Noções básicas sobre o núcleo e o declínio
radioactivo
20 de Abril de 2005
1 Constituição do núcleo
O átomo é uma nuvem de Z electrões que rodeia um núcleo constituído por Zprotões e N neutrões.
Figura 1: O núcleo tem Z protões e N neutrões (nucleões). Os nucleões são porsua vez constituidos por quarks.
Temos então que o número de massa A é dado por
A = Z + N. (1)
♦ A designação �número de massa� quer dizer a massa do núcleoem unidades de nucleão, já que protões e neutrões têm praticamente amesma massa.
1
Os núcleos são geralmente representados na forma AZX, em que X é o símbolo
químico do elemento. Por exemplo, o núcleo do Ferro é 5626Fe, o que quer dizer
que tem 26 protões (e portanto o átomo também tem 26 electrões) e que tem 56nucleões. Daqui se deduz que o número de neutrões é 30.
É o Z que determina o elemento. Para o mesmo Z podem haver vários valorespossíveis de N , e portanto de A. Aos núcleos com igual Z e diferente A chamamosisótopos.
♦ Isótopos famosos:
• O Hidrogénio tem três isótopos: o hidrogénio normal, 11H, o deutério,
21H e o trítio, 3
1H.
• O carbono tem 4 isótopos, 116 C, 12
6 C, 136 C e 14
6 C, sendo que o maisabundamnte é o 12
6 C, com aproximadamente 98.9% de abundânciarelativa e que o 13
6 C tem aproximadamente 1.1% de abundânciarelativa.
Os nucleões são constituídos, por sua vez, por quarks. Existem seis tiposde quarks: up (u), down (d), charm (c), strange (s), top (t) e bottom (b). Osquarks têm carga fraccionária. Up, charm e top têm carga +2/3 e down, starngee bottom têm carga -1/3. Os anti-quarks têm carga oposta. São fermiões, e porisso têm spin 1/2. Os nucleões são costituídos por quarks u e d. Assim,
• o protão é dado por 11p = uud
• o neutrão é dado por 10n = udd.
Porque é que os nucleões não se repelem?
Com efeito, os protões dever-se-iam repelir, já que têm a mesma carga. Aresposta é que no interior do núcleo faz-se sentir a força nuclear forte, que émuito mais intensa que a força electromagnética, embora de muito mais curtoalcance.
Tal como a força electromagnética é mediada pelos fotões (a interacção elec-tromagnética é a troca de um fotão), a força nuclear forte é mediada pelos gluões,que são trocados entre os quarks. Tal como cargas eléctricas opostas se atraem,os quarks têm uma carga de côr (vermelho, azul, verde, anti-vermelho, anti-azule anti-verde). A atracção dá-se entre cores diferentes e entre anti-cores. Coresiguais repelem-se.
2
Figura 2: Os nucleões são constituídos por quarks
2 Declínios Radioactivos
A maior parte dos núcleos que podem existir não são estáveis. Isto quer dizerque podem passar a um estado de mais baixa energia. Este estado por sua vezpode ou não ser estável. A cadeia acaba no estado de mais baixa energia, que éo núcleo estável.
A forma que o núcleo tem de procurar a estabilidade é �livrar-se� de partículas.Assim, os três tipos de emissão radioactiva são os seguintes
• Emissão α: o núcleo emite uma partícula α, que é um núcleo de Hélio, ouseja, dois protões e dois neutrões. Como as partículas α são muito massivastêm um fraco poder penetrante na matéria.
A emissão α corresponde a uma �ssão do núcleo. Este decaimento pode seresrito como
AZX →A−4
Z−2 Y +42 He. (2)
♦ Exemplos de declínios α:
23892 U→234
90 Th +42 He
22688 Ra→222
86 Rn +42 He
• Emissão β: o núcleo emite uma partícula β, que pode ser um electrão ouum positrão. São muitissimo mais leves do que as partículas α. Por issotêm um poder penetrante maior, precisamente porque a sua capacidade deinteractuar com a matéria também é mais reduzida.
3
A origem da emiisão β está noutra força: a força electrofraca. Esta in-teracção, que é mediada pelos bosões W± e Z0, permite que um quark u(ou d) se tranforme num quark d (ou u), com a emissão de um electrão(ou positrão) e um antineutrino (ou neutrino). Assim aparece a partículaβ que é emitida pelo núcleo. Portanto, a partícula β tem origem numatransformação de um quark noutro.
O decaimento beta pode ser escrito comoAZX→A
Z+1 Y + β− + ν̄ (3)AZX→A
Z−1 Y + β+ + ν (4)
♦ Exemplos de desintegrações beta:13755 Cs→137
56 Ba + β− + ν̄
2211Na→22
10 Ne + β+ + ν
• Emissão γ: o núcleo emite uma partícula γ, que é um fotão. Estes fotõestêm uma grande energia (têm uma frequência muito superior à da luz visível,na banda dos raios-X). Têm portanto um grande poder de penetração namatéria.
A emisão γ tem origem na interacção electromagnética nos núcleos. Muitasvezes dá-se após um declínio beta ou alfa, que ainda deixaram o núcleo numestado excitado. A desexcitação dá-se através da emissão de um fotão. Odecçíbio gama não altera portanto os números atómico e de massa. Podeescrever-sr
AZX∗ →A
Z X + γ, (5)
onde o asterisco indica que o núcleo está num estado excitado.
3 Esquemas de declínio
Vejamos agora alguns esquemas de declínios radioactivos
• O 125B pode decair directamente para o 12
6C através de um declínio β− oupode primeiro decair para um estado excitado 12
5C∗, que por seua vez decai
para o estado �nal através de uma emissão gama.
De passagem note-se que a partícula β− também se pode escrever como0−1e e que portanto a equação do declínio se pode escrever numa forma quemostra directamente a conservação dos números atómico e de massa:
125B→12
6 C∗ + 0−1 e + ν̄ (6)
126C
∗ →126 C + γ. (7)
4
Figura 3: Declínio do 125B
♦ Uma nota sobre as energias: as energias em FísicaNuclear são expressas e múltiplos do electrão-Volt (eV). O que éum eV? É a energia adquirida ou (perdida) por um electrão que semove através de uma diferença de potencial de 1 V. E quanto é essaenergia? Sabemos que a variação da energia potencial ∆U de umacarga q que atravessa uma ddp de ∆V é ∆U = q∆V . Assim, nocaso de um electrão e 1 V,
1 eV = 1, 60× 10−19C · 1V = 1, 60× 10−19J. (8)
Assim, a diferença de energia entre o 125B e o 12
6C é de 13.4 MeV, ouseja 2.144× 10−12 J.
• Por vezes a série de declínios é longa. Uma série famosa, a série do 23892U,
está representada abaixo.
4 Probabilidade de Desintegração
Consideremos uma colecção muito grande de núcleos radioacticos. Consideremosque λ é a probabilidade de decaimento de um núcleo por unidade de tempo:
λ = probabilidade de desintegração, (9)
[λ] = s−1. (10)
λ não depende do tempo, isto é, não importa se um ado núcleo está à esperade decair há 1 milhão de anos ou há 1 dia � a probabilidade de que ele decaiano próximo segundo é sempre a mesma.
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Figura 4: Declínio do 125B
Como se determina λ? Suponhamos que temos 1020 núcleos e que durante 5segundos decaem 105 núcleos. Então a probabilidade de decaimento em 5 s é
P [5s] =105
1020= 10−15. (11)
A probabilidade por unidade de tempo é então
P (s−1) =105
1020 · 5s= 2× 10−16 s−1 ≡ λ. (12)
De uma forma geral, se temos n(t) núcleos por decair num dado instantede tempo e se num intervalo in�nitésimal dt decaem dn(t) núcleos, então, poranalogia com exemplo anterior compreendemos que λ é dado por
λ =−dn(t)
dt · n(t)(13)
(o sinal (-) é porque λ > 0 mas dn < 0 já que n está a diminuir). odemosreescrever esta equação na forma
dn(t)
dt= −λn(t). (14)
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Esta equação também se pode interpretar assim:
taxa de variação de n(t) = prob. de desint.×no de núcleos por decair, (15)
já que λn(t) deve dar o número de núcleos que decai por unidade de tempo, pelaprópria de�nição de λ.
5 Equação do declínio radioactivo
Esta equação (14) é fácil de integrar, pois é a equação a que satisfaz uma expo-nencial. Assim, n(t) tem a forma
n(t) = Ce−λt, (16)
em que C é uma constante a determinar. Essa determinação é trivial. Sabemosque em t = 0 ainda nenhum n�cleo decaíu e portanto n(t = 0) = n0, em que n0
é o número inicial de núcleos. Temos então
n(t = 0) = Ce0 = n0 ⇒ C = n0. (17)
Portanto, a expressão �nal para n(t) é
n(t) = n0e−λt. (18)
Este é o número de núcleos que restam em cada instante t. A equação (18) é aequação do declínio radioactivo. Mostra que o número de núcleos por decairdiminui de forma exponencial ao longo do tempo.
6 Vida Média
Dada uma amostra com um número muito grande de núcleos e probabilidade dedeclínio λ, quanto é que um núcleo vive en média? Por outras palavras, qual é asua vida média? A �gura que se segue mostra o raciocínio básico para chegarà expressão da vida média:
Nesta �gura estamos a tomar um incremento de ∆t = 1s. Se tomarmos agora∆t → dt, então o número de núcleos que viveram entre t e t + dt é dado porn(t)− n(t + dt) = −dn.
No caso ∆t = 1s calcularíamos a vida média como uma média pesada,tomando o peso do intervalo i como sendo n(ti−1) − n(ti) e o intervalo seriarepresentado pelo seu valor médio. Assim,
τ =0.5 · (n(0)− n(1)) + 1.5 · (n(1)− n(2)) + . . .
n(0)(19)
7
Figura 5: O número de núcleos por decair para uma espécie com λ = 0.02s−1.
No caso em que ∆t passa a dt temos n(ti−1)− n(ti)→ −dn e∑→ ∫
, pelo que
τ =1
n(0)
∫ ∞0
t(−dn) =1
λ. (20)
♦ Este resultado mostra-se de forma simples. Começamos por no-tar que de acordo com a equação do declínio radioactivo se tem dn =−λn0e
−λtdt. Fica então
τ = λ∫ ∞0
te−λtdt = λ[−e−λt
(1
λ2+
t
λ
)]∞0
=1
λ.
Chegamos então à conclusão de que a vida média é o inverso da proba-
bilidade de desintegração (e tem unidades de s, claro).
7 Período
O Período de desintegração, T , é o intervalo de tempo em que o número denúcleos por decair se reduz a metade do número inicial. Assim,
n(T ) =n0
2⇒ noe
−λT =n0
2⇒ −λT = − ln 2, (21)
ou seja
T =ln 2
λ= τ ln 2. (22)
8
Figura 6: O tempo de vida dos núcleos em função de n(t).
8 Actividade
Não podemos medir n(t) e portanto a equação do declínio radioactivo, como está,não nos serve de muito. No entanto podemos medir o número de declínios porunidade de tempo. Como já vimos, isso vale
λn(t) = −dn
dt≡ A(t). (23)
A(t) é a actividade, que já pode,mos medir, com um contador Geiger, porexemplo. É fácil de ver que a actividade satisfaz à mesma equação que n(t):
dA
dt= λ
dn
dt= λ[−λn(t)] ≡ λA(t). (24)
Se A(t) satisfaz à mesma equação diferencial que n(t), então também satisfaz àmesma equação de declínio:
A(t) = A0e−λt, (25)
com A0 = A(t = 0) = λn(t = 0) = λn0.Podemos medir a actividade com um contador Geiger e através desta con-
tagem determinar λ e assim n0.
9
Figura 7: Determinando τ a partir das medidas da actividade.
9 A Estatística do declínio radioactivo
A desintegração de um núcleo radioactivo é um processo aleatório: numa colecçãode núcleos não podemos prever qual será o próximo a decair e para um núcleoem particular não sabemos quando decairá. Vimos no entanto que se λ é aprobabilidade de desintegração por unidade de tempo, então λn(t) é a taxa devariação temporal de n(t), o número de núcleos por decair. Isto ainda quer dizerque podemos interpretar λn(t) como o número de declínios por unidade de tempo.
Suponhamos agora que fazemos repetidas medidas do número de desinte-grações num intervalo de tempo ∆t. Então, se n(t) praticamente não variar em∆t temos que o número médio de desintegrações em ∆t é
∆n = λn(t)∆t. (26)
Se ∆n � n(t), então podemos considerar que n(t) não varia e tomamos n(t) ≡N =Const. Para que isto aconteça devemos ter, por (26),
∆n
N= λ∆t� 1⇒ τ � ∆t. (27)
Agora é fácil de compreender que
• τ � ∆t é uma condição necessária e su�ciente (vimos apenas a necessária)para que
1. n(t) se possa considerar constante, =N , e
10
2. λn(t)∆t = λN∆t é o valor médio de desintegrações em ∆t.
Mas se µ = λN∆t é o valor médio, isto quer dizer que todas as medidas vãodar o valor µ de contagens? Claro que não. Se �zermos muitas contagens de∆t segundos, os resultados vão oscilar em torno de µ. A forma como se dá essaoscilação é descrita pela distribuição de Poisson:
P (n, µ) =µne−µ
n!, (28)
em que n é o número de contagens, µ = λN∆t é o número médio de contagens eP (n, µ) é a probabilidade de ter n contagens se µ for o número médio de contagens.Assim, no nosso caso pobemos ainda escrever
P (n, λN∆t) =(λN∆t)ne−λN∆t
n!. (29)
A forma da distribuição está ilustrada na �gura. À medida que µ → ∞ adistribuição de Poisson tende para uma distribuição do tipo gaussiano.
Figura 8: A distribuição de Poisson para µ = 5.
Vejamos agora as propriedades da distribuição de Poisson;
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• Normalização A soma de todas as probabilidades deve dar 1, ou seja∞∑
n=0
P (n, µ) = 1. (30)
♦ É fácil ver:∞∑
n=0
P (n, µ) =
( ∞∑n=0
µn
n!
)e−µ.
Mas a expansão em série de eµ é precisamente pela soma entreparêntesis. Assim,
∞∑n=0
P (n, µ) = eµe−µ = 1.
• Valor Médio O valor médio para qualquer distribuição de probabilidadenão é mais do que a média pesada: n̄ =
∑n npn. Assim, neste caso temos
que o número médio de contagens é
n̄ =∞∑
n=0
nP (n, µ) = µ. (31)
♦ Este resultado tinha de ser ser assim, já que a µ é, porhipótese, o valor médio. Temos
n̄ =∞∑
n=0
nP (n, µ) =∞∑
n=0
nµn
n!e−µ = µe−µ
∞∑n=1
µn−1
(n− 1)!= . . .
onde só se usou o facto de que o termo n = 0 é nulo e se passaramos elementos constantes para fora da soma. Se �zermos agora amudança de variável k = n− 1 temos
. . . = µe−µ∞∑
k=0
µk
k!= µe−µeµ = µ.
• Variância De uma forma geral, a variância é dada por
σ2 =1
N − 1
∞∑i=0
(xi − x̄2). (32)
É fácil ver que se N →∞, então σ2 se pode antes escrever
σ2 =1
N
∞∑i=0
x2i − x̄2. (33)
No nosso caso isto vai implicar
σ =√
n. (34)
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♦ Mostremos este resultado: a aplicação directa de (33) dá
σ2 =∞∑
n=0
n2µn
n!e−µ − µ2 =
∞∑n=0
nµn
(n− 1)!e−µ − µ2 =
= µe−µ∞∑
n=1
nµn−1
(n− 1)!− µ2 = µe−µ d
dµ
∞∑n=1
µn
(n− 1)!− µ2
Se agora �zermos de novo a mudança de índice k = n−1, a expressão�ca
µe−µ d
dµ
∞∑k=0
µk+1
k!− µ2 = µe−µ d
dµ
[µ∞∑
k=0
µk
k!
]− µ2
= µe−µ d
dµ[µeµ]− µ2 = µe−µ(eµ + µeµ)− µ2 = µ
Este resultado quer dizer que quando fazemos contagens a variância aumentacom o número de contagens, já que σ =
√n.
♦ Imaginemos que fazemos muitas medições num dado intervalo decontagem e que o valor médio de contagens é 9. Isto quer dizer queas contagens se distribuem à volta do valor 9 com uma dispersão de±√
9 = ±3. Se agora aumentarmos o tempo de contagem e passarmosa ter µ = 100, então passamos a ter valores de contagem distribuídos emtorno de n = 100, com uma dispersão de ±
√100 = ±10.
Questão Quer isto dizer que a estatística piora com o número decontagens?
Para uma contagem individual também assumimos uma variância de√n, porque a contagem já é em si uma amostra estatística (p. ex.:
medida única de 547 contagens. Então o resultado é n = 547±√
547).
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