Música, Civilização e TecnologiaA Música Erudita e a Transformação do Disco em Bem Cultural
Leonardo De Marchi1
Resumo: nos últimos anos, publicou-se vasta literatura acerca das relações entre meios fonográficos e música. Inspirada em forte determinismo tecnológico, a maior parte desses trabalhos é dedicada a investigar os “efeitos” dos discos sobre a poética musical. Por isso, passa-lhes desapercebido que foi, primeiramente, o prestígio social da música que ajudou a tornar os meios fonográficos em um dos mais importantes bens culturais do século XX. Em particular, a música erudita foi utilizada para equivaler a experiência mediada de ouvir discos a ouvir o próprio evento. Ao prometer a reprodução técnica “fiel” das melhores vozes da ópera, transformava-se o meio em continente legítimo das belas-artes sonoras e, por conseguinte, em instrumento de “civilização”. Em outros termos, consumir discos passava a significar cultivar o espírito. Neste trabalho, analisa-se tal uso da música erudita na construção social das tecnologias de reprodução sonora em bem cultural. Acredita-se que tal discussão seja fundamental para a compreensão do papel dos meios de comunicação na cultura moderna.
Palavras-Chave: meio fonográfico; história da indústria fonográfica; música erudita; construção social das tecnologias da comunicação.
Introdução
Os dias de glória da “nova mídia” digital propiciaram um duplo resultado no meio
acadêmico. Por um lado, renovou-se o interesse pelos estudos acerca do papel da
materialidade dos meios no processo de comunicação. Por outro, provocou uma onda de
abordagens cujo caráter determinista de inspiração mcluhaniana era patente. Assim, muitos
trabalhos foram dedicados a reafirmar que o meio é mensagem, ou seja, que a tecnologia
transforma a sociedade por suas qualidades imanentes. No caso específico da música, desde
os anos 1990, um número crescente de publicações voltou-se à análise das relações entre
meios fonográficos e música. Refletindo tal determinismo tecnológico, esses trabalhos
buscavam demonstrar os efeitos da técnica sobre a poética musical.
Partindo da premissa formalista, contudo, é inerente a esse discurso falhar ao deixar
desapercebido que a tecnologia está absolutamente arraigada a processos sociais.
Determinados meios se tornam paradigmas tecnológicos não porque sejam tecnicamente
superiores ou possuam alguma força metafísica inexorável. Na verdade, são construídos
socialmente através de decisões políticas, usos cotidianos, interesses de diferentes grupos
envolvidos com sua criação e implementação, entre outras possibilidades que podem
transformar por completo sua trajetória histórica.
O caso da tecnologia fonográfica é exemplar. Criada inicialmente para ser um
aparelho de gravação e leitura de sons, visando uso predominantemente burocrático,
1 Doutorando em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. [email protected]
tornou-se um meio de reprodução de música para entretenimento privado. Na medida em
que assumia este viés, os meios de reprodução sonora tiveram de ser considerados
portadores de um som “verdadeiro”. Afinal, não haveria razão em consumir uma tecnologia
de reprodução se ela não desse acesso imediato a algum conteúdo “verdadeiro”. Para isso,
antes que os discos pudessem ter qualquer “efeito” sobre a música, foi o prestígio social
desta que possibilitou tornar a tecnologia fonográfica em um dos mais importantes bens
culturais do século XX.
Nesse sentido, o uso da música erudita foi fundamental para equivaler a experiência
mediada de usar discos a ouvir a música original. Ao prometer a reprodução técnica “fiel”
das melhores vozes da ópera, por exemplo, a qualquer momento e local, transformava-se o
meio em continente legítimo das belas-artes e, devido ao contexto histórico em que estava
inserido, em instrumento de civilização. Assim, consumir discos passava a significar
cultivar o espírito e essa foi a ideologia que permitiu estabelecer uma indústria de
proporções globais.
Neste trabalho, analisam-se as razões que levaram os meios fonográficos a serem
reprodutores de música. Em particular, atenta-se para o uso da música erudita na construção
social de discos e seus reprodutores como instrumentos apropriados para o mercado
musical. Para tanto, o texto é dividido em duas partes. Na primeira, discutem-se as razões
pelas quais, a despeito de sua materialidade indicar uma experiência técnica e estética
distinta em si, os disco foram entendidos como recipientes de um som original. Em seguida,
trata-se do contexto histórico no qual os meios fonográficos surgiram e que foi essencial em
sua configuração social. Em deliberada oposição aos argumentos formalistas, o objetivo do
texto é demonstrar como, para se compreender o papel dos meios de comunicação na
cultura moderna, é fundamental tratar de seu caráter social e histórico.
O Caráter Social do Meio Sonoro
Há certa tendência nos estudos comunicação a eleger a tecnologia como causa de
processos sociais. Confiando na tradição filosófica formalista que, ao querer subtrair da
análise estética todo elemento subjetivo, sobressalta os efeitos da matéria da obra de arte
sobre a percepção humana (MERQUIOR, 1974), concebe-se todo meio como uma entidade
autônoma de seus contextos social e histórico e cuja linguagem realiza uma natureza
imanente. Sua expressão máxima encontra-se na obra de Marshall McLuhan. O pressuposto
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de “o meio é mensagem” (McLUHAN, 1964) era que, a despeito do que vivem emissores e
receptores da comunicação, o importante é, tão somente, o efeito sensorial da tecnologia
sobre a percepção humana e suas conseqüências na sociedade. Por suas qualidades
imanentes, o meio se torna motor da evolução social (reintroduzindo o sentido de
comunidade na “aldeia global”), biológica (afinal, é a extensão do corpo humano) e, enfim,
espiritual, pois a utopia social de sua “aldeia global” é inspirada em uma visão de uma nova
sociedade no qual tradicionais valores espirituais cristãos governam as relações entre as
pessoas, como bem demonstrou Grant Havers (2003).
Ao ressaltar a materialidade do objeto, por conseguinte, relegam-se fatores sociais,
culturais e econômicos a planos inferiores na análise. É elementar pressupor que as
características materiais de um meio determinam todos os outros processos. Tudo deve ser,
enfim, “efeito” de uma ou outra tecnologia. Isso incapacita esta teoria a explicar como e
porque uma tecnologia surge com um fim e se torna outra entidade social. Ou como, a
despeito das limitações técnicas de um meio, ele pode ser utilizado para um fim que
inicialmente pouco teria serventia. Em suma, toda resposta está dada, a priori: o meio é a
causa; o resto, seu efeito.
Uma das conseqüências mais prejudiciais desse formalismo é tornar refém de uma
perspectiva limitada uma série de fatos complexos, que nem sempre passam pela
materialidade do meio. Abandonam-se questões fundamentais, por exemplo, sobre o
significado da técnica em determinado tempo e sociedade, além de suas conseqüências
sociais. Perguntas sobre quais foram as determinações científica, política ou econômica que
levaram a alguma tecnologia ser implementada de uma forma ou outra tornam-se
despropositadas, ainda que se saiba, na prática, que são fundamentais.
Neste texto, seguindo as observações de Raymond Williams (1990) e Jonathan
Sterne (2003), assume-se uma posição construtivista, segundo a qual se entende todo meio
como uma rede de relações sociais e históricas, contingencialmente construídas. Em outros
termos, reproduzindo as palavras de Sterne (p.182), o meio é a base social que permite a
uma série de tecnologias serem compreendidas como um objeto definido.
Esta abordagem implica uma percepção absolutamente distinta da anterior. Não que
a materialidade de um meio seja desprezível para a análise. Ocorre que, na verdade, a
própria escolha dos materiais utilizados nos meios passa por uma série de decisões sociais e
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históricas, sejam de caráter técnico (quais as melhores matérias a serem usadas), econômico
(se tais decisões são compatíveis com os custos de implementação e venda do produto),
político (como reger o uso público e privado de um meio, através de leis) ou cultural (como
os usuários irão utilizar ou não) que determinarão, enfim, o que se entende por um meio.
No caso dos meios de reprodução sonora, sua história demonstra que todas surgiram
dos mesmos esforços científicos que levaram à criação do telégrafo, à transmissão de
impulsos elétricos como informações por redes de receptores com fio e sem fio, além da
necessidade de registro desse fluxo de informação. A partir de uma conjuntura
contingencial criada a partir de práticas sociais, interesses econômicos e mediações
políticas, tornaram-se meios e negócios nitidamente distintos, como a telefonia, o rádio, a
fonografia, respectivamente. O fato de a fonografia ser uma indústria envolvida com
música é parte de um processo histórico. As pesquisas que levaram à criação da tecnologia
derivaram de experimentações para o aperfeiçoamento do telefone. Seus primeiros usos
comerciais foram voltados para uso burocrático, em corporações pública e privada, para
gravação sonora. Terminou sendo um meio de entretenimento privado ligado à reprodução
de música2.
Neste trabalho propõe-se investigar este caso: a construção social dos meios
fonográficos em bens culturais. A tarefa reside em entender quais processos levaram tais
meios a serem considerados registros de um som original e como, a partir dessa crença,
construiu-se uma indústria de comunicação e entretenimento até hoje em vigor. Para
introduzir essa questão, retorna-se ao início dessa indústria e ao uso que estrategicamente se
fez do prestígio social da música erudita, sobretudo dos grandes cantores de ópera, para
fazer crer que os discos eram capazes de reproduzir suas divinas vozes.
O Gênio do Disco? Cantores de Ópera na Era da Reprodutibilidade Técnica do SomEnrico não podia nunca ouvir a adorável qualidade de sua voz quando cantava – simplesmente sentia algo dentro de si quando as notas saíam bem. Somente ouvindo seus discos é que conseguia ouvir o que os outros ouviam. “É bom, é uma bela voz”, dizia espantado. (CARUSO, 1991, p.39).
Constantemente, somos lembrados de que os discos estenderam a audição e a
memória humanas, mudando nossa forma de ouvir e produzir música. Nesse sentido, graças
à tecnologia, pôde-se registrar e reproduzir todo tipo de som, possibilitando ao homem 2 Sobre a história da fonografia, ver CHANAN, 1995; DOWD, 2002; GITELMAN, 1999; STERNE, 2003.
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moderno guardar e desfrutar de seus grandes artistas, no momento e lugar desejados.
Pressupõe-se nessa narrativa, deve-se notar, que os discos encerram um evento sonoro
original e que a audição mediada pela tecnologia constitui uma ação natural ao aparelho
sensório humano. Entretanto, o que tal discurso desconsidera é que a forma pela qual a
tecnologia alterou nossa percepção do som não constitui um gesto natural, mas um processo
cultural determinado historicamente.
É isso que Jonathan Sterne (2003) defende, em seu instigante trabalho sobre a
história cultural da reprodução sonora, ao argumentar que a audição de sons através de
reprodutores técnicos é um processo cognitivo. Longe de ser um ato natural, escutar
qualquer reprodução técnica sonora exige a priori uma disposição física e psicológica
específica, que chama de técnicas de audição, aprendida formal e informalmente e que, na
verdade, acostuma-nos à dinâmica da máquina. Ouvir uma reprodução é sempre uma
experiência estética em si, sendo algo absolutamente distinto da escuta sem mediação
técnica. A máquina jamais consegue captar e reproduzir a complexa dimensão sonora de
qualquer som; tão somente registra uma performance realizada especificamente para ser
reproduzida pela própria máquina.
Sterne está recorrendo, está claro, às observações do clássico ensaio de Walter
Benjamin (1994) sobre a estética da cultura de massas. Afinal, foi este autor o primeiro a
demonstrar com propriedade que a reprodutibilidade técnica da arte alterou
fundamentalmente a natureza da própria arte. De acordo com sua hipótese de declínio da
experiência tradicional (Erfahrung) e a emergência de uma experiência vivida (Erlebnis) na
modernidade3, Benjamin nota que a reprodutibilidade técnica extinguia aquele traço de
exclusividade no tempo e no espaço que garantia autenticidade, a autoridade dada pela
tradição, ou a Aura da obra de arte tradicional. Se antes havia um valor de culto que
diferenciava o original de uma cópia (a escultura baseada no “Davi”, de Michelangelo, será
sempre uma cópia realizada em tempo e lugar distintos do original, não podendo
compartilhar, portanto, de sua aura), a arte reprodutível tecnicamente fazia desmanchar no
ar tal sólida relação.
Quando afirma que “a obra de arte reproduzida é cada vez mais a reprodução de
uma obra de arte criada para ser reproduzida” (p. 171), Benjamin está sublinhando que
3 Herdada de uma tradição sociológica e filosófica alemã, que ele traduz para a estética, sobretudo, em textos como O Narrador e Experiência e Pobreza.
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também a arte entrara em sua fase industrial de produção, alienando a obra daquilo que lhe
conferia distinção. Agora, a arte fora fragmentada e racionalizada, como em uma linha de
produção fabril, objetivando ser difundida quantitativamente. Isso é perceptível no caso da
impossibilidade de um indivíduo pagar, como exemplificou, o custo de um filme. A razão
econômica deste reside em ser pago aos poucos e por muitos. Tal característica
transformava a própria função social da arte na sociedade industrial. A partir de então, a
técnica deveria tornar a arte “mais próxima” daquele fenômeno político e estético da maior
relevância para sua geração, as massas.
Seu paradigma é o cinema, contrastado ao o longo do texto com seu símile, o teatro.
A intenção é demonstrar que, enquanto este é uma arte que tem na ilusão da representação
imediata sua chave (um ator desempenha um papel para uma platéia presente que deve
acreditar na proposta da ilusão), aquele é uma arte de estúdio, realizada pela e para a
máquina (o ator de cinema não vive um papel defronte a um público, mas faz gestos para a
câmera em momentos distintos, inclusive quando não está atuando), fragmentada no tempo
(na ausência da platéia, a representação do papel só se configura a partir da edição do
filme) e no espaço (completando-se em sua exibição). O cinema é, enfim, uma arte que
posterga sua realização para o momento de exibição para as massas, o que exige uma outra
disposição perceptiva para apreender sua estética.
O que Sterne faz é aplicar o mesmo argumento às artes sonoras tecnicamente
reprodutíveis (rádio, telefonia, fonografia). Afinal, todas são artes de estúdio, as quais
demandam dos atores que atuem pela e para a máquina, criando uma experiência estética
distinta. A reprodução técnica do som é sempre uma obra criada para ser reproduzida. Ou
seja, discos não reproduzem um som original existente a priori. Mesmo o ato da gravação é
absolutamente determinado pela reprodução: sem esta etapa, aquela se torna inconcebível.
Não há, nos discos da obra de J. S. Bach, por exemplo, o princípio de autenticidade de que
estaria dotada sua apresentação. Não se pode alcançar a mesma sonoridade, pois esta estava
determinada pelos instrumentos e locais específicos de sua época. Toda gravação de suas
músicas é uma encenação que só pode ser julgada em seus próprios termos (se uma
gravação é melhor do que outra). A mesma lógica se aplica aos discos de um agrupamento
musical contemporâneo, como, por exemplo, os da banda de rock U2. Também eles são
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uma encenação cujo fim é a reprodução em disco, mesmo que seja a gravação de algum
concerto da banda.
Entretanto, por mais que a reprodução sonora constitua uma experiência estética em
si, que aniquilaria a distinção entre original e cópia, dissipando qualquer sombra de aura, a
ideologia que sustenta o comércio de discos é a de que estes exprimem uma dimensão de
um evento original. Isso é notável no campo econômico, sobretudo quando há o lançamento
de uma inovação tecnológica. A cada novo produto, vende-se a promessa de um som mais
“real”, isto é, mais “próximo” da fonte. Tal realismo sonoro serve para alavancar a
economia dessa indústria. Sob os auspícios da crença no progresso, a cada atualização, a
um só tempo, aumenta-se o mercado incitando o consumo dos novos produtos e se controla
a concorrência com a nova e, por isso, restrita tecnologia.
Isso não é resultado exclusivo, porém, de interesses econômicos. A citação
apresentada no início desta seção indica que tal processo está na base da própria
possibilidade social que engendrou a reprodução sonora. O depoimento de Dorothy Caruso
sobre a relação de seu falecido marido Enrico Caruso, cantor de ópera e primeiro astro da
indústria fonográfica, com seus discos é paradigmático dessa fé na tecnologia. Não
podendo reconhecer sua voz naturalmente, relembra a viúva, o cantor utilizava seus discos
como extensão dos ouvidos, a ponto de se surpreender com a fidelidade da gravação.
Obviamente, pressupunha o senhor Caruso que os discos continham sua voz.
Para entender tal paradoxo, é preciso observar o contexto no qual as tecnologias
fonográficas surgiram, algo a ser realizado com cuidado na próxima parte do texto. No
momento, basta observar que havia uma grande expectativa social que precedeu a própria
tecnologia de reprodução sonora. O início de pesquisas científicas que encaminharam a
possibilidade da reprodução maquínica do som datam dos séculos XVIII, como Sterne (op.
cit.) bem observa. Mas é o século XIX que demarca, por excelência, o triunfo do
cientificismo e a crença na evolução humana efetuada pelo Progresso, aquela face prática
da civilização4. Não surpreende, assim, que em 1877, quando Thomas Edison torna público
seu fonógrafo, tenham saudado o aparelho como a realização de um antigo desejo da
humanidade. Michael Chanan (1995, p. 01) lembra que o fotógrafo francês Nadar
comparou a máquina à bela passagem de Rabelais, em Gargantua e Pantagruel, sobre o mar
4 Sobre a relação entre ciência, evolução social e progresso material, ver o excelente debate sobre a sociologia da sociedade industrial feita por Krishan Kumar (1978).
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das palavras congeladas5. Lisa Gitelman (1999) sublinha a excitação ocasionada pelos
registros técnicos do som assinalando a possibilidade de manter um “pedaço” daqueles que
morreram (deve-se lembrar que a primeira saudação feita ao fonógrafo foi a de que “agora,
os mortos podem falar”). Isso sinaliza que havia uma forte pressão social para que as
tecnologias de reprodução sonora desempenhassem um determinado papel de
administração da memória social. Assim como nas fotografias dos entes queridos, última
trincheira do valor de culto na era da reprodutibilidade técnica da arte, como avisou
Benjamin, os discos deveriam – na verdade, mais do poderiam tecnicamente – reter a aura
de eventos – e de pessoas – reais.
Era preciso, no entanto, que se acreditasse na capacidade da tecnologia, o que não
era uma das tarefas mais fáceis. Como muitos engenheiros de som de ontem e de hoje
admitem, a funcionalidade dos primeiros reprodutores estava longe de ser satisfatória. Os
discos possuíam notáveis chiados, misturando sons e ruídos em uma única peça sonora; não
conseguiam captar qualquer tipo de som; não mantinham as rotações por minuto
necessárias para a perfeita execução; além de se quebrarem ou se gastarem com inadequada
facilidade.
Mesmo assim, a tarefa tornou-se garantir, desde logo, que os discos eram registros
duradouros de um evento original. Para tanto, muitas estratégias foram realizadas. Uma das
mais eficientes foi a gravação de grandes artistas de ópera. Por dois motivos. O primeiro
era que esses cantores tinham vozes potentes o suficiente para registrarem-nas em máquinas
que, até então, não dispunham de tecnologia para gravar todo tipo de som. O outro era o
prestígio social de que a ópera gozava. Sabe-se que com a emergência de um mercado
capitalista para a música e o esforço de figuras como Mozart que, conforme Norbert Elias
(1994) retratou, procurou ser o primeiro músico profissional e gênio desse novo mercado
(algo alcançado apenas pela geração seguinte, notadamente com Beethoven), a música
européia de concerto logrou sua autonomia entre as belas-artes. Assim, se os discos
pudessem conter a aura dessas grandes vozes, a capacidade técnica e cultural do meio
estaria definitivamente comprovada.
5 Nesta passagem, Pantagruel visita um congelado local onde houve, no inverno anterior, uma sangrenta batalha. O frio do local congelara no ar todos os sons de gritos, dor, choros e ruídos do enfrentamento. Mas com a aproximação da primavera e o derretimento do gelo, todos aqueles sons preservados estavam sendo libertados e, finalmente, reproduzidos. A associação de Nadar era exatamente com a possibilidade de preservação da memória de eventos passados.
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Os esforços da indústria não foram tímidos. Notem-se as seguintes propagandas6:
Neste anúncio, da empresa Victor, o meio é descrito como a materialização
(embodiment) do melhor da música. Longe de ser uma experiência estética em si, o meio é
a música em sua plena expressão. Somente assim pode a tecnologia trazer ao ouvinte o
melhor, ou seja, a mais refinada expressão da música. A imagem dos aparelhos próxima a
das fotos das personalidades gravadas pela empresa sugere a inequívoca associação entre os
dois elementos.
6 Imagens retiradas do site http://www.tjsrecords.com/victrola.htm
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O assertivo título “você escuta o real Caruso” obriga a estabelecer a total
equivalência entre homem e máquina. Como naquele conto do gênio que sai da lâmpada
com um leve esfregão, a promessa da propaganda é que basta o disco funcionar para que o
gênio lá contido se materialize e cumpra o desejo de tocar a música.
Anúncios não bastam para convencer uma sociedade de que discos encerram um
evento original. Contudo, servem como instrumento de ensino sobre o que esperar e como
utilizar as potencialidades da máquina. Propagandas não apresentam, algo que seja
explícito, inequívoco e, portanto, verdadeiro. Pelo contrário, induzem à interpretação do
que deveria ser: ouvir uma música através de uma máquina, ao invés de perceber seus sons
como ruídos imanentes ao próprio meio. Em particular, estas propagandas constituem
significativos documentos das expectativas sociais e, também, econômicas que cercaram a
implementação dos meios fonográficos. Na verdade, sempre se soube que ouvir um disco
era algo distinto de presenciar o acontecimento em si. O ponto a investigar está na
plausibilidade de se estabelecer uma relação de original e cópia entre dois eventos
absolutamente distintos.
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Isso lembra-nos, acima de tudo, que fatores sociais historicamente dispostos afetam
sobremaneira o desenvolvimento das tecnologias. Ainda que a materialidade destas
suponha a deterioração da aura, vetores sociais e econômicos que acompanharam seu
desenvolvimento como meios empurraram-nas à restauração, ainda que em outra medida,
da aura artística. Aqui, cabe relembrar o refinado comentário de Theodor Adorno (1986, p.
95) sobre o assunto, ao afirmar que a indústria cultural “se define pelo fato de que ela não
opõe outra coisa de maneira clara a essa aura, mas [...] se serve dessa aura em estado de
decomposição [...]”.
Discos e o Processo Civilizador
A questão que falta entender é, portanto, da maior relevância: o que causara o
desejo de acreditar que os discos continham registros de uma sonoridade original? Em
termos precisos, quais foram as condições históricas que fizeram dos meios fonográficos
reprodutores de música? A seguir esboça-se uma hipótese sobre mudanças nas esferas
social e política que podem esclarecer o contexto no qual as tecnologias de reprodução
sonora vieram a existir.
O final do século XIX marca o declínio dos valores vitorianos, pautados por uma
ética religiosa reticente sobre o mundo, e a preponderância dos burgueses, que pregam o
desfrute do mundo (GAY, 2001). A emergente classe média que se constituía nas grandes
cidades estava ávida por legitimidade cultural e política, mas lhe faltava, para utilizar o
termo de Bourdieu, “capital cultural”. Os muitos self-made-men não vinham de famílias
nobres ou da alta burguesia tampouco haviam sido educados em suas instituições de ensino.
Aqueles que detinham o poder faziam questão de sublinhar isso. Norbert Elias (1993; 1994)
argumenta que a crescente interdependência das classes suscitou, no ocidente, o reforço das
diferenças culturais entre elas. Seu Processo Civilizador exprime, enfim, uma forma de
demarcar espaços sociais. Pois o controle de gestos e da personalidade que a nobreza de
corte se impôs “serviu ao mesmo tempo como valor de prestígio, como meio de distinguir-
se dos grupos inferiores que a fustigavam e ela tudo fez para impedir que essas diferenças
fossem apagadas” (1993, p. 214).
O mesmo valeu à alta burguesia. Conforme Kumar (1978) observa, longe de
constituir-se como classe homogênea desde sua ascendência, muitos grupos burgueses
conseguiram ultrapassar os portões da nobreza, assumindo seu ethos distintivo para se
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diferir de sua contrapartida citadina que viria à tona em meados do século XIX, com a
expansão do industrialismo7. Até mesmo nos Estados Unidos, nação que se construíra como
terra da liberdade social, elites tradicionais se organizaram para diferenciar a “alta cultura”
do que era “popular” ou de mercado, como Paul Di Maggio (1982) demonstrou, a fim de
impedir que grupos ascendentes obtivessem capital cultural que os qualificasse a adquirir
status social e político8.
Entretanto, em um cenário de acelerado crescimento econômico e urbano,
acompanhado de uma notável mobilidade social, as pressões de grupos emergentes
desejosos de fruição de bens material e simbólico facilmente se tornam uma forte demanda
política. Privados dos tradicionais meios de capacitação intelectual, como escolas, institutos
de educação ou conservatórios, em um primeiro momento, invariavelmente teriam de
encontrar outra forma de acesso aos bens culturais. É aqui que determinadas tecnologias da
comunicação passam a fazer sentido: elas constituem uma via alternativa à “cultura”,
mediada apenas pelo dinheiro. Retomando a frase lapidar de Benjamin, o que justifica a
arte reprodutível tecnicamente é a vontade de tornar as artes “mais próximas”, não apenas
espacialmente como também socialmente.
Materializando aquele desejo iluminista de levar o conhecimento a todos,
misturando-se com a crença no progresso pela técnica, a fonografia se descreveu como
caminho de fruição aos bens simbólicos. Com ela, poder-se-ia suprir a ausência de herança
social e desfrutar de uma orquestra sinfônica ou usar e abusar do Caruso “real”, conforme
sugerido pela propaganda, na medida em que se desejasse. O apelo do meio estava na
7 Questionando a imagem construída pela sociologia do século XIX de uma burguesia unida contra o antigo regime, Kumar (1978, p. 149-163) observa, por exemplo, que foi a nobreza inglesa a primeira a financiar a revolução industrial em seu país, além de acolher em seu meio a burguesia financeira e comercial. Algo similar aconteceu no caso alemão, no qual os tradicionais proprietários de terras, os Junkers, promoveram a unificação política e, por conseguinte, a industrialização do novo Estado. O ponto a se sublinhar aqui é que a diferenciação através dos gostos culturais necessariamente não se apaga em uma sociedade democrática. Os trabalhos sobre mercado de bens simbólicos realizados por Pierre Bourdieu são categóricos neste ponto.8 O argumento do autor é que as divisões entre “alta-cultura” e “cultura popular” de mercado não eram relevantes até meados do século XIX no principal centro cultural norte-americano, a cidade de Boston. Enquanto as elites locais não sentiram necessidade de se articular contra um elemento social estranho, não havia instituições ou regras sociais que condenassem ou impedissem a interpenetração de cultura da academia com a de mercado. Somente com o crescente fluxo de imigrantes europeus para trabalhar em indústrias da região, na passagem para o século XX, constitui-se certa ameaça ao poder político e cultural local. É sob a pressão por melhoras políticas e sociais vindas das camadas populares que as elites passariam a ser retirar da vida pública da cidade, fundando instituições especializadas para alta cultura (museus, salas de concerto, escolas de belas-artes), destacadas do mercado de entretenimento, afirmando certo tipo de identidade coletiva exclusiva. “Alta cultura” passaria a ser um elemento identificador de um grupo social que se articula, a partir de então, como classe dirigente.
12
facilidade de manuseio: diante de qualquer pessoa havia uma tecnologia a exigir o mínimo
esforço para “tocar”. Isso se chocava com a valorização vitoriana da dedicação individual,
no caso da música, expressa nos penosos anos necessários para controlar corretamente um
instrumento musical. Lembre-se: lazer e consumo são valores-chave nessa sociedade
burguesa. Este é seu grande triunfo. Qualquer indivíduo pode ter acesso à “boa música”,
desde que consuma tecnologia. Não surpreende, assim, que gramofones tenham tomado o
lugar dos pianos nas salas de estar.
Mais uma vez, a observação de um anúncio do período pode ser bastante
esclarecedora:
Aqui se nota uma família de classe média em uma postura passiva, ouvindo atenta e
educadamente ao “concerto” no portátil e, portanto, onipresente fonógrafo. Em uma
exibição de status social, a família coloca à vista seu bem: a última tecnologia através da
qual ela acessa a cultura.
Em larga medida, o uso da música erudita pela indústria fonográfica atendia a esse
ímpeto civilizador. Não que os empresários estivessem sinceramente engajados em cultivar
as massas em seu país ou nativos nas colônias dos grandes impérios. O objetivo era que uso
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deste tipo de música emprestasse legitimidade cultural à tecnologia e ao negócio, em casa, e
os levasse a todos os recantos do mundo colonizado. Não por acaso, como William H.
Kenney (1999) observa, os “selos vermelhos”, marcas que distinguiam os discos de música
erudita, eram os mais valorizados nos primeiros catálogos da Victor Talking Machine.
Eram eles que tinham trânsito ininterrupto pelos diferentes continentes e países. Em uma
época na qual a música popular era um dialeto geograficamente restrito, a “boa música”
erudita podia passear pela Europa, EUA, Brasil ou nos países escandinavos, possibilitando
à indústria fonográfica se estabelecer em tais localidades, a despeito das diferenças
econômicas e culturais9.
Em um interessante ensaio, Mark Katz (2004) sinalizou o grande interesse dos
norte-americanos em utilizar a nova tecnologia como meio de civilizar o país, difundindo a
“boa” música européia por suas diferentes regiões e classes sociais. Segundo os
comentadores sociais da época, a nação carecia de uma tradição musical acadêmica, além
do que sua continental abrangência geográfica impedia um desenvolvimento cultural
homogêneo. Em termos precisos, muitos membros da elite preocupavam-se com o futuro da
nação, dominada por culturas populares ainda marcadamente regionalizadas. Afinal, as
cicatrizes da Guerra de Secessão ainda estavam expostas. Não causa surpresa, neste caso,
que reprodutores e discos tenham sido bem promovidos como forma de civilizar (e,
adicione-se, nacionalizar) a população10.
Isso é muito claro no seguinte anúncio11,
9 Os trabalhos de FRANCESCHI, 2002, e o ensaio de GRONOW; ENGLUND, 2007, dão informações importantes sobre a construção da indústria fonográfica no Brasil e nos países escandinavos, respectivamente.10 Não por acaso, o trabalho do historiador William H. Kenney (1999) demonstra como os discos foram importantes para criar uma memória coletiva norte-americana, um certo sentido de comunidade, ou mais propriamente, de nação. É certo que se deve descontar dessas narrativas a tradição de determinismo tecnológico inerente à visão de mundo norte-americana. Contudo, a desculpa da unificação cultural foi, sem dúvida, um operante motivo de disseminação da tecnologia fonográfica rapidamente no país.11 Disponível em http://www.phonographia.com/PhonoArt.htm
14
Esta propaganda de 1910, da Companhia Edison, traz uma incômoda semelhança
com a última. Nela, os indígenas escutam, com a mesma postura resignada da família
burguesa branca, o fonógrafo. Não há indicação se a música que os entretém é de tipo
erudito ou não. Isso pouco importa, é verdade. Aqui a ideologia do progresso pela técnica é
explícita: o fonógrafo civiliza a todos, naturalmente. Nas propagandas do período não é
raro encontrar representações não apenas de indígenas como também de mulheres, crianças,
negros e nativos de partes do mundo colonizado (seres considerados, então, alheios por
incapacidade própria à civilização) representados admirando o progresso tecnológico do
mundo industrializado.
O fato é que, por mais diversos que sejam os motivos locais, os meios fonográficos
tiveram uma fulminante penetração social devido, sem dúvida, ao prestígio civilizador da
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música erudita. Os selos vermelhos da Victor ou as gravações de Enrico Caruso ajudaram a
construir um catálogo mundial do qual, até hoje, essa indústria se vale. Basta lembrar que
na época da introdução dos Compact Discs, nos anos 1980, foram as sinfonias as primeiras
a serem digitalizadas e vendidas. Eram elas, assim se justificou, que melhor testariam a
qualidade técnica da nova tecnologia: finalmente poderiam ser gravadas por completo, sem
a interrupção dos lados dos LP e se caso a tecnologia digital fosse aprovada pelos exigentes
fãs de música erudita, certamente o produto estria capacitado para uso em escala. Mais uma
vez, o discurso da alta-fidelidade servia a seus fins ideológico e comercial.
Conclusão
O aspecto mais importante a se depreender deste texto é que as discussões sobre os
meios de comunicação exigem atenção a muito mais que sua materialidade. O meio não é a
mensagem. Os contextos social e econômico são, sim, essenciais.
Na contramão dos recentes estudos formalistas sobre os efeitos da materialidade dos
meios sobre a sociedade, apresentou-se aqui um argumento em que se sustenta que a
cultura foi fundamental na própria criação da tecnologia. Estivessem envoltas em outro
momento histórico, talvez as tecnologias de reprodução sonora tivessem seguindo outra
trajetória e pouco estivessem ligadas à música. No entanto, o uso da música, sobretudo a
erudita, em um cenário de expansão imperial, industrialismo, mobilidade social e crença no
progresso via tecnologia agiram contigencialmente – e essa é a palavra-chave – na
construção dos meios fonográficos como portadores universais da cultura musical.
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