UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ
DEPARTAMENTO ACADÊMICO DE DESENHO INDUSTRIAL
CURSO DE TECNOLOGIA EM DESIGN GRÁFICO
MILTON CESAR DE OLIVEIRA MACHADO
NARRATIVAS VISUAIS: HISTÓRIA EM QUADRINHOS COMO
ESTRATÉGIA DE AQUISIÇÃO DO SIGNWRITING – SISTEMA DE
ESCRITA DE LÍNGUA DE SINAIS
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
CURITIBA
2017
MILTON CESAR DE OLIVEIRA MACHADO
NARRATIVAS VISUAIS: HISTÓRIA EM QUADRINHOS COMO
ESTRATÉGIA DE AQUISIÇÃO DO SIGNWRITING – SISTEMA DE
ESCRITA DE LÍNGUA DE SINAIS
Trabalho de Conclusão de Curso de graduação, apresentado à disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso 2, como requisito parcial à obtenção do título Técnico em Design Gráfico, do Departamento Acadêmico de Desenho Industrial – DADIN – da Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR.
Orientador: Prof. Dr. Cayley Guimarães
CURITIBA
2017
TERMO DE APROVAÇÃO
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO 056
NARRATIVAS VISUAIS: HISTÓRIA EM QUADRINHOS COMO ESTRATÉGIA DEAQUISIÇÃO DO SIGNWRITING – SISTEMA DE ESCRITA DE LÍNGUA DE SINAIS
por
Milton Cesar de Oliveira Machado – 1614380
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado no dia 05 de dezembro de 2017 comorequisito parcial para a obtenção do título de TECNÓLOGO EM DESIGN GRÁFICO,do Curso Superior de Tecnologia em Design Gráfico, do Departamento Acadêmicode Desenho Industrial, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná. O aluno foiarguido pela Banca Examinadora composta pelos professores abaixo, que apósdeliberação, consideraram o trabalho aprovado.
Banca Examinadora: Profa. Ana Cristina Munaro (MSc.)AvaliadoraDADIN – UTFPR
Profa. Rita de Cássia Maestri (Esp.)ConvidadaDEPED – UTFPR
Prof. Cayley Guimarães (Dr.)OrientadorDADIN – UTFPR
Prof. André de Souza Lucca (Dr.)Professor Responsável pelo TCC DADIN – UTFPR
“A Folha de Aprovação assinada encontra-se na Coordenação do Curso”.
UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁPR
Ministério da EducaçãoUniversidade Tecnológica Federal do ParanáCâmpus CuritibaDiretoria de Graduação e Educação ProfissionalDepartamento Acadêmico de Desenho Industrial
Dedico este trabalho aos meus pais e irmã, Aline.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente meus pais, por terem ido muito além de apenas me
apoiar. Minha mãe, sempre capaz de transformar viagens que seriam longas e
cansativas numa história incrível; sempre olhando para além da janela do carro e
exercitando nossa criatividade ao tentar adivinhar o que se passava nas montanhas
distantes... Histórias de fadas, bruxas, ogros e cavaleiros. Meu pai, que mesmo após
um cansativo dia no trabalho, sentava ao chão para construir mundos de Lego
comigo, e que, até hoje, é para mim o melhor arquiteto de castelos que conheço.
Agradeço aos dois também, por nunca ter deixado faltar folhas brancas para que eu
pudesse desenhar. Vocês são culpados por eu ter escolhido seguir neste caminho,
mas está tudo bem!
Sou grato pela minha irmã, que mesmo passando pela fase da adolescência
(que eu sei como é chato) me mandava, volte e meia, mensagens fofas que me
faziam ter vontade de embarcar em ônibus por um abraço. Sinto que nos
aproximamos muito nessa reta final e espero que ainda mais após finalizada esta
etapa da minha vida.
Gostaria de agradecer minha avó e familiares pelo apoio que me deram
durante estes anos de faculdade, e um agradecimento especial a tia Hellen e tio
Cezinha, pela forma como me ajudaram em um momento que realmente precisava,
este projeto não teria acontecido caso não tivessem acreditado em mim!
Obrigado também aos amigos maravilhosos que fiz aqui, em especial: Cami,
Pedro, Elana, Filippe, Rique e Matheus. Obrigado pelos cafés que você passou,
Matheus!
Amo muito cada um de vocês e sou extremamente grato por tê-los em minha
vida.
Queiramos ou não, temos de ser seletivos porque nossos olhos o são.
(GOMBRICH, E.H., 1979)
RESUMO
MACHADO, Milton, Narrativas visuais: história em quadrinhos como estratégia de aquisição do signwriting – sistema de escrita de língua de sinais. 2017. 58. Trabalho de Conclusão do Curso Tecnologia em Design Gráfico - Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Curitiba, 2017.
As pessoas Surdas usam a Língua de Sinais (LS) para a comunicação e outras atividades humanas que envolvem o uso de uma língua. Isto inclui, entre outras possibilidades, a aprendizagem da modalidade escrita, cujo uso potencializa as formas de expressão e registro da língua, sobretudo no contexto educacional. A Libras é um sistema linguístico completo de modalidade visual-espacial e requer um sistema de escrita adequado, capaz de mapear as propriedades da LS e o desafio de tentar representar linearmente sua tridimensionalidade. Dentre as especificidades do processo de alfabetização/letramento dos Surdos, está o fato do ensino e aprendizagem de um sistema de escrita de sinais, com base na premissa que a constituição dos sentidos na escrita decorrerá de processos simbólicos visuais, nos quais a mediação da Língua de Sinais assume centralidade, de forma diferenciada dos encaminhamentos adotados nos sistemas de escrita de línguas orais que se pautam nas relações fonema-grafema. O SignWriting é um sistema de escrita adequado para a natureza visual e espacial das LS e tem sido utilizado como importante ferramenta no processo de aquisição de escrita de crianças Surdas. Diante desse cenário, esta pesquisa tem como objetivo apresentar uma proposta de narrativa visual no gênero História em Quadrinhos (HQ), de modo a introduzir o ensino de aspectos do SignWriting, de maneira mais natural e contextual. Os procedimentos metodológicos da pesquisa envolvem o estabelecimento do contexto e situação comunicacional, apresentação do sinal/enunciado em Libras, elementos composicionais do SignWriting e atividades de escrita de sinais. Como resultados, apresentados foram destacadas a importância da HQ como estratégia pedagógica adequada ao ensino da escrita de crianças e jovens surdos, o uso da LS na narrativa visual, a seleção de sinais icônicos nas primeiras lições de SignWriting e as atividades de prática do traçado da escrita em SignWriting adequadas à faixa etária.
Palavras-chave: História em Quadrinhos. Língua de Sinais. SignWriting. Língua de Sinais Escrita. Narrativas visuais.
ABSTRACT
MACHADO, Milton. Visual Narratives: comic strip as signwriting acquisition strategy - sign language writing system. 2017. 58. Final Year Research Project of Graphic Design Technology - Federal University Technology - Paraná. Curitiba, 2017.
Deaf people use Sign Language (LS) for communication and other human activities involving the use of a language. This includes, among other possibilities, the learning of the written modality, whose use enhances the forms of expression and registration of the language, especially in the educational context. Libras is a complete linguistic system of visual-spatial modality and requires a suitable writing system capable of mapping the properties of LS and the challenge of trying to represent linearly its three-dimensionality. Among the specificities of the literacy / literacy process of the Deaf people is the teaching and learning of a system of writing of signs, based on the premise that the constitution of the senses in writing will be based on visual symbolic processes, in which the mediation of Language of Signals assumes centrality, in a different way from the referrals adopted in the oral language writing systems that are based on phoneme-grapheme relations. SignWriting is a writing system suitable for the visual and spatial nature of LS and has been used as an important tool in the process of writing acquisition of deaf children. Given this scenario, this research aims to present a proposal of visual narrative in the genre History in Comics (HQ), in order to introduce the teaching of SignWriting aspects, in a more natural and contextual way. The methodological procedures of the research involve the establishment of the context and communicational situation, presentation of the signal / statement in Pounds, SignWriting compositional elements and sign writing activities. As results, we highlighted the importance of HQ as a pedagogical strategy appropriate to teaching the writing of deaf children and young people, the use of LS in the visual narrative, the selection of iconic signs in the first lessons of SignWriting and the practice activities of the written in SignWriting appropriate to the age group.
Keywords: Comics. Sign language. SignWriting. Sign Language. Visual narratives.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 – VALIDAÇÃO JUNTO AO GRUPO DE SURDOS DA CASA AMARELA.
16
FIGURA 2 – EXEMPLO DE SIGNWRITING: CONFIGURAÇÃO DE MÃO À DIREITA
E O SÍMBOLO CORRESPONDENTE À ESQUERDA. 23
FIGURA 3 – ILUSTRAÇÃO DA HISTÓRIA QUE APRESENTA UM PERSONAGEM
ROBÔ VINDO DO ESPAÇO 25
FIGURA 4 – ILUSTRAÇÃO DA HISTÓRIA QUE APRESENTA UM PERSONAGEM
26
FIGURA 5 - O SANTUÁRIO DAS BORBOLETAS 26
FIGURA 6 – O SIGNWRITING SOBREPOSTO À MÃO; ROBÔ SINALIZANDO
BORBOLETA 27
FIGURA 7 – O MONUMENTO, O SINAL E A ESCRITA DE BORBOLETA EM
LÍNGUA DE SINAIS 23
FIGURA 8 – A BORBOLETA AMARELA É BONITA – EM LIBRAS 28
FIGURA 9 – SKETCH ENVIADO PARA OS PROFESSORES 31
FIGURA 10 – PÁGINA ENVIADA PARA VALIDAÇÃO 32
FIGURA 11 – ALTERAÇÕES 33
FIGURA 12 – ALTERAÇÕES 33
FIGURA 13 – PRIMEIRA CONFIGURAÇÃO (SOL) 34
FIGURA 14 – SEGUNDA CONFIGURAÇÃO (SOL) 34
FIGURA 15 – DIFERENTES REPRESENTAÇÕES DE MOVIMENTO NOS
QUADRINHOS 35
FIGURA 16 – APLICAÇÃO DOS PARÂMETROS 36
FIGURA 17 – ESTÁTICO 37
FIGURA 18 – MOVIMENTO SIMPLES 37
FIGURA 19 – MUDANÇA DE CONFIGURAÇÃO DE MÃO 38
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................11
1.1 Objetivo geral ....................................................................................................13
1.2 Objetivo específicos ..........................................................................................13
1.3 Justificativa.........................................................................................................13
1.4 Metodologia de pesquisa....................................................................................14
1.4.1 Classificação da pesquisa...............................................................................14
1.4.2 Procedimentos.................................................................................................15
2 LÍNGUA DE SINAIS, ESCRITA E LEITURA ......................................................17
2.1 Importancia de um sistema de escrita para lingua de s. ..................................19
2.2 Signwriting .........................................................................................................22
3 NARRATIVA VISUAL: A HISTÓRIA EM QUADRINHOS EM LIBRAS ...............24
3.1 Processo de criação do HQ................................................................................30
3.2 Como representar Lingua de Sinais em um quadrinho......................................34
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................39
REFERÊNCIAS .......................................................................................................41
APÊNDICES............................................................................................................ 45
11
1 INTRODUÇÃO
As pessoas Surdas1 têm o direito ao acesso às possibilidades humanas: a
comunicação simbólica, as interações sociais, a aprendizagem, entre outras, em
Língua de Sinais (LS). A Língua Brasileira de Sinais (Libras), de modalidade visual-
espacial, é a LS usada pelas comunidades Surdas urbanas, brasileiras, capaz de
prover funcionalidades linguísticas complexas aos seus usuário (FERNANDES,
2012). Mais de 90% das crianças Surdas nascem em famílias de pais ouvintes, e
não tem acesso à língua materna oral e, tampouco, à aquisição da Libras na
infância, o que acarreta sérias consequências: no desenvolvimento linguístico,
intelectual, cultural e na cidadania (SKLIAR, 1999). Um processo educacional
bilíngue (BRASIL, 2008), que viabilizasse o acesso e aquisição da Libras, desde a
educação infantil, possibilitaria um desenvolvimento qualitativo semelhante ao de
qualquer criança da mesma faixa etária.
Adicionalmente, a criança Surda tem dificuldades em adquirir um sistema de
escrita, mesmo da língua oral, considerando-se as metodologias existentes
enfatizarem relações letra-som, para ela inacessíveis. O acesso a um sistema de
escrita em LS representaria um ganho significativo nesse processo, pois envolveria
aprender um processo de registro de uma língua visualmente, sem barreiras de
ordem fisiológica para sua aprendizagem. Ao contrário do que se imagina, o registro
da LS é possível na forma escrita, e não somente na forma de vídeo, como se
costuma veicular. SignWriting, criado por Sutton, é o sistema de escrita mais usado
para registro das Línguas de Sinais no mundo, e tem sido ensinado em experiências
educacionais bilíngues (SUTTON, 2006). Os Sistemas de Escrita (i.e. uma
sequência de caracteres usados para representar simbolicamente uma língua)
servem de suporte e base para a sociedade moderna e são considerados um
avanço para as LS, oferecendo possibilidades de registro de sua literatura,
preservação cultural, armazenamento e recuperação da informação, ciência, criação
e disseminação de conhecimento, comunicação e outras atividades que as
visibilizam como línguas de cultura.
1 Neste texto, a grafia Surdo/os, Surda/as em letra maiúscula segue uma convenção no campo dos Estudos Surdos (Deaf Studies) em Educação que diferencia a surdez audiológica (letra minúscula) da experiência cultural de Ser Surdo como grupo cultural. Do mesmo modo, o uso da letra maiúscula será empregado sempre que se tratar da representação de produtos culturais das comunidades Surdas.
12
As crianças Surdas, que teoricamente têm todas as possibilidades de se
tornarem leitores e escritores, não possuem ainda estas competências devido às
suas condições sociais, familiares e até mesmo escolares que restringem suas
experiências a processos metodológicos e produtos culturais pensados e
desenvolvidos para crianças que ouvem. Para que possam adquirir a modalidade
escrita da língua, há a necessidade de um desenvolvimento natural da linguagem,
da inteligência e uma imersão de quem aprende nas práticas sociais da língua
escrita (SÁNCHEZ, 1991; HOFFMEISTER, 1999).
São ainda iniciais as experiências e metodologias envolvendo o ensino e a
aprendizagem da escrita de sinais capazes de prover à criança Surda e seus
interlocutores com um suporte educacional adequado (HOFFMEISTER, 1999;
GUIMARÃES et al., 2013). Há um acervo restrito, com poucas publicações
registradas em um sistema de escrita de LS, uma situação que priva a Comunidade
Surda de um grande componente de valorização de sua Cultura (SUTTON, 2006),
por meio da construção de sua identidade em uma comunidade linguística
minoritária (SKLIAR, 1999). Não se deve mais esperar que a criança Surda tenha
sucesso acadêmico no ensino e aprendizagem por meio da língua oral majoritária,
que lhe é inacessível. Um chamado claro para a criação de ferramentas em LS
(JOHNSON, LIDDELL & ERTING, 1989).
O desafio de prover ferramentas para o acesso de SE de sinais para as
pessoas Surdas e seus interlocutores é urgente, e requer uma abordagem
inovadora, sob risco de nos depararmos com uma comunidade inteira sem história
escrita. Entendemos que a base da sociedade moderna é dependente da memória.
Para Vygotsky (1974) a leitura deve conter uma miríade de significados para quem
aprende, senão a palavra é apenas um vazio. Para o autor, a aprendizagem da
escrita equivale à aquisição de uma nova linguagem em toda a sua função social e
individual – um letramento que, mais do que o simples ato de ler e escrever,
pressupõe um entendimento e um uso adequado de tais habilidades na sociedade e
no contexto em que o texto está inserido (LODI, 2002).
Assim, nesse trabalho, propõe-se uma abordagem na qual o letramento é um
processo em que a escrita de sinais ocorre em um contexto de uso, por meio de
uma narrativa visual desenvolvida no gênero de História em Quadrinhos (HQ) que
utiliza SignWriting como sistema de escrita da LS. Adicionalmente, apresenta um HQ
em Libras como ferramenta de ensino e aprendizagem que dá autonomia ao Surdo,
13
debatida e avaliada por professores e alunos de um curso de licenciatura em
Letras/Libras.
1.1 Objetivo geral
Desenvolver uma narrativa visual em formato de HQ que evidencie a
necessidade de desenvolvimento de uma nova forma de aquisição de Signwriting
pelos Surdos. E o processo de desenvolvimento de uma narrativa visual como
estratégia de aquisição.
1.2 Objetivos específicos
1. Investigar e descrever a necessidade de uma nova forma de aquisição
de signwriting pelos Surdos.
2. Investigar os parâmetros visuais utilizado em quadrinhos para
representação de movimento e experimentar as possibilidades desses
parâmetros visuais nos movimentos LS dentro da narrativa escolhida;
3. Estudar as ferramentas disponíveis que aperfeiçoam e auxiliam como
plataforma para o desenvolvimento visual do projeto;
4. Compor visualmente a narrativa escolhida, aplicando os parâmetros
visuais.
1.3 Justificativa
Atualmente o nosso sistema de ensino obriga surdos a se adaptarem a
metodologias claramente destinadas a pessoas ouvintes. Esta prática prejudica o
desempenho acadêmico dos surdos e a revisão deste sistema é imprescindível
(JOHNSON, LIDDELL & ERTING, 1989).
Portanto este projeto de pesquisa visa investigar parâmetros visuais existentes
no meio impresso a fim de explorar a viabilidade de criação de uma narrativa visual
14
que enfatize a relação de imagem e palavra, contrariando a metodologia de ensino
atual, que se baseia na relação de som e escrita.
1.4 Metodologia da Pesquisa
Este tópico aborda a metodologia utilizada nesta pesquisa empírica, segundo Learn (2014, p.1)
A pesquisa empírica, também chamada de pesquisa de campo, pode ser entendida como aquela em que é necessária comprovação prática de algo, seja através de experimentos ou observação de determinado contexto para coleta de dados em campo. Na relação com a teoria a pesquisa empírica serve para ancorar e comprovar no plano da experiência aquilo apresentado conceitualmente, ou, em outros casos, a observação e experimentação empíricas oferecem dados para sistematizar a teoria.
As práticas e experimentos utilizados estão detalhados nos capítulos seguintes. De acordo com Lakatos e Marconi (2001, p. 221) “a especificação da metodologia da pesquisa é a que abrange maior número de itens pois responde, a um só tempo, às questões como, com quê, onde e quando.
1.4.1 Classificação da Pesquisa
Pode-se classificar uma pesquisa sobre várias formas e sobre vários pontos de vista.
a) Quanto a sua natureza, ela pode ser básica ou aplicada que Almeida (2007, p. 2) define com: “Pesquisa básica: objetiva gerar conhecimentos novos para avanço da ciência sem aplicação prática prevista. Pesquisa aplicada: objetiva gerar conhecimentos para aplicações práticas dirigidos à solução de problemas específicos”.
b) Quanto ao objetivo, Gil (2002) apresenta três opções: exploratório, descritivo e explicativo. Que são definidas por Almeida (2007, p. 2) da seguinte forma:
- Pesquisa exploratória: objetiva proporcionar maior familiaridade com um problema; envolve levantamento bibliográfico, entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado e análise de exemplos; assume
em geral a forma de pesquisas bibliográficas e estudos de caso. ƒ
- Pesquisa descritiva: objetiva descrever as características de certa população ou
fenômeno, ou estabelecer relações entre variáveis; envolvem técnicas de coleta de dados padronizadas (questionário, observação); assume em geral a forma de
levantamento. ƒ
- Pesquisa explicativa: objetiva identificar os fatores que determinam fenômenos,
explica o porquê das coisas; assume em geral as formas de pesquisa experimental e pesquisa ex‐ post‐ facto.
c) Quanto ao tempo Miranda (2007) ressalta que a pesquisa pode ser transversal (dados coletados em um único momento) ou longitudinal (onde os dados são coletados em dois ou mais momentos, e tento um acompanhamento da evolução do fato).
15
d) Quanto a abordagem do problema, esta pesquisa busca tornar o ensino da escrita para surdos, algo mais perto das limitações dos mesmos, assim possuindo caráter Qualitativo, pois Longaray (2003) destacam que este tipo de estudo pode descrever a complexidade de um problema, interpretar as diversas variáveis, compreendendo e catalogando e processos dinâmicos de determinados grupos sociais.
Com base no exposto, classifica-se está pesquisa como sendo: Empírica, abrangendo as seguintes classificações.
Classificação Definição
Quanto a sua Natureza Aplicada
Quanto ao Objetivo Exploratória
Quanto ao Tempo Longitudinal
Quanto a Abordagem do Problema
Qualitativo
Quadro 1 – Classificação da Pesquisa
Identificadas às classificações desta pesquisa, cabe elencar os procedimentos realizados para conseguir chegar a um modelo aprovado, de identidade visual, para as histórias em quadrinhos, para surdos; melhor detalhado no capítulo 3 deste trabalho.
1.4.2 Procedimentos
Outra forma de classificar uma pesquisa é identificar os procedimentos utilizados para alcançar o resultado esperado.
Para Rosenfiel (2011, p. 1) a apresentação dos seus procedimentos, pense sobre os seguintes elementos e tente responder às perguntas seguintes: “(...) como será estruturado
o trabalho? (...) Com qual instrumento? (...) Qual é o público-alvo? (...) a partir de que técnicas se obterão os dados? Como o instrumento será distribuído e aplicado?”
Para este estudo Empírico e Exploratório foram usados os seguintes procedimentos, conforme detalhado no cronograma que segue:
CRONOGRAMA E PROCEDIMENTOS DA PESQUISA
DATA PROCEDIMENTOS DA PESQUISA
DETALHAMENTO DAS REALIZAÇÕES
Integral Pesquisa Bibliográfica Buscou-se na literatura suporte para as fundamentações. (Vide Bibliografia)
De Maio. a Fontes Dados Auxílio do Professor Jeferson e professora
16
Set./2017 Rita – no contexto visual da língua de libras.
De Maio. a Set./2017
Criação do Método Criado, por este autor, o método de identificação visual para surdos com base nos quadrinhos de Scott Mcloud conforme
demonstrado nos itens e na Figura 15.
De Maio. A Set./2017
Criação da História Criado, por este autor, a história do robô que cai na terra. Vide roteiro no capítulo 3 deste
trabalho.
Maio/2017 1ª - Validação dos quadrinhos
Junto ao Grupo de surdos da Casa Amarela, representados por um total de sete
participantes, realizou-se a apresentação dos quadrinhos onde foram coletadas as
impressões e as melhorias que deveriam ser realizadas. (colocar o local que está
representado na Monografia) – vide Figura 01 que segue a este quadro.
Maio – Julho/2017
Realização das arrumações
Agosto/2017 2ª - Validação dos quadrinhos
Setembro/2017 Qualificação Submetido à qualificação identificou-se a necessidade de melhorias
Novembro/2017 Melhorias As ilustrações para: esperar, amarelo, bonito e amigo, precisavam ser arrumadas pois o
movimento estava incorreto, não muito claro ou possuía signwriting não condizente com a
ilustração.
Quadro 2 – Cronograma e procedimentos da Pesquisa.
Segue abaixo a foto da primeira validação junto ao grupo de surdos da Casa Amarela.
Figura 1 - Validação junto ao grupo de surdos da Casa Amarela.
17
2 LÍNGUA DE SINAIS, ESCRITA E LEITURA
A Falta de aquisição na tenra idade da Libras impede a criança Surda de
aprender conceitos cotidianos (MAcNAMARA, 1982). Consequentemente, a criança
não aprende a fazer perguntas para clarificar dúvidas, e assim não formam relações
que possam alterar suas estruturas cognitivas: combinando, comparando, inferindo,
deduzindo e extrapolando conhecimentos antigos e novos, em um processo mental
que é mediado pelas experiências sociais e linguísticas. A língua é mais do que um
meio de comunicação (SÁNCHEZ,1991). A língua inclui uma função reguladora do
pensamento e é essencial para o desenvolvimento intelectual, Apois permite criar
primeiros conceitos concretos, que depois servirão de bases para a criação de
conceitos abstratos (VYGOTSKY, 1974).
A falta da aquisição da língua materna é uma barreira para o desenvolvimento
intelectual que acarreta consequências severas: a inabilidade de realizar tarefas
cotidianos de ações inteligentes; a inabilidade de aprender e planejar; a
dependência única e exclusiva das situações concretas e visuais; dificuldades de
socialização entre outras. As crianças Surdas crescem em uma realidade em que há
pouco material escrito em língua de sinais (KYLE, 2005).
Johnson, Liddell e Erting (1989) argumentam que não basta apresentar à
criança Surda conceitos na língua oral e esperar que elas possam criar conceitos na
sua própria cultura. Este modelo monolíngue tem privado as crianças Surda de
conquistas mais elevadas quando comparadas com suas colegas não-Surdas. Já
Petito (1994) nos diz que a criança Surda possui em si e a seu dispor todos os
dispositivos, sistemas, capacidades e mecanismos de aquisição de língua,
sobretudo a de sinais. Mas, para que atingir o seu potencial elas devem ser imersas
na LS como língua materna, para que tenham os benefícios do desenvolvimento
intelectual. Temos Cummins (1984) que propõe uma teoria de interdependência –
uma interação entre a língua de instrução e o tipo de competência que a criança
desenvolveu em sua língua antes da educação formal. Os autores Nover e Andrews
(1998) nos dizem que à criança Surda deve ser oferecida a possibilidade de criar
seu próprio conhecimento, e o conhecimento em sua própria língua, o que inclui o
uso de um sistema de escrita em língua de sinais. O processo de letramento é
dependente da constituição de seu sentido na língua de sinais.
18
Se a questão da alfabetização segue sendo objeto de pesquisa e reflexão no
campo de aquisição da modalidade escrita da língua oral como segunda língua por
aprendizes surdos (L2), fazemos ideia dos complexos desafios das reflexões
envolvendo a aquisição, ensino e aprendizagem da escrita em língua de sinais
(FERNANDES, 2006). Apesar da temática da aquisição da escrita ser recorrente e
de diversas experiências serem desenvolvidas em decorrência das políticas de
inclusão de Surdos em salas regulares, os níveis de aprendizado e desenvolvimento
continuam aquém do esperado e inferior ao das crianças não-Surdas (ALLEN,
1986). Para a pessoa Surda, a premissa de um ambiente de letramento que
potencialize o contato com os símbolos da escrita não se aplica.
Fernandes (2006) pontua que, ao se discutir práticas de letramento na
educação de Surdos, temos como duplo desafio promover práticas que permitam a
aquisição e desenvolvimento da língua de sinais, como língua materna, além da
vivência de experiências que possibilitem a apropriação de um sistema de escrita
pelas crianças Surdas pela via visual, e não oral-auditiva como ocorre com as
demais crianças. Dito de outra forma, a incursão no mundo da escrita não se dará
pela oralidade, mas por processos visuais de significação que têm na língua de
sinais seu principal elemento fundador.
A inserção social da língua materna inicia o processo de desenvolvimento
intelectual da criança e é, portanto, essencial que cada criança traga para o
letramento a sua própria experiência nas vivências de letramento na infância. Para
fazer uso de tais experiências, o educador deve entender a maneira em que a
criança aprende não somente as matérias de uma determinada disciplina, mas deve
buscar também saber como ela se apropria de seus componentes sociais, culturais
e linguísticos (CAGLIARI, 1989).
O ambiente de aprendizagem deve fazer sentido e apresentar um contexto,
de forma que sirva para a criação coletiva do texto cotidiano, que eventualmente se
tornará simbólico. O letramento ocorre nas interações mediadas, e a compreensão e
o entendimento estão no uso do texto – não são meras fragmentações das palavras,
as quais, fora de contexto, não fazem sentido – o que nos trás as várias
possibilidades de aprendizagem de leitura e escrita. Concordamos com Schneuwly
(2002) quando nos diz da sedimentação no sentido dado por Vygotsky (1974): o
comportamento humano é sedimentado em camadas sucessivas nas quais as novas
são construídas com base nas anteriores. Isto pode ser construído com narrativas
19
visuais. Então, antes das letras, o primeiro conhecimento é o da palavra: o texto e o
contexto são pertinentes à cultura em que a criança se encontra. Procede-se então a
uma ampliação de visão de mundo, e a habilidade da criança sentir, pensar e agir
sobre este mundo.
Os Surdos se apropriam do conhecimento prioritariamente pela experiência
visual. Assim, um ambiente de letramento deve oportunizar atividades de leitura,
principalmente na fase inicial, contextualizadas em referências visuais, em que a
Língua de Sinais tem destaque, na compreensão dos sentidos mobilizados pelo
texto. A leitura de imagens conduzirá o processo de reflexão e de inferências sobre
a leitura da palavra, por meio da mediação da língua de sinais como língua materna
(FERNANDES, 2006)
As narrativas visuais são um caminho comum a ser trilhado, seja por crianças
Surdas, ou não. Há, no entanto, diferenças decorrentes da forma de apropriação do
sentido mediado pela palavra. A narrativa visual proposta em HQ não apresenta
texto da língua oral – apresenta o personagem falando em língua de sinais, e o
SignWriting. O sistema de escrita se difere do desenho pela associação simbólica
que a criança Surda faz do sinal com a sua forma grafada. Assim, o desenho é algo
no mundo sobre o qual se podem tecer comentários. Já quando as grafias
representam possibilidades de significados linguísticos, a criança que escreve e lê
desenvolve uma intencionalidade, um ponto crucial no letramento, segundo Ferreiro
e Teberosky (2008). Estes autores nos dizem que a aquisição da leitura e da escrita
são mais relacionadas à cultura, deixando claro que o processo de apropriação da
língua escrita formal ocorre nas práticas sociais com o mundo de leitura e escrita, no
mundo das história lidas, contadas – o que nos leva a propor uma metodologia de
contexto de língua, conforme apresentado mais adiante.
2.1 IMPORTÂNCIA DE UM SISTEMA DE ESCRITA PARA A LÍNGUA DE SINAIS
Sistemas de escrita servem para várias funções: eles reproduzem a fala,
pensamentos e conceitos abstratos. Eles são as ferramentas humanas de
conhecimento, necessários para o desenvolvimento da ciência, disseminação da
informação, permitem a expressão de conceitos abstratos, dos sonhos; eles estão
enraizados na necessidade humana de se comunicar no tempo e no espaço; eles
20
ajudam a organizar nossas vidas, registrar pensamentos, sentimentos, descobertas
– a escrita preenche funções humanas e significados específicos que requerem
ações analíticas deliberadas capazes de construir uma estrutura interna. Mais do
que transmitir ideias, a escrita transmite nossa maneira de ver, sentir, interpretar e
pensar o mundo (STUMPF, 2005).
Escrita e leitura são processos inter-relacionados – quem lê deve,
inicialmente, reconhecer o código necessário para a escrita. Uma das habilidades da
leitura é a de poder decodificar o sistema de escrita. A aquisição deste código é
contingente no fato do leitor se considerar escritor, segundo Ferreiro e Teberosky
(2008). Portanto, temos a necessidade de um sistema de escrita para as línguas de
sinais que esteja em relação direta com o processo de pensamento da pessoa
Surda. Tal visão do processo é usualmente associada à alfabetização, que é uma
condição considerada necessária, mas não suficiente para o entendimento do texto,
um passo que não se produz sem instruções explícitas, um processo que tem
implicações positivas na aprendizagem da escrita. Porém, considera-se que não faz
sentido uma alfabetização que não seja também letramento – que venha em forma
de um conhecimento cultural compartilhado, uma das formas que a pessoa Surda
tem de buscar a sua inclusão social e seus direitos básicos de cidadania
(FERNANDES, 2006).
Há um equívoco ao se pensar que as línguas de sinais não possuem um
sistema de escrita, e que pouco se pode ganhar com o seu uso pelas crianças
Surdas que falam Libras. A Libras é um sistema linguístico completo de modalidade
visual-espacial, e requer um sistema de escrita adequado, capaz de mapear as
propriedades da língua de sinais e o desafio de tentar representar linearmente uma
língua tridimensional. Portanto, pode-se pensar que a aquisição de um sistema de
escrita e o letramento são processos interconectados: a alfabetização deve se
desenvolver no contexto de uso e de significados de práticas sociais de leitura e
escrita, ou seja, de atividades de letramento, em um processo e um comportamento
social valorizado. O uso de um sistema de escrita adequado para as línguas de
sinais é um processo que aumenta as habilidades linguísticas e cognitivas,
promovendo assim uma valorização da identidade e da Cultura Surda.
Há alguns sistemas de escrita propostos para as línguas de sinais tais como
Mimographie notation (BÉBIAN, 1825); Stokoe notation (STOKOE, 1960); D’Sign
(JOUISON, 1995); Neve notation (NEVE, 1982); HamNoSys (HANKE, 2004);
21
SignWriting (SUTTON, 2006); no Brasil temos a Escrita das Línguas de Sinais - Elis
(BARROS, 2008), o Sistema de Escrita para Libras - SEL (LESSA-DE-OLIVEIRA,
2012) entre outros. Apesar dessas possibilidades de registro, por ser de uso
universal, o SignWriting é o sistema sobre o qual focaremos nossos estudos.
No âmbito pedagógico, o debate situa-se nas especificidades do processo de
alfabetização dos surdos, já que a escrita de sinais constituiria um elemento
mediador na apropriação da escrita alfabética, posto que o aprendizado do
português pelos estudantes surdos tem como premissa que a constituição dos
sentidos na escrita decorrerá de processos simbólicos visuais, nos quais a mediação
da língua de sinais assume centralidade. Esse pressuposto demanda um processo
metodológico que difere dos encaminhamentos adotados no ensino de português
como língua materna, os quais se pautam nas relações entre fonema-grafema pelos
falantes nativos.
São significativos os estudos desenvolvidos em diferentes países sobre as
especificidades do processo de letramento dos surdos (SÁNCHEZ, 1991;
HOFFMEISTER, 1999; FERNANDES, 2012), os quais propõem desconsiderar o
domínio das relações letra-som como pressuposto para o acesso à escrita. Para os
pesquisadores, a questão é simples: admitir a língua de sinais como simbolismo
mediador no aprendizado da escrita e adotar encaminhamentos metodológicos
utilizadas no ensino de segundas línguas para estrangeiros possibilitará a inserção
dos surdos em práticas de letramento, nos mesmos moldes dos demais estudantes.
Ler sem estar “alfabetizado” corresponde à realidade de sujeitos que tem uma língua
não-alfabética como língua materna e dominam a escrita de uma segunda língua
alfabética, ainda que não se comuniquem oralmente por meio dela (FERNANDES,
2006).
Nesse sentido, o sistema de escrita visual direta SignWriting representa um
elemento mediador entre a primeira língua, a Língua de Sinais, e a escrita alfabética
do português como segunda língua, contribuindo para a complexificação das
funções psicológicas superiores (memória, abstração, generalização,
metalinguagem etc.) das crianças surdas, bem como potencializando seu
letramento. Em que pesem os inúmeros aspectos positivos relativos à acessibilidade
e inclusão que a sistematização e difusão de um sistema de escrita da língua de
sinais para a comunidade surda brasileira oportunizaria, são ainda precárias as
publicações e suportes informacionais registrados em SignWriting.
22
Do ponto de vista dos suportes informacionais que veiculam o SignWriting, há
total carência e precariedade de produtos. Justifica-se, desse modo, a criação de
narrativa visual, do gênero história em quadrinhos que contempla sinais em Libras,
para a aquisição da escrita da língua de sinais, por se tratar de um recurso inovador
como processo intermediário na aquisição da escrita alfabética pelos surdos. A
narrativa visual possibilita o estabelecimento de novas relações para a construção
do conhecimento e novas formas de atividade mental, considerando-se o potencial
dos meios eletrônicos de informação e comunicação, para complementar e
aperfeiçoar o processo de ensino e aprendizagem de estudantes surdos.
2.2 SIGNWRITING
O trabalho de Stokoe (1960) foi pioneiro em identificar alguns parâmetros das
línguas de sinais, tais como configuração de mão, contato (locação), orientação da
palma da mão, movimentos locais e globais e expressões não manuais. Por sua vez,
Sutton (2006), em meados dos anos 70, propôs o SignWriting como um sistema de
escrita para as línguas de sinais, que vem sido adotado no mundo inteiro. Esses
elementos constitutivos do sinal, articulados com as mãos, olhos, partes do corpo,
ocupam o espaço tridimensional, de forma simultânea. Assim, o grande desafio do
registro escrito repousa na forma de representação de cada um desses elementos
no espaço, já que não se apresentam de forma linear como os signos acústicos das
línguas orais.
O SignWriting preserva as características tridimensionais das línguas de
sinais ao contemplar várias representações para os diversos parâmetros da
fonologia proposta por Stokoe (1960). A figura 1 nos mostra uma configuração de
mão em três orientações diferentes. Alguns dos símbolos são icônicos, e permitem
uma melhor associo ação com o sinal representado.
23
Figura 2 – Exemplo de SignWriting: configuração de mão à direita e o símbolo correspondente à esquerda. Fonte: Sutton (2006)
Conforme vimos na Figura 1, o SignWriting se adequa à representação das
línguas orais, quaisquer que sejam elas. Mas, apesar dos diversos aspectos
relacionados à acessibilidade e inclusão que uma sistematização e disseminação de
um sistema de escritas em língua de sinais possa trazer para a pessoa Surda, há
poucas publicações em escrita de sinal, e menos ainda textos, ferramentas e
metodologias em SignWriting, sendo os mesmos considerados precários (STUMPF,
2005).
Stumpf (2005) nos mostra que o SignWriting é, para o surdo, visualmente
fonético; permite operações metalinguísticas em relação à Libras; permite a
transmissão direta do pensamento para a escrita; é mais espontâneo e coerente;
fortalece a autoestima; ajuda a construir a identidade Surda; é limitado apenas pela
sofisticação da pessoa que vai usar. O desafio de introduzir a escrita na escola é
grande, pois há uma carência de material adequado; e a autora conclui que o uso de
um sistema de escrita em língua de sinais é um marco importante na educação do
Surdo.
24
3 NARRATIVA VISUAL: A HISTÓRIA EM QUADRINHOS EM LIBRAS
As HQs fazem parte de nosso cotidiano, e têm sido usadas para divulgar e
produzir cultura e conhecimento. Quando as HQs são usadas como ferramentas
pedagógicas, elas deixam de ser apenas ilustrativa ou um meio de diversão,
tornando-se uma maneira de melhorar a compreensão e de tornar o processo de
ensino e aprendizagem mais prazeroso. Considera-se que uma HQ se caracteriza
pelo uso de balões com texto, mas a maioria contém textos da língua oral (GOMES
e GOMES, 2015). Porém, sendo a língua de sinais de modalidade visual espacial,
ela se adequa ao gênero, uma vez que a sinalização pode ser representada
visualmente – e esta é a base da ferramenta proposta: HQ em Libras para ensino de
SignWriting.
Pensando a Libras em seus aspectos de enunciação e discurso, a
compreendemos como atividade social, histórica e cognitiva, com papel
comunicacional, e escolhemos o gênero HQ para apresentar o sistema de escrita a
ser aprendido (OLIVEIRA e BRANCO, 2015). Toppel, Camargo e Chicória (2015, p.
10581) apontam uma série de vantagens do uso de HQ para o ensino de Física, por
exemplo: “[...] a facilidade de leitura, a forma de disposição quadrinizada, os
desenhos ilustrativos e o enredo tornam as HQs uma leitura divertida e ao mesmo
tempo um estímulo para o conhecimento”. O HQ em nossa proposta poderia ser
classificada pelos autores como sendo Construtivista, uma vez que foi desenvolvida
para levar conhecimento ao aprendiz. Este uso é fundamental para a autonomia da
pessoa Surda, que pode aprender de maneira divertida, criando o seu
conhecimento.
Guimarães, Guardezi e Fernandes (2014), apresentam um framework
computacional em que o sinal é associado ao contexto lexical pela iconicidade, e o
contexto semântico por meio de vídeos, em um contexto de aprendizagem. O
sistema proposto aqui segue esta orientação pedagógica, em que o contexto é
apresentado por meio de uma narrativa visual, que acompanha o personagem até
uma situação real de sinalização na Língua de Sinais. É feita uma sobreposição dos
símbolos relacionados do SignWriting no sinal. A narrativa visual é feita sob a forma
de ilustração em HQ desenvolvida em Libras (BONGCO, 2000). Para efeitos deste
artigo, iremos apresentar apenas recortes da narrativa, pontuando aspectos
25
significativos para a compreensão dos objetivos do material proposto que apresenta
como procedimentos: o estabelecimento do contexto e situação comunicacional,
apresentação do sinal/enunciação em Libras, elementos composicionais do
SignWriting e atividades de escrita de sinais.
Em nosso material, a narrativa se inicia com um robô (ainda misterioso, pois
não se sabe de onde ele veio, onde ele está, o que está fazendo; seria o robô uma
ameaça? Teria sido enviado por conhecidos? Seria hostil? etc.). Todos estes
elementos da narrativa compõem o que Sutton-Spence e Kaneko (2016) chamariam
de Literatura Surda: uma literatura de efeito estético, em LS, possuidora de uma
estética visual, que possa representar e valorizar aspectos da cultura visual. Na
Figura 2, vemos que o robô vem do espaço (não se sabe se retornando, ou se
enviado por outras civilizações) mas vemos que assim que pousa ele permanece
imóvel.
Figura 3 – Ilustração da História que apresenta um personagem Robô vindo do espaço
Fonte: Os Autores
Devido às circunstâncias externas (a queda de uma pinha), apresentado
parcialmente na figura 3, o robô é ativado, e inicia a sua jornada.
26
Figura 4 – Ilustração da História que apresenta um personagem
Fonte: Os Autores
Note-se que até este momento, nenhum texto escrito foi utilizado. Os recursos
são totalmente visuais não-verbais. O robô se reconfigura, e começa a caminhar
(também ainda não se sabe se em busca de algo específico, ou se de forma
aleatória), até que chega ao Santuário das Borboletas, mostrado na Figura 4
(permanece o mistério: o que vem a ser este santuário, quem o construiu, para que
serve?). Este local parece dedicado à preservação das borboletas (mas ainda
persiste o mistério sobre a importância deste local. O próprio monumento do local é
uma representação estática do que seria o sinal em Libras para BORBOLETA2.
Figura 5 - O Santuário das Borboletas Fonte: Os Autores
Neste momento, ao ver a borboleta, o robô reconhece em suas mãos o sinal
representado pelo monumento, sinaliza BORBOLETA em Libras e envia a
mensagem para seus interlocutores (ainda não se sabe para quem o robô está
sinalizando) conforme a figura 5.
2 Seguindo convenção de glosa adotada por Felipe (2007), os sinais em Libras serão grafados em caixa-alta.
27
Figura 6 – O SignWriting sobreposto à mão; robô sinalizando BORBOLETA Fonte: Os Autores
A partir daí, o SignWriting é apresentado, conforme a figura 6, e pode-se
então, de forma direcionada, reconhecer a escrita no próprio ato de sinalizar –
considerando que o sinal selecionado tem a característica icônica que permite
associar escrita e imagem sobrepostas. Vemos, na Figura 6, o sinal BORBOLETA e
sua escrita em SignWriting. Em seguida é proposta a atividade de prática do traçado
da configuração de mão na escrita, a partir desse contexto narrativo. Os dois
diacríticos que acompanham a configuração de mão (^^ e +) representam o
movimento das asas da borboleta e o tipo de toque, respectivamente no sistema
SignWriting.
28
Figura 7 – O Monumento, o sinal e a escrita de BORBOLETA em língua de sinais
Fonte: Os Autores
À medida que a história vai se desenvolvendo, novos personagens vão
surgindo, bem como novas situações comunicacionais com enunciados mais
extensos, conforme podemos ver na Figura 6, em que o robô vê uma borboleta
amarela no meio das outras borboletas azuis, e sinaliza A BORBOLETA AMARELA
É BONITA para seus interlocutores. Novamente a metodologia apresenta o
SignWriting equivalente, e convida a criança leitora/escritora a fazer sentido do
código usado, aprendendo assim os fundamentos da escrita, praticando a escrita
proposta.
29
Figura 8 – A borboleta amarela é bonita – em Libras
Fonte: Os Autores
Nos estudos realizados para a validação desse material, seguimos Dolz e
Schneuwly (2004), a perspectiva multi/interdisciplinar foi efetivada pela participação
de profissionais especialistas em Línguas de Sinais (professor surdo, linguista
bilíngue), tecnólogo em desenho gráfico e pesquisador/professor na área da Ciência
de Computação, cuja abordagem teórico-metodológica fosse consistente do ponto
de vista da interlocução efetiva com a literatura na área, cumprindo o critério de
relevância social e abordagem inovadora do objeto em estudo.Além disso, foram
realizadas reuniões com psicólogas, pedagogas, professores e alunos Surdos, no
âmbito de um curso de Letras Libras, a fim de que o material fosse qualitativamente
analisado , considerando sua importância e aplicabilidade no ensino da Libras no
contexto escolar de crianças surdas.
Como aspectos positivos da avaliação, foram destacadas a HQ como
estratégia pedagógica adequada para o contexto de escolarização de crianças e
jovens surdos, o fato de o personagem robô falar Língua de Sinais, e a estratégia do
uso de sinais icônicos para a representação das primeiras lições de SignWriting,
complementadas com enunciados contextualmente significativos na narrativa visual.
30
As atividades de prática do traçado da escrita em SignWriting também foram
consideradas fáceis e adequadas à faixa etária.
A partir dessa validação, as próximas etapas da pesquisa preveem a
validação em diferentes grupos de controle (crianças Surdas, acadêmicos do Letras
Libras, professores de Libras), analisando detalhadamente a aplicabilidade dos
princípios teórico-metodológicos pressupostos na investigação
3.1 Processo de criação do HQ
A pesquisa é de caráter exploratório, com intenção de desenvolver uma
narrativa fictícia, através de elementos fundamentais para a reprodução da lingua de
sinais em uma mídia impressa. O roteiro foi desenvolvido a medida que a história se
desenrolava, visto que o foco da pesquisa se encontrava nos desafios necessários
para uma experiência inserida no que Sutton-Spence e Kaneko (2016) chamariam
de literatura surda. O quadrinho conta a história de um robô enviado por humanos
para explorar este planeta onde habitam criaturas que falam apenas língua de
sinais. Além disso, em alguns pontos são encontradas estátuas de mãos que mais
parecem santuários. Nesta exploração, o robô conhece uma criatura e os dois se
tornam amigos, a ponto do robô desistir de voltar para a nave mãe quando é
chamado.
Vários aspectos foram levados em consideração no processo de criação, pois
tomamos a decisão de não utilizar balões de falas; não utilizar textos tornaram o
processo muito mais voltado a semiótica gerada pelos gestos e enquadramentos
que foram testados com o público em questão.
Para realização do projeto, dependente do ponto de vista e das limitações do
observador, é necessária uma aproximação de enquadramento no formato visual.
Portando, durante todo o processo contamos com o auxílio de professores e alunos
surdos da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Uma vez que os sketches
fossem desenvolvidos, eram enviados para aprovação, nesta etapa eram apontados
os erros e possíveis mudanças de enquadramento e ou palavras utilizadas.
31
Figura 9 – Sketch enviado para os professores
Fonte: Os Autores
A medida que os Sketch eram aprovados e todas as modificações
devidamente feitas, a arte era finalizada e enviada para validação com os surdos.
Figura 10.
32
Figura 10 – Página enviada para validação
Fonte: Os Autores
33
Figura 11 – Alterações
Fonte: Os Autores
Figura 12 – Alterações
Fonte: Os Autores
As Figura 11 e Figura 12 mostram mudanças feitas nos desenhos após os
surdos apontarem dificuldades no entendimento dos mesmos. As mudanças eram
resultantes desde mal entendimento do que acontecia na cena, como o robô se
abrindo na Figura 10, até problemas decorrentes de um mal enquadramento, como
na Figura 12, onde o movimento anterior tinha mais de uma interpretação de
movimento.
34
3.2 Como representar Lingua de Sinais em um quadrinho
Realizar uma história em quadrinhos onde a comunicação ocorre apenas
através de L.S. é de fato um desafio às capacidades técnicas do meio impresso.
Uma vez que não há possibilidade de inserir animações, torna-se moroso a
representação de sinais onde há mudança de configuração de mão. Como por
exemplo o sinal para a palavra “Sol”, demonstrado na Figura 13 e 14.
Figura 13 – Primeira Configuração (Sol)
Fonte: Incluir Tecnologia (2012)
Figura 14 – Segunda Configuração (Sol)
Fonte: Incluir Tecnologia (2012)
35
Uma vez estabelecido que não seria utilizado flechas nem balões de texto,
foram levantados conceitos de diferentes parâmetros visuais usados na de
representação de movimento indicados por McCloud (1993).
Figura 15 – Diferentes representações de movimento nos quadrinhos
Fonte: McCloud (1993)
36
Seguindo as etapas de McCloud (1993) na organização de quadros, como
mecanismo que potencializa a experiência de percepção visual, foram realizadas
ilustrações para experimentação.
Figura 16 – Aplicação dos parâmetros
Fonte: Os Autores
Nestes estudos, foi possível perceber três diferentes tipos de representar
sinais de libras. O primeiro seria um L.S. estática, sem movimentos ou mudança de
configuração de mão (Figura 17); A L.S. com movimento simples (Figura 87); e o
movimento com mudança de configuração de mão (Figura 19), onde optamos pelo
conceito que McCloud (1993) chamou de “imagens múltiplas” (Figura 15).
37
Figura 17 – Estático
Fonte: Os Autores
O tipo de sinal representado pela Figura 17 é o mais fácil de adaptar para o
quadrinho, pois não há movimento. É importante deixar a mão e o rosto destacados
no quadro para não gerar possibilidade alguma de dupla interpretação.
Figura 18 – Movimento simples
Fonte: Os Autores
A Figura 18 mostra um sinal que possui apenas um movimento, neste caso,
utilizando dos ensinamentos de de McLoud (1993), representamos o movimento
com a mão no ponto final e com a trajetória destacada por linhas brancas.
38
Figura 19 – Mudança de configuração de mão
Fonte: Os Autores
Neste caso, foi utilizado o que McLoud chamaria de Imagens Mútiplas. A mão
inicial possui tranparencia de 65% enquanto a posição final com 100%. A escolha
deste método se deu pelo fato do leitor ter acesso a todos os movimentos que
compões a ação.
39
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A questão da alfabetização/letramento de Surdos em Língua de Sinais é uma
temática que ainda se encontra em aberto no campo aplicado. É inegável a
necessidade de um sistema de escrita para as Línguas de Sinais e o SignWriting é o
sistema de escrita com maior difusão e uso, atualmente, no cenário nacional e
internacional da educação de Surdos. Contudo, há uma carência de trabalhos que
pesquisem abordagens metodológicas para o ensino e a aprendizagem pela pessoa
Surda em contextos de letramento bilíngue, ou seja, que levem em consideração a
Libras como língua materna.
Assim, esta pesquisa propõe a criação de um encaminhamento metodológico
que se vale da narrativa visual, por meio da História em Quadrinhos como gênero
para apresentar um sistema de escrita da Língua de Sinais às crianças Surdas. A
Língua de Sinais é apresentada em um contexto (fictício, no exemplo), de forma
visual, com o SignWriting contemplado na ilustração, sobrepondo-se e
acompanhando o sinal/palavra/enunciado da língua, possibilitando associações
simbólicas entre os parâmetros constitutivos da Libras sinalizada (configuração de
mãos, movimento, orientação de mãos...) aos grafemas de sistema de escrita.
Neste novo universo proposto, por meio da criação de uma narrativa visual
que integra a Literatura Surda, Surdos e demais membros da comunidade assumem
a perspectiva de leitores/escritores, contribuindo para a criação coletiva de outros
materiais que valorizem a Língua de Sinais como língua de Cultura.
A narrativa visual, suas formas de apresentar a história e o uso da língua de
sinais, bem como a metodologia pedagógica proposta para o ensino do SignWriting,
planejada e discutida com membros da comunidade surda, conhecedores do
SignWriting, foi abraçada e aprovada como ferramenta que faz avançar o estado da
arte no ensino e na aprendizagem da escrita de sinais.
Certamente, uma proposta como esta deve cumprir as exigências de rigor
técnico-científico e passar por rigorosos testes de validação, por um longo período
de tempo, que permitirão apreender reflexões e possíveis mudanças no produto
final. A incorporação de testagem em participantes que não utilizam Libras como
língua materna e, tampouco, conhecessem o SignWriting, permitirá ampliar o escopo
de variáveis de análise quanto ao processo de aquisição da escrita de sinais que
40
permitissem observar aspectos relativos à abstração e generalização da proposta.
Estas e outras questões integram nossa problemática de pesquisa em trabalhos
futuros.
41
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APÊNDICES
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