Download - Monografia Pablo 2004
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2
PABLO SEBASTIAN MOREIRA FERNANDEZ
TRILHA DE IMAGENS GEOFOTOGRÁFICAS DO RIBEIRÃO CAMBÉ: EXPERIÊNCIAS DE LUGAR POR
ÁGUAS DE LONDRINA
Monografia apresentada ao Curso de
Geografia, da Universidade Estadual de
Londrina, como requisito parcial à
obtenção do título de Bacharel, no verão
de 2004.
Orientadora: Profa. Dra. Lúcia Helena
Batista Gratão.
Londrina
2004
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3
FERNANDEZ, Pablo Sebastian Moreira Trilha de Imagens Geofotográficas pelo Ribeirão Cambé:
Experiências de Lugar por águas de Londrina - PR/ Pablo Sebastian Moreira Fernandez. - Londrina, PR : [s.n], 2004.
94f. + anexos
Orientadora: Dra. Lúcia Helena Batista Gratão. Monografia (Bacharelado) - Universidade Estadual de Londrina. Bibliografia: f.
1. Ribeirão Cambé. 2. Paisagem e Lugar. 3. Geografia e
Imagem. 4 Experiências Geofotográficas. I. Gratão, Lúcia Helena Batista. II. Universidade Estadual de Londrina.
CDU
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4
PABLO SEBASTIAN MOREIRA FERNANDEZ
TRILHA DE IMAGENS GEOFOTOGRÁFICAS PELO RIBEIRÃO CAMBÉ: EXPERIÊNCIAS DE LUGAR POR
ÁGUAS DE LONDRINA
Monografia apresentada ao Curso de
Geografia, da Universidade Estadual de
Londrina, como requisito parcial à
obtenção do título de Bacharel, no verão
de 2004.
COMISSÃO EXAMINADORA
______________________________________
Profa. Dra. Lúcia Helena Batista Gratão
DGEO/ Universidade Estadual de Londrina
______________________________________
Profa. Ms. Jeani D. Paschoal Moura
DGEO/ Universidade Estadual de Londrina
______________________________________
Profa. Dra. Anilde Tombolato T. da Silva
CECA/ Universidade Estadual de Londrina
Londrina, ____ de____________ de 2004.
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5
Dedicado à Geraldo Moreira (in memoriam).
Grande mestre e inspirador de inúmeras aventuras!
Dedicado à simplicidade do poeta matogrossense Manoel de Barros e a
profundidade da obra de Haruo O’hara.
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6
AGRADECIMENTOS
À Ana, por toda troca de experiências;
À minha família. Valeu por todo amor e carinho... Sem estes, nada havia acontecido!
À minha orientadora, Profa. Dra. Lúcia Helena Gratão (DGEO/UEL), pessoa boa
cerratense e companheira de muitos (per)cursos de pé e olhar caminhantes...
Aos Professores: Yoshiya F. Nakagawara (LPUR/DGEO); Jeani D. Paschoal Moura
(DGEO); Anilde Tombolato e Lucília Defreitas (“Projeto Trilhas”/ CECA/UEL); José
Marques Neto “Negativo” (CECA);
Aos companheiros de caminhar: Vanessa Tavares, Edmar e família Figueiredo,
Daniela e Tiago, Yoshiura, Thiago e Ana, Camila, Solange, Mário, Flávio, Ricardo,
André Santi (o flanêur) e Ju, Marcelo, Antônio e Wladimir (in memoriam), Vicente e
Sr. Nelson, Angélica, Leila, Renata, Fred e Rafael, Eduardo Marandola (pelas
riquíssimas prosas), André Acosta, Carlos Levy e amigos da ONG MAE, Vitor,
Família Monteiro, Sassá, Família Santa Rosa, José Fermino, Tony, Caê Galvão,
Adriana, Gibram, Prof. Wencesláo (OLHO), Renato Alemão, Hang Pang e Zé
Eduardo, Heitor, pessoal do LPUR, Daniel (Bimini) e Cláudio (PETAR), aos amigos
do Departamento de Geociências: Edna, Anderson, Perciliana e Jacira; Alunos,
Professores e Funcionários da Escola Municipal Norman Prochet;
Àqueles que me conduziram pelo Ribeirão Cambé: Natalino, Gaúcho, Aparecido,
João Batista (ONG Patrulha das águas), Sr. José Carlos e Sr. Jesus;
Aos “compadres” da Secretaria Municipal do Ambiente de Londrina: Marcus, Paulo,
Queila, Carlos, Laércio, Fátima, Carina, Luis, Antonio Carlos, e outras pessoas que
vou me esquecendo.
Pelas fotografias: Profs. José César e Áurea Yamane (Museu Histórico de Londrina);
Saulo Haruo O´hara (Estúdio Difotografia). Obrigado, Gracias!
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FERNANDEZ, Pablo Sebastian Moreira. Trilha de Imagens Geofotográficas do Ribeirão Cambé: Experiências de Lugar por Águas de Londrina. 2004. Monografia (Bacharelado em Geografia) - Universidade Estadual de Londrina.
RESUMO
Esta proposta se dá pela investigação da imagem geofotográfica do Ribeirão Cambé, através de caminhos da experiência vivida por Paisagens e Lugares. A “Imagem – Paisagem” deste Lugar das águas têm se tornado ilegível no contexto da cidade contemporânea, deixando de ser um marco referencial para o sujeito que habita essa cidade. Sujeito confuso, que já não distingue as imagens reais e irreais, convivendo com uma ilusão proposta pela mídia, pela publicidade, pela política e por aqueles que escrevem a história desse Lugar. As Águas do Cambé tem, sido, fortemente difundidas por uma febre fotográfica, e ao mesmo tempo, têm sofrido com o esquecimento da maior parte da população londrinense. O pesquisador com o intuito de expressar-relatar suas experiências pelas margens desse Ribeirão de águas urbanizadas, se fez valer de métodos de leitura e construção de imagens propostos por Barthes e Flusser. Métodos que possibilitaram uma leitura detalhada de algumas expressões materializadas deste Lugar, como as imagens vividas e clicadas por Juliani, Ohara e Bavcar. Nesse contexto, emerge “A Trilha de Imagens do Ribeirão Cambé”, sendo forma de expressão das experiências vividas do pesquisador, baseada na linguagem do geógrafo almejada por Dardel. É vista também, como um meio para despertar nos sujeitos-moradores da cidade de Londrina, um olhar de zelo e de afetividade para com estas águas tão próximas. O (per)curso (exposição, mostra) de imagens fotográficas, nasce como uma proposta didática-educativa para o (re)conhecimento de Lugares e Paisagens, buscando trazer através d’um enfoque poético, expressões de valor, sentimentos e topofilia. Palavras-chave: Trilha de Imagens do Ribeirão Cambé – Londrina – PR; Paisagem e Lugar; Geografia e Imagens.
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8
FERNANDEZ, Pablo Sebastian Moreira. Track of Geophotographic Images of the Cambé Brook: Experiencies of Place for Waters of Londrina. 2004. Monografia (Bacharelado em Geografia) – Universidade Estadual de Londrina.
ABSTRACT
This proposal if gives as an inquiry on the geofotographic image of the Cambé Brook, through ways of the experience lived for Landscapes and Places. The "Image - Landscape" of this Place of waters if became unreadable in the context of the city contemporary, leaving of being a referencial landmark for the citizen that inhabits this city. Confused citizen, that already does not distinguish the real and unreal images, coexisting an illusion proposal for the media, for the advertising, for the politics and for that they write the history of this Place. The Waters of the Cambé have, been, strong spread out for the Photograph, and at the same time, they have suffered with the forgetfulness of the biggest part of the londrinense population. The researcher with intention express-to tell its experiences for the edges of this urbanized water Brook, if made to be valid methods of reading and construction of images considered for Barthes and Flusser. Methods that make possible a reading detailed on some materialized expressions of this Place, as the lived images and click for Juliani, Ohara and Bavcar. In this context, the “Track of Images of the Cambé Brook” emerges, being form of expression of the lived experiences of the researcher, based on the language of the geographer longed for Dardel. It is also seen, as a way to awake in the citizens that inhabit the city of native of Londrina, an affectivity and zeal look stops with these so next waters. The course (exposition, shows) of photographic images, is born as a proposal didactics-educative for the (re)knowledge of Places and Landscapes, searching to bring through of the poetical approach, expressions of value, feelings and topofilia. Key-words: Track of Geophotographic Images of the Cambé Brook – Londrina – PR, Landscape e Place, Geography and Image.
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9
LISTA DE IMAGENS
Imagem 1 - ----------------------------------------------------------------------------------------------14
Imagem 2 – ---------------------------------------------------------------------------------------------18
Imagem 3 – ---------------------------------------------------------------------------------------------22
Imagem 4 - ----------------------------------------------------------------------------------------------49
Imagem 5 - ----------------------------------------------------------------------------------------------52
Imagem 6 - ----------------------------------------------------------------------------------------------54
Imagem 7 - ----------------------------------------------------------------------------------------------62
Imagem 8 - ----------------------------------------------------------------------------------------------63
Imagem 9 - ----------------------------------------------------------------------------------------------64
Imagem 10 - --------------------------------------------------------------------------------------------65
Imagem 11 - --------------------------------------------------------------------------------------------65
Imagem 12 - --------------------------------------------------------------------------------------------66
Imagem 13 ----------------------------------------------------------------------------------------------67
Imagem 14 - --------------------------------------------------------------------------------------------68
Imagem 15 - --------------------------------------------------------------------------------------------69
Imagem 16 – -------------------------------------------------------------------------------------------70
Imagem 17 - --------------------------------------------------------------------------------------------71
Imagem 18 - --------------------------------------------------------------------------------------------72
Imagem 19- ---------------------------------------------------------------------------------------------73
Imagem 20 – -------------------------------------------------------------------------------------------79
Imagem 21 – -------------------------------------------------------------------------------------------80
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10
SUMÁRIO
1 EXPERIÊNCIAS CAMINHANTES... PRIMEIROS CONTATOS COM O RIBEIRÃO
CAMBÉ.......................................................................................................................12
2 LONDRINA... IMAGEM REFLETIDA NAS ÁGUAS DO CAMBÉ............................17
2.1 A imagem de um lugar urbano... Paisagem do Ribeirão Cambé.........................18
2.2 Exercícios imaginativos... ....................................................................................23
3 TRILHARES PELA CIÊNCIA GEOGRÁFICA...
DA IMAGEM À IMAGINAÇÃO E À GEOGRAFICIDADE...........................................26
3.1 Criatividade e imaginação numa construção geográfica.....................................28
3.2 Caminhos geográficos para uma leitura da realidade .........................................29
3.3 Fenomenologia e experiência geográfica.............................................................30
3.4 Geografia e mundo-vivido....................................................................................33
3.5 Espaço, paisagem e lugar na perspectiva da experiência...................................34
3.5.1 Espaço...............................................................................................................34
3.5.2 Paisagem...........................................................................................................36
3.5.3 Lugar.................................................................................................................37
3.5.4 Topofilia e topofobia..........................................................................................38
3.5.5 Algumas considerações sobre a geograficidade...............................................39
4 O RIBEIRÃO CAMBÉ DE JULIANI, OHARA E BAVCAR... EXERCÍCIOS PARA
UMA LEITURA GEOFOTOGRÁFICA DA IMAGEM...................................................42
4.1 A leitura da imagem fotográfica do lugar..............................................................43
4.1.1 A “imagem paisagem” do Ribeirão Cambé como expressão de mundos
vividos.........................................................................................................................45
4.2 José Juliani... o olhar do fotógrafo pioneiro.........................................................47
4.2.1 Juliani e a foto da Cachoeira do Cambézinho...................................................48
4.3 “Paisagem de Sonhos”: o olhar poético de Haruo Ohara.....................................51
4.3.1 O Lago Igapó... pelo olhar onírico do poeta.....................................................53
4.4 Evgen Bavcar... e a paisagem invisível das águas tropicais................................55
4.4.1 Paisagem do Invisível... Águas do Cambé........................................................56
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11
5 ENSAIO GEOFOTOGRÁFICO... UMA FORMA DE EXPRESSAR
GEO(GRAFIAS).........................................................................................................59
5.1 O Uso do Solo e configurações utilitárias da paisagem.......................................61
5.2 Os lagos...............................................................................................................63
5.3 O lazer e as brincadeiras......................................................................................65
5.4 As formas de vida.................................................................................................68
5.5 A pesca.................................................................................................................68
5.6 O povo Kaingang..................................................................................................70
5.7 Os personagens do lugar.....................................................................................71
6 A TRILHA DE IMAGENS GEOFOTOGRÁFICAS DO RIBEIRÃO CAMBÉ.............75
6.1 O Trajeto da Trilha... na Escola Municipal Norman Prochet – Londrina..............76
6.2 Algumas expressões de sentidos, sentimentos e valores pelo Cambé...............78
7 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES..............................................................................84
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................88
BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................92
DISCOGRAFIA...........................................................................................................94
VIDEOGRAFIA...........................................................................................................94
ANEXO – Outras Imagens do Ribeirão Cambé.........................................................95
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12
1 - EXPERIÊNCIAS CAMINHANTES... PRIMEIROS CONTATOS COM O
RIBEIRÃO CAMBÉ
Considero que todo esse envolvimento (ou encontro) com o Ribeirão Cambé,
se deu com meus primeiros anos de vivência na cidade de Londrina, a partir do
momento que iniciara a graduação no curso de Geografia da Universidade Estadual
de Londrina, no verão de 2000. Este grandioso corpo d´água despertaria inúmeras
aspirações de um recém chegado da pequenina cidade de São João da Boa Vista,
orientando o acesso deste ser à Londrina, cidade "nova criada" no sertão do Paraná.
De minha cidadela localizada no nordeste do Estado de São Paulo, região de divisas
com o sul do Estado de Minas Gerais, restaria lembranças de um povo caipira e de
paisagens caracterizadas por riquezas hídricas marcantes da face oeste da Serra da
Mantiqueira, região de cachoeiras e estâncias hidrominerais, próxima das "famosas"
cidades de Águas da Prata – SP e Poços de Caldas – MG. Olhando para o Ribeirão
Cambé, lembraria de minha infância próxima às águas cristalinas que nascem na
Serra, e logo quando longe destas pela primeira vez, me vi inquieto. O Ribeirão
Cambé, agora, teria que ser transformado em abrigo de minha imaginação, e
condutor do amadurecimento de um olhar aprendiz de (geo)grafias, por esta cidade
marcada por águas, águas imprevisíveis dos trópicos.
No decorrer destes (per)cursos, este olhar se viu orientado na disciplina
“Trilhas Interpretativas, Paisagem e Educação Ambiental”, ministrada pela
professora Lúcia Helena Gratão no segundo semestre de 2001, se constituindo num
rico encontro de idéias e vivências, norteando minhas percepções ambientais pelo
curso do Ribeirão Cambé. Encontro condutor de experiências ambientais entre
companheiros de curso, onde se desvelavam significantemente os estudos de
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13
topofilia e meio ambiente do geógrafo norte americano Yi-Fu Tuan, difundidos no
Brasil, pela Profa. Lívia de Oliveira (Unesp/Rio Claro) desde meados dos anos 70.
Assim, topofilia é definida por Tuan, como sendo um neologismo que considera os
laços afetivos do homem com o meio ambiente natural, sendo:
[...] A topofilia não é a emoção humana mais forte. Quando é irresistível, podemos estar certos de que o lugar ou meio ambiente é o veículo de acontecimentos emocionalmente fortes ou é percebido como um símbolo. [...] O termo topofilia associa sentimento com lugar. [...] O meio ambiente pode não ser a causa direta da topofilia, mas fornece o estímulo sensorial que, ao agir como imagem percebida, dá forma às nossas alegrias e ideais (TUAN, 1980, p.107 - 129).
Deste momento, lembro-me ainda, de minhas experiências de caminhar,
voltando “a pé” da Universidade pelo médio vale do Ribeirão Cambé, intuindo
economizar “algum” da condução. Certo dia, um colega do curso “pé vermelho” veio
chamar a minha atenção para lembranças de sua infância com esta paisagem
hídrica, evocando suas primeiras experiências de imagem e imaginação com este
lugar. Colocava-me após aquele momento, na condição de estrangeiro que teria de
(re)aprender suas brincadeiras espaciais de criança, agora em águas barrentas da
terra norte-paranaense.
Caminhando com este “personagem do lugar”, me vi próximo de valores de
sua intimidade, lugares e cantos que fizeram parte de sua (geo)grafia de vida. Este,
como que “apontando no horizonte”, dizia: - "(...) Alí era o lugar da mata, e ali ainda
não tinha estes bairros!!”. Ou: -“O rio aqui era limpo, aí que a gente nadava. Era o
Sport Club Igapó!!".
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14
Imagem 1 - Caminho de volta da UEL pela margem direita do médio vale do Cambé. Ao fundo se avista o divisor de águas ocupado pela área central urbana (Junho de 2001). “Caminhando, estamos no mundo, encontramo-nos num lugar específico e, ao caminhar nesse espaço [...] tornamo-lo um lugar, uma moradia, ou um território, uma habitação com um nome" (HILLMAN, 1993, p. 53).
A partir desta imagem da memória falada, o pesquisador se encontraria com o
filósofo francês Gáston Bachelard e sua obra intitulada “A Poética do Espaço”
(publicada originalmente em 1957), onde constrói uma reflexão sobre a imagem do
espaço de valores da intimidade, a casa.! Esta que transparece (e aparece!)
enquanto forma complexa e que integra os valores fundamentais mais profundos do
homem, sejam objetivos ou subjetivos. Para ele: “A casa nos fornecerá
simultaneamente imagens dispersas e um corpo de imagens" (BACHELARD, p.23).
Mostrando assim, que a imaginação (como forma de "interpretar" imagens) é algo a
ser valorizado em nosso existir, pois devemos (e deve) sonhar e devanear, no
valorizar a realidade. A casa como espaço que traz aconchego ao ser, existe como
estância imagética e acolhedora de uma diversidade de imagens, e nos possibilita o
exercício de nossas capacidades imaginativas. Neste rumo Bachelard nos orienta:
![Page 15: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/15.jpg)
15
Ao contrário, os verdadeiros pontos de partida da imagem, [...] revelarão concretamente os valores do espaço habitado, o não-eu que protege o eu. Aqui, com efeito, abordamos uma recíproca cujas imagens deveremos explorar: todo espaço realmente habitado traz a essência da noção de casa (BACHELARD, 1988, p.24-25).
Neste exercício de inspiração, em busca de novos sentidos à
imagem/paisagem do Ribeirão Cambé, é enfatizada a busca pelo sentido de
felicidade e segurança que o lugar nos traz na lembrança, na memória. Assim como
o lugar visto na ótica bachelardiana, o Ribeirão Cambé é considerado não só como
expressão de um campo de exploração geográfica (imagética, ambiental ou social),
mas é abrigo de sentido para experiências espaciais através da expressão poética e
do devaneio1 diurno.
Neste percurso de experiências caminhantes, o pesquisador pôde ampliá-las
no momento em que foi morar nas redondezas do Lago Igapó 4, e num segundo
momento, com o início de um estágio extracurricular na Secretaria Municipal do
Ambiente, com sede no interior do Parque Municipal Arthur Thomas, seguindo pelo
“caminho dos lagos” quase que diariamente. Percorrendo neste Parque, trilhas
interpretativas situadas num trecho do baixo Cambé com alunos do Ensino
Fundamental de Londrina, podendo aí, partilhar de experiências com seres que
talvez nem imaginassem estar tão próximo destas águas. Chamava-me atenção o
estranhamento que inicialmente tomava essas crianças, e que logo se transformava
em alegria pelo encontrar o ambiente próximo.
Enquanto estes contatos emergiam, Londrina ia se mostrando de extremo
valor didático na tentativa de compreender as metamorfoses que a paisagem
1 Para Bachelard: “O devaneio tem mesmo um privilégio de autovalorização”, sendo essencial para qualquer
mudança de atitude do sujeito perante o ambiente. Onde “[...] a casa abriga o devaneio, a casa protege o
sonhador, a casa permite sonhar em paz” (1988, p.26). A casa bachelardiana e o lugar nestas reflexões, adquirem
significados que se complementam.
![Page 16: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/16.jpg)
16
contemporânea sofre. Buscava “enxergar” a velocidade como a cidade é remodelada
nas vitrinas. Contatando superficialmente as pessoas em sua pressa cotidiana, me
olhava interiormente. Disputando caminhos com os automóveis em espaços que
deveriam ser do habitante citadino, percebia seres humanos insensíveis ao seu
ambiente. De uma maneira espontânea e andante, o “perder-se pela cidade”2
demarcaria, um primeiro encontro do olhar do aprendiz para a imensidade destas
águas barrentas e urbanizadas que habitam esta “Little London” subtropical.
Caminhando de maneira envolvente não só pelas margens do Cambé, mas
também por suas águas, quando pude acompanhar os remadores da ONG Patrulha
das Águas, na tentativa de ampliar as vivências da pesquisa. Nestas “aventuras
hídricas”, pelas nascentes, afluentes, foz e lagos, o pesquisador procurava um
sentido maior para o ato de caminhar, muito mais por uma necessidade de se
conhecer, de se descobrir como sujeito. Assim, consideremos que: “A linguagem do
caminhar acalma a alma, e as agitações da mente começam a tomar um rumo”
(HILLMAN, 1993). Fazendo-nos entender que o homem que não caminha, se põe a
mercê do sedentarismo e da ilusão que a imagem (principalmente a da televisão)
busca nos condicionar, reduzindo qualquer possibilidade para a ampliação de
nossas experiências do vivido. Boa leitura por este (per)curso!
2 Esta proposta nos foi inicialmente exposta por André Santi C. Silva e Lúcia H. Gratão (2002, p.67-69),
fundando-se nas experiências caminhantes da alegoria do flâneur de Walter Benjamim, e apresentada a nós por
Lucrécia D’Alessio Ferrara (2000).
![Page 17: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/17.jpg)
17
2 - LONDRINA... IMAGEM REFLETIDA NAS ÁGUAS DO CAMBÉ
“A Cidade e os Olhos”
Os antigos construíram Valdrada à beira de um lago com casas repletas de varandas sobrepostas e com ruas suspensas sobre a água desembocando em parapeitos balaustrados. (...) Nada existe e nada acontece na primeira Valdrada sem que se repita na segunda, porque a cidade foi construída de tal modo que cada um de seus pontos fosse refletido por seu espelho (...). Os habitantes de Valdrada sabem que todos os seus atos são simultaneamente aquele ato e a sua imagem especular, que possui a especial dignidade das imagens, e essa consciência impede-os de abandonar-se ao acaso e ao esquecimento mesmo que por um único instante. (...) Às vezes o espelho aumenta o valor da coisa. Às vezes anula. Nem tudo o que parece valer acima do espelho resiste a si próprio refletido no espelho.
Italo Calvino, As Cidades Invisíveis
A cidade imaginada por Calvino, serve neste momento de inspiração para a
leitura da imagem de uma Londrina refletida nas águas do Ribeirão Cambé, visto
como a mais importante fonte de água na época de sua instituição e sitio adequado
para sua construção. Cidade localizada na porção Norte do Estado do Paraná,
situando-se em terreno de suaves vales e instalada no alto do divisor de águas do
vale do Cambé. Uma situação nascida de atos pioneiros, planejada e desenhada na
prancheta de arquitetos britânicos em Londres, uma verdadeira city de traçado
europeu plantada como o café nas grandes fazendas brasileiras, no ano de 1929. O
"ouro verde", que proporcionara a derrubada da mata pelos desbravadores vindos
de muitos lugares (entre estes mineiros, paulistas, japoneses, italianos, alemães...)
para a colonização. Matas povoadas por Perobas, Figueiras, Palmitos (base da
alimentação) e Paus d´Alho centenários, "expressões do fértil solo vermelho
proveniente dos derrames basálticos do trapp paranaense" (GRATÃO, 2000, p.19-
20). Cidade de paisagem dinâmica, de múltiplas faces, fruto de um empreendimento
de exploração e do progresso da empresa capitalista denominada Cia. de Terras
![Page 18: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/18.jpg)
18
Norte do Paraná de proprietários arregimentados na Inglaterra. Já, após os anos 50,
Londrina despontava como o mais importante e dinâmico centro urbano do Paraná,
impulsionado pelas riquezas do café (FERREIRA et all, 1995, p.15-17).
Imagem 2 - O lugar da pesquisa, Ribeirão Cambé. Organização: Pablo Fernandez, 2004.
2.1 A imagem de um lugar urbano... Paisagem do Ribeirão Cambé
A imagem do lugar tem um grande significado prático e emocional nos
indivíduos e em suas experiências espaciais. Ela orienta, e os conduz em seus
percursos existenciais. Esta imagem é fundamental e necessária aos homens em
seus percursos diários, pois através desta, ele toma conhecimento de seus
![Page 19: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/19.jpg)
19
caminhos, localiza seus lugares e paisagens. Neste rumo, o pesquisador acredita o
quão é importante a imagem do Ribeirão Cambé em todas a suas formas e
expressões para a população de Londrina. Este corpo d´água (lugar) se consiste
num verdadeiro condutor, guia para as pessoas que habitam esta paisagem citadina.
Transformando-se em referência, como caminho de pessoas que por ali trafegam,
daqueles que buscam o lazer e as brincadeiras, como também para o sujeito que
devaneia em suas margens.
Esta imagem quando legível possibilita a estruturação de uma referência,
organizando as atividades, crenças e conhecimentos dos homens. A imagem “clara”
do lugar oferece mais do que segurança, pois conduz à profundidade e a
intensidade da experiência humana. Sobre esta legibilidade, nos encontramos com
Kevin Lynch em seus estudos sobre a imagem ambiental de grandes cidades norte-
americanas nos anos 80. Considerando que:
No processo de orientação, o elo estratégico é a imagem do meio ambiente, a imagem mental generalizada do mundo exterior que o indivíduo retém. Esta imagem é o produto da percepção imediata e da memória da experiência passada e ela está habituada a interpretar informações e a comandar ações (LYNCH, 1996, p.14).
Quanto a esta imagem legível dos lugares, notamos sua substituição a partir
do século XIX, notavelmente com a massificação da fotografia. Momento onde
ocorre uma multiplicação desenfreada de imagens que acabam por impregnar a
paisagem contemporânea urbana. A fotografia antes encarada como meio preciso
de representação da realidade, mudaria a forma como as pessoas se relacionam
com os lugares. Para se conhecer um lugar, não era mais preciso vivenciá-lo,
bastava tê-lo impresso numa “foto”. Barthes, comentando este contexto, se
expressa: "Vejo fotos por toda parte, como todo mundo hoje em dia; elas vêm do
![Page 20: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/20.jpg)
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mundo para mim, sem que eu peça; não passam de ‘imagens’, seu modo de
aparição é o tudo-o-que-vier (ou tudo-o-que-for)" (BARTHES, 1984, p.30).
Esta sobreexposição hiper-realista3 de imagens vem difundida pela mídia e
pela cultura de massa, transformando as superfícies da cidade em um superoutdoor.
Assim, algumas particularidades, closes, ângulos, que podem conferir significados a
um lugar urbano, na maioria das vezes, não são percebidas pelo sujeito da
contemporaneidade.
Este ser que se encontra incapacitado de ler imagens e se orientar, têm suas
experiências espaciais delimitadas por um “biombo de imagens irreais". "Trata-se de
alienação do homem em relação a seus próprios instrumentos. [...] Imaginação
torna-se alucinação e o homem passa a ser incapaz de decifrar imagens, de
reconstituir as dimensões abstraídas" (FLUSSER, 2002, p.9). O olhar deste
personagem encontra-se perdido em seus itinerários cotidianos, onde a imagem
deixa de ser mediação entre o homem e o mundo, gerando exclusivamente a
confusão e a superficialização de suas experiências com o espaço.
Esta relação de alienação do sujeito contemporâneo com seus espaços nos é
dita por Wenceslao M. Oliveira Jr., como ampliado pela tele-percepção4 dos lugares,
onde a experiência espacial é dada a partir da observação das imagens de algum
3 Este termo é empregado por Nelson Brissac Peixoto, referindo-se a uma condição do século XX, em seu texto
“Ver o invisivel: A ética das imagens”, In: Ética. (org.) NOVAES. São Paulo, 1992. 4 O autor em sua tese de mestrado “A Cidade (Tele)percebida: em busca da atual imagem do urbano”,
UNICAMP/FE, 1994, utiliza este conceito a partir da seguinte consideração de Paul Virilio (1990): “Chamo de
tele-realidade a substituição da janela, que foi um elemento determinante da arquitetura, pela tela” (da tv).
![Page 21: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/21.jpg)
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media. Pois: “Este espaço (tele)percebido é produzido pela lógica da propaganda e
do capital da informação, e está intimamente relacionado ao consumo dos lugares”
(OLIVEIRA JR., 1994, p. 7). Lógica, que veiculando imagens ilusórias passa a
conferir aos lugares um conjunto de representações que não correspondem à
totalidade das experiências vividas.
Referindo-se ao Ribeirão Cambé, vemos que este tipo de imagem superficial,
produzida pela indústria publicitária, sugere um utilitarismo para com estas águas
(suas margens, seu entorno,...), dando a estas uma forma capitalizável, seja pelo
uso do turismo (os Lagos Igapós como cartão-postal), do capital imobiliário (e o
discurso da morada com qualidade de vida, a rápida verticalização e a venda de
estilos de vida), da política, da imprensa e de tantas outras instâncias e seus
respectivos discursos. Forma de representar este lugar de águas, de maneira
desimpedida e supérflua, que têm distanciado as pessoas em suas ações e
intervenções nesta paisagem, além de propor o esquecimento de seus exercícios
como cidadão. O exercício da cidadania quando visto como participação, se dando
na capacidade de gerar informação sobre o cotidiano, sendo: “[...] uma ágil
capacidade inferencial capaz de produzir, a partir da informação de massa, um juízo
informacional atuante” (FERRARA, 1996, p.79). Retomamos à cidade de Calvino,
onde seus moradores são conscientes de seus próprios atos, e destes refletidos no
espelho. Não se deixam enganar pela ilusão especular, e nos motivam a acessar a
memória e a imaginação deste Ribeirão de águas barrentas, escondido nesta
sociedade que clama por imagens.
![Page 22: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/22.jpg)
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Imagem 3 - Campanha Publicitária da Empresa Telefônica SERCOMTEL, 2004. Autor não citado.
Como no caso da imagem acima, onde vemos uma imagem “falseada” das
águas do Ribeirão Cambé, com uso de recursos da técnica fotográfica e do filtro
colorido, difundida grandemente à população durante o ano de 2004. Exaltação da
fertilidade desta “terra roxa” presente no imaginário5 londrinense, que abrigou
inúmeros pioneiros e que alicerçou o surgimento de uma cidade rica e desenvolvida,
abarca interesses daqueles que detém a história do lugar. Deparamos assim, com
uma “ode” ao pioneiro envolto numa atmosfera surreal, que vem apenas a
concretizar as contradições sociais e a posição hegemônica de alguns poucos que
chegaram e construíram fortuna. Assim nos embrenhamos pelos diversos
significados presentes no imaginário “pé-vermelho” amparados na leitura de
5 Imaginário nessas considerações é entendido como: “[...] o conjunto de representações, crenças, desejos,
sentimentos, através dos quais um individuo ou grupo de individuos vê a realidade e a si mesmo” (JAPIASSU e
MARCONDES, Dicionário Básico de Filosofia, 1996).
![Page 23: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/23.jpg)
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Marandola Jr., que parte ao encontro de “Londrinas Invisíveis” em sua proposta de
investigação teórica sobre a Geografia e o Imaginário. Apontando este
relacionamento como: “uma seiva orgânica que liga homem-meio, num esforço de
enxergar o “que não existe”, mas vive e pulsa [...]” (MARANDOLA JR, 2003, p. 80).
Assim vemos o imaginário como um agrupamento de imagens (e imaginações,...)
que dizem a respeito e expressam a realidade de determinados grupos sociais. São
imagens que agem diretamente e dão contornos as experiências vividas dos
sujeitos.
Ampliando nosso olhar sobre as representações que envolvem uma cidade,
citaria o trabalho de Freitas sobre o espaço urbano de Sobral-PE, onde desmistifica
o discurso envolto na elevação desta cidade à Patrimônio Histórico Nacional. O
pesquisador identifica a elite política local, projetando através da imprensa, uma
auto-imagem afirmada em “ilusões passadistas”. Considerando que a representação
não é uma imagem falseada: “[...] mas uma projeção elaborada por interesses
específicos de determinados grupos sociais, a partir de estratégias pautadas em
discursos recheados de autoridades morais e históricas” (FREITAS, 2001, p.25).
2.2 Exercícios Imaginativos...
Antes de ser um espetáculo consciente, toda paisagem é uma experiência onírica. Só olhamos com uma paixão estética as paisagens que vimos antes em sonho.
Gaston Bachelard, A Água e os Sonhos.
Retomamos à "cidade invisível" de Calvino, cidade que se reflete num espelho
de águas e que é representada pela sua imagem especular, aquela que apenas se
“parece” com a realidade. Nessa cidade, seus habitantes nos mostram uma
exemplar relação com esta imagem, revelando-nos um conhecimento sobre seus
![Page 24: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/24.jpg)
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espaços, paisagens e lugares. Exercitam assim uma legibilidade, não se deixando
iludir pela realidade impressa em dois planos da imagem. Através desta cidade
descrita, Calvino (2003) nos alerta que a imagem não é uma construção idônea, e
na maioria das vezes nem tanto sincera, falsa às vezes. A ausência do exercício da
imaginação leva o ser-habitante da cidade à desorientação num espaço
racionalizado, distanciando-se da cidade ilusória, errante, metafórica e pautada na
experiência vivida.
Neste caminho para a compreensão de uma imagem mais sincera do
Ribeirão Cambé, encontramos o filósofo Flusser para quem: "Imagens são
superfícies que pretendem representar algo”. E têm sua origem na capacidade de
abstração específica que chamamos de imaginação. A ausência desta consciência
está ligada com a ausência do exercício imaginativo. A: "[...] imaginação é a
capacidade de codificar fenômenos de quatro dimensões em símbolos planos e
decodificar as mensagens assim codificadas, [...] é a capacidade de fazer e decifrar
imagens" (FLUSSER, 2002, p.7).
Criar através da expressão imaginativa da fotografia uma legibilidade sobre o
Cambé, consiste-se na proposta da pesquisa. Conhecer a imagem deste Ribeirão
sobre a ótica da experiência, se faz fundamental numa busca por ângulos talvez,
não muito conhecidos pela maioria das pessoas. Assim, falaremos mais adiante de
uma proposta de linguagem, que venha despertar uma compreensão e o
conhecimento sobre este referencial hídrico da cidade – Ribeirão Cambé. Onde a
imagem que falseia as reais condições destas águas, pode também, despertar
olhares para a degradação ambiental e social, para a poluição, para a situação das
pessoas que vivem em suas margens, para as epidemias, o lixo e outros problemas
![Page 25: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/25.jpg)
25
às vezes tidos como virtuais. Não apenas representar paisagens e lugares, mas
sonhá-las.
Neste caminho imaginativo pelo Ribeirão Cambé, nos voltamos para a obra
do mestre, poeta e filósofo da águas, Gaston Bachelard com seu inspirador “Ensaio
sobre a imaginação da matéria”. A imaginação bachelardiana nos faz encontrar a
essência poética do espaço: “[...] por trás das imagens que se mostram, as imagens
que se ocultam, ir à própria raiz da força imaginante” (BACHELARD, 1997, p.2).
Assim, nos conduz ao desvelar de uma imaginação da matéria hídrica:
Os poetas e sonhadores são por vezes mais divertidos que seduzidos pelos jogos superficiais das águas. A água é, então, um ornamento de suas paisagens; não é verdadeiramente a ‘substância’ de seus devaneios. [...] Mas, se pudermos convencer nosso leitor que existe, sob as imagens superficiais da água, uma série de imagens cada vez mais profundas, cada vez mais tenazes, ele não tardará a sentir, em suas próprias contemplações, uma simpatia por esse aprofundamento; verá abrir-se, sob a imaginação das formas, a imaginação das substâncias. Reconhecerá na água, na substância da água, um tipo de intimidade, [...] Deverá reconhecer que a imaginação material da água é um tipo particular de imaginação (BACHELARD, 1997, p.6).
Interpretando e construindo imagens, o pesquisador se vê como ser
imaginante, capaz de criar, de poetizar, de cartografar um canto no mundo para o
devaneio. Devaneio que se traduz numa relação humana ética, sincera e de
conhecimento para com o ambiente próximo, e para com essas águas tão próximas
e esquecidas pelos seres que habitam esta citadina “Pequena Londres”.
![Page 26: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/26.jpg)
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3 - TRILHARES PELA CIÊNCIA GEOGRÁFICA... DA IMAGEM À IMAGINAÇÃO E
À GEOGRAFICIDADE
Desenvolver uma monografia a ser realizada dentro das instâncias de um
Departamento de Geociências, numa perspectiva da valorização da imagem e da
imaginação, o que poderia se esperar, era o risco de ser considerado como “fora do
lugar”. Neste capitulo tentaremos mostrar como a Geografia pode se envolver nos
estudos da imagem e da imaginação, e também, buscar uma claridade sobre as
idéias do espaço e da realidade geográfica na perspectiva da experiência
(LOWENTHAL, 1982). Estas idéias aparecem fundadas primeiramente no
pensamento da “geograficidade” e do “mundo vivido”, sendo substanciadas pela
abordagem fenomenológica, esta que orienta a nossa pesquisa (RELPH, 1979;
BUTTIMER, 1982; TUAN, 1980, 1982, 1983).
Referindo-se à imagem, o que se sabe, é que ela sempre esteve presente nas
discussões da Geografia6, fazendo parte da maioria de suas motivações
investigativas. O questionamento sobre a imagem do espaço vem, desde os
primórdios clássicos deste saber como ciência, percorrendo até os dias de hoje,
quando vemos sua retomada em algumas correntes contemporâneas desta
disciplina. Conforme o geógrafo mineiro Cássio Vianna Hissa, nada mais próximo da
linguagem da geografia, do que a imagem e o olhar, pois para aquele que busca
compreender o espaço (e a espacialidade dos fatos), se faz necessário: “[...] dirigir o
olhar às relações invisíveis, muitas vezes constitutivas das formas aparentes”
(HISSA, 2002, p.187). Esta imagem espacial não delimita a reflexão sobre as formas
visíveis do espaço num compartimento estanque, mas direciona o olhar do
6 Utilizaremos a palavra Geografia – como sendo o saber acadêmico administrativamente distinto, a partir de
considerações de Relph (1979, p.1).
![Page 27: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/27.jpg)
27
pesquisador para a complexidade do mundo e suas relações, tantas vezes não
exteriores.
Sobre a imaginação, podemos dizer que ela se constitui num pré-requisito
para qualquer criação humana (seja cientifica, artística, filosófica...), pois qualquer
construção reflete a imaginação e a inventividade de quem a cria. Mas, a ciência
moderna e sua interpretação procuram caminhos para a distinção das demais
formas de conhecimento, através de seus objetivos, linguagem e principalmente de
seus procedimentos. É sabido que, a própria consolidação da ciência moderna de
cunho positivista, produziu uma ruptura entre esse modo de fazer ciência com o
senso-comum, gerando nos cientistas, um ilusório distanciamento perante outros
homens. Continuamos com Hissa, onde nos mostra que:
Na reprodução histórica da modernidade, a ciência desenvolve-se a partir de uma concepção filosófica compatível com a realidade em processo de edificação: o positivismo. Limites são impostos à imaginação, na expectativa de que se construam os pretendidos caminhos do rigor, na indiscriminada procura da objetividade como estratégia de solução de ‘erros científicos’ (HISSA, 2002, p.58).
O positivismo como premissa do pensamento moderno, sugere que esta
delimitação, simplesmente, tenha a finalidade de libertar o homem que faz ciência de
sensações como o desejo, a poética, o devaneio e a necessidade de se expressar
através da arte. Nessa posição distante o pesquisador passa apenas a “observar
cientificamente” o mundo que o envolve. A este sujeito da ciência, resta a negação
de suas emoções que não passam de um universo sentimental, que só vem
obscurecer o ato cientifico da objetividade e do rigor desmedido. Nesta realidade
paradigmática, as emoções compõem-se num universo ilusório e fictício, onde a
empreitada do conhecimento não alcança as reivindicações almejadas pela ciência.
![Page 28: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/28.jpg)
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3.1 Criatividade e imaginação numa construção geográfica
Considerando aqueles que defendem uma visão de mundo racionalista,
podemos notar que acabam por esquecer que o próprio fazer cientifico moderno,
ainda depende da imaginação, pois esta construção nada seria, sem: “[...] histórias
anteriores de criação, de imagens de naturezas diversas que mobilizem o
pensamento e a ação. A criação é, enfim, a arte de sempre reinventar” (HISSA,
2002, p.60). Enganam-se, estes que consideram a objetividade como uma condição
equivalente à curiosidade, à vontade de conhecer, à capacidade de articulação do
pensamento. Desconhecendo que suas próprias buscas caminham rente à
imaginação, à poesia, às emoções, ao sonho e a outras forças constituintes, que na
maioria das vezes, são vistas como prejudiciais à produção da ciência. Assim, nos
valemos de Eric Dardel (1952) lido por Hissa, onde diz: “[...] vemos que nada
perderia a ciência em confiar sua mensagem a um observador que sabe admirar,
escolher a imagem justa e luminosa que tem diante dos olhos” (HISSA, p.197).
A Geografia, não se libertou ainda, desta visão compartimentada em sua
busca pela objetividade, acabando por considerar o mundo dentro de um discurso
universal e pré-conceituoso da imagem “palpável” do espaço. Confundindo este
“ideal” com a “idéia” de realidade geográfica, que é apenas uma das dimensões da
espacialidade assumida pelas coisas e seres. Nesta busca pelas verdades, ao se
depararem com formas, fluxos e volumes, acabaram por determinar ao estudo do
espaço, sua mensuração, quantificação e conceituação excessiva, desconsiderando
sua condição sincera e primordial de conhecimento humano.
![Page 29: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/29.jpg)
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3.2 Caminhos geográficos para uma leitura da realidade
A Geografia moderna sofre ainda, com a “tradição do olhar” simplificador e
rigoroso. Para a apreensão da realidade, é preciso ir além; é preciso descortinar ou
descobrir o que não está aparente. Precisamos buscar a “essência”. Nesse sentido,
Eric Dardel, citado por Relph, aponta:
Geografia não é inicialmente uma forma de conhecimento, realidade geográfica não é primeiramente um ‘objeto’, espaço geográfico não é um espaço em branco esperando para ser colorido ou preenchido. Ciência geográfica pressupõe um mundo que pode ser entendido geograficamente e, também, que o homem possa sentir e conhecer a si como sendo ligado a Terra (Dardel apud RELPH, 1979, p.1).
Antes de parecer que desacreditamos da importância de um olhar que
caracterize o saber geográfico, queremos revelar o nosso sonho pela emergência de
uma disciplina em construção constante como ação transformadora, proposta pela
busca da felicidade humana sobre a Terra. Que o conhecimento geográfico somente
não se comprometa com a apreensão das dimensões de uma realidade dinâmica e
em movimento, mas que também, conduza as experiências humanas através da
espacialidade das coisas, dos seres, da história e do tempo.
O que se clama, não é simplesmente o preenchimento destas lacunas
epistêmicas com apontamentos sobre a falência do pensamento científico. O que se
pretende buscar é uma reflexão sobre a condição de amplitude que este saber pode
proporcionar aos seres, partindo de sua concretude acadêmica e indo ao encontro
da imensidão do saber geográfico. É a busca de uma Geografia que se liberte das
amarras positivistas sustentadas pela objetividade, clamando por interpretações
humanistas entrelaçadas pela subjetividade:
![Page 30: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/30.jpg)
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Explanatória ou descritiva, a geografia permanece profundamente ligada ao real, e em Geografia, assevera, é impossível eliminar todo valor moral e estético, ou suprimir inteiramente o ‘ponto de vista’ do qual a realidade geográfica é envolvida, ou apagar a subjetividade do sujeito para quem a realidade se torna realidade (Dardel, 1952, apud RELPH, 1979, p.23).
Refletindo a partir das considerações de Relph, apoiado no pensamento do
geógrafo francês Eric Dardel7, nos seria difícil considerar quais os valores, que
levam alguns seres a determinar um objetivo, conceito ou categoria singularizante
para a Geografia. Acreditamos que esta demarcação vem apenas a aprisionar o
pensamento, fixando “o olhar que tudo vê e sabe” sobre a relação visível do homem
com o meio ambiente. Uma atitude científica, que não considera o envolvente
significado de que: “[...] qualquer pessoa que examine o mundo ao redor de si é, de
algum modo, um geógrafo” (LOWENTHAL, 1982, p.105).
3.3 Fenomenologia e experiência geográfica
Quando o pesquisador se propõe a investigar a realidade geográfica que
envolve o fenômeno hídrico Ribeirão Cambé, se vê na necessidade de construir um
arcabouço imaginativo dentro de sua proposta investigativa, que o faça se ver como
ser pensante e em ligação com o meio ambiente.
Assim, elegemos como guia, a maneira de interpretar o mundo proposto pela
fenomenologia8, que vem significativamente ao nosso encontro como condutor, no
7 Consideramos essencial este pensador, que ainda citaremos em outros momentos através de outros autores. Sua
obra “L´Homme et la Terre: Nature de La Realité Geographique” (1952), é de grande significado para a
Geografia contemporânea e ainda não foi traduzida no Brasil. 8 Encontramos no Dicionário Básico de Filosofia (JAPIASSÚ e MARCONDES, 1996) a seguinte consideração:
“O projeto fenomenológico se define com uma volta às coisas mesmas, isto é, aos fenômenos, aquilo que
aparece à consciência, que se dá como seu objeto intencional. O conceito de intencionalidade ocupa um lugar
![Page 31: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/31.jpg)
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que se refere aos princípios, às origens do significado e da experiência. É proposta
aos fenômenos que não podem ser compreendidos somente pelo olhar cartesiano,
mas que sejam antes de tudo, vividos para poderem ser compreendidos como eles
realmente são.
Dentro desta investigação, gostaríamos de dizer o quanto tem sido
importantes, as contribuições do método fenomenológico em Geografia9,
principalmente, quando referente à demarcação de novos caminhos sobre antigas
fronteiras disciplinares da experiência. Segundo a geógrafa Anne Buttimer em seu
texto “Apreendendo o Dinamismo do Mundo Vivido” (originalmente publicado em
1976), os fenomenologistas têm sido os representantes de um esforço para a
reconciliação do saber. Pois, indo contra o pensamento positivista: “[...] expuseram
uma crítica radical ao reducionismo, da racionalidade e da separação de sujeitos e
objetos na pesquisa empírica” (BUTTIMER, 1982, p.167). Esta autora, pre-vê ainda
para o futuro da Geografia, a necessidade de uma guinada por uma orientação mais
“humanística” dentro da disciplina, baseada em perspectivas fenomenológicas e que
venham apontar novos interesses para a pesquisa geográfica.
Quando o pesquisador volta seu olhar investigativo para o Ribeirão Cambé,
busca compreender não apenas sua condição “visível” (a degradação, seu uso, sua
ocupação, ou sua constituição litológica, pedológica e geomorfológica) através do
olhar da objetividade, mas sim, se faz conduzir pelo desejo de apreendê-lo através
da experiência vivida, de sua significância, de seu valor como espaço simbólico e
representacional capaz de abrigar uma infinitude de subjetividades.
central na fenomenologia, definindo a própria consciência como intencional, voltada para o mundo: ‘toda
consciência é consciência de alguma coisa’ (Husserl)”. 9 Dentre os fenomenologistas citados por pesquisadores da Geografia como Dardel, Frémont, Tuan, Entrikin,
Buttimer e Relph, se encontram Heidegger, Bachelard, Husserl, Sartre e Merleau-Ponty. Tendo seus escritos
![Page 32: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/32.jpg)
32
A este sujeito-pesquisador que se propõe à experienciar de modo
transcendente o Cambé, faz valer-se do uso da abordagem fenomenológica, que:
“[...] respeita a riqueza e a complexidade do mundo-vivido e, desse modo, um
método usado com sensibilidade revelaria uma enorme riqueza de experiências
ambientais pré-conscientes” (RELPH, 1979, p.22). Experiências pré-conscientes,
que antecedem o mundo dos conceitos, das palavras e das terminologias, que é
repleto de imagens que se revelam pelo contato direto do pesquisador com o
mundo.
Nessa direção, na proposta de um trabalho sobre a geograficidade vista pelo
enfoque fenomenológico, podemos ver revelarem-se não só uma gama de valiosas
experiências pré-cientificas, mas uma preciosa quantidade de significados que para
a ciência moderna, não têm sido contemplados. Não podemos nos esquecer que,
ainda existe uma dificuldade apontada por alguns fenomenologistas sobre a forma
de expressar estas experiências, e de relacioná-las à linguagem e o esforço da
Geografia. Essa dificuldade será futuramente focada, num caminhar em busca da
linguagem do geógrafo.
Buscando ainda o entendimento sobre o significado do espaço na
experiência, citamos o geógrafo Yi-Fu Tuan, apontando-o, para um processo que
engloba as diversas maneiras pela qual uma pessoa conhece e constrói a realidade
pela experiência: “[...] Experiênciar é aprender; significa atuar sobre o dado e criar a
partir dele“ (TUAN, 1983, p.9-11). Assim, a experiência implica na capacidade de
aprender a partir da própria vivência, sendo características de um envolvimento
autoconsciente e subjetivo com o mundo.
utilizados principalmente em investigações epistemológicas sobre a consciência e a experiência geográfica. Não
nos esquecemos dos riquíssimos trabalhos de João Batista de Mello (1991), Werther Holzer (1997) que deram
orientações a nossos encontros.
![Page 33: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/33.jpg)
33
3.4 Geografia e mundo-vivido
Mundo-vivido seria de maneira simplificadora, aquele mundo da experiência
imediata e anterior às idéias da ciência. É aquele do contexto da experiência
humana, sendo instância primária e necessária para o entendimento da relação do
homem com o meio ambiente. Mundo vivido é uma categoria chave na abordagem
fenomenológica da Geografia que Anne Buttimer, assim esclarece:
‘Mundo’, para o fenomenologista, é o contexto dentro do qual a consciência é revelada. [...] Uma vez consciente do mundo vivido na experiência pessoal, um individuo deveria visar apreender os horizontes compartilhados do mundo de outras pessoas e da sociedade como um todo”. “[...] a noção de mundo vivido sugere essencialmente as dimensões pré-refletivas e tomadas como certas, da experiência, os significados não questionados e determinantes do comportamento” (BUTTIMER, 1982, p.172).
Este mundo apresentado é aquele das experiências primeiras, elementares,
livres de todo maneirismo pré-conceitual estabelecido pelo modo de fazer científico.
É a expressão das atitudes diárias das pessoas que o habitam e que lhe dão
sentido, sendo o modo pré-consciente que emerge da experiência. Conceitualmente,
o “mundo” é o meio ambiente, que exerce dinamicidade à experiência humana;
entretanto, o homem acaba por subordinar este dinamismo através de um diálogo,
onde este atribui ao meio, significado e significação. Este mundo é o da interação
humana cotidiana, sendo entendida como uma interação de desejos de estabilidade
e inovação. Interação que pode ser: ”[...] expressa pelo relacionamento entre lugares
e espaço, lar e a amplitude na experiência do mundo” (BUTTIMER, 1982, p.180).
Ampliando nossos olhares, consideramos o arquiteto Werther Holzer, para
quem a palavra mundo, é fundamental na busca pela compreensão do
![Page 34: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/34.jpg)
34
relacionamento entre a Geografia fenomenológica, e “[...] a sua essência, que pode
ser denominada como geograficidade” (HOLZER, 1997, p.80).
Ainda que os fenomenologistas se refiram ao mundo como “estrutura já
constituída” (pela cultura, pelas relações simbólicas,...), o geógrafo que segue por
este enfoque, se vê na condição de interpretar o relacionamento do homem com o
meio ambiente considerando esta relação de interação como mútua. Dessa forma,
consideramos a clareza de Buttimer dizendo que: “O mundo vivido, na perspectiva
geográfica, poderia ser considerado como o substrato latente da experiência”
(BUTTIMER, 1982, p.185).
3.5 Espaço, paisagem e lugar na perspectiva da experiência.
3.5.1 Espaço
Transitando por uma Geografia de perspectiva experiencial, nos vemos na
situação de esclarecer o sentido adquirido por algumas “terminologias espaciais”,
que serão trabalhadas. Nessa perspectiva, as categorias espaciais adquirem o
sentido da humanização, passando agora a serem definidas como centro de
significância ou foco de ação emocional do homem. Agora, a busca do geógrafo pelo
espaço, torna-se uma introspecção em busca do objeto da consciência, que só é
alcançada pelo caminho da percepção essencial10. Assim o espaço toma a seguinte
configuração:
10
Nicholas Entrikin, em seu texto “O Humanismo Contemporâneo em Geografia” (1980), apresenta-nos o termo
redução (“époche”), como sendo aquele dos processos mentais que visam aperfeiçoar a percepção essencial e
fazer-nos cientes de nossos pré-conceitos.
![Page 35: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/35.jpg)
35
Os espaços-vividos da experiência geográfica, são os desta rua da cidade, deste vale, desta paisagem. Todo espaço geográfico é idiossincrático para nós por causa da singularidade de suas formas, superfícies e cores, e devido às características das nossas associações com ele. [...] Mas todo espaço geográfico também tem propriedades comuns com outros espaços, porque há uma referência humana comum, porque nossas intenções e experiência possuem consistência e porque há similaridades na aparência e no contexto (RELPH, 1979, p.12).
Todo ser humano é agora um referencial, cada sujeito tem um mundo
espacial complexo a ser revelado pelo pesquisador de geografias. O espaço pode
ser também sonhado, constituído através do devaneio, como aquele expresso por
Gastón Bachelard, que se expressa pela projeção das capacidades da imaginação
(RELPH, 1979, p.9).
E mesmo que cada indivíduo seja foco de seu próprio mundo, alguns
horizontes comuns podem ser encontrados na particularidade de cada experiência
geográfica, sendo estes o ponto de contato que o pesquisador deve encontrar. Não
deve enganar-se, apontando a singularidade das experiências como fator
desestruturador da pesquisa, pois cada mundo é o contexto revelador da
consciência. O pesquisador através de suas percepções, quando toma consciência
de sua experiência de mundo vivido, deve: “[...] aprender os horizontes
compartilhados do mundo de outras pessoas e da sociedade como um todo”
(BUTTIMER, 1982, p.172).
Esta forma de investigação é vista pela fenomenologia como método
intersubjetivo, que se esforça para elucidar um diálogo entre as pessoas e a
subjetividade do seu mundo. Subjetividade que transparece como horizonte antes de
qualquer ação reflexiva e tomada como certa, que, são presentes no cotidiano e
determinam os comportamentos do homem em sua jornada sobre a Terra.
![Page 36: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/36.jpg)
36
3.5.2 Paisagem
A paisagem nestas considerações é o ambiente em sua forma abarcado pelo
olhar, não sendo simplesmente corpo substancial, mas cenário significante das
experiências diárias. Dardel é citado por Relph, no dizer que a paisagem é mais que
uma justaposição de particularidades e detalhes, pois ela é: “[...] um conjunto, uma
convergência, um momento-vivido” (RELPH, 1979, p.14). Nela existe uma ligação
interna que une uma grande quantidade de elementos.
Uma ligação interna que une os elementos da paisagem, a partir da presença
do homem e o envolvimento nela. Considerando que a paisagem é: “[...] a escrita
dos propósitos e experiências humanas sobre a terra e, portanto, constitui uma
mensagem que pode ser decifrada” (RELPH, p.14). A paisagem quando
experienciada como presença do vivido, partilha da condição humana, dando forma,
cor, luz, sensações, e sendo desenhada e configurada por ela.
Para Yi–Fu Tuan, paisagem, não significa uma unidade funcional, “[...]
Paisagem é como uma imagem, uma construção da mente e dos sentimentos”. Tem
lugar no “olho da mente” (TUAN,1979 apud Xavier, 1994, p.22). Contemplamos
assim, a paisagem como uma combinação de preferências objetivas e subjetivas,
que se localizam no imaginário das pessoas, e que se concretizam a partir de
esforços imaginativos dos seres humanos.
3.5.3 Lugar
O lugar focaliza o espaço e a paisagem em torno das intenções e experiência
humanas. Para Dardel, o lugar é o ponto de partida da experiência geográfica, pois
![Page 37: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/37.jpg)
37
ele se apresenta sob um caráter pré-consciente. Lugar refere-se a um tipo de
experiência de envolvimento com o mundo, ligada às necessidades do homem se
enraizar e se sentir seguro. O que podemos dizer, é que só tomamos conhecimento
sobre os lugares por meio de uma afeição profunda e envolvente, onde pontuamos
nossas paradas num percurso existencial pelo mundo. Os lugares são os pontos
“sublinhados” devido a uma significância adquirida, e ainda, por serem centros a
partir do qual olhamos para as paisagens e através da imensidão do espaço.
O lugar é para o homem a primeira realidade geográfica, emergindo de suas
lembranças mais primordiais. Vêm da memória da infância, sendo o ambiente que
clama pelo olhar, pela presença. É a terra onde o ser humano: “[...] passeia ou ara, a
borda do seu vale, ou talvez sua rua ou vizinhança” (Dardel, 1952, citado por
RELPH, p.17).
Ainda, em nossos (per)cursos experienciais pelo Ribeirão Cambé, o
pesquisador pode encontrar em seus caminhos, uma intensidade de significados e
uma segurança bem características de lugar. Quanto a essas impressões, Tuan nos
diz: “O Caminho e as pausas ao longo dele, juntos, constituem um lugar maior – o
lar” (TUAN, 1983, p.200). Ainda conhecendo o lugar, pela escrita de Tuan:
[...] O conhecimento abstrato sobre um lugar pode ser adquirido em pouco tempo se se é diligente. A qualidade visual de um meio ambiente é rapidamente registrada se você é um artista. Mas ‘sentir’ um lugar leva mais tempo: se faz de experiências, em sua maior parte fugazes e pouco dramáticas, repetidas dia após dia e através dos anos. É uma mistura singular de vistas, sons e cheiros, uma harmonia ímpar de ritmos naturais e artificiais, como a hora do sol nascer e se pôr, de trabalhar e brincar (TUAN, 1983, p.203).
Assim, olhando para o lugar de maneira envolvente e respeitosa, não apenas
como uma porção do espaço, buscando entendê-lo e compreendê-lo sob a
perspectiva das pessoas que lhe dão significado e expressão.
![Page 38: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/38.jpg)
38
3.5.4 Topofilia e topofobia
Quanto a estas experiências ambientais “do envolver-se”, sabemos que
podem ser boas ou ruins, intensas ou sem expressividade, podem dizer algo sobre a
realidade, como pode apenas gerar a desorientação e confusão. Tomaria como
termos esclarecedores para estas experiências, a idéia de topofilia, primeiramente
proposta por Bachelard em “A Poética do Espaço”, e recentemente pensada em
termos geográficos por Yi-Fu Tuan em sua obra de 1980, “Topofilia”. A topofilia diz
respeito à relação de afetividade, uma ética do sentir, um olhar de igualdade para
com o meio ambiente. Incluindo os estímulos e motivações positivas, a noção de
segurança em busca do lar, além das nossas atitudes ou costumes (RELPH, 1979,
p.19).
Estas experiências podem também ser topofóbicas, onde predomina uma
relação de desprezo, de indiferença, podendo ser causado por certos costumes e
posturas do grupo social, por determinadas circunstâncias, ou pelo próprio ambiente.
A topofobia para Relph é entendida como sendo as: “experiências de espaços,
lugares e paisagens que são de algum modo desagradáveis ou induzem ansiedade
e depressão” (RELPH, 1979, p. 21).
Neste último caso, encontramos algumas sociedades urbanas pós-industriais,
ou grupos tradicionais, que vêm na degradação de seu ambiente, na poluição, na
exploração dos recursos, no desrespeito com seus símbolos, fator motriz para a
transformação negativa dos sentidos e dos significados. Tanto a topofobia, quanto a
topofilia, estão associadas à experiências com a imagem intima do lugar, ligados à
nossas atitudes e modos de ver o mundo.
![Page 39: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/39.jpg)
39
3.5.5 Algumas considerações sobre a geograficidade
Este termo ilustra de maneira rica uma geografia da vida, das pessoas e de
suas experiências espaciais. Encontramos a idéia de geograficidade empregado por
Edward Relph (a partir de Dardel), considerando as bases fenomenológicas da
realidade geográfica, que são constituídas: de espaço, paisagens e lugares, desde
que sejam diretamente experiênciadas e referentes ao mundo-vivido. O termo
geograficidade (“geographicité”), vem assinalado pelo geógrafo Eric Dardel (1952),
referindo-se às experiências espaciais dos homens. Assim:
[...] um relacionamento definido liga o homem à terra – uma geograficidade do homem que é o seu modo de existência e seu destino . [...] Refere-se às várias maneiras pelas quais sentimos e conhecemos ambientes em todas as suas formas, e refere-se ao relacionamento com os espaços e as paisagens, construídas e naturais, que são ‘as bases e recursos da habilidade do homem’ e para as quais há uma ‘fixação existencial’ (Dardel, 1952, apud RELPH, 1979, p.18-19).
Esta geograficidade permanece entre os homens de forma aceita e discreta,
“mais vivida que expressa”. Abarcando as boas e as más relações com o ambiente,
podendo assim que, o que atrai uma pessoa desagrade outras, podendo ainda ser
notada como expressão, através de um exercício de comparação de preferências.
O excessivo rigor conceitual traz como conseqüência às relações e
experiências da geograficidade, o fim de um envolvimento profundo e significante,
onde: “[...] espaços são um pouco mais que vazios entre objetos, paisagem é o
cenário de fundo e lugares são simplesmente localizações das atividades”
(DARDEL, 1952; apud RELPH, 1979, p.19). Neste sentido entendemos
geograficidade como uma relação necessária, que o homem tem com o mundo
![Page 40: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/40.jpg)
40
através dos espaços, paisagens e lugares que encontra em sua vida cotidiana.
Sendo compreendida por atitudes e respostas imediatas humanas para com o
ambiente, e entendida como sendo correta.
![Page 41: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/41.jpg)
41
4 - O RIBEIRÃO CAMBÉ DE JULIANI, OHARA E BAVCAR... EXERCÍCIOS PARA
UMA LEITURA GEOFOTOGRÁFICA DA IMAGEM DO LUGAR
Esse momento da investigação se constitui num exercício de leitura (e de
construção) de paisagens/imagens fotográficas do lugar Ribeirão Cambé.
Considerando-as como representação geográfica, social, cultural, ambiental e
histórica da realidade. Esta tentativa vem orientada na proposta de leitura de
imagens fotográficas esboçada por Roland Barthes em sua obra intitulada “A
Camêra Clara” (1984) e por textos do filósofo Vilèm Flusser, em seu livro a “Filosofia
da Caixa Preta” (2002).
Este processo será iniciado pela leitura de imagens do Ribeirão Cambé
produzidas pelos fotógrafos José Juliani, Haruo O´hara e Evgen Bavcar que, em
singulares percursos de vida e contextos puderam experiênciar estas águas de
maneira fotografante. Consideramos numa busca por traçados metodológicos
adequados à pesquisa, a essencialidade da interpretação de imagens já
materializadas do Cambé, onde o pesquisador busca referenciais para sua escrita
de novas imagens fotográficas. Estas imagens de outra época não são somente
consideradas como registros de um momento (ou tempo) que se passou, mas são
também cartografias de vida, de outras experiências com estas águas de Londrina.
São impressões que conduzem nosso olhar a uma leitura geofotográfica deste
fenômeno hídrico.
A imagem do lugar nestas considerações é entendida como paisagem, termo
utilizado pelos geógrafos, e que se constitui no "resultado visível" da relação do
homem com o espaço. Espaço que se constitui quando o homem passa a dar
significado (desbrava, constrói, percorre,...) e acaba por imprimir relações simbólicas
![Page 42: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/42.jpg)
42
do plano visível e do invisível. Assim, consideraremos a imagem fotográfica como
possibilidade de representação11 do espaço e do lugar, conscientes de que esta não
diz tudo sobre os mesmos, não podendo substituí-las pelas próprias experiências
vividas no Cambé. Partindo de: “O que a Fotografia reproduz ao infinito só ocorreu
uma vez: ela repete mecanicamente o que nunca poderá repetir-se
existencialmente” (BARTHES, p.13, 1984).
A leitura destas imagens fotográficas do Ribeirão Cambé traz à pesquisa,
pistas que revelam outros sentidos ao lugar-paisagem, imagens de caráter temporo-
espacial, que podem contar a maneira que se deu a intervenção humana no
Ribeirão, seus usos, a modelagem da realidade paisagística urbana, a ocupação e
uso do solo, nesta Londrina refletida nas águas. Para tal empreitada, faz-se
necessária a sensibilização do pesquisador ao ponto de "acessar" a imagem em sua
complexidade. Como fator de importância nesta decodificação imagética, está o
aprofundamento na busca do significado e a restituição das dimensões abstraídas
numa primeira olhada deixando a vista vaguear pela superfície da imagem.
4.1 A leitura da imagem fotográfica do lugar
Barthes mostra que, para a leitura da imagem da Fotografia, deve-se
desmontar a estrutura da foto (no seu caso se exercita lendo Kerstez, Avedon,...)
pela desmistificação, num exercício para encontrar o studium e o punctum (partes
essenciais da Fotografia) da imagem, seguindo regras de leitura. A imagem
fotográfica quando interpretada a luz desta proposta, faz o campo de compreensão
ser aprofundado. Assim, diversos elementos não vistos, tomam visibilidade,
11
Segundo o Dicionário Aurélio, é: Ato ou efeito de representar; coisa que se representa; reprodução do que se
tem na idéia.
![Page 43: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/43.jpg)
43
“aparecem”. O studium é aquele que direciona o nosso interesse pelas fotografias,
pois participamos culturalmente (lendo) das figuras. Segundo Barthes: “Reconhecer
o studium é fatalmente encontrar as intenções do Fotógrafo, entrar em harmonia
com elas, aprova-las, mas sempre compreende-las, discuti-las em mim mesmo, pois
a cultura é um contato feito entre os criadores e os consumidores. Enquanto: “O
punctum de uma foto é esse acaso que, nela, me punge (mas também me notifica,
me fere)”. É como se fosse uma pequena trilha na imagem (BARTHES, 1984, p.47-
49).
Na proposta de Flusser, vemos algo semelhante (sem a pretensão de
comparar), considerando o ato como sendo um scanning, e se faz realizado
seguindo a estrutura da imagem, como também norteada pelos impulsos no íntimo
do observador. Neste scanning, o significado será determinado pelas
intencionalidades do emissor e do receptor. Pois para este filósofo: "Imagens não
são conjuntos de símbolos com significados inequívocos, (...)", ofertando aos seus
receptores, um espaço para a interpretação, sendo desta maneira “símbolos
conotativos” (FLUSSER, 2002, p.8-9).
Fundamentamos ainda, tal prática de leitura na proposta do geógrafo
Cosgrove dentro da Geografia Cultural, que considera como necessário ao
pesquisador das imagens, desenvolver uma: “(...) habilidade imaginativa de entrar no
mundo dos outros de maneira auto-consciente e, então, representar essa paisagem
num nível nos quais seus significados possam ser expostos e refletidos”
(COSGROVE, 1998, p.103). Este método que superficialmente se aparenta com o
ato do devanear, considera que muitos dos significados da imagem são encontrados
de forma natural, de forma envolvente, devendo o pesquisador considerar sua
(própria) experiência com a natureza, como referencial para a análise. A leitura
![Page 44: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/44.jpg)
44
imagética destas expressões culturais desta sociedade “pé vermelho”, deve ser
realizada num caminho metodológico que se apresenta minucioso e exigente, mas
também dinâmico e envolvente, apresentando como passos fundamentais: uma
leitura detalhada em todas suas possibilidades, a realização dos trabalhos de campo
e a elaboração de mapas.
Aqui, o pesquisador propõe a construção de um itinerário de conhecimento
pelo Ribeirão Cambé, através da leitura de sua imagem fotográfica de outros tempos
(também de seu imaginário e imaginação), e da construção de uma linguagem
geofotográfica criativa e imaginativa. Nesta proposta ainda, deve-se lembrar, o quão
inspirador é o trabalho da pesquisadora arquiteta Lucrécia D’Aléssio Ferrara em
suas leituras imagéticas sobre o rio Tietê e sobre a cidade de São Paulo de décadas
anteriores (FERRARA, 2000).
4.1.1 A “imagem paisagem” do Ribeirão Cambé como expressão de mundos
vividos
As imagens-paisagens fotográficas do Ribeirão Cambé produzidas por
O´hara, Juliani e Bavcar a serem focadas nesta pesquisa são expressões de uma
Londrina que não existe mais em sua forma concreta. São relatos de um mundo já
vivido, impressões que agem como a memória e trazem lembranças as vezes
esquecidas, se assemelhando a um diários e a crônicas, só que impressas no
instante do click fotográfico. A paisagem experienciada e descrita por estes
fotógrafos, se consiste em expressão, de experiências e propósitos dos homens
sobre a terra, e aguardam serem decodificados. Ou, conforme Relph, considerando
a paisagem como “ambiente palpável”, que: “[...] não somente possuem conteúdo e
![Page 45: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/45.jpg)
45
substância mas também são os cenários significantes das experiências diárias e das
excepcionais” (RELPH, p.13, 1979).
Num estudo sobre Geografia e Literatura, a geógrafa Solange T. de Lima
enfocando a paisagem do Sertão de Guimarães Rosa, nos mostra que a leitura de
um romance como expressão cultural (como a fotografia, a música, a poesia,...)
podem evocar mensagens que dizem sobre a percepção, a busca de significados, a
valorização e as rupturas do ser humano com seu espaço. Estas imagens de lugar,
paisagens geográficas, envolvem horizontes significativos de símbolos e signos
humanos em profunda dinamicidade. Conforme esta autora, o relato dos
romancistas são expressões de experiências com o lugar através de sua imagem,
conduzidas pela valorização e envolvimento com o espaço. A “imagem paisagem” é
condutora de experiências, num processo de conhecimento e apreensão da
realidade, fundadas em sentidos, sentimentos e valores que se revelam pela
significação do lugar. Este processo se dá, da seguinte forma:
[...] cada ser humano constrói, seleciona as paisagens que envolvem sua própria história de vida, numa revelação de símbolos que encerram em si as atitudes, percepções, os sonhos e sentimentos únicos, singulares, relativos às suas vivências. Estes símbolos atribuídos às paisagens vividas dizem respeito às maneiras de compreender a integridade e a complexidade das experiências, dos ritmos das relações existenciais com o mundo vivido [...]” (LIMA, 2000, p. 8).
Encaramos estas imagens fotográficas do Cambé, ao encontro da
intencionalidade de seus fotógrafos, pois estes de alguma forma queriam dizer algo
sobre este lugar. Podemos assim, considerar estas experiências como a busca
diária pelo conhecimento sobre o ambiente e sobre si próprio, nos fazendo deparar
com símbolos expressos, que podem possibilitar o acesso à imagens e ao
imaginário destas águas londrinenses. Assim, consideramos estes três personagens
![Page 46: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/46.jpg)
46
que nos deixaram imagens de suas experiências de vida com o mundo (Ribeirão
Cambé, Londrina), deixaram relatos de percepções e compreensões deste mesmo
ambiente, e em distintas perspectivas e contextos desvendaram de seus modos,
lugares e paisagens por meio da escrita da fotografia.
4.2 José Juliani... o olhar do fotógrafo pioneiro
O fotógrafo José Juliani veio para o Norte do Paraná, quando acabara
adquirindo um lote no Patrimônio Três Bocas, junto à Cia. de Terras Norte do
Paraná. Chegara ao dito “Novo Eldorado” no mês de março de 1933, trazendo
consigo sua mulher, seus cinco filhos e seus pertences. Haviam chegado numa
jardineira carregada de pioneiros, que adentravam o sertão do norte paranaense
para a colonização de Londrina. Constrói um pequeno rancho de madeira, e no
prolongamento dessa varanda voltada para oeste, construiu uma pequena “câmara
escura”, seu laboratório fotográfico.
No decorrer de sua vida em Londrina, Juliani acaba sendo contratado como o
fotógrafo oficial da CNTP, designado para registrar todos os acontecimentos, todas
as solenidades, o desmatamento, as estradas, as plantações, as curiosidades.
Registrando o desenvolvimento da região durante mais de dez anos, Juliani andou
de cá para lá, sempre com uma máquina à tira-colo registrando tudo o que via.
Enquanto isso, os colonizadores estavam por demais ocupados em seu trabalho na
derrubada da mata, na construção de suas casas, no plantio do café e de outras
lavouras.
![Page 47: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/47.jpg)
47
4.2.1 Juliani e a foto da Cachoeira do “Cambézinho”
Certo dia pára em frente de sua casa um automóvel, conduzido pelo Sr.
Ernest Rosemberg, engenheiro funcionário da CTNP. Precisava tirar uma foto do
Salto do Cambé com urgência, em conseqüência de um erro do fotógrafo oficial que
tinha “perdido o trabalho”. Assim: “Juntou sua máquina, carregou o chassi, pegou o
tripé e lá se foram rumo ao Cambézinho” (ARRUDA, 2002). Depois de uma longa
caminhada por trilha aberta na mata, chegaram a barranca do rio, de frente ao Salto
do Cambé (hoje atual Parque Municipal Arthur Thomas). A foto não tinha como
objetivo somente registrar as belezas naturais da região. Nos planos da Companhia
de Terras Norte do Paraná estava a construção de uma usina hidroelétrica, a fim de
fornecer energia às cidades de seu núcleo de colonização. Os estudos para esse
empreendimento seriam realizados na Inglaterra, e através de fotografias se poderia
ter uma idéia das quedas d´água e a viabilidade do projeto. Com pouca luz devido à
mata, Juliani armou sua máquina, focalizou, regulou a abertura do diafragma, a
velocidade e o tempo, registrando o momento.
![Page 48: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/48.jpg)
48
Imagem 4 - Cachoeira do Cambé, 1933. Fonte: Museu Histórico de Londrina.
Neste ponto, assinalamos o geógrafo francês Eric Dardel, para quem a
paisagem é vista como um instrumento que não deixa de apresentar suas reais
intenções, pois “[...] a intensão humana inscreve-se na terra”. Dizendo que a:
“Paisagem não é em sua essência feita para ser considerada, [...] mas antes é uma
inserção do homem no mundo, um sítio da luta pela vida, a manifestação de sua
existência e da dos outros” (Dardel, 1952; RELPH, 1979, p.15). A fotografia de
Juliani quando visto de maneira não objetiva, nos revela (ou representa) uma
postura dominadora do Homem perante a Natureza. Pois, podemos encontrar uma
intenção presente no discurso desbravador, do pioneiro que aqui chegou para
derrubar a mata e construir Londrina.
![Page 49: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/49.jpg)
49
Como studium desta fotografia, encontramos a cachoeira acompanhada de
um personagem (Sr. Ernest Rosemborg, engenheiro britânico da CTNP).
Enxergamos ainda como punctun na imagem da fotografia, os trajes de "escoteiro",
chapéu panamá e botas de cano alto do personagem, a água em movimento, sua
vazão e força (representada pelo tempo de exposição), sua queda, a luz que
atravessa a mata do seu entorno, sua composição litológica (rochas basálticas), e
algumas árvores caídas prendem nossa atenção investigativa. A pose deste
personagem lembra a de um guerreiro vitorioso, alguém que se porta imponente
sobre uma gigantesca árvore caída (Abatida? Subjugada?) sobre o curso d'água. Ele
pensa em dominar esta Natureza?
O que se sabe desta fotografia do Cambé, é que ela tinha uma finalidade
tecnicista, pois a Cia intuía através dela, não apenas relatar as belezas naturais do
“Norte Pioneiro”, mas também registrar o potencial hídrico do lugar. Esta fotografia
viria dar suporte para a construção da primeira usina hidroelétrica de Londrina,
desenhada por engenheiros da CTNP na matriz em Londres, possibilitando a
continuidade de seus planos capitalistas.
Sobre este ideal romântico do pioneiro que habita até os dias de hoje a
memória do londrinense, Tuan o apresenta como sendo o de construção de um
“mito” acerca do espaço selvagem. Este ideal é construído em contrapartida ao
espaço da cidade e do campo, estes propriamente criações humanas. Assim a
natureza virgem ou o selvagem, e não o campo torna-se o polo oposto à cidade,
“inteiramente feita pelo homem”. Buscamos um entendimento com Tuan nos
dizendo: (...) “Os pioneiros não apreciavam o selvagem; era um obstáculo a ser
vencido para se ganhar a vida e era uma ameaça constante na sobrevivência”
(TUAN, 1980, p.127).
![Page 50: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/50.jpg)
50
Não devemos simplesmente considerar Juliani como ator (operator) deste
palco de grandes transformações, não apenas vê-lo como aquele que não gosta ou
respeita o meio natural, e que veio para derrubar a mata. Juliani era fotógrafo
profissional, foi personagem (instrumento) de determinado contexto (situação) bem
característico à este lugar, mas parece absorver todo o discurso desenvolvimentista
de seus “patrões”. Não estava sozinho, mas estava inserido num processo histórico
e ideológico que talvez nem soubesse as proporções. Sua história de vida foi
apropriada, e hoje, sua imagem idealizada aparece nos inúmeros discursos que
exaltam a origem pioneira de Londrina.
Décadas depois as fotos de José Juliani são reproduzidas e veiculadas em
exposições, mostras, livros didáticos, jornais e revistas, nem sempre com o devido
respeito a seu uso e seus direitos de autoria. Hoje, seus negativos “de vidro”,
encontram-se acondicionados e em estado de conservação no Acervo Iconográfico
do Museu Histórico de Londrina. Neste mesmo museu encontra-se também uma
réplica da câmara fotográfica usada por ele.
4.3 “Paisagem de Sonhos”: o olhar poético de Haruo Ohara
Hoje você vê a flor. Agradeça a semente de ontem. Haruo Ohara, fotógrafo nipo-londrinense
Haruo Ohara nasceu no ano de 1909, na província de Kochi localizada na Ilha
de Shikoku no Sul do Japão. Chega ao Brasil com 18 anos em 1927, emigrando em
companhia de toda sua família que atravessara o Oceano em busca de “dias
melhores”, fugidos de anos de crise e guerra. Os Ohara vieram com a idéia fixa de
fazer riqueza no Brasil país onde se plantava o “kane no neruki” (pé de dinheiro): o
![Page 51: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/51.jpg)
51
café. Já em 1933 ele e sua família transferem-se para terras adquiridas junto à
Companhia de Terras no sertão norte-paranaense, adquirindo o lote de n.1 (Ikku:
Primeiro) do Patrimônio Três Bocas, lugar onde oficialmente viria “nascer” a cidade
de Londrina em 1934. Ohara relata suas primeiras impressões sobre esta paisagem
em seu diário, onde considera que: “(...) Tudo era uma grande mata, muito verde,
que cobria o céu. Não havia plantações, pastos, casas, nada. Tudo estava por ser
feito” (LOSNACK, 2003, p. 39).
Imagem 5 - Reprodução de um mapa de Londrina com as primeiras colônias japonesas e o centro urbano. Nota-se representado um trecho do Ribeirão Cambé (LOSNACK, 2002; YAMAKI, 2003).
O Lote 1, se constituía nos primeiros vinte alqueires de terra da Gleba
Cambé, era mata virgem, e no meio dela os Ohara ergueram a primeira morada, um
rancho construído com o autêntico palmito da região. Nestes tempos o que
começava a surgir, era uma pequena vila chamada Londrina. Para Haruo, eram só
algumas casas de madeira, construída entre os tocos e as cinzas da floresta.
![Page 52: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/52.jpg)
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O desenvolvimento da arte de lavrar vinha em companhia com a arte de olhar
de Haruo Ohara. Construção fundada em estudo e dedicação, onde não havia
diferença fundamental entre semear e fotografar. As imagens fotográficas exerciam
fascinação sobre Haruo, sendo para ele um instrumento que podia revelar muitas
maneiras de ver o mundo, "tal como a terra revelava o mundo a cada semente
plantada em suas entranhas”. Era um “flanêur”, que caminhava e fotografava
debaixo de sol e chuva, por trilhas e caminhos, desbravando a cidade atento “às
formações tanto do orvalho como da lama” (LOSNACK, 2003, p.119).
Mesmo sendo pioneiro e quase contemporâneo de Juliani, Haruo conseguiu
em meio às rudes lidas do campo, criar fundamentais expressões poéticas e
artísticas para sua época12. Sua obra traz em si princípios da cultura oriental, o que
já confunde quaisquer que sejam as interpretações. Os temas, enquadramentos,
perspectivas e contornos de suas fotografias sugerem uma sabedoria transcendente,
um olhar além da própria imagem. Sua obra mostra mais que a relação do pioneiro
com o seu meio, e é inspirada na chuva, nas flores e na terra, nas matas, e também,
nos rios, lagos, águas de Londrina.
4.3.1 O Lago Igapó... pelo olhar onírico do poeta
12
Foi também integrante do grupo fundador do Fotoclube de Londrina no ano de 1951; e a partir deste momento
começou a participar de salões fotográficos, num rico momento da fotografia brasileira. Em 1959, é premiado na
Exposição Internacional de Paris.
![Page 53: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/53.jpg)
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Imagem 6 - Banhistas no Lago Igapó, 1961. Fonte: Saulo Haruo O´hara.
Encontramos nesta foto de Haruo O'hara, a água que brilha e reflete a luz do
sol como o studium, ou fator predominante do quadro. A imagem caracterizaria uma
cena do cotidiano? Dê um momento de lazer característico desse lugar talvez ainda,
não afetado pela poluição proposta pelo progresso industrial de uma “Londrina
Sessentista”? Em busca do punctum, avistamos no primeiro plano uma mulher de
sombrinha (seria mãe de um deles?), observando essas crianças que se banham
despreocupadamente nas águas do Ribeirão Cambé. Algumas crianças encaram a
objetiva, teriam elas a consciência deste momento a ser imortalizado?
Banhistas também são avistados na outra margem do Lago, área hoje,
ocupada por mansões e chácaras. O punctum ainda é ampliado com a expressão
das crianças, seus olhares e suas roupas amontoadas. A sombra da mulher com
sombrinha complementa o plano da imagem. Encontro nesta imagem uma
![Page 54: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/54.jpg)
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valorização afetiva destas águas, apresentando este espaço recém transformado
pelo homem em lugar de uso do lazer, do ócio e da brincadeira. Aqui as crianças
envolvidas se fundem com as águas, e só são despertados deste devaneio pela
figura da mulher, fora da água e com os pés no chão. Crianças que alçam vôo neste
céu iluminado, flutuam, permanecem intocados, protegidos pelo sonho.
Haruo com este relato, se torna um cronista urbano desta Londrina de águas;
transformando o Lago Igapó em “espaço do devaneio poético”, onde todos
(personagens e leitores) tornam-se envolvidos pela beleza aquática. Esta imagem
flui ao encontro das lembranças que este poeta traz de seus espaços vividos,
fazendo transcender o encontro de sua imaginação e de suas memórias. Seu olhar
de poeta deixa evidente outras cidades em uma (atreves de suas relações de
topofilia com o ambiente), nos revelando pela fotografia, imagens de leveza, em
oposição ao “lento, mas inexorável processo de petrificação” que ocorre no mundo,
apontado por Nelson Brissac Peixoto. O olhar de Haruo O´hara consegue: “Aliviar a
paisagem de todo o seu peso até fazê-la semelhante à luz da lua” (BRISSAC
PEIXOTO, 1992, p.312).
Haruo veio a falecer na Primavera de 1999, com 89 anos de idade; 70 deles
vividos no Brasil, deixando uma grande obra fotográfica, constituindo-se em
riquíssimos registros do cotidiano e da História de Londrina. Não nos deixa só este
tesouro, mas nos ensina a olhar o mundo como poeta, nos remetendo a sua sincera
maneira de buscar entendimento sobre a vida, a natureza, e seus espaços interiores.
4.4 Evgen Bavcar... e a paisagem invisível das águas tropicais
![Page 55: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/55.jpg)
55
Evgen Bavcar (pronuncia-se “Baushar”) nasceu em 1946 no povoado de
Lokavec, na Eslovênia (região dos Balcãs Europeu). Evgen ficou completamente
cego aos onze anos de idade em decorrência de dois acidentes sucessivos. Aos
dezesseis anos tirou sua primeira fotografia, com uma camêra Zorki6 (cópia
soviética da Leica). Estudou Filosofia na Universidade de Liubliana, se tornando o
primeiro professor cego da Eslovênia, lecionando Geografia. Mais tarde veio a se
doutorar pela Sorbonne, vindo a ingressar depois no Centre National de Recherche
Scientifique (CNRS) no início dos anos 80. Desde o início dos anos 90 suas
fotografias têm sido mostradas no Brasil, tendo próprio Bavcar vindo ao País por
algumas vezes, acompanhando algumas de suas exposições e proferindo
conferências (BAVCAR, 2003).
4.4.1 Paisagem do Invisível... Águas do Cambézinho
As idéias do fotógrafo Bavcar nos foram apresentadas numa mesa redonda
intitulada "O ponto zero da fotografia", em companhia do filósofo e coordenador do
escritório Artepensamento Adauto Novaes e da fotógrafa mineira Eliane Veloso. Esta
reunião de idéias se deu em Londrina, na primavera de 2002, integrando as
atividades do projeto "A Expressão Fotográfica e os Cegos", desenvolvido com
alunos do ILITC (Instituto Londrinense de Instrução e Trabalho para Cegos),
organizado pela artista plástica e fotógrafa londrinense Fernanda Magalhães. Além
de suas idéias, pudemos contemplar um pouco de sua criação fotográfica constituída
em imagens de grandiosa carga onírica. Para Magalhães, Bavcar contribui de
maneira especial com seu trabalho e com seu pensamento, fazendo-nos pensar no
invisível. Para ela: “Pensar no invisível é pensar no que está por trás das imagens,
![Page 56: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/56.jpg)
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pensar nas emoções, pensar no que está por trás das aparências, além daquilo que
entendemos por “realidade” (PROJETO..., 2002).
Mesmo não materializada fotograficamente, a imagem do Cambé
apresentada por Bavcar, nos faz deparar com um olhar carregado de um sentido
místico, mitológico e sobrenatural que as águas de sua memória (de sua infância, de
seu vilarejo,...) trazem à sua imaginação. Conforme nos revela em sua experiência
no Lago Igapó:
A chuva tropical que se abateu sobre nós perto do lago foi tão violenta que não pude deixar de ver nela algo de divino, talvez as lágrimas de Urano desejoso de atenuar o calor tropical que nos assediava. Esse fenômeno, que parece ser muito freqüente em Londrina, lembrou-me que o céu é imprevisível, com ou sem deuses. [...] Londrina foi também para mim o lugar das águas que, por sua violência, lembravam-me a todo instante a lei dos trópicos. Assim, senti a alegria física de seus aguaceiros imprevisíveis, a ponto de abandonar as certezas meteorológicas que não levam em conta nossos velhos ensinamentos (BAVCAR, 2003, p.103 - 107).
Esse filósofo das imagens nos revela dentro do contexto da
contemporaneidade, uma proximidade segura para com a imagem do lugar. Mesmo
num mundo onde tudo se tornou visível demais, com uma sobreexposição e um
consumo desenfreado de imagens. Bavcar (re)conhece o lugar pela emanação de
sua luz, inebriado pelo cheiro da chuva, pelo calor dos trópicos, por todas suas
sensações. Luz que transforma a cegueira em paisagem visível, nos revelando uma
imagem invisível pela experiência de outros sentidos, que não o da vista. Consegue
nos mostrar que um simples olhar panorâmico não consegue mais dar conta de
conhecer os lugares, ainda mais, perante o distanciando das pessoas com suas
experiências dérmicas.
Conduz-nos ao que o filósofo Nelson Brissac Peixoto, considera como sendo
uma ética das imagens. “Esta atitude – esse respeito pelas coisas – é ético. Olhar o
![Page 57: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/57.jpg)
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mundo como uma paisagem, algo dotado de luz, de uma capacidade de nos
responder ao olhar. Não se trata de um modo de procurar cenas naturais, mas de
um modo de ver” (PEIXOTO, p.309, 1992). Esta postura, ou questão ética, esta em:
“Retratar o mundo como paisagem, deixá-lo se constituir em horizonte. Mesmo que
não se possa mais vê-lo como totalidade” (PEIXOTO, p.318). Nesse sentido,
clamamos pela emergência de nossas experiências vividas com a paisagem,
fazendo com que esta imagem seja presente, mesmo que para enumerar sua
problematicidade. Não devemos consumir imagens em substituição de nossas
experiências, devemos sim, descobrir o mundo através de nossas capacidades
imaginativas. Mundo de sentidos, sentimentos, desejos e sonhos, que se revelam
pela expressão de outros olhares e formas de expressá-los.
![Page 58: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/58.jpg)
58
5 - ENSAIO GEOFOTOGRÁFICO... UMA FORMA DE EXPRESSAR
GEO(GRAFIAS)
O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa era a imagem de um vidro mole que fazia uma volta atrás da casa. [...] Passou um homem depois e disse: Essa volta que o rio faz por trás de sua casa se chama enseada. [...] Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que fazia uma volta atrás de casa. [...] Acho que o nome empobreceu a imagem.
Manoel de Barros, O Livro das Ignorãças.
Esse momento da investigação se constitui numa maneira de expressão do
(per)curso de experiências e vivências do pesquisador. Surge como uma proposta
de escrita alternativa, perante as exigências da escrita cientifica. Constitui-se numa
escrita de geograficidade através da imagem, algo que nos aproxima do poeta.
Quem nos conduz a esse caminhar é o poeta matogrossense Manoel de Barros, que
nos revela as possibilidades da poética como conhecimento e meio expressivo:
"Hoje eu atingi o reino das imagens, o reino da despalavra. [...] Daqui vem que os
poetas podem compreender o mundo sem conceitos. Que os poetas podem refazer
o mundo por imagens, por eflúvios, por afeto" (BARROS, 2001, p.23). O
pesquisador-poeta compreende a poesia como conhecimento sobre o mundo, como
emanação de sensações e sentidos, desprezados pelo rigor cientifico. Busca uma
maneira de não empobrecer os significados do Ribeirão Cambé, através da palavra
escrita, sem abarrotá-lo de conceitos distantes.
Retomamos o pensamento de Eric Dardel agora, lido por Cássio Viana Hissa,
em busca da linguagem do geógrafo:
Presença, presença insistente, quase obsessiva, sob o jogo alternado da sombra e da luz, a linguagem do geógrafo, sem esforço, torna-se a do poeta. Linguagem direta, transparente, que ‘parte’ sem sofrimento da imaginação, bem melhor, sem dúvida, que
![Page 59: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/59.jpg)
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o discurso ‘objetivo’ do sábio, pois ele transcreve fielmente a escrita traçada sobre o solo (Dardel, 1952, apud HISSA, p.191, 2002).
O que o pesquisador da geografia (em crise com sua escrita) almeja, é
apenas se fazer entendido, através de um modo de escrever mais simples, uma
escrita um pouco mais sincera e com palavras simples. Fotografando, o pesquisador
(agora poeta, ser imaginante) tenta falar do invisível, de alguns recantos do espaço
não visível.
Novamente nos enveredamos pela amplitude de saberes proposta por Eric
Dardel, buscando demarcações para nossa escrita geofotográfica. Interpretado
agora por Gratão, em suas reflexões sobre “O Rio” – Paisagem... e... Lugar... . A
pesquisadora relata sua “busca” no (re)conhecimento de uma geograficidade
topofílica com “O Rio”, nascida do profundo vinculo afetivo com ele. “Uma
geograficidade hídrica! Uma topofilia hídrica! – Hidrofilia” (GRATÃO, p.38, 2001).
Assim, encontraremos nas imagens do pesquisador-fotógrafo, imagens fundadas
numa poética do cotidiano, da vida. Experiências geofotográficas demarcadas nas
margens do Ribeirão Cambé.
O espaço geográfico é agora visto pela imensidão poética e imagética
presente no ato fotográfico, ou como nos inspira Manoel de Barros em seus Ensaios
Fotográficos: “Difícil fotografar o silêncio. Entretanto tentei. Eu conto: [...] Olhei uma
paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre. Foi difícil fotografar o
sobre [...]” (BARROS, p.12, 2001). Aqui a busca é pelo encontro com uma linguagem
que amplie as possibilidades de representação sensível do lugar, sendo um caminho
almejado por este pesquisador para a fuga do clichê.
Ainda falando deste processo de construção (e leitura de imagens) o
pesquisador se encontra com o inspirador projeto-trabalho do fotógrafo baiano
![Page 60: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/60.jpg)
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Christhian Cravo, intitulado “O Espírito Velado” e que vem sendo desenvolvido
desde o ano de 2003. Nesta proposta de escrita fotográfica, Cravo tem registrado a
influência e uso da água em várias religiões. Tem voltado o foco para a utilização e a
incorporação da água por religiões de alguns lugares do mundo. O sincretismo
aquático-religioso aparece como condutor de imagens sobre os lugares, como: a
Índia e o Rio Ganges, o Benim, a Geórgia, a Bahia e o Candomblé, além do Vodu
Haitiano. Neste trabalho, a água aparece como elemento poético e
consideravelmente fotogênico, sendo ainda condutor e mediador da crença e da fé
dos povos (CRAVO, 2004).
Encontramos ainda no caminho de nossa escrita geofotográfica, a belíssima
expressão de Manoel de Barros sobre as “águas pantaneiras” de sua infância.
Devaneio imagético e hídrico: “Desde o começo dos tempos águas e chão se amam.
Eles se entram amorosamente. E se fecundam. [...] As águas são a epifania da
Natureza” (BARROS, 2001, 7-17). Este poeta, com sua simplicidade e suas
revelações, nos conduziu das nascentes à foz do Ribeirão Cambé.
Não podemos ainda omitir, a inspiração que o trabalho poético de Haruo
Ohara com seus retratos, paisagens, composições e cenas de uma Londrina
pioneira, traz à nossa proposta. Estas fontes, em diversos momentos nos levaram a
compreender as imagens produzidas, sendo estas expressões condutoras
relevantes da pesquisa.
5.1 O Uso do Solo e configurações utilitárias da paisagem.
Nestes últimos vinte anos a antiga Gleba Palhano (ou Alto do Igapó) se tornou
o metro quadrado mais valorizado de Londrina. Mansões e sofisticados prédios,
![Page 61: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/61.jpg)
61
vieram conduzidos pelo mercado imobiliário a mudar a paisagem local pelo
fenômeno de verticalização das moradias. A questão da qualidade de vida, almejada
por muitos que se mudam para esta área, tem contribuído para a uma ocupação
desmedida e que tem ampliado o assoreamento e a degradação do Lago Igapó 2.
Status, terrenos maiores, e vista para as águas do Cambé, completam a paisagem
“standardizada” impressa nessas águas (Imagem 7).
Imagem 7 – Reflexos do progresso no espelho d’água do Igapó 2 / Fernandez, Inverno de 2004.
Hoje, cerca de seis mil famílias moram nos condomínios do Alto do Igapó,
sobrecarregando as redes de esgoto da região, ampliando a produção e deposição
de lixo em suas margens. De suas mansões, poucos moradores conseguem ver o
aumento da poluição (e contaminação) dos corpos d’água da Bacia do Cambé,
enquanto outros sujeitos praticam seu esporte e lazer (Imagem 8).
![Page 62: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/62.jpg)
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Imagem 8 - Canoagem e mansões no Lago Igapó 1 / Fernandez, Verão de 2003.
5.2 Os lagos
O grandioso complexo de lagos formados no Ribeirão Cambé, acabaram por
adquirir forma com a construção da barragem do lago 1 em 1958. Igapó, na língua
Tupi, significa “mata cheia de água”. E o que antes eram fundos de vale se
transformou num grande coração hídrico da cidade. Espaço construído num discurso
da redução das distâncias e segregação que existia entre diversos cantos da cidade;
uma forma de unir o povo londrinense. De uma extremidade à outra, a identificação
destas diferenças se amplia, onde vemos o Igapó 4 (mais desvalorizado, que
apresentou expressões negativas como a violência, falta infra-estrutura e
degradação, proximidade de Bairros considerados violentos) numa ponta e o Igapó 1
e suas mansões e cenário, de outra.
![Page 63: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/63.jpg)
63
Imagem 9 – O Lixo no Lago Igapó 1 / Fernandez, Primavera de 2004.
O sentido das fotos seguintes (Imagens 9, 10 e 11) foi fazer emergir as
diferenças visíveis entre os quatro lagos; irmão de águas. Como o Igapó 1,
(per)curso mais valorizado, com maior infra-estrutura, o verdadeiro cartão postal de
Londrina encoberto por uma montanha de lixo. Enquanto o Igapó 3, transformado
numa paisagem sobrenatural (com o recurso de um filtro amarelo), vemos o Igapó 4,
coberto de luzes. Luzes que não são dos postes, mas de uma lua cheia e dos carros
que passam com sentido UEL. Interessante é que conversando, percebemos que a
maioria das pessoas que por ali passam de carro, desconhece este Ribeirão, seu
nome, sua forma, seu valor e lugares.
![Page 64: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/64.jpg)
64
Imagem 10 – Londrina refletida nas águas do Igapó 3 / Fernandez, Verão de 2003.
Imagem 11 – Luz da Lua e dos carros nas águas do Lago Igapó 4 / Fernandez, Inverno de 2004.
![Page 65: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/65.jpg)
65
5.3 O lazer e as brincadeiras.
O Ribeirão Cambé, principalmente no (per)curso dos lagos, sempre foi visto
como sendo a praia do londrinense. Espaço oposto ao da casa, espaço de encontro,
da fuga dos programas dominicais de televisão. Árvores, matas, playgrounds, pesca,
clubes, belezas cênicas, caminhada e outros esportes, além de muita água.
Para aqueles que podem pagar, exclui-se as doenças e o mal-estar causado
por estas contaminadas águas urbanas. Já, para aqueles que não podem consumir
lazer nos clubes, piscinas e sítios, estas águas se transformam numa importante
área de lazer; corredeiras e cachoeiras que inspiram aventuras (Imagem 12).
Imagem 12 - Banho no Cambé / Fernandez, Verão de 2003.
Piqueniques, banhos de sol e natação, mesmo com os avisos proibitórios
baseados nos indicadores de balneabilidade, crianças, famílias, curiosos, turistas,
moradores e vizinhos de outros bairros, transformam os fins de semana de calor em
![Page 66: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/66.jpg)
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um rico mosaico de personagens, com suas músicas, vestimentas, costumes, etc.
As brincadeiras de água estão intimamente ligadas com o espaço bachelardiano e
assim, com a compreensão do mundo. A brincadeira no rio nos revela valores
universais da casa e do espaço habitado, faz transparecer o “não-eu que protege o
eu” (BACHELARD, 1988, p.19).
Imagem 13 - Brincadeira de Domingo no Lago Igapó 3 / Fernandez, Primavera de 2004.
Imagens de um momento que nos fazem lembrar aquela fotografia de Haruo
Ohara, onde uma mulher observa as crianças em suas brincadeiras de água.
Momento em que talvez, nem fossem poluídas essas águas. As brincadeiras
conduzem o pesquisador, às preferências e aos ambientes agradáveis daqueles que
vivenciam o Ribeirão Cambé. Os lugares mais ternos, aqueles da amizade, da
experiência lúdica com a natureza se fazem aflorar, mesmo que a cidade:”não seja
feita para as crianças e os adolescentes brincarem suas infâncias” (MACHADO,
1995, p.17).
![Page 67: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/67.jpg)
67
5.4 As formas de vida
Estas águas ainda são vistas como um refúgio da vida e de grande valor
ecológico. Tanto para a flora, onde ainda encontramos pequenos focos de mata
nativa, quanto para a fauna. Répteis, peixes, insetos e mais de vinte espécies de
pássaros encontram nestas águas urbanas, refúgio para reprodução e para
alimentação. Uma espécie de Pantanal, como me relatou certa vez, uma pessoa.
Imagem 14 – Garça no Cambé – “Entardecer” / Fernandez, Outono de 2004.
5.5 A pesca
O rápido e grande crescimento da cidade de Londrina viria trazer uma leva de
pessoas vindo de áreas rurais, bairros e pequenas cidadelas do entorno. Vieram,
trazendo em sua “matula” alguns hábitos e formas de viver bem típicas do homem
do campo, e que adquiriram hoje, novas facetas nas margens do Ribeirão Cambé.
![Page 68: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/68.jpg)
68
Imagem 15 - Pescador (Igapó 4) / Fernandez, Verão de 2004.
Lazer, forma de conseguir o alimento, de se ligar com a natureza, ou apenas
de matar o tempo, a pesca nos tempos de hoje vem sofrendo com a poluição,
contaminação e a mutação de peixes. Um dos pescadores com quem conversei
relatou que cresceu pescando neste Ribeirão, “que passava no fundo de sua casa
em tempos que a água era muito limpa”. Aponta que o inicio da mortandade dos
peixes, veio com a industrialização e o desenvolvimento da região de sua nascente,
com o despejo de esgotos industriais, lixo e outros tipos de poluição.
![Page 69: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/69.jpg)
69
Imagem 16 - Crianças Pescando / Fernandez, Primavera de 2004.
5.6 O povo Kaingang
Este povo que vivia por estas terras bem antes da chegada do pioneiro, se
encontra hoje, de maneira abalada. Desde os tempos das derrubadas, seus
costumes, hábitos, seus valores para com a mata e para com as águas mudaram
significativamente. Cultura em fragmentos, que não mais olha para as águas do
Ribeirão Cambé, com olhar dos ancestrais. Povo hoje, marginalizado que tenta
sobreviver nas margens do baixo Cambé, no Centro Cultural Kaingang cercado por
rodovias e avenidas, pelo barulho e pela poluição (Imagem 17). Preservam ainda
alguns de seus hábitos, como o banho e as brincadeiras de rio de suas crianças.
Pena que sejam em águas tão contaminadas, como um recente despejo de pilhas
![Page 70: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/70.jpg)
70
na sua proximidade. Níquel, Prata, Chumbo e outros metais pesados, que fazem
parte agora, da memória deste povo que já foi o “verdadeiro dono” de Londrina.
Imagem 17 - Casa Kaingang e o Ribeirão canalizado / Fernandez, Primavera de 2004.
5.7 Os personagens do lugar
Penso que os homens deste lugar São continuação destas águas
Manoel de Barros, Águas.
O personagem do lugar é aquele habitante que pode conduzir o pesquisador
à memória do espaço, através da expressão de seus sentimentos, valores, crenças
e significados adquiridos. O pesquisador pode acessar a experiência de lugar pelas
falas e pela imaginação dos moradores, representando-a através de imagens.
Habitantes que aparecem como narradores, de um saber enriquecedor fundado em
experiências do cotidiano, e podem expressar envolvimento com os lugares.
![Page 71: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/71.jpg)
71
Gaúcho trabalhou no Parque Municipal Arthur Thomas por cerca de cinco
anos. É um personagem do Cambé (Imagem 18) que considero muito importante,
pois convivi com ele um bom tempo, guiou-me, por muito dos caminhos do interior
desta Unidade de Conservação, situada no baixo curso do Ribeirão. Sempre
mostrou carinho e satisfação por trabalhar neste espaço, e de estar próximo do
Cambé.
Imagem 18 - O que Gaúcho considera mais feio no Ribeirão Cambézinho, é a quantidade de lixo que Londrina despeja nele!. / Fernandez, Outono de 2004.
Pude identificar alguns elementos topofóbicos, em seu discurso: “O feio na
verdade é relacionado com a grande concentração do lixo.! Tanto é uma poluição
visual, como é algo que entristece! Com certo tempo as pessoas vão começar a ver
a água desaparecer!”. Gaúcho ultimamente vinha coletando sementes de árvores
nativas no interior desta U.C., ajudando de forma significativa o repovoamento
dessas margens, com espécies como o palmito (euterpes euduli). Este personagem
![Page 72: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/72.jpg)
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em diversos momentos se apresentou a mim, como guardião das matas, dos
animais e das águas, expressando sentidos de topofilia para com este lugar.
Sr. José Carlos (Imagem 19), de 65 anos, personagem que pesca nestas
águas desde 1942. Quando de nosso encontro, pescava pequenos camarões de
água doce com uma peneira, que seriam usados com isca numa pescaria no lago
Igapó 1. Lembra destas águas de outros tempos, de uma época em que não havia
poluição. Tempo que não volta, de quando ainda existia muito peixe. Segundo Sr.
José, estas águas abrigavam uma grande diversidade de peixes: Piaus, Barbados,
Curimbas. Rememorando, este melancólico personagem mostrou-me alguns
significados ecológicos, ambientais e históricos deste lugar (proximidades da
Prefeitura Municipal), associando a redução dos peixes com a construção dos
Lagos, moradias e avenidas no entorno.
Imagem 19 - Sr. José pescando “de loca” confessa triste, que nestes dez anos os peixes sumiram! / Fernandez, Outono de 2004.
![Page 73: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/73.jpg)
73
Assim, tentamos encontrar recantos do lugar, na face daqueles que o
carregam na memória e transmitem alguns de seus significados. O pesquisador
Luciano Bernardino, em sua experiência como fotógrafo-viajante, também se utiliza
das falas e do discurso numa leitura imaginativa e na produção de imagens em seus
percursos, relatando suas experiências com personagens do “Grande Sertão” de
Guimarães Rosa, que o conduziram a “reencontrar na permissão de um registro [...],
a conexão com a alma do lugar e de seus habitantes [...]" (BERNARDINO, 2002,
p.26).
![Page 74: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/74.jpg)
74
6 - A TRILHA DE IMAGENS GEOFOTOGRÁFICAS DO RIBEIRÃO CAMBÉ
O mundo meu é pequeno, Senhor. Tem um rio e um pouco de árvores.
Manoel de Barros, O Livro das Ignorãças
Um passo à frente, e você não está mais no mesmo lugar. Chico Science & Nação Zumbi, Um passeio no Mundo Livre
A Trilha de Imagens do Ribeirão Cambé pede para não ser entendida como
um instrumento para o ensino da Geografia ou de maneira que se pareça com as
trilhas interpretativas realizadas nas Unidades de Conservação, “construídas” para
uma Educação Ambiental instantânea.
A Trilha de Imagens..., é sim, uma expressão que pode ser lida à luz da Arte,
da História, da Geografia, das Ciências..., e deve ser compreendida ou seguida por
múltiplos “olhares” independente de “pré-conceitos academicistas”. O traçado busca
revelar aos passantes, cantos não muito conhecidos deste curso d’água – Ribeirão
Cambé, através de “paisagens-momentos” expreriênciadas, captadas e
representadas pelo pesquisador. São imagens que buscam despertar o
conhecimento como expressões de sentimentos e devaneios poéticos gravados pela
câmera fotográfica.
Pensamos o traçado desta Trilha..., como “exposição itinerante” num diálogo
de: "Técnica, Ciência e Arte, essenciais para a prática educativa e para a
valorização cênica da trilha pelo público caminhante" (Lima, 1998, p.39-43). Ampara-
se ainda, em reflexões que emergiram durante nossas experiências no Projeto de
Extensão à Comunidade/ CEC/ UEL (2002) “Trilhas Interpretativas, Paisagem e
Educação Ambiental”13. Espaço de trocas, onde concebíamos as trilhas
13
Este Projeto se apresenta como intercambio de idéias e ações, entre professores e alunos dos Departamentos de
Educação/CECA e Geociências/DGEO/ UEL, além de professores do ensino médio e fundamental de Londrina.
![Page 75: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/75.jpg)
75
interpretativas no despertar de relações afetivas com o “lugar” e, desta forma,
conduzisse os caminhantes à percepção ambiental (FERNANDEZ e GRATÃO, 2003
e 2004; GRATÃO et al, 2002).
6.1 O Trajeto da Trilha..., na Escola Municipal Norman Prochet – Londrina...
Uma proposta-piloto desta Trilha... foi apresentada no pátio da Escola
Municipal Norman Prochet, localizada à margem direita do Lago Igapó (Jardim
Guanabara) (per)curso do Ribeirão Cambé no dia 10 de Novembro de 2004.
Foi realizada com os alunos da 3ª série A e B e a 4ª série A do Ensino
Fundamental, composto por 60 alunos desta escola. Além dos alunos, participaram
também pais, moradores, professores, funcionários da escola, que puderam dar
suas contribuições, somando-se então 100 pessoas. Ou seja, a Trilha... foi
mostrada, vista, contemplada por 100 olhares.
Foram traçados em meio às árvores do pátio, varais de arame formando um
caminho demarcado por setas e fotografias emolduradas e legendadas. As
fotografias produzidas no “Ensaio Geofotográfico”, foram ampliadas (em tamanhos
20x25, 25x30 e 25x38) e emolduradas com papel paraná e pintadas na cor branca.
A Trilha seguiu pelo seguinte roteiro temático: a fauna, os lagos, o banho e o lazer, a
pesca, o Igapó de Haruo Ohara, a Cachoeira de José Juliani, o centro kaingang, o
lixo e a degradação relatada pelas falas dos personagens do lugar. Tentamos
imaginar a seqüência proposta buscando despertar a reação dos
caminhantes/observadores, começando o (per)curso com imagens topofilicas,
expressões afetivas e de alegria, encerrando com um (per)curso de expressões
topofóbicas, de descaso e de tristeza para estas águas urbanas. Composição que
![Page 76: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/76.jpg)
76
almejava indicar o (per)curso do olhar de maneira que pudesse realizar a leitura
narrativa da paisagem e do lugar – Ribeirão Cambé por imagens poéticas.
Buscando a atuação e “concentração” dos alunos, utilizamos da trilha sonora
composta por músicas instrumentais do violeiro Paulo Freire, do CD Rio Abaixo,
pelas faixas: Seca, Dona Júdica e Rio Abaixo, que, para nós, revelam um sentido de
despertar para a água.
Iniciamos a atividade em sala de aula conversando e apresentando aos
participantes a nossa proposta educativa, expondo as possibilidades deste
“caminhar”. Perguntando-lhes primeiramente idade, nome e lugar onde moravam, e
se conheciam o Ribeirão Cambé, relatando numa folha de papel. Na realização do
(per)curso nos valeríamos ainda de um mapa do Ribeirão Cambé com algumas
fotografias, além de relatos impressos e conversas da pesquisa. Finalizaríamos com
a volta à sala de aula, pedindo para que escrevessem sobre os sentidos que as
fotografias lhes tinham despertado. Perguntou-se, se as imagens lhes tinham trazido
algum contato com o Ribeirão Cambé, antes desconhecido.
Acreditamos nas possibilidades que a imagem (fotográfica, a do cinema, a
pintura, televisiva,...) pode adquirir no contexto do ensino e da aprendizagem, como
meio de conhecimento do lugar pelos sujeitos. Partilhamos do sentido dado às
fotografias por Oliveira Jr., para quem estas: "[...] participam da construção de uma
memória sobre o lugar e vão participando da configuração de uma inteligência que
nos permite ler e significar o mundo, as coisas e os lugares nele existentes".
(OLIVEIRA JR., s/d, p.11). Mesmo que a imagem fotográfica não possibilite uma
experiência vivida de lugar, achamos que elas podem conduzir experiências
humanas ao encontro do lugar. Como uma cartografia, que conduz pesquisador e
![Page 77: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/77.jpg)
77
sujeitos-aprendizes a uma troca de saberes, fazendo aflorar o conhecimento dos
espaços próximos e vividos, tantas vezes escondidos na paisagem contemporânea.
6.2 Algumas expressões de sentidos, sentimentos e valores pelo Cambé.
Considera-se esta primeira trilha-piloto, válida como proposição e
compreensão para futuras melhorias, a análise do discurso sobre percepções,
sentidos e sentimentos despertados pela atividade. O relato desses sujeitos-
aprendizes que participaram desta trilha, mostram ao pesquisador-aprendiz o
conhecimento e as possibilidades educativas da imagem. Sendo futuramente
adaptável a outras condições e a outros graus de aprendizagem do fundamental e
do ensino médio, como também por caminhantes universitários.
Pensamos ainda, esta proposta no contexto dos PCN’s - Geografia (Ensino
Fundamental), considerando que a Geografia se vale de imagens quando recorre: “a
diferentes linguagens na busca de informações e como forma de expressar suas
interpretações, hipóteses e conceitos”. Anseia por uma linguagem de localização e
de espacialização que são: “referencias da leitura de paisagens e seus movimentos”
(BRASIL, 1998, p.33). Visualizamos estes alunos como seres aptos a perceber a
própria existência, buscando a percepção e o conhecimento dos lugares. Seres
acostumados com imagens dinâmicas, que podem reconhecer seus conhecimentos
numa atuação criativa, responsável e respeitosa para com as paisagens e lugares.
Mesmo que as turmas tenham percorrido a Trilha... em momentos distintos,
faremos um apanhado de todas as percepções e expressões relatadas pelas 3
turmas. Nesta transcrição tomamos a liberdade de fazer algumas correções de
concordância e de escrita encontrada nas falas dos sujeitos/personagens.
![Page 78: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/78.jpg)
78
Estes alunos em sua maioria, se encontram na faixa etária entre 9 e 11 anos
de idade, tendo no grupo, uma grande parcela de moradores nas proximidades da
escola, morando em bairros próximos ao Ribeirão Cambé como os: Jardim
Guanabara, Gleba Palhano, Colina Verde, Quinta da Boa Vista, Jardim Maringá,
Jardim Cláudia, Jardim Higienópolis, Bairro Igapó.
Imagem 20 – Alunos da Escola Municipal Norman Prochet percorrendo a Trilha de Imagens do Ribeirão Cambé / Fernandez, Primavera de 2004.
Buscando compreender a proximidade dos sujeitos/caminhantes com o
Ribeirão Cambé e por que meio havia se dado esse contato, perguntamo-lhes antes
da trilha, se o conheciam e de onde. Após a Trilha, perguntaríamos aos
participantes, se haviam (re)conhecido alguns lugares e paisagens do Ribeirão, e
quais suas impressões sobre o (per)curso. Uma grande parte dos alunos
entrevistados nos disse conhecê-lo do pátio, do caminho de casa para a escola, do
Igapó, das caminhadas com a família, do lazer e do esporte, do ouvir as pessoas
![Page 79: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/79.jpg)
79
falarem, do jornal, da pescaria, “de olho”. Ou, como nos disse Isabella, de 10 anos:
“O conheci caminhando, olhando”.
Foram poucos os que disseram não conhecer o Ribeirão Cambé. Mas,
quando dito que eram as mesmas águas do Igapó, uma parcela de “indecisos”
chegou a mudar de idéia e, de todas as respostas apenas 3 disseram não conhecê-
lo. Enquanto isso, um aluno revelou “possuir” o Cambé em sua casa: “Conheço o
Ribeirão da frente de minha casa, por já tê-lo estudado e por ter uma foto dele”.
Imagem 21 – Alunos em segundo momento da Trilha hídrica... na Escola Municipal Norman Prochet / Fernandez, Primavera de 2004.
Sobre o (per)curso desta Trilha Hídrica..., traçado e apresentado, a maior
parte dos caminhantes... pediu por fotos da nascente. Enquanto uma aluna sugeriu
um tempo maior para a atividade e que se ampliasse o tamanho do mapa e das
legendas. “Podia ter começado mais cedo, deixado a trilha melhor, com mais
tempo!”.
![Page 80: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/80.jpg)
80
Quanto a trilha sonora utilizada, foi interessante a avaliação dos alunos
quando muitos deles, disseram que não gostaram da trilha sonora, pedindo que
fosse: “barulhos do rio, da cachoeira e dos pássaros”. Estas falas nos revelaram, o
“sentido das águas”; o “imaginário do rio”. Foi uma grande revelação e que veio ao
encontro da nossa proposta – “o vínculo com o rio”. Somente uma aluna disse ter
gostado da trilha sonora: “Muito bonita!”.
Observamos que a maior parte das expressões foi de “proximidade” e
“preferência” dos alunos com o Ribeirão Cambé, quando se percebeu que poucos o
desconheciam. É importante considerar nestas reflexões o fato de morarem
(viverem) próximos do Ribeirão - Lago Igapó 3, quando notamos que os alunos já
traziam algum sentido para as fotografias, pois estas águas já faziam parte de seu
repertório de imagens cotidianas, na maioria topofílicas. Partimos da idéia de que o
(re)conhecimento se deu principalmente, por aqueles sujeitos que já conheciam o
lugar. As imagens representadas já estavam em seus arquivos de imagens, de seu
repertório cultural, do seu mundo vivido. Como as imagens dos Lagos, que foram as
mais comentadas principalmente, as que mostraram recantos próximos à escola.
Quanto à receptividade, uma grande parte deste grupo se disse tocado pelas
fotografias, elegendo as imagens que mais gostaram como: a Cachoeira do Parque
Arthur Thomas, a garça, a do lixo e a brincadeira de “bike”. Para os meninos, a
imagem que mais lhes despertou sentidos positivos foi “brincadeira de domingo”,
talvez pela proximidade com suas experiências vividas. Enquanto para as meninas,
esta imagem foi a de maior rejeição. Expressão como a controversa beleza
encontrada por Rebeca de 9 anos: “Gostei da fotografia do Lago Igapó que mostra
muita sujeira com a natureza!”. Já, a composição “reflexo do desenvolvimento no
espelho d’água” mostrando os prédios e a verticalização da moradia refletidos no
![Page 81: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/81.jpg)
81
Lago 3, foi comentada somente por um aluno, que disse: “morar por alí na avenida
Maringá!”. Também a fotografia de Haruo O´hara foi comentada apenas pelo aluno
Pedro, de 10 anos: “Gostei daquela foto que mostrava o Igapó como era antes!”.
Algumas falas isoladas nos chamaram a atenção, quando perguntados sobre
a legibilidade da escrita. “Eu vi o seu Ribeirão!”, respondeu, levando-nos a pensar
em diversos ribeirões, rios, córregos, cursos de nossa existência ou apenas
expressão de entendimento do aluno pela proposta experiencial do pesquisador.
Enquanto Adam, 9 anos, diz: “Conseguiu mostrar a história e toda vida no ribeirão!”.
Já, para Mateus, de 10 anos, as fotos conseguiram mostrar “toda a sujeira e tristeza
daquela gente que vive no rio”, referindo-se às fotos do Gaúcho, dos kaingang e de
Sr. José. Gostaríamos ainda de revelar a fala de André, uns 25 anos, “zelador” da
Escola e morador crescido no bairro: “Tem criança aí (apontando para as salas de
aula) que todo fim de semana está nadando ou pescando nesse Lago! Vivem na
água, mas não sabem que é o Ribeirão Cambé e que ele está poluído!”. Enquanto
nos ajudava a montar a Trilha..., e folheando as imagens com curiosidade, nos
perguntou de maneira desconfiada se “estas águas são poluídas mesmo?”. Em
seguida, voltando aos seus afazeres, despediu-se, nos desejando boa sorte.
É importante relatar que muitos alunos, não entenderam a proposta,
principalmente com referência às perguntas e à própria proposta, o que é uma
avaliação natural, pois se refere a uma atividade nova até então, nova e
desconhecida por eles. Esta avaliação é importante principalmente,no que se refere
aos graus de cognição de cada sujeito. Como atividade-piloto, acreditamos que este
seja o momento de aprimorar a proposta, aprendendo com a simplicidade das
crianças sobre o que a imagem tem a oferecer no processo de aprendizagem e de
compreensão dos lugares.
![Page 82: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/82.jpg)
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7 - ALGUMAS CONSIDERAÇÕES...
Findado nosso caminhar, tentaremos expressar algumas das impressões e
revelações de maior expressividade neste (per)curso pelas águas do Cambé. A
proposta investigativa do pesquisador se envolver com o “seu objeto”,
transformando-a em experiência vivida, veio num primeiro momento como
necessária à possibilidade de significância deste espaço. Posição esta, que tem
muito a mostrar ao pesquisador da contemporâneidade, emerso em seus
instrumentais, linguagem e postura, que o isolam do restante do mundo. Homem de
ciência, que vive enclausurado num mundo de rigor excessivo e da falta de
criatividade, que o impossibilita de expressar e acessar a complexidade do universo
humano. Postura que habilitou o pesquisador ao encontro de uma “Geografia da
Vida”, dos espaços habitados, das paisagens vistas e sentidas e dos lugares que
protegem o ser.
Mundo sensível que foi se revelando, pelo caminho de corredeiras, de lagos,
de cachoeiras, de nascentes e afluentes, além das conversas e presença daqueles
sujeitos que dão (e trazem) significado ao Ribeirão Cambé. Essas águas, até então
distantes do cotidiano acadêmico do pesquisador, foi se revelando através de
exercícios caminhantes, condutores de experiências de alegria, de medo, de beleza,
de feiúra, de topofilia e topofobia, além das, de conhecimento. Encontros dos mais
diversos surpreenderam este sujeito em busca de “outros ângulos e olhares” para o
Cambé, a policia e o medo da violência, pessoas em condições precárias de vida e
“escondidas” nos fundos de vale, crianças e adolescentes em suas brincadeiras,
turistas deslumbrados e viventes já acostumados, antigos moradores detentores da
![Page 83: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/83.jpg)
83
memória e de um rico saber cotidiano, contadores de estórias e pesquisadores de
diversas instâncias de saber. Encontros expressivos, que mostraram um “outro”
Ribeirão Cambé, que não aquele dos planos de gestão política, não aquele dos
cartões-postais, ou representado cartográficamente e pendurado numa sala de aula.
Significados, diálogos e buscas diversas, que se confluem pelo caminho das águas,
em direção de espaços de encontro não tão aceitos pela ciência moderna.
A proposta de um estudo da imagem do lugar Ribeirão Cambé, nos mostrou,
as incessantes possibilidades de exercício da escrita científica, modo de expressão
tão desgastado pelos dogmas científicos e positivistas. A proposta da realização de
uma escrita geofotográfica, levou o pesquisador da Geografia a percorrer mundos,
antes não sonhados. Exercício que o conduziu à diálogos com a arte, com a
fenomenologia, a pedagogia e a educação ambiental, com a poesia, com a ciência e
outros saberes, como o senso comum, contato mediado pela linguagem de imagens
e de (geo)grafias.
O (re)conhecimento do lugar pelo pesquisador, não se deu de forma
superficial, mas foi se ampliando durante exercícios de envolvimento e de respeito,
por caminhos que vieram a despertar sensações e sentidos de afetividade para com
estas águas. Sentidos que em determinado momento foram conduzidos pelo estudo
das imagens vividas de Juliani, Ohara e Bavcar. Considerado, como passo
fundamental desta investigação, pois fez parte de um esforço (exercício) para a
compreensão da linguagem imagética da fotografia. Quanto às propostas
metodológicas de leitura propostas por Barthes e Flusser, encaramo-as com o rigor
e o cuidado exigido, principalmente pela inexperiência do pesquisador em “trabalhar
com imagens”.
![Page 84: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/84.jpg)
84
Neste momento ainda, o pesquisador em sua tentativa de acessar o
pensamento destes sujeitos “operator”, exercitou-se em exercícios imaginativos em
busca do significado escrito sobre estes lugares. Este momento imaginativo, foi se
ampliando, quando o pesquisador iniciou a redação de sua narrativa geofotográfica
sobre as águas do Cambé, na busca pela expressão de suas experiências. Foi
marcado ainda, por um incomodo do pesquisador em estar produzindo “mais
fotografias”, num contexto do mundo superpovoado de imagens irreais.
Questionamento, que se deu sobre a condição de reprodutor das ilusões que
assolam o Ribeirão Cambé. Estaria este sujeito-pesquisador ampliando a ilusão
especular sobre as reais condições destas águas? Ou estaria apenas concretizando
a história vigente que nos mostram como verdadeira? Perante estes anseios e
dúvidas, foi demarcada uma fuga das imagens clichê, aquelas tão banalizadas e
repetidas incessantemente pelos veículos difusores de imagem.
Nesta necessidade, o pesquisador se encontrou com o olhar poético,
apresentado pelo geógrafo francês Eric Dardel com sua geograficidade; e conduzido
pela expressividade do poeta Manoel de Barros, para que o mundo deve ser
reescrito pela imaginação do poeta. São marcos orientadores para a escrita
geofotográfica, nos engajando ao encontro da imagem do espaço, do lugar e da
paisagem, e para a expressão dos significados aflorados nessas experiências
ambientais.
Num último momento, veio a possibilidade de transformar as expressões
fotográficas produzidas ao longo da pesquisa, numa Trilha Hídrica..., mostra
fotográfica, com a finalidade de revelar algumas faces deste Ribeirão londrinense.
Pela visão do pesquisador, seria uma possibilidade de compreender ou acessar o
imaginário que estas águas trazem em profundidade, além de meio para disseminar
![Page 85: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/85.jpg)
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essas experiências, num âmbito de saber ambiental. A configuração de uma “Trilha
de Imagens do Ribeirão”, viria se demarcar como uma proposta educativa itinerante
a percorrer escolas, espaços públicos, áreas de lazer e de encontro, dentro da bacia
hidrográfica do Cambé.
Esta Trilha..., teve em todo momento, pretensão de ser uma ponte entre os
londrinenses e essas águas tão próximas e esquecidas. Onde, a proposta-piloto nos
mostrou muitos caminhos e horizontes a serem ainda trilhados, nos fazendo pensar
nas possibilidades de descoberta que a imagem pode trazer na valorização desse
lugar hídrico. Mesmo não possibilitando a experiência de lugar em si, as imagens
fotográficas, conduzem os sujeitos a um conhecimento do mundo baseado em ética,
cidadania e saber ambiental, fundamentais para a valorização dos espaços,
paisagens e lugares da vida humana. Mudança de postura vital para a consolidação
de uma ética dos homens para com as águas, com outros seres e com a Terra, a
verdadeira morada do homem.
![Page 86: Monografia Pablo 2004](https://reader034.vdocuments.pub/reader034/viewer/2022042714/557212fb497959fc0b9156fb/html5/thumbnails/86.jpg)
86
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