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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA
MESTRADO EM HISTRIA SOCIAL DAS RELAES POLTICAS
Maria Helena de Almeida Macedo
PODER E COMUNICAO:
A EMERGNCIA DO MARKETING NA POLTICA
CAPIXABA DA DCADA DE OITENTA (1980)
Vitria 2007
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Maria Helena de Almeida Macedo
PODER E COMUNICAO:
A EMERGNCIA DO MARKETING NA POLTICA
CAPIXABA DA DCADA DE OITENTA (1980)
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Histria do Centro de Cincias Humanas e Naturais da Universidade Federal do Esprito Santo, como requisito parcial para a obteno do grau de Mestre em Histria, com rea de concentrao em Histria Social das Relaes Polticas, elaborada sob a orientao da Prof Dr Mrcia Barros Ferreira Rodrigues.
Vitria 2007
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Dados Internacionais de Catalogao-na-publicao (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Esprito Santo, ES, Brasil)
Macedo, Maria Helena de Almeida, 1957- M141p Poder e comunicao : a emergncia do marketing na poltica
capixaba da dcada de 1980 / Maria Helena de Almeida Macedo. 2007.
190 f. : il. Orientadora: Mrcia Barros Ferreira Rodrigues. Dissertao (mestrado) Universidade Federal do Esprito
Santo, Centro de Cincias Humanas e Naturais. 1. Estratgia. 2. Comunicao. 3. Marketing poltico Esprito
Santo (Estado) Histria. I. Rodrigues, Mrcia Barros Ferreira. II. Universidade Federal do Esprito Santo. Centro de Cincias Humanas e Naturais. III. Ttulo.
CDU: 93/99
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Resumo
Este trabalho analisa a estreita relao que se registra na contemporaneidade entre poder,
poltica e comunicao, com nfase aos caminhos percorridos no Esprito Santo pelo
marketing poltico em geral e, em particular, por jornalistas, atores que dominam esse
campo social desde a dcada de 80 do Sculo XX, quando se registra a emergncia de
outras prticas que no as tradicionais no cenrio poltico capixaba.
Discute que mecanismos e estratgias os profissionais de comunicao utilizaram para
penetrar e intervir nos processos polticos, ao mesmo tempo em que constituam poder em
si no mbito deste cenrio.
Para tanto, resgata as origens do marketing poltico no Esprito Santo, acompanha seu
amadurecimento e consolidao. Vai, ainda, aos detentores de poder poltico em duas
dcadas, para identificar de que modo se relacionaram com os bastidores no revelados do
poder e com as estratgias de comunicao dominantes na sociedade do espetculo, onde
reina o que parece ser.
Palavras chave: estratgias, comunicao, poder e espetculo.
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Abstract
This study analyses the close relationship that exists in the present time between power,
politics, and communication, with focus on the history of political marketing in the state of
Esprito Santo in general, and, in particular, the work of journalists actors who have
dominated this social arena since the 1980s, when practices other that the traditional ones
emerged in the political setting of Esprito Santo. It also discusses the mechanisms and
strategies the professionals of communication have used to penetrate and interfere in the
political processes while acquiring power themselves in this context. In order to do so, this
paper goes back to the origins of political marketing in Esprito Santo, and follows it during
its growth and consolidation. It also follows the holders of political power for two decades
in order to identify how they relate to the unrevealed power behind the scenes and the
communication strategies prevailing in the society of the spectacle, where appearances rule.
Key-words: strategies, communication, power and spectacle.
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Dedicatria
Transfiro toda a energia contida neste trabalho minha me, Antnia, que insistiu desde
sempre para que todos em casa tivssemos a melhor escola. E a meu pai, Antnio. Sbio,
ele acatava-lhe todos os desejos, sobretudo se objetivassem elevar em ns o padro do
intelecto. Eles so a razo de eu seguir querendo aprender. Obrigada por no terem sado de
perto, pela fidelidade e pelo olhar orgulhoso de quem ensina por amor. O desejo mais
profundo que instalaram em mim transmito agora aos meus filhos adolescentes, a quem
declaro publicamente amor e gratido. Arthur e Ana Carolina, vocs so um facho de luz
me fazendo caminhar pela estrada mais clara. Finalmente, quero dedicar este trabalho a
Abel, Rose, Jlia, Jos Luiz, Marcos, Lana, Eliana e Luciana, irmos queridos que
partilham comigo desafios e alegrias desde a infncia. E aos afetos do passado, do presente
e do futuro, porque a vida se faz de muitos amores e porque, de cada um, carrego aquilo
que tambm me transforma.
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Agradecimentos
Este trabalho no teria sido possvel sem o estmulo constante da professora Mrcia Barros
Ferreira Rodrigues, que com grande empenho e interesse acompanhou o desenvolvimento
das pesquisas, apostando num desfecho altura do que merece a Histria.
Teria sido mais difcil atravessar desafios sem a valiosa contribuio do colega Cludio
Mrcio Coelho, que disponibilizou valioso auxlio desde os primeiros dias do mestrado.
Jornalista que sou, me ajudou principalmente a compreender e articular a linguagem
prpria do meio, para a entender a perspectiva habitual s Cincias Sociais.
Aos jornalistas Willian Abreu e Maura Miranda agradeo pela preciosa contribuio, vez
que revisaram datas e eventos aqui enfileirados, assim como agradeo a participao de
atores do perodo sob recorte, que nos permitem agora um panorama do Esprito Santo da
dcada de 80 do Sculo XX. Acessando arquivos pessoais, reconstroem e analisam comigo
parte da nossa histria poltica.
Aos professores e funcionrios igualmente externo gratido, numa atitude inspirada nos
monges do Oriente: em sereno e profundo silncio. Obrigada, muito obrigada!
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Sumrio
1. Apresentao
Muito poder e poder nenhum.............................................................................. 9
2. Introduo
Penso, logo infiro: a propaganda mesmo a alma do negcio..........................12
Um case de sucesso............................................................................................18
Bruxos e milagres...............................................................................................23
3. Dissertao
3.1. Captulo I
Dcada de 80 do sculo XX perdas e ganhos .................................................27
O marketing poltico...........................................................................................35
Por qu Albuno impressionou tanto?.................................................................38
A importncia da televiso................................................................................. 40
Consolidao...................................................................................................... 45
O papel das pesquisas de opinio....................................................................... 47
O primeiro instituto de pesquisa capixaba.......................................................... 50
3.2. Captulo 2
Marketing, poltica e poder..................................................................................57
Mitos so produzidos...........................................................................................62
A construo de reis no Brasil..........................................................................64
Quem produziu reis no Esprito Santo?............................................................68
3.3. Captulo 3
A emergncia do marketing na trajetria das campanhas....................................76
Quem era Albuno Azeredo?................................................................................81
As impresses da marqueteira..............................................................................85
O outro lado da trincheira.....................................................................................89
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O bruxo primeiro...................................................................................................91
Outros fatos da mesma histria.............................................................................95
Os documentos....................................................................................................103
Perdeu, mas ganhou.............................................................................................107
A cena poltica vista de pontos estratgicos........................................................111
3.4. Captulo 4 Galeria de governadores: a tica de quem esteve no poder.................................118
Do rdio para a poltica........................................................................................125
Max Mauro na histria poltica............................................................................136
Max e o divisor de guas......................................................................................142
Hora e vez de Albuno Azeredo...........................................................................155
4. Consideraes Finais.....................................................................................169
5. Referncias.....................................................................................................173
6. Anexos.............................................................................................................178
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1. Apresentao
Muito poder e poder nenhum
Mineira do interior, aos 18 anos decidi vir para a capital do Esprito Santo com a idia clara
e definida de cursar Jornalismo na Universidade Federal. Aos 21, ainda estudante, dei incio
s atividades profissionais como reprter na Rdio Esprito Santo, mantida pelo Governo
do Estado. O prestgio que a emissora tinha poca somado repercusso do trabalho feito
com vigor resultaram num convite para um teste na emissora que retransmitia o sinal da
Rede Globo, a TV Gazeta, recm-inaugurada. Aprovada, passei a produzir reportagens de
toda sorte na mdia de maior alcance daqueles dias em poltica, polcia, esporte, cidade. A
funo me permita freqentar o Palcio Anchieta e outros pontos de concentrao de poder,
como a Assemblia Legislativa ou a sede da administrao municipal.
Joo Batista de Figueiredo era candidato Presidncia da Repblica e viajava o Pas em
campanha, ainda que aquela no fosse uma eleio livre. Fui designada, com outros
reprteres, para cobrir a visita que o futuro presidente faria ao Bar Santos, famoso na Vila
Rubim, Centro de Vitria. Apesar da enorme multido que disputava cada centmetro de
cho, consegui o improvvel: chegar perto, escalar uma mesa e entrevistar o general
arredio. Azar dos azares, no empurra-empurra da multido, meu cinegrafista deixou
desplugado o cabo de udio da cmera. A matria, sem som, no pde ir ao ar. Nem minha
consagrao como reprter corajosa e atrevida, porque o general metia medo, tamanha a
braveza com que costumava dirigir-se imprensa. Seu mal-humor era notrio e valorizado
pela mdia, mesmo antes de assumir o Palcio do Planalto como ltimo dirigente da Nao,
na vigncia do Regime Militar.
Anos mais tarde eu refletia: no fosse o fato de ser jornalista, jamais teria vivido aquele
episdio. Nem aquele nem outros tantos, porque o jornalismo tem essa peculiaridade:
aproxima quem no tem poder nenhum de quem tem poder de muitas naturezas e dimenso:
polticos, empresrios renomados, pessoas de destaque na sociedade, lideranas de toda
sorte, atletas, cientistas, artistas consagrados.
A mesma atividade me aproximou de vez dos polticos. Porque me relacionava com
profissionais que alguns anos frente fariam a comunicao das campanhas eleitorais a
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partir dos anos 80 do Sculo XX, tive acesso ao mundo deles, no momento em que emergia
uma nova fase nos termos das relaes entre atores de dois campos sociais distintos:
estreitavam-se os vnculos entre profissionais de comunicao e homens detentores de
poder poltico.
Muito mais tarde, depois de cursar ps-graduao em Marketing Empresarial, na Faculdade
Cndido Mendes de Vitria, durante uma campanha da qual participei em Jaguar, regio
Norte do Estado, desejei compreender tal relao numa perspectiva mais profunda,
inclusive porque o candidato que defendamos, Rogrio Feitane, saiu vitorioso. Foi uma
eleio realizada em maio de 2004, fora, portanto, do perodo convencional, porque o
candidato eleito, Francisco Flor, acusado pelo adversrio Domingos Svio de ter se
desencompatibilizado do cargo de prefeito para tentar a reeleio depois do perodo exigido
de seis meses, teve que renunciar por deciso do Tribunal Regional Eleitoral.
O clima intenso de disputa no municpio de apenas 20.000 habitantes, distante da capital
200 KM, me estimulou a reflexo. Primeiro porque campanhas no interior tm contornos
distintos das campanhas realizadas nas grandes cidades. Depois, porque era possvel
observar de que modo amos, aos poucos, nos integrando s especificidades da comunidade
local e ela a ns, assimilando conceitos e ferramentas que levvamos para a comunicao
com o eleitor atravs dos canais possveis onde no h retransmissores de televiso.
J como aluna do mestrado em Histria Poltica das Relaes Sociais, por via das reflexes
propostas pela Histria e pela Sociologia, compreendi a fora das mdias nesta que se
denomina sociedade do espetculo. Na contemporaneidade, comunicao poder, porque
produz espetculo, parte da natureza mais gritante desse perodo. A partir desse conceito,
assumi o desafio de analisar as circunstncias em que o marketing se inseriu no contexto da
poltica do Esprito Santo, enquanto sua presena tambm se fortalecia dos grandes centros
urbanos do pas. Pesquisando as campanhas da dcada de 1980, sobretudo as de Max
Mauro e Albuno Azeredo para o Governo do Estado, em 1986 e 1990, respectivamente,
quando o marketing surge e se fortalece nesse cenrio, pude analisar de que modo os
profissionais de comunicao passam a se articular com o poder no sentido clssico do
termo.
Seguindo o fio condutor proposto pelas pesquisas, possvel identificar os atores mais
importantes do processo que faz o marketing emergir no cenrio poltico capixaba e
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compreender que comunicao poder, porque refora o poder constitudo e transfere
poder do ambiente aos que transitam pelo seu interior.
Como forma de aprofundar as pesquisas, aps seguir a trajetria do marketing, fui s
expresses mximas de poder poltico entre meados das dcadas de 70 e 90, no Esprito
Santo, para entender de que modo se conduziram at ele e se relacionaram com as prticas
introduzidas pelo marketing. O contato com essas fontes, homens que governaram o
Esprito Santo, permitiu inferir que o marketing muito, mas no tudo. Permitiu, ao
mesmo tempo, outra concluso: a comunicao esteve sempre muito presente nos processos
de construo da imagem dos homens pblicos.
Mas a atividade poltica se traduz numa srie de outras variveis to expressivas quanto as
estratgias de comunicao sustentadas, cada vez mais, pelas sondagens de opinio:
articulao entre lideranas, acordos e interesses de grupos polticos ou pessoais, simpatias
e afinidades, afetos e desafetos, rancores e preferncias, flexibilidade e disciplina, vigor e
competncia na conduo do jogo em movimento permanente. O marketing uma das
peas do tabuleiro onde se escreve a histria poltica contempornea.
O mercado eleitoral tem no, marketing, local da criao dos produtos com que vai seduzir o
eleitor, porque como ocorre em qualquer outro mercado, o eleitor precisa ser atrado,
conquistado e convencido para da tomar decises. Reconhecidamente, a inteno
fascinar o pblico e emocionar as campanhas. preciso, antes, que o candidato vena uma
srie de barreiras e obstculos. O financeiro desponta como dos mais importantes, porque a
publicidade nos nveis e padro de qualidade demandados pelo espetculo da modernidade
com o fim de afastar para longe o tdio da poltica e o vazio da vida, encarece as
campanhas, criando vnculos de dependncia entre candidatos e financiadores deste
mercado.
Por isso, a relao marketing, poder e poltica indissocivel. Acompanhar a histria desse
vnculo no Esprito Santo, particularmente na cidade de Vitria nos anos 80, objetivo
maior deste trabalho.
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1. Introduo
Penso, logo infiro: a propaganda mesmo a alma do negcio
Histria e poder so como irmos siameses separ-los
difcil: olhar para um sem perceber a presena do outro
quase impossvel (Falcon).
O mundo poltico misterioso. Embora o esforo para a cobertura diria das mdias, seus
bastidores permanecem mais incgnitos que anunciados. A impermanncia de posies
outra marca constante deste universo. O ex-governador Eurico Rezende definiu, desta
forma, o cenrio que tentava descrever aos reprteres, numa entrevista coletiva, realizada
em frente ao Palcio Anchieta, sede do governo. Poltica como as nuvens no cu.
Quando se olha, est de um jeito. No instante seguinte, olha-se novamente, est de outro1.
Eurico talvez quisesse prevenir aos jornalistas que no se surpreendessem com os fatos da
corrida sucessria que acompanhariam a seguir, em 1982, responsveis que eram pela
cobertura dos eventos de natureza poltica para os jornais, rdio e televiso, no Esprito
Santo.
Constituir poder neste universo pleno de jogos surpreendentes implica fatores diversos,
circunstncias inesperadas e, acima de tudo, vigor e habilidade. Poltica no um jogo para
acomodados. S os positivamente ambiciosos, em termos pessoais ou sociais, vo encontrar
nimo e travar as lutas que se inserir e permanecer no poder implicam. Se o jogo oscila, h
de permanente, nsito mesmo dinmica de sua estrutura, a propaganda. No se faz poltica
sem que se conquistem adeptos pela via da divulgao insistente. Sempre foi assim, desde
tempos mais antigos at a atualidade, quando o papel das mdias cresce em dimenso e
importncia, porque comunicao se relaciona muito de perto com poder, se inscrevendo na
histria poltica recente.
1 Originalmente, a frase atribuda ao poltico Jos de Magalhes Pinto, que governou o estado de Minas Gerias entre 1961 e 1966, e foi tido, sempre, como um dos principais artfices da Revoluo de 64.
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Do conjunto de recursos e ferramentas que conduzem homens ao poder, na
contemporaneidade, encontra-se, complexo e sofisticado, o marketing poltico, que no
cessa de atrair o interesse de analistas de reas diversas, no Brasil e no mundo, sobretudo
porque, ao interagir com o poder das foras pblicas e suas especificidades, a comunicao,
instrumento do marketing, concentra poder em si mesmo.
No Esprito Santo, os registros que deixou e vem deixando, no transcurso dos ltimos 20
anos, esto, segundo observo, requerendo esforos para que sejam compreendidas, como
forma de nos aproximar de um valioso objeto ainda inexplorado. Assim, dou incio s
reflexes sobre o tema retroagindo trs dcadas, embora o recorte temporal aqui proposto
privilegie os quase dez anos que separam 1982 de 1990.
Consolidado em grandes cidades brasileiras em perodos eleitorais, o marketing introduz-se
na poltica do Esprito Santo no incio da dcada de 80 do sculo XX para ganhar fora
como segmento autnomo de mercado ao final desta dcada e incio dos anos 90 do mesmo
sculo. Foi a soma de circunstncias polticas aos saberes e habilidades de profissionais de
destaque na imprensa capixaba que transformou em realidade o projeto eleitoral de
inmeros candidatos, mas nenhum menos provvel, de incio, que o de Albuno Azeredo
para o cargo de governador do Estado, elevando o marketing, em seu conceito moderno,
condio de ferramenta indispensvel e indissocivel da poltica entre os capixabas, tal qual
acontecia, concomitantemente, em diversos outros pontos do Brasil.
Segundo os relatos da pesquisa, podemos inferir que a vitria de Albuno foi possvel a
muitos fatores. Um dos mais significativos, segundo minha percepo, a interferncia de
profissionais de comunicao que passaram, a partir de ento, a desempenhar funes de
agentes de transformao no cenrio poltico local. Cenrio que conhecia, at ento, formas
de apresentao de candidatos e suas propostas ao pblico alvo, o eleitor, exclusivamente
tradicionais, baseadas em prticas intuitivas e nas relaes interpessoais.
Os marqueteiros surgem ao mesmo tempo em que se registra o ingresso definitivo dos
veculos de comunicao de massa em campanhas, com suporte indispensvel de dados
cientficos produzidos a partir das pesquisas de opinio, conforme julgo possvel provar a
partir dos estudos a que me proponho.
Na condio de jornalista atuando em rdio, jornais e televiso desde 1979, acompanhei o
desenrolar do processo, porm, sem o saber e a maturidade apropriados para avaliar, na
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totalidade, o que acontecia em termos de importncia histrica, naquele momento. Foi
graas aos estudos que o Mestrado em Histria Social das Relaes Polticas me
possibilitou, que hoje avalio os fatos com censo mais moldado e refinado. Aps intenso
contato com pensadores clssicos e contemporneos que ajudaram e ajudam a formular
concepes para a compreenso do universo no mbito do social e do indivduo, constitu
novo olhar para ver e enxergar, analisar e inferir em alcance mais amplo e profundo o
cenrio que vi se formar naquele perodo, porque se as Cincias Sociais se ocupam de
observaes daquilo que tem presena recorrente nas relaes entre grupos de indivduos
para da formular generalizaes tericas, a Histria por sua vez relaciona-se com este
projeto no sentido de conferir uma reflexo sobre a temporalidade entre o Poder e
comunicao e a emergncia do marketing poltico no Esprito Santo da dcada de 80,
porque a poltica , em si, campo dos mais relevantes nas sociedades contemporneas.
Dentre as muitas obras que analisei, uma delas, Poltica, Sociologia e Teoria Social, de
Giddens, traz aos profissionais de outras reas que no as cincias sociais, no meu caso, o
jornalismo, panorama bastante abrangente dos tericos que pensaram as relaes sociais
nos dois ltimos sculos, at chegar aos pensadores contemporneos. Foucault, para a
construo deste projeto, aparece como dos mais oportunos, medida que transfere para o
indivduo o principal campo de poder na contemporaneidade. Em Foucault, o poder se
converte em fenmeno misterioso, que assola por toda parte e subjaz todas as coisas. Ele
no possui uma primazia lgica sobre a verdade. No se concentra nas mos nicas do
Estado ou dos meios de produo capitalista. O poder, em Foucault, negociado.
O poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que s funciona em cadeia. Nunca est localizado aqui e ali, nunca est em mos de alguns, nunca apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas, os indivduos no s circulam, mas esto sempre em posio de exercer este poder e de sofrer sua ao; nunca s o alvo inerte ou consentido do poder, so sempre centros de transmisso. Em outros termos, o poder no se aplica aos indivduos, passa por ele (...) (2003: 183).
Alm de Foucault, Bourdieu, Balandier, Burke e Deboard so pensadores presentes e
marcantes que permitem relacionar fatos do perodo que recorto s teorias por eles
desenvolvidas. Tento, a partir deles, um mergulho na dcada de 80 com o propsito de
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analisar o caminho que traam profissionais de comunicao, no Esprito Santo, at
constituir poder em si.
As pesquisas realizadas diretamente junto a fontes primrias impuseram grandes mudanas
aos conceitos que eu trazia quando este estudo era, em sua fase mais embrionria, apenas o
desejo de compreender o marketing e suas implicaes no cenrio poltico capixaba.
Foi no exerccio delas e produzindo dezenas de entrevistas, duas dcadas depois, que pude
acessar novas e significativas informaes de que no dispunha, ainda que tenha estado
relativamente prxima, em algumas ocasies, e muito prxima, em outras, do objeto deste
estudo, quando o marketing dava entre ns os primeiros passos, permitindo o ingresso de
profissionais da rea de comunicao no campo poltico.
No bastassem os fatores que enumero, devo salientar outro que me permite uma viso
mais inteira do passado que quero analisar e interfere no presente em que produzo: a
maturidade. Os anos me chegam s vezes serenamente, s vezes brutalmente, mas se
impondo de uma forma ou de outra. No h fuga possvel dos efeitos que o tempo produz
sobre ns e em nossa maneira de ver, pensar e agir. Por causa dos benefcios que traz,
comemoro. Para alvio de determinados sintomas, recorro aos observadores do
comportamento que propem: s na maturidade desenvolvemos escuta adequada a muitas
falas. Em sntese, o que se diz a um homem de 40 anos ser ouvido de modo
completamente distinto pelo rapaz de 20, que no pode ter a mesma clareza porque ainda
no sentiu, ainda no viveu.
O que temos aos cinqenta anos, e no tnhamos aos vinte, no o conhecimento de frmulas ou de palavras, e sim de gente, lugares, aes, um conhecimento que no se adquire por palavras, mas pelo tato, pela vista, pelos sons, com vitrias, fracassos, insnia, devoo e amor as experincias humanas desta vida, de si prprio e dos outros (Berbhoeft, 1991: 31).
Sou dos que acreditam na ao benfica do tempo atuando sobre o indivduo. S o passar
dos anos nos permite ver alm do horizonte de quimeras, enganos e iluses. Ainda assim, se
escolhemos estarmos atentos, conscientes, reflexivos sua dinmica, acatando e acolhendo
seus efeitos. Produzo, portanto, este trabalho, com a convico de quem enxerga mais longe
e v melhor, algo que repercute positivamente sobre a iseno com que presumo conduzir
os estudos. Embora no haja iseno possvel, outro aspecto da conduta humana para a qual
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nos alertam os estudiosos do comportamento, porque toda e qualquer abordagem traz
consigo, do indivduo, marcaes internas, crenas e valores interferindo sobre o modo do
sujeito olhar e descrever o mundo e os elementos sua volta. O que nos remete fuga
inglria da subjetividade, que produz efeitos sobre tudo quanto realizamos, saibamos ou
no de sua presena.
desse modo, recompondo fatos e cenrios, desejando estar o mais prxima possvel da
verdade, que penso contribuir para os que viro, sejam estudantes, historiadores, jornalistas
ou publicitrios, e a quem mais a histria recente neste campo especfico da poltica e da
comunicao possa e vai interessar, na medida que este um tema polmico, em que os
debates sobre sua trajetria, poder e alcance esto inconclusos e assim permanecero, dada
impossibilidade de se reter toda a histria que os fatos inserem em si.
Segundo o indiciarista Carlo Ginzburg, podemos alcanar uma verdade provvel. Para
tanto, prope a valorizao da relao razo e sensibilidade e a conjugao de prova e
retrica na produo da histria.
Quando no dispe de fontes palpveis, sugere e ensina Ginzburg (1989), o historiador
pode inferir as causas a partir dos efeitos, numa ao detetivesca, que busca indcios e
pistas, segue rastros e valoriza a intuio e a sensibilidade para montar o quebra-cabea
histrico.
Em Ginzburg, ressalta Cerqueira Filho, ningum aprende o ofcio de conhecedor ou
diagnosticador limitando-se a por em prtica regras preexistentes. Neste tipo de
conhecimento entram em jogo elementos imponderveis: faro, golpe de vista,
intuio(1997: 21).
Alm disso, este trabalho valoriza as fontes documentais, como os jornais, os arquivos
pessoais, e principalmente os depoimentos de muitas testemunhas abordadas a partir dos
critrios da histria oral. Sobretudo, quero apontar para o valor que atribuo s entrevistas
com os mais importantes atores do perodo que vou analisar, a quem dou voz com
deliberada liberdade, deixando que falem muito mais medida que os fatos vm memria
deles mesmos, do que seguindo um critrio rigoroso de questionrio previamente
elaborado, forma que julguei apropriada no sentido de deix-los menos engessados, ao
mesmo tempo em que evitava afet-los em excesso com minhas pessoalidades, at onde
isso possvel.
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Dessa forma, no contato com fontes as mais diversas que o ofcio de historiadora me
permitiu para a compreenso do meu tema, procurei observar o outro, desenvolver a escuta,
apurar a viso para, quem sabe, identificar provveis sintomas.
Soma-se a isto outro fator. Pela experincia com jornalismo, carrego comigo uma
convico: para que o outro fale, no preciso grande investimento intelectual por parte do
entrevistador. preciso, muito mais, que haja espao sem censura nem julgamento para que
se manifeste. Estimulado, o entrevistado segue adiante. E mesmo que promova autocensura
sobre sua fala, no escapa por completo de outros sinais da comunicao, muito menos do
cruzamento de dados.
E por que a histria? Porque este foi, alm do jornalismo, outro campo que aprendi a amar
desde muito cedo, na escola, onde fiz o primeiro contato com o mundo dos grandes vultos e
eventos, quando ainda se praticava, no Brasil e no mundo, a Histria Poltica Tradicional,
como classifica Ren Rmond. Iracema, uma mulher cheia de entusiasmo, que vivia
reconhecendo meu esforo para alcanar as melhores notas, foi quem me fez amar a Grcia,
o Egito, Alexandre, Csar e Anbal. Mais que esforo, aquilo era identidade com o tema.
Gosto, prazer!
Agora, a histria que pretendo analisar relaciona-se ao poder da comunicao em poltica,
manifesta atravs do marketing, introdutor de um novo mtodo de produo de campanhas
pblicas no Esprito Santo. Penetrando e alterando o modelo tradicional, o marketing viveu
sua fase embrionria na eleio para o Senado em 1982, pelas aes do empresrio Camilo
Cola, e, posteriormente, em 1985, quando ia se definir o novo prefeito da capital, numa
disputa polarizada pelos candidatos Hermes Laranja e Crisgono Teixeira da Cruz.
Foi quando se utilizaram amplamente, pela primeira vez, os recursos da televiso, vedete
das campanhas desde ento, tanto no mbito da capital quanto em cidades do interior do
estado. Porque mesmo em pontos distantes da capital, se no h canais de transmisso,
tornou-se comum recorrer aos teles como forma de garantir a exibio do espetculo das
imagens e sons a grandes multides presentes aos comcios, e at mesmo a grupos mais
reduzidos, reunidos em pequenas comunidades do interior e das periferias da regio
metropolitana.
O processo, no perodo de sua introduo e fortalecimento, registra, a seguir, a disputa pelo
governo do Estado, em 1986, uma etapa de ricas peculiaridades que a histria poltica
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recente viveu sem que tenha sido, at o momento, resgatada, por sua relevncia, para um
pblico menos limitado que aquele que comps o cenrio em si mesmo e, no mximo,
jornalistas responsveis pela cobertura dos eventos.
A hiptese que este trabalho sustenta diz respeito ao poder construdo por e em torno dos
marqueteiros. Nesse aspecto, um fato ainda h que ser considerado: dos muitos
profissionais que se aventuraram pelo territrio desafiante da poltica, no Esprito Santo, a
partir da dcada de 80 do sculo XX, nenhum outro chegou a experimentar resultados to
consistentes como o fizeram as jornalistas Elisabeth Rodrigues dos Santos e Jane Mary de
Abreu. Em razo de recentes trabalhos que realizei produzindo material poltico em
campanhas e observando a demanda a elas oferecida, constatei que o estigma criado mais
de vinte anos atrs mantm-se vivo. O mercado experimentou e experimenta o trabalho de
outros profissionais, mas no os reconhece como marqueteiros at o momento em que
escrevo. Outros profissionais so ouvidos nos processos eleitorais pelos grupos polticos
em disputa pelo poder e por jornalistas no exerccio de divulgar notcias deste universo,
mas somente s duas o mercado eleitoral confere a adjetivao. Ser este um mito criado
pelo olhar da imprensa?
Minhas fontes me levaram a seguinte indagao: que poder constituram os marqueteiros
que atuaram no Esprito Santo e de que prticas, saberes e habilidades se apropriaram,
transferindo ao interior do campo da comunicao poder extrado da poltica?
Bourdieu ajuda a entender a concepo de poder, que permeia o ambiente do marketing
poltico, pela via do simblico:
Os sistemas simblicos, como instrumento de conhecimento e de comunicao, s podem exercer um poder estruturante porque so estruturados. O poder simblico um poder de construo da realidade que tende a estabelecer uma ordem gnoseolgica: o sentido imediato do mundo (e, em particular, do mundo social) supe aquilo que Durkheim chama de conformismo lgico, quer dizer, uma concepo homognea do tempo, do espao, do nmero e da causa, que torna possvel a concordncia entre as inteligncias. (1989: 9). (grifo do autor).
Em Baczko, h conexo entre poder, poder poltico e imaginrio:
Todo poder busca monopolizar certos emblemas e controlar, quando no dirigir, os costumes dos outros. Deste modo, o exerccio do poder, em especial do poder poltico, passa pelo imaginrio coletivo. Exercer um poder simblico no significa agregar o ilusrio a um poderio real, seno
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multiplicar e reforar uma dominao efetiva pela apropriao de smbolos, pela conjugao das relaes e do poderio. (1999: 16).
A esse propsito e sobre o autor, afirma Snia Missagia Panades que, em Baczko, pretender
associar o conceito de imaginrio, tradicionalmente ligado ao campo das artes, a um campo
srio como a poltica, pode parecer paradoxal, o que to somente aparente, vez que o
poder poltico impregnado de representaes coletivas, o que faz do domnio do
imaginrio e do simblico lugar estratgico da poltica.
Investir nas evidncias das mltiplas funes do imaginrio na vida social certamente colocar em cheque instrumento de condensao de esperana, temores e em geral, emoes reprimidas e inconscientes. O simblico est, pois, no centro da poltica, ligado de forma emotiva a certas situaes reais e destinado a instituir formas privilegiadas de ao. Mais ainda, ele sustenta o poder poltico criando a seu redor a legitimidade necessria. (1991: 6-7).
Anlise da atmosfera que gravita em torno dos marqueteiros, segundo a percepo de quem
a observa a partir de um ponto de vista crtico, permite que se estabelea conexo entre os
conceitos de poder simblico e imaginrio social com os instrumentos manipulados pelo
marketing e dos que lidam com suas ferramentas, na medida que resultam em poder
simblico e como conseqncia, resultam poder em si:
Os smbolos so os instrumentos por excelncia da integrao social: enquanto os instrumentos de conhecimento e da comunicao (cf. a anlise durkheimiana da festa), eles tornam possvel o consensus acerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para a reproduo da ordem social: a integrao lgica a condio da integrao moral. (Bourdieu, 1989: 10).
Case de sucesso
Se o marketing parece mostrar-se capaz de alterar previses e conseqentes resultados
eleitorais, utilizando e interagindo com smbolos, como compreend-lo em seus
mecanismos de ao? Dando divulgao macia aos fatos, a publicidade, instrumento do
marketing, interfere no rumo dos acontecimentos polticos. Escrevendo, um fato distante do
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perodo que recorto me vem memria. Se o descrevo agora a ttulo de ilustrar o que
busco afirmar que o fao.
Max Filho, o filho de Max de Freitas Mauro, ex-deputado estadual e prefeito de Vila Velha,
reeleito em 2004, licencia-se da Assemblia Legislativa para disputar a prefeitura do
municpio em 2000. Como oponente mais expressivo, Max Filho tinha o prefeito Jorge
Anders, a deter, no cargo, portanto, o controle sobre a mquina administrativa naquela
eleio. Jane Mary de Abreu era a marqueteira encarregada da campanha, na qual atuei
produzindo para a televiso.
Max Filho corria riscos na disputa, mas tinha em mos, produzidas por grupos de apoio
sua candidatura, denncias de corrupo e enriquecimento ilegal do adversrio. Em comum
acordo, marqueteira, Max pai e Max filho, decidem lanar mo de um helicptero e
produzir imagens areas sobre a fazenda luxuosa que Anders comprara na cidade mineira
de Nanuque, onde, supostamente, o prefeito investia grande parte do dinheiro que desviava
dos cofres pblicos, de acordo com os denunciantes. Editadas, as imagens foram ao ar
repetidas vezes atravs dos noticirios locais, dando a idia exata do fausto, fosse pela
manso onde, denunciou-se poca, o prefeito promovia encontros amorosos entre
menores e amigos pessoais, fosse pelo gado bem cuidado e numeroso que corria grande
extenso de pastos, espantado pelo barulho da aeronave.
Com a adoo da estratgia bem articulada, Max Filho vence o pleito no primeiro turno,
graas fora dos argumentos e das provas visuais que as imagens veiculadas pela
televiso permitiram construir. Quanto ao prefeito derrotado, tem por paralisada sua
participao na vida pblica, para onde ainda no retornou, embora outros mandatos
anteriores. Em Maquiavel, h ponderaes para eventos desta natureza, que, ao tomarem
propores descontroladas, minam a imagem de homens pblicos:
Da tsica, os mdicos afirmam, no princpio cura-se com facilidade e com dificuldade se conhece, mas correndo o tempo, no tendo sido reconhecida e medicada, fcil conhec-la e difcil cur-la. Acontece o mesmo com as coisas do Estado: conhecendo-se com antecedncia os males, o que somente aos homens de prudncia concedido, rapidamente se curam; mas quando, tendo sido ignorados, foram deixados em aumento, a ponto de que todos os conhecem, no mais haver corretivo aos males. (1977: 20).
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Desse modo, julgo importante considerar que espcie de poder o campo poltico transfere
marqueteiros, que manobrando com aspectos positivos ou negativos de homens pblicos,
esvaziam ou tornam plena de xito as candidaturas, interagindo com as oportunidades,
produzidas, essas sim, quando no pelas sondagens de opinio, e ou tambm, pela
experincia dos polticos que articulam a fora dos meios em que transitam.
Polticos experientes contribuem decididamente com o trabalho dos profissionais de
comunicao que, a seu turno, assumem papel de destaque em todas as campanhas
eleitorais realizadas a partir de meados da dcada de 80, em todo o Estado, inclusive em
muitas e pequenas cidades do interior. E quanto mais obtinham xito com a parcela de
esforos que lhes cabia, mais tinham reforada em torno de si mesmos a aura de poder.
O ano 1990 do sculo XX, com o desenvolvimento das pesquisas desse estudo, pode,
seguramente, ser apontado como definitivo divisor de guas entre dois perodos distintos na
histria poltica capixaba recente: aquele que decreta o fim da era da poltica tradicional,
produzida sem uma metodologia especfica, calcada na intuio e improvisao,
estabelecendo o surgimento de um novo perodo, em que a prtica poltica vai basear-se na
profissionalizao desse campo.
tambm neste perodo que jornalistas transferem-se das redaes para o interior do
mundo poltico, ocupando o vcuo deixado por Nelson Mendes, o profissional da rea da
comunicao que primeiro recebe, entre ns, o ttulo de marqueteiro.
Houve, no Esprito Santo, certa particularidade que merece registro: Ao contrrio do que
ocorreu nos grandes centros urbanos, especialmente em So Paulo e no Rio de Janeiro,
cones da produo cultural brasileira, em lugar dos publicitrios, sero os jornalistas os
profissionais a dominar o marketing poltico.
Publicitrios tm atuao de indiscutvel relevncia no cenrio poltico contemporneo,
com a linguagem do meio se mesclando jornalstica em campanhas polticas que
priorizam o efeito plstico, caracterstica marcante da sociedade governada pela imagem e
pelo espetculo. Porm, no Esprito Santo, caber ao jornalista o papel de protagonista da
histria cuja durao soma mais de duas dcadas. Ao publicitrio caber o papel de
coadjuvante, quando o marketing se consolida.
Nesse sentido, preciso jogar luz sobre o foco de anlise do perodo que abordo, para
entender o modo de atuao desses profissionais. Compreender, ainda, de que mecanismos
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e estratgias se utilizam com o propsito de conduzir candidatos vitria, que no se torna
certa pela atuao exclusiva de marqueteiros, mas que, sem dvida, perde em segurana na
ausncia deles, segundo crena introduzida, a partir de ento, no meio poltico.
O auxlio para o entendimento dessa questo vem, de novo, de Bourdieu, ao inferir que as
diferentes classes e fraes delas esto em luta permanente para imporem sua definio do
mundo social. A luta pode ser conduzida diretamente por meio da luta travada pelos
especialistas da produo simblica, que vo impor e mesmo inocular instrumentos de
conhecimento e de expresso arbitrrios da realidade social.
Contra todas as formas do erro interacionista, o qual consiste em reduzir as relaes de fora a relaes de comunicao, no basta notar que as relaes de comunicao so, de modo inseparvel, sempre, relaes de poder que dependem, na forma e no contedo, do poder material ou simblico acumulado pelos agentes (ou pelas instituies) envolvidos nessas relaes pelos agentes (ou pelas instituies) que, com o dom ou o potlatch, podem permitir acumular poder simblico. (1988: 11).
Se em Bourdieu o campo de produo simblica um microcosmo da luta simblica entre
as classes e os meios de comunicao parte dos canais por onde drenam tal produo, julgo
relevante refletir sobre o que caracterizou as eleies no perodo compreendido entre o
incio da dcada de 80 do sculo XX, quando o marketing poltico ensaiou, no Esprito
Santo, seus primeiros passos, e o incio dos anos 90, quando caminhou com firmeza em
direo aos caminhos de sucesso e poder que permeiam seu cenrio pouco acessvel e,
portanto, quase to misterioso quanto o sacerdcio psicanaltico. O segredo instrumento
de poder, escreveu Bobbio:
Com relao ao saber tcnico, (...), a razo do segredo est no apenas em manter a superioridade que proporciona um conhecimento especfico que o concorrente no possui, mas tambm na incapacidade do pblico de aprender a sua natureza e a sua importncia. O saber tcnico cada vez mais especiliazado torna-se cada vez mais um saber de elites, inacessvel s massas. (2000: 130).
O que diferiu as campanhas desse perodo das campanhas anteriores? Quem foram seus
principais atores sociais e que habilidades revelaram, at tornarem-se capazes de interagir
com o rumo poltico capixaba?
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provvel, ainda, que ao longo das pesquisas que o tema aqui proposto exige, eventos e
fatos de bastidores no revelados ao pblico, porque mantiveram-se restritos ao territrio
circunscrito dos homens de poder e daqueles que trabalharam para a construo ou
manuteno desse mesmo poder, constituindo poder para si prprios, tornem-se pblicos a
partir de depoimentos que comporo essa dissertao de mestrado. Nesse aspecto, devo
frisar uma vez mais que deixo livres os personagens aqui enfileirados com suas memrias e
confisses, evitando afet-los com critrios pessoais de julgamento, ou mesmo conduzindo
as entrevistas que com eles produzi em qualquer direo que fosse.
Assim, so esses parte dos aspectos que me proponho a analisar. E, embora no tenha a
pretenso de construir uma verdade nica e menos ainda definitiva, esse trabalho se prope
a pensar, particularmente, de que forma atuaram Elizabeth Rodrigues dos Santos e Jane
Mary de Abreu, mulheres que atuaram neste campo de dominao masculina, o poltico.
Elizabeth Rodrigues e Jane Mary no foram as nicas jornalistas a atuar com sucesso neste
segmento, como revela este estudo. Mas impossvel no concluir que, como nenhum
outro profissional, ambas disponibilizaram ao mercado eleitoral um conjunto de habilidades
que fez com que ficassem em evidncia. No quero, no entanto, afirmar com isto que a
outros profissionais faltasse competncia para desempenhar igual funo. Provvel , a
partir de depoimentos adiante descritos, constatar, inclusive, que ambas tenham tido maior
empenho, disciplina e habilidade ao fazer marketing de si mesmas.
Por todos esses fatores, este trabalho traz a possibilidade de constituir-se, at o momento, o
mergulho mais profundo que se intenta realizar em torno do tema marketing poltico,
causas, efeitos e sintomas, entre os estudos acadmicos j realizados no mbito do Esprito
Santo.
Bruxos e milagres
Nos centros urbanos, marqueteiros foram chamados bruxos, indivduos capazes de realizar
magia e milagres, porque operam o condo de transformar inclusive nefitos em poltica
em homens pblicos de destaque. Nesse sentido, eis a hiptese aqui proposta: O Marketing
Poltico, que se utiliza de instrumentos de comunicao de massa, com acompanhamento
insistente de tendncias pela pesquisa de opinio, , por si s, capaz de alterar rumos e
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resultados de campanhas eleitorais e, conseqentemente, a histria poltica de indivduos ou
grupos sociais?
Albuno Azeredo teria se tornado o primeiro homem negro a comandar o Esprito Santo no
fosse pela fora do marketing?
Novamente, Bourdieu vem em auxlio daquele que deseja luz sobre o foco ainda obscuro:
O poder simblico como poder de constituir o dado pela anunciao, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a viso do mundo e, deste modo, a ao sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mgico que permite obter o equivalente daquilo que obtido pela fora (fsica ou econmica), graas ao efeito especfico de mobilizao, s se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrrio. Isso significa que o poder simblico no reside nos sistemas simblicos em forma de uma illocutionary force mas que se define numa relao determinada e por meio desta entre os que exercem o poder e os que lhe esto sujeitos, isto , na prpria estrutura do campo em que se produz e se reproduz a crena. (1989: 14).
No que se refere de modo especfico ao marketing poltico, Bourdieu nos remete a Gramsci
em sua conceituao para intelectual orgnico, que atua e participa efetivamente da
construo de novas realidades, porque o efeito especfico de mobilizao das massas o
que buscam os que se dedicam ao marketing.
O que Gramsci fez foi ampliar a ao do intelectual, pensando-o de forma diferente e lhe dando um carter de formulador, que antes ningum havia pensado. O intelectual surgido na formulao de Gramsci absolutamente original, pois no guarda nenhum trao do que, antes, se pensava dele: um homem reflexivo, que procurava, de longe, explicar o mundo, no transform-lo. Estava criado o intelectual orgnico, o que age, que atua, participa, ensina, organiza e conduz, enfim, se imiscui e ajuda na construo de uma nova cultura, de uma nova viso de mundo, de uma nova hegemonia. (Resende, 2005: 57).
Das redaes dos grandes jornais de Vitria, jornalistas acompanhavam o desenrolar dos
episdios, criticando, avaliando, registrando os acontecimentos, que, em seu conjunto,
representam rico perodo ainda inexplorado. Acima de tudo, referendando e legitimando,
por via da fora da publicidade que ofereciam aos fatos, o poder que se construa em torno
do marketing poltico e dos marqueteiros que junto com ele emergiam. E se tornam, neste
estudo, por isso mesmo, atores cuja anlise importante buscar. Isto posto, eis a seqncia
dos contedos dos captulos dessa dissertao.
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No captulo I, meu objetivo foi resgatar a atmosfera cultural e poltica dos anos 80 do
sculo XX, e posteriormente, introduzir a questo do marketing poltico em geral e
particularmente no Esprito Santo, destacando a eleio de Albuno e a emergncia do
jornalismo capixaba no marketing poltico. Contextualiza, tambm, a importncia crescente
das pesquisas de opinio no mercado eleitoral e descreve as circunstncias do surgimento
do primeiro instituto de pesquisa do Esprito Santo.
O captulo II destina-se compreenso, do ponto de vista histrico e sociolgico, do poder
estruturante das mdias a partir dos anos 80. Especialmente iremos destacar o novo papel do
marketing na poltica em geral e na poltica capixaba, articulando suas formas de seduo
com os mecanismos do poder simblico, que precisa ser encenado, ritualizado e
transformado em espetculo, no mbito das campanhas polticas, especialmente na de
Albuno Azeredo, a partir dos estudos de Balandier, Peter Burke e Debord.
O captulo III contextualiza a insero de jornalistas nas campanhas polticas e do
marketing poltico no estado. Nele concentram-se os depoimentos dos principais atores
envolvidos no processo. Reconstruindo os cenrios, vo nos permitindo uma noo do
papel de cada um e de como interagiram com o universo da poltica. Concentra, tambm, a
percepo daqueles que observavam a cena de pontos que reputo privilegiados, como o
foram as redaes dos jornais de maior circulao no estado.
O captulo IV o espao que reservo para aqueles que detiveram poder poltico no perodo
que recorto se manifestem. Max Mauro e Albuno Azeredo, do, portanto, a verso que
cada um tem daquilo que viveram juntos, forjando a histria que busco analisar. Porm,
abro, para que se manifestem antes deles, um espao a que denominei galeria de
governadores, porque, por intermdio das pesquisas, pude constatar que em muitos graus,
a histria de um vai afetando a do outro na sucesso dos episdios mais importantes. Eurico
magoa lcio, que tinha sido governador binico e pretendia voltar eleito pelo povo ao
Anchieta. lcio rompe com Eurico e decide apoiar Camata, que magoa Max, que magoa
Albuno. Meu esforo se deu no sentido de compreender de que modo a configurao
poltica do Esprito Santo recente afetada tambm por fatores de outra ordem, alm do
maketing poltico.
Finalizando, farei a ttulo de concluso, algumas consideraes acerca do trabalho realizado
e da possvel emergncia de novos paradigmas neste campo, onde os indcios apontam para
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o fato de que o que valeu para o perodo que recorto no mais se aplica face s grandes
transformaes ocorridas nas ltimas dcadas, fazendo crer que marqueteiros tero pela
frente o esforo de reavaliar o marketing poltico e adapt-lo aos novos tempos.
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3. Dissertao
3.1. Captulo I
Dcada de 80 do Sculo XX Perdas e Ganhos
Ideologia
Meu partido um corao partido
E as iluses esto todas perdidas Os meus sonhos foram todos vendidos
To barato que eu nem acredito Que aquele garoto que ia mudar o mundo
Freqenta agora as festas do Grand Monde Meus heris morreram de overdose
Meus inimigos esto no poder Ideologia
Eu quero uma para viver 2
Dcada de 80, dcada perdida. Poema e msica, Ideologia resume o lamento de uma
gerao. O que houve antes e depois que no se registrou nos anos 80 do sculo XX,
segundo quem assim se expressa? O que faltou gerao que atravessou a plenitude do
corpo fsico nessa fase que a fez considerar-se desiludida e improdutiva? Se os anos 60
foram profundamente marcados pela efervescncia dos movimentos pelos direitos civis e a
fora da contracultura, os 70 pelos movimentos de emancipao da mulher, amparada pela
disseminao do uso dos anticoncepcionais e sua insero definitiva no mercado de
trabalho, o que faltou dcada de 80 que pareceu ter produzido uma certa sensao de
insuficincia sua gerao?
Tais movimentos, dos 60 e 70, marcaram com mais fora e em profundidade do que
marcaram os registros histricos dos 80? Quem tem um sonho no dana, cantou Cazuza
em outra composio, desta vez afirmando a esperana. Esperana que implica um balano
positivo dos fatos dos 80, provando o quanto a dcada produziu, para alvio de quem
2 Letra composta por Cazuza em 1988
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experimentou culpa por julga-se margem da histria que se construiu. Produziu o fim da
ditadura militar, principalmente. Produziu eleies diretas para governos de estados e para a
presidncia da Repblica, mergulhada desde o golpe militar de 64 num tempo de
autoritarismo, como narra a histria recente do Brasil.
No bastasse a enorme produo nesse campo, para fazer justia s atividades dos diversos
campos sociais nesta que se chama dcada perdida, observa-se, nos ltimos anos, nos
grandes centros culturais do Brasil, a divulgao de um curioso volume de pesquisas e
publicaes voltadas para o resgate de caractersticas relevantes da dcada tambm do
ponto de vista cultural, oferecendo a idia, insistente, de que quem viveu quer resgatar seu
valor3. Dando conta de que alm de Cazuza, que expressava a angstia de sua poca,
Renato Russo era outro cone da gerao de 80 que viu cintilar no universo miditico a
constelao formada pelas bandas de Braslia e comps Eduardo e Mnica, uma letra que
falava de amor j anunciando a construo em curso da noo de felicidade a partir da
identidade pessoal, da autonomia de cada indivduo, e o respeito s diferenas, algo que
ganha contornos definitivos no Ocidente no fim do sculo passado: Um mundo social em
que a realizao emocional substitusse a maximizao do crescimento econmico seria
muito diferente daquele que conhecemos hoje. As mudanas que atualmente afetam a
sexualidade so, na verdade, revolucionrias e muito profundas (Giddens, 1993, 11).
Em Em Que Pas Esse, outra letra que a juventude dos 80 cantou, Renato Russo
descrevia a perplexidade em relao s diferenas sociais desse mesmo Brasil de quase fim
de sculo. Haveria, ento, insistente conflito entre o individualismo emergente, calcado,
sobretudo, no prazer plstico e pessoal, de que fala Giddens, e as mudanas estruturais que
o social continuava exigindo, dividindo e angustiando coraes e mentes?
Cazuza e Renato Russo, ambos mortos pelos efeitos da Aids, uma doena descoberta pelo
mundo cientfico em 1981, viveram e cantaram num cenrio que vai registrar, alm do
pnico da doena fatal e desconhecida, um perodo de expectativas e incertezas. A idia de
insuficincia da dcada de 80 talvez estivesse associada ao fato de que aquela gerao
tenha dedicado ao sexo, s drogas e ao rock and roll muito de sua energia produtiva,
3 Inteligncia Artificial, Um Balano da Dcada de 80, de Hlder Coelho, Ed Record, e Quem tem um Sonho no Dana, Ed Caminhos, de Guilherme Bryan, so exemplos da enorme profuso de obras oferecendo propostas de compreenso aos anos 80.
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deslocando para o corpo a angstia acumulada por frustraes e o sentimento de impotncia
por aquilo que se registravam no conturbado campo social. Ao mesmo tempo que se
instalava a crise de identidade, prpria das sociedades modernas, onde as demandas do
indivduos colocam-se acima das demandas dos grupos sociais.
Para Stuart Hall as identidades modernas tm sido descentradas, isto , deslocadas ou
fragmentadas (2001: 08). Nas sociedades modernas, o indivduo tinha uma identidade
delineada do ponto de vista de classe, sexualidade e raa. Foi Hall quem afirmou:
Um tipo diferente de mudana estrutural est transformando as sociedades modernas no final do sculo XX. Isso est fragmentando as paisagens culturais de classe, gnero, sexualidade, etnia, raa e nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido slidas localizaes como indivduos sociais. Estas transformaes esto tambm mudando nossas identidades pessoais, abalando a idia que temos de ns prprios como sujeitos integrados. (2001: 9).
Este trabalho no se prope e ainda menos tem a pretenso de levantar a fundo causas e
efeitos desse sintoma social. Registra o tema, to recorrente, prazer e culpa, declarados por
via da expresso cultural de uma gerao que se julgou perdida, porque nesse mesmo Brasil
cuja juventude se disse sem rumo, de Cazuza e Renato Russo, vo se unir, para desconforto
de seus milhes de habitantes, como informa Bilich, contextualizando os anos 80 do sculo
XX, desemprego, hiperinflao, aumento da dvida externa, crescimento da violncia
social, incremento do narcotrfico e contaminao ambiental, alm das crises de identidade
que nos revelam filsofos e artistas, antenas que antecipam o que est por vir.
A modernidade, que pe o homem em contato com tantas outras culturas e em crise sua
auto-identidade, introduz dinamismo nas relaes humanas e marca esse perodo de
transio como sendo uma poca de reflexo, ansiedade e insegurana. Transies nas
vidas dos indivduos sempre demandam a reorganizao psquica, algo que era
freqentemente ritualizado nas culturas tradicionais na forma de ritos de
passagem(Giddens, 2002: 37).
Se no nvel do indivduo havia crescente fragmentao pelos efeitos de grandes mudanas
na estrutura das sociedades, postas em evidncia pelos meios de comunicao de massa, no
mbito do coletivo, nos anos 80, no Brasil, as grandes metrpoles enfrentavam as
conseqncias do adensamento urbano promovido pelo processo de industrializao.
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Adensamento desordenado desdobrando-se, mais frente, no alastramento da pobreza, que
vai exigir adoo de polticas pblicas por fora da presso dos movimentos organizados,
frente a um estado que vai, cada vez mais, se retirar do papel de grande promotor de bem-
estar social.
No cenrio poltico internacional da mesma dcada de 80 do sculo XX, registra-se enorme
ebulio, sinal de que no havia mais espao na malha social para governos plenamente
autoritrios:
Iro ruir, uma a uma, as ditaduras estabelecidas nas dcadas anteriores: Peru (1980); Argentina (1983); Uruguai (1984); Brasil (1985); Filipinas (1986); Haiti (1986); Paraguai (1989) e ainda o Chile (1989). No Imprio do Mal, como Reagan rebatizara a ento Unio Sovitica comunista, Mikkail Gorbatchov, que havia chegado ao Kremlin em 1985, d incio, no ano seguinte, aos processos conhecidos como Perestroika e glasnost que iro culminar com a derrocada do Imprio Sovitico e do comunismo europeu colocou um ponto final no Imprio da Unio Sovitica e no comunismo europeu, movimentos que tiveram culminncia com a queda do Muro de Berlim, em novembro de 1989. No final dos anos 80, a luta pela democracia atingiu vitoriosa seu pice em diversos pases do Leste Europeu Hungria, Polnia, Romnia e Tcheco - Eslovquia. De maior relevncia, passando a smbolo mundial da dbcle do comunismo, a derrubada do Muro de Berlim, fora de picaretas, em apotetica manifestao da populao da Alemanha Oriental, em novembro de 1989. Abria-se, assim, o caminho para a reunificao do pas dividido desde a II Grande Guerra.(Bilich, 2005: 55)
Junto s grandes transformaes no cenrio poltico mundial, caminhava uma revoluo de
cunho tecnolgico, que colocou disposio do mercado os micro-computadores para
revolucionar, de novo, os modos de comunicao distncia, j profundamente alterados
desde o advento da TV, difusora maior de uma indstria cultural, tema recorrente nos
debates intelectuais e acadmicos. A esse respeito, afirma Barbero:
Foi com Adorno e Horkheimer, da Escola de Franckfurt, que nasceria o conceito de indstria cultural em texto publicado em 1947, dentro de conjunturas democrticas da Amrica do Norte e do Nazismo, na Alemanha. Tais conceitos no nasceriam, no entanto, de uma vez, mas no contexto de uma reflexo, no desembaraar de um pensamento a respeito do caos cultural, que essa perda do centro e conseguinte disperso e diversificao dos nveis de experincias culturais descobertas e descritas pelos tericos da sociedade de massas. (1997: 63).
Graas ao avano dos mecanismos de comunicao distncia, a queda de ditaduras de
esquerda e direita so amplamente divulgadas em todo o mundo, promovendo presses de
origens diversas. No Brasil, em particular, o governo militar obrigado a ceder, aos
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poucos, e um processo de abertura comea a se construir porque a opinio pblica
pressionava pelo restabelecimento da democracia.
A poca, dois partidos estavam organizados: a ARENA, composta principalmente por
setores conservadores comprometidos com os ideais do golpe de 64 e sustentculo do
governo, e o MDB, que abrangia toda a oposio e possua um quadro bastante
heterogneo, incorporando desde comunistas a trabalhistas.
Ao final da dcada de 70, o Regime Militar enfrentava sria oposio. Optou, ento, pela
reforma partidria que ps fim ao bipartidarismo, conferindo aparente face de democracia
ao duro regime que se imps sociedade brasileira, instituindo o pluripartidarismo. A esse
respeito, comenta Zorzal:
A transio do regime autoritrio para o regime democrtico foi resultado da convergncia de dois processos de natureza distinta: a desintegrao progressiva do sistema de poder (militarismo) e a emergncia da sociedade civil, que reconquistou gradativamente a cidadania e passou a disputar por espao no cenrio poltico nacional. (1990: 68).
A redemocratizao veio no final do regime militar, quando a sociedade brasileira comeou
a se manifestar e se organizar em grupos de interesse (sindicatos, movimento estudantil,
grupos paroquiais), aumentando a presso da opinio pblica e fortalecendo a oposio, de
acordo com o que pensam Silva, Carvalho e Lopes.
Visando fragmentar a oposio e aliviar a presso interna, o governo extinguiu o bipartidarismo por decerto, originando em seu primeiro momento cinco partidos: PDS (Partido Democrtico Social), praticamente uma continuao da ARENA, que, aps vrias fuses, em 1995 se chamar PPB (Partido Progressista Brasileiro; de uma de suas dissidncias nascer o PFL (Partido da Frente Liberal); PMDB (Partido do Movimento Democrtico Brasileiro), principal herdeiro do MDB, cujo quadro era composto por defensores da unificao da oposio o combate ao autoritarismo e que teve um desempenho eleitoral muito bom nessa fase; uma ala dissidente do partido formar o PSDB (Partido Social Democrtico Brasileiro); PDT (Partido Democrtico Trabalhista), organizado por polticos ligados ao trabalhismo e fiis herana Varguista, e finalmente, o PT (Partido dos Trabalhadores). (2002: 286).
O registro do PT, Partido dos Trabalhadores, que emerge das foras sindicais paulistas e
rene alm da classe operria, intelectuais e sindicalistas concedido no incio de 1982.
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Informa o jornalista Paulo Markun, que poca, em So Paulo, acompanhou o surgimento
da sigla partidria:
A bandeira do PT nasceu na mesa de um bar em So Bernardo do Campo. A idia de usar uma estrela foi do jornalista Jlio de Grammond, inspirado na bandeira da juventude comunista da Albnia (...) Originalmente era tricolor, mas ficou parecida demais com a marca dos sandinistas e Frei Beto sugeriu tirar o preto, deixando apenas o vermelho e o branco, simbolizando a luta e a paz. Marisa foi quem a materializou pela primeira vez: - Eu tinha um tecido vermelho, italiano, um recorte guardado h muito tempo. Costurei a estrela branca no fundo vermelho. Ficou lindo. (2004: 186).
Markun d conta de outros fatos de bastidores na composio dos novos partidos.
Fernando Henrique Cardoso adotou a tese de que a oposio deveria manter-se unida ano
PMDB, at a derrota final da ditadura. Depois que Ivete Vargas obteve na Justia o direito
de usar a sigla criada por seu tio av, Getlio Vargas, Leonel Brizola criou a Partido
Democrtico Trabalhista. Tancredo Neves e Magalhes Pinto juntaram-se no que pretendia
ser um PSD, de centro-esquerda, e que acabou ficando com a sigla PP. E quando o
governo proibiu as coligaes partidrias e estabeleceu o voto vinculado para a eleio de
1982, o PP se desfez. Tancredo entrou para o PMDB e Magalhes Pinto para o PDS(2004:
187).
O objetivo do governo, ao promover a reforma partidria, era beneficiar-se politicamente da
estratgia, fragmentando a oposio para conquistar a maioria dos governos estaduais,
observam autores diversos que se dedicaram ao estudo da manobra.
O governo havia criado ou mantido todos os mecanismos capazes de prejudicar a oposio: o eleitor era obrigado a escolher seis candidatos da mesma sigla governador, senador, deputado federal, deputado estadual, prefeito e vereador sob pena de ter seu voto anulado. Os nomes no figuravam nas cdulas, mas em listas regadas nas cabinas, o que complicava a escolha por parte dos menos cultos. E no chamado horrio gratuito, os partidos s podiam exibir a foto e o currculo dos candidatos, inclusive nos dos provveis governadores. (2004: 194).
Os resultados das urnas, no entanto, surpreenderam aqueles que controlavam a poltica
brasileira: O PDS elegeu 12 governadores contra nove do PMDB e um do PDT. Por essa
via, permitiu-se que se construsse um caminho para que se realizasse, tambm, pelo voto
direto, as eleies para a Presidncia da Repblica, que vai ter curso atravs da campanha
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Diretas J, em 1983. A partir disso, entre janeiro e abril do ano seguinte, com a liderana
dos deputados federais Teotnio Vilela e Ulisses Guimares, uma srie de atos pblicos
rene multides em diversas capitais do pas. Ainda assim, com toda a presso que
emanava do movimento, a Cmara Federal rejeitou uma emenda do deputado Dante de
Oliveira propondo eleies diretas para presidente.
Em fevereiro, no incio da sesso legislativa, o recm-eleito deputado mato-grossense Dante de Oliveira, de 32 anos, do PMDB, ex-militante do MR-8, apresentou uma emenda constitucional que restabelecia as eleies diretas em todos os nveis e fiava a data de 15 de novembro de 1984 para a escolha do primeiro presidente eleito pelo voto popular em 25 anos. A emenda no teve repercusso imediata, mas, em abril, o diretrio nacional do PMDB resolveu lanar uma campanha pelas eleies diretas. (2004: 199).
Para melhor compreender a estratgia governista de manuteno da ordem poltica
instalada, convm recuar no tempo, indo ao perodo que antecede os 80 do Sculo XX.
O esforo de apresentao e as estratgias de comunicao dos militares no podiam eliminar a importncia que as eleies assumiam, da as tentativas de controle dos processos eleitorais. As eleies de 1970 foram as que contaram com o maior grau de manipulao por parte do regime. O acesso ao rdio e televiso foi vetado, a legislao garantia super-representao aos estados mais atrasados (que foram alvo de todo o tipo de fraude e compra de votos), tudo com a inteno de garantir a vitria do partido governista, a Aliana Renovadora Nacional - ARENA (Castilho, 2000: 51).
Quatro anos aps, em 1974, o regime faz aprovar no Congresso a lei 9.601, conhecida
como Lei Etevaldo Lins, que impedia a propaganda paga na televiso e permitia o uso do
rdio e da televiso nos perodos eleitorais.
O movimento pelas eleies diretas ganharia outro rumo depois da rejeio da emenda de
Dante de Oliveira. No dia 25 de junho de 1983, o PMDB organizou um comcio do qual
participaram oito mil pessoas em Goinia. No dia seguinte, informa Markun, Ulisses
Guimares estava em Teresina, participando de outro ato pelas diretas. No Rio de Janeiro,
trs dias depois, Leonel Brizola, Franco Montoro e Luiz Incio Lula da Silva selaram o
acordo que iria colocar nas ruas a Campanha das Diretas. O primeiro grande teste do
movimento que empolgaria o pas: Um, dois, trs, quatro, cinco mil, queremos eleger o
presidente do Brasil.
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Em 25 de janeiro de 84 foi a vez de So Paulo se manifestar: 250 mil pessoas na Praa da
S. O Brasil tinha poca uma populao de 130 milhes de habitantes, todos
representados naquele ato, disse o governador de So Paulo, Franco Montoro. No Rio de
janeiro, 800 mil pessoas se reuniram na Candelria. Em resposta ao movimento, o
presidente Figueiredo encaminhou emenda restabelecendo as diretas em 1988, mas
confirmando e regulamentando indiretas no ano seguinte. Em junho, o congresso aprovou
a emenda Figueiredo e Tancredo Neves foi eleito com 480 votos no colgio eleitoral em 15
de janeiro do ano seguinte. Era o fim do regime militar que governara o pas durante 21
anos (Markun, 2004: 209).
s vsperas da posse, Tancredo internado no Hospital de Base de Braslia. O presidente
eleito que no tomaria posse anunciou a chamada Nova Repblica e morreu no dia 21 de
abril de 1985, depois de uma agonia amplamente divulgada que comoveu o pas. O governo
foi assumido pelo vice Jos Sarney e em maio, o Congresso finalmente restabeleceu as
diretas para presidente.
Constituiu-se, assim, a Nova Repblica, que se reduziu apenas a uma nova transio, agora com polticos civis, que se dispuseram a implantar um estado de Direito Democrtico e a lanarem as bases de um novo ciclo de expanso econmica. Vrias leis foram promulgadas em 1985, a fim de recuperar a democracia, entre elas o restabelecimento de eleies diretas para presidente, extenso do direito de voto aos analfabetos, legalizao de todos os partidos polticos, eleies diretas para prefeitos de todos os municpios, e ainda retirou-se a interveno dos sindicatos e anistiou-se os lderes punidos pelo regime militar. (Zorzal, 1990: 69).
Importante lembrar um aspecto da transio do regime militar para o civil feita pelo alto,
num conchavo entre os integrantes do antigo sistema de poder e os setores oposicionistas,
que, segundo a mesma autora, provocou reforo de velhas lideranas em detrimento das
foras de renovao. Tal aspecto implicou alto grau de continuidade das elites e das
instituies, formalizado pelas constantes dificuldades impostas ao processo de mudana.
Assim, embora a redemocratizao, no h ruptura e sim continuidade dos interesses
dominantes na direo poltica, nas ltimas dcadas.
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O marketing poltico
Para o bem ou para o mal, a dcada de 80 do sculo XX tambm insere-se na histria como
a fase do surgimento de uma nova atividade no campo scio-poltico brasileiro, o marketing
poltico. Foi a partir dos anos 80 que os moldes de produo das campanhas eleitorais se
profissionalizaram. A dcada de 80 foi aquela na qual os especialistas em marketing
poltico e seus especialistas se afirmaram, passando a freqenta jornais, a televiso, e as
declaraes, elogios e acusaes dos participantes as disputas pblicas pela
representao(Castilho, 2000: 53).
Consolidada nas grandes cidades brasileiras em perodos eleitorais, a nova frmula
introduziu-se no Esprito Santo nos primeiros anos da dcada de 80, atravs da campanha
de Camilo Cola ao Senado, atravessa a eleio ao governo de Max de Freitas Mauro para
culminar, nos termos de sua importncia, com a eleio de Albuno Azeredo para o cargo
de governador do Estado, em 1990.
Neste ano, o marketing toma a cena poltica capixaba. Profissionais de comunicao
passam a desempenhar funes de agentes de transformao no cenrio poltico, por sua
vez em ebulio neste perodo, no Brasil, e at por isso beneficiados, tornando-se
representantes de um novo mercado eleitoral que vai, a cada dois anos, quando se realizam
campanhas para os governos municipal e estadual e dos representantes do poder legislativo
correspondentes, apresentar ao eleitor os candidatos a partir de outras prticas. Porm, o
quanto de novo traziam essas prticas e o quanto elas incorporavam das prticas ditas
tradicionais algo que requer anlise detalhada.
Em Castilho, a noo de mercado eleitoral , ao mesmo tempo, um elemento de
continuidade e ruptura para com prticas polticas anteriores, tidas pelos marqueteiros como
tradicionais (2000: 71).
No Esprito Santo, especificamente, a fase mais inicial do processo se deu na eleio de
1982, em que seriam escolhidos os candidatos ao governo do Estado, Assemblia
Legislativa, Senado e Cmara Federal. Porm, conforme se apura entre os que viveram o
processo, de todos os candidatos, somente Camilo Cola lanou mo dos recursos da
comunicao profissionalizada. A seguir, em 1985, na eleio para a Prefeitura de Vitria,
um pleito polarizado pelos candidatos Hermes Laranja e Crisgono Teixeira da Cruz,
utilizaram-se, pela primeira vez, espaos estratgicos na televiso, vedete de toda campanha
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poltica desde ento, tanto no mbito da capital quanto em grandes cidades do interior do
estado.
Entre o perodo de introduo e fortalecimento, o processo registra, a seguir, a campanha ao
governo do Estado de Max de Freitas Mauro e coroado definitivamente com a eleio de
Albuno Azeredo para o mesmo cargo, em 1990, ano aqui j apontado como o marcante
divisor de guas entre dois perodos: o perodo do fim da poltica amadora e tradicional e o
perodo do fortalecimento das campanhas que vo se pautar e conduzir pela
profissionalizao.
Max Mauro assume o governo em 15 de maro de 1987, depois de lutar muito pela posio,
conforme ele mesmo descreve, adiante, nesses estudos, mas a campanha que o conduz ao
poder parece ter sido menos marcante que a de Albuno Azeredo.
A batalha de Albuno Azeredo foi, indiscutivelmente, farta em ingredientes para a
composio de uma histria atraente. Porm, Albuno no estreou no palco amplo e
moderno da televiso na construo de sua trajetria ao Palcio do Governo. Antes dele,
Max Mauro deixou registros que caram no esquecimento de muitos ou no atendem ao
apelo de recall quando o tema surge em debate. Corro o risco de apontar ao menos umas
das causas: A campanha de Albuno teria sido mais emocional e, portanto, mais marcante,
uma vez que tocou o eleitor medida que lhe tocou o afeto?
com a eleio de Albuno Azeredo para o governo estadual, em 1990, que o marketing
coroa-se definitivamente como atividade inerente ao processo poltico, no Esprito Santo.
Albuno toma posse no Palcio Anchieta, sede do governo, em 15 de maro de 1991,
transferindo ao marketing capixaba aura de poder e mistrio, magia e seduo, o que o
tornava quase to inacessvel quanto os sacerdcios, razo pela qual este presente trabalho
dedica esforos compreenso dos fatos nele circunscritos.
Ao iniciar meus estudos e pesquisas trazia a iluso de que teria sido a de Albuno a etapa
mais remota do processo, a campanha que introduziria o uso da televiso, com todas as
possibilidades que o veculo implica, nas guerras pelas sucesses no poder poltico
estadual. Pude comprovar que assim tambm pensavam e pensam inmeros outros
profissionais da rea de Comunicao com os quais tive oportunidade de debater o tema,
conforme vou relatar ao longo da exposio dos depoimentos com eles construdos.
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Porm, j em 1982, uma campanha poltica profissional se realiza no Esprito Santo,
embora sem o uso amplo da TV, limitado que estava pelos rigores da Lei Falco. Foi a do
empresrio Camilo Cola, dono da gigantesca Viao Itapemirim, de Cachoeiro do
Itapemirim, sul do estado. Camilo pleiteava a nica vaga disponvel para o Senado no
mesmo ano em que se elegeu Gerson Camata governador do Estado do Esprito Santo.
Disputou pelo PDS, o partido governista, tendo adversrios de peso pelo PMDB: Dirceu
Cardoso, Jos Igncio Ferreira e Berredo de Menezes, oposicionistas histricos, polticos
que se alinharam contrrios ditadura em defesa da redemocratizao do pas.
Conforme revelam fontes diversas, habituado publicidade em seus negcios, o empresrio
Camilo Cola importou do Rio de Janeiro, para o comando de sua campanha, o publicitrio
Nelson Mendes. Que trouxe na bagagem pessoal o condo de ofertar ao cenrio poltico um
nvel de organizao no visto anteriormente em campanhas. Usava de metodologia para
produzir material publicitrio, inclusive, sondagens de opinio junto ao eleitorado. Porm,
experimentou curto perodo de poder nos primeiros anos da dcada de 80 do sculo XX.
Com aqueles que conviveram com Mendes o curto perodo de domnio em meio ao
marketing poltico tentaremos uma aproximao dos fatos.
Em 1982, o publicitrio organiza a primeira campanha de Camilo Cola e quatro anos mais
tarde, faz o mesmo para o empresrio, que, mais uma vez, almeja conquistar uma das, desta
vez, duas vagas disponveis ao Senado da Repblica. Ao mesmo tempo, articula a equipe
de comunicao para a campanha ao governo do Estado do candidato vitorioso Max de
Freitas Mauro.
Foi com Nelson Mendes, em 1986, que se veicularam, pela primeira vez, programas
polticos eleitorais para a televiso com produo e edio elaboradas. Apesar do resultado
favorvel a Max Mauro nas urnas, em razo de suas posies e temperamento, Mendes
conquista inmeros desafetos, o que resulta em perda de espao e comprometimento de
suas aes no cenrio favorvel ao marketing que se ia construindo, porque se soma ao seu
temperamento a segunda derrota consecutiva do patro, Camilo, embora ela tenha ocorrido
muita mais por via de articulaes de foras polticas contrrias a um resultado que lhe
fosse favorvel que por ineficincia da publicidade orquestrada por Mendes em torno do
candidato.
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No vcuo que Mendes deixa atrs de si, posicionam-se duas jornalistas que se consagram
como marqueteiras ao realizarem juntas, em 1990, a campanha vitoriosa de Albuno Cunha
de Azeredo.
Por que Albuno impressionou tanto?
Albuno foi o primeiro e nico homem negro eleito para governar o Esprito Santo. Mas
ter sido somente por esse fator que impressionou de modo mais expressivo a trajetria que
o levou ao Palcio Anchieta? O empresrio e secretrio de Planejamento do Governo Max
deu incio maratona que o levaria ao poder estadual com inexpressivo e ao, mesmo
tempo, preocupante ndice de popularidade entre eleitores pesquisados: 2%, uma
temeridade em corridas sucessrias segundo podem considerar todos, exceto polticos
experimentados e profissionais de comunicao, para quem os nmeros vo se alterando na
medida do acerto das estratgias de propaganda.
Observadores da cena poltica, sejam leigos, sejam profissionais da rea, caso da
publicitria Luciana Brcio, confirmam a idia de que Albuno tenha causado impacto
maior ao que estvamos habituados porque trazia um conjunto de atributos incomuns,
reforados pela propaganda que se adotou em torno de sua candidatura.
A campanha de Albuno parece ter sido a primeira porque foi a que mais me marcou na poca. Ele, inclusive, deu um depoimento sobre as condies financeiras da famlia dizendo que a nica maneira que tinha de estudar era indo para o quartel, onde ele tinha cama, roupa, comida. Chamou ateno no pela questo de ele ser negro, mas por ser uma pessoa em dificuldades financeira, desfavorecida. Existe essa identificao do pblico com o pobre, a pessoa que tem dificuldade e ele, eu acredito, marcou por esse aspecto 4.
Luciana Brcio tinha 20 anos quando Albuno Azeredo surgiu no cenrio poltico capixaba.
Esteve, porm, ligada aos fatos por duas razes: era estudante de Comunicao na
Universidade Federal do Esprito Santo, onde o assunto se tornava tema de debates dirios
e, tanto quanto o candidato, ela mesma de origem negra, o que a tornou especialmente
atenta s circunstncias. 4 Luciana Brcio Depoimento gravado em 28 de abril de 2007, em Vitria.
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O que me marcou foram os elementos. Quando voc junta elementos e eles funcionam, lgico que a histria de Albuno diferente da histria e da trajetria de Max Mauro. So dois polticos marcantes, claros. Um por ser de luta, de contestao, a coisa da credibilidade. O Albuno, at porque no tinha esse pr-histrico pra mostrar, ou no era de grande conhecimento do pblico, esse pode ter sido o diferencial, algum que era pobre, que no tinha condies. Algum que a situao joga contra ele e mesmo assim ele consegue vencer. Eu acho que em segundo plano vem essa coisa de ele ser negro. Hoje em dia, claro, os caminhos esto mais abertos, mas numa poca em que os caminhos no estavam abertos e um negro fazer curso superior ser um engenheiro ou mdico, esse era o diferencial. realmente uma possibilidade, um elemento diferente, algo inusitado, que chama a ateno. Quando voc est na mesma condio de algum que conseguiu vencer todas essas adversidades, isso um estmulo, voc resolve apostar nesse cara. o que na propaganda a gente entende como aquela coisa de que o pobre quer se ver tambm. Ele quer ver algum, tanto nos aspectos do jornalismo, um favelado falando sobre suas condies de vida, como tambm na publicidade o negro fazendo propaganda de xampu, de banco, de roupa. O pobre tambm tem isso. O pobre quer ser visto na mdia, essa coisa da identidade.
Antes que se utilizassem em Albuno os elementos capazes de promover identidade pelas
diferenas, e em Max a trajetria de luta de um combatente na guerra contra a ditadura,
quela altura em agonia, at a eleio de Gerson Camata, que assumiu o governo em maro
de 1983 como o primeiro governador escolhido pelo voto direto para o Esprito Santo desde
a instalao do Regime Militar, o campo poltico capixaba praticava as formas tradicionais
de campanhas eleitorais. Aquelas em que predominavam o contato corpo a corpo entre
eleitores e candidatos, cheias de improvisao, palpites e incertezas, alm do carter de
precariedade do material de propaganda, segundo me informam muitos dos mesmos
polticos que se inseriram em ambos os contextos, o anterior e o posterior introduo do
marketing, bem como profissionais da rea de comunicao que com eles atravessaram
esses perodos.
Compreender, em detalhes, como o Marketing Poltico insere-se no contexto local como
agente de transformao, que mudanas traz em termos do comportamento das massas em
relao aos pretendentes aos cargos pblicos e que mudanas produz em termos do
comportamento dos prprios candidatos o nosso objetivo maior.
A imagem do candidato, a maneira de se dirigir ao eleitor, as plataformas eleitorais, muito
vai mudar a partir do ingresso dos profissionais de comunicao neste cenrio. Equivale
dizer que o marketing promove alterao de condutas no campo poltico e em meio ao
eleitorado?
Em geral, especialistas em comunicao do incio ao trabalho em campanhas a partir do
diagnstico da imagem que o eleitor tem do candidato e de sua trajetria. Com dados
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disponibilizados pelas pesquisas, passam tarefa de construir ou dar novo formato ao
produto. E no raro preciso mudar. Interferem das formas mais diversas. Decidem o modo
do candidato se vestir em aparies pblicas, desde as cores at as peas; o jeito de se
expressar nas entrevistas imprensa, o que vai falar nos comcios em praas pblicas e o
modo de se portar em debates.
O discurso ser construdo menos a partir de convices pessoais do candidato e mais a
partir de demandas apresentadas pelo eleitorado, levantadas pelas pesquisas. A plataforma
que cada um vai apresentar , igualmente, extrada de pesquisas previamente realizadas
junto a formadores de opinio de grupos sociais especficos.
Cada campanha estruturada para corresponder ao eleitorado a que se destina. A
comunicao ser construda de um modo se o candidato tem identidade nas classes A e B,
ou pretende atingi-las, e de outro, se para as classes C, D e E que vai direcionar-se.
Assim, entendo, preciso destacar a relevncia de detalhes especficos dos processos
eleitorais na disputada para o governo do Estado, em 1986 e, sobretudo, em 1990, quando o
resultado das urnas contrariou todos os prognsticos iniciais. Para que se compreenda o
perodo que recorto mais amplamente, entretanto, considero necessrio retroagir a 1982,
ano que fica para a histria como aquele em que se elegeram os primeiros governadores de
estados brasileiros por via do voto direto, desde a instituio do Regime Militar, no pas,
em 1964, quando governadores e prefeitos de capitais eram indicados pelos generais no
comando do Brasil.
A importncia da televiso
A televiso tornou-se, de imediato, com a emergncia do marketing, a vedete principal do
grande espetculo que o pblico assistiria a cada nova campanha poltica, o instrumento
mais importante, aquele que aproximaria os candidatos, num s momento, de centenas de
milhares de eleitores. Por intermediao do veculo, muito mais que de qualquer outro,
polticos e profissionais de comunicao teriam uma ferramenta de poder s mos de
alcance incalculvel e ainda por experimentar.
Polticos que comearam carreira fazendo discurso em perodos eleitorais em cima de
bancos e caminhes em praas pblicas e feiras livres, multiplicariam o efeito da
comunicao com auxlio da imagem e do som que o veculo projeta.
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A capacidade mobilizadora da TV que, sobretudo, encurta distncias e potencializa a
comunicao - tem sido tema de estudos e anlises h muitas dcadas. Jos Salomo David
Amorim um dos estudiosos mais insistentes. Sobre sua importncia ele assim escreveu:
De todos os meios de comunicao de massa, a televiso o mais fascinante. Fabrica sonhos, destri mitos, adultiza criana, infantiliza os adultos, invade nossa intimidade, transforma o mundo numa grande aldeia, o smbolo de uma nova idade e de uma nova cultura. (1973: 122).
Analisando um dos mais ousados pensadores da poca, o canadense Marshall McLuhan,
chamado o profeta da idade eletrnica, da qual a televiso foi e ainda o smbolo maior,
Amorim lembra que McLuhan elaborou uma teori