Introdução
Este trabalho de Projeto Integrado tem como objetivo promover
reflexão estética e crítica de nossa prática artística em diálogo com referências teóricas e artísticas do campo da arte contemporânea. Para tanto, o processo desenvolvido a partir de orientações da profª Camila Serino Lia, ocorreu nas seguintes etapas: seleção e análise da produção artística dos alunos e alunas integrantes do grupo; definição de um tema comum aos trabalhos e, investigação teórica e artística sobre este tema a partir de referências novas ou apresentadas no curso de Licenciatura em Artes Visuais em outras disciplinas.
O grupo desenvolveu esse trabalho de investigação a partir de pensares individuais em que cada integrante expôs aspectos que o intrigam em suas produções artísticas. A partir destas primeiras colocações individuais, percebeu-se uma preocupação em comum sobre o desenho, sobre a forma de pensá-lo, elaborá-lo e construí-lo a partir de um único elemento: a linha.
A linha pode ser vista e trabalhada de diversas formas, idéias e
poéticas que variam de um individuo a outro. A proposta neste trabalho é que cada integrante do grupo apresente e conceitue a sua forma de pensar a linha.
Para ampliar as relações de nossas produções com a de outros
artistas, identificamos alguns artistas que investigam a linha em suas obras como Edith Derdyk, Mira Shendel, Kim Sun Hyuk, Vik Muniz, entre outros. A partir destas relações, o grupo desenvolveu novas reflexões sobre a linha e suas próprias produções.
Amabile, Caroline, Gilberto, Julian e Marcos.
A linha reflexiva: por Julian Coelho
Em meu estudo recente sobre minha produção abrangi um conceito
que nomeei de “raízes” relacionado à minha forma de construção constituída
por linhas que se integram umas nas outras formando uma espécie de trama
que conduzira a forma daquilo que será apresentado, sendo o desenho que
se cria a partir da trama, seja um fenômeno artístico ate mesmo um ser
natural.
Para explicitar este conceito criei meu primeiro trabalho chamado
“Origem”. Nele explorei a “desfragmentação” da linha sobre a matéria em
que pude pensar sobre a possibilidade de uma simples mancha de aquarela
não ser apenas uma simples mancha e sim um processo de construção
constituído a partir de linhas. A criação deste trabalho foi feita
propositalmente a partir de uma pequena quantidade de estopa que
molhada na aquarela dissolveu-se sobre o plano branco a mancha de seu
formato, dando vida a sua matéria.
Fig.1: Origem – Julian Coelho
Mas por quê raizes? Em minha trajetória de vida, tive a experiencia de
trabalhar com plantas onde cultivava sua matéria desde a semente até a sua
forma adulta como árvore. Certa vez, ao retirar uma pequena árvore que
estava plantada em uma lata, notei que ela não crescia além do que já
estava, diferente das outras da mesma espécie que estavam plantadas na
terra. Ao retirá-la da lata, percebi que sua raiz tinha percorrido e preenchido
todo aquele espaço que a lata proprocionava.
Fig. 2: À esquerda, (raiz de laranjeira). Detalhe da mesma imagem à direita.
A partir dessa experiência comecei a me interessar e observar os
processos de constuções das coisas que estavam em minha volta e percebi,
intuitivamente, que tudo tinha um princípio, um início que parecia partir de
uma simples linha, uma linha que dava vida para aquilo que estava sendo
constituido, criado.
Na busca por um conceito sobre minha produção, comecei a
investigar no universo da arte, artistas que desenvolvessem algo próximo ao
meu trabalho e foi assim que encontrei o artista coreano Kin Sun Hyuk.
Em sua série de trabalhos “Atraídos pela vida” o artista explora a
idéia de raízes que interpretam o sistema radicular humano. Esculpidas em
metal, cada peça tem um layout estrutural e elegante.
Fig 3: “O Caminho para a Felicidade II”, Série “Atraídos pela Vida”, Instalação, 09/03/2011, Kin Sun
Hyuk
Fig 4: “O Caminho para a Felicidade IV” (à esquerda) e “O Caminho para a Felicidade” (à
direita).
Série “Atraídos pela Vida”, Instalação, 09/03/2011, Kin Sun Hyuk
No percurso desta pesquisa, encontrei outros artistas que se voltam
para o pensar do desenho, de sua criação e formas como Lizárraga e Flavia
Ribeiro, cujas obras e idéias são apresentadas no livro “Disegno. Desenho.
Desígnio” organizado pela artista Edith Derdyk onde são apresentadas
idéias sobre o uso do desenho como instrumento de pensamento, e de onde
retiro algumas citações que inspiram relações com minha produção.
Fig 5:“Desenhar é viver, é trazer ao visível”, técnica desenho
“É por meio do desenho que percebo e elaboro questões de meu interesse, com um pensamento, uma superfície, um corpo, algo que se projeta no espaço”. ...o desenho é fragmento do movimento que o atravessa...” (Flávia Ribeiro,2007 p.97.)
“O desenho revela os segredos das linhas tranquilas, linhas silenciosas, serenas, linhas quentes, frias, linhas irrequietas, instigantes, guardando as particularidades do pensar de seu autor”. Um desenho precisa saber flutuar. As formas têm direito de se expandir.” (Lizárraga, 2007 p. 71.)
Fig 6: Nanquim sobre papel
A linha estrutura: por Marcos
Fig. 7 Sem titulo- Marcos costa 2012 Fig.8: Sem titulo- Marcos costa 2012
A minha linha é originária de uma observação apurada de formas
mecânicas, estruturas metálicas tais como torres de transmissão e gruas de
torre. Máquinas motorizadas como tratores, motores e mecanismos
diversos.
Na busca pela expressão dessa estrutura, força e movimento, dou
origem a linhas que se entrelaçam, se juntam em estruturas flutuantes ou
muitas vezes apoiam-se em um ponto qualquer, equilibradas por forças de
todos os lados.
Afinal tudo é estrutura... Uma linha se liga a outra se amarra e se
apóia na próxima, vão se compondo, se erguendo, criando uma estrutura,
um DNA, seja corpo, madeira, ferro, ar, chuva, tudo é estrutura, a linha está
viva e se constrói. Se revela como a estrutura do desenho, uma estrutura
que flutua que pende, que navega.
Sobre as obras das artistas Edith Derdyk e de Mira Schendel e
relações com a minha linha...
Percebo que a obra de Edith Derdyk possui uma relação com a
minha linha, pois ela faz da linha uma estrutura em três dimensões que
criam uma estrutura física que se pode tocar. Sua obra sugere percorrer o
caminho do bidimensional para o tridimensional. No meu trabalho, faço o
percurso inverso: do tridimensional para o bidimensional.
A linha de sua obra sugere força e movimento e se torna mais
intensa cada vez que a observamos.
Fig. 9 (corte - Edith Derdyk 2002-); Fig.10: (Sopro-Edith derdyk 2002xx Fig 11 Dia um-Edith
Derdyk2002
“Parece-me ter traçado uma linha de fumaça. Segue-se, rompe-se,retorna,une-se
de novo ou se enrola; e se entrelaça consigo mesma, dando-me a imagem de um
capricho sem finalidade, sem começo nem fim, sem outro significado que o da
liberdade de meu gesto no ângulo de meu braço.”
Edith Derdyk
Fig. 12 (Mira Shendel-Planet 1979); Fig.13: (Mira Shendel- Sem titulo)
Na obra de Mira Schendel, os caminhos da linha e suas ramificações
resultam em uma estrutura complexa, leve.
A relação da minha linha com a de Mira Schendel esta na forma como ela
cria suas linhas, dando movimento a elas, criando uma estrutura leve que parece
pairar no ar como que apoiada no infinito.
“.... Os desenhos de Mira parecem brotar de um movimento distraído, paradoxal resultado de uma rígida disciplina e técnica,que abdicam de um controle para se fazer obra...
Em alguns momentos, a forma paira ou, eventualmente, se apóia em uma tangente, gerando linhas e núcleos, por sua vez, originando novas formações, em um movimento contínuo e inesgotável.”
O desenho e a linha de costura: por Carolina de Pádua Ferreira
Para tratar sobre a minha linha (Fig. 1), escolhi uma imagem simples
e divertida, em que utilizo a linha de crochê e agulha para “pintar” o
desenho, explorando idéias de movimento e textura.
Com a linha de costura posso “ir mais longe”, pois não, preciso ficar
presa num único ponto ou técnica, e posso me expressar em cada detalhe.
Essa técnica também é utilizada pelo artista brasileiro Vik Muniz, que
cria obras utilizando-se de diversos materiais, com a linha de costura e
alfinete, ele forma volume, que sugere a ideia de perspectiva, ou seja, de
proximidade e distância entre os objetos no ambiente, como podemos ver na
( Fig. 2), na obra inspirada em Piranesi na série “Carceri”.
Fig.14: snooke- Carolina
Fig. 15 “Prisões Imaginárias” - Vik Muniz
A artista Edith Derdyk, também explora a linha como material de
suas obras, ela utiliza a linha no espaço, fazendo que ela se torne parte do
ambiente, como podemos ver na obra “ Rasures III, 1998 ” (Fig. 3).
Fig. 16 Rasures III, 1998 – Edith Derdik
“A linha, bidimensional no desenho, tridimensional na costura, adquire na
escrita uma quarta dimensão, que é o tempo”. Edith Derdyk
“ O artista, está pensando em como pode sigularizar ou transformar o que é
usual em inusual, naquilo que é mais ordinário no extraordinário, numa
maneira de resignificar as coisas”. Edith Derdyk
A artista americana Lauren Dicioccio além de pintora, utliza a linha
de costura em objetos do cotidiano, para lembra o público com o seu
colorido das linhas a importância desses objetos simples e reciclável como o
jornal e o plástico, como podemos observar na obra “Barack Obama and
Hilary Clinton, 2010” (Fig.17) e “Deer Park, 2009” (Fig.18)”.
Fig. 17 Barack Obama and Hilary Clinton
Fig. 18 Deer Park
A linha por Amabile Theodoro : equilíbrio oculto
Em meu trabalho um dos aspectos formais que pesquisei foi a linha
oculta da composição artística. Iniciei a pesquisa observando obras
figurativas e de pintura. Com a orientação da professora Lissa Sacco que
lecionava a disciplina Linguagem Tridimensional, percebi que existe uma
linha invisível que percorre e define toda composição da imagem, que faz
um movimento linear e circular da entrada em direção a saída na obra.
Passei então a traçar nas imagens esta “linha invisível” com lápis e a
sensação que tive foi de que ela “amarava” todo o desenho.
Partindo deste exercício me apropriei da reprodução de duas obras
importantes do período do Renascimento: a primeira, foi a “A Criação de
Adão” de Michelangelo Buonarotti, para o teto da Capela Sistina, Itália.
Pintada “à fresco” ela ilustra a história da Gênesis em que Deus é o pai
criador representado na figura de um homem de cabelos brancos e barba
que dá vida ao primeiro homem. A segunda obra foi o “O nascimento de
Vênus” de Sandro Botticceli, uma pintura harmoniosa que representa o mito
romano da chegada de Vênus, deusa romana do amor, da fertilidade e da
beleza, à ilha de Chipre.
Fig.19: “A Criação de Adão”, pintura, Michelangelo Buonarotti, 1511
Fig. 20: “O nascimento de Vênus”, pintura, Sandro Botticceli, 1485
Cada uma das obras, “A criação de Adão” e “O nascimento de
Vênus”, foi “dividida” em doze partes. Em seguida, misturei estas partes
para formar uma nova composição e com o objetivo de encontrar entre as
duas obras um novo equilíbrio numa nova composição, por meio de uma
linha invisível em movimento, representada pela cor laranja (Fig.3), as linhas
em azul é o esqueleto da obra final (Fig. 4) e as linhas retas em verde que
formam os seis quadrados e os seis retângulos são o esqueleto dos recortes
das reproduções das obras: “A criação de Adão” e “O nascimento de
Vênus”.
A linha invisível se movimenta continuamente na nova composição.
Fig. 21: “Esqueleto Rítmico” caneta hidrocor, 2009, Amabile Theodoro.
Fig.22: “Equilíbrio Oculto”, Colagem, 2009, Amabile Theodoro.
Ao comparar este processo com as obras da artista plástica Mira
Schendel (1919 – 1988) pude perceber em sua obra a existência de uma
linha invisível que conduz a sua composição. Na figura 5 podemos imaginar
uma linha conduzindo os elementos da obra, as letras, das margens do
suporte em direção ao centro, em movimento circular, nos dando a
sensação de que estes elementos estão indo para um buraco negro.
Fig.23: Sem titulo,Objeto grafico, 1972, Mira Schendel.
Na obra de Mira Schendel (Fig.6) a artista desenha um circulo a
partir de um emaranhado de traços, mesmo sem contornar a figura, ela trás
a existencia um circulo. Aqui também podemos imaginar uma linha invisivel
continua, em torno da forma.
Fig.24: S/Título León Ferrari - Planet - 1979, Mira Schendel
Na continuidade de minha pesquisa encontrei novas informações sobre a linha como elemento visual de composição, no pensamento da artista e educadora Fayga Ostrower (1920 – 2001), em seu livro “Universo da Arte” (2004).
“É verdade que os significados dos elementos visuais ficam em aberto,
mas deve haver alguma coisa de definível nesses elementos para que
possamos reconhecer identidades expressivas diferentes. Se, porém,
perguntarmos: o que vem a ser uma linha?, a resposta natural virá: uma
linha é uma linha (o que pouco esclarece). Seria necessário perguntar: o
que faz uma linha? E mais especificamente: o que faz a linha em termos de
estrutura espacial? Neste caso, perguntando pela função espacial da linha,
receberemos uma resposta mais clara, porque, ao participar de uma
composição, cada elemento visual configura o espaço de uma modo
diferente. “E, ao caracterizarem o espaço, os elementos também se
caracterizam.” (OSTROWER, 2004. P. 53)
Fayga questiona o fato de se colocar a linha em uma dimensão simples:
linha é linha e ponto, mas muito pelo contrario a linha tem sua função no
espaço e no caso da linha do meu trabalho (Fig.4) , a linha invisível que
imaginamos esta fazendo o papel de estrutura que tem a função de guiar as
formas, os volumes, as cores e a luz. Por meio da formulação destes
elementos visuais é possível perceber o movimento da linha invisível, no
oculto a linha direciona todos os elementos visuais presentes na figura. 4.
A linha emoção, por Gilberto
Minhas experiências sempre me ajudaram a refletir sobre minhas
novas criações e assim sempre foram necessárias para amadurecer minha
produção enquanto arte contemporânea. Sempre busco na minha
experiência interior e pessoal, ela é responsável pela transformação e
continuidade dessa origem que surgi do lápis: a origem do ponto seguido de
linhas e formas como podemos ver nas figuras 1 e 2. Eu percebo que as
linhas que se entrelaçam e podem provocar o olhar em direções variadas,
em movimentos que parecem carregar emoção... Considero que em minhas
obras a poética é vibrante, sendo uma característica que vem fazendo parte
de um processo de desconstrução do meu desenho, e que tem me
impulsionado a ir além do figurativo, na busca de um novo traço mais
flutuante e descontinuo que induza o expectador a um olhar, investigativo e
pessoal.
Estes trabalhos me propõem é um intenso desafio: sair do exagero
enquanto simplificação dos elementos e ao mesmo tempo sugerir
subjetividade por meio de uma composição construída por linhas
harmoniosas, intencionalmente sentimentalizadas. A minha intenção é que,
a poética de meu trabalho instigue o olhar investigativo do observador.
Definitivamente estou deixando me levar por uma produção onde
percebo que a linha faz parte uma linguagem orientada pela emoção.
Fig.25 Mista sobre papel, acervo Gilberto
Fig.26 Desenho a lápis sobre papel, Acervo Gilberto
Com uma relação próxima o meu trabalho, eu trago o desenho de
Pablo Picasso “O retrato de Igor Stravinsky de 24 de maio 1920” (Fig. 3)
feito invertido de cabeça para baixo, com o objetivo de exercitar o lado
direito do cérebro.
Fig. 27: “Desenho invertido “O retrato de Igor Stravinsky” de 24 de maio 1920”, Pablo
Picasso (1881-1973). Propriedade particular
Olhe o desenho Fig. 3, de acordo com o livro “Desenhando com o
lado direito do cérebro (Betty Edwards, 1979) Ela faz o seguinte
comentário,” Observe os ângulos, as formas, as linhas. Você verá que as
linhas se encaixam: onde uma termina, começa outra. Os traços ficam a
determinados ângulos em relação uns aos outros e em relação a borda do
papel. As linhas curvas preenchem determinados espaços. “De fato,
constituem os limites de certas formas, e você poderá examinar a forma do
espaço contido entre elas.” Prosseguindo linha por linha, traço por traço, a
única preocupação é direcionar caminho das linhas que resultada
desprendimento e fluidez que trazem resultados que parece mais natural e o
emocional. Investigo a linha que traga a idéia de uma rica e valiosa
observação, associada não só a plástica, mas também a interação
emocional.
REFERÊNCIAS:
http://www.neolook.com/archives/20110309a
DERDYK, EDITH, Disegno. Desenho. Desígnio Flávia Ribeiro, 2007 p.97.
MUNIZ, VIK. Obra completa 1987-2009. ed. Capivara, 2009. p. 710
DERDYK, EDITH. Linha de costura. 25. ed. C/ Arte,2010,ed. 2ª. 60p.
http://blog.santiagoregis.com/2011/01/desenho-designio-derdyk.html
http://www.laurendicioccio.com/installation
OSTROWER, Fayga. Universos da arte. Rio de Janeiro Elsevier.
2004.