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8/18/2019 Nettlau. História Da Anarquia
1/105
Hls r( ')mA D A ANARQU IA
-D A S OIUGENS A0
ANABCO-COMUNISMO
Uma grande rev0lu(;F10
6
(~0n10
0
rio da
-
8/18/2019 Nettlau. História Da Anarquia
2/105
Auto:
_
.\l,\x \ l < 1 ' l I ‘ I ‘ . v \ l ‘
Titulo
_
lhs'r
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3/105
Copyright
_
'I‘raduc;5o© _
Agradecimentos _
Dados
_
Enderego _
Telefone/Fax
_
E-—mai1
_
Site
_.
Hvdra
2008
Plinio
Augusto Coélho
Fraxlk
.\Iint'/.,
por
ter gentilmente
-
8/18/2019 Nettlau. História Da Anarquia
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M ax
Heinrich Hermann
Reinhardt Nettlau
(Neuwaldegg,
/\ust1'i11,
1865—/hnsterdfi,
1944)
é
considerado 0 prirneiro
e talvez
0 maior historiador do
1111arqu1s1no.
P 1 e u 1 1 i 1 1
urna enorme
q u 1 1 1 1 t 1 d 1 1 d e de
m11teri111s
iinpressos
durante toda
a su a
existéncia,
entre j0rn111s,
1 1 1 1 1 1 1 1 1 e s l 0 s ,
follivtos e car tazes , que deram origem
11 0
1 ‘ e 1 1 0 1 1 1 a 1 l o
Institute Interiiaciolial de Histéria Social, de
1 \ 1 1 1 s 1 . e r 1 l 1 i
( 1 1 5 1 1 ) .
1 9 1 1 1 1 0
do un 1 jardineiro da
corte,
estuda
celta
0
galés 1 1 1 1
1 1 1 1 i v e r s i 1 l 1 1 1 1 e
de Vimia, periodo
em
que se interessa por
1 1 1 0 v i1 1 1 1 > . 1 1 1 0 s s 1 1 c i 1 1 1 s
e
1 0 r 1 1 1 1 - s o 1 1 ' 1 c 1 1 1 b 1 ‘ 0 da
liiga
lnglesa
Socialism (1885-1890). E 1 1 1
I ,o11dres, trava
amizade com
K1'0p0Lk111 0 1 \ ' l 1 1 l 1 1 t e s t 1 1 , com quem
mantém corresporldéncia
peln resto
do
1 1 1 1
vida.
A
partir
dc
1892, gragas
a
ulna
heranga
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 0 , decide clodi r rar-so
inLegr1111ne11te
5 1
llistéria do
"
anz1rq11is1110,
0 p a r t / 1 1 ‘ 1 . 1 l 1 1 1 ' 1 1 1 1 e 1 1 t e
£ 1 ligilra
de Mikhail
Bakunin,
E
“ passa 2 1
v 1 1 1 j 1 1 r pela
1 1 1 1 1 1 0 1 1 1 1 1 1
prormra
do
pessoas
que o
c 0 1 1 1 1 e 1 : 1 v 1 1 1 1 1 1 . Ucsso ' l . 1 ' 1 1 b 1 1 1 1 1 0 r 0 s u 1 1 ; a 1 1 1
uma
biografia
em
5
v0lu111vs (1896-1900) (1
Ii1'/1/i0,1,r/ a;1/lie de Z ’ a 1 1 a r c h . L ' e
(Bruxelas,
1987 ) .
C 0 1 1 1 0
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 0 1 1 1 1 Guer1‘11
e suas
economias
a r m s 1 1 1 l 1 1 s pulos
elbitos
da
1 1 1 l ‘ 1 1 1 1 _ , , 1 1 7 1 0 1 1 l e 1 1 1 1 1 ,
passa
a viver entfio em
1 1 1 1 5 0 1 1 1 1 1 1 p r 1 * c 1 1 1 ' i e 1 l 1 1 < l 1 1 , 0 1 : 1 1 1 1955 so vé 0 1 : > 1 1 g a d 0
a
\-'e11der se u
11c1:rv0. Em
1938 .
( l 1 1 r 1 1 1 1 1 1 ~
1 1
1 1 1 1 r = x 1 1 g ; 5 0 da Austria pcla Aemanha.
decide so 1 \ s t 11 1 1 1 : l1 > 1 ~ 1 * r 1 1 1 - 1 '1 1 1 1 t iv 1 1 1 1 1 1 = 1 1 1 0 1 1 1 1
llolanda.
Com
a
1 1 1 v 1 1 s 1 1 0 1 1 1 1 2 1 5 1 1 1 ,
p 1 ' 1 1 s 1 1 1 1 1 ~ i 1 1 1 1
1 1 1 ' 1 1 p 11 1 ; 1 i0 1 1 0
lnstituto
e
0 0 0 1 1 1 1 5 0 0
d1‘
1 1 1 1
1 ' 0 l1 * g 1 1 0 . l 1 1 1 '1 * 1 iz 1 1 ‘ 1 01 1 1 1 - ,
1 1 1 1 0
vive
para
ver
a
rcabertura
do
1 . 1 c 0 1 ' v 0 . 1 1 1 1 1 ‘ 1 : 1 - 1 1 1 1 1
2'5 1 1 1 *
julho 11 0 1944, vitima de um c 5 1 1 1 0 e r .
l’lisl1')ria (la anaarquia
10 1
1 1 5 1 1 1 1 1 1 1 origi11al111c111.e 0 1 1 1
alemiio.
p L 1 1 1 l1 1 1 11 l 1 1 0 1 1 1 1 1 5 $ v 0 l 1 1 1 1 1 0 s 1 > 1 1 l . r 1 ~ 1925 P 1951, e
c01np1eta111e11te
r1-vista
pvlo 11ut0r para
1 1
1 2 1 1 1 9 5 1 1 1 : s p 1 1 n 1 1 0 l 1 1 , La / l l11zr( /uia a
traziés
dc /a s
1 i v n 1 ; ) 1 1 . 1
( 1 § 1 1 1 ' c 1 - 1 0 1 1 1 1 ,
195-3). /\
p r e s e 1 ‘ 1 1 . e
1 2 1 1 1 9 5 0 , em dois
v0lu1111-s, soguv
1 1 v1-rsfio
1 r 1 1 1 1 < ‘ c s 1 1 ,
r o s t a 1 1 c | 1 * < r ' 1 1 1 a
e
a1npl iad11
por
1 < ‘ 1 1 1 1 1 k
M 1 1 1 1 : / , . (ll ,1liLi011s 1 . 1 1 1 l ’ l § 1 1 1 i ' 1 > r s i 1 . 1 ' \ 1 :1 de 1’li11se1g11en1e111
X l 0 1 l 1 * r 1 1 1 v , 1983 ) . l \ ' 1 v s 1 . 1 1 pri1110ir0 v 1 > l 1 1 1 ' 1 1 e ,
Nettlall
leva1'1ta
0s
1 1 s p 1 * 1 ' t 0 s
1 1 1 1 1 . i z ~ s L 1 \ t i s t 1 1 s 1 : 1 1 1
1 l n u 1 1 'i 1 1 1 1 s a 1 1 1 . 1 > 1 ' i0 r e s
ao 1111arq11is1n0.
1 1 p 1 0 s u 1 1 1 1 1
1 1 1 1 1
l011g0 p 1 1 1 1 0 1 ' 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 s 1 1 1 6 1 1 1 5 1 l01n0 \ '11nen t0 1 1 0 $ E L ' 1 \
0 1 7 1 1 1 p 1 1 1 s e s < > 1 1 1 0 p < * 1 1 s , 1 . - ( > 1 1 1 S P g l | 1 ( l é 1 trata da s idéias de Pl‘()LlCll10l1
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 . P 0 1
1 1 1 1 1 ,
1 - 5 1 - r 0 \ ' 1 ~ 1 1
h 1 s 1 1 ' > r 1 1 1 clas principais ass0c1a§60s
1 i 1 1 1 > 1 ' 1 1 ' 1 1 ' 1 1 1 s 1 - 0
1 1 1 - 1 1 1 1 1 1 ‘
1 - 1 1 1 1 1 ~ 1 - 1 1 1 s 1 2
1 1
1\ss01:1ag50 Internaciorlal dos
' l ‘1 1 11 1 1 1 1 1 1 1 1 1 l 0 r1 ~ s . 1 1 0
1 1 1 1 1 11 0
s 1 ' \ 1 ‘ 1 1 l 0
XIX.
Frank Mintz , professor e
historiador,
é
especialista em 111st('1ria
da
l \e v 0 l 1 1 g 1 1 0
espai ihola e em
autogestio.
Mer nb ro (la reclagio
da
rcvista 7'en1;1s
/Waud i zs , publicada
pela CN T (Franga),
traduziu e
0 r g 1 1 1 1 1 ' / , 0 u
i111'11neras
coleténeas de
autores
como Malatcsta,
K1 0p0t11i1'1, Nlax
Nettlau,
Bakunin, entre outros. autor
de
vérias
ohms,
dentre as quais Lhutogestion
dzms
l ’Espagrze
ré1111/11/imzllai/ e
(Bélibaste,
19 7 0 )
e
Aut0 ,ges£ ior1 er
anm1 ‘ / 10 .sym l i 1 :al isme : / 1 rzalyse et
critique sur
l ’E.1pagr1e de 1 9
3:
z i
1990 ( l i l 1 1 i L ' 1 < 1 1 1 s ( INT , 19 9 9 ) . F01 responsével pela orgar1iz11§50 da s
vcrsfies
1 1 1 1 1 1 0 1 , - s 1 1 s
dcsta
obra, publicadas em 1971 e
1985,
que
1 1 s s i 1 1 0 u
0 0 1 1 1
0 ps1*uc1611i1no de
1 \ / 1 2 1 1 1 1 1 1 Zernliak.
Plinio
Augusto Coélho
fundou em
1 934
a Novos Tempos E d i 1 . o 1 ' 1 1 ,
0 1 1 1
lirasilia, d 1 = 1 1 i c 1 1 c 1 a 2 1
publicagfio
de obras
libertérias. E 1 1 1
1989,
1 r 1 1 1 1 s 1 ' 1 - * 1 1 = - s 1 -
1 1 1 1 1 1 1 S5 0
Paulo, 011de cria
1 1 Editora lmag1111'1ri0,
1
1 1 1 1 1 1 1 1 0 1 1 1 1 0
a
1 1 1 0 5 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 dc publlcagfies. Ia idealizador e
1'0-11111r1111l0r1l0
11ll.(l11sti111to de F.stu(l0sl,iber1z'1rios).
ie listudus
Liberl1'1ri0s:
as obras reunidas nes ta série, em su a
1 1 1 1 1 1 0 1 1 1 1 i 1 11 ’ *d i 1 ,1 1 s 0 1 1 1
lingua
portuguesa, foram escritas pelos
ox
1 1 0 1 1 1 1 1 1 - s
1 1 1 1
1 . ' 0 1 1 ‘ e 1 1 t 1 1
libc1 t1'1ria
do
socialismo.
lmp0rta11t1
base
1 1 \ 1 ' 1 1 ' i < v 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
1 1 1 1 1 > r p 1 ' 1 > 1 . a g ? 1 0
da s
grandes lutas sociais L 1 ‘ a v a d 1 1 s
d 1 * s 1 l 1 * 1 1 s 1 : g 1 1 1 ' 1 d 1 1 1 1 1 0 1 1 1 1 1 1 1
do
século X IX , exp li 1 :i t11n1 1 1
e v o l 1 1 1 ; 1 ' 1 0 1 1 1 1
1 1 1 6 1 1 1 1 1
1 1 1 1
1 ' x p 1 r 1 ' i 1 1 1 1 : 1 1 1 1 1 1 ; 5 1 0 1 i h e 1 ' L é 1 1 * 1 a s n os campos
politico,
social
1 - 0 1 ' 0 1 1 1 ‘ > 1 1 1 i 1 : 0 , 1 '1
l u ' / 1
1 1 0 s
principios
federalista
0
1 1 u L 0 g e s 1 . 1 0 1 1 1 ' 1 r 1 0 .
C l; f:\ '1
-
8/18/2019 Nettlau. História Da Anarquia
5/105
S U M A R I O
Introdugfio,
por Frank Mintz 9
Postscriptum 17
HISTORIA D A ANARQUIA
25
A s
concepgfies libertérias at é
1789 27
“Iluminados” e fourieristas 41
Libertérios
anglo-sax6es
59
Proudhon 75
D e
Max Stirner
a
Gustav
Landauer 8;
Primeiros anarquistas comunistas
99
Espanha,
Itélia,
Rfissia
1 2 1
Bakun in 1 3 9
A s idéias
libertérias 1 5 5
As
origens do anarquismo-comunista 17 1
lndice geral 189 _
-
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6/105
I N T R O D U Q K O
MAX
NE' I ' I ‘LAU,
freqiientemente denorninado 0 “Herodoto
da Anarquia”, poderia parecer
apenas
um escrevinhador
bibliofilo, minucioso
ou
r ne smo exigen te . Nes te caso, e le
teria “sabiamente” se tornado um mandarim universiti-
rio des t inado a
preparar
alguma
tese
mais ou m e n o s
so-
cial. N 50, Max N ettlau consagrou-se inteiramente ao tra-
balho intermineivel
a
fim de
extrair
as idéias anarquistas
do esquec imen to ,
da
calfinia ‘e da demagogia .
conver teu
t o d g _ s
os
s e u s _
b e 1 1 § _ } . 1 _ e § s o a i s
c m _ uma
Apequena
renda,
servindo-lhe
para assegurar
um minimovital
para
auas
necessidades c o t _ i < _ i _ i a 1 1 _ 1 § § .
Dedicou
todo o
se u tempo
e
su a
e n e r gi a, c om te n ac id a de
e
paixfio, a essa
tarefa
que
impunha a
si
mesmo. Além disso, colaborou por toda a
vida co m a
imp rensa
libertéria
de
todos os
paises.
N a p re se n te obra,
e le
n 50 cessa
de
da r a conhecer
su a
opiniao, sem, contudo, esquecer
de
dar uma visao clara e
objetiva do s acontecimentos. _d9_is_§g§rr1p_19s‘11_e_§s_al11c_i_~
dez: de
inicio,
el e
rejeita
0
antimarxismo gratuito:
“Marx,
corno
0 prox/amnos
tex tos gdi tados
, r 1 1 _ 1 q 1 1 § l g - ; - _ 1 _ r _ 1 o r 1 , _ 1 e n t , 0 6 . 3 . 5
carpas
pobl icadas
mais
t ar de , e ra 150
aptialernfio quar ito
13a_kunin” . ‘ Em seguida, rejeita 0 sectar isrno
de
certas e s ~
colas
anarquistas e, em
particular,
ergue-se contra a im~
portancia
concedida
aos atentados:
Essas
agfies nio
deveriam
ter assumido
por
tanto tempo 0 lugar
mais
importante e quase 1'1nico entre as atividades
anarquistas, embora
elas fossem inteiramente justificaveis (pois
na
rnaioria
da s
vezes so
‘ Cf. p. 1 71 desta
edigz-30.
-
8/18/2019 Nettlau. História Da Anarquia
7/105
1 0
I N T R O D U Q K O
foram reagoes
contra a
crueldade,
e
como tais, agoes de vinganga
inexoraveis.“
Max Nettlau apresenta-nos n ao
so
documen tos e
des-
crigoes
inesperadas
como, por exemplo, a
grande
influen-
c ia
das
i dé ia s a n a rq u is t as n a Aemanha e
n os
Estados
Uni-
dos
n os a n os 1 85 0,
m as
demonst ra
que,
em
su a
dispersao,
nao
ha mecanismo; que
sua existéncia
nao
obedece
a um
“materialismo historico”
adaptado as
idéias soc iais. Além
disso, bern amiode, ele da a impressao de tratar dos deba-
te s
sempre
atuais.
Censuraram-lhe muito injustamente, con tudo, se -
gundo
a minha opiniao, por ignorar a evolugfio econo-
mica
e social.’
Ora,
a apresentagao
do s
Estados Unidos
e da Espanha é particularmente significativa do s
dados
historicos
e
economicos
espec if icos que
facilitaram a
pe -
net ragao
das
idéias
libertarias. Diferentemente
da
moda
atual , Nettlau n ao s en te a necessidade de exibir dados
economicos que
so
tém
uma
vaga
relagao
co m
o
assunto
tratado. E um
militante que consegue escrever
simulta-
neamen te
para
seus camaradas
e
para os leitores mais
objetivos.
Se estabelecermos
uma
comparagao entre
este
estudo
historico
da
anarqu ia , efetuado po r N
ettlau ha
mais de se -
tenta
anos ,
e
os
trabalhos historicos
posteriores
do
mesmo
tipo,
so podemos
constatar que faltam
singularmente
a
estes Liltimos conhecimento, e, mais ainda, recuo critico.
As vezes ,
inclusive, deixando de lado um
plagio
Inal dis-
fargado
deste
livro, podemos
constatar a
auséncia de uma
auténtica nova contribuigao no
conjunto
desses trabalhos.
Esta observagao
aplica-se,
em graus diferentes,
as
obras
2 Cf. segundo
volume.
5 Critica
marxizante de
Robert
Paris
em L2 Mouvemenz
Social,
n°56,
1966,
e anarquista de
Marianne Enckell
no
Bulletin
du
CIRA,
n°24-,
1972
FRANK
MINTZ
publ icadas
po r
Claude Harmel e Alain
Sergen t ,
George
Woodcock e James . 1 0 1 1 . Por
sinal, podemos
ressaltar a
inexisténcia
na historiografia
soviética
de um
estudo
glo-
bal sobre o anarquismo, fora
de
estudos biograficos sobre
Bakunin e Kropotkin.
Isso
n ao impediu
histor iadores so-
viéticos
de
referir-se
com
respeito
a Nettlau,
como
por
exemplo,
A. V. Gordon e E. V . Starostin na reedigao de
La Grande Révolution Frangaise de Kropotkin (Moscou,
1 9 7 9 » P - 5 4 6 1
A idéia cle
traduzir e
publicar este
livro, na
Franga, nas-
ceu no
s eio d o grupo Noiret Rouge, a partir de sua publi-
cagao em italiano por G . Ro se (Cesena,
1964).
Mas
este
oltimo texto era incompleto e, as
vezes ,
inexato, levando
a primeira edigao
francesa
em
1971
a falhas,
inclusive
de
revisao.
Decidi,
entao,
retomar 0 texto
servindo-me
da
versao espanhola que Nettlau havia espec ia lmen te prepa-
rado. Em relagao a
isso,
ass ina l o que o s dois ou tros tex tos
de
Nettlau concernen tes
ao
m e s m o assunto:
B reve historia
de la anarquia e
Otcherlii
po
istoria
anarkhilcheskikh
idei
(editados respectivamente em Toulouse, em 1958, e em
Detroit, em 1951)
sao
menos completos e
sao interrompi-
do s
igualmente
em
19
54-5 5. Ei's
por
que
decidi
acrescen-
tar um posfacio prosseguindo 0
estudo
até estes ultimos
anos ,
cuja
{mica
pretensao era
dar uma
breve
descrigao
(com a mesma recusa da
demagogia
de Nettlau) da revo-
lugao
espanhola de 1956-59, de
maio
de 1 9 6 8 e da ultima
evolugao da s
idéias anarquistas contemporaneas.
Trata-se, pois, de uma edigao
sensivelmente revista
e
corrigida que trazemos ao leitor. No que concerne
as
ci-
tagoes, relativamente
pouco
numerosas,
de
autores espa-
nhois e
franceses,
as referéncias remetem
ao s textos origi-
nais.
Enfim, 0
breve bosquejo
biografico
de
Max Nettlau
e
o postscr-iptum redigido
por
ele proprio tendem a
mostrar
-
8/18/2019 Nettlau. História Da Anarquia
8/105
I N T R O D U Q A O
a
vitalidade
da obra
desse grande
historiador, da
qual,
in-
felizmente, a maioria dos outros estudos
a inda
pe rmanece
inédita
em f rancés.
Martin
Zemliak,‘ janeiro d e 1 9 85 .
BIOGRAFIA
Max
Nettlau nasceu em Neuwa ldegg , proxirno a Vi-
ena,
em 50 de abril de
1865,
e morreu em 25 de
julho
de
1 9 4 . 4 . Seu pai, descendente de
uma
antiga familia prussi-
ana, nao
renunciou
a sua
nacionalidade, embora vivesse
na Austria.
Deu uma
educagao muito liberal ao jovem
Max que, apos os estudos
secundarios
e m V ie n a, e st ud ou
filosofia
ern
diferentes
cidades alemas.
Ele
obteve
o
dou-
torado aos
25 an os de i da de , c om uma
tese
sobre linguas
celtas.
Apa ixonado
desde a adolescéncia pela luta dos revo-
lucionarios r u ssos , ingressou no movimento socialista, e
suas
convicgoes anarqu is tas formaram-se
s em q ue , cont ra -
riamente aos
outros libertarios alemaes,
houvesse passado
pela escola marxista.
Bakunin entusiasrnava-0, e em 1880 concebeu a
idéia
de
escrever
sua
biografia. Naquele
momento so existiam
alguns
trabalhos
fragmentarios ou subjet ivos sobre a vida
do grande revolucionario. Atarefa a
qual
s e
dedicava
Net-
tlau era
da s
mais
vastas
e, por su a propria arnplitude, de-
terminousua vocagao de historiador. Langou-se com fer-
vor em uma pesquisa metod ica de t odo documen to, infor-
magao e
t e s t emunho
que
envolvessem
se u
heroi. Esses es-
tudos
levaram-no a um conhecimento
cada vez
mais pro-
fundo
da s
doutrinas libertarias
antes
e depois da época
‘
Pseudonimo
de
Frank Mintz.
FRANK MINTZ
de Bakunin.
Logo
s e tornou um especial is ta na
mate -
ria,
como demonstraram
seus
primeiros art igos publica-
do s em
1890 na
revista Frei/zeit [Liberdade],
dirigida
por
Johann Most
— 0
primeiro
desses artigos era um
estudo
so-
br e Joseph Dé jacque , precursor
do
anarco-s ind ica l ismo, e
o
segundo
artigo,
o
ensaio
Sur
l’hist0ire
de
l’anarc/lie.
Em
1895 , sob 0
estimulo
de Elisée Reclus, escreveu a Biblio-
graphie
de l’anarc/lie (1897), um volurne de 294. paginas,
que
era
o
inventario completo
da literatura
anarquista sur-
gida até
aquele momento
n os d i fe ren tes
paises, inclusive
jornais e revistas.
Tendo herdado de
seu
pai
uma
pequena fortuna,
Net-
tlau pode levar uma
e x is t én c i a i n de p en d e n t e, a in d a
que
extremamente
m o de s ta . C on s a gr av a 0
essencia l
de
seus
recursos
a
aquisigao
de
arquivos
e as
viagens
ao
estran-
ge iro pa ra pesquisas em
bibl iotecas
e c on t a to c om os prin-
cipais militantes do movimento.
Em su a
correspondénc ia ,
informa-nos
qu e el e
proprio se
encarregava
das ma is
hu-
mildes tarefas domésticasz
Meu
modo
de
vida nao
ultrapassa
0 nivel
minirno, minhas
relagoes
com
0
exterior reduzem-se as compras na
charcutaria e
na
padaria,
e a chegada do carteiro
trazendo-me
meu
alimento espiritual
so b
forma de
jornais
e cartas.
Afeito ao
estudo
de
linguas
es t range i ras , tornou-se
um
poliglota e dominou quase todas a s linguas europé ias cu jo
conhec imen to era-lhe i nd ispensave l
para
suas pesquisas.
Embora n ao fosse um homem de
agao,
n ao hesitava
em emitir sua opiniao:
Nunca participei do
movimento
de
forga
ativa, a nao ser por meio
de
artigos
n os quais
exprimi
minhas opinioes.
Minha
vida
foi in-
teiramente consagrada a historia do movimento e todas as minhas
opinioes
encontram-se em meus escritos.
-
8/18/2019 Nettlau. História Da Anarquia
9/105
1
INTRODUQAO
Entretanto, isso n ao o impedia de
conduzir
su a tarefa
de
historiador
com
uma imparcialidade
e uma
honest i -
dade
inalteraveis:
ele
so apresentava
fatos e conclusoes
embasadas, esclarecidas n os minimos detalhes do s quais
sabia descobr ir a importancia.
N u n c a
considerava
qua l -
quer uma
de
suas
obras
concluida. Nunca
deixou
de
completa-las
e
enriquecé-las
a
luz
de
novos documen-
tos.
Apenas uma parte
de
seus manuscritos foi eclitada
enquan to estava vivo, pois
poucos
editores acei tavam
assumir
riscos, e
muitos
desses manuscritos
ainda hoje
permanecem
inéditos.
O
ardor de Nettlau
pelo trabalho
era
completamente desinteressado e jamais fraquejou
malgrado a s
vicissitudes e
a s
decepgoes
que sofreu.
Suas qualidades afetivas eram tao
extraordinarias
quanto
aquelas
de
se u
espir i to. Abateu-se
sucess ivamente
p e la i n st au r ag a o do fasc ismo em
1925,
do naz i smo em
1955,
pela
derrota
da republica espanho la em
1959
e pela
1'11tima
guerra
mundial — 0 que m e n c io n a em uma carta
de 1 955 como
uma
“seq i iénc ia ininterrupta de
enfermi-
clades
causadas
pelo
horrivel envenenamento moral da
humanidade desde 1914.”. A angost ia
era
sempre tem-
perada pela fé no advento futuro do
anarquismo. Dizia:
“Trazemos
em
nossas ent ranhas 0
século
XIX. Ninguérn
pode
roubar-nos o
passado
nem
0s
sonhos
de futuro”.
Ascético e
filosofo,
sua aparéncia
poderia
fazer
crer
que
se tratava de insensibilidade. Se u horror pela
injustiga
e pela violéncia era
tal
que ele nunca
relia
os
relatos de
guerra e de massacres:
“Suportar
isso uma vez
me basta”.
As manifestagoes desleais de
anirnosidade
revoltavam-no.
Sem jamais renunciar a suas opinioes, defendia-as com
tato e
respeitava
as
opinioes
inspiradas por intengoes ho-
nes tas e sinceras.
“Aquele que ataca
a
honra
de um
ho-
mem
prova
ape nas
que
falta
a
s i
mesmo
o
senso
de
honra
e
ignora
o que é a
dignidade humana.”
FRANK
MINTZ
A
profundidade
de suas convicgoes aliada a uma como-
ven te
del icadeza de
sen t imen tos fe z
c om q ue esse homem
solitario, sem familia, se sentisse
unido
no plano
espiri-
tual e afetivo
as
grandes figuras do passado anarquista.
Acontecia-lhe
de contar com ternura e humor anedotas
da
vida
de
Bakunin
ou
de
Reclus, como
se se
tratasse
de
parentes
proximos.
U s libertarios
de
su a época com
os
quais tinha
mais
afinidades eram
os da Espanha. Todo ano ia ao encontro
desses
camaradas espanhois a quem amava e admirava:
Aqueles que, como e u , s ae m
do deserto d os p a ise s europeus,
sentem-
se na Espanha como em uma
floresta
jovem e verdejante, n o meio
de
um povo que
ainda
nao esqueceu a liberdade e a digni1
ad e
humana
(Carta da primavera
de
1952).
O s
camaradas espanhois
viam-no
como
um
de
seus
de-
fensores m a is f ié is
até
o
tragico
advent0.5
Nettlau
langou
apelos a todos o s
seus
amigos da Europa
e
da América para
que
divulgassem
0 heroico passado do
movimento
opera-
rio espanhol, as
causas
e as realidades da guerra
civil
e
a
urgéncia
de uma
ajuda
ao s combatentes
republicanos.
Conservou
esperangas
até 0 ultimo momento, e os m e s e s
terriveis
que precederam a queda
de
Barcelona
e de Ma-
dri foram os mais
arnargos de
su a vida.
Como
fora trabalhar, em
1958,
no
Instituto
de
Histo-
ria Social de
Ams te rda ,
foi obr igado pelos acon tec imen -
tos a pe rmanece r n a c id ad e.
Muitos
de seus documen tos
ainda se encontravam em Viena, e a senhora A.
Adam
van Scheltema-Kleefstra, bibliotecaria do Instituto, foi
de
aviao
a
Austria
e
conseguiu,
com a ajuda da
Embaixada
da Holanda, leva-los
para Nettlau. F0 1 ela quem assistiu
o velho
homem
até su a morte;
Rocker inforrnou,
em uma
5
A tornada do poder pelo general F. Franco em
outubro
de 1956
(N.
do
-
8/18/2019 Nettlau. História Da Anarquia
10/105
I N T R O D U Q A O
16 carta de 194.5, detalhes de
su a
vida em
Amsterda
e de
su a
morte, causada por um tumor, ocorr ida em 25 de julho de
a
Zgdgg aqugleg
qug
gg inferggsam pela
1 9 4 4 -
historia
das idéias libertdrias
S E E S T A E X P O S IQ Z O
sumar ia do livro
que
l er ei s m o s t ra
a
extensao do tema e se m duvida a importancia da con-
servagao
do material, tanto em
seu estado
original,
sob
uma forma acess iv e l ( co legoes de impressos e documen -
tos),
como
por um a
descrigao
minuciosa ,
embasada em
uma quantidade de materiais originais e o ut ra s f on t e s
(tradigoes
ou recordagoes coletadas ou
vividas), entao
tal-
vez, meu esforgo
nesse
c am p o m e r e ga
uma nota
bibliogra-
f ica.
AHistéria geral
da s i dé ias ana rqu is tas compreende
os
seguin tes
volumes
impressos:
1 . Der Hnfriihling der
Anarchie,
Berlim, Der Syndi-
cal is t,
1925,
255 pagi nas.
2.
Der./filrzarchismus van Proudhon zu Kropotkin (I859-
1880),
idem,
1927, 512
paginas.
5. Anarclzisten
und Socialrevolutioniire (I880-I886),
idem, 1851, 4.09 paginas.
E
q u at ro v olu m e s m a n u sc rito s inéditos de
Die
erste
Bliitezeit
der
Anarchie
(1886-1894,)
e outros volumes, seis
aprox imadamente , semelhan tes ao volume de 1951.
Se-
ria p rec iso ac rescen ta r um
sup lemen to
con tendo inume-
ras adigoes e corregoes aos trés
livros
impressos.
Em
relagao
a
temas h is tor icos pa r ti cu la r es ,
deve-se
acrescentar:
-
8/18/2019 Nettlau. História Da Anarquia
11/105
POSTSCRIPTUM
M
AX
NETTLAU
1 '
Bibliogmphie
de Z1/inarchie’
prefécio de
Ehsée
Re’ 1 .
Supplémenta
la biographie
de
Bakounine, escrito
en-
clus, Buxelas, 1897,
X1—294 paginas.
2. Mikhael
Bakunin; eine Biographie, Londres, 1896-
1 9 0 0 , 5
volumes
in-folio,
policopiados
em
50 exem-
plares.
5.
Michael Bakunim eine biographische
Shizze,
Ber-
lim, 1901, 64. paginas, epilogo de Gustav Landauer.
Tradugao espanhola: Miguel
Bakunin.
Un esbozo
biografico,
Mexico,
1925, 52 péginas.
Podemos encontrar um outro resumo e outros escritos
relativos a Bakunin
na
edigao
da s
@'uvres (Paris, 1895 ,
XI-
527 péginas in-18) e nos prefécios histéricos
as
Obras,
em
5
tomos,
Buenos
Aires,
La
Protesta,
1925-1929
e
para
um
dos
textos inéditos
de
Bakunin
em
La
Société Nouve l le ,
B ruxe las , 1894-1896 .
1 . Bakunin e l’Internazionale
in
Italia dal 1864 al 1872,
prefacio de Errico Malatesta, Genebra,
Risveglio,
1929 , XXXI-597 paginas.
2.
Miguel Bakunin, la Internacionaly
la
Alianza en
Espafia (1868-1872), Buenos
Aires,
La
Protesta,
1925,
15 2
paginas
(reedigao
em
1 9 7 7 ) .
5.
Documentos inéditos sobre la Inzernacionaly la
Ali-
anza en
Espafia,
Buenos Aires,
La
Protesta, 1950,
,
.
210 pagnas.
Eu redigi
igualmente
notas para a tradugfio francesa
de
Confessions
(1851) de Bakunin (Paris, Rieder, 1952) e
tarnbém
escrevi muito sobre 0
verdadeiro
caréter desse
documen to desde
1921.
Também tenho em
manuscritos inéditosz
tre 1 9 0 5 e
1905 , 4
volumes in-folio que
re1 '1nem
0s
novos
materiais
(nao destinados 2 1
publicagao).
Michael
Bakunin;
eine
Biographie,
manuscrito iné-
dito
de
1924-1927,
levando em conta docurnentos
entiio acessive is, que é urn resumo da biografia
de
1896-1900
e
de Supplement. Ele comporta 4 .
v0-
lumes
de aproximadamente 550 paginas cada
um,
que, em caso de publicagao, seriam aumentados
co m rnater ia is
que
possuo.
Michel
Bakounine, em
francés, 1955 ,
longo volume
inédito.
Avida de Malazes ta ,
em edigfio
italiana
( N o v a Y or k ,
1922); a le m a ( m ais c om p le ta , Berlim, Der
Synd i-
calist,
1922,
17 7 péginas ) ; espanhola, igualmente
aumentada
(Buenos
Aires, La
Protesta,
1925 , 264
paginas).
p rec iso ac rescen ta r art igos escritos
em
1952 apés a
morte
de Malatesta, do s quais dois pu-
blieados
em La Revista Blanca
foram
impressos em
livro (texto
revisto
e prélogo de Federica Montseny,
Barcelona, 19 55, 4.8 péginas). Esta 1'1l t ima obra
completa e corrige as
edigfies
de 1 922
e
de
1925.
Elisée Reclus,
Anarchist und
Gelehter
(Berlim, Der
Syndicalist, 1928,
545 péginas)
tradugio espanhola
Eliseo
Reclus: La vida
de un
sabio justo y rebelde,
Barcelona, Revista Blanca, 2 volumes,
1928
e
1 929 ,
294. e
51 2 paginas.
Reimpressao de
Jours
d’exil de Ernest
Coeurderoy
(1854.-1855)
com
uma
biografia
(Paris,
1910-1911 ,
5 volumes), bem como
estudos
biograficos
e
outros
-
8/18/2019 Nettlau. História Da Anarquia
12/105
201
PO S T S CRIPTUM
documen tos
historicos sobre
o ana rqu i smo ern pe-
riodicos
e revistas
como Freiheit, Freedom,
Société
Nouvelle, Dohumente
de s Sozialismus, Archiv
filr
die Geschichte
de s
Sozialismus und
der
Arbe i tbewe—
gang,
Suplemento de
la
Protesta, La
Revista
Blanca
etc.
Tenho em manuscrito
A
histéria
da
Internacional
e
da Federagdo do s Trabalhadores da Regizio espanhola, de
1868 a 1889, um volume de aproximadamente
450
pagi-
n as im p re ss as , q u e dever ia
se r
revisto
e
t a lv e z r e e sc r it o
em caso de
publicagao.
Ha
também textos inéditos
de
Bakunin, em parte co-
p iados , como os m a i s a n t ig os f ragrnentos
conservados de
1865;
0s
originais
do s
textos
de
1866
publicados em
ale-
m ao em Gesammel te
Pfizrke,
Berlim, Der
Syndikalist,
5
vo lumes ,
dos
q u ais c om p u s
0
terceiro (1924); escritos
de
1871-1872
contra
Mazzini; os escritos ao s jurassianos, a
Lorenzo e a
outros
dos
mesmos
anos.
Enfim, ha
inumeras cartas da
correspondéncia
dos
anarquistas alemaes J . Most e
J .
Neve preparadas para
uma edigao comentada. Ha
igualmente
um longo
traba-
lho sob re ce rt as
partes
da historia das sociedades secretas
apos
1850
at é
a
época
de
Bakunin. Enfim,
ha
uma
g rande
quantidade de documentos, cartas e souvenirs que me
foram confiados, que poderiam esclarecer certas
partes
da
historia socialista
e
anarqu is ta , se
m e
fosse
possivel
prepara- los e
edita-los.
Este volume foi editado
gragas ao
trabalho apaixonado
de Renée Lambéret (Max Nettlau,
La
Premiere Interna-
tionale en Espagne [1868-I888],
Dordrecht,
Reidel, 1 9 6 9 ,
XXV I I — 6 8 5 paginas; quadros e mapas). Nessas
condigoes,
m e s m o
n a
situagao
atual
em
que
tenho
acesso
a s
grandes
bibliotecas de outros paises, e enquanto os velhos camara-
MAX NETTLAU
das
mais
be m informados morrem quase
tod os ( se m q ue
1
eu possa coletar
suas
recordagfies
e
exp licagoes), nao m e
falta d oc ur n e n ta ga o. P ud e publicar, principalmente gra-
ga s
as
editoras Der Syndicalist, La Protesta, La Revista
Blanca
e
IlRisveglio,
de
1922 a 1951,
um bom
numero
de
publicagoes
e
vo lumes .
Mas agora, desde 1951, as possibilidades de edigfies de
historia parecem desaparecer.
Penso que, objet ivamente,
é lamentavel,
pois
aqueles dentre
meus
amigos e nos-
s o s
camaradas
que
m e ajudaram durante longos anos a
documentar-me, fizeram-no
em grande
parte, e
ainda
0
fazem,
estando
convictos de que todos esses materiais ser-
virdo para conservar
a
historia
da
anarquia depurada
das
inexatidoes
e
ponderadamente apresentada, elevando-se 0
rndximo
possivel
acima da
lenda, da
retorica e
do s
concei-
tos
superfic ia is.
Nem todos,
se m d1'1vida, p reci sa rn conhe-
ce r todos os detalhes que,
de
resto, a falta
de espago
sem-
pre m e obrigou a reduzir muito. M as esse n ao é um m o-
tivo para estimular, ou impor, uma caréncia que faria com
que
n os
con te n ta ssemos semp re corn lendas e retor ica, en -
quanto
outra
facgao
que
reivindica um passado
historico
fa z muito para
aprofunda-lo.
N e s te c am p o, 0 social ismo
antigo
e
moderno
ja esta explorado em
proporgoes que
quase
todos
ignoramos .
M as
con fo r rne
sabemos,
nessa
imensa literatura
social ista,
a
anarqu ia pesa
sempre
como
uma aberragao, como um
rarno
morto, como 0 nada,
do
qual e s s e s autores anunciam amiude 0 comple to
desapa-
recimento e 0 triunfo integral se ja de seu bolchevismo,
s eja de s eu reformisrno
estatis ta-capita1is ta-social is ta. Eis
o que dizia e diz a enorme propaganda do s autoritarios,
que
ja
nao podemos
ignorar
assim como nao podem fazé-
lo os livres-pensadores em
relagao
a
imensa
propaganda
clerical.
Aqueles que
se
interessam
pela historia e olham
para 0 passado
poderao se
dar conta
do
trabalho
quefoi
-
8/18/2019 Nettlau. História Da Anarquia
13/105
22|
POSTSCRIPTUM
necessario
para salvar
a mernéria de Bakunin
e
daAlianga
de todas as pervers6es
e
falsidades marzistas.
Enfim,
de-
fendo
aqui
uma
causa
que
nenhum
do s
inumeros
militan-
te s
que
conheci contestou,
e que
encontraria,
certamente,
um
apoio mais
amplo se nossos meios de
agao
nao fossem
tao
limitados.
Censuraram-me algumas
vezes
por ter escrito esses vo-
lumes
em alemao,
que é a minha lingua materna. Eu os
publiquei em alemao porque 0s camaradas de
Der
Syn-
dicalist de Berlim
foram
em 1922 e 1924 os unicos na
Europa que
me
ofereceram a
possibilidade de publicar
tais livros de
historia
e que 0 fizerarn. I sso nao impediu
os
camaradas
Santillan
e Qrobon
Fernandez,
que
apren-
deram essa lingua,
de
traduzir uma
parte dessas obras:
As
vidas
de
Malatesta,
de
Elisée Reclus
e
varios
capitu-
los
dos
vo lumes h is tor icos. .. e
a s
editoras
La
Protesta
e
La R e v i s ta B la n c a sempre
m e
possibilitaram falar de his-
toria em
suas
p ub li ca go es . V a r io s c am a r ad as
de
llngua
italiana,
o dr. Paolo Flores,
Malatesta
e
Bertoni
torna-
ram
possivel
a edigao italiana do
livro
sobre Bakunin
na
ltalia (1928).
Anteriormente, Elisée
Beclus
levou-me
a
publicar 0
volume Oeuvres
de Bakunin
(1895)
e
a
Biblio-
graphie
de
l’Anarchie
(1897).
Foi
para o
periodico
que vi-
veu
muito
pouco
tempo
L’Ide'e
anarchiste (Paris,
por volta
de 1925) que escrevi o primeiro texto muito breve do s vo-
lumes historicos, esbogo rapidamente
aumentado
para o
Suplemento de La
Protesta,
texto
bastante
extenso que La
Revista Blanca
reimprimiu.
Se em
1925 ou
1924 me tives-
sem
proposto publicar esses
volumes
em francés
ou
em
inglés,
eu
teria escrito
nessas
linguas todas as obras.
Mas
nunca alguém pensou
nisso;
nenhuma tradugao foi feita
(salvo em espanhol)
e nao é
a mim que se deve censu-
rar
por
nao
terem
sido publicadas outras tradugoes dessas
obras.
Eu sempre disse
que para
qualquer
tradugao eu
MAX NETTLAU
revisaria e aumentaria
os
volumes, assim como
fiz
para
as biografias de Malatesta e de
Beclus n as
edigoes
espa-
nholas.
O que
eu
poderia fazer além disso?
Mas
faltou a
geragao
desses anos o interesse, que
nao
vejo em
nenhum
lugar, exceto nos meios de lingua
espanhola
e naqueles
(completamente
paralisados
desde
1955)
de
lingua
alema.
Com
freqiiéncia
fiz a sugestao a camaradas de
diferen-
te s
paises para que eles e seus grupos
tornassem
possivel
a
publicagao do s volumes
inéditos
subscrevendo
um nu-
mero
de exemplares do s livros em
alemao,
que
eles
incor-
porariam n as
bibliotecas. lsso teria
incitado
os
editores
alemaes para acelerar a publicagao desses livros. Nada foi
feito e,
assim,
todos os livros nao-vendidos
foram
confisca-
do s em 1955 em Berlim,
impossibilitando
que
fossem
en-
contrados
no
estrangeiro.
solugao
satisfatoria
ver
tudo
desaparecer e n ao s e ocupar de
nada?
N 50
posso
mudar
nada disso; penso apenas
em
um
pequeno
detalhe
que
m e
da prazer: é
que Malates ta ,
que
conhecia 0 inglés,
teve
0
trabalho
de familiarizar-se
com
a
leitura
do alemao e
pode
ler
esses
volumes
de historia, conforme me contou por es -
crito. Esse esforgo seria impossivel
aos mais
jovens e
nao
a ele? Quantos idiornas
tive
de consultar para
reunir
os
materiais
dessa
historia verdadeiramente internacional?
N50 se i realmente
o
que
fazer
com todo
esse material,
e s s e s m a n u s c r it os a in d a i nacabados que
s e
esforgam para
conservar a historia
da s idéias
anarquistas, tarefa
que
in-
teressava ainda
em 1924, mas em
1954 nao
vejo
nada
de
semelhante. Em 1954
os camaradas
da
“Guilda
de
Ami-
go s del
Lbro”
na
Espanha tornaram
possivel
a publicagao
deste
resumo — escrito de inicio para La Protesta de
Bue-
nos Aires — e agradego-lhes por
seu
corajoso esforgo.
Barcelona, 6
de julho
de 1 954
e 25
de maio d e 1 955 .
23
-
8/18/2019 Nettlau. História Da Anarquia
14/105
H I S T ( ' ) R I A D A
A N A R Q U I A
-
8/18/2019 Nettlau. História Da Anarquia
15/105
aw
A S C O N C E P Q O E S 1
L I B E R T A R I A S
A T E 1789
UMA
HISTOR IA
da
idéia anarquista é inseparavel da histo-
ria
de todas as
evolugoes
progressivas e da s
aspiragoes
a
liberdade. preciso, pois, procurar estudar 0 momento
historico favoravel em
que
surge essa
consciéncia
de
uma
existéncia livre pregada pelos anarquistas, cuja garantia
so intervém apos a supressao
completa
do s fundamentos
autoritarios, e so b a condigao de que,
paralelamente,
os
sen t imen tos sociais de so l idar iedade, rec iproc idade,
abne-
gagao e tc .,
tenham
s e
desenvo lv ido 0
su f ic ien te , adqui-
rindo a mais
ampla expansfio.
Essa consc iénc ia
man i fes ta-se
de d if e ren t e s mane i r a s
na
vida
individual
e
na
vida coletiva do s individuos e do s
grupos, e em primeiro lugar na familia, sem a qual a
coexis téncia
humana
n ao
teria
s ido possivel . A o m esm o
tempo, a autoridade-radicional,
habitual,
legal, arbitra-
ria.
.. -, quando a humanizagao
do s
animais
que
forma-
vam
a
espécie
humana
real izou-se,
exerceu
su a
influen-
cia
sobre inumeras
inter-relagoes
-prova de uma anima-
lidade a inda
mais
ant iga -,
e
de
tal modo que a
marcha
rumo ao progresso,
que prossegue com seguranga
ao
longo
dos
séculos, foi e é uma luta
continua
para destruir as ca -
deias
e os obstaculos autoritarios.
Essa luta teve vic iss i tudes t ao d ive rsas , e la é ta o
dura
e
ta o cruel, que
relativarnente poucos
h om e n s c o n s eg u ir am
alcangar uma consc iénc ia anarqu is ta
tal
como a descreve-
mos.
Esses
mesmos que
combateram por
liberdades
limi-
-
8/18/2019 Nettlau. História Da Anarquia
16/105
2s|
A S c o N c E 1 > g o E s L IB E R T A R I A S A r i i z 1 7 89
tadas compreenderam
rara
e insuficientemente
sua essen -
cia, pois
tentaram conciliar
a nova liberdade
com a ma-
nu tencao
da ant iga auto r idade, seja
pe rmanecendo
pro-
ximos do autoritarismo,
seja
considerando a autoridade
util, porque ela poderia defender essa nova liberdade. Na
época
atual ,
eles
sao
partidarios
da
liberdade constituci0-
nal ou democratica, isto é, de uma liberdade sob controle
governamental.
Por outro lado, no
plano
social,
esse erro
engendrou o culto do Estado social,
quer
dizer,
urn
socia-
lismo imposto
e,
assim,
desprovido
de tudo
0
que,
segundo
os anarquistas, constitui su a verdadeira vitalidade; solida-
riedade,
reciprocidade, generosidade,
que florescem
ape-
n as
num mundo libertario.
Outrora,
a dorn inagao
da autor idade
foi geral , e os e s-
forgos
ambiguos, complexos
(a
liberdade
através
da
au-
toridade) foram r ar os m a s con t inuos , e
uma consc iénc ia
anarqu is ta parcial, e até m e s m o c om p le ta , deve ter sido
muito rara ,
seja
porque exigia condigoes
favoraveis
para
n asce r, se ja porque
foi
imp iedosamente perseguida
e eli-
minada pela forga
ou bem
usada
e absorvida
pela
rotina.
Entretanto,
se, da promiscu idade tribal
chegou-se a
uma
vida individual
relativamente respeitada,
nao
foi
apenas
gragas a s causas economicas,
foi
também
0 primeiro
passo
de uma
evolugao
d o e st ad o de tutela rumo
a
emanc ipa -
950,
e
os homens da
antigiiidade caminharam para
isso,
co m
sen t imen tos
semelhan tes
aqueles que
encon t ramos
n o ant ies ta t ismo dos
homens
de hoje. A desobediénc ia, a
desconfianga
da
tirania
e a rebeliao levaram muitos
indi-
viduos enérgicos
a
se
dar
uma i ndependénc ia
que
soube-
ram
de fende r
e pela
qua l
morreram. O u t ros consegu iram
subtrair-se a autoridade por
sua
inteligéncia,
por suas
ca -
pacidades e
seus dons pessoais ,
e se , em urn certo periodo,
os homens passaram
da
nao-propriedade
(livre a ce ss o a to-
dos)
e
da
propriedade cole t iva
(d a
tribo
ou
dos
habitantes
\
MAX NETTLAU
de um m e s m o lugar) a propr iedade privada,
eles
n ao fo -
ram
apenas levados
a isso pela cupidez
mas
também pela
necessidade
e pela
vontade
de assegurar-se
s ua
indepen-
déncia.
O s
pensadores anarqu is tas comple tos ,
s e eles existirarn
no
passado,
sao-nos
desconhecidos.
Todavia,
é
caracteris-
tico que todas as
mitologias
tenham
conservado
a lem-
branga de revol tas
e,
inclusive,
de
lu tas n u n c a acabadas
de uma raga rebelde cont ra os deuses mais poderosos. D os
Titas, que
assaltaram 0
Olimpo, a Prometeu, que
desa-
fiou Zeus,
da s forgas
misteriosas que,
na
mitologia e sc an -
d inava , p rovocaram 0
“crepiisculos dos
deuses”, ao diabo
— esse
Lucifer
rebelde que Bakunin tanto respeitava —
que,
n a mitologia c ris ta , n u n c a
cede
e s e m p re c om b a te
0
bom
Deus em
cada
individuo. Se
os
padres, que
rema-
ne javam essas narrativas tendenc iosas
por
i n te re sses con -
se rvadores, nao
silenciaram
em relagao a esses atentados
perigosos para a onipoténcia
de seus deuses ,
é porque os
exemplos
contidos nessas narrativas deviam estar
ta o
en -
ra izados
n a
alma popular que eles
n ao ousaram oculta-los .
Con ten taram-se
em
desnaturar os
fatos
ultrajando
os
re -
b el de s , o u,
entao,
limitaram-se, em
seguida, a
propagar
i n te rp re tagoes fan tas ti cas pa ra
intimidar
os
cren tes .
A
mi-
tologia
crista
apresentou particularmente as idéias
de
pe-
cado original,
queda do
homem,
redengao
e juizo final:
a
consagragao
e a apologia
da
escravidao
dos
homens e
das prerrogat ivas dos
padres
como
mediadores , e o deslo-
camen to
das
reivindicagoes
da
jus t iga
ao ultimo momento
imaginavel:
ao
fim do
m un do. c laro que, se
n ao
t ives-
sem sempre existido rebeldes
audaciosos
e
heréticos
inte-
l igen tes , os p ad re s n a o teriarn
s e
obrigado a tal
esforgo.
N os tempos
idos,
a luta pe la ex is ténc ia e 0 apoio mu-
tuo
estavam t a lve z es t re i tamen te l igados.
O
que é 0 apoio
mutuo
senao a luta
pela
existéncia coletiva, protegendo
9
-
8/18/2019 Nettlau. História Da Anarquia
17/105
3
A S
C O N C E P Q O E S
L I B E R T A R I A S
A T 1 5 : 1 7 89
uma coletividade do s perigos que esmagaria os isolados?
O que é a luta pela vida se nao
um
individuo que
detém
forga e capacidades superiores a s de um outro?
O
pro-
gresso
desenvolve-se gragas
a
autonomia nascida numa
atmosfera social
relativamente
segura
e
elevada. O s
gran-
de s
despotismos
orientais
nao
permitiram
autenticos
pro-
gressos intelectuais,
ao
passo que na ambiencia do mundo
grego, onde
existiam
autonomias
locais, deu-se o primeiro
desenvolvimento
do
pensamento
livre
que conheciamos,
a filosofia grega, que pede, no transcurso do s séculos, ter
conhec imen to do
pensamen to
de
alguns
autores
hindus e
chineses,
e fazer
antes
de tudo uma obra de independen-
cia.
Em
seguida, os romanos, avidos
por se
instruirem n as
fontes
da
civilizagao grega, nao
puderam compreende-la
e
continua-Ia,
e
m e n o s
ainda
o
mundo
inculto
dos
séculos
medievais.
O
que
s e
denominoufilosofia foi um
conjunto de
consi-
deragfies i n dependen tes
ao maximo da
t radigao
re l ig iosa,
conquanto feitas por
individuos
formados por ela, e ex-
traidas
da s observagoes mais diretas,
da s
quais algumas
decorrem
da
experiencia.
Tratava-se,
por exemplo, de re-
f lexoes sobre a
origem
e a
esséncia dos
m u n d o s e
das
coi-
s a s (cosrnogonia); o cornpor tamento do individuo
e
suas
aspiragoes
superiores
(moral); a conduta colet iva civica e
social
(politica
social); um mundo melhor e os meios de
realiza-lo (0 ideal f i losofico,
que
é uma utopia decorren te
das concepgoes
que os
pensadores
s e f izerarn
do
passado,
do
presen te
e do sen t ido da evolugao sobre a qual tinham
meditado ou q ue
consideravarn
util e desejavel).
As religifies tinham se formado antes de modo
apro-
ximadamente semelhante, embora em condigfies gerais
mais
prirnitivas, e
a teocracia do s sacerdotes, assim como o
despotismo do s reis
e
do s chefes, derivava
de urn processo
analogo. O povo grego -do continente e da s ilhas -que
MAX
NETTLAU
se
mantinha afastado
do
despotismo do s povos
vizinhos,
criando
uma vida social, autonomias
e
federagoes,
e ali-
mentando
alguns pequenos
f ocos de
cultura,
também pro-
duziu
f i losofos
que s e elevaram
n o
passado,
buscaram
se r
1'1teis a
suas pequenas
patrias
republicanas,
e conceberam
sonhos
de
progresso
e felicidade universal
(sem,
evidente-
m e n t e , a rr is c ar -s e o u tentar lutar
cont ra
a esc ravidao ex is-
ten te : o que demonst ra 0 quan to é
dificil
elevar-se ac ima
de s eu
proprio
meio).
Dessa época datarn o governamentalismo
deforma
apa-
rentemente mais rnoderna e a
politica
que
assumiram
o
lugar do
despotismo
de tipo asiatico
e
do arbitrario, se m
contudo substitui-los totalmente.
Foi urn
progresso seme-
lhante aquele
da
Revolugao
Francesa
e aquele do século
X IX
em
relagao
ao
absolut ismo
do século XVI I I ,
que
susci-
to u
o social ismo integral e a concepgao anarqu is ta .
A0
lado
da
massa
dos f i losofos
e
dos
homens
de
Estado gregos
moderados e conservadores, existiram
pensadores
intrépi-
do s que ja conceberam naquele momento idéias socialis-
ta s comple tas ou
idéias anarqu is tas ,
0
que
foi cer tamente
0 c as o para uma minoria dentre eles . Esses homens
deixa-
ram uma influencia
que
a historia n ao pode apagar, ainda
que as rivalidades de escolas , as perseguigoes e a
negli-
genc ia
da s
geragoes
tenham
feito
desaparecer
seus
escritos.
Res tam-nos
deles
sobretudo
citagoes
que
os
fazem
autores
mais conhecidos.
Nessas pequenas republ icas
sempre
ameagadas, po r
sua
vez ,
ambiciosas
e
agressivas,
existia um profundo
culto pelo civismo
e
pelo patriotismo.
Por
outro lado,
houve
lutas entre facgoes,
a demagogia e a
sede do poder
que resultaram num
co m u n i s m o
muito sumar io .
Isso pro-
vocava
em
muitos
uma aversao em relagao a democrac ia e
o
desejo
de um governo constituido pelos mais prudentes,
mais sabios,
os
anciaos, tal como sonhava Platao.
Mas
isso
-
8/18/2019 Nettlau. História Da Anarquia
18/105
3
A S
coNcEPcoEs L I B E R T A R I A S A T E
1 7 89
também provocava uma aversao
pelo Estado,
Estado que
se podia dispensar, assim como professava
Aristipo. As
idéias libertarias
de
Antifon e sobretudo a g ra n d e ob ra
de Zenao
(555—264
a.C.),
fundador
da
escola
estoica,
que
excluia todo constrangimento externo e
proclamava
0
impulso moral,
proprio ao individuo,
como
regra
de
agao
unica e suficiente para cada um e para a comun idade.
Foi uma primeira e clara expressao
da
liberdade humana
sentindo-se
adulta
e
l iberando-se
dos
lagos autoritarios.
E
n ao
devernos
n os
surp reender que esse trabalho tenha
sido
antes de tudo
f reado
pelas geragoes
segu in tes , e em
seguida tenha se perdido.
Entretanto, assim
como as religioes levaram as
aspira-
goes a jus t iga e a
igualdade
a um “céu” ficticio, os f i loso-
fos
e
alguns
juristas
transmitiram 0
ideal
de
urn
direito
verdadeiramente
eqiiitativo embasado n as premissas
for-
muladas por Zenao e pelos
estoicos.
Foi 0 pretenso direito
natural
que, ac
modo
das concepgoes
ideais da religiao —
a religiao
natural
-, iluminou fracamente muitos séculos
de crue ldade e ignorancia e cu jo esp lendo r
ajudava os
es -
piritos. A
tentativa
de dar uma real idade
a
esses
ideais
abstratos
foi
a maior
contribuigao que a idéia libertaria
de u
a humanidade. Esse ideal,
ta o
diametralmente oposto
aquele
de
urn reinado
sup remo
e definitivo
da
autor idade,
foi, em seguida,
absorvido
durante mais de dois mil anos,
e
p e rm a n e c e u e n r ai z ad o
n o
coragao de todo homem ho -
nesto,
perfeitamente
consc ien te de que isso era necessar io,
a despei to de se u
cetic ismo,
de su a
ignorancia ou
de sua
oposigao
a
possibi l idade proxima de
realizagao.
Compreende-se
facilmente por que a autor idade — Es -
tado,
propriedade,
Igreja — impediu a
divu lgagao dessas
idéias, e sabe-se
de
que
maneira
a
republ iea,
0 Império
r omano
e a R o m a
dos Papas,
até 0
século XV , impuseram
ao mundo ocidental
um
fasc ismo intelectual absoluto, as -
MAX NETTLAU
s im como 0 despotismo oriental renascente entre os bi-
zantinos e os turcos, e
do
mesmo modo 0 czarismo russo
(0 qual,
virtualmente, continua no bolchevismo). Ate o
século X V , e, inclusive, depois (Servet, Bruno, Vanini),‘ o
livre
pensamento
foi proibido
so b
pena
de
morte
e so pode
se r
transmitido
secretamente
por
alguns homens
de
cien-
cia
e
seus d i sc ipu los , ta lvez n o circulo muito restrito de
algumas sociedades
secre tas. Ele
so
pode
aparecer
aber-
tamente quando, no fanatismo e no misticismo
da s seitas
religiosas, nao
causava
mais nenhum
temor, sendo
levado
ao
sacrificio
e
sabendo-se consag rado ou s e consagrando
alegremente a morte. As
fontes
autenticas
foram cuida-
dosamente destruidas, e so conhecemos isso pelos rela-
tos
dos
delatores,
dos
difamadores e ,
i nc lus ive , dos
carras-
cos.
Assim,
Carpocrates,
da escola
gnostica, preconizou,
n o s éc u lo
II ,
n o Egito, um livre comun i smo ,
e
ate
m e s m o
a
concepgao s u st en t ad a n o
N o v o T e s ta rn e n t o
(Paulo aos
galatas):
“se sois conduz idos
pelo
espirito,
n ao
estais em
absoluto sob a lei” parece
prestar-se
a interpretagao de
uma existencia fora do Estado,
sem
leis nem amos.’
O s s eis
ultimos
sécu los da Idade
Média foram a época
das
lutas pelas au tonom ias loca is (cidades e regioes de -
sejando federar-se),
m as também po r grandes
territorios
que foram
unif icados
em
grandes Estados
modernos , uni-
dades
politicas e
economicas.
Se as
pequenas
unidades
fos-
se m
cent ros de
civi l izagao e
t ivessem podido prosperar
a
partir de
seu
trabalho produtivo, por
federagoes
servindo
a
seus
in teresses e p e la r iq u e z a adquirida
a s custas dos ter-
ritorios agricolas
pobres
e da s cidades
menos
afortunadas,
‘ Michel Server
(1511-1555),
teologo
e médico
espanhol que intuiu
a circu-
lagao do sangue.
Combateu o
dogma da
Trindade.
Calvino
rnandou queima-
lo vivo em Genebra. (N. do O.)
“
Ver
0 artigo “Anarchie
et
Christianisme”
de Jacques
Ellul
na revista
Con-
lrepoinl,
1974. (N. do O.)
| 2 s s
-
8/18/2019 Nettlau. História Da Anarquia
19/105
3
A S
C O N C E P Q O E S L I B E R T A R I A S
A T E 1789
0 resultado
final
teria
sido
a
consagragao dessas
vantagens
e a
inferioridade
crescente da s unidades desfavorecidas.
Sera mais
importante que
a lgumas
cidades livres
-
a is
como
Florenga, Veneza ,
Genova ,
Hamburgo, Nuremberg,
B r e m e n ,
G a n d , B ru ge s
e outras
-en r i quegam
ou que
as
regioes
inteiras
onde
e la s es tao
si tuadas sejam
beneficia-
das
do pon to de vista do bem-estar, da educagao etc? A
historia,
ao menos até 1919 ,
decidiu
no
sentido
da s
gran-
des
un idades
economic:-is, e as autonomias foram reduzi-
da s
ou se decompuseram. O autoritarismo e 0
desejo
de
conquistas e dominagao
eram
evidentemente comuns as
grandes
e
a s pequenas nagoes,
e a liberdade
servia
de
pre-
texto: as primeiras
impuseram
o poder
das cidades e
de
seus
aliados ( l igas), a s segundas,
o
poder
dos
reis ou
de
seus
Estados.
Entretanto, m e s m o
em tal
situagao, as cidades
favore-
ceram, a s vezes,
o
pensamen to independents
e a
pesquisa
cientifica, e permitiram
aos
dissidentes e
aos heréticos
ba -
nidos de nelas encontrar um asilo momen taneo .
sobre-
tudo n as municipalidades
romanas
que s e encon t ravarn
sobre
as vias de t rafego comercial, e e m ou tr as
cidades
prosperas
e
numerosas naquele momento,
que
existiam
focos dessa i ndependénc ia
intelectual:
de
Valenc ia
e Bar-
celona
até
a Alta Italia e a Toscana, a Alsacia,
a
Suiga,
a
Aemanha do Sul
e a
Boemia;
de Paris at é
Bouches-du-
R h o n e , F la n d r es , Paises
Baixos
ou 0 litoral ger rnan ico
(a s
cidades
hanseat icas), tal foi a extensao
de
territorio seme-
a do de foc os d e l iberdade.
A supremac ia
dos g randes Es ta -
dos
foi também determinada pelas
guerras
da
Italia,
pela
c ruzada
dos
alb igenses e
pela cen t ra l izagao
real n a F r an g a ,
principalmente sob
Luis
X I, pe la sup rernac ia de Castela n a
Espanha,
pela
luta
dos Estados cont ra
as
cidades
do norte
e do su l da
Aemanha
feita pelos duques
de
Borgonha.
Entre as seitas cristas,
é
preciso
mencionar particular-
MAX NETTLAU
mente aquelas dos
“Irmaos
e irmas do
espirito
livre”, cu -
jos
membros praticavarn um comunismo
total.
Forma-
das provavelmente n a F ra n ga ,
d e s tr u id a s p e la p e rs e g u i-
9 50 , s u as tradigoes
sobreviveram
sobretudo na
I-lolanda e
em Flandres , e os Klornpdraggers n o
século
XVI , os adeptos
de
Eligius
Praystinck, os
“libertinos”
de
Antuérpia
no
sé-
culo
X V I
(o s loistas) parecem derivar dessa primeira
seita.
Na Boemia, apos os discipulos de Huss, Peter Chelchicki
pregou
uma
conduta moral
e
s oc ia l q u e se aproxima
das
teorias de
Tolstoi. Ai
tarnbém
encontramos seitas
de
pra-
t i can tes
denom inados
“libertinos
diretos”, ent re
os quais,
sobretudo,
os “adarnitas”. Conhecernos particularrnente
alguns escritos
de Chelchicki
(cu jos adeptos mais
modera-
dos
foram em
segu ida conhec idos sob
0 n o m e
de “Irmaos
moravios”).
Mas
os
dados
relativos as
seitas
mais
avan§a-
das
limitam-se aos piores libelos redigidos pelos persegui -
dores mais zelosos. E
dificil,
ou mesmo i rnpossi ve l ,
saber
em q ue medida se u desa fio langado aos Estados e a s
leis
foi
um
ato antiautoritario consciente,
pois
nao
se
deve esque-
c er q ue essas seitas d izem-se
autorizadas
a agir em n o m e
de D e u s , que é, por consequencia, se u senhor supremo.
A
Idade Média
nao pode dar
origem a um
liberta-
rismo
racional
e integral. Foi a redescoberta do
paga-
nismo grego e romano , 0
humanismo
do
Renasc imen to ,
que
fo rneceu
a
numerosos
estudiosos
meios
de
compara-
gao e critica. Aguns desses eruditos, observando
em dife-
ren tes
mitologias
uma
“perfeigao”
seme lhan te aquela do
cristianismo, e levados a c re r e m todas ou e m nenhuma,
emanc ipa ram-se
a partir
dela. O titulo de um curto es -
crito de origern desconhecida — De tribus
impostoribus
(os
t res
i rnpos to res : Mo i sés , Cris to e
Maomé)5 -essal ta
pre-
cisamente essa
tendencia.
Mais
tarde,
um padre fran-
cés,
Franco is Rabela is,
escrevera
as
palavras
l iberadoras:
’
Texto por muito tempo
atribuido ao
filosofo
Espinosa. (N. do
5
-
8/18/2019 Nettlau. História Da Anarquia
20/105
3
A S coNcEPgoEs
L I B E R T A R I A S A T E 17
89
faz o que
quiseres,
enquanto um jovem jurista,
Etienne
de la Boétie, legar-nos-a
sua famosa obra:
Da servidiio
voluntaria.
Essas
pesquisas
historicas ensinam-nos a
se r modera-
do s em nossas esperangas. Nao é dificil encontrar os elo-
gios
mais
perspicazes
da
liberdade,
do
heroismo
do s tira-
nicidas
e
outros rebeldes,
e
da s revoltas sociais. E,
em
contrapartida, dificil encontrar a
consciéncia do
mal ine-
ren te ao autoritarismo e a fé total
na l ibe rdade.
As mani-
fes tagoes de pensamento acima mencionadas sao como as
primeiras tentativas
intelectuais
e morais para progredir
sem deuses
tutelares e
sem cadeias
coercitivas.
(Isso pa-
rece
pouco,
mas é
um
pouco
que nao foi esquecido.)
Ante
os trés irnpostores eleva-se,
enfim, a
ciencia,
a
razao livre,
a pesquisa aprofundada,
a
observagao
experimental e
a
experiencia
real.
A
abadia
de
Théleme nao
foi a
primeira
das
i lhas
fe l izes
imaginarias
(também
n ao
foi a ultima,
com
as
utopias
autoritarias,
que representavam 0s novos
grandes
Estados
centralizadores),
sonhos
de
vida idilica,
inocente, amavel, repleta de
respeito
pela liberdade, e afir-
mou
sua
necessidade
nesses séculos (X V I, X V II e
XVIII)
de
guerras
de conquistas,
de religioes,
de lutas comerciais
e
diplomaticas,
nesse periodo de
cruel
colonizagao do Novo
Cont inen te .
Aservidao voluntaria também
encon t rava , a lgu rnas
ve -
zes,
a forga
de por
fim a
si
mesma, como na
guerra
do s Pai-
s e s
Baixos
e cont ra
o poder
real dos
Stuarts
n os
séculos
X V I
e
X V I I , ou entao,
na
luta da s
colonias
americanas
contra
a
Inglaterra
no século XVIII
e
na
emancipagao
da
America
Latina no comeco
do
século X I X .
A
rebeliao fez, entao, sua
entrada
na
vida
politica e social; o mesmo
no
que con-
cerne ao sentimento da assoc iac ao
voluntaria
nos projetos
e
n as tentat ivas de cooperagao industrial n a Europa
desde
MAX
NETTLAU
0 século
X V I I ;
0 mesmo no que diz respeito a vida pratica
da s
organizagoes
mais ou menos
autonomas e autogover-
nadas
na America
do
Norte
antes
e
depois da separagao da
Inglaterra. la os ultimos sécu lo s da Idade Média haviam
conhecido 0 desafio
da
Suiga central ao Império germa-
nico e
seu
triunfo,
as
grandes
revoltas
do s
camponeses
e
as violentas
afirmagoes de
independencia local
de diversas
regioes da peninsula ibérica. Paris
opos-se firmemente
ao
poder real e m v a ri as
ocasioes desde o século
XV I I
e
de
novo
em 1 7 8 9 .
Bem se i que 0
fermento
libertario
ainda
era bastante
limitado e
que os rebeldes de um dia encontravam-se no
dia seguinte prisioneiros de uma nova autoridade. Ainda
é possivel fazer os
povos
rnatarem-se em nome de tal ou
qual
religiao,
e tanto
mais
se
lhes
foram
inculcadas
as
re-
ligioes emanadas da Reforma ou
se
forarn submetidos a
tutela e ao
agoite
dos
jesuitas. Por
outro
lado,
a Europa
estava submetida a burocracia, a policia, ao s exércitos per-
manentes, a aristocracia da s cortes e do s
principes,
per-
manecendo assim
sutilmente
governada pelos magnatas
do
comércio e da finanga. Raros foram os homens que
entreviram, as vezes , solugoes libertarias e as abordaram
em
seus escritos,
como
p or e xe m p lo
Gabriel Faigny ;
As
aventuras de
Jacques
Sadeur na descoberta e na viagem da
Terra austral
(1676) . Outros
utilizavam a ficgao
dos
sel-
vagens que nao conheciam a vida refinada do s Estados
policiados, como, por exemplo, Nicolas
Gueudeville
em
Conversagoes entre um selvagem e 0 barao de Hontan, ou
Diderot no famoso Suplemento a Viagem de Bougainville.
Houve uma
tentativa
de agao
direta
pela
tomada
da
liberdade
em
164,9, apos a
queda
da
monarquia
inglesa,
feita por Gerard Winstanley (the Digger); os projetos
d6
social ismo voluntario
por meio da associagao
proposta
37
-
8/18/2019 Nettlau. História Da Anarquia
21/105
3
A S C O N C E P Q O E S L I B E R T A R I A S A T E
17
89
pelo
holandes P.C.
Plockboy ( 16 5 8) , J oh n Bel lers
(1695)
e o escoces Robert Wallace ( 1791 ) , bem
como
o frances
Restif
de
la Bre tonne .
Aguns
filosofos
clarividentes analisaram 0 esta t i smo,
como
Edmund
Burke em A
Vindication
cfNatural Soci-
ety,
e
Diderot
fez
dedugoes
tipicamente
anarquistas.
Al-
guns
outros
criticaram a lei e a autoridade, tal
como
Wil-
liam Harris, da reg iao de Rhode Island (Estados Unidos)
n o
século XVI I ; Mathias
K n u t s e n , do Holstein,
n o
m e s m o
século;
o
beneditino Dom Deschamps,
na Franga, no sé-
cu lo XVI I I , num manuscrito abandonado e reencont rado
em 1865.
A.F .
Doni, Montesquieu
(o s
trogloditas), G . F.
Rebmann (1794), Dulaurens
(1766,
em algumas passa-
gens
de seu Compadre Mathieu) imaginaram
pequenos
paises
e
fe l izes
oasis
se m
propr iedade
e
s em le is .
Algu-
mas décadas antes da Revolugao
F
rancesa, o
parisiense
Sylvain
Maréchal formulou
um ana rqu i smo
muito
clara-
mente elaborado, embo ra
sob a
f icgao da
vida
feliz
de um
estado
pastoral arcaico,
em A
Era
de
Ou ro , col etanea
de
contos pastorais pelo
Pastor
S)/lvain (1782),
e
em Lvro
es -
capado do diluvio
ou
Salmos recém-descobertos (1784). O
mesmo Maréchal fez uma propaganda atéia da s mais
reso-
lutas e, em seus ApologosModernospara
us o
de um Deljim
(1788),
ja
mostrava
reis
deportados para uma ilha deserta
onde acabavam po r s e destruir
mutuamente, e esbogava
as
linhas
de
uma greve gera l p e la q u a l os produtores, que r di-
zer,
os
t res
quartos
da
populagao,
criavam
a
sociedade
livre.
Durante a Revolugao
Francesa, Maréchal
f icou impressi-
onado
e fascinado
pelo
terrorismo
revolucionario,
e
é a
ele que se devem
em
OManifesto
do s
Iguais, do s partida-
rios de Babeuf, as seguintes
palavras:
“desaparecei repug-
nantes diferengas entre governantes e governados , que
foram, em
seguida, completamente
condenadas , durante
MAX NETTLAU
seu processo,
pelos
social istas
autoritarios
e
pelo
proprio
Buonarroti.
I d éi as a n a rq u is ta s sao assim claramente exprimidas
por Less ing ,
o
“Diderot”
alemao
do
século XVI I I ; os f i loso-
fos
Fichte e Krause,
assim como
por
Wilhelm von Hum-
boldt
(1792
—
irmao
de
Alexandre)
em alguns
de
seus
escritos sao favoraveis aos libertarios. Igualmente o jo-
vem poeta ingles Coleridge e seus
amigos
da época de
su a “Pantisocracy”.
Uma
primeira aplicagao dessas idéias
encontra-se na reforma da
pedagogia,
entrevista no século
X V I I
por Amos
Comenius,
estimulada por J.-J.
Rousseau
so b a influencia
de
todas
as idéias
hurnanitarias e
igualita-
rias do século
XVIII,
e
difundida
particularmente
na Suiga
(Pesta lozzi)
e
n a
Alemanha
onde
o
proprio
Goethe
de u
sua
contribuigao.
Nesse circulo
mais
restrito
do s
[lumina-
do s alemaes (Weishaupt), a sociedade
sem
autoridade foi
reconhec ida como 0 objetivo final; Fran z Baader, n a Bavi-
era,
ficou muito impressionado com a leitura de Enquiry
on Political Justice
de Godwin, que havia sido publicado
em
alemao
(s o
a
primeira
parte, em
1805,
em Wiirzburg);
por outro
lado, Georg Forster, homem
de
ciencia
e
revo-
lucionario alemao, leu esse
livro ern Paris em
1795 ,
mas
morreu
alguns
meses m a i s t ar d e,
em
janeiro d e 1 79 4, se m
ter
podido da r
publicamente
su a
opiniao
sobre
essa
obra
que o f as ci na ra (ca rta
de
25 de julho d e 1 7 9 5) .
As fontes a s quais n os
n os
reportamos n ao sao muito
numerosas
m as
bastante notorias. Todo
mundo
conhece
Rabela is e , po r
Montaigne,
chegamos semp re
a
La
Boétie.
A
utopia
de
Gabriel
Faigny
foi
bem
conhec ida
e in1'1me-
ra s vezes re impressa e traduzida: a s novas idéias de Burke
foram observadas, e Sylvain Maréchal fez com que se fa-
lasse
muito
dele. Diderot
e Less ing
sao classicos.
Eis
po r
que
suas
concepgoes
profundamente
antiauto-
|s9
-
8/18/2019 Nettlau. História Da Anarquia
22/105
40{
A s
C O N C E P Q O E S
L I B E R T A R I A S A T E
1 7
89
ritarias, suas
criticas, sua
recusa
da
idéia governamental
e suas tentativas para
restringir,
e até mesmo negar o pa-
pe l da autor idade
n a
educagao,
n as
relacoes
sexuais, n a
vida religiosa,
nos negocios publicos;
tudo isso
nao passou
desapercebido
no mundo avangado
do
século XV I I I . En-
quanto ideal
supremo,
ele nao
foi
combatida
se nao
por
reacionarios, considerado para sempre
irrealizavel
pelos
pensadores
moderados.
Através do direito
natural,
da
reli-
giao natural e
da
concepgao
materialista
de Holbach
(Sis-
tema a'a
Natureza, 1770 ) ,
e
de
La Mettrie
pela
progressao
a mais ou m en os aper fe igoamen to
das
sociedades secre-
tas,
todos os
humanis tas dos
diversos
paises d o s éc u lo ca -
minharam intelectualmente para a
concepgao
de um go-
verno minimo, completamente ausente para
os
homens
livres.‘
‘
O s Herder, os
Condorcet, Mary Wollstonecraft
e, inclusive
-pouco
tempo
depois - jovem Shelley , todos cornpreenderam qu e o
fumm
ia n o Sen.
tido da humanizagao
do s
homens, 0
que
tornava inevitavelmente supérfluo
o governamentallsmo. Tal
era
a
situagao
as vésperas da
Revolugao
Fran-
cesa, quando
ainda eram ignoradas
todas
as
forcas que deve;-iam
desferir
um golpe decisivo ao
antigo regime.
Em toda
a parte
se
viam
05 insole-mes
aproveitadores da autoridade e su as vitimas seculares, mas os homens
capa.
d < , . .
es e proporcionar um
progresso queriam
0 maximo
de
liberdade e eram
d
t
‘
'
-
.
,
. . .
a do s d e
discemimento
e
esperanga.
A
longa noi te
da
er a
autoritana
I na ,
enfim, terminar. . . (N. do A.)
“ ILUMINADos ” E
F O U R I E R I S T A S
4 1
UMA
G R A N D E
REVOLUQAO
é como
0 rio
da
evolugao trans-
formado bruscamente em
torrente
que desemboca em cas-
cata,
fora do controle
de
seus
navegantes.
Nele se perdem
ou
morrem
quase todos, e com
as
mudangas de
condi-
goes
sendo alteradas,
o trabalho realizado
e
levado
sem-
pre mais a frente por s e us s u ces s or e s. Aqueles que con-
seguem sobreviver
numa
época
revolucionaria perecem
igualmente
ou sao
transformados,
de sorte que, apos a
tor-
menta,
quase ninguém consegue influir na nova evolugao
de
m o d o a ti vo e salutar. Em
outros
termos , a revolugao, as -
s im como a guerra ,
destro i, consome ou
muda os
homens ,
f azendo deles
déspotas
i ndependen te de qual tenha
sido
sua posigao
precedente, e
torna-os
pouco
aptos, depois
de
tais experiencias, a defender a liberdade.
So aqueles que permaneceram fiéis a
revolugao,
aque-
les que
extrairam
do s erros da
autoridade um
novo
ensina-
men to , e
aqueles
que detem um impeto revolucionario
de
forga excepc iona l podem atravessar i ndenes as
revolugoes.
Elisee Beclus, Louise Michel e Bakunin sa o tres exemplos
disso
-
enquanto todos
os outros
sao
fatalmente
influen-
ciados pelo autoritarismo, ainda inseparavel da s grandes
agitagoes populares.
Foi assim que, apos
um periodo
inicial
de poucos m e s e s
— na Franga em 1789, na Russia em 1917 -, o
autoritarismo
impos-se. O
periodo
de mais de
quarenta
anos
anterior
a
17 8 9 ,
quer
dizer, a época
luminosa
do s Enciclopedistas, e
da
critica simultaneamente liberal, e as
vezes
libertaria,
de
todas
as
idéias
e
instituigoes
passadas,
o
século
de
lutas
“ ILUMINADOS” E
F O U R I E R I S T A S
MAX
NETTLAU
-
8/18/2019 Nettlau. História Da Anarquia
23/105
42)
politicas e s oc ia is q u e precede 1917,
foi
va o e se m valor
frente a mais rude
das
lutas pela defesa
dos
in teresses e
pe la conqu is ta do pode r, a ditadura.
Trata-se
de um
f en o m e n o i n c on t e s ta v e l
cujas ra izes
devem-se
ao enorme prestigio da autor idade sobre
0
es -
pirito do s
homens
e
ao s
imensos interesses
postos
em jogo
quando os privilégios
e
os monopolios sa o ameagadosz é o
momento
de uma luta
mortal
e , num mundo autoritario,
essa
luta s e
fa z
com a s a rmas
mais
mortiferas.
N a
Franga ,
desde
os primeiros
me s e s
de
1789, quando foram
convo-
cados o s
Estados
Gera is , e
m a is t ar de , co m a
tomada da
Bastilha,
houve
horas e
dias
de
imensa alegria,
de solidari-
edade s ince ra e gene rosa , que o mundo inteiro partilhava.
N o m e s m o momento a con t ra- revo lugao ja
conspirava
e
foi
comba tida aber tamen te
ou n ao
durante
todo o
periodo
seguinte.
Foi
por isso que
os espiritos avangados so
obti-
veram
be m pouca
coisa apos
o 1 4
de julho, s e levarmos
em conta a
aquiescencia
geral, 0 sentimento favoravel e a
generosidade p op u la r. T u do
foi
feito durante a s jornadas
revolucionarias
gragas a um
forte
impulso dado
po r mi-
litantes
exper imentados e
a supremac ia
do
aparelho go -
vernarnental
—
nesse
momento
bem re fo rgada n o
interior
pela ditadura central do s Comites e pela ditadura local
das
segoes -que , depo is
de s e t er , a ss im , imposto n o inte-
rior,
teve
seu
centro
de
gravidade
n o
exército
de
onde
saiu
a ditadura
do chefe de um dos
exérci tos, 0
de
Napo leao
Bonapar te ,
do
Consu lado, depo is do Império
que impoe
su a
ditadura
sobre o continente europeu.
A a r is toc rac ia logo s e metarnor foseou ern “exército”
branco
dos
Emigrados .
O s
camponeses , para
protegerem-
se
contra
um retorno
do fe