junho de 2016
Mónica Rafaela Coelho Gonçalves
Famílias Invalidantes: Relação com Imagem Corporal, Comportamento Alimentar Disfuncional e Relações Íntimas
Universidade do MinhoEscola de Psicologia
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junho de 2016
Mónica Rafaela Coelho Gonçalves
Famílias Invalidantes: Relação com Imagem Corporal, Comportamento Alimentar Disfuncional e Relações Íntimas
Universidade do MinhoEscola de Psicologia
Dissertação de MestradoMestrado Integrado em Psicologia
Trabalho realizado sob a orientação da
Professora Doutora Sónia Ferreira Gonçalves
DECLARAÇÃO
Nome: Mónica Rafaela Coelho Gonçalves
Endereço Eletrónico: [email protected]
Número de Cartão de Cidadão: 13466977
Título da Dissertação: Famílias Invalidantes: Relação com Imagem Corporal,
Comportamento Alimentar Disfuncional e Relações Íntimas
Orientadora: Professora Doutora Sónia Ferreira Gonçalves
Ano de Conclusão: 2016
Designação do Mestrado: Mestrado Integrado em Psicologia
É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTA DISSERTAÇÃO APENAS
PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO
INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE;
Universidade do Minho, 14 de junho de 2016
Assinatura: ____________________________________
Índice
Introdução......................................................................................................................6
Método..........................................................................................................................10
Amostra..............................................................................................................10
Instrumentos.......................................................................................................11
Procedimento......................................................................................................13
Análise de Dados................................................................................................15
Resultados.....................................................................................................................16
Discussão.......................................................................................................................26
Conclusão......................................................................................................................29
Referências....................................................................................................................31
Índice de Tabelas
Tabela 1.........................................................................................................................17
Tabela 2.........................................................................................................................18
Tabela 3.........................................................................................................................19
Tabela 4.........................................................................................................................20
Tabela 5.........................................................................................................................22
Tabela 6.........................................................................................................................23
Tabela 7.........................................................................................................................24
Tabela 8.........................................................................................................................25
iii
Agradecimentos
À profª Doutora Sónia Gonçalves por toda a sua orientação, dedicação, disponibilidade,
incentivo, e por todo o seu espírito construtivo e incansável que foram essenciais para a
realização deste trabalho.
Às colaboradoras desta investigação (Doutoras Ana Pinto Bastos, Joana Saraiva e
Vanessa Moutinho) por toda a disponibilidade e tempo dispensados na recolha de dados
para esta investigação.
À autora da escala ICES, Victoria Mountford, por ter autorizado a sua tradução e
utilização na população portuguesa.
Ao professor Carlos Gomes e restantes docentes pela colaboração nesta investigação.
À direção da Escola D. Maria II de Braga e respetivos docentes por terem disponibilizado
os seus alunos, mesmo perdendo algum tempo das suas aulas para participarem neste
estudo.
Aos meus pais, pela educação e valores que me transmitiram. Por todo o esforço em
assegurar o meu conforto, segurança, e acima de tudo felicidade. Obrigada por viverem
em função de nós. Deram o que podiam e não podiam.
À minha irmã, pelos abraços de regresso a casa. Por todo o amor verdadeiro, compreensão
e carinho. Pelos momentos que adormeceu no sofá à minha espera. Dedico-lhe todas as
horas que foram por mim despendidas neste trabalho.
A ti Pedro, pelo amor incondicional. Por teres acreditado sempre em mim, e ouvires todas
as minhas angústias e inseguranças. Pela tua incansável paciência e presença. Não seria
“perfeita” sem ti.
Às minhas amigas Jerusa e Susana, pela amizade de tantos anos, pelo carinho, cafés e por
todo o incentivo aos fins-de-semana.
À minha família CAUM, pela amizade incondicional, música, companheirismo, e acima
de tudo por estarem sempre lá. Sem vocês a caminhada não teria sido tão marcante. Levo-
vos comigo para a vida.
Obrigada, do fundo do meu coração, a todos aqueles que embora possa omitir, estão
presentes no meu coração, e a quem fico eternamente grata por me terem feito mais feliz
em algum momento desta jornada. Dedico-lhes também este trabalho.
iv
Famílias Invalidantes: Relação com imagem corporal, comportamento alimentar
disfuncional e relações íntimas
Resumo
A presente investigação teve como objetivo estudar a relação entre ambientes de infância
invalidantes, autoimagem corporal, sintomatologia das perturbações alimentares e
dificuldades ao nível das relações íntimas numa amostra não clínica e numa amostra
clínica. Na amostra não clínica participaram 431 indivíduos, entre os quais 380 (88.2%)
estudantes universitários e 51 (11.8%) estudantes do ensino secundário. Na amostra
clínica participaram 41 pacientes, 36 (87.8%) recrutados de dois centros hospitalares e 5
(12.2%) de um serviço de consulta psicológica universitário. Os participantes foram
avaliados com a Escala de Ambientes de Infância Invalidantes, o Questionário da Forma
Corporal, o Questionário de Avaliação das Perturbações Alimentares e o Inventário de
Experiências nas Relações Íntimas. Os resultados na amostra não clínica demonstraram
existir uma associação entre níveis de invalidação percebidos no contexto familiar e
níveis mais elevados de insatisfação corporal, maiores preocupações com o peso e forma
corporal e maiores níveis de evitamento da proximidade e ansiedade relacionada com o
abandono nas relações íntimas. Na amostra clínica foram encontradas associações
positivas entre mães e pais invalidantes, entre mães invalidantes e preocupações
alimentares, e ainda entre insatisfação corporal e sintomatologia alimentar. Estes
resultados apontam a invalidação parental como um constructo importante na
sintomatologia alimentar.
Palavras-chave: ambientes de infância invalidantes, autoimagem corporal,
sintomatologia alimentar, relações íntimas
v
Invalidating Families: Relationship with body image, dysfunctional eating behavior
and close relationships
Abstract
The main objective of the present study was to relate invalidating childhood environments
with body self-image, eating disorders symptomatology and difficulties in terms of close
relationships in a non-clinical sample and a clinical sample. The non-clinical sample was
composed by 431 individuals, being 380 (88.2%) college students and 51 (11.8%) high
school students. The clinical sample comprised 41 patients, 36 (87.8%) recruited from
two hospitals and 5 (12.2%) from a university psychological counseling service.
Participants were assessed with the Invalidating Childhood Environments Scale, the Body
Shape Questionnaire, the Eating Disorder Examination Questionnaire and the
Experiences in Close Relationships Inventory. In the non-clinical sample, an association
was found between invalidation levels perceived within the family and higher levels of
body dissatisfaction, greater concerns about weight and body shape and greater avoidance
levels of proximity and anxiety related to abandonment in close relationships. In the
clinical sample positive associations were found between invalidating mothers and
fathers, invalidating mothers and eating concerns, and body dissatisfaction and eating
symptomatology. These results point parental invalidation as an important factor in the
eating symptomatology.
Keywords: invalidating childhood environments, body self image, eating
symptomatology, close relationships
Famílias Invalidantes 6
Introdução
Um vínculo emocional seguro entre pais e filhos tem sido considerado um fator
chave no funcionamento emocional das crianças, na medida em que estas aprendem a
lidar com as suas emoções tendo por base uma ligação emocional positiva com os seus
prestadores de cuidados (Holtom-Viesel & Allan, 2014; Mills, Newman, Cossar, &
Murray, 2015). O estudo de Boutelle, Eisenberg, Gregory, e Neumark-Sztainer (2009)
verificou que numa amostra de adolescentes existiu uma forte associação entre variáveis
como, vinculação parental, suporte familiar, e a regulação emocional das adolescentes.
Ambientes de infância invalidantes constituem meios familiares em que a comunicação
de emoções por parte da criança foi considerada inapropriada, sendo ignorada ou punida
(Ford, Waller, & Mountford, 2011; Linehan, 1993; Mountford, Corstorphine
Tomlinson, & Waller, 2007). A investigação tem considerado que um ambiente familiar
disfuncional constitui um fator de risco para uma desregulação emocional no indivíduo,
que por sua vez contribui para o surgimento de uma perturbação alimentar (Burns,
Fischer, Jackson, & Harding, 2014; Feinson & Hornik-Lurie, 2016; Haslam, Mountford,
Meyer, & Waller, 2008; Lyke & Matsen, 2013). Um indivíduo que cresceu num
ambiente de infância invalidante, aprendeu a auto invalidar-se emocionalmente, uma
vez que durante a sua infância, não lhe foi permitido demonstrar emoções negativas.
Este indivíduo está mais propício a lidar com as suas experiências emocionais negativas
envolvendo-se em comportamentos não adaptativos, tais como a ingestão alimentar
impulsiva, ou a restrição alimentar e o exercício físico excessivo (Ford et al., 2011;
Haslam et al., 2008; Mountford et al., 2007).
Linehan (1993) no seu modelo de terapia comportamental dialética realçou o
comportamento parental não adaptativo como um fator subjacente à maioria dos
traumas na infância. Deste modo, para além de fatores relacionados com história de
trauma na infância, como o abuso sexual, abuso físico e negligência física associados a
psicopatologia alimentar, estudos mais recentes têm encontrado uma associação entre a
psicopatologia alimentar e as formas de abuso mais subtis como as figuras parentais
invalidarem a resposta emocional da criança (Ford et al., 2011; Mills et al., 2015;
Mountford et al., 2007). Estes resultados apontam para uma relevância do ambiente de
infância no desenvolvimento de perturbações alimentares. Ambientes de infância
invalidantes parecem estar associados ao desenvolvimento de perturbações alimentares
Famílias Invalidantes 7
em indivíduos de uma amostra clínica (Haslam et al., 2008; Tetley, Moghaddam,
Dawson, & Rennoldson, 2014).
Por outro lado, o estudo longitudinal de Boutelle e colaboradores (2009)
verificou que a boa conectividade entre pais e filhos esteve associada a uma maior
satisfação com a imagem corporal, numa amostra não clínica de mulheres adolescentes.
A autoimagem corporal envolve uma atitude do indivíduo que abrange diversas
dimensões como aspetos percetuais, afetivos, cognitivos e comportamentais acerca da
sua forma corporal e peso (Shea & Pritchard, 2007; Tiggemann, 2004). Um outro
estudo, levado a cabo com uma amostra de jovens adultas com experiências de infância
invalidantes verificou que estas necessitaram de maior valorização externa para
apresentarem uma visão mais positiva de si, sendo que, demonstraram uma maior
insegurança em relação à sua imagem corporal, comparativamente às jovens com
ligações mais positivas às figuras parentais (Cheng & Mallinckrodt, 2009). As jovens
adultas que recordavam um ambiente familiar mais responsivo com uma ligação
emocional mais positiva às figuras parentais, apresentaram maior satisfação com a
imagem corporal, comparativamente às jovens que recordaram uma ligação emocional
pobre com as figuras parentais (Cheng & Mallinckrodt, 2009). Altos níveis de
insatisfação corporal foram associados a maior insatisfação nas relações familiares e a
maior severidade da sintomatologia alimentar (Arcelus, Yates, & Whiteley, 2012; Mantilla, Bergsten, & Birgegard, 2014; Shea & Pritchard, 2007). Por outro lado, alguns
estudos têm demonstrado que existe uma associação entre insatisfação corporal e
padrões de comportamento alimentar não adaptativos, e que a perceção de autoimagem
corporal parece constituir um preditor muito forte no surgimento de sintomatologia
alimentar em indivíduos de uma amostra clínica e não clínica (Iannaccone, D’Olimpio,
Cella, e Cotrufo, 2016; Legnani et al., 2012; Munkholm et al., 2016).
A perceção de autoimagem corporal não só é construída através da ligação
afetiva com outros significativos nas relações de vinculação da infância como também
nas relações de vinculação na idade adulta (Cheng & Mallinckrodt, 2009; Paiva &
Figueiredo, 2010). Estudos sugerem que as representações mentais do self que os
indivíduos construíram em interações familiares prévias com os seus significativos,
influenciam as suas interações na idade adulta numa diversidade de contextos
relacionais, como amigos e parceiros numa relação íntima (Fraley, Heffernan, Vicary, &
Brumbaugh, 2011). Por exemplo, Paiva e Figueiredo (2010) salientam o impacto da
relação de vinculação que o indivíduo estabeleceu na infância, no estabelecimento de
Famílias Invalidantes 8
uma relação íntima segura mais tarde. Isto indica que há uma tendência para a
manutenção dos padrões de interação com outros significativos ao longo da vida (Evans
& Wertheim, 2005). Indivíduos com um estilo de vinculação seguro exibem relações
mais seguras, estáveis e longas do que os indivíduos provenientes de um estilo de
vinculação inseguro ou evitante (Paiva & Figueiredo, 2010). Outros estudos (Tasca et
al., 2013; Tasca & Balfour, 2014; Tobler, 2007) têm demonstrado uma associação entre
os estilos de vinculação insegura às figuras parentais na infância com os estilos de
vinculação insegura na idade adulta, e maior severidade da sintomatologia alimentar.
Foi também encontrada uma associação entre estilos de vinculação insegura,
insatisfação corporal e dificuldades ao nível da regulação de emoções negativas em
mulheres com perturbações alimentares (Tasca et al., 2006). Adicionalmente, foi
verificado que mulheres com perturbações alimentares exibiam características similares
aos estilos de vinculação insegura e ansiosa comparativamente a mulheres de uma
amostra não clínica (Evans & Wertheim, 2005; Friedman, Dixon, Brownell, Whishman,
& Wilfley, 1999). O estudo de Arcelus e colaboradores (2012) também verificou que
numa amostra não clínica houve uma associação entre sintomas alimentares subclínicos
e uma dificuldade acrescida ao nível da intimidade na idade adulta. Assim, as
dificuldades ao nível do estabelecimento de relações íntimas parecem constituir outra
variável associada à sintomatologia da psicopatologia alimentar em amostras clínicas
como em não clínicas (Arcelus et al., 2012; Tasca & Balfour, 2014).
Num estudo realizado com mulheres Japonesas, verificou-se que mais de metade
destas desenvolveu uma perturbação alimentar na ocorrência de problemas conjugais ou
após o término de um relacionamento amoroso ou divórcio (Kiriike, Nagata,
Matsunaga, Tobitani, & Nishiura, 1996). No entanto, numa amostra não clínica também
se verificou que níveis mais baixos de suporte obtido pelos parceiros românticos
estavam associados ao aumento da sintomatologia da psicopatologia alimentar (Arcelus
et al., 2012; Juda, Campbell, & Crawford 2004). Na meta-análise realizada por Arcelus
e colaboradores (2012) o stress conjugal foi considerado o precipitante da maioria dos
casos de perturbações alimentares, sendo que, a melhoria dos sintomas da
psicopatologia alimentar pareceu aliar-se a um sentimento mais feliz numa relação
íntima.
Deste modo, torna-se de extrema relevância compreender a dinâmica subjacente
entre o envolvimento emocional com as figuras parentais, comportamento alimentar
disfuncional, e estabelecimento de relações íntimas no domínio romântico. Na
Famílias Invalidantes 9
investigação que tem sido feita até à atualidade, tem-se verificado uma associação entre
a disfuncionalidade ao nível do relacionamento familiar, insatisfação corporal, maior
severidade da sintomatologia da psicopatologia alimentar, e insatisfação nas relações
íntimas tanto em amostras clínicas como em não clínicas (Arcelus et al., 2012). Neste
sentido, é importante perceber qual o impacto das relações do seio paternal na vida
emocional futura dos filhos, tanto em relação a si próprios como na relação com os
outros. Pretende-se, desta forma, compreender se ambientes de infância invalidantes
contribuem para que o indivíduo fique mais predisposto ao desencadeamento de uma
desregulação emocional, podendo emergir perturbações do foro emocional como as
perturbações alimentares e adicionalmente dificuldades acrescidas ao nível do
estabelecimento de relações íntimas seguras.
Objetivos
Este estudo tem como objetivo avaliar a relação entre ambientes de infância
invalidantes, autoimagem corporal, sintomatologia das perturbações alimentares e
dificuldades ao nível das relações íntimas.
Tendo em conta a escassez de investigação sobre ambientes de infância
invalidantes associados à insatisfação com a imagem corporal e sintomatologia
alimentar, o presente estudo pretende contribuir para uma melhor compreensão da
associação entre estas variáveis no contexto comunitário e no contexto clínico,
nomeadamente numa população com perturbações alimentares. Por outro lado, existem
poucos estudos acerca da relação entre a sintomatologia alimentar e estilos de
vinculação numa relação íntima no domínio romântico. Segundo alguns estudos
realizados até ao momento, existe uma continuidade ao nível das dificuldades nas
relações de vinculação da infância para as relações de vinculação na idade adulta (Paiva
& Figueiredo, 2010). Outros estudos verificaram uma relação entre a disfuncionalidade
ao nível da proximidade emocional pais-filhos e sintomatologia da psicopatologia
alimentar (Feinson & Hornik-Lurie, 2016; Lyke & Matsen, 2013; Haslam et al., 2008;
Mountford et al., 2007). Deste modo, este estudo pretende analisar a relação entre estas
variáveis em simultâneo, e caso se verifique uma associação entre as variáveis, ou seja,
entre dificuldades ao nível das relações com os significativos na infância,
sintomatologia da psicopatologia alimentar e dificuldades ao nível das relações com
parceiros numa relação íntima, esta associação poderá fornecer uma luz acerca de uma
Famílias Invalidantes 10
eventual origem precoce das dificuldades relacionais que se mantêm na idade adulta, e
que por sua vez se manifestam no desenvolvimento da insatisfação corporal e
sintomatologia alimentar.
Nesta sequência, admitem-se as seguintes hipóteses:
1. Indivíduos que caracterizam as suas famílias como invalidantes apresentam uma
maior insatisfação com a imagem corporal, revelam maiores níveis de
sintomatologia alimentar e apresentam uma maior dificuldade ao nível do
estabelecimento de relações íntimas que os indivíduos que caracterizam as suas
famílias como validantes;
2. Existe uma associação entre ambientes de infância invalidantes, insatisfação
com a imagem corporal, sintomatologia alimentar e relações íntimas em ambas
as amostras;
3. Indivíduos da amostra clínica foram mais expostos a ambientes de infância
invalidantes do que indivíduos da amostra não clínica.
Método
Amostra
Este estudo compreende duas amostras: uma amostra não clínica e uma amostra
clínica.
Na amostra não clínica participaram 431 indivíduos, sendo 365 (84.7%) do sexo
feminino e os restantes 66 (15.3%) do sexo masculino. Incluíram-se 237 (55%)
estudantes de uma instituição de ensino superior público, 143 (33.2%) estudantes de
uma instituição do ensino superior privado, e 52 (11.8%) estudantes de uma instituição
de ensino secundário público. As idades dos participantes estiveram compreendidas
entre os 15 e 52 anos (M=20.1, DP= 3.52). O índice de massa corporal (IMC) dos
indivíduos variou entre 16.33 e 34.48 (M=21.6, DP=2.77).
Na amostra clínica participaram 41 indivíduos, que incluiu 38 (92.7%)
indivíduos do sexo feminino e três (7.3%) indivíduos do sexo masculino. Estes
indivíduos foram recrutados em dois centros hospitalares do Porto, no qual participaram
36 (87.8%) pacientes, e de um serviço de consulta psicológica universitário de Braga no
qual participaram cinco (12.2%) pacientes. As idades dos indivíduos da amostra clínica
Famílias Invalidantes 11
estiveram compreendidas entre os 15 e 40 anos (M=22.0, DP=6.66). O IMC variou
entre 12.98 e 33.09 (M=18.74, DP=4.06). Relativamente aos diagnósticos dos
indivíduos da amostra clínica, 26 (5.8%) indivíduos tinham anorexia nervosa, sete
(1.6%) indivíduos tinham bulimia nervosa, três (0.7%) tinham sido diagnosticados com
ingestão alimentar compulsiva e dois (0.4%) estavam em tratamento follow up de
anorexia nervosa. Assumiu-se que estes pacientes, para além de cumprirem os critérios
de diagnóstico segundo o DSM 5 (APA, 2013), no momento estavam em tratamento.
Instrumentos
Avaliação dos Ambientes de Infância Invalidantes
A avaliação dos ambientes de infância invalidantes foi realizada através da
Escala de Ambientes de Infância Invalidantes (ICES) (Invalidating Childhood
Environments Scale, de Mountford et al., 2007). Numa primeira fase, procedeu-se à
tradução da escala para português europeu, e posterior retroversão por um sujeito
bilingue. A retroversão foi enviada à autora original da ICES cujo feedback foi positivo.
Posteriormente procedeu-se à administração da escala aos participantes do estudo.
Este instrumento de autorrelato é constituído por 14 itens que medem os
comportamentos maternos e paternos, definindo para cada um separadamente, um score
invalidante (Haslam et al., 2008). Os participantes, nos 14 itens iniciais, responderam a
uma escala tipo likert que varia entre 1 (“Nunca”) e 5 (“A todo o tempo”) para avaliar a
sua experiência até aos 18 anos com cada figura parental. Os itens “5”, “8”, “12” e “14”
constituem itens invertidos. Na parte final do instrumento, existem quatro itens, sendo
que, cada um corresponde a um tipo de família diferente (“caótico”, “validante”,
“perfeito” e “típico”). Numa família “caótica” os pais são indisponíveis às necessidades
emocionais e físicas da criança, podendo apresentar perturbações psicopatológicas,
como uso de substâncias, ou problemas financeiros. A criança que cresce neste tipo de
família ficou a maior parte do tempo a seu próprio cargo, e os seus pedidos de apoio
foram a maioria das vezes respondidos de forma agressiva (com raiva) por parte dos
pais. Uma família “validante” representa uma família em que as emoções da criança
foram respondidas adequadamente através do incentivo e suporte emocional. Numa
família “perfeita” aparentemente tudo parece perfeito, no entanto, os pais mostram-se
chateados caso a criança exprima emoções negativas. Por fim uma família “típica”
Famílias Invalidantes 12
corresponde a uma família cujo foco se encontra essencialmente nas realizações e no
sucesso profissional, existindo um controlo ao nível da expressão de emoções. Estes
quatro tipos de família descritos (um validante e três invalidantes) são definidos através
de um score que corresponde às perceções do indivíduo relativamente ao seu tipo de
família, sendo que, o item com score mais elevado corresponde à perceção geral do
indivíduo acerca do seu tipo de família, podendo este descrever-se em mais que um tipo
de família. Os participantes responderam a uma escala tipo likert que varia entre 1
(“Não se parece com a minha família”) e 5 (“Parece-se com a minha família a todo o
tempo”).
Neste instrumento, as médias dos scores mais elevadas correspondem a um
maior nível de ambientes de infância invalidantes. Relativamente aos tipos de família,
médias de scores mais elevadas correspondem a maiores níveis de tipos de família
“caótico”, “validante”, “perfeito” e “típico”. Os resultados da versão original da ICES
indicam bons níveis de consistência interna a nível da invalidação materna (α=.77) e
invalidação paterna (α=.80). Os valores de consistência interna neste estudo para a
população portuguesa também apresentaram uma elevada consistência interna tanto na
invalidação materna (α=.85) como na invalidação paterna (α=.86).
Avaliação da Imagem corporal
A imagem corporal foi avaliada através do Questionário da Forma Corporal
(QFC) (Body Shape Questionnaire, de Cooper, Taylor, Cooper, & Fairburn, 1987;
versão portuguesa adaptada por Vieira, Palmeira, Francisco, & Teixeira, 2004).
Este instrumento constitui uma medida de autorrelato composta por 34 itens que
avaliam as preocupações com o corpo e a forma corporal nas últimas quatro semanas.
As respostas podem variar entre 1 (“Nunca”) e 6 (“Sempre”), sendo que as respostas
mais elevadas correspondem a uma maior insatisfação com a imagem corporal. Este
instrumento revelou elevada consistência interna (α=.97) no estudo original, assim
como no presente estudo (α=.98).
Avaliação da sintomatologia alimentar
A sintomatologia alimentar foi avaliada através do ED-15 (Tatham, Turner,
Mountford, Tritt, Dyas, & Waller, 2015; tradução de Machado, 2016). O instrumento
Famílias Invalidantes 13
consiste numa medida de autorrelato constituída por 15 itens, em que 10 itens avaliam
as atitudes da semana anterior, dividindo-se em duas subescalas: “preocupações
alimentares” e “preocupações com o peso e forma corporal”. Estes itens variam segundo
uma escala do tipo likert que varia entre 0 (“Nada”) e 6 (“Sempre”). Os cinco itens
finais avaliam os comportamentos alimentares do indivíduo durante a semana anterior,
como o número de vezes em que se envolveu em ingestão alimentar compulsiva e
provocou o vómito, e o número de dias em que se envolveu no uso de laxantes,
realização de exercício físico, e restrição alimentar. Este instrumento apresentou boas
propriedades psicométricas, tanto na escala total (α= .93), como nas suas duas
subescalas: “preocupações com o peso e forma corporal” (α= .94) e “preocupações
alimentares” (α= .80). No presente estudo, também se verificaram níveis adequados de
consistência interna na escala total (α= .91), na subescala “preocupações com o peso e
forma corporal” (α= .91), e na subescala “preocupações alimentares” (α= .82).
Avaliação do estabelecimento de Relações Íntimas
O estabelecimento de relações íntimas foi avaliado através do Inventário de
Experiências nas Relações Íntimas (ECR) (Experiences in Close Relationships
Inventory, de Brennan, Clark, & Shaver, 1998; versão portuguesa adaptada por Paiva &
Figueiredo, 2010).
Este instrumento de autorrelato é constituído por 36 itens avaliados segundo uma
escala tipo likert, que varia entre 1 (“Completamente em desacordo”) e 7
(“Completamente de acordo”). Este instrumento permite avaliar a vinculação existente
nas relações íntimas baseando-se em duas dimensões: “evitamento de proximidade” e
“ansiedade relacionada com o abandono”. Esta medida, no estudo original demonstrou
níveis adequados de consistência interna nas dimensões avaliadas, sendo que, os valores
de consistência interna para a escala total foram elevados (α=.86), assim como nas duas
subescalas: “evitamento da proximidade” (α=.88) e “ansiedade relacionada com o
abandono” (α=.86). No presente estudo, a escala também revelou níveis adequados de
consistência interna, tanto na escala total (α=.89), como na subescala “evitamento da
proximidade” (α=.87) e na subescala “ansiedade relacionada com o abandono” (α=.89).
Famílias Invalidantes 14
Procedimento
O recrutamento dos participantes da amostra não clínica foi conduzido em três
instituições de ensino do Norte do país, duas de ensino superior (uma de ensino superior
público e outra de ensino superior privado) e uma de ensino secundário.
O recrutamento dos estudantes do ensino secundário iniciou-se com um pedido de
autorização ao responsável pela direção da instituição em questão. Seguidamente, foi
pedida uma avaliação dos instrumentos do estudo à Delegação Geral da Educação (DGE),
e autorização para estes serem administrados aos alunos que participassem no mesmo.
Após obtida autorização por parte da DGE, oficializou-se o pedido de autorização à
direção da instituição. Foram então selecionadas, aleatoriamente, três turmas de alunos
dos 10º, 11º e 12º anos. Após o preenchimento dos consentimentos informados dos
respetivos encarregados de educação, iniciou-se a recolha dos dados, realizada sempre no
início de uma aula.
Salienta-se que, antes da aplicação do protocolo experimental, todos os
participantes da amostra não clínica, preencheram um consentimento informado onde se
enfatizou a confidencialidade dos dados, e de seguida um questionário
sociodemográfico. O preenchimento dos questionários decorreu dentro de uma sala
apenas na presença do investigador e, no caso dos alunos de secundário, na presença do
investigador e docente responsável pela aula do momento.
O recrutamento e a seleção dos participantes da amostra clínica foram
conduzidos em dois Centros Hospitalares da Região Norte e numa clínica de consulta
psicológica universitária. O estudo foi apresentado às direções das instituições e,
seguidamente, aos participantes, dos quais foi obtido por escrito o consentimento
informado onde se enfatizou a confidencialidade dos dados, seguido do questionário
sociodemográfico. O preenchimento destes questionários ocorreu durante uma consulta
no centro médico/hospitalar e apenas na presença do investigador.
Após a aceitação dos participantes, em cada uma das amostras foi realizado o
protocolo experimental que envolveu quatro tarefas: avaliação de ambientes de infância
invalidantes, avaliação da imagem corporal, avaliação da severidade de sintomatologia
alimentar e avaliação de relações íntimas. As tarefas foram realizadas de forma aleatória
entre os participantes, de forma a evitar efeitos de enviesamento por cansaço nos
questionários. O tempo para aplicação do protocolo de investigação foi de cerca vinte
minutos.
Famílias Invalidantes 15
As amostras não clínica e clínica foram divididas em dois grupos: indivíduos de
tipos de família invalidantes e indivíduos de tipos de família validantes. Neste estudo,
foram consideradas como famílias invalidantes as famílias caóticas, as perfeitas, e as
típicas. Apenas foi considerado tipo de família validante os indivíduos que se
descreveram maioritariamente neste tipo de família.
Análise de Dados
A fim de caracterizar as amostras e as variáveis em estudo, recorreu-se aos
procedimentos da estatística descritiva, nomeadamente as frequências, medidas de
tendência central como a média, e medidas de dispersão como o mínimo, máximo e
desvio padrão. A fim de calcular o IMC dos participantes foram utilizados os valores do
peso e altura que foram obtidos por autorrelato no questionário sociodemográfico.
Numa primeira fase foi realizada a análise exploratória de dados onde se
realizaram testes a fim de verificar a normalidade da distribuição. Foi analisada a
assimetria e curtose, o teste de Kolmogorov-Smirnov e Shapiro-Wilk, e o teste de
Levene. Os procedimentos da análise exploratória de dados permitiram aferir que os
pressupostos da normalidade não estavam cumpridos em todas as variáveis, sendo que,
se optou por testes não paramétricos nas variáveis que não seguiram a distribuição
normal. No que concerne à validação das propriedades psicométricas dos instrumentos
de avaliação recorreu-se ao alfa de Cronbach o qual envolve uma propriedade
designada por coeficiente de correlação (r) cujo valor se deve encontrar pelo menos
entre .70 e .90, o que permite estimar a consistência interna de cada instrumento. Foi
verificada a homogeneidade entre os itens dos instrumentos utilizados, dado que o alfa
de Cronbach se encontrou acima de .80, conferindo-se assim a fiabilidade dos mesmos
(Field, 2009). Seguidamente, procedeu-se à análise inferencial no qual foram
determinadas as significâncias estatísticas, sendo que todos os testes de diferenças e de
associação foram considerados estatisticamente significativos quando os respetivos
valores de probabilidade foram inferiores a .05 (Martins, 2011).
Num primeiro momento foram avaliadas diferenças entre famílias invalidantes e
validantes na amostra não clínica e clínica ao nível do pai e mãe invalidantes, da
satisfação com a imagem corporal, sintomatologia alimentar, e relações íntimas. Para os
scores totais das escalas QFC, ED-15 e ECR recorreu-se a testes de Mann-Whitney,
uma vez que os pressupostos da normalidade não estiveram cumpridos. Os resultados
Famílias Invalidantes 16
das subescalas “preocupações com o peso e forma corporal”, e “preocupações
alimentares” do ED-15, assim como das subescalas “evitamento da proximidade” e
“ansiedade relacionada com o abandono” do ECR foram comparados entre grupos
através da Análise Multifatorial da Variância (MANOVA). Seguidamente, na amostra
não clínica para verificar a associação entre as variáveis em estudo recorreu-se ao
coeficiente de correlação de Spearman (rs), uma vez que, os pressupostos da
normalidade não foram cumpridos para as variáveis intervalares.
Na amostra clínica, para verificar a associação entre as variáveis intervalares
recorreu-se ao coeficiente de correlação de Pearson (r), e para testar a correlação entre
variáveis ordinais, e entre intervalares e ordinais recorreu-se ao coeficiente de
correlação de Spearman (rs). Finalmente, para avaliar a associação entre contextos
invalidantes e amostra clínica vs. não clínica foi realizado um teste de Qui-Quadrado
(χ2).
A análise dos dados foi conduzida através do software estatístico IBM SPSS,
versão 23.
Resultados
1. Amostra Não Clínica
1.1. Estatísticas descritivas dos indivíduos da amostra não clínica
Neste estudo participaram 431 indivíduos de uma amostra não clínica, sendo que
a grande maioria dos participantes caracterizou a sua família como validante (n = 301;
69.8%), e os restantes indivíduos caracterizaram a sua família como invalidante (n =
130; 30.2%).
1.2. Diferenças entre famílias invalidantes e famílias validantes relativamente aos
pais
A tabela 1 apresenta os resultados da MANOVA realizada para testar as
diferenças entre tipos de famílias invalidantes e validantes, e pais e mães invalidantes.
Foram encontradas diferenças estatisticamente significativas multivariadas ao
nível de ambos os pais invalidantes (Wilks’Lambda = .69, F (2,409) = 91.582, p < .001).
Famílias Invalidantes 17
Tabela 1
Diferenças ao nível de Pais e Mães Invalidantes e Tipos de Família
Amostra Não Clínica
N = 431
Tipos de Famílias Invalidantes
(n = 120)
M (DP)
Tipos de Famílias Validantes
(n = 292)
M (DP)
F (1,410)
(univariado)
Pais Invalidantes 35.19 (10.2) 23.98 (6.27) 10698.3***
Mães Invalidantes 31.86 (10.2) 23.06 (5.59) 6581.2***
*** p < .001
Verificou-se que existem diferenças estatisticamente significativas univariadas entre
os tipos de família e pais invalidantes F (1,410) = 10698.3, p < .001 e mães invalidantes
F (1,410) = 6581.2, p < .001, sendo que, os tipos de família invalidantes apresentam
mais pais invalidantes (M=35.19, DP=10.2) e mães invalidantes (M=31.86, DP=10.2)
que os tipos de família validantes.
1.3. Diferenças entre famílias invalidantes e famílias validantes ao nível da
insatisfação com a imagem corporal
A tabela 2 apresenta os resultados do Teste de Mann-Whitney realizado para a
escala total da Imagem Corporal. Foram encontradas diferenças estatisticamente
significativas ao nível da variável imagem corporal total (U = 16244.50, p = .027),
sendo que os indivíduos de tipos de família invalidantes apresentam maior insatisfação
com a imagem corporal (Ordem Média = 232.09) que os indivíduos de tipos de família
validantes (Ordem Média = 203.38).
Famílias Invalidantes 18
Tabela 2
Diferenças ao nível da Insatisfação com a Imagem Corporal em função dos dois Tipos
de Família
* p < .05
1.4. Diferenças entre famílias invalidantes e famílias validantes ao nível da
sintomatologia da psicopatologia alimentar
A tabela 3 apresenta os resultados da MANOVA realizada para as subescalas do
ED-15 correspondentes às atitudes perante a alimentação relativamente aos tipos de
família invalidantes e validantes.
Relativamente às diferenças entre os tipos de família e as subescalas do ED-15,
foram encontradas diferenças estatisticamente significativas multivariadas ao nível da
sintomatologia alimentar (Wilks’Lambda = .98, F (2,427) = 4.25, p = .015).
Os testes univariados revelaram diferenças estatisticamente significativas ao
nível da subescala preocupações com o peso e forma corporal, F (1, 428) =13.1, p =
.004, sendo que os indivíduos de tipos de família invalidantes apresentaram maiores
preocupações com o peso e forma corporal (M=1.39, DP=1.44) que os indivíduos de
tipos de família validantes. No entanto, não se verificaram diferenças estatisticamente
significativas na subescala preocupações alimentares, F (1, 428) =9476.4, p = .442.
Amostra Não Clínica
N = 431
Tipos de Famílias Invalidantes
(n = 127)
Ordem Média
Tipos de Famílias Validantes
(n = 296)
Ordem Média
U
Insatisfação com a imagem corporal
232.09 203.38 16244.50*
Famílias Invalidantes 19
Tabela 3
Diferenças ao nível das subescalas do ED-15 e Tipos de Família
Amostra Não Clínica
N = 431
Tipos de Famílias Invalidantes
(n = 129)
M (DP)
Tipos de Famílias Validantes
(n = 301)
M (DP)
F (1,428)
(univariado)
Preocupações Alimentares
25.16 (150.9) 14.9 (114.4) 9476.4
Preocupações com o Peso e Forma Corporal
1.39 (1.44) 1.01 (1.18) 13.1**
** p < .01
O teste de Mann-Whitney revelou diferenças estatisticamente significativas ao
nível da sintomatologia alimentar, score total ED-15 (U = 16072.0, p = .003), sendo que
os participantes das famílias invalidantes referem mais sintomatologia alimentar
(Ordem Média = 237.0) que os participantes das famílias validantes (Ordem Média =
201.4).
1.5. Diferenças entre famílias invalidantes e famílias validantes ao nível das
relações íntimas
A tabela 4 apresenta os resultados da MANOVA realizada para as subescalas do
ECR relativamente aos tipos de família invalidantes e validantes.
No que concerne às diferenças entre os tipos de família e dificuldades ao nível
do estabelecimento de relações íntimas, foram encontradas diferenças estatisticamente
significativas multivariadas (Wilks’Lambda = .96, F (2,392) = 7.79, p < .001).
Famílias Invalidantes 20
Tabela 4
Diferenças ao nível das subescalas do ECR e Tipos de Família
Amostra Não Clínica
N = 431
Tipos de Famílias Invalidantes
(n = 118)
M (DP)
Tipos de Famílias Validantes
(n = 277)
M (DP)
F (1,393)
(univariado)
Evitamento da Proximidade
49.61 (15.94) 43.14 (16.46) 3459.4***
Ansiedade relacionada com o abandono
61.36 (18.08) 56.53 (18.32) 1933.4*
* p < .05, *** p < .001
Adicionalmente, verificaram-se diferenças estatisticamente significativas
univariadas ao nível da subescala evitamento da proximidade, F (1,393) = 3459.4, p
<.001). Os indivíduos de tipos de família invalidantes apresentaram maiores níveis de
evitamento da proximidade no estabelecimento de relações íntimas (M=49.61,
DP=15.94) que os indivíduos de tipos de família validantes. Também foram
encontradas diferenças estatisticamente significativas ao nível da subescala ansiedade
relacionada com o abandono, F (1,393) = 1933.4, p = .016, sendo que os indivíduos de
tipos de família invalidantes apresentaram maiores níveis de ansiedade relacionada com
o abandono no estabelecimento de relações íntimas (M=61.36, DP=18.08) que os
indivíduos de tipos de família validantes.
O teste de Mann-Whitney revelou diferenças estatisticamente significativas ao
nível do score total ECR (U = 12341.5, p < .001), sendo que, os participantes das
famílias invalidantes referiram mais dificuldades no estabelecimento de relações íntimas
(Ordem Média = 231.9) que os participantes das famílias validantes (Ordem Média =
183.6).
Famílias Invalidantes 21
1.6. Associação entre contextos familiares invalidantes, insatisfação com a imagem
corporal, sintomatologia alimentar e relações íntimas
Recorreu-se à correlação de Spearman para a associação entre as variáveis ICES
mãe, ICES pai, imagem corporal, preocupações com o peso, preocupações alimentares,
sintomatologia alimentar (score total ED-15), evitamento da proximidade, ansiedade
relacionada com o abandono, e score total ECR. Foram verificadas correlações positivas
estatisticamente significativas entre todas as variáveis, nomeadamente mães
invalidantes com: pais invalidantes (rs = .79, p <.001), imagem corporal (rs = .20, p <
.001), preocupações com o peso e forma corporal (rs = .22, p < .001), preocupações
alimentares (rs = .13, p < .001), score total ED-15 (rs = .20, p < .001), evitamento da
proximidade (rs = .27, p < .001), ansiedade relacionada com o abandono (rs = .28, p <
.001), e score total ECR (rs = .34, p < .001); entre pais invalidantes com: imagem
corporal (rs = .21, p < .001), preocupações com o peso e forma corporal (rs = .23, p <
.001), preocupações alimentares (rs = . 14, p = .005), score total ED-15 (rs = .21, p <
.001), evitamento da proximidade (rs = .31, p < .001), ansiedade relacionada com o
abandono (rs = .26, p < .001), e score total ECR (rs = .36, p < .001); entre imagem
corporal com: preocupações com o peso e forma corporal, preocupações alimentares (rs
= .67, p < .001), score total ED-15 (rs = .79, p < .001), evitamento da proximidade (rs =
.18, p < .001), ansiedade relacionada com o abandono (rs = .20, p < .001), e score total
ECR (rs = .24, p < .001); entre preocupações com o peso e forma corporal com:
preocupações alimentares (rs = .63, p < .001), score total ED-15 (rs = .89, p < .001),
evitamento da proximidade (rs = . 22, p < .001), ansiedade relacionada com o abandono
(rs =. 28, p < .001), e score total ECR (rs = .31, p < .001); entre preocupações
alimentares com: score total ED-15 (rs = .90, p < .001), evitamento da proximidade (rs =
.11, p = .02), ansiedade relacionada com o abandono (rs = .25, p < .001), e score total
ECR (rs = .23, p < .001); entre score total ED-15 com: evitamento da proximidade (rs =
.19, p < .001), ansiedade relacionada com o abandono (rs = .30, p < .001), e score total
ECR (rs = .29, p < .001); entre evitamento da proximidade com: ansiedade relacionada
com o abandono (rs = .27, p < .001), e score total ECR (rs = .79, p < .001); e entre
ansiedade relacionada com o abandono e score total ECR (rs = .82, p < .001).
Famílias Invalidantes 22
2. Amostra Clínica
2.1. Estatísticas descritivas dos indivíduos da amostra clínica
Neste estudo participaram 41 indivíduos de uma amostra clínica, sendo que 18
(43.9%) indivíduos caracterizaram as suas famílias como invalidantes e 23 (56.1%)
indivíduos caracterizaram as suas famílias como validantes.
2.2. Diferenças entre famílias invalidantes e famílias validantes relativamente aos
pais
A tabela 5 apresenta os resultados da MANOVA realizada para testar as
diferenças entre tipos de famílias invalidantes e validantes, e pais e mães invalidantes.
Foram encontradas diferenças estatisticamente significativas multivariadas ao nível de
ambos os pais invalidantes (Wilks’Lambda = .71, F (2,32) = 6.59, p = .004), e
diferenças estatisticamente significativas univariadas entre os tipos de família e pais
invalidantes F (1,33) = 515.4, p = .002 e mães invalidantes F (1,33) = 493.7, p = .012.
Os tipos de família invalidantes apresentaram mais pais invalidantes (M=38.9, DP=6.8)
e mães invalidantes (M=34.4, DP=6.8) que os tipos de família validantes.
Tabela 5
Diferenças ao nível de Pais e Mães Invalidantes e Tipos de Família
Amostra Clínica
N = 41
Tipos de Famílias Invalidantes
(n = 14)
M (DP)
Tipos de Famílias Validantes
(n = 21)
M (DP)
F (1,33)
(univariado)
Pais Invalidantes 38.9 (6.8) 26.19 (6.2) 515.4**
Mães Invalidantes 34.4 (6.8) 26.5 (6.5) 493.7*
* p < .05, ** p < .01
Famílias Invalidantes 23
2.3. Diferenças entre famílias invalidantes e famílias validantes ao nível da
insatisfação com a imagem corporal
A tabela 6 apresenta os resultados do Teste de Mann-Whitney realizado para a
escala total da Imagem Corporal.
Tabela 6
Diferenças ao nível da Insatisfação com a Imagem Corporal em função dos dois Tipos
de Família
n.s. = não significativo
Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas ao nível da
variável insatisfação com a imagem corporal total (U = 179.5, p = .89).
2.4. Diferenças entre famílias invalidantes e famílias validantes ao nível da
sintomatologia da psicopatologia alimentar
A tabela 7 apresenta os resultados da MANOVA realizada para as subescalas do
ED-15 correspondentes às atitudes perante a alimentação relativamente aos tipos de
família invalidantes e validantes.
Não se verificaram diferenças estatisticamente significativas multivariadas ao
nível da sintomatologia alimentar (Wilks’Lambda = .89, F (2,33) = 1.96, p = .16). Os
testes univariados também não revelaram diferenças estatisticamente significativas ao
nível das preocupações com o peso e forma corporal F (1,34) = .00, p = 1.0, e ao nível
das preocupações alimentares F (1,34) = 2.11, p = .27.
Amostra Clínica
N = 41
Tipos de Famílias Invalidantes
(n = 16)
Ordem Média
Tipos de Famílias Validantes
(n = 23)
Ordem Média
U
Insatisfação com a imagem corporal
19.72 20.20 179.5 n.s.
Famílias Invalidantes 24
Relativamente ao score total do ED-15, foi realizado um Teste de Mann
Whitney, que revelou não existirem diferenças estatisticamente significativas ao nível
da sintomatologia alimentar relativamente aos dois grupos em comparação, U = 178.5, p
= .97.
Tabela 7
Diferenças ao nível das subescalas do ED-15 e Tipos de Família
Amostra Clínica
N = 41
Tipos de Famílias Invalidantes
(n = 16)
M (DP)
Tipos de Famílias Validantes
(n = 20)
M (DP)
F (1,34)
(univariado)
Preocupações Alimentares
3.56 (1.48) 4.05 (1.14) 2.11 n.s.
Preocupações com o Peso e Forma Corporal
2.92 (1.94)
2.92 (1.75)
.00 n.s.
n.s. = não significativo
2.5. Diferenças entre famílias invalidantes e famílias validantes ao nível das
relações íntimas
A tabela 8 apresenta os resultados da MANOVA realizada para as subescalas do
ECR relativamente aos tipos de família invalidantes e validantes.
Não se verificaram diferenças estatisticamente significativas multivariadas ao
nível das dificuldades no estabelecimento de relações íntimas (Wilks’Lambda = .99, F
(2,38) = .058, p = .94). Também não se verificaram diferenças estatisticamente
significativas univariadas ao nível da subescala evitamento da proximidade, F (1,39) =
10370.4, p = .83, e ao nível da subescala ansiedade relacionada com o abandono, F
(1,39) = 2521.05, p = .91.
Relativamente ao score total do ECR, foi realizado um Teste de Mann Whitney,
que revelou não existirem diferenças estatisticamente significativas ao nível das
Famílias Invalidantes 25
dificuldades no estabelecimento de relações íntimas relativamente aos dois grupos em
comparação, U = 45.0, p = .79.
Tabela 8
Diferenças ao nível das subescalas do ECR e Tipos de Família
Amostra Clínica
N = 41
Tipos de Famílias Invalidantes
(n = 17)
M (DP)
Tipos de Famílias Validantes
(n = 24)
M (DP)
F (1,39)
(univariado)
Evitamento da Proximidade
448.8 (474.5) 416.5 (461.2)
10370.4 n.s.
Ansiedade relacionada com o abandono
401.0 (455.5) 416.9 (460.9) 2521.05 n.s.
n.s. = não significativo
2.6. Associação entre contextos familiares invalidantes, insatisfação com a imagem
corporal, sintomatologia alimentar e relações íntimas
Recorreu-se à correlação de Spearman para a associação entre as variáveis ICES
mãe, ICES pai, imagem corporal, preocupações com o peso, preocupações alimentares,
sintomatologia alimentar (score total ED-15), evitamento da proximidade, ansiedade
relacionada com o abandono, e score total ECR, e recorreu-se à correlação de Pearson
para a associação entre as variáveis ICES pai e score total ED-15.
Verificou-se uma correlação positiva entre mães e pais invalidantes (rs = .71, p
<.001), mães invalidantes e preocupações alimentares (rs = .44, p = .002), imagem
corporal e preocupações com o peso e forma corporal (rs = .92, p <.001), imagem
corporal e preocupações alimentares (rs = .35, p <.001), imagem corporal e score total
ED-15 (rs = .92, p <.001), preocupações com o peso e preocupações alimentares (rs =
.80, p <.001), preocupações com o peso e score total ED-15 (rs = .97, p <.001, e
preocupações alimentares e score total ED-15 (rs = .83, p <.001). Para a associação
entre as restantes variáveis não se obtiveram resultados no limiar de significância (p
Famílias Invalidantes 26
<.05), de modo a que nos leva a concluir que não se verificou associação
estatisticamente significativa entre as restantes variáveis em estudo.
3. Associação entre tipos de família e amostra clínica vs. amostra não clínica
Foram encontradas diferenças marginalmente significativas entre os tipos de
família e amostra clínica vs. amostra não clínica, χ2 (1) = 3.28, p = .079. Verifica-se
uma percentagem maior na descrição em tipos de família invalidantes dos indivíduos da
amostra clínica (43.9%) face aos indivíduos da amostra não clínica (30.2%).
Discussão
O presente estudo tinha como objetivo estudar a relação entre ambientes de
infância invalidantes, autoimagem corporal, sintomatologia das perturbações
alimentares e dificuldades ao nível das relações íntimas numa amostra não clínica e
numa amostra clínica.
Numa fase inicial foram verificadas diferenças estatisticamente significativas ao
nível de contextos familiares invalidantes, insatisfação com a imagem corporal e
sintomatologia alimentar numa amostra não clínica. Os indivíduos que caracterizaram
as suas famílias como invalidantes, apresentaram maiores níveis de insatisfação com a
imagem corporal, e níveis mais elevados de preocupações com o peso e forma corporal
comparativamente aos indivíduos que caracterizaram as suas famílias como validantes.
Adicionalmente, também foram verificadas diferenças estatisticamente significativas ao
nível do estabelecimento de relações íntimas, sendo que, os indivíduos que
caracterizaram as suas famílias como invalidantes apresentaram dificuldades acrescidas
ao nível do estabelecimento de relações íntimas comparativamente aos indivíduos que
caracterizaram as suas famílias como validantes. Estes resultados vão ao encontro dos
resultados obtidos por Boutelle e colaboradores (2009) e Cheng e Mallinckrodt (2009),
que mostraram que, maiores níveis de invalidação percebidos no ambiente familiar se
associaram a uma maior insatisfação corporal, e a níveis mais elevados de
sintomatologia alimentar (Mantilla et al., 2014). Os resultados obtidos também vão ao
encontro do estudo realizado por Paiva e Figueiredo (2010), uma vez que, dificuldades
ao nível da proximidade emocional pais-filhos foram associadas a maiores dificuldades
no estabelecimento de relações íntimas no domínio romântico.
Famílias Invalidantes 27
Estes resultados da amostra não clínica, também corroboraram a segunda
hipótese inicial, na medida em que foi verificada uma correlação positiva
estatisticamente significativa entre as variáveis em estudo: contextos familiares
invalidantes, insatisfação com a imagem corporal, sintomatologia alimentar e
dificuldades no estabelecimento de relações íntimas. Esta associação encontrada vai ao
encontro dos resultados obtidos na meta-análise realizada por Arcelus e colaboradores
(2012), dado que estes autores verificaram a existência de sintomas subclínicos em
indivíduos de uma amostra comunitária que explicou a associação entre variáveis como
relações familiares disfuncionais, insatisfação corporal, comportamento alimentar
disfuncional e dificuldades ao nível do estabelecimento de relações íntimas no domínio
romântico.
Adicionalmente, estes resultados vão ao encontro de outros estudos realizados
como o de Juda e colaboradores (2004), uma vez que, numa amostra não clínica níveis
de invalidação familiares foram associados a uma maior insatisfação corporal, a maiores
níveis de sintomatologia alimentar e a dificuldades no estabelecimento de relações
íntimas, ao nível do evitamento da proximidade e ansiedade relacionada com o
abandono.
Na amostra clínica do presente estudo não foram encontradas associações
estatisticamente significativas entre tipos de família invalidantes, insatisfação corporal,
sintomatologia alimentar e relações íntimas, o que não corresponde aos resultados
obtidos nos estudos realizados com amostras clínicas até ao momento (Arcelus et al.,
2012; Tasca et al., 2006). Contudo, foi verificada uma associação positivamente
significativa entre mães invalidantes e pais invalidantes, e mães invalidantes e
preocupações alimentares. Adicionalmente, nestes indivíduos, a sintomatologia
alimentar foi associada a maior insatisfação corporal, preocupações com o peso e forma
corporal, e preocupações alimentares. Esta associação vai ao encontro de estudos
recentes realizados (Iannaccone, D’Olimpio, Cella, & Cotrufo, 2016; Legnani, Legnani,
Pereira, Gasparotto, Vieira, & Campos, 2012; Munkholm et al., 2016), na medida em
que a insatisfação corporal está fortemente associada ao desenvolvimento de
comportamento alimentar disfuncional. Hipotetiza-se que a ausência de diferenças ao
nível dos contextos familiares invalidantes e as restantes variáveis em estudo tenha sido
devido ao número reduzido de indivíduos nesta amostra, sendo relevante que
investigações futuras se dediquem ao estudo destas variáveis numa amostra clínica com
uma maior dimensão. No entanto, relativamente à terceira hipótese deste estudo,
Famílias Invalidantes 28
comparativamente aos indivíduos da amostra não clínica, foi possível verificar que na
amostra clínica houve uma maior percentagem de indivíduos que se descreveu em tipos
de família invalidantes, apesar de ter sido um resultado marginalmente significativo.
Os resultados obtidos para além de indicarem que a escala ICES demonstrou
propriedades psicométricas adequadas na população portuguesa, indicam que a
existência de dificuldades ao nível da proximidade emocional pais-filhos se associa a
uma maior insatisfação corporal e ao comportamento alimentar disfuncional (Groleau et
al., 2012; Mountford et al., 2007). Por outro lado, o facto de se ter verificado uma
associação entre as variáveis nos indivíduos da amostra não clínica, poderá ter sido
devido à existência de sintomas subclínicos nos indivíduos desta amostra. O facto de
terem participado na sua maioria indivíduos do sexo feminino, estudantes do ensino
secundário e ensino superior, com idades entre os 15 e os 23 anos, pode ter sido uma
razão pela qual se verificou esta associação. Segundo o estudo de Levická,
Kovalcíková, e Kovácová (2014) estas idades constituem idades de risco para o
desencadeamento de comportamento alimentar disfuncional, sendo que se inicia
preferencialmente na adolescência, e os picos de ocorrência em média variam dos 13
anos aos 25 anos, dependendo do tipo de perturbação em questão. Segundo os mesmos
autores, indivíduos do sexo feminino, com estas idades, cujo ambiente familiar não foi
propício à resolução de problemas, nem à expressão de emoções negativas estão mais
propícios ao desenvolvimento da sintomatologia alimentar.
Os resultados do presente estudo indicam que as experiências de infância
invalidantes se associam a maior insatisfação corporal e maiores dificuldades no
estabelecimento de relações íntimas, no sentido em que estes indivíduos revelaram
maior evitamento de proximidade e uma maior ansiedade relacionada com o abandono.
Esta relação pode ser compreendida através de uma visão holística da imagem corporal,
no sentido em que esta é um constructo que envolve experiências prévias que foram
internalizadas pelo indivíduo e que funcionam como um filtro nas próximas
experiências interpessoais vivenciadas pelo mesmo (Tylka & Wood-Barcalow, 2015).
Deste modo, as experiências de invalidação precoce num contexto familiar, parecem
estar associadas a um estado de invalidação do self, que se traduz por exemplo numa
maior insatisfação corporal, associando-se ao comportamento alimentar disfuncional do
indivíduo. Esta associação pode, por sua vez, ser concetualizada através de uma
disfuncionalidade contínua das relações de vinculação que se iniciam na infância e se
Famílias Invalidantes 29
mantêm na idade adulta através do medo da rejeição por parte do indivíduo, e
dificuldades em confiar no outro (Tasca et al., 2013).
Conclusão
De um modo geral, os resultados corroboraram as hipóteses iniciais do estudo
relativamente à amostra não clínica, verificando-se uma relação entre contextos
familiares invalidantes, insatisfação com a imagem corporal, sintomatologia alimentar e
dificuldades nas relações íntimas. No entanto, o mesmo não se verificou na amostra
clínica. Tendo em conta os resultados obtidos ainda é necessária mais investigação ao
nível das relações de vinculação dos indivíduos com sintomatologia alimentar em
amostras clínicas, uma vez que, este estudo foi maioritariamente conduzido com
indivíduos de uma amostra não clínica. Tem-se em vista que intervenções
psicoterapêuticas futuras se foquem na proximidade emocional pais-filhos, dado que,
segundo Mountford e colaboradores (2007) as experiências percebidas de contextos
familiares invalidantes associam-se à sintomatologia alimentar. Adicionalmente, atender
aos contextos relacionais no domínio romântico destes indivíduos, uma vez que, as
dificuldades ao nível das relações íntimas associaram-se à sintomatologia da
psicopatologia alimentar.
Nos indivíduos da amostra não clínica foram notórias as preocupações elevadas
com o peso e forma corporal. Estes resultados permitem enfatizar a importância de
atender às faixas etárias relativas ao ensino secundário e ensino superior, dado que
constituem grupos de risco para a incidência das perturbações alimentares (Levická et
al., 2014). Deste modo, identifica-se uma necessidade acrescida para a realização de
ações de sensibilização acerca desta problemática, nomeadamente nas escolas e
universidades, apoiando a identificação de eventuais sinais patológicos, através de uma
abordagem de nível de prevenção primária nestes grupos de risco. Tendo em conta os
resultados obtidos, é possível verificar que existem inúmeros fatores de risco que em
combinação mútua culminam no desenvolvimento da sintomatologia alimentar, o que
acresce a complexidade deste quadro clínico e o grau de exigência na sua interpretação
e intervenção pelos profissionais de saúde (Levická et al., 2014).
No presente estudo identificam-se algumas limitações, nomeadamente o número
reduzido de indivíduos na amostra clínica. A investigação tem-se dedicado a estudar a
relação entre o comportamento alimentar disfuncional e relações íntimas
Famílias Invalidantes 30
maioritariamente em amostras comunitárias, sendo que, é necessário que mais estudos
se debrucem no estudo em indivíduos com diagnóstico de perturbações alimentares. O
design transversal deste estudo também se considera uma limitação. Investigações
futuras poderão beneficiar na realização de estudos com um design longitudinal, nos
quais poderá ser possível perceber uma relação temporal entre as variáveis e avançar
para um conhecimento mais aprofundado acerca das origens e manutenção das
dificuldades relacionais e da sintomatologia da psicopatologia alimentar. Apesar da
escala ICES ter apresentado elevados níveis de consistência interna na população
portuguesa, aponta-se como uma última limitação o facto de não ter sido ainda validada
nesta população. Contudo, apesar das limitações enunciadas, na presente investigação
enumeram-se alguns pontos fortes, nomeadamente a dimensão da amostra não clínica
recolhida, assim como os instrumentos de avaliação que foram utilizados que
apresentaram todos eles elevados níveis de consistência interna na população
portuguesa.
Famílias Invalidantes 31
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