Neste texto, estão as compilações de partes de dois livros: “A importância
ambiental da vermicompostagem: vantagens e aplicações”, de M. D. Landgraf,
R. A. Messias e M. O. O. Rezende, editado pela editora Rima, em 2005 e outro
em final de redação, dos mesmos autores. Assim, podem haver diferenças na
relação de referências bibliográficas e na numeração de figuras, por exemplo.
Enfim, é apenas um texto para ajudar o leitor durante a aula.
CAPÍTULO 1 – O SOLO
1.1 Solo e ambiente
A exploração agrícola proporcionou significativas modificações no fluxo
de nutrientes e de energia dos ciclos naturais para o benefício, em geral, de
uma única espécie. O aumento da população levou à maior demanda por
alimentos e fibras, alterando a velocidade com que os nutrientes passam pelos
ciclos naturais, levando a uma demora na devolução desses nutrientes ao
reservatório de onde foram removidos, ou devolvendo-os de maneira nem
sempre adequada, causando desequilíbrio entre o que era necessário repor e o
que foi reposto.
O solo tem um papel de fundamental importância nos ciclos da natureza,
participando, direta ou indiretamente, da maioria das atividades que ocorrem no
planeta. Além de ser o principal substrato para a agricultura, o solo também é
suporte para estradas e para construções civis, sendo muitas vezes utilizado
indevidamente como depósito de resíduos. É nos solos que se realiza a maior
parte dos processos de reciclagem de nutrientes dos quais o planeta depende
para manter-se vivo. Por tudo isso, o solo é um recurso natural que deve ser
conservado para que os serviços que ora presta à sociedade sejam
sustentáveis para as próximas gerações.
A biodiversidade existente nos solos regula os processos
biogeoquímicos formadores e mantenedores dos ecossistemas. Dentre esses
processos, incluem-se: a formação e estruturação dos próprios solos, a
decomposição da matéria orgânica, a reciclagem de nutrientes e a formação
dos gases componentes da atmosfera terrestre.
De uma forma simples, pode-se dizer que o solo é a parte superficial
intemperizada da crosta terrestre, não consolidada, que contém ar, água,
matéria orgânica, matéria inorgânica e seres vivos. No solo desenvolvem-se
vegetais que, através das raízes, obtém a água e os nutrientes de que
necessitam. O solo é, portanto, resultante das interações da litosfera,
hidrosfera, atmosfera e biosfera, com grande contribuição antrópica, como
ilustrado na Figura 1.1.
As substâncias solúveis e as partículas coloidais, minerais e orgânicas,
podem-se movimentar pela ação da água. As partículas finas formam os
agregados ao se aglutinarem pela ação de vários fatores.
A Figura 1.2 ilustra o perfil de um solo, mostrando a contribuição da
rocha intemperizada e dos componentes orgânicos.
contribuições antrópicas
litosfera
solo
biosfera atmosfera
hidrosfera
Figura 1.1 - Representação dos processos que contribuem para a formação
de um solo
O resultado da ação dos fatores físicos, químicos e biológicos sobre o
material original e sobre seus produtos de alteração é o aparecimento gradual
de uma série de camadas, de estrutura e composição diferentes, chamadas
horizontes. O conjunto dos horizontes é denominado perfil do solo e apresenta-
se em camadas denominadas de O, A, B, C e R (Figura 1.3).
O horizonte O apresenta detritos orgânicos não humificados e
humificados; tais detritos são folhas, galhos e restos orgânicos em diferentes
estágios de decomposição. O horizonte A é a camada mineral próxima à
superfície e apresenta um acúmulo de matéria orgânica, em grande parte
humificada; é empobrecido por perdas de materiais sólidos translocados para o
horizonte B. No horizonte A está a camada arável, de constituição mais ou
menos estável, na qual se adicionam os insumos agrícolas. Vale lembrar que
os horizontes mais importantes para as práticas agrícolas são os mais
superficiais.
Cada horizonte possui características diferentes devido a diferentes
percolações de água e, conseqüentemente, a diferentes processos biológicos,
incluindo produção e decaimento de biomassa, graças à extraordinária
diversidade de vida existente.
~ 3 m
Solo
RochaE
B
C
R
O
A
Figura 1.2 - Representação do perfil de um solo e seus horizontes. Horizontes:
O = orgânico, A = mineral e orgânico, E = de perda ou aluvial,
B = de acumulação, C = rocha intemperizada, R = substrato rochoso.
O solo é, portanto, um sistema complexo e aberto, constantemente
submetido a trocas de matéria e energia com a atmosfera, hidrosfera e
biosfera, cujo comportamento pode ser definido como a totalidade dos
equilíbrios que ocorrem no ambiente. Além disso, o solo afeta e é afetado pela
marcante biodiversidade que nele existe, daí a grande variedade de solos
encontrados no nosso planeta.
O solo apresenta três fases bem distintas: gasosa, líquida e sólida.
Essas fases variam de solo para solo e, mesmo em um determinado solo, as
relações entre as fases podem sofrer alterações.
A fase gasosa, ou ar do solo, varia de acordo com a fase líquida. Sua
composição é diferente da atmosférica - é mais rica em vapor de água e CO2 e
mais pobre em O2. O ar do solo localiza-se no interior dos poros, sendo, por
isso, uma fase descontínua e variável. Essa descontinuidade e variabilidade da
fase gasosa do solo deve-se às reações químicas e à atividade biológica.
A fase líquida, ou solução do solo, também é bastante variável. É desta
fase que as plantas retiram água, nutrientes e elementos não essenciais na
forma iônica. A concentração destes depende da natureza e umidade do solo.
A concentração iônica da fase líquida está em equilíbrio com a concentração
iônica retida na fase sólida. A solução do solo é a porção aquosa do solo que
contém matéria dissolvida proveniente de processos químicos e de troca com a
hidrosfera e a biosfera. Esse meio transporta espécies químicas do solo e para
o solo, promovendo um contato íntimo com os solutos e as partículas do solo,
sendo, ainda, um meio para a troca de nutrientes entre a fase sólida e a
rizosfera.
A fase sólida, ou melhor denominada de particulada, é formada pelos
constituintes minerais e orgânicos. Um solo produtivo pode ter, por exemplo,
5% de matéria orgânica e 95% de matéria inorgânica. Inversamente, solos
como turfa podem conter até 95% de matéria orgânica, enquanto outros
contém menos de 1%. Apesar da pequena quantidade de matéria orgânica, em
comparação à quantidade de material inorgânico em solos produtivos, a fração
orgânica do solo desempenha um papel fundamental na regulagem de
processos químicos, além de influenciar nas características físicas do solo e de
ser o centro de atividades biológicas, incluindo fauna, flora e o sistema
radicular de plantas superiores. O teor de matéria orgânica nos solos é
influenciado por uma série de fatores, sendo o clima o principal componente.
O solo apresenta características ímpares em comparação aos outros
compartimentos ambientais, o que lhe confere propriedades distintas. Por
possuir uma extensa área superficial, suas partículas adsorvem água,
moléculas iônicas e neutras. Além disso, por ser constituído por uma mistura
de partículas com alta concentração de cargas elétricas, o solo pode reter uma
grande quantidade de íons. Outra característica marcante são as partículas de
formas e tamanhos diferentes das quais é constituído. Devido a isso, o solo
apresenta texturas, arranjos estruturais e propriedades mecânicas diferentes,
levando a diferentes perfis de permeabilidade.
A textura do solo é determinada pelo conteúdo das partículas
inorgânicas de diferentes diâmetros - areia (2 - 0,05 mm), silte (0,05 - 0,002
mm) e argila (< 0,002 mm). As partículas maiores proporcionam, geralmente, o
suporte estrutural, aeração e permeabilidade, enquanto as partículas menores
ligam-se formando agregados, que retém nutrientes e água. As argilas
caracterizam a fração coloidal, tendo grande participação nas reações de
complexação de íons metálicos, afetando a totalidade dos processos físicos,
químicos e biológicos que ocorrem no solo.
1.2 Tipos de solo
Dependendo da composição do material da rocha de origem e da ação
exercida pelo clima e pelos organismos sobre esse material, formam-se solos
com características diferentes: uns mais férteis (mais ricos em nutrientes)
outros mais pobres em nutrientes. O tamanho e a natureza dos minerais que
compõem o solo determinam características importantes.
Um solo muito rico em areia, que se apresenta na forma de grãos
relativamente grandes (2 - 0,05 mm), não consegue reter água por muito
tempo. A água infiltra-se rapidamente pelos espaços existentes entre os grãos
de areia, indo acumular-se nas camadas mais profundas. Como retém pouca
água, secam com muita facilidade, dificultando o crescimento de plantas. São
chamados solos arenosos.
Os solos argilosos contém muita argila, que são minerais de tamanho
muito pequeno (< 0,002 mm). A água é retida por muito tempo nos pequenos
espaços entre os grãos, originando o barro. Esse tipo de solo encharca-se com
facilidade e por isso também dificulta o crescimento das plantas.
Já os solos escuros, ricos em matéria orgânica, são ricos em nutrientes,
principalmente em substâncias que contém nitrogênio. O húmus, que é matéria
orgânica em estado de decomposição, age ligando os minerais como um
cimento, modificando a porosidade do solo e, portanto, aumentando a
capacidade de retenção de água. Esses solos são férteis, e, normalmente,
proporcionam excelentes condições para o crescimento das plantas.
Dependendo das condições climáticas e biológicas que agem sobre a rocha de
origem, o solo pode, freqüentemente, apresentar características mistas.
Os solos, dependendo da própria ação da vegetação, da sua natureza e
do tipo de sistema radicular, apresentam diferentes teores de matéria orgânica.
Na Amazônia há acentuada acumulação de matéria orgânica na superfície
devido à reciclagem dos elementos constituintes dos galhos, folhas e sistema
radicular superficial. Entretanto, a heterogeneidade da vegetação é grande,
contribuindo para a variação quanto à natureza dessa matéria orgânica. Por
sua vez, o ambiente dos Cerrados é totalmente diferente quanto ao aspecto da
vegetação. Há baixa densidade de árvores por hectare, o que pouco contribui
na incorporação de matéria orgânica ao solo. Entretanto, na região dos
Cerrados desenvolvem-se gramíneas adequadamente adaptadas ao ambiente
ácido dos solos. Elas são mais homogêneas e apresentam sistema radicular
fasciculado, que penetra em profundidade criando condições de maior acúmulo
de matéria orgânica, quando comparado com os solos da Amazônia. Aliás, as
gramíneas têm capacidade de introduzir matéria orgânica via sistema radicular
em maior profundidade do que a vegetação de floresta.
Já dissemos que o solo é afetado pelo clima. Vale ressaltar que o
inverso, também, é verdadeiro: o solo afeta o clima. Nos Cerrados, à noite,
mesmo no verão, a temperatura cai bastante, pois a quantidade de matéria
orgânica, que é o constituinte do solo responsável pela retenção de calor, é
baixa.
1.3 - A biodiversidade do solo
No solo vive e se desenvolve uma vasta fauna, como minhocas,
moluscos, protozoários, insetos e até mamíferos, como toupeiras e tatus, por
exemplo, que atuam concomitantemente. Há, ainda, fungos, algas e bactérias.
A atividade de todos juntos produz nutrientes que as plantas retiram do solo. A
fauna e a flora são interdependentes e atuam diretamente na qualidade do
solo. A Figura 1.3 ilustra a biodiversidade existente.
Figura 1.3 – Ilustração da biodiversidade no solo
Como exemplo da biodiversidade existente no solo, há as bactérias que
absorvem o ferro do solo e o assimilam, depositando-o depois em forma de
compostos na parede externa da única célula de seu corpo. Há as bactérias
que utilizam o carbono proveniente de compostos orgânicos para, juntamente
com o oxigênio que circula no solo, produzir gás carbônico e energia.
As bactérias nitrificantes fixam o gás nitrogênio (N2), transformando-o no
gás amônia (NH3), ou em sais de amônio (NH4+). A amônia, em sua fórmula
molecular ou na forma de íons amônio, é oxidada, então, a nitrito (NO2-) e este
a nitrato (NO3-). Os nitratos solúveis são absorvidos pelas raízes dos vegetais e
transformados em proteínas vegetais. As proteínas são usadas na nutrição de
animais superiores, transformando-se em proteína animal.
Entre os fatores que influenciam o processo de nitrificação existem
aqueles que controlam as concentrações de N nas formas de NH4+, NO2
- e
NO3- no solo. Esses são os inibidores das atividades da urease e dos
microrganismos nitrificadores. Alguns desses inibidores ocorrem naturalmente,
provenientes da liberação de aminoácidos e de bases nitrogenadas graças à
decomposição da matéria orgânica do solo ou por substâncias liberadas pelas
raízes de algumas plantas. Sem os bilhões de microrganismos por grama, o
solo não seria fértil.
Os microrganismos apresentam uma imensa diversidade genética e
desempenham funções únicas e cruciais na manutenção do ecossistema,
como componentes fundamentais de cadeias alimentares e ciclos
biogeoquímicos.
A diversidade genética e metabólica dos microrganismos tem sido
explorada há muitos anos visando a obtenção de produtos biotecnológicos, tais
como na produção de antibióticos (estreptomicina, penicilina etc.), de alimentos
(cogumelos, queijos, cerveja etc.), tratamento e/ou remediação de resíduos
(esgotos domésticos, lixo) e na agricultura, na fertilização de solos (fixação
biológica de nitrogênio) e controle biológico de pragas e doenças (controle da
lagarta da soja, da cigarrinha da cana-de-açúcar, de fitopatógenos como
Rhizoctonia e outros).
Estima-se que seja conhecido apenas 1% das bactérias de solos. O
número de espécies de bactérias de solos descrito na literatura vem crescendo
nos últimos anos em virtude do desenvolvimento de ferramentas de biologia
molecular que possibilitam a análise de seqüências de DNA a partir de material
genômico extraído diretamente do solo. As novas técnicas evidenciaram a
enorme diversidade genética das bactérias. Estima-se que em 1 g de solo
ocorram entre 20 a 40 mil espécies bacterianas.
Considerando-se que são descritas apenas 4.100 espécies de bactérias,
cuja maioria não é de solos, há uma enorme lacuna no conhecimento a ser
preenchida em estudos de biodiversidade.
Entre os microrganismos, os fungos envolvem-se em inúmeras relações
mutualistas, amensais, comensais e competitivas com outros organismos do
solo. Há os que formam sistemas de reprodução macroscópicos, como os
cogumelos. Há os que formam relações mutualistas com plantas etc.
Por outro lado, existem os predadores de microrganismos dos
ecossistemas terrestres, que são os protozoários e os nematóides. Os
protozoários poderiam ser classificados de acordo com sua preferência
alimentar (bactérias ou fungos), preferência de habitat (acidófilo ou neutrófilo),
ou importância ecológica. Alterações na diversidade de protozoários poderiam
ser relacionadas a mudanças nos processos ecológicos do ecossistema. Por
exemplo, se numa amostra de solo predominam espécies acidófilas e de
preferência alimentar por fungos, podemos derivar informações sobre a
composição das populações de fungos e bactérias, além do pH do solo. As
informações sobre a população de fungos, por sua vez, podem indicar a
qualidade da matéria orgânica em decomposição.
Os nematóides vivem nas películas de água formadas ao redor de
partículas do solo. Esses animais são muito importantes para as cadeias
tróficas de todos os solos. Da mesma forma que em outros grupos de
organismos do solo, são mais conhecidas as espécies de nematóides parasitas
de plantas de interesse agrícola, uma vez que causam redução da
produtividade das culturas, elas afetam a translocação de água e nutrientes
pela planta, além de diminuir a qualidade e o tamanho de frutos e tubérculos.
Os ácaros são o grupo de artrópodos de maior diversidade, o que se
reflete na grande diversidade de seus hábitos alimentares.
Os insetos do solo em ecossistemas naturais têm sido muito pouco
estudados. Os cupins são os principais decompositores na maioria dos
ecossistemas terrestres tropicais, sendo responsáveis por até 30 % da
produção primária líquida e de até 60 % da digestão de liteiras. A ação dos
cupins resulta em aumento da macroporosidade e da capacidade de infiltração
de água nos solos, o que traz benefícios para o ecossistema.
A diversidade de espécies de formigas diminui à medida que aumentam
a latitude, altitude e a aridez do ambiente. As formigas podem ser predadoras,
herbívoras ou granívoras, o que acarreta alterações nas propriedades físicas e
químicas dos solos.
Algumas das características e funções importantes do solo resultantes da
interação de sua biodiversidade com seus componentes químicos e físicos são:
gênese, estrutura, conteúdo e tipo da matéria orgânica (MO), capacidade de
retenção, estoque e reciclagem de nutrientes e biodegradação de xenobióticos.
O húmus é composto de aproximadamente 4 % de organismos vivos, e
o restante é matéria morta, que corresponde a resíduos animais e vegetais em
diferentes estágios de decomposição. A parte viva pode ser dividida em fungos
e bactérias (60-80 %), protozoários, nematóides, ácaros, minhocas e térmitas
(15-30 % ) e raízes (5-10 % ).
Entretanto, não se deve esquecer que, embora em menor proporção, a
MO viva tem função tão importante como a MO morta, na qual a formação e
transformação desta depende da viva. Um exemplo que pode ser considerado
é que pela ação das bactérias, que se associam com as raízes das plantas, há
o abastecimento de N para as plantas, e pela ação de fungos que se associam
com as raízes, há uma melhora na eficiência das culturas em absorver o
fósforo presente no solo.
Além disso, as minhocas e as hifas de fungos proporcionam a formação
e a estabilidade do agregado no solo. Os agregados condicionam a infiltração e
drenagem de água, a aeração, e favorecem a criação de um habitat para a
biota do solo.
O meio biológico do solo é altamente modificado pelo tipo e grau de
desenvolvimento agrícola. As populações microbiais e enzimáticas são
bastante elevadas em solos onde não são desenvolvidas culturas, assim como
o potencial de mineralização do N na superfície (7,5 cm) é, em média, 35 %
maior que em solos cultivados.
Os microrganismos participam direta e indiretamente dos ciclos
biogeoquímicos no ambiente. Além dos processos de dissolução de minerais,
os microrganismos podem acumular ou transformar elementos metálicos, como
resultado de reações enzimáticas específicas ou de mecanismos decorrentes
das propriedades de seus revestimentos celulares.
A microflora do solo tem papel fundamental nos ciclos globais de
nutrientes e de carbono, participando de processos importantes como sua
nitrificação, desnitrificação e mineralização. Dos organismos ativos nesse
esforço de reciclagem, os fungos são particularmente efetivos e versáteis,
possuindo a capacidade enzimática de degradar substratos bastante
complexos e poliméricos, como por exemplo, polissacarídeos como celulose,
hemicelulose, lignina, amido, quitina e glicogênio, e proteínas, como caseína,
queratina e albumina. Por outro lado, as bactérias, em geral, são efetivas na
degradação de produtos solúveis simples.
Desde há muito tempo, a atividade dos organismos tem influenciado o
nível de elementos na atmosfera, nos oceanos a na superfície da terra.
Compostos orgânicos e inorgânicos têm sido formados por atividade biológica
há quatro bilhões de anos.
Muitos elementos são utilizados no desenvolvimento de organismos,
mas nem todos são necessários para o crescimento e divisão celular de todas
as espécies. Além de C, N, H e O, outros 26 elementos, em quantidades de
traço, são requeridos para o desenvolvimento dos microrganismos. Uma
grande abundância de algum desses elementos, entretanto, pode levar ao
aumento do nível de toxicidade intracelular que, por sua vez, pode levar à
morte do indivíduo.
CAPÍTULO 2 - A Matéria Orgânica do Solo
2.1 A Matéria Orgânica do Solo
A matéria orgânica (MO) existente nos solos consiste de uma mistura de
produtos animais e vegetais em vários estágios de decomposição, resultantes
da degradação química, biológica e da atividade sintética dos microrganismos.
A MO é uma fonte de energia e de nutrientes para os organismos que
participam de seu ciclo biológico, mantendo o solo em estado dinâmico,
exercendo um importante papel na fertilidade do mesmo.
A MO do solo é correntemente definida como “a fração orgânica do solo
incluindo resíduos vegetais e animais em diferentes estados de decomposição,
tecidos e células de organismos e substâncias produzidas por habitantes do
solo”. Essa é uma definição muito ampla, que inclui materiais pouco
degradados, até aqueles que sofreram profundas alterações.
O termo MO do solo é usado para designar os constituintes orgânicos do
solo, incluindo aqueles provenientes da decomposição de vegetais e animais,
seus produtos de decomposição parcial e a biomassa do solo. Nesse termo
incluem-se os materiais de alta massa molar, como polissacarídios e proteínas,
substâncias comparativamente mais simples, como os açúcares, aminoácidos
e outras substâncias de menor massa molar, e as substâncias húmicas.
Os animais são considerados como uma fonte secundária de MO.
Usando na sua generalidade as plantas como alimento, os animais contribuem
com seus excrementos e, ao final do ciclo de suas vidas, incorporam ao solo
suas próprias carcaças. Todos esses resíduos, quer de origem animal ou
vegetal, são atacados por microrganismos, principalmente fungos, bactérias,
actinomicetos e protozoários invertebrados que habitam o solo e atuam na
decomposição da MO.
A quantidade e natureza dos componentes orgânicos do solo são
resultantes de vários fatores, como por exemplo: a origem dos resíduos
vegetais e animais, as propriedades do solo, o clima e o tipo de manejo, entre
outros.
Apesar de se encontrar em reduzida quantidade, a MO tem influência
em quase todas as propriedades do solo, atuando de maneira marcante no
crescimento dos vegetais. Sua presença caracteriza os solos de boa fertilidade,
aos quais proporciona uma estruturação favorável à vida das plantas. É,
praticamente, a principal fonte de nitrogênio para as plantas sendo, ainda,
fornecedora de elementos como o fósforo e o enxofre, bem como de vários
micronutrientes. Por isso, incrementa-se a quantidade de MO ao solo pela
prática de adições regulares de resíduos orgânicos para lhe conferir maior
produtividade agrícola.
Para sua nutrição, as plantas necessitam de 16 a 17 elementos,
geralmente referidos como macronutrientes e micronutrientes. Como
macronutrientes estão incluídos nitrogênio, fósforo, potássio, cálcio, magnésio
e enxofre. Como micronutrientesestão o ferro, o manganês, o cobre e o zinco.
Para o bom crescimento das plantas, o solo deve armazenar todos esses
nutrientes para que as plantas os absorvam através das raízes. Vale salientar
que a maioria dos nutrientes está associada a compostos orgânicos não
diretamente assimiláveis pelas plantas. Para que os nutrientes sejam
absorvidos pelas raízes das plantas é necessário que ocorra a mineralização,
ou seja, a quantidade de material orgânico que se transforma em mineral é que
governa a biodisponibilidade dos nutrientes nos fertilizantes orgânicos.
Atualmente, há um interesse crescente no uso de MO como fertilizante
ou corretivo de nutrientes do solo. Isso pode ser atribuído a vários fatores: (1)
interesse na redução do uso de fertilizantes químicos, (2) preocupação pública
com os efeitos poluentes potenciais de substâncias químicas no ambiente, e
(3) necessidade premente de conservação de energia.
Muitos fatores que influenciam o incidente patogênico dos organismos
no solo estão direta ou indiretamente influenciados pela MO. Por exemplo, uma
provisão abundante de MO pode favorecer o crescimento de organismos que
auxiliam as defesas contra parasitas. A MO tem duplo papel no solo: além de
servir de alimento a microrganismos, como fungos e bactérias, ainda ajuda no
controle biológico, pois muitos desses organismos são inimigos naturais de
pragas, como nematóides. Ou seja, a MO afeta as atividades da microflora e da
microfauna. Outros organismos, como as minhocas, são, também, fortemente
afetados pela quantidade de resíduos orgânicos provenientes das plantas. Um
fator que deve ser levado em conta quando se avalia a MO como fonte de
nutrientes é o histórico da semeadura do solo. A MO tem um efeito profundo na
estrutura de solos, pois evita sua deterioração nos processos de lavoura
intensiva. A escassez de MO faz com que os solos tendam a ficar
compactados, impedindo a permeação da água. A adição freqüente de MO
facilita a síntese de combinações orgânicas complexas que ligam partículas de
solo em unidades estruturais chamadas agregados moleculares. Esses
agregados moleculares ajudam a manter o solo solto, em condição granular,
facilitando a absorção da água pelas raízes e facilitando a provisão ininterrupta
de O2, pois permitem uma melhor troca de gases com a atmosfera. Assim, a
MO melhora a aeração, a retenção de umidade e a proteção do solo. Deve ser
enfatizado, contudo, que a importância de um determinado fator varia de um
solo para outro e depende das condições ambientais, como clima, agricultura e
do próprio manejo desse solo.
2.2 O Ciclo da Matéria Orgânica
Sendo a Terra um sistema dinâmico, em evolução, o movimento e a
estocagem de seus materiais afetam todos os processos físicos, químicos e
biológicos. A MO do solo rege vários processos pedogenéticos e interfere nos
processos geoquímicos e nas propriedades físico-químicas dos solos. Em
condições naturais há um equilíbrio entre o solo e a vegetação e os animais
que fornecem os resíduos orgânicos.
As plantas produzem matéria orgânica e são consumidas como alimento
pelos consumidores primários. Estes são alimento para os consumidores
secundários, e assim por diante na cadeia alimentar. Todos os seres vivos
produzem resíduos sólidos e/ou líquidos enquanto vivem. Os organismos
decompositores aproveitam a energia desses resíduos e dos seres que
morrem, graças à decomposição dos últimos, devolvendo para o ambiente os
minerais, a água e o gás carbônico que novas plantas irão utilizar para fabricar
mais matéria orgânica, ou seja, é um processo contínuo no qual a morte nutre
a vida.
A quantidade e natureza dos componentes orgânicos do solo estão na
dependência de vários fatores, como por exemplo: a natureza dos resíduos
vegetais e animais que os originam, as propriedades do solo, o clima e o tipo
de manejo, entre outros.
A MO pode processar-se em condições aeróbias ou anaeróbias. No
primeiro caso, tem-se como resultado um tipo de húmus que normalmente
ocorre na maioria dos solos, sendo sua composição conseqüência do clima da
região, das características do solo, da vegetação e atividade dos
microrganismos presentes. No segundo caso, quando a decomposição ocorre
em regiões encharcadas, a MO assume aspectos diferentes, originando um
material denominado turfa.
O equilíbrio de carbono (C) na Terra é função da interação que existe
entre os três reservatórios desse elemento: o oceano, com ≈ 39000 x 1015 g; a
atmosfera, com ≈ 750 x 1015 g, e o sistema terrestre, com ≈ 22000 x 1015 g.
Esses reservatórios estão em equilíbrio dinâmico, cada um interagindo e
trocando matéria e energia com o outro.
O aumento do efeito estufa e a diminuição da camada de ozônio têm
levado à reflexão sobre a quantidade, qualidade, distribuição e comportamento
do C nos diferentes ecossistemas e à avaliação do impacto sobre a mudança
potencial no clima global e sua contribuição no tocante à agricultura. Uma
importante conclusão desses estudos poderá ser a definição de procedimentos
que resultem no alívio dos efeitos nas mudanças climáticas globais, que têm
uma relação direta com a agricultura e, mais especificamente, com a matéria
orgânica presente no solo.
O balanço de C no ecossistema terrestre pode ser mudado,
marcantemente, pelo direcionamento do impacto das atividades humanas –
incluindo destruição das florestas, queimada de biomassa, mudança do uso e
manejo do solo e poluição do ambiente.
O aumento da concentração de CO2 atmosférico deve-se à queima de
combustíveis fósseis e, também, às práticas usadas na agricultura. Recentes
estudos sugerem que o seqüestro de C pelo solo é um possível meio de
aliviar o aumento de CO2 na atmosfera. No entanto, o que se tem observado é
que os tipos de manejos de solo utilizados até o momento têm promovido a
perda de C do solo para a atmosfera, colaborando, ainda mais, para o aumento
de CO2 naquele meio.
Tal quadro poderia ser revertido por meio de algumas alternativas, como
a abolição do uso de queimadas e o uso de fertilizantes verdes (plantio de
leguminosas, por exemplo) e orgânicos, como fontes de reposição de MO.
Além disso, poder-se-ia estar devolvendo ao solo parte do C que lhe foi tirado.
2.3 Importância da Matéria Orgânica no Solo
A MO do solo é a principal fonte de nitrogênio para as plantas, sendo,
ainda, fornecedora de elementos como o fósforo e o enxofre, bem como vários
micronutrientes.
Cientistas, há tempos, têm reconhecido a importância da MO, em
especial do húmus, como fator de controle das propriedades físicas e químicas
do solo. Propriedades como capacidade tamponante, sorção de compostos
orgânicos hidrofóbicos, estabilidade de agregados de partículas do solo e
capacidade de retenção de água dependem da quantidade de MO presente. A
permeabilidade de água em dois solos de idênticas composição mineral e
distribuição granulométrica é geralmente maior em solos com alta quantidade
de húmus.
Em climas tropicais e subtropicais, a MO é crucial para a produtividade
do solo e sua quantidade depende de quão intenso é o seu manejo. Nesses
tipos de clima a taxa de decomposição da MO é bastante elevada, cerca de
cinco vezes mais rápida quando comparada à de regiões temperadas.
A MO é, atualmente, vista como o fator mais importante no
desenvolvimento e manejo do solo, afetando sua qualidade e,
conseqüentemente, a sustentabilidade agrícola.
Ela é um indicativo da qualidade do solo, por ser provedora de
nutrientes, e proporcionar condições de mudanças estruturais no solo, além de
promover e sustentar a atividade biológica. No conceito de MO do solo deve-se
considerar o grau de humificação, os compostos biologicamente ativos, o teor
de material compostado, os restos de plantas, e os organismos vivos e mortos.
Este material é responsável pela sustentabilidade de muitos agrossistemas
porque torna o solo resiliente e elástico.
A MO do solo é, portanto, o componente-chave de qualquer ecossistema
terrestre, e qualquer variação na abundância e composição desta perfaz
importantes efeitos na dinâmica que ocorre entre os sistemas de
armazenamento de C. Na busca de melhores condições para o cultivo do solo,
a reposição da MO é um passo de extrema importância. Assim, várias técnicas
têm sido aplicadas com tal intuito.
A substituição das tradicionais queimadas por cultivos pelo corte tem
sido uma técnica bastante utilizada em muitas partes do mundo. Como
exemplo disto, podem-se citar as plantações no semi-árido Nordeste Brasileiro.
Quando das queimadas, a incorporação das cinzas concentra a quantidade de
Ca e Mg, mas reduz a quantidade de N em 70 % da quantidade inicial. As
cinzas são fortemente alcalinas com pH por volta de 10, causando, com isso,
aumento do pH do solo, além do aumento de cátions trocáveis e da saturação
de bases. Mas quando substituídas as queimadas por cortes, há mineralização
tanto das raízes, como das partes aéreas dos vegetais, ocasionando um
aumento da quantidade de MO após o cultivo e, com isso ocorre um aumento
de nutrientes, principalmente de N no solo. Muito da MO perdida durante o
manejo do solo tem sido reposta das mais variadas formas. O uso de resíduos
orgânicos como fertilizantes ou corretivos é uma alternativa atualmente
bastante usada, devido ao resultado proporcionado ao solo, e sua viabilidade
econômica. A importância de adições regulares de matéria orgânica para
aumentar a fertilidade do solo é reconhecida desde tempos pré-históricos.
2.4 O Húmus
O termo húmus data da era romana, quando era freqüentemente usado
para designar a terra como um todo. Esse termo foi mais tarde aplicado à
matéria orgânica de solos, materiais compostados e para as diferentes frações
que compõem a matéria orgânica.
Wallerius, em 1761, definiu húmus como sendo a MO decomposta.
Porém, o conhecimento que prevaleceu em relação à natureza química do
húmus e o mecanismo de sua formação eram muito vagos. Freqüentemente, o
húmus era considerado como um complexo formado no solo ou nos compostos
provenientes de resíduos de plantas, por um processo especial de humificação.
Theodore de Saussure (1767-1845) classificou o húmus como uma
substância heterogênea, constituída de vários complexos que poderiam ser
separados por inúmeros processos.
Thaer, em 1809, descobriu a relação entre as substâncias húmicas e a
nutrição de plantas. Ele também diferenciou “acid humus” ou turfa, formado
com quantidade limitada de oxigênio, e “mild humus”, formado na presença de
oxigênio em quantidade suficiente.
Liebig, no século XIX, definiu húmus como uma substância marrom,
solúvel em solução alcalina e pouco solúvel em água, formada durante a
decomposição de vegetais pela ação de ácidos ou bases.
Sprengel, em 1826 e 1837, realizou as primeiras descrições detalhadas
sobre o ácido húmico. Assim, ao ácido húmico pouco solúvel em álcali, ele
denominou de “carbono húmico”.
Berzelius, em 1839, descobriu os ácidos crênico e apocrênico, e Mulder,
em 1861 e 1862, sistematizou o material húmico segundo sua cor e sua
solubilidade em água e em soluções alcalinas.
Oden, em 1919 e 1922, sistematizou o material húmico propriamente
dito, em quatro grupos: carbono húmico, ácido húmico, ácido himatomelânico e
ácidos fúlvicos; estes últimos são considerados análogos aos ácidos crênico e
apocrênico de Berzelius.
Waksman, entre 1926 e 1933, definiu húmus como um agregado amorfo
de substâncias complexas, de coloração variando do marrom claro ao preto,
que se originam a partir da decomposição de resíduos de plantas e animais,
pela ação de microrganismos sob condições aeróbias e anaeróbias, tanto no
solo como em materiais compostados, turfas, e pântanos. Ele concluiu que as
substâncias de fácil decomposição (celulose, carboidratos e outros) têm um
papel insignificante na formação do húmus, com a fonte principal das
substâncias húmicas sendo, em primeiro lugar, a lignina dos tecidos vegetais e,
em segundo, as proteínas ressintetizadas na forma de plasma microbiano.
Quimicamente, o húmus consiste de materiais originários de plantas e
animais que passaram por um processo de decomposição, via hidrólise,
oxidação, redução e síntese por microrganismos. O húmus tem um importante
papel na formação de agregados do solo, no controle da acidez, no ciclo dos
elementos nutrientes, assim como na descontaminação de compostos
indesejáveis. O húmus compreende as biomoléculas, tais como aquelas
exemplificadas como substâncias não húmicas, e as substâncias húmicas
(SH), as quais serão tratadas com maior detalhe no item 2.6 deste capítulo. As
SH, grosso modo, são compostos de coloração escura, persistentes,
poliméricos e amorfos, diferenciados em ácidos fúlvicos, ácidos húmicos e
humina, com base em suas características de solubilidade.
2.5 A Importância do Húmus no Processo da Civiliza ção
Antigas civilizações geralmente tiveram lugar em regiões de vales e
planícies banhadas por grandes rios. Como exemplo, podem-se citar Egito, no
vale do rio Nilo, Mesopotâmia, entre os rios Tigre e Eufrates, Índia, às margens
dos rios Indo e Ganges, e China, nos vales dos rios Amarelo e Azul.
Sem a presunção de uma abordagem histórica, descreve-se aqui, apenas a
título de ilustração, a importância das substâncias húmicas na fertilidade do
solo e, conseqüentemente, no processo de civilização, citando o caso do vale
do Nilo como exemplo.
A colheita era para os antigos egípcios talvez a mais importante de todas
as atividades. Os egípcios não mediam o ano pela revolução do sol, mas sim
pelo tempo necessário para a produção de uma colheita. E a colheita sempre
dependia da inundação. O Nilo era considerado mais que um rio, era um deus,
o deus Hâpi. Durante a enchente, o Nilo cobria todo o vale e corria por entre
dois desertos, transformando cidades e aldeias em ilhas, e estradas em diques.
Quatro meses após a primeira manifestação da cheia, o Nilo começava a
decrescer, retornando ao seu leito normal. Esse período de quatro meses
formava a primeira estação do ano: a inundação.
Logo que o Nilo voltava ao seu leito, a terra se deixava facilmente
trabalhar. Assim que as águas retrocediam, os camponeses espalhavam-se
pelos campos e, sem dar à terra tempo de endurecer, semeavam e lavravam.
Depois disso, durante quatro ou cinco meses, só precisavam irrigar os campos.
Então, vinha o tempo da ceifa e, após a ceifa, recolhidos os cereais, a debulha
e os outros trabalhos. Havia, então, depois da estação da inundação, a estação
da emergência das terras, perit, seguida pela estação das colheitas, chemu. Os
antigos egípcios dividiam o ano em três estações em vez de quatro. Divisão
esta baseada na lavoura, baseada, por sua vez, na emergência das águas.
Em sua origem latina, a palavra húmus significa terra, solo, chão. Porém,
seus correlatos oferecem uma série de variáveis para se pensar o significado
que húmus possui no contexto da História do ser humano.
Relacionado à palavra homo - homem, significa aquele que vive na
Terra: terráqueo. Já humo significa materiais enterrados, depositados e, no
caso de seres humanos, sepultados.
Húmus está também na raiz da palavra úmido ou húmido, como é a
escrita em Portugal - que tem ou conserva água, que alaga, e na palavra
humilde: aquele que se encontra ao nível do chão, que come o pó, ou do pó.
Húmus, por outro lado, tem uma vinculação estreita com cultus, cultivo e culto.
O cultivo e o trato do solo, sua preparação para o plantio mas, em nível
simbólico, é também o culto: a sagração da terra, principalmente como lugar
onde homo – o homem, deposita o humo – restos mortais de seus
antepassados.
A assistência aos mortos, desde as eras mais remotas da história,
“denota uma atitude para com o espírito dos antepassados”. A terra (húmus) na
qual repousam os antepassados (humo) é considerada como o solo do qual
brota a cada ano, magicamente, o sustento alimentício da comunidade. Assim,
nas palavras de Bosi, “cultus é o sinal de que a sociedade que produziu seu
alimento já tem memória” e constrói cultura, no sentido “de uma consciência
grupal, operosa e operante que desentranha da vida presente, os planos para o
futuro”. A cultura possui uma dimensão de projeto. Projeto de vida, baseado em
valores antigos e em suas constantes atualizações no presente.
A busca do significado das palavras em suas origens, nos obriga a
refletir sobre o significado de nossas relações atuais com o solo, o chão.
Inicialmente, que perdemos nossa humildade diante da terra, a que fornece
alimento e onde sepultamos os antepassados; depois, que esquecemos a
dinâmica que nos mantém vivos: a matéria que repousa e se transforma pela
ação da umidade doa, pródiga, o que nos faz sobreviver e, acima de tudo, onde
o culto e o cultivo da terra podem gerar uma cultura, um projeto de vida que, ao
se sedimentar, transforma. O humo depositado transforma-se em húmus; o
húmus sustenta o homo; o homem pratica o culto, repõe o humo, reforça o
solo, lavra e louva a terra à qual pertence, de onde provém e para onde voltará.
O que se observa, porém, é que a retirada do humo – MO – nem sempre é
compensada pela sua reposição. Daí, a necessidade da incorporação de
resíduos orgânicos ao solo.
No conhecimento dos benefícios da utilização do húmus encontra-se,
pois, a expressão de um processo no qual natureza e cultura convergem para a
perpetuação das práticas que levam à manutenção da vida, sua expressão
através dos ciclos naturais de nascimento, crescimento e morte, bem como do
trabalho humano que, ao se apropriar dos métodos de fazer o solo gerar,
mantém a natureza e cultura em estreito e significante convívio.
2.6 Substâncias Húmicas
2.6.1 Conceito e Modelos
A matéria orgânica de solos, bem como de águas naturais, sedimentos,
turfas e produtos de compostagem, incluindo o vermicomposto, é constituída
basicamente de substâncias húmicas e substâncias não húmicas.
As substâncias não húmicas (proteínas, aminoácidos, carboidratos,
ácidos orgânicos, entre outras) pertencem a grupos bem conhecidos e
possuem características físicas e químicas bem definidas. Geralmente
correspondem aos compostos mais facilmente degradados por
microrganismos, tendo, normalmente, tempo mais curto de vida no ambiente.
As substâncias húmicas, por sua vez, são macromoléculas ou estruturas
supramoleculares, com massa molecular e estrutura variáveis. São produtos de
degradação química e microbiológica de resíduos de animais e plantas. A
Figura 2.1 apresenta esquematicamente a distribuição da matéria orgânica no
ambiente.
Solo
Matéria inorgânica Matéria orgânica
Materiais quimicamenteHúmus
Substâncias não húmicas Substâncias húmicas
Ácidos fúlvicosÁcidos húmicos Humina
Ambiente
inalterados
Figura 2.1 - Distribuição ambiental da matéria orgânica do solo.
As SH são constituídas de uma mistura heterogênea de compostos, em
que cada fração (ácidos húmicos, ácidos fúlvicos e humina) deve ser
considerada como sendo constítuída de uma série de moléculas de tamanhos
diferentes. A maioria delas não possui a mesma conFiguração estrutural ou
grupos reativos na mesma posição. Os ácidos húmicos (AH) constituem a
fração das SH solúvel em meio alcalino, que precipita após acidificação. Os
ácidos fúlvicos (AF) permanecem em solução quando o meio é acidificado e a
humina é a fração insolúvel tanto em ácido quanto em álcali diluídos. Dos AH,
fração mais abundante das SH, pode ser extraído o ácido himatomelânico, que
é a parte dos AH solúvel em álcool.
A divisão das SH em AH, AF e humina é uma classificação operacional
que leva em conta apenas o aspecto de solubilidade em solução aquosa e não
as propriedades inerentes a essas substâncias.
As SH são definidas na literatura de maneiras bem diversas, em função
de suas múltiplas características e de sua natureza heterogênea e bem
complexa. Assim, enquanto algumas definições colocam em evidência a
natureza polimérica das SH, outras utilizam sua coloração escura como
característica, embora a coloração escura não seja, necessariamente, uma
característica do húmus. Outras definições colocam em evidência aspectos de
natureza química, como predominância de estruturas aromáticas, grupos
nitrogenados ou caráter ácido. Essa variedade de definições é conseqüência
da natureza complexa das SH e principalmente devido ao fato destas
substâncias não constituírem uma classe definida de compostos, mas um
grupo dinâmico de compostos heterogêneos que mudam constantemente com
o tempo e conjuntura ambiental. Pode-se, também, atribuir essa variedade de
definições ao fato de que as SH são estudadas por pesquisadores com
formações diversas como: químicos, físicos, biólogos, geólogos, agrônomos,
geógrafos, arquitetos etc. Naturalmente, esses pesquisadores interessam-se
por diferentes aspectos de seu objeto de estudo - as SH.
Em síntese, pode-se conceituar SH como aquela parte da MO ou,
particularmente, do húmus que, após várias transformações, permanece no
ambiente, consistindo de uma mistura heterogênea, polifuncional, sem
características químicas e físicas definidas e em diferentes graus de
polidispersão.
A variedade de materiais de origem e o grande número de caminhos
reacionais possíveis para a formação do húmus são a razão para as
dificuldades na sugestão de uma estrutura precisa para os AH e AF. As SH
variam em composição, dependendo da sua origem, do método de extração e
de outros parâmetros. Entretanto, as similaridades entre diversas SH são mais
pronunciadas que suas diferenças. São essas semelhanças que permitem a
classificação das SH em categorias com base em sua solubilidade em meio
aquoso: AH, AF e humina.
As SH são onipresentes no ambiente, sendo encontradas em solos,
sedimentos e nos sistemas aquáticos.
1 Substâncias Húmicas - Considerações Iniciais
A matéria orgânica existente em solos, turfas, sedimentos e águas
naturais é um sistema complexo, constituído por de várias substâncias de
diversas naturezas em contínua transformação, sob a ação de fatores físicos,
químicos e biológicos.
O ataque inicial aos materiais orgânicos é promovido por
formigas, cupins, oligoquetas e outros representantes da mesofauna. Em
seguida, ocorrem transformações promovidas por diversos microrganismos. A
fase inicial da biodegradação microbiana é caracterizada pela perda rápida dos
compostos orgânicos menos recalcitrantes, como açúcares, aminoácidos,
proteínas, amido e celulose, nos quais as bactérias são especialmente ativas.
Na fase subseqüente, produtos orgânicos intermediários e protoplasma
microbiano recentemente formado são biodegradados por uma variedade maior
de microrganismos com produção de nova biomassa e liberação de gás
carbônico. O estágio final é caracterizado pela decomposição gradual de
compostos mais resistentes, exercida pela atividade de actinomicetos e fungos
(Stevenson, 1994 ).
O material originado de todas essas transformações pode ser
dividido em dois grandes grupos. O primeiro, denominado genericamente de
substâncias não húmicas , é constituído por proteínas, aminoácidos,
polissacarídeos, ácidos graxos e outras substâncias químicas. O segundo,
denominado de substâncias húmicas (SH) , origina-se da oxidação e
subseqüente polimerização da matéria orgânica. Esse último grupo apresenta-
se como uma mistura heterogênea de moléculas polidispersas com elevadas
massas moleculares e grupos funcionais distintos, sendo responsáveis por
vários processos naturais (Stevenson, 1994 ).
Com base nas suas solubilidades em meio aquoso, as SH são
usualmente classificadas em:
• ácidos fúlvicos (AF) : fração solúvel em meios alcalino e ácido;
• ácidos húmicos (AH) : fração solúvel em meio alcalino e insolúvel em meio
ácido;
• humina : fração insolúvel em qualquer intervalo de pH.
Dos ácidos húmicos, pode ser extraído o ácido himatomelânico,
que é a fração solúvel em álcool (Rezende, 1999 ).
Embora as propriedades fertilizantes das SH sejam conhecidas
desde os antigos egípcios, seu estudo iniciou-se no fim do século XVIII, com o
trabalho pioneiro de Achard, em 1786. Achard dissolveu turfas em solventes
alcalinos, obtendo uma solução escura que precipitava por ação de ácidos. Ao
material solúvel em álcali e insolúvel em meio ácido, foram dados diversos
nomes, até chegar a ácido húmico, utlizado atualmente (Stevenson, 1985 ). A
Saussure é creditada a introdução do termo “húmus”, em 1804, para designar o
componente escuro da matéria orgânica do solo, e a Döbereiner, em 1822, o
termo “ácido húmus”. Já a origem do termo “ácido húmico” não é precisa, mas
já era comum no tempo de Berzelius (1839).
As SH desempenham um papel importante no meio ambiente por
diversas razões. Nos solos e sedimentos, por exemplo, elas contribuem para a
retenção de calor (devido à sua coloração escura), estimulando dessa maneira
a germinação de sementes e o desenvolvimento de raízes. Além disso, as SH
favorecem a aeração do solo, devido aos agregados oriundos de suas
combinações com argilas, e atuam contra a erosão, pois evitam o escoamento
devido à sua alta capacidade de retenção de água. Em ambientes aquáticos,
as SH governam a produtividade primária, estimulando o crescimento do
fitoplâncton, além de participarem de reações fotoquímicas em águas
superficiais.
A presença de grupos funcionais distintos, tais como carboxilas,
hidroxilas fenólicas e carbonilas, faz com que as SH assumam um
comportamento polieletrolítico e atuem como agentes complexantes de vários
íons metálicos (Rocha e Rosa, 2003 ), além de adsorverem diversos poluentes
orgânicos, como pesticidas (Messias, 1998 ), diminuindo as concentrações
desses materiais no ambiente.
2 Origem e Formação das Substâncias Húmicas
Existem pelo menos quatro vias principais (figura 1 ) pelas quais
as SH podem ser formadas durante a decomposição da matéria orgânica
(Stevenson, 1994 ).
FIGURA 1 - Mecanismos de formação das substâncias húmicas (adaptado de
Stevenson, 1994 ).
A teoria de formação de SH a partir de açúcares (teoria da
condensação amino-açúcar – via 1 da figura 1 ) é, talvez, a mais antiga.
Maillard, em 1916, acreditava que as SH eram produtos da reação
exclusivamente química entre açúcares redutores e aminoácidos (estes sim
originados da atividade microbiana). Esse autor, inclusive, sintetizava
compostos de coloração escura “semelhantes às substâncias húmicas”. Surge,
então, o conceito de humificação, que considera que a formação das SH deve-
se à decomposição microbiológica da matéria orgânica.
Em 1921, Fischer e Schrader postularam uma nova teoria na qual
se preconizava que as SH seriam essencialmente ligninas parcialmente
modificadas (via 4 da figura 1 ). A lignina (figura 2 ) é um biopolímero de
estrutura complexa, formado pela combinação de unidades fenilpropanóides
(álcoois coniferílico, cumárico e sinapílico) com outras subunidades, tais como
éter guaiacilglicerol-β-coniferílico, álcool diidroconiferílico, pinorresinol e
dibenzodioxocina.
De acordo com Stevenson (1994) , as vias 2 e 3 da figura 1
formam as bases da chamada teoria dos polifenóis. Essas duas vias são muito
semelhantes, diferindo apenas na fonte de polifenóis. Na via 2, os polifenóis
originam-se de fontes de carbono não lignínicas ou são sintetizados por
microrganismos específicos. Na via 3, a fonte de polifenóis é a lignina. Os
aldeídos e ácidos fenólicos, originados a partir da degradação parcial do
biopolímero, podem sofrer recombinações entre si ou com outras moléculas
orgânicas convertendo-se em quinonas. Essas quinonas poderiam sofrer
reações de condensação com a amônia e outros compostos nitrogenados,
como aminoácidos e proteínas, originando, dessa forma, as substâncias
húmicas.
OH
OCH3
O
HO
O
H3CO
O
HO
HO
OCH3
O
O
OCH3
O
OHHO
O
OCH3
OO
OH
H3CO
O
HO
O
O
OH
OH
OCH3
OCH3
O
OCH3
HO
HO
H3CO
O
O
OCH3
O
HO
HO
O
O
H3CO
OH
FIGURA 2 - Estrutura parcial de uma lignina, evidenciando algumas das
principais subunidades: éter guaiacilglicerol-β-coniferílico (em vermelho), álcool
diidroconiferílico (em azul), dibenzodioxocina (em verde) e álcool coniferílico
(em rosa) (adaptado de Giovanela, 2003 ).
3 Estrutura Molecular das Substâncias Húmicas
O esqueleto macromolecular das substâncias húmicas tem sido,
ao longo dos anos, objeto de inúmeras investigações.
Na busca de uma estrutura para essas substâncias, várias
técnicas analíticas foram e têm sido extensamente utilizadas, dentre as quais
destacam-se a análise elementar, as espectroscopias nas regiões do
infravermelho e ultravioleta-visível, a ressonância magnética nuclear de
hidrogênio e de carbono 13, a pirólise acoplada à cromatografia gasosa e à
espectrometria de massas, a cromatografia de exclusão por tamanho, a
eletroforese capilar e o espalhamento de luz, entre muitas outras.
No final do século XIX já se compreendiam as substâncias
húmicas como uma mistura complexa de substâncias orgânicas com natureza
principalmente coloidal e com propriedades fracamente ácidas. Também, já
havia informações a respeito da sua interação com outros componentes do
solo.
Uma estrutura das substâncias húmicas muito popular foi
proposta por Fuchs em 1931 (figura 3 ). Em 1948, Dragunov propôs que as
substâncias húmicas eram constituídas de anéis aromáticos substituídos por
grupos hidroxilas e quinonas, sendo os anéis aromáticos ligados por grupos –
CH2O– e –CN. Carboidratos e peptídeos estariam ligados aos C que uniam os
anéis aromáticos e a grupos CH2 ligados diretamente aos anéis (figura 4 ). O
modelo de Flaig de 1964 (figura 5 ) continha anéis aromáticos e quinonas
substituídas por grupos hidroxilas, carboxilas e metoxilas.
O
O O
OCH3
H
OH
OH
HO
HO OH
COOHCOOH
HO
COOH
COOHHOOC
FIGURA 3 - Modelo de ácido húmico proposto por Fuchs, em 1931 (adaptado
de Stevenson, 1985 ).
H2C OO
O
HO CH2
COOH
H3CO
HC
O
C6H11O5
H2C
N
O
H2C
N
O
HC
OH
H2C
HO
CH2
OCHN C8H16O3N
H2C OO O
O
OH
FIGURA 4 - Modelo de ácido húmico proposto por Dragunov, em 1948
(adaptado de Stevenson, 1985 ).
C3HN
COOH
COOH
OH
OH
OH
H2C
O
Ar
HO
HO
OH
HO
O
O
O
O
OCH3
CH2
O
Ar
HO
OH
HO
OH O
OH
O
FIGURA 5 - Modelo de ácido húmico proposto por Flaig, em 1964 (adaptado de
Stevenson, 1985 ).
No modelo proposto por Kleinhempel em 1970 (figura 6 ), os
núcleos aromáticos seriam conectados por átomos de O, N e outras “pontes”,
enquanto polissacarídeos e peptídeos estariam presentes como estruturas
lineares. Nesse modelo mostrou-se o papel de cátions polivalentes, como Fe2+,
na associação entre substâncias húmicas e a porção mineral do solo. O
modelo proposto por Stevenson em 1982 (figura 7 ) mostra a presença de
ligações de hidrogênio e de estruturas do tipo quinona e indica a ocorrência de
resíduos de carboidratos e proteínas.
FIGURA 6 - Modelo de ácido húmico e de associação de ácido húmico com
argila e íons metálicos proposto por Kleinhempel, em 1970 (adaptado de
Novotny, 2002 ).
COOH
HO
OH
COOH
O
OH
HO
N
CHR
COOH
O
O OH
CH
HC
O
C
HC
HC
O
O
O
N
H2C
O
O
OH
O
OH
COOH
COOH
O OH
O
O
NH
CHR
C O
NH
FIGURA 7 - Modelo de ácido húmico proposto por Stevenson, em 1982
(adaptado de Stevenson, 1985 ).
Até meados da década de 90, a maioria dos pesquisadores
acreditava que as SH eram constituídas essencialmente de centros aromáticos
policondensados com alto grau de substituição. Contudo, graças
principalmente aos dados obtidos por espectroscopia de ressonância
magnética nuclear de carbono-13 (13C-NMR), verificou-se que o grau de
aromaticidade seria muito menor do que o esperado.
No início da década de 90, Schulten et al. (1991) apresentaram
um esqueleto carbônico de ácidos húmicos baseado em experimentos de
pirólise acoplada a um espectrômetro de massas com ionização branda (Py-
FIMS) e a um sistema de cromatografia gasosa e espectrometria de massas
com bombardeamento de elétrons (Py-GC/MS), a partir dos quais foram
identificados e quantificados os produtos térmicos. Dois anos depois, eles
apresentaram um modelo completo (com as funções oxigenadas e
nitrogenadas) dos AH (Schulten e Schnitzer, 1993; Schulten e Schnitzer,
1997). Esse modelo apresentou uma nova concepção de modelo estrutural
para AH, ao enfocar um número significativo de porções alifáticas (figura 8 ).
OH
OHO
O
HO O
N
O
OH
O
O
OHO
OH
OHOH
O
OH
O
O
OH
OCH3
O
OH
O
OH
OO
OH
OH
OHO
HO
OHO HO OOH
O
OH
O
OOHO
O
OH
O OH
OHO
OH
OH
O
O OH
HO
O
C N
OH
O
OHOHO
OH
O
HO
OH
O
OHO
O
O
O
OH
O
HO
OHOHO
O
OH
NH
O
OH
O
OH
(CH3)0-5
CH2OH
(CH3)0-5
(CH3)0-2
(CH3)0-3
HO
(CH3)0-2
(CH3)0-2
C N
(CH3)0-3(CH3)0-4
(CH3)0-4
(CH3)0-2
HO
HO
NH
HO
FIGURA 8 - Modelo de ácido húmico proposto por Schulten e Schnitzer
(1993).
Em 1995, esses mesmos pesquisadores apresentaram a estrutura
tridimensional (figura 9 ) do modelo que haviam proposto em 1993 (Schulten,
1995; Schulten e Schnitzer, 1995 ). Eles puderam constatar que o modelo em
questão, otimizado através de cálculos matemáticos, apresentava uma série de
espaços vazios de diferentes tamanhos. Esses espaços poderiam alojar outros
compostos orgânicos, hidrofílicos ou hidrofóbicos, tais como carboidratos,
lipídios, pesticidas e outros poluentes. Poderiam, também, estar presentes
compostos inorgânicos como argilas e oxi-hidróxidos.
FIGURA 9 - Modelo tridimensional de ácido húmico proposto por Schulten e
Schnitzer (1997) , evidenciando os átomos de carbono (em azul), hidrogênio
(em branco), oxigênio (em vermelho) e nitrogênio (em azul escuro); as letras A,
B e C indicam os espaços vazios presentes na estrutura.
Pouco se tem estudado sobre as estruturas primárias e
secundárias dos chamados “building blocks (BB)”, que seriam monômeros bem
definidos resultantes da biodegradação dos AH (Jansen et al., 1996). A figura
10 mostra dois modelos de BB – modelo de Steelink e modelo TNB (Temple -
Northeastern - Birmingham) – ambos com diversos centros quirais (Sein Jr. et
al., 1999). ;A partir desses modelos foram obtidas diversas conformações
isoméricas. Utilizando-se cálculos semi-empíricos e o programa computacional
HyperChem®, foram determinados os valores de energia dos 64 pares de
enantiômeros. A figura 11 mostra o estereoisômero do modelo de Steelink com
mais baixa energia. Essa configuração (RSSRSSR ou SRRSRRS) é cerca de 2
a 4 kcal mol-1 mais estável que as espécies de menor energia subseqüentes.
Esse isômero é estabilizado por forças de Van der Waals entre 2 anéis
empilhados.
FIGURA 10 - Estrutura molecular dos modelos de Steelink (a) e TNB (b) para
os monômeros de AH, destacando (com círculos) os centros quirais (adaptado
de Sein Jr. et al., 1999).
FIGURA 11 - Modelo de Steelink de monômero de AH com mais baixa energia.
Os átomos de carbono estão representados em cinza claro, e os de oxigênio
em preto (os átomos de hidrogênio não estão representados) (adaptado de
Sein Jr. et al., 1999).
Devido à enorme heterogeneidade química e polidispersão dos
AH, o conhecimento de suas estruturas químicas e dos valores absolutos de
massa molecular desses compostos pode ser inadequado. Assim, dados da
literatura sugerem que os valores de massa molecular dos AH podem variar de
500 a 106 daltons (Stevenson, 1994 ). Esse grande intervalo pode ser
explicado, além das diferentes origens dos AH, pelas diversas técnicas
utilizadas para medir essas massas e a falta de um padrão de composição e
massa molecular conhecidas.
O conceito de polidispersão e heterogeneidade das SH pode ser
explicado pela polimerização, através de ligações covalentes, de estruturas
monoméricas, em processos de condensação e oxidação. Essa descrição de
estrutura macromolecular das SH foi inicialmente criticada por Wershaw. Ele
propôs que as SH em solução formam agregados de moléculas anfifílicas
(Wershaw, 1993 ). Esses agregados seriam unidos, não por ligações
covalentes, mas sim por ligações mais fracas, como ligações de hidrogênio e
interações hidrofóbicas. Os AH formariam, então, micelas, nas quais a parte
interna seria composta por porções hidrofóbicas e a superfície por
componentes altamente carregados.
O maior defensor dessa nova interpretação da estrutura das SH
foi Piccolo. Por meio de experimentos de cromatografia de exclusão por
tamanho (SEC) e utilizando ácido acético, cujas propriedades anfifílicas
tornam-no apto a interagir com as partes hidrofílicas e hidrofóbicas das SH, ele
concluiu que as SH seriam formadas por moléculas relativamente pequenas
ligadas por ligações de hidrogênio e forças de Van der Waals. Ou seja, as SH
teriam uma estrutura denominada supramolecular (Conte e Piccolo, 1999;
Piccolo e Conte, 2000; Piccolo, 2001 ).
De acordo com esse modelo, os ácidos fúlvicos seriam formados
por pequenas micelas estáveis que permaneceriam dispersas pela repulsão
das cargas negativas originadas da dissociação da grande quantidade de
grupos ácidos presentes na sua estrutura. As micelas de ácidos húmicos, por
outro lado, por apresentarem uma menor quantidade de grupos funcionais
ácidos, poderiam aproximar-se o suficiente para formar agregados de elevada
massa molecular (Hayes e Clapp, 2001; Wershaw, 1993 ).
2.6.3 A Importância Ambiental das Substâncias Húmi cas
As SH desempenham um papel importante no ambiente devido a várias
características. Uma delas é ajudar na germinação de sementes, pois, graças à
coloração tipicamente escura que possuem, aumentam a retenção de calor
pelo solo. Devido à alta capacidade de retenção de água, até vinte vezes a sua
massa, as SH evitam o escoamento, protegendo, assim, o solo contra a
erosão. Ao combinarem-se com argilas, cimentam partículas do solo em
agregados e permitem a troca de gases, aumentando a permeabilidade do
mesmo. A decomposição da MO produz NH4+, NO3
-, H2PO4- e HPO4
2- que são
nutrientes importantes para o crescimento das plantas. A MO também participa
do transporte e conseqüente lixiviação e/ou acumulação de íons metálicos
presentes em solos e águas, formando quelatos de diferentes estabilidades,
tornando-os disponíveis para as plantas.
O crescimento de plantas é governado, principalmente, pela nutrição
mineral, suprimento de água e ar às raízes, conteúdo de MO, bem como pelas
condições ambientais tais como iluminação e temperatura.
A MO pode afetar a fertilidade do solo através de vários mecanismos: (i)
suprimento de minerais, principalmente nitrogênio, fósforo, potássio e
micronutrientes para as raízes; (ii) alteração da estrutura do solo, tornando-o
mais poroso, melhorando, conseqüentemente, a relação água-ar na rizosfera;
(iii) aumento na população microbiana, incluindo microrganismos benéficos; (iv)
aumento da capacidade de troca catiônica e da capacidade tamponante do
solo e (v) suprimento de SH que servem como carregadores de micronutrientes
ou fatores de crescimento.
Nas regiões tropicais úmidas, a tendência à perda de bases é mais
pronunciada e as cargas negativas do complexo coloidal, inicialmente livres,
passam a ser saturadas por H3O+ da solução lixiviadora. De um modo geral, os
solos brasileiros são ácidos. No estado de São Paulo, a maior parte dos solos
cultiváveis, 87 %, apresenta pH < 6,0, sendo que pouco menos que a metade,
47 %, tem problemas sérios com acidez, com o comprometimento da
fertilidade. De modo geral, um solo com pH em torno de 6,5 é o mais adequado
para todos os tipos de cultura. Considerando-se como exemplo a
disponibilidade de elementos essenciais às plantas, à medida em que o pH de
um solo se eleva, os íons alumínio, ferro, manganês, cobre e zinco tornam-se
menos solúveis. Em solos ácidos esses íons podem ser encontrados em
quantidades potencialmente tóxicas às plantas. Neutralizando-se o solo,
promove-se a formação de óxidos e hidróxidos inertes, minimizando-se a
toxicidade desses íons metálicos. No entanto, aumentando-se muito o pH do
solo, a solubilidade desses íons pode diminuir a ponto de comprometer o
crescimento das plantas devido à deficiência de nutrientes.
Devido à umidade e ao calor, a atividade microbiana é mais intensa em
solos tropicais e subtropicais. Essa característica, aliada a valores menores de
pH, confere às SH aí presentes propriedades fertilizantes e capacidade de
interação com cátions metálicos e com pesticidas diversas daquelas
observadas em solos temperados.
Estudos dos efeitos das SH no crescimento das plantas, sob condições
de nutrição mineral adequada, mostraram efeitos positivos na biomassa
vegetal. O estímulo ao crescimento das raízes é, geralmente, mais aparente
que o estímulo ao crescimento de brotos. A pulverização das folhas também
pode aumentar o crescimento de raízes e brotos. Esses efeitos estimulantes
das SH têm sido correlacionados com o aumento na absorção de
macronutrientes. As SH podem complexar cátions de metais de transição, o
que algumas vezes resulta em aumento da absorção e, em outras, em
competição com as raízes. Efeitos tóxicos nas plantas são reduzidos devido ao
efeito da interação desses íons com componentes insolúveis do solo. Por outro
lado, a solubilização dos nutrientes presentes em formas inorgânicas poderia
ser o principal fator na promoção do crescimento de plantas pelas SH. A
mesma situação poderia ser aplicada a soluções nutrientes nas quais a
solubilidade da maioria dos nutrientes é limitada. A presença de SH no solo ou
na solução nutriente poderia contribuir para o aumento da disponibilidade dos
elementos, estimulando o crescimento além daquele proporcionado pelos
nutrientes minerais.