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SUELI APARECIDA DE PIERI
O CNJUGE COMO HERDEIRO NECESSRIO E
CONCORRENTE: UMA ABORDAGEM TERICA SOB A TICA
DO ATUAL CDIGO CIVIL BRASILEIRO
Piracicaba, SP
2008
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SUELI APARECIDA DE PIERI
O CNJUGE COMO HERDEIRO NECESSRIO E CONCORRENTE: UMA ABORDAGEM TERICA SOB A TICA
DO ATUAL CDIGO CIVIL BRASILEIRO
Orientador: Prof. Dr. JOS LUIZ GAVIO DE ALMEIDA
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao (Mestrado em Direito) da Universidade Metodista de Piracicaba UNIMEP, como exigncia parcial para obteno do ttulo de Mestre em Direito, sob orientao do Professor Doutor Jos Luiz Gavio de Almeida. Ncleo: Estudos de Direitos Fundamentais e da Cidadania.
Piracicaba, SP 2008
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Dados para catalogao: DE PIERI, S. A.. O cnjuge como herdeiro necessrio e concorrente: uma abordagem terica sob a tica do atual cdigo civil brasileiro. Universidade Metodista de Piracicaba, 2008. Dissertao (Ps-Graduao, Curso de Mestrado em Direito). Orientador: Professor Doutor Jos Luiz Gavio de Almeida. 1. Sucesso; 2. Garantia constitucional; 3. Cnjuge; 4. Ordem de vocao hereditria; 5. Herdeiro necessrio; 6. Concorrncia sucessria.
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O CNJUGE COMO HERDEIRO NECESSRIO E CONCORRENTE: UMA ABORDAGEM TERICA SOB A TICA DO ATUAL CDIGO CIVIL BRASILEIRO Autora: Sueli Aparecida De Pieri Orientador: Professor Doutor Jos Luiz Gavio de Almeida
B A N C A E X A M I N A D O R A
27/02/2008
_________________________________________
Professor Doutor Jos Luiz Gavio de Almeida
Orientador
_________________________________________
Professor Doutor Jair Aparecido Cardoso
_________________________________________
Professor Doutor Paulo Csar Souza Manduca
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AGRADECIMENTOS Em especial ao meu professor orientador, Doutor Jos Luiz Gavio de Almeida, exemplo de humildade e saber, transmitindo ensinamentos que nos engrandecem, pelo sempre pronto acolhimento com muita compreenso. Encontrei no ser humano que s a fora e incentivo para prosseguir e no desistir de meu sonho em concretizar o Curso de Mestrado. Agradeo sua colaborao inestimvel e incansvel para o direcionamento deste trabalho.
Ao Professor Doutor Jorge Luiz de Almeida, exemplo de ser humano a ser seguido, pelas carinhosas sugestes e injeo de nimo.
Ao Professor Doutor Jair Aparecido Cardoso, Membro da Banca de Defesa de Qualificao do presente trabalho, pela valiosa contribuio e ateno na melhoria desta pesquisa.
Aos meus pais, pela pacincia e compreenso nos momentos de ausncia desse intenso perodo da minha vida.
Aos meus irmos Josiane e Paulo; e minha cunhada Mrcia, pelas oraes, palavras de coragem e de conforto.
Aos meus amados sobrinhos, Vtor Felipe e Dbora Fernanda, por alegrarem minha vida e mostrarem que a renovao das geraes humanas ciclo a ser considerado um milagre.
Marlene E. Rossi Pelegrina, amiga e companheira dessa longa jornada de estudo, trabalho e viagens incansveis, a quem devo eterna gratido pela confiana e amizade.
Andresa Minatel, pessoa e amiga especial, que com incomensurvel generosidade me acolheu e me auxiliou durante todo esse tempo.
A Lucas Naif Caluri, amigo desde os tempos do Curso de Graduao, pela amizade e incentivo incondicional.
Lilia De Pieri, Juliana Cavalcante do Santos e Monnalisie Gimenes Cesca, amigas do Curso de Mestrado em Direito, pelo companheirismo, compreenso, amizade e encorajamento nos momentos mais difceis.
Ftima Elizabeth Casagrande, tabeli substituta e amiga, pelo incentivo durante a elaborao dessa pesquisa de concluso de curso. CAPES - Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior, pela concesso de bolsa de estudos, o que foi de fundamental importncia para o prosseguimento de meus estudos em nvel de ps-graduao.
Sueli Catarina Verdicchio Quiles, Secretria da Coordenao do Curso de Mestrado em Direito da Universidade Metodista de Piracicaba, pelo desempenho do seu trabalho com muita presteza, mas, acima de tudo, por ser amiga, pelo apoio, incentivo, carinho, sempre disposta a me ouvir e ajudar.
Dulce Helena dos Santos, Assistente Administrativa da Secretaria de Ps-Graduao da Universidade Metodista de Piracicaba, que com suas palavras, gestos e amizade ofertou o necessrio incentivo e orientao dos procedimentos burocrticos indispensveis.
A todos que direta ou indiretamente tenham contribudo para a consecuo deste trabalho e para meu aperfeioamento como ser humano, e que por ventura no foram citados nestes agradecimentos.
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DEDICATRIA
DEUS: O todo poderoso. A Ele, toda honra e glria. O nico digno de louvor e adorao; Que me permite viver e me fortalece. Sem Ele nada sou! Obrigado Senhor!
Aos meus amados pais: Dirceu e Clarice. Prolas que o Divino Mestre me deu. Exemplos de carter nobre. Pelo privilgio de um bero digno.
DEDICO
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RESUMO A presente dissertao tem como objetivo analisar a sucesso hereditria do cnjuge sobrevivo no Cdigo Civil, Lei 10.406, de janeiro de 2002. Antes da abordagem especfica do assunto, ser apresentada a evoluo histrica da sucesso do cnjuge, bem como, o direito herana como garantia constitucional, previsto no artigo 5, inciso XXX da Constituio Federal vigente. Destaca-se que a incluso do direito herana como garantia constitucional, visa no somente prover o direito de propriedade, uma vez que o reafirma mesmo aps a morte do titular dos bens, com a conseqente transmisso aos seus herdeiros, como tambm a proteo absoluta entidade familiar, garantida e regulamentada pela Constituio Federal em consonncia com o Cdigo Civil vigente no que tange a igualdade de direitos de herdar. Os princpios constitucionais resguardam importncia e influncia nas atuais e significativas mudanas trazidas pelo Cdigo Civil vigente, motivo pelo qual estuda-se, no direito das sucesses, como um dos ramos do direito que mais se alterou com o passar do tempo, modificao de relevncia e impacto na sociedade brasileira que foi a incluso do cnjuge sobrevivo na ordem de vocao hereditria, como herdeiro necessrio, concorrendo em certas situaes com descendentes e ascendentes, consoante disposio do artigo 1.829 do Cdigo Civil vigente. A inovao gera questes controvertidas e polmicas, haja vista que o legislador impe restries para o deferimento sucessrio ao cnjuge. As restries atingem os regimes de bens, e determinam que o cnjuge somente concorrer herana se casado no regime da comunho parcial de bens e o de cujus deixar bens particulares, porm, deixam de prever a possibilidade nos demais regimes de bens existentes no ordenamento jurdico ptrio, bem como, determinam que o cnjuge sobrevivo no poder receber menos que um quarto da herana quando concorrer com herdeiros comuns, o que gera dvida se a mesma garantia subsiste quando da possibilidade de filiao hbrida, ou seja, quando concorrer com descendentes comuns e exclusivos, concomitantemente. Por outro lado estabeleceu-se o critrio da culpa na separao, quando determina o deferimento sucessrio ao cnjuge sobrevivo, separado de fato h mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivncia se tornara impossvel sem culpa do sobrevivente, o que resulta em controvrsias doutrinrias e jurisprudenciais. O legislador ao estabelecer o direito sucessrio ao cnjuge sobrevivo, bem como ao impor restries, no harmonizou a matria, motivo pelo qual se encontram lacunas, notadamente pela ausncia de previso acerca da possibilidade da colao dos bens doados ao cnjuge, bem como, sua deserdao. Desta forma, pretende-se estudar separadamente as possibilidades do deferimento sucessrio ao cnjuge sobrevivo, bem como, as restries impostas pelo legislador, e demonstrar com o entendimento doutrinrio e jurisprudencial ptrio, bem como, frente o direito comparado, notadamente o Direito Portugus, para se analisar a forma como se aplica o direito sucessrio ao cnjuge sobrevivo . Palavras-chave: Sucesso; Garantia constitucional; Cnjuge; Ordem de vocao
hereditria; Herdeiro necessrio; Concorrncia sucessria.
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ABSTRACT This thesis aims to examine the hereditary succession of the supervening spouse in the Civil Code, Law 10.406, January 2002. Before studying the specific matter, the historical evolution of the spouse succession will be presented, as well as the right to inheritance as a constitutional guaranty. Article 5, section XXX of the Federal Constitution. The inclusion of the right to inheritance as a constitutional guaranty aims to provide not only the property right, but also the absolute protection to the family entity, guaranteed and regulated by the Federal Constitution in the same way as the Civil Code. The constitutional principles have important influence on the significant changes brought by the Civil Code, the reason why it is important to study the right of succession, specifically about the one that brought great impact in the society, which is the inclusion of the supervening spouse in the hereditary descent order, as necessary heir, competing, in some situations, with ancestor and descendant, according to the clause 1.829, from the Civil Code. This matter provokes different and polemical issues, specially because the law presents restrictions to the acceptance of the spouse as a necessary heir. The restrictions affect the property system, stipulating that this situation is possible only in the partial community property system and the deceased leaves private property. However, there is no foresight about this situation in the other property systems, determining, on the other hand, that the supervening spouse can not receive less than a quarter of the inheritance when in competition with the commons heirs, which provocates doubts if the same guaranty remains when there are common and exclusive descendants, at the same time. IT was also fixed that the supervening spouse has the same right when there is the de facto separation in over two years, and it is proved that the supervening spouse there is no responsibility in the separation surviving spouse inheritance, what provocates doctrinal and jurisprudential controversies. Therefore, the goal of this paper is to examine the possibilities of concession of the right to inheritance to the surviving spouse and the restrictions imposed by the law, according to the doctrinal and jurisprudence, and the comparative law, notably the Portuguese law, the way the right to inheritance is applied to the supervening spouse. Keywords: Succession; Constitutional guaranty; Spouse; hereditary vocation order;
necessary heir; Competition succession.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS DOU - Dirio Oficial da Unio
CJF - Conselho da Justia Federal
IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Famlia
STF - Supremo Tribunal Federal
FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Servio
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SUMRIO
INTRODUO................................................................................................12
1 BREVE ABORDAGEM SOBRE A QUESTO DA SUCESSO...................17 1.1 Esboo histrico sobre o direito sucessrio do cnjuge...................18 1.2 O entendimento da sucesso como garantia constitucional.............27
2 DA SUCESSO POR DISPOSIO EXCLUSIVA DA LEI: SUCESSO LEGTIMA.......................................................................................................
31
2.1 Ordem de vocao hereditria.............................................................. 33 2.2 Consideraes a respeito dos herdeiros necessrios....................... 38 2.3 Os descendentes no processo de sucesso....................................... 41 2.4 Os ascendentes no processo de sucesso......................................... 43 2.5 O cnjuge no processo de sucesso................................................... 45 2.6 Os colaterais no processo de sucesso.............................................. 47
3 O CNJUGE COMO HERDEIRO NECESSRIO NO ATUAL CDIGO CIVIL........................................................................................................
49
3.1 Sobre a concorrncia sucessria do cnjuge sobrevivo................... 55 3.1.1 Restries concorrncia sucessria do cnjuge.................... 59 3.1.2 Sobre a concorrncia com descendentes...................................61 3.1.3 Sobre a reserva da quarta parte da herana em benefcio do cnjuge
na concorrncia sucessria com os descendentes comuns...............
66 3.1.4 Sobre a concorrncia do cnjuge com ascendentes.................70 3.1.5 Da sucesso do cnjuge inexistindo descendentes e
ascendentes.................................................................................. 73
3.1.6 Sobre a concorrncia do cnjuge com companheiro................ 73
4 INFLUNCIAS DOS REGIMES DE BENS NA CONCORRNCIA SUCESSRIA...........................................................................................................
78
4.1 Distines entre meao e herana......................................................84 4.2 Da concorrncia no regime de comunho universal de bens............85 4.3 Da concorrncia no regime de comunho parcial de bens................90 4.4 Da concorrncia no regime de participao final nos aqestos........ 94 4.5 Da concorrncia no regime de separao de bens.............................97
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5 HIPTESES DE SUCESSO ANMALA.....................................................103 5.1 Sobre o usufruto.....................................................................................107 5.2 Sobre o direito real de habitao.......................................................... 111
6 RENNCIA, COLAO E DOAO............................................................ 115 6.1 Sobre os efeitos decorrentes da renncia........................................... 115 6.2 Sobre a colao dos bens doados ao cnjuge....................................119 6.3 Da doao realizada aos cnjuges....................................................... 123
7 DIREITO SUCESSRIO DO CNJUGE SEPARADO..................................127 7.1 Da separao judicial............................................................................. 127 7.2 Da separao de fato..............................................................................136 7.3 Do casamento putativo.......................................................................... 140
8 HIPTESES DE EXCLUSO DO CNJUGE DA CONCORRNCIA SUCESSRIA...............................................................................................
142
8.1 Sobre a indignidade............................................................................... 143 8.2 Sobre a deserdao................................................................................146
9 CONSIDERAES FINAIS........................................................................... 153 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.............................................................. ANEXOS A- PROJETOS DE LEI................................................................... ANEXOS B- ACRDOS..............................................................................
161 166 184
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INTRODUO
No presente trabalho analisada a sucesso hereditria do cnjuge sobrevivo
no mbito do Cdigo Civil vigente, levada a efeito pela promulgao da Lei 10.406,
de 10 de janeiro de 2002.
O direito das sucesses sofreu inmeras alteraes no decorrer dos tempos,
notadamente na classificao dos herdeiros conforme a ordem de vocao
hereditria, determinada por lei e segundo uma hierarquia que coloca os sucessores
em graus de preferncia em relao ao sucessvel e conforme a classe a que
pertencem.
Esta ordem de vocao hereditria corresponde ao deferimento sucessrio
aos herdeiros legtimos, nos termos do artigo 1.786 do atual Cdigo Civil, onde se
dispe que a sucesso se d por lei ou disposio de ltima vontade. Assim,
falecendo a pessoa sem testamento, o artigo 1.788 normatiza que se transmite a
herana aos herdeiros legtimos; o mesmo ocorrer quanto aos bens que no forem
compreendidos no testamento, subsistindo a sucesso legtima se o testamento
caducar ou for julgado nulo.
Dessa forma, no havendo testamento, a sucesso legtima aplicada por
inteiro ou na parte em que o testamento for omisso, fazendo-se o chamamento dos
sucessores segundo a ordem de vocao hereditria.
Foi justamente na alterao da ordem de vocao hereditria, por intermdio
do artigo 1.829 do Cdigo Civil vigente, que o legislador inovou o direito sucessrio
do cnjuge sobrevivo, incluindo-o como herdeiro necessrio e concorrendo, em
certas situaes, com descendentes ou ascendentes.
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Para que seja reconhecido o direito sucessrio ao cnjuge sobrevivo, o
legislador impe restries, envolvendo o regime de bens do casamento, bem como,
a distribuio da quota hereditria entre descendentes comuns, com a reserva da
quarta parte ao cnjuge sobrevivo.
A nova posio sucessria benfica ao cnjuge sobrevivo; porm, as
restries impostas pelo legislador geram controvrsias doutrinrias, bem como pelo
fato de que, ao inseri-lo como herdeiro necessrio, esqueceu-se de harmonizar os
demais dispositivos que tratam da matria, notadamente os que cuidam da colao
e deserdao, deixando lacunas na forma de aplicao ao cnjuge.
Sendo assim, com a inovao legislativa e as omisses existentes, imprime
relevncia a temtica, motivo pelo qual no decorrer da presente pesquisa
demonstrado, com enfoque na sucesso legtima e utilizando-se de pesquisa
bibliogrfica e jurisprudencial, alm de breve insero no Direito Comparado,
especificamente o Direito portugus, a forma de aplicao do direito sucessrio ao
cnjuge, ressaltando sua nova posio sucessria e a concorrncia com
descendentes, ascendentes e seus respectivos quinhes.
Dessa forma, o estudo iniciado considerando o direito das sucesses como
um dos ramos do Direito que mais se alterou com o passar do tempo, demonstrando
tambm a evoluo do direito sucessrio do cnjuge.
Em seguida analisada a sucesso como garantia constitucional, uma vez
que a Constituio Federal de 1988 consagrou, ao garantir por meio do artigo 5,
inciso XXX, o direito herana. Esta previso constitucional foi inserida no Ttulo II
(Dos Direitos e Garantias Fundamentais), Captulo I (Dos Direitos e Deveres
Fundamentais), que consiste no conjunto de direitos e garantias do ser humano, com
a finalidade bsica do respeito dignidade, por meio de proteo contra o arbtrio do
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poder estatal, estabelecendo condies mnimas de vida e desenvolvimento da
personalidade humana.
A incluso do direito herana como garantia constitucional visa no somente
prover o direito de propriedade, uma vez que o reafirma mesmo aps a morte do
titular dos bens, com a conseqente transmisso aos seus herdeiros, mas, tambm,
a proteo absoluta entidade familiar, garantida e regulamentada por intermdio
da Constituio Federal de 1988, em consonncia com o Cdigo Civil vigente, no
que tange a igualdade de direitos de herdar.
Para continuidade do estudo, no captulo 3 so examinadas as hipteses de
concorrncia sucessria, bem como a distribuio das quotas hereditrias entre
descendentes comuns ou exclusivos, com destaque reserva da quarta parte ao
cnjuge sobrevivo. Neste momento tambm abordada a possibilidade da
concorrncia sucessria entre cnjuge e ascendentes, ou cnjuge e companheiro.
O legislador impe restries ao direito sucessrio do cnjuge, envolvendo os
regimes de bens do casamento, razo pela qual, no captulo 4 estudam-se os efeitos
dos regimes de bens na concorrncia sucessria do cnjuge.
Muito embora o estudo cuide das hipteses de sucesso do cnjuge
sobrevivo na sucesso legtima, o captulo 5 trata de algumas situaes nas quais o
legislador determina de plano a sucesso ao dependente do autor da herana, sem
observncia da ordem de vocao hereditria. Trata-se da denominada sucesso
anmala, que ocorre quando, embora causa mortis, no seja regulada pelas regras
normais do direito sucessrio previstas no atual Cdigo Civil. Aqui analisado se
nessa hiptese haver ou no possibilidade de concorrncia sucessria.
Neste captulo ainda abordado o direito do cnjuge ao usufruto e o direito
real de habitao, considerando que para as sucesses abertas na vigncia do atual
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Cdigo Civil no mais subsiste o direito de usufruto vidual da quarta parte ou da
metade da herana ao cnjuge sobrevivo, nos moldes delineados pelo artigo 1.611
do antigo e j revogado Cdigo Civil de 1916, prevalecendo o direito real de
habitao.
Posteriormente, no captulo 6, ressaltada a possibilidade de o herdeiro
renunciar a herana, notadamente quando existir renncia de descendentes que
concorrem com cnjuge, bem como quanto colao de bens doados ao cnjuge
sobrevivo. Considerou-se importante o estudo neste captulo, quando da hiptese de
doao realizada a ambos os cnjuges, consoante norma do artigo 551 do Cdigo
Civil vigente.
No obstante, destaque-se que o cnjuge sobrevivo figura como herdeiro
necessrio, conforme a nova ordem de vocao hereditria, pressupondo ser
requisito de sua participao na herana do de cujus a constncia, tanto de fato
quanto de direito, do cumprimento das obrigaes inerentes ao casamento.
Nesse caso, tratando-se de direito sucessrio, dispe o artigo 1.830 do
Cdigo Civil vigente que somente reconhecido direito sucessrio ao cnjuge
sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, no estavam separados judicialmente,
nem separados de fato h mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa
convivncia se tornara impossvel sem culpa do sobrevivente. Assim, no captulo 7
so estudados os aspectos relativos sucesso do cnjuge, seja na separao
judicial ou de fato, bem como no casamento putativo.
Considere-se tambm que, muito embora a lei enumere os graus de
parentesco e a ordem de vocao hereditria, podem ocorrer razes especiais ou
particulares, estranhas vontade do herdeiro, que determinam sua excluso do
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direito de herana, pela indignidade ou deserdao, o que mereceu importante
destaque no captulo 8.
Por fim, como no poderia fugir regra num trabalho cientfico, foram tecidas
algumas consideraes finais, bem como apresentada as referncias bibliogrficas
que forneceram a base necessria consecuo do presente trabalho.
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1 BREVE ABORDAGEM SOBRE A QUESTO DA SUCESSO
Antes mesmo de um maior aprofundamento no assunto em tela, insta expor
que a sucesso envolve a idia de substituio de um titular por outro, em que pese
a continuidade das relaes jurdicas. Ocorre, assim, a modificao dos sujeitos
envolvidos, mas subsiste o contedo; no se evidencia alteraes na substncia do
direito, o qual permanece integralmente constitudo, mas se encerra, com a morte, o
ciclo da atividade pessoal e patrimonial de seu titular, motivo pelo qual necessrio
que este seja substitudo no posto vago.1
O sentido da terminologia sucesso, considerando-se o prprio universo
jurdico e o posicionamento de Caio Mrio da Silva Pereira, deve ser tomado na
acepo de uma pessoa poder assumir a titularidade de uma determinada relao
jurdica que lhe advm de outro agente e, por metonmia, a transferncia de direitos
entre os envolvidos.2
Uma definio mais completa de sucesso pode ser encontrada em Euclides
Benedito de Oliveira, que a define da seguinte forma:
De origem latina, a palavra sucesso significa, dentre outras acepes, suceder, vir aps, entrar no lugar de outrem. D idia de substituio de pessoas no desempenho de certa atividade, cargo ou funo, como de uso na atuao poltica ou empresarial, ou da transmisso da propriedade de bens pela troca dos titulares, tal o seu emprego nos negcios jurdicos, em que ao alienante sucede o adquirente.3
Tambm preciso lembrar a possibilidade de se partir de um conceito natural
de sucesso, por meio do qual uma pessoa toma lugar de outra e assume os direitos
1 GIORGIA, Jos Carlos Teixeira. O Direito Sucessrio do Cnjuge Sobrevivo. Revista Brasileira de Direito de Famlia. Porto Alegre: Sntese; IBDFAM, abr.-mai. 2005. p.93. 2 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituies de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1980a. p.1. 3 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Direito de herana. So Paulo: Saraiva, 2005a. p.50.
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que a esta pertencia; aqui, o sentido de sucesso restringe-se aos casos de morte e
no envolve, como nos casos das transmisses, o significado de transferncia em
vida, quando o comprador sucede o vendedor no domnio de uma coisa.4
Assim, a sucesso causa mortis (ou hereditria), proveniente de um fato
jurdico, tem como fato gerador o falecimento de algum que deixa bens a serem
transmitidos aos seus sucessores, denominados de herdeiros, o mesmo podendo
ocorrer no caso de morte presumida, quando da ausncia do antigo proprietrio.5
Para uma compreenso mais bsica sobre o assunto, eficaz se torna
subsidiar-se em De Plcido e Silva, para quem:
Em sentido estrito, porm, e em significao mais tcnica, sucesso a transmisso de bens e de direitos a uma, ou mais pessoas vivas, integrantes de um patrimnio deixado por uma pessoa falecida. Nesse aspecto, sucesso configura-se instituio exclusiva do Direito Hereditrio. E tanto se opera por distino de ltima vontade, como por fora de lei.6
Entretanto, como a presente dissertao de concluso de curso trabalha a
dinmica da sucesso nos aspectos que abrangem a questo do cnjuge
sobrevivente, conveniente se torna promover um breve resgate histrico desse tipo
especfico de sucesso, o que ser feito a seguir.
1.1 Esboo histrico sobre o direito sucessrio do cnjuge
Como domnio de grande parte dos operadores do Direito, o direito das
sucesses sofreu inmeras alteraes no decorrer dos tempos, haja vista tratar-se
4 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucesses. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p.1. 5 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. op. cit., 2005a. p.51. 6 DE PLCIDO E SILVA. Vocabulrio jurdico. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.780.
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de um ramo do Direito intimamente ligado organizao dos grupos sociais.
Destaque-se tambm que a sucesso causa mortis teve um sentido extra
patrimonial em determinado perodo histrico, importando para a famlia romana
uma continuao da cultura domstica, na qual o pater famlias institua o novo titular
da soberania familiar na pessoa do herdeiro.
Cumpre iniciar o estudo frisando que no Direito antigo (pr-histria - perodo
neoltico - sedentarismo) apenas um grupo social, denominado tribo, cl ou genis
era sujeito de direito. Carlos Maximiliano compartilha do entendimento de que no
havia lugar para a sucesso sem a extino (leia-se morte) do grupo, reinando,
assim, o comunismo absoluto. Tambm relata que posteriormente o grupo passou a
intitular-se famlia e, dessa forma, surgiu a propriedade comum, mas o ento
designado chefe apenas zelava e prezava pela continuidade dos bens, no
existindo a herana no sentido moderno do vocbulo.7
Apenas a ttulo de ilustrao, vale explicar que os primeiros bens individuais
(armas e adornos) tornavam-se isentos de transmisso por motivo de bito, uma vez
que eram enterrados com o proprietrio, mas a gruta ou caverna onde se abrigavam,
bem como os instrumentos de caa e pesca eram revertidos s famlias.
Posteriormente, conforme se dava a evoluo da organizao social dessa poca,
assegurou-se s pessoas tambm o domnio sobre os rebanhos e, finalmente, sobre
a terra.8
Em que pese a existncia do sistema patriarcal em determinados
agrupamentos sociais antigos, importante destacar que em alguns povos
implantou-se o matriarcado no ncleo familiar primitivo; isso significa afirmar que se
7 MAXIMILIANO, Carlos. Direito das sucesses. So Paulo: Freitas Bastos, 1964. p.23. 8 Ibidem. p.23.
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conhecia ou pelo menos se reconhecia apenas o parentesco advindo do lado
materno: mes, irms e avs maternas. Dessa forma, determinava-se a herana
apenas pela linhagem feminina e, como as mulheres eram as protagonistas no
amparo e alimentao dos filhos, viam-se foradas a se apropriar de certos bens, os
quais passavam a possuir e a transmitir a outros agentes, tambm do sexo feminino;
ressalte-se, porm, que este tipo de sucesso abrangia unicamente os bens
mveis, j que os imveis eram considerados como pertencentes comunidade
como um todo.9
Conseqncia do passar dos anos, ocorreu um crescimento significativo dos
grupos primitivos e, de forma concomitante, uma exploso demogrfica entre eles,
motivo pelo qual a nova forma adotada para as questes da sucesso no que diz
respeito aos bens foi, primeiramente, a primogenitura que, segundo De Plcido e
Silva, significa a qualidade de primeiro filho ou filho mais velho.10
Durante muitos sculos os direitos patrimoniais no foram partilhados;
pertenciam de fato famlia, eram administrados pelo pai e, no caso de falecimento
deste, assumia essa funo o primognito do sexo masculino. Em certa poca, na
ndia, em Atenas (Grcia) e na Europa Ocidental, a famlia que no possua filho
varo designava uma filha casada para lhe dar sucessor, sendo o menino
considerado filho do av.11
Tambm ocorria de, por motivos religiosos, ser considerado parente aqueles
adeptos do mesmo culto; na falta de filhos, sucediam netos e colaterais da linha
masculina de todos: filho de filho ou de irmo, mas nunca de filha ou irm. No
havendo irmos nem sobrinhos, chamavam-se os ascendentes homens e, se estes
9 MAXIMILIANO, Carlos. op. cit. p.23. 10 DE PLCIDO E SILVA. op. cit. p.639. 11 MAXIMILIANO, Carlos. op. cit. p.23-24.
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no existiam, descia-se daquele ascendente at encontrar um sucessor, sempre na
linhagem masculina. Assim, ocorria na ndia, na Grcia e na Roma antiga.
Ainda no que diz respeito aos motivos religiosos, Pinto Ferreira explica a
existncia da vinculao entre a sucesso dos bens de uma pessoa e a prtica dos
ritos em homenagem e honra ao falecido, mediante sacrifcios rituais. O culto
obrigatrio era rendido aos mortos e s divindades tutelares da famlia; em Roma o
adorador era masculino e da o fato da sucesso se dar por via masculina, pois era o
filho varo quem recolhia a herana e tinha a obrigao de realizar as prticas
religiosas domsticas.12
No direito feudal, a primogenitura encontrou sua mais forte expresso, visto
estar impregnado do desejo de destinar a propriedade apenas aos de um s ramo
da famlia. De acordo com o Direito da poca, o filho varo (primognito) herdava
preferencialmente aos demais, recolhendo a totalidade da herana e permanecendo
na opulncia, enquanto os demais filhos na maioria das vezes permaneciam na
pobreza e subordinados, social e economicamente, autoridade do irmo mais
velho, j que este herdava toda a fortuna.
No tocante aos direitos das mulheres na ndia, Grcia e Roma, havia
considervel discriminao no Direito antigo, posio esta compartilhada com Carlos
Maximiliano, uma vez que na velha Roma, por exemplo, a mulher que contraa o
matrimnio deixava de herdar porque, casada, abandonava os cultos da casa
paterna e passava a adotar o culto dos antepassados do marido.13
Essa ausncia de direitos da mulher pode ser comprovada em Caio Mrio
da Silva Pereira com subsdio no Direito Romano, considerando-se que a mulher
12 PINTO FERREIRA. Tratado das heranas e dos testamentos. So Paulo: Saraiva, 1990. p.17. 13 Ibidem. p.18.
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casada podia herdar do marido, mas ficava impossibilitada de dispor dos bens; no
possua patrimnio prprio e, portanto, no se cogitava de sua sucesso por morte
do cnjuge varo. Posteriormente, quando da elaborao da lei pretoriana, tal
rigidez foi relativamente amenizada, facultando-se mulher possuir seus prprios
haveres, mas foi somente na ltima fase do Direito Romano, quando da codificao
justiniana, que se reconheceu esposa o direito sucesso do marido, recolhendo,
na falta de filhos, a quarta parte em propriedade e, em usufruto, se os havia at o
mximo de trs. Se o nmero de filhos fosse maior, concedia-lhe um direito
usufruturio mais limitado e, na ausncia de colaterais, os cnjuges eram herdeiros
um do outro.14
Diante do que foi exposto at o momento, possvel compreender, baseando-
se tambm em Jos Cretella Jnior, que durante o extenso perodo em que decorre
a histria do Direito Romano, o sistema hereditrio apresentava-se de forma
extremamente desigual, dependendo da poca considerada, o que refletia
diretamente na sucesso legtima e apresentava aspectos diversos, pois a sucesso
era analisada conforme os sistemas das XII Tbuas, do Direito Pretoriano, do Direito
Imperial e do Direito Justiniano.15
salutar expor que o Direito Justiniano considerava inquo no permitir
herana filha do falecido, mas foi a Revoluo Francesa, mais especificamente no
perodo compreendido entre 1789 a 1799, a precursora na extino definitiva das
desigualdades na sucesso relativas ao sexo e primogenitura.
As regras de Direito Romano, modificadas pelo Cdigo Visigtico, foram as
que ficaram regulando as sucesses em Portugal durante muito tempo, mas esse
14 PEREIRA, Caio Mario da Silva. op. cit., 1980a. p.93/94. 15 CRETELLA JNIOR, Jos. Curso de direito romano. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p.261.
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direito foi alterado pelas Ordenaes do Reino, ou seja, compilaes de leis
portuguesas que vigoraram de 1446 a 1876, quando foi aprovado o primeiro Cdigo
Civil de Portugal. No que se refere sucesso legtima em Portugal, ela foi durante
alguns sculos regulada pela Novela 118, de Justiniano, conforme se achava
reproduzida pelo Cdigo Visigtico.
Nas Ordenaes Filipinas, por exemplo, quando da falta de descendentes, o
direito sucessrio era conferido aos ascendentes; na inexistncia destes, aos irmos e, a
seguir, a todos os outros parentes at ao dcimo grau. S no havendo estes parentes
que se podia suceder o cnjuge sobrevivo. No que tange evoluo do direito sucessrio
do cnjuge, e baseando-se nos estudos de Arnoldo Wald, importante ressaltar que
durante o perodo de vigncia das referidas Ordenaes (Livro IV, Ttulo 94), o cnjuge
sobrevivente encontrava-se em quarto lugar na ordem de vocao hereditria, sendo
chamado sucesso somente depois dos colaterais at o dcimo grau. Esta situao
perdurou at 31 de dezembro de 1907, quando do advento da Lei 1839, denominada Lei
Feliciano Pena, a qual trouxe importantes benefcios ao cnjuge, situando-o em terceiro
lugar na ordem de vocao hereditria, antes dos colaterais.16
A referida ordem de vocao hereditria, introduzida pela Lei Feliciano
Pena, foi mantida pelo Cdigo Civil brasileiro de 1916, em seu artigo 1.603, que
mantm o cnjuge como ocupante do terceiro lugar na ordem, aps os
descendentes e ascendentes, mas na condio de herdeiro legtimo e no
necessrio. Na categoria de herdeiro legtimo, poderia ser excludo da sucesso se
o de cujus17 deixasse legado, por intermdio de testamento, de toda sua cota
16 WALD, Arnoldo. O novo direito das sucesses. So Paulo: Saraiva, 2007. p.65. 17 DE PLCIDO E SILVA. op. cit. p.244: o autor explica que o termo de cujus refere-se a uma locuo latina, que se traduz por aquele ou aquela de cujo ou de cuja..., utilizada no somente para indicar que a sucesso est aberta, como para significar a pessoa falecida, sendo assim, equivalente ao morto, ao falecido, ao sucedido.
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24
disponvel na herana, sem a contemplao do cnjuge.
Aqui, salutar se torna expor que o sistema sucessrio estabelecido pelo
Cdigo Civil brasileiro de 1916 baseou-se no parentesco consangneo,
privilegiando a grande famlia patriarcal, constituda exclusivamente pelo matrimnio
e marcada pela autoridade marital. Considerando-se os subsdios colhidos em Ana
Luiza Maia Nevares e visualizando-se a situao sob a tica da poca, possvel
entender que o legislador buscava a manuteno do patrimnio no mbito do grupo
familiar, justificando o desfavor legislativo quanto aos direitos sucessrios do
cnjuge sobrevivente, que s participava da sucesso na ausncia de descendentes
e ascendentes, uma vez que, dessa forma, evitava-se o perigo da transferncia de
riqueza da famlia de um cnjuge para a famlia do outro, em virtude de segundo
casamento do cnjuge suprstite.18
No entanto, no decorrer da vigncia daquele Cdigo, foram editadas algumas
leis especiais na tentativa de promover a proteo do cnjuge e permitir a
harmonizao das relaes familiares. Dentre tais normatizaes existem os
Decretos-Lei n. 3.200, de 19 de abril de 1941, e n. 5.187, de 13 de janeiro de 1943,
que dispem sobre a organizao e proteo da famlia; este ltimo Decreto, em seu
artigo 17, estabelece mulher brasileira, casada com estrangeiro sob regime que
exclui a comunho universal de bens, a garantia de receber, no caso de falecimento
do marido, o usufruto vitalcio da quarta parte dos bens do esposo morto, se
houverem filhos brasileiros do casal ou do marido19, e de metade dos bens se os
no houver. O mesmo Decreto, no artigo 18, assegurava que aos brasileiros, filhos
18 NEVARES, Ana Luiza Maia. A tutela sucessria do cnjuge e do companheiro na legalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.4. 19 Redao inserida pelo Decreto-Lei n. 5.187, de 13 de janeiro de 1943, acrescentando que o direito ao usufruto tambm incidiria sobre a quarta parte dos bens, se houvessem filhos brasileiros apenas do marido.
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25
do casal, sob o regime que exclui a comunho universal, caberiam, em partilha, por
morte de qualquer dos cnjuges, metade dos bens do cnjuge sobrevivente,
adquiridos na constncia da sociedade conjugal.20
Entre os dois Decretos retro citados tambm publicado no DOU - Dirio
Oficial da Unio de 08/10/1942, o Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942,
amplamente conhecido como Lei de Introduo ao Cdigo Civil; no pargrafo
primeiro de seu dcimo artigo, este Decreto altera a situao da mulher brasileira
casada com estrangeiro, excepcionando a regra segundo a qual se aplica
sucesso por morte ou por ausncia de lei do pas em que era domiciliado o falecido
ou o desaparecido; tambm determina que seja aplicada a lei brasileira sucesso
de bens de estrangeiros situados no pas, quando tal norma for mais benfica ao
cnjuge ou aos filhos brasileiros, encontrando o cnjuge a proteo sucessria nas
normas pertinentes ao Direito Internacional Privado.
Seguindo a tendncia de no estaticidade do Direito, em 21 de outubro de
1949 foi editada a Lei n. 883, que permitiu o reconhecimento de filhos concebidos
fora do casamento, e com efeitos sucessrios ao cnjuge. Caio Mario da Silva
Pereira compactua plenamente com tal iniciativa, mesmo porque acredita que a
perfilhao21 no trouxe a conseqncia de excluir o cnjuge sobrevivente, a no ser
que o de cujos tenha deixado testamento; na falta ou ineficcia deste, se o regime
for de separao de bens, o cnjuge sobrevivente herda a metade dos bens
20 Cf. MAXIMILIANO, Carlos. op. cit. p.141. 21 DE PLCIDO E SILVA. op. cit. p.602: o autor explica que perfilhao, na terminologia jurdica o vocbulo aplicado como reconhecimento do filho, ou seja, o ato pelo qual a pessoa vem formalmente declarar sua qualidade da pai ou de me de outra pessoa. Revela, por isso, a demonstrao da filiao. a confisso da filiao, a que se deve seguir a legitimao.
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26
deixados pelo outro e cabe aos adulterinos, reconhecidos na forma dessa Lei, a
outra metade.22
Com o intuito de proteger a mulher (e a exemplo de normas estrangeiras), o
legislador brasileiro criou uma herana concorrente, em usufruto, do cnjuge, com
descendentes ou ascendentes; isso ocorreu em 27 de agosto de 1962, quando foi
promulgada a Lei 4.121, denominada de Estatuto da Mulher Casada que,
introduziu os pargrafos 1 e 2 no artigo 1.611 do Cdigo Civil brasileiro de 1916,
cuidando do instituto do usufruto e do direito real de habitao ao cnjuge sobrevivo.
Pinto Ferreira ilustra a questo no entendimento de que, se o regime de bens do
casamento no era o da comunho universal, o cnjuge vivo (a situao se aplica a
ambos os cnjuges) teria direito, enquanto durasse a viuvez, ao usufruto da quarta
parte dos bens do cnjuge falecido, se houvesse filhos deste ou do casal, e
metade, se no houvesse filhos, embora sobrevivessem ascendentes do de cujus.23
de fcil percepo que a referida Lei notadamente protegeu o cnjuge
sobrevivo que, sem patrimnio prprio suficiente, poderia, talvez at mesmo em
idade avanada, no possuir meios de subsistncia, alm do que o autor retro
citado, ao comentar sobre a alterao do 2 do referido artigo, entende que a Lei
nova veio a admitir a concorrncia do cnjuge na sucesso com os parentes em
linha reta do de cujus, assegurando-lhe, quando a contrao do matrimnio ocorrer
em regime de comunho universal, e enquanto viver e permanecer na viuvez, o
direito real de habitao referente ao imvel destinado residncia da famlia, desde
que seja o nico bem daquela natureza a inventariar.24
22 Cf. PEREIRA, Caio Mario da Silva. op. cit., 1980a. p.94. 23 PINTO FERREIRA. op. cit. p.102. 24 Ibidem. p.102.
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27
No entanto, com o advento do atual Cdigo Civil brasileiro, levado a efeito
pela Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, a tutela sucessria do cnjuge encontrou
melhor estrutura normativa, privilegiando sua posio sucessria, elevando-o
categoria de herdeiro necessrio. A previso legal ficou estabelecida nos artigos
1.829, 1.838 e 1.845 do referido diploma legal, o que ser mais bem aprofundado no
captulo 3 do presente estudo.
1.2 O entendimento da sucesso como garantia constitucional
A questo que envolve a sucesso no foi desconsiderada com a
promulgao da Constituio Federal de 1988, haja vista que, em seu artigo 5, a
Carta Magna assegurou o direito herana como garantia constitucional, conforme
reproduo do artigo a seguir:
Art. 5. Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes: [...] XXX - garantido o direito de herana;
Esta previso constitucional foi inserida no Ttulo II (Dos Direitos e Garantias
Fundamentais), Captulo I (Dos Direitos e Deveres Fundamentais), que consiste no
conjunto de direitos e garantias do ser humano, com a finalidade bsica de respeito
dignidade por meio de proteo contra o arbtrio do poder estatal, estabelecendo
condies mnimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.25
25 Cf. MORAES, Alexandre de. Constituio do Brasil interpretada. So Paulo: Atlas, 2002. p.162.
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28
Torna-se aqui relevante expor que nas constituies anteriores no existia a
previso do direito herana, uma vez que se entendia que este estava implcito no
direito de propriedade. Consagrado na Constituio Federal de 1988, o direito
herana consiste na transferncia dos bens ao sucessor em virtude da morte de
algum, isto , herda-se o patrimnio, acervo hereditrio ou esplio.
Apreende-se, subsidiando-se em Sebastio Amorim e Euclides Benedito de
Oliveira, que a percepo de herana visa preservar a continuidade do prprio ente
familiar, alado ao nvel de direito fundamental da pessoa humana (da sua incluso
no artigo 5 da Carta Magna), pois demanda que se proceda atribuio dos bens
deixados pelo falecido aos seus sucessores sob a fiel observncia desse critrio de
valorizao do ser humano.26
Assim, entende-se que a garantia constitucional do direito herana no
seguir exatamente os ditames do direito de propriedade; caso contrrio o legislador
teria tratado da matria em captulo prprio dessa rea do Direito. Na verdade, a
Assemblia Constituinte preocupou-se em proteger igualdade de direitos e
continuidade da famlia.
Esse posicionamento compactuado pelo desembargador Jos Luiz Gavio
de Almeida, j que seria possvel sustentar que a regra visa to somente garantia
do direito de propriedade (incisos XXII), antes protegido constitucionalmente. No
entanto, o legislador no tratou da matria dentro no mbito das regras do direito de
propriedade, considerando-se que haveria, ento, por imposio constitucional, a
garantia na transmisso causa mortis da propriedade de forma ilimitada. Com isso,
estariam vedados os dispositivos da legislao ordinria, que probem a absoluta
26 AMORIM, Sebastio; OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Inventrios e partilhas. So Paulo: Universitria de Direito, 1999. p.31.
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29
disposio de bens, como o caso das limitaes ao poder de testar, tanto na
quantidade dos bens distribudos quanto na categoria das pessoas indicadas.27
Entretanto, muito alm de preservar o direito de propriedade, os artigos 226
(4) e 227 (6) da mesma normativa constitucional28 reafirmam a garantia
constitucional debatida, que visa, como intuito maior, a importncia da entidade
familiar formada por qualquer dos pais e seus descendentes, no havendo qualquer
discriminao relativa filiao, oriunda da relao matrimonial ou de adoo,
concedendo a todos os mesmos direitos sucessrios.
Porm, destaque-se que, como se pode observar no decorrer da presente
pesquisa, o direito de herana no ser absoluto, uma vez que o herdeiro poder ser
excludo da sucesso quando considerado indigno ou deserdado, situao esta
devidamente abordada no captulo 8 deste trabalho.
Dando a merecida continuidade ao assunto, h que se explicar que o artigo 5
da Constituio Federal de 1988, em seu inciso XXXI, cuida de outra garantia
fundamental que pode alterar a designao da sucesso por intermdio da ordem de
vocao hereditria ptria, pois determina que: a sucesso de bens de estrangeiros
situados no Pas ser regulada pela lei brasileira em benefcio do cnjuge ou dos
27 GAVIO DE ALMEIDA, Jos Luiz. Direito das Sucesses. Sucesso em Geral Sucesso Legtima. In: AZEVEDO, lvaro Villaa de (Coord.). Cdigo civil comentado. So Paulo: Atlas, 2003. p.27. 28 Art. 226. A Famlia, base da sociedade, tem especial proteo do Estado. [...] Pargrafo 4 - Entende-se, tambm, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Art. 227. dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar criana e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito vida, sade, alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria, alm de coloc-los a salvo de toda forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso. [...] Pargrafo 6. Os filhos, havidos ou no da relao do casamento, ou por adoo, tero os mesmos direitos e qualificaes, proibidas quaisquer designaes discriminatrias relativas filiao.
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30
filhos brasileiros, sempre que no lhe seja mais favorvel a lei pessoal do de
cujus.29
Os princpios constitucionais aqui delineados resguardam importncia e
possibilitam o entendimento de que influenciaram o legislador s atuais e
significativas mudanas trazidas pelo Cdigo Civil vigente, notadamente no Direito
das Sucesses, como um dos ramos do Direito que mais sofreu alteraes com o
passar dos anos, trazendo uma inovao de maior impacto na sociedade brasileira,
ou seja, a incluso do cnjuge sobrevivo como herdeiro necessrio na ordem de
vocao hereditria, em concorrncia com descendentes e ascendentes.
29 BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil. So Paulo: Saraiva, 2005. p.8 Cabe tambm aqui expor, a ttulo de ilustrao, a seguinte jurisprudncia: Apelao improvida. (Tribunal de Justia do Rio de Janeiro - 3 Cmara Cvel - Apelao Cvel n 14.153/98-RJ Relator: Desembargador Hudson Loureno - J.18.12.1998; V.U. - ementa.). Ementa: Inventrio - Esboo de Partilha - Falecido e Ascendentes Portugueses - Cnjuge Meeira - Critrio na Diviso dos Bens - Constituio Federal, Artigo 5, XXXI - Cdigo Civil, Artigos 1.603, 1.606 e 1.611: Segundo o cnone constitucional que rege a questo (cf. artigo 5, XXXI), a presena de estrangeiros em sucesso "causa mortis" exige melhor estudo para o Juiz solucionar os conflitos surgidos sobre a possibilidade de aplicao da lei de pases distintos. O texto em comento oferece duas solues, a prevalecer aquela que for mais favorvel ao cnjuge ou aos seus filhos brasileiros (in: BASTOS, Celso R. Comentrios Constituio do Brasil, 2 vol. p.152). In casu, sendo o falecido e seus pais portugueses e a cnjuge sobrevivente brasileira, aplica-se o artigo 2.142 do Cdigo Civil Portugus, por ser este mais favorvel cnjuge, a qual ser beneficiada com 2/3 dos bens e os pais do falecido com 1/3. Fonte: BAASP, 2150/267-e, de 13.03.2000.
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31
2 DA SUCESSO POR DISPOSIO EXCLUSIVA DA LEI: SUCESSO LEGTIMA
Existem diferenas significativas entre as sucesses dos tipos legtima e
testamentria, sendo que esta ltima se d pela transmisso dos bens do de cujos
s pessoas por ele contempladas em ato de ltima vontade, ou seja, pelo
testamento. De Plcido e Silva explica que, no primeiro caso, a que se cumpre por
fora de lei, sendo os herdeiros determinados segundo as prprias normas
jurdicas; j, a sucesso testamentria, como o prprio nome diz, aquela que
resulta de disposio de ltima vontade, isto , de testamento que se repute
vlido.30
Sem menosprezar a importncia da doutrina, tambm possvel recorrer ao
disposto no artigo 1.786 do Cdigo Civil vigente, normatizando que a sucesso
levada a efeito por fora de lei ou disposio de ltima vontade. Falecendo a pessoa
sem testamento, dispe o artigo 1.788 da mesma norma que transmite-se a herana
aos herdeiros legtimos; o mesmo ocorrer quanto aos bens que no forem
compreendidos no testamento, subsistindo a sucesso legtima se o testamento
caducar ou for julgado nulo.
No havendo testamento, a sucesso legtima aplicada em sua totalidade
(ou na parte em que o testamento for omisso), promovendo-se o chamamento dos
sucessores segundo a ordem de vocao hereditria. Ressalte-se que, as
sucesses legtima e testamentria no se excluem, podendo ocorrer
simultaneamente de maneira que, se o testador no elencou todos os seus bens no
testamento, aqueles no compreendidos sero transmitidos de acordo com as
30 DE PLCIDO E SILVA. op. cit. p.781.
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32
disposies da sucesso legtima, e da mesma forma se o testamento caducar ou
for julgado nulo.31
Em complementao ao assunto em tela, possvel amparar-se nos slidos
conhecimentos transmitidos por Carlos Maximiliano, quando o autor explica que:
Sucesso legtima a que, na falta de disposio expressa e vlida do de cujus relativa a todo o acervo hereditrio, a lei defere, com atender ao vnculo familiar e vontade presumida do defunto. Tem as suas razes na preocupao social com a unidade e a solidariedade da famlia: o direito de suceder prolonga-se at onde se estende a conscincia daquela unidade e a presuno da existncia da solidariedade e, no dizer de GROTIUS, o testamento presumido do falecido: presume-se o justo e o honesto.32 (grifo do autor).
Ao se abordar a questo que envolve a sucesso legtima, h que se explicar
que esta obedece s regras do Cdigo Civil, no sentido da indicao das pessoas
que figuraro como sucessores. E tem ela aplicao na hiptese de inexistncia de
testamento, ou, mesmo havendo este, seja ele nulo, caduco ou no disponha sobre
todos os bens do falecido. Esta linha de pensamento tambm pertence a Jos Luiz
Gavio de Almeida, de quem tambm se pode incorrer que a sucesso legtima
aplicada quando os herdeiros e legatrios indicados no ato de disposio de ltima
vontade no aceitarem ou renunciarem herana ou ao legado. Tambm se
considera legtima a sucesso quando chamado um pr-herdeiro (embora aqui
seja a sucesso provisria), que se d, por exemplo, quando se impe, no
testamento, uma condio que carece de tempo para ser cumprida. Nesse intervalo
opera-se a sucesso legtima, com o chamamento do pr-herdeiro. Aqui, a sucesso
provisria pode tornar-se definitiva, caso a condio no se realize.33
31 Cf. AMORIM, Sebastio; OLIVEIRA, Euclides Benedito de. op. cit. p.35. 32 MAXIMILIANO, Carlos. op. cit. p.133. 33 GAVIO DE ALMEIDA, Jos Luiz. op. cit. p.198.
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33
Observa-se que, na sucesso legtima, quando a lei defere aos parentes do
de cujus, pretende-se reforar o vnculo familiar, com a presuno de ser atendida a
vontade do autor da herana. O seu fundamento continua sendo a preocupao
social com a unidade e a solidariedade da famlia.34
De acordo com o Cdigo Civil de 1916, eram considerados herdeiros
necessrios os descendentes e ascendentes. O cnjuge, os colaterais e o Estado
eram considerados como herdeiros legtimos.35
No entanto, a legislao vigente destacou como herdeiro necessrio tambm
o cnjuge, assunto este que ser estudado no item 2.2 do presente captulo.
2.1 Ordem de vocao hereditria
Antes mesmo de um maior aprofundamento neste tema, cabe explicar
primeiramente que a ordem de vocao hereditria aquela determinada por lei e
segundo uma hierarquia que coloca os sucessores em graus de preferncia em
relao ao sucessvel, e conforme a classe a que pertencem.36
Subsidiando-se nos conhecimentos acumulados e socializados por Pinto
Ferreira, possvel conceituar esta ordem de vocao hereditria como uma ordem
de preferncia determinada pela lei para a sucesso legtima, decidindo sobre as
preferncias que devero prevalecer entre os parentes que herdaro o patrimnio
deixado pelo falecido (de cujus).37
34 Cf. LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentrios ao novo cdigo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003a. p.210. 35 PINTO FERREIRA. op. cit. p.11: reportando-se ao Cdigo Civil antigo (1916), este autor explica que os herdeiros legtimos so de duas categorias, a saber: a) herdeiro legtimo necessrio, que constitudo pela categoria de herdeiros legtimos, abrangendo os descendentes e ascendentes; e b) herdeiros simplesmente legtimos, como o cnjuge, os colaterais e o poder pblico. 36 Cf. LEITE, Eduardo de Oliveira. op. cit., 2003a. p.210. 37 PINTO FERREIRA. op. cit. p.10.
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34
Nessa ordem de vocao hereditria ocorre a preferncia das pessoas
detentoras de maiores vnculos com o falecido, autor da herana, pelos laos
familiares e, segundo Euclides Benedito de Oliveira, a vocao hereditria o
chamamento de pessoa legitimada a suceder nos bens do falecido, explicando o
autor que tal procedimento:
Pode dar-se por disposio legal, como ocorre na sucesso legtima, em que os herdeiros so chamados segundo a ordem da vocao hereditria. Ou pode ocorrer pela contemplao dos herdeiros previstos em testamento, e bem assim dos legatrios, por disposio de vontade do autor da herana.38
No entanto, cumpre destacar que a origem da ordem de vocao hereditria
remonta ao antigo Direito Romano e foi paulatinamente se alterando, muito embora
se mantendo quase intacta, como se ver no que tange preferncia a certas
ordens de sucessores, como no caso dos descendentes.
Cabe tambm frisar que, j nos templos bblicos, era possvel identificar a
ordem de vocao hereditria; num primeiro momento, pela transmisso da herana
primogenitura, como no caso do nascimento dos irmos gmeos Esa e Jac; e
posteriormente, quando da passagem no Livro Nmeros, Captulo 27:6, onde se
percebe ter sido determinada uma ordem de vocao para o recebimento da
herana, conforme transcrio a seguir:
Ento disse o Senhor a Moiss: as filhas de Selofade falam o que justo; certamente lhes dar possesso de herana entre os irmos de seu pai; a herana de seu pai fars passar a elas. E falars aos filhos de Israel dizendo: quando algum morrer e no tiver filho, ento fareis passar a sua herana sua filha. E, se no tiver filha, ento a sua herana dareis a seus irmos. Porm, se no tiver irmos, ento dareis a sua herana aos irmos de seu pai. Se tambm seu pai no tiver irmos, ento dareis sua herana a seu parente, quele que lhe for o mais chegado da sua famlia, para que
38 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. A Concorrncia Sucessria e a Ampliao dos Conflitos Familiares. Revista Brasileira de Direito de Famlia. Porto Alegre: Sntese; IBDFAM, abr.-mai. 2005. p.27.
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35
a possua; isto aos filhos de Israel sero por estatuto de direito, como o Senhor ordenou a Moiss.39
Estas passagens bblicas ilustram que desde os primrdios da formao
religiosa (no caso, a crist) existe a preocupao em organizar a ordem de vocao
hereditria; contudo, no tm o condo de comparar ou interpretar as mesmas com
as leis, normas ou doutrinas posteriores, uma vez que os entendimentos das
primeiras so variveis de acordo com anlises teolgicas.
De qualquer forma, este estudo no pode omitir o destaque de que, no que se
refere ordem de vocao hereditria para o direito ptrio, a influncia mais
significativa adveio do Direito Romano, no qual se dava supremacia sucesso
testamentria, em valorizao disposio de vontade do titular dos bens. Euclides
Benedito de Oliveira favorvel a essa linha de pensamento, entendendo que, em
tal perodo histrico, somente no havendo testamento, ou naquilo em que ele
deixasse de dispor, abria-se a sucesso ab intestato, modernamente chamada de
sucesso legtima, chamando-se os herdeiros segundo determinada a ordem de
vocao.40
Estende tal concepo na acepo de que a evoluo do Direito Romano
marcou perodos diferenciados no decorrer de sua histria, a saber: a) Direito antigo
com destaque Lei das XII Tbuas, desde as origens de Roma at os anos entre
149 e 126 AC; b) Direito clssico com notvel influncia do pretor e a edio do
jus civile, que se estende at o fim do reinado de Diocleciano, em 305 DC; e c)
Direito ps-clssico (ou romano-helnico) que vai at a morte de Justiniano, em
565 DC, da a ser conhecido de direito justinianeu.41
39 Bblia de Estudo da Mulher Belo Horizonte: Atos, 2002. p.157. 40 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. op. cit., 2005a. p.18. 41 Ibidem. p.18.
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36
Para uma compreenso mais abrangente sobre a evoluo da ordem de
vocao hereditria, necessrio se faz partir do princpio, ou melhor, com a Lei das
XII Tbuas, que atribua a prerrogativa sucessria aos sui heredi em primeiro lugar,
isto , s pessoas da famlia que se encontravam sob o poder imediato do falecido;
em segundo, aos agnados, levando em considerao a proximidade de seu
parentesco em relao ao de cujus, assim considerados os colaterais de origem
exclusivamente paterna42; e, em terceiro, aos gentiles, ou seja, os membros da
mesma famlia, descendentes de uma pater comum, ou pertencentes mesma
gens, tendo o mesmo nome e origem comum.43
Contudo, no devem ser desconsiderados os ensinamentos de Carlos
Roberto Gonalves, ao expor o autor que:
Somente no Cdigo de JUSTINIANO a sucesso legtima passa a fundar-se unicamente no parentesco natural, estabelecendo-se a seguinte ordem de vocao hereditria: a) os descendentes; b) os ascendentes, em concurso com os irmos e irms bilaterais; c) os irmos e irms, consangneos ou uterinos; e d) outros parentes colaterais.44 (grifo do autor)
No Brasil, o direito sucessrio, regulado primitivamente pelo Cdigo Filipino,
no seguiu a ordem estabelecida por Justiniano, teoria esta defendida por Eduardo
de Oliveira Leite, para quem a ordem de vocao hereditria, que vigorou at 1907,
quando foi promulgada a Lei n 1.839, era a seguinte: a) descendentes, at o infinito;
b) ascendentes, at o infinito; c) colaterais, at o 10 de consanginidade; d) cnjuge
sobrevivente; e) fisco (Estado).45
42 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. op. cit., 2005a. p.18. 43 Cf. WALD, Arnoldo. op. cit. p.2. 44 GONALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. So Paulo: Saraiva, 2007. p.4. 45 LEITE, Eduardo de Oliveira. op. cit., 2003a. p.213.
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37
Ainda com base no referido autor possvel entender que, com a
promulgao da Lei n 1.839, de 31 de dezembro de 1907, denominada Lei
Feliciano Pena, alterou-se a ordem posta como vigente poca, passando o
cnjuge sobrevivente para a terceira classe, ento ocupada pelos colaterais, que
passaram a fazer parte da quarta classe, j reduzindo a sucesso destes ao 6 grau,
quando anteriormente era at o 10.46
Dando prosseguimento ao breve resgate histrico, insta afirmar que com a
promulgao do Cdigo Civil de 1916, no dia em 1 de janeiro daquele ano, foi
mantida a ordem de vocao hereditria estabelecida pela Lei anterior, mas em
1990, a Lei 8.049 alterou o artigo 1.603 do referido Cdigo, com a incluso do inciso
V, designando, aps os colaterais, a seguinte ordem: aos Municpios, ao Distrito
Federal ou Unio.
Com a promulgao do Cdigo Civil de 2002, em vigncia atualmente, o
legislador inseriu o cnjuge na ordem de vocao hereditria em concorrncia com
os descendentes ou, na falta destes, com os ascendentes do falecido, passando a
ocupar a classe dos herdeiros necessrios, conforme dispe seu artigo 1.829,
porm, mantendo-o na terceira classe. Para melhor ilustrar e permitir um
entendimento mais profundo, considerou-se relevante reproduzir o artigo em
questo, bem como seus incisos, a saber:
Art. 1.829. A sucesso legtima defere-se na ordem seguinte: I - aos descentes, em concorrncia com o cnjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunho universal, ou no da separao obrigatria de bens (art. 1640, pargrafo nico); ou se, no regime da comunho parcial, o autor da herana no houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes em concorrncia com o cnjuge; III - ao cnjuge sobrevivente; IV - aos colaterais.
46 LEITE, Eduardo de Oliveira. op. cit., 2003a. p.213
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A incluso do cnjuge na ordem de vocao hereditria pode ser considerada
uma mudana radical, que propiciou a tal agente uma ascenso at ento
inimaginvel, pois o cnjuge sobrevivente passa a concorrer com os descendentes
(em primeiro lugar) e com os ascendentes (em segundo lugar). Compactuando com
a idia de que tal mudana foi radical, Eduardo de Oliveira Leite entende que, neste
novo status, o cnjuge sobrevivente deixa de ser herdeiro legtimo facultativo e
atinge o patamar de herdeiro necessrio. De terceiro lugar (posio ocupada no
incio do sculo na ordem de vocao hereditria), passa para o primeiro lugar na
ordem de preferncia, no sendo mais usufruturio, mas tornando-se titular de quota
da herana.47
Muito embora o legislador tenha valorizado a posio do cnjuge na ordem da
preferncia dos herdeiros, imps tambm restries concorrncia sucessria, que
fica na pendncia de verificao do regime de bens adotado no casamento e, ainda,
se ao tempo da morte do outro no estavam separados judicialmente ou de fato h
mais de dois anos, salvo prova de que a convivncia se tornara impossvel sem
culpa do sobrevivente.
2.2 Consideraes a respeito dos herdeiros necessrios
No Cdigo Civil brasileiro de 1916, eram considerados herdeiros necessrios
apenas os descendentes e os ascendentes do falecido, alm do que o legislador no
indicava diretamente quais eram os herdeiros necessrios, limitando-se a afirmar
47 LEITE, Eduardo de Oliveira. Novo cdigo civil. So Paulo: Mtodo, 2003b. p.446.
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que o testador que tivesse descendentes ou ascendentes no podia dispor de mais
da metade dos bens de que fosse senhor.48
Contudo, o Cdigo Civil vigente, em seu artigo 1.845, determina que: so
herdeiros necessrios os descendentes, os ascendentes e o cnjuge.
A doutrina sempre procura lanar luz ao entendimento das normatizaes que
deixam dvidas e, sob esse prisma, Silvio de Slvio Venosa vem explicar que,
quando a lei estabelece uma herana necessria, est colocando-se no meio
termo; permite sempre o testamento, mas restringe o alcance quando h qualquer
herdeiro na linha descendente ou, na falta deste, na linha ascendente. Atualmente,
restringe-se tambm ao cnjuge como herdeiro necessrio.49
Assim, o referido artigo no especifica quais so os herdeiros que no
podero ser excludos da sucesso, nem sequer dividir menos da metade do monte-
mor, motivo pelo qual possvel buscar base em Giselda Maria Fernandes Novaes
Hironaka, sustentando a autora que a legislao atual o faz de forma direta,
afirmando que so herdeiros necessrios os descendentes e os ascendentes, como
no direito anterior, e incluindo na mesma categoria, desta feita, o cnjuge
sobrevivente.50
Cabe ressaltar que aos herdeiros necessrios garantido o direito
legtima51 e s podero ser privados desta, nas hipteses especficas de indignidade
e deserdao, determinadas na lei, o que ser objeto de estudo captulo 8 do
presente trabalho. Ainda sobre o assunto, vale aqui reproduzir o artigo 1.849 do
48 Cf. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Herdeiros Necessrios e Direito de Representao. In: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coords.). Direito das sucesses no novo cdigo civil. So Paulo: Del Rey, 2004a. p.53. 49 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil. So Paulo: Atlas, 2003. p.202. 50 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. op. cit. 2004a. p.67. 51 DE PLCIDO E SILVA. op. cit. p.480: o autor explica que legtima o vocbulo empregado para para indicar a poro ou parte da herana, que pertence ou cabe ao herdeito.
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atual Cdigo Civil, normatizando que o herdeiro necessrio, a quem o testador
deixar a sua parte disponvel, ou algum legado, no perder o direito legtima.
A legtima consiste no direito sucessrio do herdeiro legitimrio, concentrado
em poro dos bens hereditrios. Com base em Ney Mello de Almada, tambm se
pode suscitar que essa poro equivale metade dos bens sucessrios, que ao
herdeiro legtimrio ser necessariamente destinada, sendo proibida a disposio da
legtima no testamento.52 Ainda sobre o tema, no demasia explicar que o prprio
Cdigo Civil vigente explicita, em seu artigo 1.857, que toda pessoa capaz pode
dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois
de sua morte.
Tambm baseando-se no autor retro citado, entende-se que, at a partilha, a
legtima concentra-se em poro ideal sobre os bens hereditrios, sendo calculada
sobre o valor dos bens existentes na abertura da sucesso, abatidas as dvidas e as
despesas do funeral, adicionando-se em seguida o valor dos bens sujeitos
colao, objetos de liberalidade feitas aos legitimrios.53 E sobre o assunto, cabe
reproduzir o artigo 1.847 do atual Cdigo Civil, normatizando que: calcula-se a
legtima sobre o valor dos bens existentes na abertura da sucesso, abatidas as
dvidas e as despesas do funeral, adicionando-se, em seguida, o valor dos bens
sujeitos a colao.
Reportando ao herdeiro necessrio, com a disposio do Cdigo Civil vigente,
o cnjuge sobrevivo passa a ostentar igual privilgio, como disposto no artigo 1.849,
alm de outras vantagens na ordem da vocao hereditria, pela concorrncia com
os descendentes, na pendncia do regime de bens adotado no casamento, e com os
52 ALMADA, Ney de Mello. Sucesses. So Paulo: Malheiros, 2006. p.185. 53 Ibidem. p.188.
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ascendentes do falecido, desde que no esteja separado judicialmente ou de fato a
mais de dois anos.54
2.3 Os descendentes no processo de sucesso
Primeiramente, antes mesmo de um aprofundamento sobre a questo dos
descendentes no processo de sucesso, necessrio se faz explicar a terminologia
deste adjetivo que, segundo De Plcido e Silva, empregado para designar todo
parente que descende (provm) de um progenitor comum, o qual, na ordem em que
se coloca na linha reta, que desce, sucede sempre o que lhe antecede.55
Os descendentes so sempre os primeiros que formam a classe privilegiada
na ordem de vocao hereditria; so este, os filhos e, na sua falta, os netos e,
posteriormente, os bisnetos, podendo alcanar o infinito. De acordo com o artigo
1.833 do atual Cdigo Civil, entre os descendentes, os em grau mais prximo
excluem os mais remotos, salvo o direito de representao.
Na forma do direito de representao, deve-se observar a disposio do
artigo 1.835 da mesma norma legal, na linha descendente, os filhos sucedem por
cabea, e os outros descendentes, por cabea ou por estirpe, conforme se achem
ou no no mesmo grau.
preciso destacar que, em primeiro lugar, sero chamados a suceder os
filhos do autor da herana, tendo homens e mulheres direitos iguais. Carlos Roberto
Gonalves enriquece o assunto explicando que no mais prevalecem os antigos
54 Cf. OLIVEIRA, Euclides Benedito de. op. cit., 2005a. p.55. 55 DE PLCIDO E SILVA. op. cit. p.257.
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privilgios da varonia e da primogenitura, tendo como fundamento da primazia
concedida aos filhos o senso comum de que o amor pelos descendentes mais
intenso e vivo, sendo a vontade presumida do de cujus.56
Tambm no se pode omitir que atualmente, com resguardo constitucional,
existe igualdade de filiao em relao sua origem, decorrida ou no do
casamento. A equiparao dos filhos na sucesso garantia consagrada pela
Constituio Federal de 1988, por intermdio do artigo 227 (6), alm de
disposies legais subseqentes, como as constantes na Lei n. 8.069, de 13 de
julho de 1990 (Estatuto da Criana e do Adolescente) que, seu artigo 20, pe fim
distino que se fazia com relao filiao, inclusive para fins de sucesso
testamentria.57
Entretanto, vale reproduzir a disposio contida no artigo 1.834 do Cdigo
Civil em vigncia, normatizando que: os descendentes da mesma classe tm os
mesmos direitos sucesso de seus ascendentes.
Sobre referida disposio, pondera coerentemente Silvio Rodrigues, ao
afirmar que a linguagem do texto encontra-se confusa ao mencionar os
descendentes da mesma classe, quando os descendentes j integram a mesma
classe; alis, a primeira classe dos sucessveis. Salienta o autor que o artigo retro
citado vem reafirmar que esto suprimidas todas as normas que vigoraram no
passado e que estabeleciam distines odiosas entre os descendentes,
desnivelando os filhos, conforme a origem da filiao. E conclui sua fundamentao
explicando que:
O que se quis dizer que os descendentes tm os mesmos direitos sucesso de seus ascendentes. At por imperativo constitucional (art. 227, 6), os descendentes no podem ficar discriminados, por
56 GONALVES, Carlos Roberto. op. cit. p.144. 57 Ibidem.p.87.
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qualquer razo, seja pela natureza da filiao, seja pelo sexo ou primogenitura. Nem pela circunstncia de ser biolgico ou civil o parentesco. Todos tm o mesmo e igual direito hereditrio, sendo a paridade total e completa. A nica preferncia que se admite a que se baseia no grau de parentesco: os em grau mais prximo excluem os mais remotos, salvo o direito de representao (CC, art. 1.833).58
No ordenamento jurdico anterior (leia-se Cdigo Civil de 1916), o privilgio
hereditrio dos descendentes era maior, pois recebiam a totalidade da herana com
a reduo do direito de usufruto ou do direito real de habitao, que a lei estabelecia
em favor do cnjuge sobrevivente, conforme o regime de bens adotado no
casamento.59
Todavia, pela nova sistemtica os descendentes, na qualidade de herdeiros
de primeira classe, tpica da sucesso legtima, s amealharo a totalidade da
herana se no houver cnjuge sobrevivente ou quando o regime de bens esteja
restrito s regras do artigo 1.829 do Cdigo Civil.60
A concorrncia dos descendentes com o cnjuge sobrevivo, nos moldes do
artigo supracitado, ser objeto de estudo no captulo 3 (item 3.1.2).
2.4 Os ascendentes no processo de sucesso
Num primeiro momento, considerando-se que o presente trabalho tambm
deve possibilitar o acesso ao leitor leigo, torna-se eficaz a apresentao de uma
conceituao, mesmo que breve, do que vem a ser ascendentes, que na viso de
De Plcido e Silva, tratam-se dos antepassados, ou melhor, so os pais, avs, os
58 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. So Paulo: Saraiva, 2002. p.107-108. 59 Cf. OLIVEIRA, Euclides Benedito de. op. cit., 2005a. p.85. 60 DANELUZZI, Maria Helena Marques Bracero. Aspectos polmicos na sucesso do cnjuge sobrevivente. So Paulo: Letras Jurdicas, 2004. p.156.
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bisavs, os trisavs, etc., que constituem a linha reta ascendente, isto , a linha reta
de parentesco que se observa dos filhos para os genitores, remontando-se ou se
subindo das geraes atuais s anteriores.61
Sobre a sucesso dos ascendentes, vale ressaltar que ela origina-se da vida,
tanto em sua expresso biolgica quanto (e principalmente) no aspecto espiritual,
mediante a educao deles emanada. Buscando Ney de Mello Almada como fonte
de conhecimento, entende-se que aos descendentes cabe a prolao sucessria,
considerando-se que esta categoria representa parcela essencial do falecido,
desmembrada na continuidade de sua existncia e a lhe projetar no tempo a
personalidade; aos ascendentes cabe a herana, em segundo lugar, porque so as
razes genticas, a base e retaguarda moral.62
Os ascendentes so chamados a receber a herana somente na falta de
descendentes, no prevalecendo, neste caso, o direito de representao. Alm
disso, possvel amparar-se nos ensinamentos de Jos Luiz Gavio de Almeida,
para quem os ascendentes so divididos em duas linhas: a paterna e a materna; a
herana repartida entre tais linhas partilhada entre os ascendentes que a integram,
desde que tenham todos o mesmo grau de parentesco. E ilustra a situao
explicando que, havendo na concorrncia um av materno e avs paternos, a
herana ser dividida em duas partes, recolhendo uma delas o av materno (nico
representante da linha materna) e repartindo a outra metade da herana entre si os
avs da linha paterna.63
Sua condio sucessria foi mantida pelo Cdigo Civil vigente (artigo 1.829,
II); porm, concorrendo com o cnjuge sobrevivo (artigo 1.836), alterao esta que
61 DE PLCIDO E SILVA. op. cit. p.86. 62 ALMADA, Ney de Mello. Direito das sucesses. So Paulo: Brasiliense, 1991. p.309. 63 GAVIO DE ALMEIDA, Jos Luiz. op. cit. p.204.
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ser analisada no captulo 3 (item 3.1.4) do presente trabalho. De qualquer forma,
oportuno transcrever os referidos artigos, j que possibilitam um melhor
entendimento deste pargrafo, a saber:
Art. 1.829. A sucesso legtima defere-se na ordem seguinte: [...] II - aos ascendentes, em concorrncia com o cnjuge; [...]. Art. 1.836. Na falta de descendentes, so chamados sucesso os ascendentes, em concorrncia com o cnjuge sobrevivente.
Desenvolvidas as idias bsicas a respeito dos ascendentes, a continuidade
do trabalho tambm exige que se team alguns comentrios acerca do cnjuge, o
que ser feito a seguir.
2.5 O cnjuge no processo de sucesso
Inicialmente, na expectativa de oferecer ao leitor um conceito a respeito do
que vem a ser cnjuge, vale amparar-se em De Plcido e Silva, para quem se trata
de uma designao dada a cada uma das pessoas unidas pelos laos matrimoniais.
, assim, denominao que se d aos esposos, ou seja, ao marido e mulher,
casados legalmente.64
Pela ordem de vocao hereditria estabelecida anteriormente pelo Cdigo
Civil de 1916, o cnjuge ocupava a terceira posio, consoante a disposio
estabelecida pelo artigo 1.603, inciso III, a saber: a sucesso legtima defere-se na
ordem seguinte: [...]; III - ao cnjuge sobrevivente.
64 DE PLCIDO E SILVA. op. cit. p.179.
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Ainda com relao quela mesma normativa legal (artigo 1.611, 1), alm da
terceira posio na ordem de vocao hereditria, era assegurado ao cnjuge o
usufruto da quarta parte dos bens do falecido, se houvesse filhos deste ou do casal,
e da metade, se no houvesse filhos, embora sobrevivessem ascendentes do de
cujus, se o regime de bens do casamento no era o da comunho universal.
No obstante, este mesmo Cdigo (artigo 1.611, 2) ainda assegurava ao
cnjuge casado pelo regime de comunho de bens, enquanto viver e permanecer
vivo, o direito real de habitao, relativamente ao imvel destinado residncia da
famlia, desde que fosse o nico bem daquela natureza a inventariar.
De forma privilegiada, o atual Cdigo Civil, por intermdio de seu artigo 1.829,
elevou o cnjuge categoria de herdeiro necessrio, em concorrncia com
descendentes e ascendentes, alterando, assim, a ordem de vocao hereditria. Tal
privilgio est condicionado s restries, no tocante ao regime de bens, bem como
na condio de no estarem separados judicialmente ou de fato, h mais de dois
anos, salvo comprovao de que essa convivncia se tornara impossvel sem culpa
do sobrevivente, consoante disposies contidas nos artigos 1.829 e 1.830 desta
mesma norma legal.
Saliente-se que, com a incluso do cnjuge sobrevivo categoria de herdeiro
necessrio, e consoante a possibilidade de concorrer herana mesmo na condio
de separado de fato, previso contida no artigo 1.830 do Cdigo Civil vigente, corre
o risco de deparar-se na concorrncia sucessria com o companheiro do autor da
herana, situao que ser analisada no item 3.1.6 do captulo 3.
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2.6 Os colaterais no processo de sucesso
Continuando a sistemtica adotada nos subitens anteriores, julgou-se
conveniente buscar o conceito do adjetivo colateral em De Plcido e Silva,
explicando o autor que tal termo significa o que est ao lado; , na linguagem
jurdica, como na genealgica, empregado para indicar os parentes que no
procedem da linha reta, mas sim da linha dos lados (colateral transversal).65
No mbito do Cdigo Civil em vigncia, entende-se, por meio de seu artigo
1.839, que se no houver cnjuge sobrevivente, nas condies estabelecidas no
artigo 1.830, sero chamados a suceder os colaterais at o quarto grau.
Sobre a definio de colaterais tambm possvel amparar-se nos
ensinamentos de Pinto Ferreira, uma vez o autor permite entender que se tratam dos
parentes que no tm procedncia direta, pois, embora descendam do mesmo
tronco ancestral, no se originam diretamente uns dos outros.66
Nesse sentido, so herdeiros colaterais, em segundo grau, os irmos; em
terceiro grau os sobrinhos e tios; e, em quarto grau, os sobrinhos-netos e tios-avs.
O atual Cdigo Civil dispe, em seu artigo 1.840, que na classe dos colaterais os
mais prximos excluem os mais remotos, salvo o direito de representao concedido
aos filhos de irmos.
Alm disso, a mesma norma legal, segundo o artigo 1.853, dispe que entre
os colaterais s h direito de representao entre irmos do de cujus e filhos de
irmo pr-morto. J, no caput do artigo 1.843, fica definido que entre tios e
sobrinhos, ambos colaterais de terceiro grau, estes preferem queles. Para melhor
65 DE PLCIDO E SILVA. op. cit. p.179. 66 PINTO FERREIRA. op. cit. p.103.
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ilustrar a questo, vide a seguir a transcrio dos referidos artigos:
Art. 1.843. Na falta de irmos, herdaro os filhos destes e, no os havendo, os tios. [...] Art. 1.853. Na linha transversal, somente se d o direito de representao em favor dos filhos de irmos do falecido, quando com irmos deste concorrerem.
Cumpre destacar que os colaterais at o quarto grau so herdeiros legtimos,
conforme disposio do artigo 1.829, inciso IV, do atual Cdigo Civil67; no entanto,
tais agentes no se configuram como herdeiros necessrios e, portanto, o autor da
herana pode exclu-los da sucesso, dispondo de todo o seu patrimnio por
testamento, sem os contemplar, uma vez herdeiros facultativos a estes no
prevalecem a reserva de legtima. O artigo 1.850 do Cdigo Civil em vigncia
normatiza que para excluir da sucesso os herdeiros colaterais, basta que o
testador disponha de seu patrimnio sem os contemplar.
Por derradeiro, conforme disposio contida no artigo 1.829, inciso III, do
Cdigo Civil vigente, e conforme entendimento jurisprudencial, o cnjuge precede os
colaterais68, independente do regime de bens, uma vez que ocupa o terceiro lugar
na
ordem de vocao hereditria, e apenas na inexistncia deste sero chamados a
concorrer herana os colaterais at o quarto grau.69
67 Art. 1.829. A sucesso legtima defere-se na ordem seguinte: [...] IV- aos colaterais. 68 Tribunal de Justia de Minas Gerais - 7 Cmara Cvel - Agravo de Instrumento n. 1.0210.03.008786-5/001 - Relator: Desembargador Belizrio de Lacerda - J. 04/11/2003 Ementa: Herana - Colaterais - Cnjuge sobrevivente - Preferncia na ordo sucedendi: concorrendo em inventrio colaterais de terceiro grau com cnjuge sobrevivente, a esse e no quele que deve ser deferida a herana, segundo a atual ordem sucessria prevista nos arts. 1.829, III, c/c o 1.838, todos do CC. Votao: por unanimidade, negaram provimento ao recurso - Publicado em 19/12/2003. 69 Tribunal de Justia de Minas Gerais - 6 Cmara Cvel - Apelao Cvel n 1.0625.02.020322-4/001 - So Joo Del-Rey/MG - Relator: Desembargador Batista Franco; J.23/8/2005; V.U. Ementa: Apelao Cvel - Ao de anulao adjudicao - Adjudicao dos bens ao cnjuge suprstite - Excluso de colateral - Ordem de vocao hereditria observada, segundo o art. 1.603, do Cdigo Civil/1916, e art. 1.829 do Cdigo Civil/2002 - Irrelevncia do regime de bens - Ausncia de previso legal - Sentena
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3 O CNJUGE COMO HERDEIRO NECESSRIO NO ATUAL CDIGO CIVIL
Baseando-se a introduo do presente captulo nos ensinamentos de Clvis
Bevilqua, entende-se que, em 1899 (ano da publicao de sua obra), j se defendia
a categoria de herdeiro para o cnjuge como uma posio mais benfica, opinando-
se que entre marido e mulher no existe parentesco que sirva de base a um direito
hereditrio recproco, mas que entre eles existe um elo mais forte, unindo-os em
sociedade mais ntima pela comunho de afetos, de interesses, de esforos, de
preocupaes, em vista da prole, no podendo se recusar a necessidade de lhes ser
garantido um direito sucessrio somente equiparvel aos dos filhos e aos dos pais.70
Vale aqui reproduzir fielmente o posicionamento do referido doutrinador, a
saber:
E, relembrando que a fortuna do marido encontra na sabia economia da mulher um poderoso elemento de conservao e desenvolvimento; que , muitas vezes, para cercar uma esposa amada, de conforto e de gozos, que o homem luta e vence no conflito vital; e ainda, que a equidade seria gravemente golpeada em muitas circunstancias, si o cnjuge fosse preferido por um parente longnquo; os legisladores modernos tm procurado reagir contra o systema illogico e injusto da excluso total ou quase total do cnjuge sobrevivo em face da herana do cnjuge premorto.71
O que anteriormente almejava hoje se tornou uma realidade no ordenamento
jurdico brasileiro, uma vez que agora existe uma proteo mais benfica ao cnjuge
reformada: 1 - inteligncia do art. 1.603, do Cdigo Civil/1916, a sucesso legtima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes; II - aos ascendentes; III ao cnjuge sobrevivente; IV - aos colaterais; V - aos Municpios, ao Distrito Federal ou Unio, artigo correspondente ao 1.829, do Cdigo Civil/2002, o qual no inovou a ordem de vocao hereditria, mantendo o cnjuge sobrevivente em terceiro lugar, antes dos colaterais. 2 - Desta forma, infere-se, ento, que a cnjuge sobrevivente a contemplada, na ordem de vocao hereditria, conforme disposto nos artigos supratranscritos, sendo irrelevante o regime de bens, vez que a lei no faz qualquer distino nesse sentido. 3 - Preliminar rejeitada; recurso a que se d provimento. (2468/426-M, de 24/04/2006). Disponvel em: . Acesso em: 26 dez. 2007. 70 BEVILAQUA, Clvis. Direito das sucesses. Bahia: Livraria Magalhes, 1899. p.20. 71 Ibidem. p.20.
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sobrevivo, respeitando-se a igualdade de direitos entre homens e mulheres, e
considerando-se a famlia como lao que envolve a estrutura e a espiritualidade da
existncia humana.
No Cdigo Civil brasileiro de 1916 (artigo 1.603, incisos I a V), a ordem de
vocao hereditria era determinada designando-se sucesso legtima na seguinte
ordem: a) os descendentes; b) os ascendentes; c) o cnjuge sobrevivente; d) os
colaterais; e e) os municpios, Distrito Federal ou a Unio. Dessa forma, apenas uma
classe era chamada na falta de representantes da classe precedente, sendo que, se
no houvessem descendentes, somente os ascendentes eram chamados a herdar.
Durante a vigncia daquele Cdigo, o cnjuge sobrevivente no herdava se
houvessem representantes das classes precedentes sua; assumia apenas a
qualidade de meeiro, que nada tem a ver com o direito sucessrio. O que lhe
pertencia era apenas o direito de diviso do patrimnio adquirido durante a
sociedade conjugal (denominada meao) nos regimes de comunho universal e
parcial de bens; portanto, sua condio de herdeiro somente era somada a de
meeiro se no houvessem descendentes ou ascendentes do de cujus. Ressalte-se
aqui sua condio sucessria, quando das hipteses de usufruto e direito real de
habitao, conforme previso do artigo 1.611, pargrafos 1 e 2 daquela norma
legal j revogada.
Assim tem-se que o cnjuge no era herdeiro necessrio na ordem de
vocao hereditria, mas facultativo, o que possibilitava ao de cujus, na ausncia de
herdeiros necessrios (descendentes e ascendentes), deixar a totalidade de seus
bens para qualquer pessoa, pois a lei no reservava a parte do cnjuge suprstite,
como fazia em relao aos herdeiros necessrios.
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51
A alte