordado refere-se à ordem de construção das edificações. De
acordo com Werneck, o fazendeiro deveria iniciar a edificação de sua fazenda
construindo “primeiro uma casa ordinária para vossa moradia temporária e tantas
quantas forem precisas para acomodar os escravos e camaradas” (WERNECK, 1978, p.
32). Posteriormente deveria construir os engenhos, os moinhos, os pilões e as senzalas.
Portanto, a casa de vivenda seria a última edificação a ser construída. Segundo Rocha
(2007) “o senhor residiria em uma construção provisória e daria prioridade ao
desflorestamento, plantio e moradia dos negros e trabalhadores” (ROCHA, 2007, p. 30).
De acordo com Isabel Rocha, a casa de vivenda era “retangular, em um só corpo
restringindo-se a parte voltada para o terreiro de café; com telhado de 4 águas, simples”
(Entrevista, 2013), aspecto apresentado junto ao telhado da cozinha, no qual o
alteamento gerou “uma calha em ângulo no rincão junto ao corredor entre a Cozinha e a
Sala de Jantar” (ETMP-RJ, Laudo de vistoria, 2012, p. 2), conforme pode ser visto na
foto a seguir.
65
Figura 31- Calha gerada pelo alteamento do telhado. Fonte: ETMP-RJ, Laudo de vistoria, 2012, p. 2.
Dados concretos sobre as edificações da Fazenda Santa Eufrásia só aparecem
nas últimas décadas do século XIX, presentes nos inventários de Ezequiel de Araujo
Padilha (1880) e Alexandrina de Araujo Padilha (1890) e no processo de hipoteca de
1886. Tais documentos, já mencionados nessa pesquisa, trazem a descrição detalhada
dos imóveis, contendo seus cômodos, suas dimensões e o estado de conservação. Para o
estudo deste tópico, deteremo-nos apenas sobre aquelas edificações que são objetos
desta pesquisa: casa de vivenda, cavalariça, armazém e açude.
Em 1880, no inventário de Ezequiel de Araujo Padilha, a casa de vivenda é
descrita como “assoalhada forrada de estuque, com sessenta e três palmos de frente e
cento e quarenta e quatro de fundo” (CDH, Inv. Ezequiel Araujo Padilha, 1880, p. 36v).
A partir dessa informação, podemos concluir que a edificação já possuía o forro de
estuque – ainda presente na Fazenda – e o assoalho – provavelmente substituído ao
longo do século XX. Esse mesmo dado está presente no processo de hipoteca de 1886,
trazendo as mesmas dimensões e descrições. A divergência aparece no inventário de
Alexandrina, no qual acrescentou-se à descrição da casa de vivenda uma cobertura de
telha, com dimensões inversas às da descrição do inventário de Ezequiel: “132 palmos
de frente por 64 de fundo” (CDH, Inv. Alexandrina de Araujo Padilha, 1890, p. 07).
Essa divergência provavelmente se dá pela diferença de medida do palmo e do início do
caminho realizado pelo avaliador.
66
Analisando esses dados é possível verificar que a casa de vivenda possuía, em
1880, cerca de 13,86m de frente e 31,68m de fundo14, dimensões próximas das atuais:
14,97 x 40,22m (INEPAC, 2007). Nota-se apenas uma diferença de cerca dez metros de
frente e nove metros fundos que, segundo Isabel Rocha, se dá devido às divergências de
medidas no palmo e pela ausência do trecho do fundo da casa, que foi ampliado no
século XX (Entrevista, 2013). É possível, então, verificar que a casa de vivenda estava
com sua edificação parcialmente completa no fim do século XIX.
Esse inventário também nos aponta o número de cômodos e a disposição destes
na casa. Na avaliação dos bens móveis descrita por cômodo, a casa de vivenda da
Fazenda Santa Eufrásia, em 1880, era constituída por sala de espera, sala de visita, sala
interna, sala de jantar, sala do oratório, sala da escola, quartos da escola – os quais eram
ligados por um corredor –, quarto do corredor da escola, primeiro quarto junto à sala
interna, segundo quarto, primeiro quarto do oratório, segundo quarto, terceiro quarto,
quarto da área, primeiro quarto da máquina, segundo quarto da máquina, primeiro
quarto da sala de espera, segundo quarto, escritório, sala da enfermaria, salão dos
crioulos, quarto da cozinha, quarto perto da cozinha e cozinha. No total, constam vinte e
quatro cômodos descritos, e, entre eles, a presença de uma sala do oratório e uma
escola, os quais não conseguimos localizar pelas diversas alterações no imóvel no
decorrer de sua existência.
Outros dados sobre as edificações continuam a ser apontados nesse mesmo
inventário. É descrito “um paiol contiguo a casa de vivenda com cinco lances” (CDH,
Inv. Ezequiel Araujo Padilha, 1880, p. 36v), sem detalhar a dimensão dos palmos de
frente e fundo. Deste modo, a casa de vivenda era interligada ao paiol, trecho demolido
na primeira metade do século XX conforme relatado no segundo tópico. Isabel Rocha,
em parecer de tombamento de 2001, analisando o processo de hipoteca, indica que o
paiol contíguo refere-se àquele “‘que está em contato’, isto é, em continuação a casa de
vivenda” (ETMP-RJ, Parecer de tombamento, 2001, p. 13).
Continuando a análise, a autora aproxima a sua dimensão, corroborando para a
compreensão de que o trecho citado acima refere-se ao demolido.
Cada lance, conforme o item seguinte do texto, mede 20 x 47 palmos, ou seja, 4,40m x 10.34m, são ao todo 5 lances. O Paiol é uma
14
Utilizou-se como medida um palmo equivalente a 22 cm.
67
construção com 22.00m de comprimento x 10.34m de largura e está junto a casa de vivenda. A Cozinha mede exatamente 11,67m até o início do telhado da Sala de Jantar [...] e 22,00 é a distância aproximada deste até a parede posterior da Cavalariça. Ou seja, o trecho demolido (ETMP-RJ, Parecer de Tombamento, 2001, p. 13).
Na avaliação presente no inventário de Alexandrina não constam dados
referentes a esse paiol contíguo, porém esse mesmo dado é retomado na avaliação
executada para a hipoteca em 1886. Portanto, ele ainda se mantinha edificado e
contínuo à casa, não se compreendendo as possíveis razões da ausência de sua descrição
no inventário anterior.
Avançando na descrição das edificações em fins do século XIX, é mencionado
no Inventário de Ezequiel “um dito com oito lances de vinte palmos de frente por
quarenta e sete de fundos” (CDH, Inv. Ezequiel Araujo Padilha, 1880, p. 36v). Tem-se,
então, outro paiol com 160 palmos de frente por 47 de fundos, sem menção ao fato de
ser ou não ligado às outras edificações da casa de vivenda. Duas casas são descritas com
dimensões próximas à existente no inventário de Alexandrina: uma avarandada para
tulha de café e outra “coberta de telha dividida para ser a cozinha dos mesmos
[empregados], estrebaria de animaes e caza de carpintaria com 160 palmos de frente por
34 de fundos” (CDH, Inv. Alexandrina de Araujo Padilha, 1890, p. 7). Os fundos dessa
casa apresentam dimensões divergentes às do paiol descrito no inventário de Ezequiel,
treze palmos, padrão que se repete na maior parte dos bens de raiz descrito no inventário
de Alexandrina. Assim, acreditamos que a segunda edificação refere-se à mesma
edificação descrita no inventário anterior.
Buscando compreender a qual edificação refere-se esse trecho citado nos
inventários, recorremos à terminologia de cavalariça. De acordo com o dicionário Globo
essa significa “alojamento de cavalos, cocheira, estrebaria” (Dicionário Globo, 1992). O
inventário faz referência a uma casa dividida para ser cozinha e estrebaria de animais.
Por essa função, presumimos que essa edificação seria a atual da cavalariça. Nesse caso,
essa casa teria 35,2m de frente por 10,34m de fundo, medidas discrepantes às
dimensões atuais da edificação: 30,40m x 13,02m (INEPAC, 2007, p. 338). Mas,
novamente, a divergência dos valores pode ser devida às alterações nos valores do
palmo e às alterações sofridas no imóvel no decorrer do século XX.
Porém, não está claro na documentação se todas as edificações da casa de
vivenda junto ao paiol contíguo eram interligadas ao outro paiol (cavalariça). Isabel
68
Rocha, através de análises físicas, indica que a Casa de Vivenda da Fazenda Santa
Eufrásia passou por três fases, ao longo do século XIX. Na primeira, a edificação seria
somente um corpo retangular, posteriormente ampliado com a inserção do paiol
contíguo, “formando um “U”, com pátio interno fechado por muro divisório. Na
segunda, já havia um telhado articulado na base do “U” com cumeada mudando de
altura no centro e indo em direção à atual cavalariça (ETMP-RJ, Laudo de Vistoria,
2012, p. 2). Por fim, a casa teria sofrido uma “nova ampliação inserindo no corpo da
casa os cômodos existentes desde a Sala de Jantar até o quarto das sacadas” (ETMP-RJ,
Laudo de vistoria, p. 2). A autora estabelece um esquema para as edificações, nessas
etapas ao longo do século XIX, de modo a exemplificar suas afirmações.
Figura 32 - Esquema evolutivo da casa de vivenda no século XIX.
Fonte: ETMP-RJ, Laudo de Vistoria, 2012.
Segundo Isabel Rocha (2013), o estabelecimento dessas fases foi possível
através do cruzamento dos dados documentais com os aspectos físicos hoje ainda
presentes na edificação. Esses vestígios são descritos no trecho abaixo.
Junto ao Quarto das Sacadas há um corte na água posterior do telhado eqüivalendo a tacaniça que forma sobre eles. A água posterior é bem maior que a água frontal. A linha da cumeeira não está no centro do imóvel, mas sim, sobre o centro da Sala de Música. Sobre o Quarto 1 e a Despensa houve outra tacaniça, cujos registros ainda se encontram no telhado: o espigão e o travejamento dos frechais na quina da Despensa limite com a Cozinha. Isto prova que toda a faixa da Cozinha até o Quarto Duplo é posterior, foi feita em acréscimo (fig. 5). Ou seja, a Casa de vivenda inicial se ampliou, sendo esta a casa mais primitiva. Sobre a parede divisória da primeira casa com a ampliação há ainda o emboço caiado de branco (por ter sido parede
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externa) e as marcas nos frechais do assentamento do telhado. No Corredor da Cozinha para a Sala de Jantar ainda é possível ver a ponta desse frechal (ETMP-RJ, Parecer de tombamento, 2001, p. 17).
Dois fatores são elencados como indicadores dessas ampliações: primeiro, o
telhado alteado gerou “uma calha em ângulo no rincão junto ao corredor entre a
Cozinha e a Sala de Jantar” (ETMP-RJ, Laudo de Vistoria, 2013, p. 2); e segundo, esse
alteamento criou “um vazio entre a tacaniça da fachada do Quarto Duplo e o
prolongamento do telhado, anulando parcialmente o espigão original” (ETMP-RJ,
Laudo de Vistoria, 2013, p. 2).
Figura 33 - Espigão anulado para altear o telhado.
Fonte: ETMP - Laudo de Vistoria, 2012.
Sobre a inserção dos cômodos desde a sala de jantar até o quarto da sacada não
encontramos dados documentais para subsidiar a informação, mas acreditamos que se
tenha dado até 1880, visto que no inventário de Ezequiel, desse mesmo ano, são
descritos vinte e seis cômodos. Também pesa para essa hipótese o fato de que, até esse
período, a família Araujo Padilha ainda não possuía o endividamento que a assolaria
nos anos posteriores, que tornaria mais difícil a realização de investimentos nas
edificações.
Corroborando para essa discussão, a imagem mais antiga da Fazenda, presente
em um álbum de família sem datação, traz informações sobre o partido e a distribuição
do imóvel na primeira metade do século XX. Consideramos que seja remanescente
desse período, por estar presente em mãos da família Inglês de Souza, que passou a
ocupar esse espaço a partir de 1905.
70
Figura 34 - Fazenda Santa Eufrásia, início do sec. XX. Fonte: Arquivo particular Fazenda Santa Eufrásia.
Nesta imagem é possível identificar as edificações que compunham a Fazenda e
os terreiros de café, hoje não mais existentes, além de parte do trecho demolido que
ligava as edificações. Comparando a imagem aos inventários de Ezequiel e de sua
esposa e à avaliação da hipoteca, podemos verificar que a Fazenda Santa Eufrásia
possuía, em fins do século XIX, a conformação apresentada na imagem.
Nota-se que a fazenda apresentava uma conformação em formato de “U”,
identificada por Isabel Rocha como a segunda fase da edificação, ou seja, as duas
edificações eram contínuas, considerando o primeiro paiol contíguo de cinco lances
como o trecho demolido.
71
Figura 35 - Detalhe, trecho demolido. Fonte: Arquivo particular Fazenda Santa Eufrásia.
Das edificações apresentadas na imagem, permanecem hoje somente a casa de
vivenda, a cavalariça e uma casa de pequena dimensão na parte superior, habitada por
empregados da Fazenda. Cruzando essa imagem com a descrição da Fazenda na
avaliação da hipoteca em 1887 é possível verificar que as demolições ocorrem a partir
do século XX. É frequente o uso do termo “máo estado” na avaliação dos bens, para
qualificar as edificações existentes na fazenda, devido ao longo período de estagnação e
abandono no final do século XIX.
A partir do século XX, a Fazenda Santa Eufrásia passa por um grande número
de modificações em sua casa de vivenda e cavalariça. Creditadas a Alzira Inglês de
Souza e Francisco Herculano Inglês de Souza, essas intervenções modificaram diversos
aspectos do imóvel, indo desde a demolição do trecho do paiol contíguo até as
alterações na divisão interna dos cômodos, com a supressão de paredes e aberturas de
vão.
Dentre as intervenções realizadas, os cômodos onde hoje se encontra a cozinha
apresentaram diversos aspectos indicando que sua modificação ocorreu ao longo do
século XX. O trecho demolido do paiol contíguo iniciava-se onde hoje está a fachada
dessa cozinha. Segundo Isabel Rocha, são claros os vestígios dessa demolição na parede
externa, na qual o telhado foi adaptado para se realizar o fechamento da empena.
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Figura 36- Fachada da cozinha. Foto: Ana Carolina Neves Miranda, 2013.
A autora também indica que na fachada dessa mesma cozinha “aparece uma
parede com 2 vãos quadrados (sem esquadrias) que iluminam um espaço vazio, criado
entre a Cozinha e o exterior” (ETMP-RJ, Parecer de tombamento, 2001, p. 15) como
pode ser visto na planta abaixo.
Figura 37 - Vão, planta da casa de vivenda.
Fonte: INEPAC, 2007.
73
Esse vão (vazio) seria justificado somente pela demolição da continuidade da
edificação. Essa alteração pode ainda ser notada pela presença de uma porta de pequena
dimensão, “criando um acesso alternativo ao interior do imóvel” (Parecer de
tombamento, 2001, p. 15), passando por esse vão. Outro vestígio perceptível na área da
cozinha é a demolição da parede divisória dos antigos cômodos, tornando-a um grande
retângulo (Figura 38).
Figura 38- Demolição de parede na cozinha. Fonte: ETMP, 2012.
Outras alterações são perceptíveis em outros cômodos da casa. A sala de estar,
conforme descrito no tópico três, sofreu uma grande alteração em torno dos anos de
1940. Foi removida a alcova e demolidas as paredes divisórias dos quartos e do
corredor. No local foi criado um salão, onde se construiu uma lareira. Essa alteração
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ainda é perceptível na casa, visto que o forro possui “as divisórias que formavam 4
ambientes com um corredor ao meio” (ETMP-RJ, Parecer de tombamento, 2001, p. 15).
Figura 39 - Divisões no forro, sala de estar. Fonte: ETMP-RJ, Laudo de Vistoria, 2012.
Igualmente perceptíveis são as inserções nos cômodos dos atuais banheiros,
divididos a partir do escritório e do quarto de vestir. Diversas portas foram inseridas
com a “colocação de verga subdimensionada” (ETMP-RJ, Laudo de Vistoria, 2012, p.
5) e duas delas revelam a alteração na fachada, ocorrida a partir da década de 1940.
Foram substituídas duas janelas próximas ao copiar por duas portas externas.
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Figura 40 - Substituição de duas janelas por portas. Fonte: ANS, I.RJ. 376.03, 1941.
As alterações na fachada não se restringiram somente à remoção das janelas, a
partir de então transformadas em portas. Aproximadamente nas décadas de 1930 e 1940
uma hera foi plantada na fachada da casa de vivenda e permaneceu ali até o ano 2000,
quando foi removida a pedido do IPHAN porque suas raízes estavam enraizadas na base
da madre. Com sua a remoção foi possível verificar o estado de conservação da fachada,
que apresentava perda do emboço e problemas estruturais, conforme demonstrado na
foto a seguir.
Figura 41 - Fachada após a retirada da hera. Fonte: ETMP-RJ, 2001.
76
Outra alteração identificada na fachada refere-se à colocação de jardineiras na
janela e no copiar. Até a década de 1930 o copiar não apresentava a atual conformação,
ou seja, sem a balaustrada, o cipreste e a calçada de pedra provenientes do terreiro de
café na parte frontal da casa.
Figura 42 - Jardineira inserida na fachada. Foto: Irans Souza da Conceição, 2013.
A Cavalariça também passou por diversas modificações ao longo do século XX,
desde sua reconstrução, pois resta do “original aproximadamente 1/3 da edificação”
(ETMP-RJ, Laudo de Vistoria, 2012, p. 5) até outras intervenções pontuais de
manutenção. A obra de restauração do telhado, em 1995, e seu escoramento, em 2009,
foram detalhados no tópico anterior.
77
Figura 43 - Cavalariça, escoramento 2010. Fonte: ETMP- RJ, 2010.
Para as demais edificações que compõem a Fazenda Santa Eufrásia e que são
objeto desse estudo, não encontramos dados capazes de permitir a criação de uma linha
do tempo das intervenções e alterações realizadas. Sobre o armazém, encontramos
somente uma citação sobre uma “casa no caminho para Vassouras” (CDH, Inv. Ezequiel
de Araujo Padilha, 1880, p. 35v) como possível referência a esse imóvel. Mesmo
estando dentro da área da Fazenda, o mesmo não foi mencionado no processo de
tombamento. Ademais, apenas algumas fotografias realizadas pela atual proprietária e
pelo IPHAN, a partir dos anos 2000, nos indicam o seu estado de conservação nas
últimas décadas.
Com relação ao açude, foram igualmente parcos os registros encontrados que
faziam menção à sua construção e aos processos de manutenção e conservação ao longo
dos anos. Foi possível notar, através do “Desenho demonstrativo da aviventação de
rumos judiciaes, e repartição das Fazendas S° Roque e Cachoeira” de meados do século
XIX, que o mesmo já estava presente na fazenda desde os primórdios de sua construção,
por seu caráter de elemento principal no abastecimento e na movimentação dos
engenhos no século XIX. Ao longo do século XX, foi mencionada sua abertura pelo
menos uma vez por ano por Alzira Inglês de Souza, como forma de manutenção
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(Entrevista Elizabeth Dolson, 2013). Restam-nos, ainda, os laudos sobre o impacto da
implantação do gasoduto em seu entorno, de 2009 (Figura 44) e a as fotografias sobre
seu estado de conservação nesse mesmo período.
Figura 44 - Localização do gasoduto e açude. Fonte: Laudo de Vistoria Gasbel, 2010.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer desta pesquisa histórica foi possível levantar os aspectos
construtivos e sociais da Fazenda Santa Eufrásia, com destaque para as edificações em
estudo: Casa de Vivenda, Cavalariça, Armazém e Açude.
A Fazenda passou por períodos de grande desenvolvimento e estagnação,
sucedidos por períodos de demolições e reconstruções. Concentrada ao longo de dois
séculos em mãos de duas famílias, Araujo Padilha e Inglês de Souza, obteve como uso
inicial a agricultura cafeeira, desenvolvendo-se a partir de um pequeno sítio na primeira
metade do século XIX até tornar-se uma fazenda com suas edificações no final desse
mesmo século. No século XX, já em mãos da família Inglês de Souza, passa a assumir
como função principal a pecuária e, ao fim do século XX, o turismo tornou-se sua
principal função.
Em meio a esses diversos contextos, suas edificações foram sendo construídas e
modificadas. Registramos nessa pesquisa as diversas alterações ocorridas na casa de
vivenda e na cavalariça desde a primeira metade do século XIX até os dias atuais.
Pudemos notar a presença de ampliações, demolições e reconstruções em ambos os
imóveis, que, como foi mencionado nessa pesquisa, constituíam uma só edificação.
Quanto aos demais bens objetos dessa pesquisa, a saber, o armazém e o açude,
parcos foram os registros encontrados sobre sua construção e seu desenvolvimento ao
longo dos séculos. Tal lacuna sugere, talvez, que tais construções foram secundárias,
visto que pouco mencionadas nos documentos.
Apesar dessas limitações documentais, foi possível verificar o desenvolvimento
da Fazenda Santa Eufrásia e de suas edificações ao longo dos séculos XIX e XX, com
destaque para as intervenções realizadas pelos proprietários e pelo IPHAN. Da
edificação primitiva da casa de vivenda e da cavalariça foi possível reconstituir as
diversas fases pelas quais passaram essas edificações e pode-se considerar que as
mesmas passam, hoje, por uma quarta fase de conformação, com dois blocos isolados e
alterados pelas intervenções ao longo de sua existência.
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5- CRONOLOGIA
1793 – A Sesmaria das Cruzes, território parcelado da Fazenda de Santa Cruz, passa a pertencer a Miguel Angelo Fagundes e França (FRIDMAN, 2009, p. 151).
1809 - As terras referentes à Sesmaria das Cruzes onde está localizada a Fazenda Santa Eufrásia, já estavam sob a propriedade de José Clemente Pereira (ACMV, Terras, Aviventação de Rumos, 1855, p. 66).
1834 – Primeira referência documental ao Comendador Ezequiel de Araujo Padilha, primeiro proprietário da Fazenda Santa Eufrásia (ACMV, Terras, Medição, 1834).
Ezequiel foi registrado como morador na Vila de Vassouras (CDH, Libelo Cível, Reinvindicação de Medição de Terras, 1855, p. 98).
1837 - Ezequiel de Araujo Padilha já estava de posse das terras de Santa Eufrásia (ACMV, Terras, Aviventação de Rumos, 1855, p. 21).
1837 ou 1855 - O “Desenho demonstrativo da aviventação dos rumos judiciais e repartição das Fazendas São Roque e Cachoeira” trouxe as edificações primitivas da Fazenda Santa Eufrásia e a demarcação de seu açude.
1840 - Ezequiel de Araujo Padilha foi mencionado vivendo de lavoura no Rio Bonito do Termo de Vassouras, antiga denominação do local onde Santa Eufrásia foi edificada.
1855 – Primeiro registro documental em que foi mencionada a Fazenda Santa Eufrásia (ACMV, Obra Nova, Embargo, 1855, p. 56).
Registro de 170 alqueires de terras pertencentes a Ezequiel de Araujo Padilha na qual se encontrava a Fazenda Santa Eufrásia.
23 de julho de 1879 – Morte de Ezequiel de Araujo Padilha na Freguesia do Barroso na Província de Minas Gerais (CDH, Inv. Ezequiel de Araujo Padilha, 1880, p. 72).
1880 – Ano do inventário de Ezequiel de Araujo Padilha no qual está a descrição mais recuada das edificações da Fazenda Santa Eufrásia, ressaltando o detalhamento dos cômodos presentes no imóvel.
21 de janeiro de 1884 – Data da hipoteca da Fazenda (ANS, Processo de Tombamento, anexo II, p. 43).
1890 – Ano do inventário de Alexandrina de Araujo Padilha com descrição detalhada da Fazenda Santa Eufrásia.
1895 até 1905 – Período em que a Fazenda esteve hipotecada em propriedade de Gracie Ferreira e Cia, em seguida, pela Companhia Central do Brasil e por último em propriedade de Silvério da Costa Nunes e mulher.
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1897 – Avaliação de bens da Fazenda no qual foi frequente o uso do termo “máo estado” para qualificar as edificações.
1905 – Compra da Fazenda por pelo Coronel Horácio José de Lemos.
Fotografia mais antiga da Fazenda Santa Eufrásia com todas as suas edificações.
23 de agosto 1918 – Coronel Horácio José de Lemos doa a sua filha Alzira Lemos Inglês de Souza a Fazenda Santa Eufrásia. No registro de doação, a fazenda é descrita “ocupando uma superfície quadrada de duzentos e oitenta e sete hectares e seis mil quatrocentos e doze metros com as casas e mais benfeitorias existentes” (ANS, Parecer de Tombamento, Escritura de doação, 1918, p. 3), além de possuir um engenho de cana e outro de café.
Década de 1930 - Alzira Inglês de Souza (Alzirinha) passou a assumir os cuidados da Fazenda juntamente com seu irmão Francisco Herculano Inglês de Souza.
Período em que a Hera que cobriu parte da fachada da casa de vivenda foi plantada.
Década de 1940 - Alzirinha realiza uma grande obra na área interna casa de vivenda, removendo uma alcova presente na sala interna, demolição de alguns trechos: “duas janelas, dois quartos, corredor” (Entrevista, 2013) e alteração do assoalho.
1941 - Fotografia de Eric Hess na qual a fachada não apresentava a conformação atual,
com portas substituindo duas janelas próximas ao copiar.
1943 - Relatório da Comissão Especial Revisora de Títulos de Terras no qual foi mencionado que as terras da fazenda Santa Eufrásia estão “compreendidas na Sesmaria das Cruzes” concedidas a Miguel Angelo Fagundes e França, em 12 de outubro de 1793.
1967 - Solicitação realizada junto ao IPHAN pelas proprietárias Alzira Lemos Inglez de Souza e sua filha Alzira Inglez de Souza (Alzirinha) para o tombamento da Fazenda Santa Eufrásia.
1968 – A Fazenda Santa Eufrásia chega até esse ano com todas as alterações da sua casa de vivenda e sem as demais edificações que a compunha.
22 de janeiro de 1970 – Tombamento da Fazenda pelo IPHAN, sob número 424, folha 69 do Livro de Tombo Histórico e sob número 48, folha 12 do Livro de Tombo Paisagístico.
1970 - O herdeiro Francisco Herculano Inglez de Souza solicitou a impugnação do tombamento ao IPHAN, pedido negado no mesmo ano.
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1984 – Realização de obras no estuque na casa de vivenda.
1986 - O telhado da Fazenda foi descrito com os seguintes problemas: primeiro, o cupim estava instalado nos caibros e “em dois barrotes de sustentação do forro da sala de música” (ETMP-RJ, Pasta Técnico 01, 1986); segundo, “as peças mestras dos rincões no canto esquerdo frontal e posterior” (ETMP-RJ, Pasta Técnico 01, 1986) estavam com problemas graves de conservação; terceiro, a linha da cumieira estava terminando após a última tesoura, estando em balanço; e quarto, o rincão posterior encontrava-se em ângulo maior que o original, originando um vão entre as terças.
1995 – Realização de obra emergencial de recuperação do telhado da Casa de Vivenda e Cavalariça, executada por Accioly Engenharia com subvenção do IPHAN.
1998 - O cedro que se localizava na parte posterior da Casa de Vivenda caiu sobre grande parte do telhado da casa, atingindo a sala de jantar, o quarto de vestir e o banheiro.
1998 – Roubo de parte dos bens móveis da Fazenda.
2000 – Remoção da hera da fachada da Casa de Vivenda.
2001 – Novo roubo de maior dimensão que o primeiro com perdas na alvenaria pela remoção da fiação da Casa de Vivenda.
2009 e 2010 – Instalação do gasoduto (Gasbel II) nas terras da Fazenda Santa Eufrásia.
2009 - Colapso na vedação do pau-a-pique da cavalariça, com diversos trechos em desprendimento, resultante das diversas intervenções sofridas ao longo do tempo com posterior escoramento realizado pela empresa que executou a obra do gasoduto.
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6- CLIPPING
SITE DA FAZENDA SANTA EUFRÁSIA
Disponível: http://fazendasantaeufrasia.com/
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OBRAS DE RESTAURAÇÃO DA FAZENDA SANTA EUFRÁSIA
Jornal: O Globo Editoria/Seção: Design Rio Data: 27/10/2013 Disponível: http://oglobo.globo.com/rio/obras-para-recuperar-beleza-roubada-pelo-tempo-
10554298
Obras para recuperar a beleza roubada pelo tempo Era uma vez um político e agricultor que viveu numa fazenda de café com a família e seus escravos até 1895. Veio a crise cafeeira, ele faliu, e a propriedade passou pelas mãos de uma dezena de empresários até que, em 1905, foi comprada por coronel Horácio José de Lemos, que ateou fogo ao que restou da plantação e decidiu criar gado de corte na área de 50 alqueires.
Na sala de estar da casa-grande da Fazenda Santa Eufrásia, um console com um grande espelho do século XIX Mônica Imbuzeiro / Agência O Globo
Passados mais de cem anos, os descendentes de Lemos transformaram a antiga casa e o terreno da Fazenda Santa Eufrásia, em Vassouras, num ponto de visitação turística. A história do auge e da decadência da antiga fazenda, com sua adaptação a um novo uso, guarda muitas semelhanças com as de dezenas de propriedades do século XIX que ainda restam no Vale do Café. A partir deste mês, no entanto, o futuro do lugar — que já apresentava marcas de degradação — começa a ganhar um novo capítulo.
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Tombada desde 1970 pelo Iphan, a Santa Eufrásia será totalmente restaurada nos próximos dois anos e meio e, por uma ironia do destino, as obras que prometem devolver ao local a beleza roubada pela ação do tempo tornaram-se possíveis devido a mais uma mudança de uso, agora no subsolo. Todo o projeto de pesquisa histórica, reparo e restauração será pago por meio de um termo de compromisso firmado entre o Iphan e a Transportadora Associada de Gás/Petrobras (TAG), numa medida compensatória para a implantação do gasoduto Gasbel II nas terras de inegável valor histórico.
O projeto inclui as áreas onde há registro de edificações desaparecidas, o armazém e o açude, o bosque e todo o acervo móvel da casa. Este mês, operários começaram a primeira etapa do trabalho, com o escoramento da construção nos fundos da casa-grande, uma cavalariça que ameaçava de ruir. Segundo o Iphan, quando foi erguida, na primeira metade do século XIX, a casa era um prédio único, em formato de U, e teve parte dos cômodos demolida, redividida e redimensionada. As intervenções vão custar R$ 6 milhões.
— A casa-grande sofreu um grande reforma ainda no século XIX, para construção do trecho que vai da sala de jantar até o quarto duplo. No século XX, muitas reformas foram feitas, entre elas a demolição da base do U. Novamente, parte do terreno foi usada para reconstrução do que hoje chamamos de cavalariça, onde atualmente estão as charretes. Ali, o trecho de tijolo e pedra é do seculo XX. A parte de trás, de adobe, onde está o escoramento principal, é remanescente da fundação da fazenda — diz a arquiteta Isabel Rocha, responsável pelo escritório técnico do Iphan no Médio Paraíba, acrescentando que serão necessários pelo menos sete meses de estudo antes de a obra ser iniciada.
peças guardadas em contêineres
Depois do escoramento do que ameaçava desabar, o próximo passo será a retirada de dentro da casa-grande de móveis, louças, objetos de decoração e outros bens (datados dos século XVIII, XIX e início do XX). Tudo será conferido e guardado em contêineres, retornando aos lugares após a restauração do casarão. Segundo o Iphan, o acervo tombado tem 436 itens. Mas há ainda 196 itens em estudo. Em seguida, começam as pesquisas arqueológicas, que antecedem o trabalho de engenharia.
A lista de preciosidades dentro da casa inclui camas, canapés, oratórios, consoles, cadeiras, um piano e uma centena de peças que compunham a decoração de uma casa típica da primeira metade do século XIX. Entre as raridades, um guarda-vestido de vinhático, uma cama de viúvo e um oratório em ótimo estado de conservação, que decoram um dos quartos da casa. Na sala de jantar, há uma mesa de 22 lugares, retrátil, e um conjunto de louça francesa, também do século XIX. Há, ainda, alguns móveis e objetos do século XIX e do comecinho do século XX.
— Já temos um levantamento de tudo o que há lá dentro, mas agora vamos fazer uma nova conferência, mais detalhada, do acervo. Além da restauração da casa e da cavalariça, vai ser feita uma grande pesquisa arqueológica sobre o que se perdeu ali ao longo dos tempos — explica Isabel Rocha.
Acredita-se que havia uma senzala próximo à entrada principal da casa-grande.
Atualmente, a Fazenda Santa Eufrásia é administrada por uma das bisnetas do coronel Lemos, Elizabeth Dolson, que recebe turistas vestida com roupas de época. No passeio guiado pela construção, que originalmente teve mais de 20 quartos, o visitante passa
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pela sala de música e por três quartos mobiliados, confere fotos e roupas que pertenceram aos moradores e, ao final, prova um cafezinho produzido ali mesmo na fazenda. As visitas, que precisam ser marcadas, terão que ser suspensas durante as obras.
— Enquanto as obras deixarem, continuarei recebendo as pessoas aqui. Depois, vamos esperar para ver quando poderemos retomar as atividades — diz Elizabeth.
Jornal: Portal do Brasil Editoria/Seção: Cultura Data: 04/11/2013 Disponível: http://www.brasil.gov.br/cultura/2013/11/fazenda-santa-eufrasia-no-rio-de-
janeiro-sera-restaurada
Fazenda Santa Eufrásia, no Rio de Janeiro, será integralmente restaurada 04/11/2013 Segunda-Feira, Dia 04 de Novembro de 2013 as 16
Um termo de compromisso firmado entre o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Rio de Janeiro (IPHAN-RJ) e a Transportadora Associada de Gás/Petrobras (TAG) garantirá a restauração integral da Fazenda Santa Eufrásia, em Vassouras (RJ). Os acordos foram planejados ainda 2009, por ocasião da implantação do gasoduto GASBEL II nas terras da Fazenda, quando o IPHAN-RJ vislumbrou, como medida compensatória, a possibilidade de patrocínio
para a preservação do bem tombado que já apresentava situação crítica para sua conservação. Ao Instituto caberá o acompanhamento, a análise e a aprovação dos projetos, além da orientação técnica dos serviços durante a execução das obras. Para a TAG, o financiamento das ações e a confecção dos projetos detalhando os trabalhos a serem realizados via Centro de Estudos e Pesquisas 28, além da transparência na prestação de contas dos recursos. Não é só a edificação remanescente da sede original que será restaurada. O projeto também contemplará as áreas onde há registro de outras edificações desaparecidas, o armazém e o açude. Integram ainda o conjunto o bosque, na parte posterior, e todo o acervo móvel, testemunhos do modo de viver e morar em uma fazenda de café no século XIX. Além da preservação do bem tombado, o objetivo é garantir sustentabilidade à Fazenda através de seus diversos produtos oferecidos à comunidade: visitas guiadas, consertos musicais, quitutes, participação mais efetiva no
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Festival Vale do Café, entre outros. Obras e história Erguida na primeira metade do século XIX, a Santa Eufrásia pertenceu ao agricultor, político e Comendador Ezequiel de Araújo Padilha. A partir de 1895 passou por diversos proprietários até ser adquirida pelo Coronel Horácio José de Lemos, cujos descendentes são até hoje proprietários. Por sua importância paisagística, a Fazenda Santa Eufrásia foi tombada pelo Iphan em 1970 e, atualmente, já se encontra integrada ao circuito de visitação das unidades cafeicultoras no Vale do Paraíba, um dos primeiros passos para a melhoria das condições de sustentabilidade desses monumentais acervos históricos e culturais.
Jornal: IPHAN Editoria/Seção: Notícias Data: 04/11/2013 Disponível:http://portal.iphan.gov.br/portal/montarDetalheConteudo.do?id=18120&sigla=N
oticia&retorno=detalheNoticia
Fazenda Santa Eufrásia, no Rio de Janeiro, será integralmente restaurada
04/11/2013 Um termo de compromisso firmado entre o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Rio de Janeiro (IPHAN-RJ) e a Transportadora Associada de Gás/Petrobras (TAG) garantirá a restauração integral da Fazenda Santa Eufrásia, em Vassouras (RJ). Os acordos foram planejados ainda 2009, por ocasião da implantação do gasoduto GASBEL II nas terras da Fazenda, quando o IPHAN-RJ vislumbrou, como medida compensatória, a possibilidade de patrocínio para a preservação do bem tombado que já apresentava situação crítica para sua conservação. Ao Instituto caberá o acompanhamento, a análise e a aprovação dos projetos, além da orientação técnica dos serviços durante a execução das obras. Para a TAG, o financiamento das ações e a
confecção dos projetos detalhando os trabalhos a serem realizados via Centro de Estudos e Pesquisas 28, além da transparência na prestação de contas dos recursos. Não é só a edificação remanescente da sede original que será restaurada. O projeto também contemplará as áreas onde há registro de outras edificações desaparecidas, o armazém e o açude. Integram ainda o conjunto o bosque, na parte posterior, e todo o acervo móvel, testemunhos do modo de viver e morar em uma fazenda de café no século XIX. Além da preservação do bem tombado, o objetivo é garantir sustentabilidade à Fazenda através de seus diversos produtos oferecidos à comunidade: visitas guiadas, consertos musicais, quitutes, participação mais efetiva no Festival Vale do Café, entre outros. Obras e história
Erguida na primeira metade do século XIX, a Santa Eufrásia pertenceu ao agricultor, político e Comendador Ezequiel de Araújo Padilha. A partir de 1895 passou por diversos proprietários até ser adquirida pelo Coronel Horácio José de Lemos, cujos descendentes são até hoje proprietários. Por sua importância paisagística, a Fazenda Santa Eufrásia foi tombada pelo Iphan em 1970 e, atualmente, já se encontra integrada ao circuito de visitação das unidades cafeicultoras no Vale do Paraíba, um dos primeiros passos para a melhoria das condições de sustentabilidade desses monumentais acervos históricos e culturais. Mais informações:
Assessoria de Imprensa Iphan/RJ – Chico Cereto Contato: (21) 9127-738 / 21 2233-6334. Fonte: Ascom - IPHAN/RJ
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Jornal: Tribuna do Interior Editoria/Seção: P.P Miranda Data: 20/05/1995 Disponível: ETMP - Obras Emergenciais
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Embargo de Obra Nova, ACMV, 1855.
Inventário, Libelo Cível de Habilitação – ACMV, 1857.
Terras, Medição – ACMV 1837.
ARQUIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Registro de Terras Paroquiais, Freguesia de Nossa Senhora da Conceição
de Vassouras, Livro 73 – AERJ, 1855.
ARQUIVO ETMP -RJ
Diário de Obra, 1994.
Especificação de Obra do Telhado, 1994.
Laudos de Vistorias, 1984 a 2013.
Obra emergencial, 1995.
Pasta Técnico 01, 1984 a 2001.
Pasta Técnico 02, 2002 a 2009.
Pasta Técnico 03, 2010 a 2013.
Relatório Técnico de Reintegração do Acervo, 2002.
ARQUIVO NORONHA SANTOS (ANS)
Inventário Fazenda Santa Eufrásia. I.RJ-376.01
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Processo de Tombamento da Fazenda Santa Eufrásia - Processo 789-T-67.
Processo de Tombamento da Fazenda Santa Eufrásia – Anexo II.
Parecer de Tombamento, 2001.
ARQUIVO PARTICULAR FAZENDA SANTA EUFRÁSIA
Fotografias fim do século XIX e século XX.
BIBLIOTECA NACIONAL
Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1897.
Almanach Sul Mineiro, 1884.
Diário Oficial da União, 1943, 1959 e 1963.
CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO HISTÓRICA DA UNIVERSIDADE SEVERINO
SOMBRA
Inventário Ezequiel Araujo Padilha 1880.
Inventário Alexandrina de Araujo Padilha, 1890.
Libelo Cível, 1853. Ref: 103664326018.
Libelo Cível, Reinvindicação de Medição de Terras, 1855. Ref: 102663225010
ENTREVISTAS
Elizabeth Dolson, Vassouras (RJ) em 16/12/2013.
Isabel Rocha, Vassouras (RJ) em 04 a 08/11 e 15 a 17/12 de 2013.
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ANEXO DOCUMENTAL
Transcrição Parcial do Inventario Ezequiel de Araujo Padilha – Bens de Raiz e Móveis15
Anos: 1880
Juizo de Orfãos
Comendador Ezequiel de Araújo Padilha Falldo
Alexandrina de Araujo Padilha Ivente
Inventário
MOVEIS
Uma mobília da sala de espera composta de doze cadeiras de jacarandá, um
sofá, uma mesa pequena, um barômetro e termômetro, cincoenta mil reis.
Uma mobília da sala de visita constante de sofá de cedro forrado de palhinha,
quatro cadeiras de braço, doze ditos simples, dous consilos com tampo de
mármore, uma mesa de centro, tudo de cedro, dous espelhos grandes, com
moldura dourada, duzentos mil reis.
Sala Interna = uma mesa grosseira com pés torneados forrados de palinha,
uma mesa pequena, uma mesa pequena de vinhático e dous guarda louça cem
mil reis.
Sala de jantar = uma mesa {elástica} de vinhático, um aparador, trinta e cinco
cadeiras de jacarandá com palinha, cento e cincoenta mil reis.
Sala do Oratório = uma mobília de jacarandá constante de um sofá, seis
cadeiras de braços, quatro consoles, com tampo de mármore, uma mesa de
centro também coberta de mármore, vinte quatro cadeiras para assento, dous
espelhos grandes com moldura dourada, um piano de cauda, um oratório e
ornamentos, um lustre de oito luzes, tudo avaliado por duzentos mil reis.
15
Não foi permitido fotografar esse documento por norma interna do Centro de Documentação da Universidade Severino Sombra.
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Sala da escola = um sofá de jacarandá forrado de palhinha, quatro cadeiras de
braço, uma mesa de centro com tampo de mármore, uma cama de palhinha,
seis cadeira, tudo de jacarandá, cincoenta mil reis.
Quartos da escola = uma cama grande de jacarandá, um guarda vestido de
vinhático, um toalet com tampo de mármore, um lavatório de vinhático, uma
mesa pequena da mesma por trinta mil reis.
Corredor da escola = um guarda remédio, um guarda roupa.
Quarto do corredor da escola = digo roupa, vinte mil reis.
Quarto do dito corredor = Uma cama de armação, uma dita grande, uma dita
pequena pés torneados, um toalet com espelho, {triptase} jacarandá, vinte e
cinco mil reis.
Primeiro quarto junto a sala interna = uma cômoda de vinhático, um oratório de
jacarandá, uma mesa do mesmo, um pequeno armário de vinhático, doze
cadeiras de cedro com palinha, um espelho, quarenta mil reis.
Segundo quarto = uma cama e um lavatório de jacarandá, uma cama de ferro,
tudo por quinze mil reis.
Primeiro quarto do oratório = duas cama de jacarandá, uma mesa de vinhático,
por quinze mil reis,
Segundo quarto = uma cama de vinhático, uma mesa dita de ferro, dez mil reis.
Terceiro quarto = uma cama grande, uma mesa pequena, um lavatório de
jacarandá, um guarda roupa de vinhático, uma escrivaninha também de
jacarandá, por oitenta mil reis.
Quarto da área = uma cama grande de vinhático, quinze mil reis.
Primeiro quarto da machina = dous guardas vestidos, uma mesa pequena de
vinhático, pes tornianos, uma marquesa, cincoenta mil reis.
Segundo quarto da machina = um guarda vestidos, um lavatório de jacarandá,
uma cama, uma mesa pequena de vinhático e um toalet de cedro com espelho,
cincoenta mil reis.
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Primeiro quarto da sala de espera = duas camas, uma mesa pequena pés
torneados de jacarandá, uma cama de ferro, uma mesa, um lavatório de
vinhático, um espelho, por quarenta mil reis.
Segundo quarto = uma cama grande, uma mesa pequena pés torneados, um
lavatório de jacarandá e um espelho por trinta mil reis.
Escriptorio – uma cama grande, uma cômoda, uma banca de cabeceira, um
[juariero] armário de jacarandá, uma cama de vinhático e uma escrivaninha da
mesma, uma prença de ferro para [cofrior cortos] dos relógios americanos para
parede, um dito de mesa, dous lampiões de tecto, dous ditos de mesa, tudo por
oitenta e cinco mil reis.
Sala da enfermaria = cinco marquesas ordinária por dez mil reis.
Salão dos crioulos = três mesas ordinárias para engomar, nove mil reis.
Quarto da cosinha = dous armários e uma mesa ordinários, cinco mil reis.
Quarto perto da cosinha = duas marquesas ordinários, um catre de páo, cinco
mil reis.
Cosinha = um fogão econômico, cem mil reis – uma mesa ordinária, cinco mil
reis.
Casa velha = uma mesa grande, uma marquesa de vinhático, duas marquesas
de jacarandá, uma dita de ferro e dias mesas ordinárias, trinta mil reis.
Duas bacias grandes de cobre a vinte mil reis, quarenta mil reis. Uma dita
pequena dez mil reis – uma caixa grande de cobre, vinte mil reis – duas ditas
pequenas para doce, dez mil reis. Dous lampeões grandes a kerosene e
terreiros dez mil reis.
Fl. 34
Utencilios da lavoura = dous carros novos duzentos e cincoenta mil reis. Duas
carroças novas, [cara anos] rodas, duzentos mil reis – Um carritão,
quatrocentos mil reis.
Louça = um aparelho completo de porcelana fina cento e vinte mil reis.
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Prata e ouro = sete mil e novecentos e vinte e quatro oitavas de prata em obra
constantes de um faqueiro em caixa pesando novecentos e trinta e duas
oitavas, dous candelabrios com peso de quinhentos e sessenta e oito oitavas,
pertences da capela com quatrocentos e cincoenta e seis oitavas, quatro
dúzias de facas com quinhentos e setenta e seis, quatro ditos de garfos com
oitocentos e quarenta e quatro, quatro ditas de colheres para sopa com
seiscentos e vinte e quatro, três ditos de colheres para chá, com cento e
quarenta e quatro, duas colheres para arroz e uma concha com setenta e duas,
uma bandeja grande com seiscentos e cincoenta e duas, duas ditas menores
com duzentas e setenta e duas, quatro bacias e um jarro com setecentos e
trinta e seis, dezeseis castiçaes novecentos e vinte e oito, um aparelho de
almoço com setecentos e quatro, espevitadeiras com quatrocentos e
dezesseis, avaliado a oitava por duzentos reis. – Um conto quinhentos oitenta e
quatro mil e oitocentos reis. – Um par de esporas de pranta, vinte mil reis. –
Uma espingarda vinte mil reis. – Um relógio inglez de ouro cem mil reis.
Fl 35
BENS DE RAIZ
Uma casa de vivenda assoalhada forrada de estuque, com sessenta e três
palmos de frente e cento e quarenta e quatro de fundo, três contos de reis –
3:000$000.
Paiol contiguo a casa de vivenda com cinco lances – duzentos e cincoenta mil
reis – 250$000.
Um dito com oito lances de com vinte palmos de frente por quarenta e sente
fundos, cento e sessenta mil – 160$000.
Uma casa para empregados com sete lances com dezoito palmos cada lance,
duzentos e oitenta mil reis, digo quatrocentos e oitenta mil reis – 480$000.
Dezesseis lances de senzalas cobertas de telhas e com a frente abalaustrado,
tresentos e vinte mil reis – 320$000.
97
Fl. 35v
Uma casa de ferraria e pertenças da mesma, cem mil reis – 100$000.
Dous galinheiros cobertas de telhas trinta mil reis – 30$000.
Casa próxima ao assúde, vinte mil reis – 20$000.
Casa no caminho de Vassouras, cem mil reis – 100$000.
Casa de morada em São Matheos, em ruínas, trinta mil reis – 30$000.
Uma dita para paiol em derribada do Janoario, trezentos mil reis – 300$000.
Uma casa de engenho contendo as seguintes machinas despolpador e batedor
de café, moinho de fubá, cevadeira e fornos de mandioca, olargar (?) de
mamona, roda e tanques de café; e uma dita contigua contendo engenho de
pilões, brunidor e lavador, moinho e ventilador com grande salão de escolha,
tudo por cinco contos de reis. – 5:000$000.
Cinco terreiros em quadra sendo quatro de cal e um de pedra lavrada, por três
contos de reis – 3:000$000.
Fl. 36
Um pomar duzentos mil reis – 200$000
Cafesaes
Trinta e dous mil pés de cafés de trinta e cinco anos em Santa Eufrásia a
sessenta reis o pé, um conto novecentos e vinte reis. 1:920$000
Cincoenta mil ditos de vinte e cinco anos na derribada do Janoario de duzentos
reis, dez contos de reis. 1:000$000
Vinte mil ditos de dezoito anos no rumo da cachoeira a duzentos e quarenta mil
reis, quatro contos e oitocentos mil reis. 4:800$000
Trinta e dous mil ditos de seis anos na derribada de São Domingos a cento e
trinta reis, quatro contos cento e sessenta mil reis. 4:160$000
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Oito mil ditos de quatorze anos na derribadinha a cento e sessenta reis, um
conto duzentos e oitenta mil reis. 1:280$000
Fl. 36v
Dezoito mil ditos de quarenta anos em São Bernardo a quarenta reis,
setecentos e vinte mil reis. 720$000
Dous mil ditos de trinta e quatro anos em São Matheos a quarenta reis, oitenta
mil reis – 80$000
Trinta e três mil ditos plantados em Março deste ano na derribada da Boa Vista
a trinta reis, novecentos e noventa mil reis. 990$000
Terras
Cento e noventa e cinco alqueires de terras, tendo por confrontantes viúva e
herdeiros de Felisberto Gomes da Silva, José Antonio d’Oliveira e Silva, Luiz
Pereira de Faro, Joaquim Gonsalves de Moraes, viúva e herdeiros de Manoel
da Costa Franco, Manoel Luiz Pereira d’Andrade, viúva e herdeiros de
Peregrino Augusto dos Santos Werneck, Horacio Gomes da Silva, e outros
pequenos sitiantes, sendo: cincoenta alqueires em matta virgem avaliados a
conto de reis, cincoenta contos de reis. 50:000$000
Cento e dez ditos em capoeiras e pastos a duzentos mil reis, vinte e dous
contos de reis. 22:000$000
Dez ditos na derribada nova a duzentos mil reis, dous contos de reis.
2:000$000
Vinte e cinco ditos em capoeiras e pastos em São Matheos a duzentos mil reis,
cinco contos de reis. 5:000$000”
Vassouras, 20 de abril de 1880.
Avaliadores: Francisco Antonio d’Oliveira (Fl, 37v).
99
Transcrição Parcial do Inventario Alexandrina de Araujo Padilha – Bens de Raiz
DOCUMENTO: 103664273002/CDH-USS ANO: 1890 PARTES: Alexandrina de Araújo Padilha (falecido) João Antonio Dias (inventariante)
Bens de raiz e benfeitorias que constituem a Fazenda de Santa Eufrásia com 196 alqueires geométrico de terras em matta virgem, cultivos, capoeiras e pastos situada no lugar denominado Rio Bonito da Freguesia de Vassouras, pertencente aos herdeiros do cazal do finado comendador Ezequiel de Araújo Padilha.
Bens de Raiz:
1 Caza de vivenda, coberta de telha assoalhada e forrada estuque, com 132 palmos de frente por 64 de fundo;
1 Caza para tulhas de café, coberta de telhas e assoalhada, com 160 palmos de frente por 34 de fundo, com varanda em todo o comprimento coberta de telha;
1 Caza assoalhada coberta de telha repartida para dormitórios de empregados com 140 palmos de frente por 34 de fundos;
1 caza coberta de telha dividida para ser a cozinha dos mesmos, estrebaria de animaes e caza de carpintaria com 160 palmos de frente por 34 de fundos;
1 caza coberta de telha para officina de ferreiro com 50 palmos de frente por 30 de fundo;
1 caza coberta de telha para banheiros com 16 palmos por 10 ditos;
1 caza coberta de telhas (antiga senzala) com 360 palmos de comprido por 34 de fundo com varanda em todo o comprimento em 18 compartimentos;
1 caza coberta de telha, parte assoalhada no lugar chamado chácara, com 100 palmos de comprido por 15 de fundo;
Fl. 7v
1 caza coberta de telhas para o galinheiro com 40 palmos de frente por 20 de fundo;
1 caza coberta de telhas junto ao assude com 20 palmos de frente por 20 palmos de fundo'
100
1 caza de telhas assoalhada para tulha de feijão e arroz com 30 palmos por 15 ditos;
1 caza de telhas assoalhadas servindo de enfermaria e dormitórios de libertos solteiros com 150 palmos de comprido por 60 de fundo;
1 caza de sobrado coberta de telhas e assoalhada com todas as machinas aperfeiçoadas para o beneficio de café, do fabricante *Lidgoossd*, com 144 palmos de frente por 42 de fundo;
1 caza coberta de telha com 114 palmos de frente por 33 de fundo, contendo despolpador, tanque de cantaria para bater café, machina de farinha e moinho para moer milho;
1 caza coberta de telhas, dividida para paiol de milho e dormitórios para trabalhadores com 118 palmos de comprido por 20 de fundo;
1 caza coberta de telha e assoalhada no lugar denominado Januario para paiol de milho com 72 palmos de frente por 34 de fundos.
Terreiros
1 terreiro de cantaria lavrada com 19,60 m x 16,30 m
1 dito de cal lado norte com 70,68 m x 24,32 m
1 dito de cal lado poente com 38,30 m x 19,06 m
1 dito de cal lado nascente com 35,30m x 19,06m
1 dito de cal lado sul com 70,68 m x 24,32 m
Estes terreiros estão em um só quadrado, cercados por um muro de 3 palmos de altura por 1 1/2 de grossura na frente da caza de vivenda.
Fl. 08
Terrenos
23 1/5 geométricos de terras em mata virgem de 1º qualidade;
4 alqueires geométricos de capoeirão grosso;
50 ditos cultivo não ou menor;
68 ditos geométricos capoeiras
44 4/5 ditos em pastos e capoeiras finas
101
Cafeeiros
45 mil pés de cafeeiros em S. Domingos de 14 annos
55 ditos pés de cafeeiros na Boa Vista de 9 annos
28 ditos pés de cafeeiros em Sto. Antonio de 8annos
24 ditos de cafeeiros em S. Francisco de 7 annos
20 ditos pés de cafeeiros na Denibadinha de 16 annos
100 ditos pés de cafeeiros velhos em bom estado
2 _______ (fangueres) de canfaria lavrada para a lavagem do café
1 grande pomar
1 carroça de 4 rodas em bom estado
3 ditas de 2 rodas em bom estado
1 dita de 2 rodas pequena
102
Parecer de Tombamento - Bens de Imóveis16
DOCUMENTO: ETMP – Laudos de Vistoria ANO: 2001
SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
MINISTÉRIO DA CULTURA
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL - IPHAN
6ª SUPERITENDÊNCIA REGIONAL
Escritório Técnico de Vassouras
Análise do Processo de Tombamento Fazenda Santa Eufrásia - Vassouras - RJ
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo analisar o Processo nº 789-T-67 que promoveu o tombamento da Fazenda Santa Eufrásia. O objetivo é entender o que está efetivamente tombado, delimitar a área de abrangência, identificar a área de entorno do bem, caracterizar os objetos móveis e estabelecer os parâmetros de intervenção no local.
O esclarecimento das questões abaixo enumeradas é fundamental para a compreensão, manutenção e conservação do imóvel e de seu acervo:
1. O que está tombado: a fazenda ou trecho dela? 2. Quem são os seus proprietários legais? 3. Quais são os objetos tombados? 4. Qual é a sua área de entorno e quais são os parâmetros para intervenção?
O Processo de tombamento é muito vago, na medida em que a Notificação (ou Certidão) não estabelece limites:
"Fazenda de Santa Eufrásia, em Vassouras, Estado do Rio
de Janeiro, com seus bosques e parque secular, inclusive a
edificação da sede com o respetivo mobiliário e objetos
antigos, relacionados no Processo nº 789-T-67" (pág. 22)
É preciso estabelecer o que significa cada uma das expressões usadas e, sobretudo, estabelecer quais são os objetos já que a relação constante no Processo não permite a identificação única para cada uma dos "objetos
antigos, relacionados", por exemplo, "2 lampiões antigos" (pág. 5).
16
Foi retirado deste documento as referências aos bens móveis.
103
Para atingir esses objetivos, o trabalho foi dividido nos seguintes títulos:
1. OS PROPRIETÁRIOS: identifica os proprietários atuais 2. O HISTÓRICO: realiza o levantamento histórico da Fazenda 3. ACERVO IMÓVEL: identifica as edificações e correlatos 4. ACERVO MÓVEL: identifica o objetos relacionados nas pág. 4 e 5 do
Processo de tombamento 5. O TOMBAMENTO: avalia o tombamento e estabelecer a área de entorno 6. CONCLUSÃO: registra as conclusões que se tem do trabalho
É importante frisar o respeito e a admiração com todos os Técnicos, Conselheiros e, particularmente, com o Relator do Processo em questão, não estando aqui em discussão, em momento algum, a competência, a capacidade e qualidade do trabalho deles. Tão somente, hoje, com as informações que dispomos, intui-se complementar e continuar o trabalho.
1. OS PROPRIETÁRIOS
O pedido de tombamento foi feito pelas proprietárias senhoras Alzira Lemos Inglês de Souza e sua filha Alzira Inglez de Souza17, através de Requerimento sem data, protocolado no DPHAN em 01.03.1967.
Um terceiro proprietário à época era o outro filho, Francisco Herculano Inglês de Souza que, inclusive, questiona o tombamento do imóvel, conforme fls. 24 e 25 do referido processo.
Com o falecimento de D. Alzira Lemos18, os proprietários passam a ser os seus dois filhos: Alzirinha e Francisco Herculano. Ocorre que D. Alzira sucedeu a seu filho e, portanto, passam a ser herdeiros os filhos destes, a saber: Elizabeth Inglez de Souza Dolson, Diana Inglez de Souza e Eduardo Inglez de Souza, conforme nominados no testamento da mesma senhora. Neste mesmo testamento consta "...usufruto da Fazenda Santa Eufrásia, no
município de Vassouras, cuja nua-propriedade pertence em partes iguais aos
seus dois referidos filhos...". Quanto aos bens móveis (na área de interesse restrito do tombamento) "que pertencem à sua filha Alzira Inglez de Souza ..." listando, a seguir, a maioria absoluta dos bens móveis existentes na Fazenda. Alguns poucos objetos são citados como segue "que são propriedade de seu
filho falecido Francisco Herculano Inglês de Souza uma cama de solteiro de
jacarandá; um sofá com pés de cachimbo; uma cadeira de balanço (inglesa) e
uma comoda de jacarandá; - que pertence à Elisabeth sua neta, uma cama de
vinhático e cabiúna (rustica); - que pertence ao seu neto Eduardo, uma cama
17
Fls. 01 do Processo nº 789-T-67, ANEXO I. 18
Para efeitos de distinção entre mãe e filha, esta última passa a ser denominada no presente documento como D. Alzirinha, aliás por ser assim conhecida.
104
de ferro, trabalhada; - que pertence à sua neta Diana, um sofá jacarandá com
pés torneados..." Por fim, declara que "metade de seus bens constitui a
legítima de seus dois filhos Francisco e Alzira, devendo ser dividida entre
ambos".
Segundo as co-proprietárias, filhas de Francisco Herculano, a divisão final estabeleceu, em virtude da incorporação das partes dos herdeiros Ruth Edith Florian Inglez de Souza (viúva) e de Eduardo Inglez de Souza (filho), a seguinte divisão:
1. Alzira Inglez de Souza - 1/4 (50%) 2. Elizabeth Dolson - 3/8 (37,5%) 3. Diana Inglez de Souza Sciadone - 1/8 (12,5%)
Sendo, portanto, estes os meeiros proprietários da Fazenda Santa Eufrásia.
Cabe registrar que somos testemunhas da atuação de D. Alzirinha como se fosse única e desembaraçada proprietária do imóvel, o que acreditamos até 1995 quando conhecemos uma das sobrinhas.
"Questões: É quarta feira dia do almoço com o Advogado,
está presente a sobrinha da proprietária (Elizabeth)..."19 (Diário de Obras, 1995, pág. 5)
Alzirinha hoje se encontra, com quase 90 anos, internada em um Asilo e, agravam-se as questões de diálogo com os proprietários, ao invés de resolver. Isto porque são dois os testamentos feitos por ela, o primeiro de 1979 estabelece como herdeira a Sociedade Beneficente Horácio Lemos e o segundo, datado de 1998, estabelece o Dr. José Werneck Machado Filho. A sra. Diana tem deixado bastante claro a intenção e disposição de ver Santa Eufrásia recuperada e atuante. No entanto, o Dr. José Werneck, tem se manifestado como herdeiro de Alzirinha. Aparente em nada nos atinge a vontade de nenhum dos proprietários da Fazenda Santa Eufrásia. No entanto, na prática, no dia a dia, tendo que realizar os serviços de fiscalização do acervo tombado, a situação é por demais complexa, pois cada uma das partes envolvidas se reportam ao IPHAN para "informar" e "esclarecer" (sempre verbalmente) à quem, quando e onde nós devemos nos dirigir para tratar de Santa Eufrásia. E, se fosse possível, nos utilizariam como interlocutores entre as partes, coisa que não conseguem pelo esforço hercúleo do Escritório Técnico em não se permitir a tal papel.
2. O HISTÓRICO
19
O grifo é nosso. Durante as obras emergenciais nos telhados da casa que estava na iminência de ruína, foi feito um Diário de Obras no qual há um item "Questões" onde se registrava todos os procedimentos com Alzirinha, dadas as dificuldades de relacionamento que há com ela. E, até este momento, acreditávamos que as sobrinhas não tinham participação na propriedade.
105
2.1. OS PERSONAGENS
"A FAZENDA DE SANTA EUFRAZIA foi aberta e construída
antes do ano de 1800 pela família do COMENDADOR EZEQUIEL
PADILHA..." (Processo nº 789-T-67, pág. 1)
Através da análise da documentação20 referente a Fazenda Santa Eufrásia (ANEXO 2) vamos identificar, e comprovar, a presença da família Padilha no século XIX como fazendeiros de café nesta Fazenda. No entanto, não há nenhum vestígio histórico que permita supor ter sido construída antes de 1800. Com certeza a Fazenda Santa Eufrásia, o que dela conhecemos hoje, não é da data citada.
Os Caminhos do Tinguá (século XVIII), o mais próximo destas terras não nos dá notícias de ocupação da região exceto em Sacra Família do Tinguá que fica afastado de Santa Eufrásia. Mas ele permite supor que as terras da região já fossem conhecidas e cobiçadas para futuro próximo.
"Ao longo dos primeiros caminhos, vão surgindo as roças
de mantimentos e os pioneiros engenhos de cana-de-açúcar, além
dos registro que controlavam o tráfego. As roças produziam
basicamente o milho com o que abasteciam as tropas de mulas
dos carregadores de ouro. Plantavam, ainda, a mandioca, o arroz,
o feijão e o café (ainda sem expressão). " (ROCHA, 1984, pág. 56)21
O Caminho do Tinguá não estava na rota de maior tráfego, este se concentrava na Estrada Real para Vila Rica (Caminho Novo). A ligação entre Rio de Janeiro e Paty do Alferes, via Serra do Tinguá, era uma rota alternativa para o escoamento da produção dos pequenos sitiantes que existiam ao longo dele. E, como pequenos, a história não os registrou até o momento, salvo melhor pesquisa. Silva Telles22 registra apenas que, na margem da Estrada do Tinguá, será erguida a capela, sede da Freguezia de Sacra Família do Tinguá.
Portanto, a Fazenda Santa Eufrásia só passa a existir como tal e como unidade de produção agrária a partir do sucesso da empreitada do café que começa sua escalada nas primeiras décadas do séc. XIX.
"Pequenas vilas sem expressão, até esse período, tornaram-
se grandes centros cafeeiros, como Vassouras, Piraí, São João
Marcos (hoje submerso), Resende, Barra Mansa, Valença e
20
Sempre soubemos da existência das Escrituras da Fazenda Santa Eufrásia, no entanto, Alzirinha nunca nos permitiu o acesso à estes documentos. Só agora, vide fls. 1 do Anexo 2, pudemos estudá-las.
21 ROCHA, Isabel. Arquitetura Rural do Vale do Paraíba Fluminense no Século XIX. In Revista
Gávea, nº 1, PUC-RJ, Rio de Janeiro, 1984. 22
SILVA TELLES, Augusto Carlos. Vassouras, Estudo da Construção Residencial Urbana. In Separata da Revista do IPHAN, nº16, Rio de Janeiro, 1968, pág. 11.
106
Paraíba do Sul. Devido ao bom preço que alcançava o café no
mercado externo, sua produção tornou-se uma grande atração
para os fazendeiros. O valor da exportação do café que havia
começado a sobrepujar o do açúcar, passou a representar no
exercício de 1837/38, mais da metade do valor total do nosso
comércio exterior ..." (MUNIZ, 1979)23
Se um dos fatores que retardou a ocupação das terras do Vale do Paraíba foi a topografia, outros foram o índio e a selva com seus mistérios, aqui enfatizados pelos interesses da Coroa Portuguesa em não facilitar o desvio do ouro pelas águas do Paraíba.
Inúmeras são as variantes abertas no Vale do Paraíba a partir do Caminho Novo, principalmente no século XIX. Entre elas, duas, abertas em torno de 1820, são particularmente importantes para a compreensão de Santa Eufrásia. A primeira, Estrada do Comércio que dará origem à Vila de Vassouras em 15.01.1833. A segunda, Estrada da Polícia que se aproxima da região de fazenda em questão.
"A da Polícia, que, como dissemos, é sua contemporânea, -
aberta por volta de 1820 - subia a Serra do Mar, entre as estradas
do Comércio e do Rodeio, cruzava-se com esta, próximo a Sacra
Família, atravessava o Paraíba em Desengano, onde então foi
construída uma ponte ..." (SILVA TELLES, 1968, pág. 12)24
É a transferência da Vila de Paty do Alferes para Vassouras, na Estrada do Comércio, que referendará esta região como de interesse no cultivo do café. Passando a Vila de 1833 a ser o pólo de concentração da vida desse novo grupo, os senhores do café. E é aí que encontraremos a família Padilha em atuação. Ezequiel de Araújo Padilha é suplente de Vereador entre 1845/48 e Vereador na legislatura seguinte, 1849/52, novamente suplente entre 1857/60, nas sessões entre 1861/64, aparece Custódio Araújo Padilha como suplente25.
Ezequiel e Custódio constam do Almanaque Laemmert de 185326 como "Fazendeiros e Agricultores do Café", sendo que só Ezequiel consta como Eleitor. Os dois são Fazendeiros até 1869, não constando do exemplar
23
MUNIZ, Célia Maria Loureiro. Os Donos da Terra, Um estudo sobre a estrutura fundiária do
Vale do Paraíba Fluminense no séc. XIX - Dissertação de Mestrado, UFF, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Niterói, 1979.
24 Op. Cit. Rodeio é hoje a Cidade de Engenheiro Paulo de Frontin e Desengano é Barão de
Vassouras, a margem do Rio Paraíba do Sul. 25
MARTINS, Antônio. Vereadores de Vassouras do Impéria à Nova República. Ed. do Autor. Vassouras, 1993
26 O Almanak Laemmert foi publicado ao longo do século XIX, sendo hoje importante fonte de
informações. Os exemplares, nesta pesquisa utilizados, são aqueles existentes na Biblioteca do Museu Casa da Hera e da Casa de Cultura de Vassouras. 1853 é a data do exemplar mais antigo.
107
seguinte que é de 1873. Em 1859 e 1860 os dois são Suplentes da Caixa Filial do Banco Commercial e Agricola da Côrte. Em 1861, só aparecerá no Banco o nome do Custódio.
"... na Praça Eufrásia Teixeira Leite ns. 33/39/47, onde
funcionou a agência do Banco Comercial e Agrícola, inaugurado
em 1857" (SILVA TELLES, 1968, pág. 57)27
O curioso é notar que só Ezequiel aparece no Laemmert como eleitor em 1853, Custódio só aparecerá como Suplente de Vereador a partir de 1861. Isto nos leva a questionar se Custódio é filho de Ezequiel.
" Os Vereadores são eleitos em escrutínio secreto, por todos
os cidadãos do município, leitores do primeiro graus; isto é, todos
os indivíduos livres, maiores de vinte e cinco anos, possuidores de
renda anual superior a 100 mil réis" (SILVA TELLES, 1968, pág. 39)28
Esta informação nos coloca dois aspectos interessantes, a renda mínima para que se pudesse ser eleitor, estando, portanto, Ezequiel em boa situação financeira e Custódio seria menor de 25 anos, reforçando a hipótese de ser filho do primeiro. Isto permitirá supor, ainda, que Ezequiel de Araújo Padilha nasceu, na melhor das hipóteses, no final do século XVIII. Sendo o mais provável ter nascido nas primeiras décadas do XIX por ser Suplente de Vereador em 1845.
A conclusão final é de que a Fazenda Santa Eufrásia da Família do Comendador Ezequiel de Araújo Padilha é posterior à 1800.
2.1. OS PROPRIETÁRIOS
Sobre o Comendador Ezequiel de Araújo Padilha pouco podemos afirmar exceto o que já se apurou no item anterior. Cabe ressaltar que viveu no período áureo da produção cafeeira, deixou viúva e "abrahamica" prole29, tendo falecido antes de 1884. Nesta data sua família está as voltas com uma necessária hipoteca devido as dificuldades financeiras que vem enfrentando.
As causas do declínio e da falência dos cafeicultores do Vale do Paraíba podem ser assim resumidas:
"Quarta Parte
27
Op. Cit. 28
Op. Cit. Silva Telles, cita como fonte o Artº 92, da Constituição Política do Império do Brasil - de 11 de dezembro de 1823.
29 Termo utilizado para definir a grande quantidade de filhos neste período por TAUNAY,
Afonso d'Escragnolle. História do Café no Brasil. Vol. 5, INC, Rio de Janeiro, 1938.
108
O Declínio
IX. A ECONOMIA EM DECLÍNIO, 253
A terra maltratada: rotina, erosão, mudanças meteorológicas.
Cafeeiros envelhecidos e o desaparecimento de solo virgem.
Escassez de trabalho escravo efetivo. Tentativa de diversificação
da colheita. Mudanças tecnológicas. Finanças: medo de
insolvência do fazendeiro. (STEIN, 1990, índice)30
A família do Comendador Ezequiel Padilha se enquadra em todos os aspectos apresentados por este autor.
Mas antes é preciso enumerar os herdeiros do Comendador e de sua viúva Alexandrina de Araújo Padilha, conforme consta da listagem de 188431:
1. Dr. Custódio de Araújo Padilha32 e sua mulher Euphrasia de Araújo Padilha; 2. Dr. Martiniano de Araújo Padilha e sua mulher Marcelina de Araújo Padilha; 3. Antônio Francisco Marques e sua mulher Francisca Marques Padilha33; 4. Carlota de Araújo Padilha, solteira 5. Lusia Padilha Gama da Costa, viúva; 6. João Antônio Dias e sua mulher Maria Padilha Dias; 7. Ezequiel de Araújo Padilha Sobrinho34 e sua mulher Januária de de Araújo
Padilha, 8. Cornélio Padilha de Figueiredo e sua mulher Quitéria Padilha de Figueiredo; 9. Ezequiel de Araujo Padilha Júnior35 e sua mulher Anna Marcondes Ferraz
Padilha; 10. Antônio de Araújo Padilha e sua mulher Orminda de Avila (?) Padilha;
"Um relatório da 1880 afirmava que 'bem poucos' fazendeiros
estavam livres de dívidas. Um fazendeiro que possuísse em
algum lugar de 80 a 100 escravos, o número empregado numa
típica fazenda grande de Vassouras, e que tivesse
aproximadamente 200 contos 'não pode se reerguer, nem mesmo
30STEIN, Stanley Julian. Vassouras: um município brasilerio do café,, 1850-1900. Trad. De
Vera Bloch Wrobel. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1990. 31
Vide Carta de Adjudicação passada a favor da Companhia Central do Brazil e documentos seguintes, constantes do ANEXO 2.
32 E aí está o Custódio como filho do Ezequiel. Cabe registrar que 1895 o Custódio já é citado,
na Carta de Adjudicação, através de sua viúva. 33
As filhas do casal, quando casadas são citadas através de seus maridos cujo nome as precede.
34 Foi a presença deste nome que nos impediu de raciocinar durante algum tempo sobre se D.
Alexandrina era ou não a viúva do Comendador Ezequiel. A resposta afirmativa consta da Escritura de compra e venda entre Cornélio Padilha de Figueiredo e sua mulher Quitéria Padilha de Figueiredo (o próximo casa da lista acima) e a Central do Brazil, de 4 alqueires que "houverão por herança de seu finado sogro e pae o Comendador Ezequiel de Araújo Padilha" em 1898. A repetição de nomes no século XIX e o não cumprimento exato das expressões "júnior", "sobrinho", entre outros, tem gerado muita confusão para os genealogistas.
35 E aí está, comprovando o comentário anterior, o Júnior. Neste caso, e o primeiro até o
momento que encontramos assim, dois irmãos com o mesmo nome ou seria a inclusão de um sobrinho (o citado anteriormente) como herdeiro do casal?
109
se os preços forem exorbitantemente elevados'. Couty dividiu os
fazendeiros em três categorias: um pequeno número de
fazendeiros completamente livres de dívidas com apólices do
governo; um grupo ligeiramente maior claramente solvente; e um
terceiro que compreendia a maioria dos grandes fazendeiros que
não tinham recursos para pagar suas dívidas contraídas com
comissários, bancos e fazendeiros mais ricos." (STEIN, 1990, pág. 286)36
Os proprietários da Fazenda Santa Eufrásia se enquadram perfeitamente no terceiro grupo. Infelizmente na descrição dos bens em 1884 não consta a listagem e/ou quantidade de escravos que nos permita avaliar qual a ordem de grandeza da propriedade naquele momento.
Todo o processo de penhora dos bens está baseado no empréstimo contraído em 1884, após a morte da mãe e reconhecendo as dívidas anteriores, os herdeiros acordaram com os credores um novo empréstimo e dão como garantia a propriedade. A quantia aí acordada era de 81:823$313 com algumas cláusulas bastante interessantes pela forma e conteúdo que bem expressam a situação difícil que se encontravam os devedores:
"Quarta = Obrigam-se mais os outorgantes a consignar todos
os productos da fazenda hypothecada á casa de commercial dos
outorgados que do liquido deduzirão a quantia necessaria para
solução dos juros e do principal nas datas da clausula primeira;
completando os devedores os pagamentos se não bastar seu
liquido. Quinta = Para fins da clausula anterior e maior garantia
dos outorgados durante a hypotheca, a sobredita fazenda será
administrada pelo outorgante João Antônio Dias que poderá
saccar para o custeio até a quantia de dez contos de réis, parte do
liquido das contas da venda... ...Nona = Os outorgados declaram
que os casados d'entre elles o são pelo regimem da comunhão e
que não estão sujeitos a responsabilidade alguma determinativa
de hypotheca legal, nem de bens a onus de qualquer especie."
(Anexo 2)
O citado João Antônio Dias é o 6º da lista de herdeiros por ser casado com uma das filhas de Ezequiel e é o procurador de todos os demais envolvidos. Talvez isto explique a presença da décima cláusula que protege os bens dos maridos das herdeiras.
Se Stein afirma que com 200 contos não se pode reerguer nenhuma das fazendas do Vale, imagine o empréstimo de pouco mais de 81 contos onde só se poderá tirar 10 contos para manutenção das despesas da fazenda? Tanto mais quando a produção passa a ser exclusividade da Casa Comercial do credor que poderá - e o fará, sem dúvida alguma - estabelecer o preço. Além 36
Op. Cit.
110
disso o pagamento dividido em 3 parcelas com os seguintes vencimentos: 31/12/1884 e 1885 e 30/07/1886.
"Sua situação era sem esperança; já sobrecarregados com
dívidas, 'eles percebem que não podem repor os escravos que
morrem, aperfeiçoar sua maquinária ou empregar o dinheiro na
contratação de imigrantes livres ... Qualquer progresso, até onde
lhes diz respeito, é impossível'. Suas terras, casas e escravos não
teriam compradores, caso fossem postos à venda. Em tais
circunstâncias, os bancos estrangeiros rapidamente retiram
fundos do mercado de empréstimo hipotecário depois de terem
sido feitos investimentos por volta de 1872.
Para sobreviver, as fazendas invendáveis do café do Vale do
Paraíba, que ainda forneciam recursos minguantes aos seus
proprietários, tinham que satisfazer seus credores de alguma
maneira." (STEIN, 1990, pág. 286)37
Como conseqüência direta é realizada a execução da dívida em 1895 quando se faz o seqüestro dos bens, transformada em penhora em 1896. Os credores: Gracie, Ferreira e Companhia que foram sucedidos pela Companhia Central do Brazil. Em 1897 é feita a avaliação dos bens para irem a arrematação. O primeiro Edital é de 15/02 quando não aparece nenhum licitante e assim é sucessivamente em 12/03 e 24/03, não há comprador. No 3º e último Edital oferece a vantagem de 20% de desconto e nem assim há comprador, o único lance conseguido ofertava 50 contos em todos os bens. A Fazenda Santa Eufrásia é em 1897 de propriedade da Companhia Central do Brazil. E assim permanece até 1901, quando é negociada para Silvério da Costa Nunes e mulher, via João Telles da Cunha Camara.
"...que possuem esta fazenda livre e desembaraçada de
qualquer hypotheca judicial ou convencional, ou algum outro onus
real, salvo a hypotheca convencional constante da escriptura de
sete de Maio de mil novecentos e um, passada a favor de João
Telles da Cunha Camara, em notas do Tabelião Victorio da Costa,
do Rio de Janeiro, no mesmo título em que a Companhia Central
do Brazil vendeu o immovel hypothecado a elles outorgantes, mas
esta hypotheca deixa de vigorar, porque o credor consente n'este
contrato, e abre mão do seu direito hypothecario..." (Escritura de Venda, 1905)38.
Além de ser hipotecário da Fazenda a Companhia Central do Brazil, ainda executa na mesma data (27/08/1898) mais três transações envolvendo outras áreas de Santa Eufrásia. Executa a dívida de Maria Padilha Dias recebendo 15 alqueires de terra e a do Capitão João Pires Branco envolvendo
37
Op. Cit. 38
Anexo 2.
111
um Chalet "com armação para negócios e aposentos para moradia, forrado e assoalhado que possue em terras de Santa Eufrásia". Para concluir e, acreditamos, para ficar com uma propriedade sem "ilhas" de terceiros, compra 4 alqueires do casal Cornélio e Quitéria Padilha de Figueiredo.
É esta propriedade inteira que adquire o Coronel Horácio José de Lemos em 05/12/1905.
"As hipoteca foram na sua maioria executadas; as terras
abandonadas depois de consecutivas queimadas que não mais
surtiam os efeitos desejados. O café se dirigia para São Paulo ...
As casas nem sempre foram recuperadas com o mesmo fausto de
décadas anteriores. A monucultura cafeeira foi substituída pela
estagnação econômica e, posteriormente, pela agro-pecuária ... A
agricultura passa a ser de subsistência e para o comércio local. É
o fim do barão do café porém não de seu carisma. Este é
transferido para o coronel, dono da terra." (ROCHA, 1984, pág. 57)39.
O Coronel Horácio José de Lemos doa, em 13/08/1918, a propriedade à seus filhos e netos.
"e) Fazenda Santa Euphrasia, ocupando uma superficie
quadrada de 287 hectares e 6412,00...
d) á sua filha Alzira Lemos Inglez de Souza a Fazenda Santa
Euphrasia, descrita na letra e), sendo que, nesta fazenda, há um
engenho de canna e outro de café os quaes, com as respectivas
depedencias, para si reservam os doadores; (Anexo 2)
Alzira Lemos deixa em testamento a mesma fazenda à seus filhos Alzirinha e Francisco Herculano e, assim, voltamos ao item 1 do presente documento.
3. ACERVO IMÓVEL
3.1. A HISTÓRIA "Meu Filho
Apenas chegas da Europa vejo-te casado e fazendeiro, sem
nenhum conhecimento da agricultura usada entre nós. Alguns
momentos ocupei-me em escrever esta pequena Memória,
explicando-te os mais triviais usos e costumes de nossa
agricultura. Dedico-te este meu pequeno trabalho, afim de que
possa, sem esses obstáculos de que se acha rodeada a maior
39
Op. Cit.
112
parte dos nossos agricultores, entrar na vida laboriosa que vás
encetar..." (WERNECK, 1847)40
A instalação e construção de uma unidade agro industrial do café é de tal ordem complexa que o futuro 2º Barão do Paty do Alferes se vê obrigado a fazer uma Memória com as principais anotações que pudessem orientar seu filho na empreitada.
"O primeiro cuidado que deve ter o fazendeiro que de novo se
estabelece e que vai fundar uma fazenda é procurar aguada e, se
houver, tirar-lhe o nível com direção à melhor localidade.... e eis o
motivo por que muitos e grandes estabelecimentos estão sem
aformoseamento: porque as aguadas obrigam à vezes buscar um
sítio menos agradável,, mais trabalhoso e até dispendioso...
Apenas achado o lugar para sentar as máquinas que, se for
possível, devem ficar dentro do quadro da fazenda, tirará ou
mandará tirar a planta, com designação da casa de moradia, de
todas as máquinas que forem necessárias, os paióis e armazens,
de cavalariças, e senzalas para moradia dos pretos." (WERNECK, 1847)41
Este 'modelo' estabelecido por Werneck a partir de sua própria experiência vai vigorar em todo o Vale do Paraíba.
"As primeiras fazendas, assim como as posteriores, foram
planejadas como quadrados funcionais." (STEIN, 1990, pág. 47)42
Santa Eufrásia obedece este modelo como suas contemporâneas, aqui a água passa por trás do platô do terreno e foi represada para atender as necessidades de movimentar os engenhos, através da roda d'água.
"Os alojamento para as pessoas livres (casa de vivenda) eram
construídos no sopé do morro .... Ao redor do quadrado ficavam
alinhados os alojamentos dos escravos (senzalas), os armazéns
ou tulhas, os paióis, as casas de tropa, as estrebarias e os
chiqueiros. No centro do quadrado havia um largo pátio de terra
batida chamado de terreiro, poeirento no sol do inverno, um
lamaçal nas torrencias chuvas de verão. Esse núcleo de
40
WERNECK, Luiz Peixoto de Lacerda. Memória sobre a Fundação de uma fazenda na
Provincia do Rio de Janeiro 1847. In De Vassouras, História, Fatos e Gente. Comp. e Notas de BRAGA, Greenhalf H. Faria. Irmandade da Santa Casa da Misericórdia. Vassouras, 1978.
41 Op. Cit. 42
Op. Cit. A presente tradução do trabalho de STEIN, fala em "quadrados funcionais", no entanto, vamos continuar adotando a expressão "quadrilátero funcional" conforme entendimento com a Dra. Dora Alcantara do trabalho original em inglês.
113
construções era conhecido como a sede da Fazenda". (STEIN, 1990, pág. 47)43
O problema da pavimentação do terreiro de café será, posteriormente, resolvido com a colocação de lajes de pedra e/ou lajotas cerâmicas. No início será de barro, tão somente porque a mão de obra está toda ocupada na roça do café, seja tirando a mata, seja plantando o café, seja executando as construções básicas para o retorno financeiro do empreendimento.
O quadrilatéro funcional de Santa Eufrásia é apreendido de imediato, mesmo hoje quando não mais existem a maior parte das edificações que o compunham. No alto ao fundo, a casa de vivenda, o grande terreiro de café, o marco em pedra demarcando a linha das senzalas44, na lateral o açude. O terreiro de café foi totalmente desmontado, em seu lugar, um amplo gramado (Fig. 1). Segundo Alzirinha, ela própria, retirou o terreiro, primeiro para dar lugar à uma quadra de tênis e depois, arrependida, fez o gramado. O terreiro encontrado era em pedra, que Alzirinha utilizou nas diversas obras que fez no imóvel (vide 3.2).
"No entretanto, vós que tratais das obras, não vos deveis
esquecer das plantações. A primeira de vossas aberturas deve ser
grande e por tal forma feita, que para um lado da fazenda vos
fique terreno suficiente, reservado para pastos; no mais ameno e
próximo, uma boa quadra para o pomar que é útil e agradável, a
um lado do qual, porém debaixo da mesma cerca, deve ficar
desocupado terreno, suficiente para hortaliça, que deveis ter com
variedade para a vossa mesa. Para o outro lado deveis faze as
vossas plantações, ou seja, de café, de chá, ou de cana."
(WERNECK, 1847)45
43
Op. Cit. 44
Este marco, vide fotografias no Anexo 5, foi deixado por Alzirinha, segundo ela própria para demarcar o local final das construções da senzala que ela conheceu.
45 Op. Cit.
114
Na área entre o bosque e a 'cavalariça', encontramos, hoje. a quadra deixada para o gado. Em Santa Eufrásia não localizamos o pomar, mas sim um bosque que no dizer de Alzirinha teria sido traçado por Glaziou. À informação não temos condições de comprovar no momento, seja por documento, seja pela avaliação do local. O bosque encontra-se abandonado a muito tempo, acreditamos mesmo que desde a decadência econômica da fazenda, ainda no século XIX. Em uma só oportunidade visitamos o bosque, em 1985. Conseguimos visualizar alguns caminhos, drenos e algumas aléias de espécies, nada mais. Sem dúvida alguma, há um bosque projetado e construído por arranjo do homem.
O bosque tem que ser "útil e agradável".
"É, pois, tal o desmazelo que há sobre este importante ramo,
que mete dó e faz cair o coração aos pés daqueles que estendem
suas vistas à posteridade e olham para o futuro que esperam a
seus sucessores. O governo deve começar a dar atenção a este
estado de atrasamento em que cegamente marchamos,
ordenando que todos os fazendeiros sejam obrigados a plantar à
margem dos caminhos de suas fazendas certa porção de paus de
lei. O cedro v.gr., ... e outras árvores que, em 30 ou 50 anos, dão
excelente tabuado. Com este método se tira a dduplicada
vantagem da utilidade das madeiras e aformoseamento das
fazendas. (WERNECK, 1847)46
Há uma terceira vantagem na plantação do bosque, além da madeira e da beleza local, está se criando uma área de lazer no séc. XIX. Estes espaços somados às áreas da horta, tornam-se um recanto feminino. Um local onde as moças e as senhoras podem passear e tomar sol, sem se expor aos olhos dos "estranhos" - os de fora da casa.
Assim, está claro que, dos espaços sobreviventes, o terreiro do café (neste caso, o vazio dele), o açude e o bosque fazem parte da estrutura da fazenda no século XIX.
As demais construções vamos encontrá-las nos autos de penhora do imóvel.
"Bens de raiz = Uma casa de vivenda, forrada, assoalhada,
com sessenta e tres palmos de frente e cento e quarenta e quatro
ditos de fundos; um paiol contiguo á casa de vivenda, com cinco
lances, uma dita com oito lances com vinte palmos de frente, por
quarenta e sete de fundos; uma casa para empregados com sete
lances de dezoito palmos cada lance, dezeseis lances de
senzallas cobertas de telhas, uma casa de ferraria e pertences da
46
Op. Cit.
115
mesma; dois galinheiros cobertos de telhas, uma casa proxima ao
açude ..." (Anexo 2, 1884)
Num extrato subseqüente à este consta ainda mais informações:
"...cinco terreiros em quadro sendo quatro de cal e um de
pedra lavrada; um pomar..." (Anexo 2, 1884)
Aqui aparece o grande terreiro de café com seus 5 lances, sendo a maior parte de cal47. Ë de estranhar que no levantamento dos bens não se cite o pomar, dada a importância que tinha para a vida naquele período.
Nos Autos de Seqüestro, em 1895, constam os bens: "...constando de uma casa de moradia, oratório e seus
pertences, uma casa coberta de telha que serve de carpintaria,
um correr de casa na frente da casa de morada que serve de
tulhas e casa de empregados, um correr de senzallas na parte
lateral da fazenda, todas cobertas de telhas.... Addendum: -
Declaramos em tempo que fica sem effeito o sequestro que se
procedeo no oratorio e seus pertences, visto não fazer parte da
hypotheca ...", (Anexo 2, 1895)
Aqui, o registro do oratório. Está bem claro que não havia uma capela no interior da casa, mas sim um oratório. Infelizmente, este ficou fora da hipoteca, o que nos impede afirmar ser o que está na casa até hoje, o aqui listado. E, por fim os bens enumerados na avaliação de 1897:
"Uma casa coberta de telhas, assoalhada, com um moinho e
seos pertences, por [200$000]. Uma casa coberta de telha,
assoalhada, contendo o engenho de café e todo o machinismo
para o preparo do café por [12:000$000]. Uma casa coberta de
telhas, contendo o engenho de farinha, mamona e um moinho de
fuseis, em máo estado, por [?] por [1:000$000. Uma pequena
casa, coberta de telha, contendo um banheiro, por [20$000]. Uma
casa coberta de telha, que serve para ferraria da fazenda, e em
máo estado, por [80$000]. Uma casa coberta de telhas, com
quatro lances que serve para depósito de madeiras e
dependencias por [300$000]. Uma casa coberta de telhas, com
quatro lances, que serve para chiqueiro e cocheira por [150$000].
Uma casa assobradada, coberta de telha com sete lances que
serve para empregados, por [500$000]. Uma casa coberta de
telhas com oito lances, assoalhada, que serve para tulhas e
paioes de café e milho, por [800$00]. Uma casa com dezesseis
lances, coberta de telha e terrea, que serve para empregados, por
[500$00]. Uma casa coberta de telhas, com dois lances,
assoalhada, que ser para tulha de arroz por [100$000]. Uma casa
47
Terreiro de cal, se refere aos terreiros forrados com lajotas de barro rejuntadas com massa de cal, não acreditamos ser possível outra leitura.
116
terrea, coberta de telhas, em máo estado, por [50$000]. A casa de
vivenda, coberta de telha, forrada, assoalhada e envidraçada, por
[5:000$000]. Uma casa com quatro lances, coberta de telha e
assoalhada, em máo estado, por [200$000]. Um terreiro de pedra,
dividido em cinco quartos, por [1:000$000]...." (Anexo 2, 1897)
O terreiro de café, tem, agora, 5 lances em pedra, o que permite supor ter sido assim coberto entre 1884 e 1897. O que nos parece estranho pois a pedra, me terreiro de café, foi utilizada antes da lajota cerâmica. No próximo item será feita a análise dos imóveis.
Fica registrado que em 1897 haviam sobrevivido todas as edificações que compunham o quadrilátero funcional da unidade agro industrial do café.
3.2. OS IMÓVEIS
Sem duvida alguma, a Fazenda Santa Eufrásia chegou até a primeira metade do século XX com todas as suas edificações. Não há dúvida também, que algumas dessas construções deveriam estar em estado bastante precário.
A partir dos bens relacionados nos documentos de 1884, 1895 e 1897, somados a fotografia48 das construções, poderemos fazer um exercício de mapeamento das edificações que existiram na Fazenda Santa Eufrásia. Exercício este importante para se avaliar e analisar o que lá hoje encontramos.
Em 1884 há uma Casa de vivenda com 73 palmos de frente e 144 de fundos, um Paiol contíguo à casa de vivenda, 5 lances e uma dita com 8 lances com 20 palmos de frente por 47 fundos. A Casa de vivenda tem, portanto, 16.06m x 31.68m. Ora estas medidas são muito próximas da Casa hoje encontrada, 15,45 x 41,42m49. Sempre acreditamos que a casa grande fosse composta por esta e pela Cavalariça cuja interligação foi demolida. Não, está provado que a Casa de vivenda sempre foi a parte frontal próxima ao terreiro de café.
Um paiol contíguo, "que está em contato"50, isto é, em continuação a casa de vivenda está um paiol. Cada lance, conforme o item seguinte do texto, mede 20 x 47 palmos, ou seja, 4,40m x 10.34m, são ao todo 5 lances. O Paiol
48
A fotografia existe no álbum de retratos da Fazenda Santa Eufrásia é bastante nítida (vide Anexo 5), infelizmente na ocasião que tivemos acesso à ela, reproduzimos, ampliadamente, apenas o trecho da Casa e não o trecho inferior, onde aparecem as demais edificações.
49 Cada palmo mede 0.22m. As diferenças encontradas podem ter como causa a transposição
de uma unidade métrica para a outra. 50
FIGUEIREDO, Candido de. Pequeno Dicionário da Língua Portuguesa. Edição destinada exclusivamente ao Brasil. Lisboa, 1925, pág. 305 e 1013.
117
é uma construção com 22.00m de comprimento x 10.34m de largura e está junto a casa de vivenda. A Cozinha mede exatamente 11, 67m até o início do telhado da Sala de Jantar (vide fotografia, anexo 5) e 22,00 é a distância aproximada deste parede até a parede posterior da Cavalariça. Ou seja, o trecho demolido.
Por fim "uma dita", é muito comum nos textos dos século XIX esta citação para quando o item em questão é igual ao anterior. Neste caso, não ao anterior próximo, senão seria 'um dito', mas sim ao mais anterior ainda, 'uma casa', para que haja concordância de gênero. Assim uma outra casa com 8 lances. Isto nos reporta à uma casa com 35,20 x 10.34m.
Com o auxílio da fotografia, nos é permitido redesenhar as construções lá existentes, fig. 2. Só o documento de 1884 trás as medidas que permitem reconstruir o espaço, mas não há divergência quanto essas três edificações. Só quando as suas denominações.
Em 1895 não há citação do paiol, mas há a casa utilizada como carpintaria. A descrição de 1897, também não cita o paiol e, por não seguir a mesma ordem, impede de avaliar qual das casas citadas será a atual Cavalariça.
A descrição de 1884, continua com informações muito vagas sobre os demais imóveis, uma casa para empregados (7 lances de 18 palmos cada), 16 lances de senzala, uma ferraria, dois galinheiros e uma casa próxima ao açude. Esta última poderá estar em qualquer lugar ao longo do açude, difícil de confirmar.
No entanto, a descrição de 1895 situa algumas das construções. A primeira, um correr de casas (para tulhas e para empregados) na frente da casa de moradia. Ora, ora, sempre achamos que a frente da fazenda era a fachada que tem o Escritório, por este texto a fachada desloca-se para a
118
fachada lateral da Cozinha (vide item 3.3). Assim a descrição de 84, seguindo um padrão, segue a distribuição das edificações em torno do terreiro de café a partir da Casa de Vivenda, a casa próxima ao açude será, portanto, a ultima construção do quadrilátero funcional, onde hoje está, aproximadamente o marco de pedra. As senzalas ficam na lateral da casa.
Assim a pequena casa que aparece no canto superior à esquerda da fotografia será uma ponta das casas dos empregados e tulhas com 7 lances, com 27,72m. E a senzala está na parte inferior da mesma fotografia com 16 lances, 70.40m, se o lance for de 20 palmos como na casa, ou 63,36m se o lance for de 18 palmos como na casa dos empregados. Como não citou o número de palmos do lance optamos pelo maior já que a construção da fotografia é bem longa que a Casa de vivenda (41,42m).
No entanto, custa-nos crer que os textos mais antigos não citem o que há de mais nobre numa fazenda produtiva, as construções de serviço, os engenhos. Salva-nos a avaliação de 1897 que os cita com detalhes, como não há uma ordem para seguir, ficamos presos há algumas poucas evidências que dispomos. Somos obrigados a repetir a listagem para atualizá-las:
1. Moinho e seos pertences - junto ao açude pois carece de água para mover 2. Engenho de café e todo o machinismo para o preparo do café - ponto
nobre, tem que estar na frente (onde estão as senzalas) por estar mais próximo ao açude, fundamental para movimentar as máquinas.
3. Engenho de farinha, mamona e um moinho de fuseis - idem o anterior. 4. Pequena casa, contendo um banheiro - na foto há um casebre 'pendurado'
nos fundos, seria esta construção? 5. Ferraria da fazenda - sem localização. 6. Depósito de madeiras dependencias (4 lances) - idem anterior 7. Chiqueiro e Cocheira (4 lances) - na foto há um telheiro em nível mais
baixo, seria aí o chiqueiro? 8. Casa assobradada de empregados - o único local que permite um segundo
piso é exatamente na linha da senzala pois o terreno desce neste ponto; há na foto, claramente, um sobrado.
9. Tulha e paióis de café e milho - sem localização 10. Casa de empregados (16 lances) - é a antiga senzala 11. Tulha de arroz - sem localização 12. Casa térrea, em mau estado - sem localização 13. Casa de vivenda - sem dúvida 14. Casa em mau estado - sem localização 15. Um terreiro de pedra, dividido em cinco quartos - localizado. Teria o avaliador percorrido o trajeto oposto dos levantamentos anteriores? Partindo da primeira construção logo na chegada à fazenda, portanto, junto ao açude? O único ponto que impede a aceitação desta ordem é o item 11. Teriam as casas de empregados de 1884 se transformado em tulha de arroz, já que a senzala passou a ser aqui as casas dos empregados (item 10)? Este último não deixa dúvida, a senzala tinha 16 lances e aqui aparece a
119
casa de empregados com 16 lances, adaptada com a abolição da escravatura. Que fique claro, no século XIX haviam trabalhadores livres.
Com isto todo o quadrilátero está fechado e todo o sítio em torno da casa de vivenda é importante no contexto da unidade agro industrial do café no século XIX.
3.3. A ARQUITETURA
"Acervo: ... São nítidas as marcas das paredes demolidas, o
cômodo atual equivalia a dois quartos com janelas (onde hoje há
portas) para fachada principal. Um corredor atravessava saindo da
Sala de Música em direção de onde hoje há a lareira (saía no
banheiro do Quarto). Duas alcovas completavam o cômodo. Uma
dessas alcovas era o quarto do 'Chiquinho' (Francisco, irmão da
proprietária, falecido, pai das sobrinhas). Segundo D. Alzira ela
demoliu os cômodos numa briga comprada com o irmão. Ele
inistia em abrir uma porta ligando a Sala de Música a Sala de
Jantar, chegou a fazê-lo em duas oportunidades. D. Alzira (a mãe)
fechou. E. D. Alzirinha avisou que se tentasse demoliria o quarto
dele e o fez. Ela confessa que aproveitou a desavença para
realizar seu projeto de criar um salão com lareira. Além de puni-lo
por ter demolido grande parte do imóvel (da Cozinha em direção à
Cavalariça). Essa demolição foi feita por ele quando contava com
14 anos. A demolição dos quartos da Sala da Lareira ela crê ter
sido em 1941. O madeiramento do forro comprovam as
demolições." (Diário de Obras, 1995, pág. 7)51
A Casa de vivenda, já foi aqui quase que toda modificada, seja no seu contexto, no item anterior, seja nas modificações realizadas conforme o texto acima. De fato na Sala de Estar, o forro tem as divisórias que formavam 4 ambientes com um corredor ao meio. Não há vestígio na parede da Sala de Jantar para a Sala de Música que permita comprovar, sem prospecção, a porta que aí existiu. Na parede externa da Cozinha são claros os vestígios da demolição do paiol à ela contíguo. Na fotografia (Anexo 5) desta fachada aparece uma parede com 2 vãos quadrados (sem esquadrias) que iluminam um espaço vazio, criado entre a Cozinha e o exterior. Há, ainda aí, uma pequena porta criando um acesso alternativo ao interior do imóvel.
A planta baixa lá hoje encontrada pode ser esquematizada como na fig. 3. 51
Op. Cit. Muito embora não se pudesse, já naquela ocasião, confiar na memória de Alzirinha, os dados da arquitetura comprovam as modificações citadas, não necessariamente na ordem e na forma por ela declarados.
120
FIG. 3 - ESQUEMA DA PLANTA BAIXA ATUAL
Analisando a planta da Casa, a partir do Escritório, temos 4 cômodos nesta área: Qto1, Despensa, Escritório e Qto 2 e dois banheiros. Sem dúvida alguma, o Banheiro do Escritório formava, junto com o Corredor, um outro cômodo. O Banheiro do Qto2, deveria formar outro cômodo, não fosse a parede divisória estar na direção do Corredor existente na Sala de Estar. Assim, somos obrigados a transformar o Qto2 num só cômodo com o Banheiro. A Sala de Estar já sabemos como era. A Sala de Música passa a ser uma sala de estar e, para isso, deveria haver uma porta interligando-a à Sala de Jantar52. O Quarto Duplo eram dois quartos interligados e não tinham os acessos para o Quarto das Sacadas e para o Quarto 4. Os banheiros do Corredor e do Quarto de Vestir somavam-se em outro cômodo. A cozinha tem uma porta e 2 janelas para a fachada lateral que não se justificam com este uso. No entanto os documentos analisados dão esta como a fachada principal. Podemos supor que a planta baixa, antes das modificações, era como na figura 4.
FIG. 4 - ESQUEMA DA PLANTA BAIXA ANTERIOR
52
Que só poderá ser comprovada com prospecção, mas mesmo esta fica comprometida pelas lembranças de Alzirinha que insiste em dizer que o irmão foi quem abriu esta porta. Ou seria o contrário. Já que sendo a Sala de Estar quartos, teria que haver uma porta pois senão o acesso a Sala de Jantar seria por dentro dos quartos, situação não imaginável mesmo no século XIX.
Q1
Qto
Sala Sala de Jantar
Escr.
Sala
Quarto
Qto Sacadas
Qto
Vestir
Q3 Q4
Qto
Q2
Quarto Alcova Alcova
Alcova
Quarto
Alcova
Sala
Q1 Escr.
Quarto Duplo
Q3 Q4 Q2
Cozinha Sala de Jantar
B B
Qto
Vestir Qto Sacadas
Desp B
B
Sala de Estar Sala de Música
121
Duas perguntas cabem a partir deste último esquema, onde era a Cozinha e para que servia o Q2. No entanto, primeiro é preciso recuperar a informação sobre o Paiol. À princípio um paiol é destinado à depósito de pólvora e apetrechos de 'guerra'. No Documento de 1897 há um texto " Uma
casa coberta de telhas com oito lances, assoalhada, que serve para tulhas e
paioes de café e milho, por [800$00]. Há aqui um paiol que, tendo esta denominação, não atende a função que lhe é inerente, mas sim a função geral de um depósito. Até porque não faz sentido colocar-se um paiol junto a Casa de Vivenda, já que ele pode explodir, e, muito menos, junto a Cozinha. Acreditamos, portanto, que o paiol seja uma denominação genérica de um depósito importante para a vida da fazenda, quiça da Casa de Videnda. De qualquer forma as dimensões do Paiol permitem supor haver aí mais de uma atividade.
Por outro lado, a porta, ladeada por duas janelas não tem qualidade53 para que se confirme tratar de porta de acesso principal. No entanto, o forro em estuque da atual Cozinha nos garante que aí não funcionava nenhum fogão a lenha (por melhor que fosse a sua chaminé). Não há notícia que comprove haver uma cozinha do século com forro de estuque, a maioria das cozinhas sequer tinham forro.
Quanto ao Quarto 2 ele recupera, junto com a Sala de Música, a planta da Casa Brasileira, descrita por Vauthier. Duas salas que se intercomunicam através de um corredor para onde se abrem os quartos. Isto é perfeitamente visível quando recuperamos as informações da atual Sala de Estar. Este corpo se encontra ladeado por dois corpos quadrados, divididos em 4 cômodos (de uma lado o do Escritório e do outro o dos Quartos 3 e 4).
"Na medida em que os senhores do café entravam em contato
com o poder central ... a tendência foi de absorção e transposição
dos comportamentos adotados no Rio de Janeiro. Esta
transposição, feita na maioria das vezes simplificadamente, vai se
deparar com comportamentos arquitetônicos anteriores, já
enraizados de origem mineira de característica urbana. Se, por um
lado o corredor 'adotado nas plantas das habitações rurais é
dispositivo tipicamente urbano e de sentido claramente
discriminatório' e sua introdução 'envidencia um aburguesamento'
(N.G. Reis Filho), por outro lado é significativa a presença da
planta urbana oitocentista nas casas de fazenda. A sala fronteiriça
que se liga a uma outra posterior por meio de um corredor
ladeado de quartos é encontrada nas fazendas de Ubá
53
No entanto, é preciso registrar que Alzirinha tem conhecimento sobre técnicas construtivas do século XIX que permite à ela reproduzir qualquer estrutura com perfeição, quiçá na primeira metade do século XX quando era jovem.
122
(Vassouras), Prosperidade (Barra do Piraí) e Feliz Remanso
(Barra do Piraí). " (ROCHA, 1984, pág. 63)54
Tudo isto só faz um pouco mais de sentido quando tomamos conhecimento dos achados durante as obras do telhado.
Junto ao Quarto das Sacadas há um corte na água posterior do telhado eqüivalendo a tacaniça que forma sobre eles. A água posterior é bem maior que a água frontal. A linha da cumeeira não está no centro do imóvel, mas sim, sobre o centro da Sala de Música. Sobre o Quarto 1 e a Despensa houve outra tacaniça, cujos registros ainda se encontram no telhado: o espigão e o travejamento dos frechais na quina da Despensa limite com a Cozinha. Isto prova que toda a faixa da Cozinha até o Quarto Duplo é posterior, foi feita em acréscimo (fig. 5). Ou seja, a Casa de vivenda inicial se ampliou, sendo esta a casa mais primitiva. Sobre a parede divisória da primeira casa com a ampliação há ainda o emboço caiado de branco (por ter sido parede externa) e as marcas nos frechais do assentamento do telhado. No Corredor da Cozinha para a Sala de Jantar ainda é possível ver a ponta desse frechal.
FIG. 5 - CORTE ESQUEMÁTICO DO ACRÉSCIMO
Assim, a casa primitiva era o conjunto formada pela planta da Casa Brasileira e os dois quadrados que a ladeiam. A Sala de Música seria a Sala de Estar e a região do Escritório, a área de serviço. Com a ampliação55 da Casa se perde o seu agenciamento original, voltando-se a fachada para a lateral, agora fachada principal.
O desenvolvimento da atividade econômica é acompanhado pelo desenvolvimento da edificação.
54
Op. Cit. 55
Alzirinha, com os mesmos argumentos, sempre discordou, quando afirmamos se a faixa da Sala de Música a mais antiga e a da Sala de Jantar a mais recente. Ela considera o inverso.
Antes Área acrescida
123
"Tinha sido difícil fazer alterações nas fazendas na década de
1840, quando todos estavam concentrados na expansão da
agricultura e aquisição de escravos. Mas na década de 1850, a
opulência de Vassouras e dos centros vizinhos do café atraíram
artífices portugueses.. ou algum artesão francês, que encontraram
trabalho nas fazendas e nas cidades onde as artes e uma
consciência civil estavam rapidamente se desenvolvendo...
Os materiais usados para construção, as necessidades
básicas de alimento e abrigo, os métodos utilizados na agricultura,
da plantação ao beneficiamento - tudo isso imprimiu às fazendas
de café características comuns que os anos de grande expansão
ornamentaram e fizeram acréscimos, mas não conseguiram
mudar." (STEIN, 1990, pág. 66)56
Em Santa Eufrásia não temos como continuar a entender sua arquitetura enquanto não tivermos mínimos dados sobre a construção do Paiol. Mesmo a casa "dita de oito lances" que eqüivale a Cavalariça que, também, não pode ser avaliada com o que hoje lá se encontra. A parte frontal teve suas paredes externas demolidas e reconstruída (parte em tijolo aparente na fotografia, Anexo 5) e a parte de fundos não foi ainda levantada e se encontra em situação muito degradada.
Alzirinha sempre afirmou que utilizou as pedras do terreiro do café para fazer a calçada frontal da casa de vivenda e na Cavalariça, quando, acreditamos ter sido plantada a hera57 na fachada principal da casa. Esta hera, somada as diversas intervenções no imóvel, compromete sua conservação e, por isso, foi recentemente retirada.
Com isto todas as construções e seus materiais são importantes no contexto da compreensão da unidade agro industrial do café no século XIX, e, neste caso, do século XX.
[...]
5. O TOMBAMENTO
"Fazenda de Santa Eufrásia, em Vassouras, Estado do Rio de
Janeiro, com seus bosques e parque secular, inclusive a
edificação da sede com o respetivo mobiliário e objetos antigos,
relacionados no Processo nº 789-T-67" (pág. 22) 56
Op. Cit. 57
A questão do plantio da hera, sempre nos reportou a hipótese de Alzirinha querer uma imagem similar a de Eufrásia, do Museu Casa da Hera. Sua trajetória de vida é um pouco semelhante, viveu uma grande paixão não concretizada, descende da economia do café, tem vida independente e é voluntariosa, faz um testamento no qual não beneficia a sua família, mas sim terceiros, viveu as rusgas com as sobrinhas, tem um acervo móvel "muito melhor do que o da Casa da Hera" (como sempre faz questão de frisar), entre outros aspectos.
124
Ao se ler o texto acima transcrito a primeira impressão que se tem é que toda a propriedade denominada FAZENDA SANTA EUFRÁSIA está tombada. No final do texto diz-se: " relacionados no Processo nº 789-T-67" sendo que a única relação (relacionado) constante do Processo é a dos bens móveis. No entanto, é clara a intenção do que é o bem tombado na leitura do parecer do Arquiteto Dr. Augusto Carlos da Silva Telles:
"1. As Senhoras Da. Alzira Lemos Inglez de Souza e Alzira
Inglez de Souza estão propondo a esta Diretoria o tombamento da
Fazenda Santa Eufrásia, no município de Vassouras,
compreendendo os seus bosques, o seu parque e a edificação da
sede nela incluindo-se, também o mobiliário, liteira, carruagens e
objetos ali existentes." (Processo nº 789-T-67, pág. 2).
Complemente-se com o Parecer do Relator do Processo, Dr. Paulo F. Santos:
"A casa da Fazenda Santa Eufrásia tem superior interêsse
como testemunho de uma época de que são raros os
remanescentes com tamanha autenticidade: a começar pela
fachada estirada, tratada com grande singeleza e encanto,
precedida de um gramado que lhe realça as qualidade de boa
arquitetura e emoldurada na mata basta, que complementa o
quadro e lhe acrescenta sedução; depois, tem o bosque, que o
maior dos nossos paisagistas admirou deslumbrado; e finalmente,
o mobiliário, os objetos, a liteira, as carruagens, que lhe
conservam aquilo que nas casas de moradia, mais se deve
preservar e que mais raro se vai tornando: a atmosfera evocativa
da ápoca em que a casa doi construída e um palpitação de vida
que sem êles teriam totalmente desaparecido". (Processo nº 789-T-67, pág. 10).
Nada mais precisa ser acrescentado para explicar a necessidade de se demarcar a área física que abrange estas duas descrições do que tem como tombado na Fazenda Santa Eufrásia. Em momento algum, poder-se-á traduzir a súmula do bem tombado como A Fazenda, mas tão somente uma área geográfica que abrange o descrito no processo de tombamento.
E, é tão somente, isto que o presente trabalho se propõe. Tal como o feito para o acervo móvel - estabelecer o que é cada um dos itens constantes da listagem inclusa no processo -, deve se estabelecer a linha que define a área tombada e, conseqüentemente, o seu entorno.
No entanto, para sermos coerente com toda a história aqui levantada nos itens 2 e 3, esta linha deve abranger, o mais possível, a área geográfica palco das relações de uma fazenda de café no século XIX. [...]
125
5.1. O ACERVO IMÓVEL
Compreende a área tombada, abrangendo todos os elementos descritos no Processo nº 789-T-67, a área assim descrita e constante da planta do ANEXO 5:
- Área 1. Fazenda Santa Eufrásia. É constituída pela polígono que parte do ponto 1 localizado na Estrada que liga à BR 393 e distante 260,00m da Casa de Vivenda na quina do Quarto 4 - ponto 0, deste ponto 1 numa reta de 675,00m ou o equivalente para atingir o córrego existente após o bosque no ponto 2 - que dista 250,00m da divisa da Fazenda na reta de 320,00 na direção SW 49º00' -, deste ponto 2 em linha sinuosa acompanhando o córrego numa distância de 285,00m até o ponto 3, deste ponto, em linha reta de 730,00m, no alto do morro, ponto 4, e deste ponto até a Estrada para a RJ 127, via Fazenda Campo Alegre, à 180,00m - ponto 5 -, e deste ponto percorrendo a referida Estrada à uma distância de 190,00m - ponto 6 -, e deste ponto até o córrego à uma distância de 320,00m - ponto 7 -, e deste ponto até o ponto 1 numa distância de 250,00m, perfazendo um total de 277.412,00m2. Compreende o tombamento o acervo imóvel e móvel, como também as peculiaridades do terreno, e, particularmente, sua arborização.
5.2. O ENTORNO Compreende a área de entorno do Bem Fazenda Santa Eufrásia, todas as
terras que compreende, nesta data, a mesma Fazenda, estando inclusos nesta área de entorno a Estrada de terra que interliga a referida sede da Fazenda - área tombada - à BR 393, assim como a Estrada de terra que interliga a mesma fazenda à Estrada RJ 127 passando pela Fazenda denominada Campo Alegre, tudo conforme a planta em anexo.
Esta planta, cedida por uma das co-proprietárias passa a ser o desenho sobre o qual se estabelece a área de entorno. Ela não é, necessariamente a planta das terras da Fazenda Santa Eufrásia, podendo inclusive haver discordância com a escritura do imóvel. O topógrafo que a levantou alerta que será, no futuro, necessário fazer súplica em juízo para corrigir os limites reais da propriedade. No entanto, isto não invalida a demarcação do entorno.
São parâmetros para intervenção na área tombada da Fazenda Santa Eufrásia - proposta no ANEXO 7:
a) Haver registros iconográficos e gráficos que permitam recuperar a volumetria que aí existiu.
São parâmetros para divisão e desmembramento e ocupação da área de entorno a Fazenda Santa Eufrásia:
126
a) Desmembramento em áreas mínimas de 30.000m2 (trinta mil metros quadrados);
b) A taxa de ocupação máxima para construção nestas áreas é de 0,5% (zero vírgula cinco por cento)
c) As edificações terão gabarito máximo de 6.00m (seis metros) incluída a cobertura se esta não for de telha de barro e excluída a cobertura se esta for de telha de barro
d) As construções manterão um afastamento mínimo de 200,00m (duzentos metros) de qualquer uma das divisas com a Área 1 (área tombada);
e) As construções manterão um afastamento mínimo de 200,00m das linhas divisórias com as estradas existentes na atual Fazenda Santa Eufrásia;
f) É obrigatório manter e preservar as áreas de cobertura vegetal existente em qualquer área remanescente desmembrada ou não da Fazenda Santa Eufrásia
g) É obrigatório promover o reflorestamento de, no mínimo, 10% da área que for desmembrada da Fazenda Santa Eufrásia
h) Todo e qualquer elemento divisório a ser utilizado nas áreas desmembradas ou não da Fazenda Santa Eufrásia deverá receber tratamento paisagístico - tipo cerca viva - se for elemento construído, exceto para as cercas do tipo arame farpado
i) Nenhuma construção poderá ser iniciada antes da manifestação formal favorável pelo IPHAN, do devido projeto
j) O IPHAN poderá determinar outras medidas mais restritivas de acordo com o Decreto Lei 25/37 para garantir que nenhuma edificação seja incluída no campo visual da sede da Fazenda Santa Eufrásia
127
6. CONCLUSÃO "Fazenda de Santa Eufrásia, em Vassouras, Estado do Rio de
Janeiro, com seus bosques e parque secular, inclusive a
edificação da sede com o respetivo mobiliário e objetos antigos,
relacionados no Processo nº 789-T-67" (pág. 22)
1. Não há discordância entre o aqui analisado e o Processo de Tombo. 2. É fundamental anexar ao Processo nº 789-T-67 as informações que lhe
são complementares e esclarecedoras sobre o objeto tombado no monumento Fazenda Santa Eufrásia.
3. É fundamental remeter cópia aos proprietários da planta com a demarcação do imóvel - área tombada e seu entorno - e da listagem dos objetos móveis tombados para que fiquem cientes.
4. O presente trabalho não conclui a pesquisa histórica sobre os personagens e os objetos da Fazenda Santa Eufrásia, apenas resume o necessário para a compreensão do bem tombado.
Submeto à apreciação superior.
Vassouras, 14 de maio de 2001.
______________________________________________________
Isabel Rocha Ferreira
Arqª Responsável
Matr. SIAPE 223335
128
ANEXO FOTOGRÁFICO
Figura 45 - Registro de terra Ezequiel de Araujo Padilha. Fonte: Arquivo do Estado do Rio de Janeiro.
129
Figura 46 - Avaliação dos bens de raiz da Fazenda Santa Eufrásia, 1890. Fonte: ANS, Processo de Tombamento, Anexo II.
131
Figura 48 - Ata Conselho Consultivo, 02/09/1969. Fonte: IPHAN, Acervo on line.
Figura 49 - Ata do Conselho Consultivo, 21/01/1970. Fonte: IPHAN, Acervo on line.
132
CASA DE VIVENDA
Figura 50- Fazenda Santa Eufrásia, processo 789-67-T. Fonte: ANS, I.RJ-376.01 .
Figura 51 - Fachada posterior da casa de vivenda, 1968. Fonte: ANS, I.RJ-376.01.
133
Figura 52 - Fazenda Santa Eufrásia, meados do séc. XX. Fonte: ETMP-RJ, Acervo digital.
Figura 53 - Fachada Casa de Vivenda, séc. XX.
Fonte: Acervo Particular Fazenda Santa Eufrásia.
134
Figura 54 - Obra emergencial do telhado da Casa de Vivenda, 1995.
Fonte: ETMP-RJ, Obras emergenciais.
135
Figura 55 - Retelhamento da Casa de vivenda, obra emergencial 1995.
Fonte: ETMP-RJ, Obra emergencial.
136
Figura 56 - Fachada Casa de Vivienda, 2001.
Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital.
Figura 57 - Fachada posterior Casa de Vivenda, quartos dos fundos, 2001.
Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital
137
Figura 58 - Lateral Casa de Vivenda, 2001.
Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital.
Figura 59 - Fachada da Cozinha, 2001.
Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital.
138
Figura 60 - Copiar, 2002.
Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital.
Figura 61 - Detalhe do Telhado, com barras de metal, restauração em 1994.
Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital.
139
Figura 62 - Telhado, Casa de Vivenda. Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital.
Figura 63 - Telhado da Casa de Vivenda. 2007.
Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital.
140
Figura 64 - Telhas de vidro, Casa de Vivenda, 2007.
Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital.
Figura 65 - Interior do telhado da Casa de Vivenda, 2007.
Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital.
141
Figura 66 - Vão entre os telhados, 2007.
Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital.
Figura 67 - Telhado entre a Cozinha e Sala de Jantar, 2013.
Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital.
142
Figura 68 - Casa de Vivenda, estuque, 2008.
Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital.
Figura 69 - Estuque Sala de Jantar, 2013.
Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital.
143
Figura 70 - Piso do quarto da sacada - Casa de vivenda, 2012.
Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital.
Figura 71 - Degradação de um dos banheiros.
Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital.
144
CAVALARIÇA
Figura 72 - Cavalariça, 2002.
Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital.
Figura 73 – Fachada lateral da Cavalariça, 2009.
Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital.
145
Figura 74 - Fachada posterior da Cavalariça, 2009.
Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital.
Figura 75 - Degradação da fachada - Cavalariça, 2009.
Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital.
146
Figura 76 - Pau a pique - Cavalariça, 2009.
Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital.
Figura 77 - Degradação de uma das paredes internas da Cavalariça. Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital.
147
Figura 78 - Tijolo, Cavalariça, 2008.
Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital.
Figura 79 - Escoramento da cavalariça, 2010.
Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital.
148
ARMAZÉM
Figura 80 - Armazém, 2010.
Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital.
Figura 81 - Portas - Armazém, 2010.
Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital.
149
AÇUDE
Figura 82 - Visão frontal do açude. Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital.
Figura 83 - Lateral do açude, 2008.
Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital.
150
Figura 84 - Açude - Escoamento da água, 2008.
Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital.
Figura 85 – Açude - Parede de pedra, 2009.
Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital.
151
Figura 86 - Degradação da parede do Açude, 2009.
Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital.
Figura 87 - Buraco próximo a parede de contenção do açude.
Fonte: ETMP-RJ, Acervo Digital.
152
Figura 88 - Perímetro Tombado em estudo pelo IPHAN.
Fonte: ANS, Processo de Tombamento, anexo II.