Murta,C.&SansonJr.,J.S. OcorpomáquinadeDescartes
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OCORPO-MÁQUINADEDESCARTESEMTÉCNICASMÉDICO-TERAPÊUTICAS
Lecorps-machinecartésiendanslestechniquesmédicalesetthérapeutiques
ClaudiaMurtaJacirSilvioSansonJunior
UFES
Resumo:Apartirdesuanoçãoderesextensa,RenéDescartespensaocorpopelaviadeumintercâmbioessencialcomosaparelhosmecânicos.Aconcepçãodecorpocomo“coisaextensa”prescreveumaestreitaafinidadeentreocorpoeasmáquinas,constituindoumaprerrogativafilosóficafundamentalparaatestagemdetécnicasbiomédicasdeintervençãoesaúde.Essehorizonterespondiacontextualmenteaumasolicitaçãomodernaporumanovaposturaanteanatureza(inclusooprópriocorpo),circunscritanoâmbitodoparadigmamatemático-mecanicista.Emvistadisso,analisamosavisãodeGilbertSimondonde“objetostécnicos”,queconsideramosserreceptivaaDescarteseabertaaproblematizaçõesatuaisligadasàrelaçãomáquina-cultura.Palavras-chave:Corpo.Resextensa.Mecanicismo.Biomedicina.Objetostécnicos.Résumé:Desanotionde resextensa,RenéDescartespense lecorpspar lebiaisd’unéchangeessentielavec lesdispositifsmécaniques.Leconceptducorpsresextensaprescrituneétroiteaffinitéentrelesmachinesdecorps,quiconstitueuneprérogativephilosophique fondamentalepour l'essaides techniquesd'interventionbiomédicaledesanté.Cethorizonrépondaitcontextuellementàunedemandemodernepourunenouvelleattitudedevantlanature(ycomprissonproprecorps),circonscritedansleparadigmemécaniste-mathématique.Danscetteperspective,nousanalysons la vision de Gilbert Simondon des «objets techniques», que nous considérons commme receptive àDescartesetouverteauxproblématisationsactuelsliésàlarelationmachine-culture.Mots-clés:Corps.Resextensa.Mécanicisme.Biomédecine.Objetstechniques.
A noção cartesiana de corpo-máquina respalda um conjunto de experimentos
anátomo-fisiológicos que se garantem sobre uma base eletromecânica. Em
consonância,oconceitoderesextensaprescreveumaponteentreascoisas(objetos
técnico-mecânicos)eocorpohumanoentendidocomouma“coisaextensa”,escopo
quenospermiteargumentarpelaestreitaafinidadeentrea resextensa cartesianae
algumastecnologiasempregadasatualmenteemintervençõesmédicas.1
1ContribuíramparaaconfecçãodestetrabalhoasreuniõesdoGrupodeEstudosePesquisassobreHumanizaçãoeTécnica(GEPHT).
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Antesdechegarmosaessa tratativa, vamos ressaltarquecomaexpressão res
extensaDescartes inauguraumaconcepçãodecorpoparticularmentecircunscritaao
paradigma matemático-mecanicista, pelo qual a Modernidade aspirava uma nova
posturaanteanatureza.
Oparadigmamodernodecorporeidade
OcorponãoéporDescartesgratuitamentedesignadoporresextensa;maisainda,
tal“corpo”estáreferenciadoparauma“alma”conceitualmentedistinta,denatureza
exclusivamente intelectiva2, como sinaliza Lebrun: a preferência do latim mens
(entendimento)aanima,aomenosnostextoslatinos,expõeatesecartesianaquantoà
naturezaintelectualda“alma”cujasubstânciaéo“puropensamento”3.Issosedá,por
exemplo,aotrataradistinçãoentrealmaecorponosPrincípiosdaFilosofia4,dotada
comosseguintesargumentos:
[...] examinando o que somos, nós, que pensamos agora, estamospersuadidos de que fora do pensamento não há nada que seja ouexistaverdadeiramente,econcebemosclaramenteque,paraser,nãotemosnecessidadedeextensão,defigura,deestaremqualquerlugar,nemdeoutracoisaque sepossaatribuiraocorpo,equeexistimosapenas porque pensamos. Por conseguinte, a noção que temos dealmaoudepensamentoprecedeaquetemosdecorpo,eestaémaiscerta visto que ainda duvidamos que no mundo haja corpos, massabemosseguramentequepensamos.5
Nessas marcações assentam uma significativa diferenciação do corpo na
Modernidade. Para Descartes, “os corpos são exclusivamente substâncias materiais
extensas”6. Isso se depreende inclusive d’As paixões da alma, onde explica o
2“[...]concluoefetivamentequeminhaessênciaconsistesomenteemquesouumacoisaquepensaouumasubstânciadaqualtodaaessênciaounaturezaconsisteapenasempensar”(DESCARTES,R.“Meditações”.In:RAMOS,V.(Dir.).Obraescolhida.SãoPaulo:Difel,1962/1641,VI,17).3LEBRUN,G.“Notas”.In:RAMOS,V.(Dir.).Obraescolhida.SãoPaulo:Difel,1962,p.67.4 Uma versão latina, ano 1644, dos Principia Philosophiae pode ser consultada na “Biblioteca Digital Mundial” –https://www.wdl.org/pt/item/3157/ (último acesso em 06/05/2017). Para fins de constatação, detecta-se na Pars prima (Deprincipiiscognitionishumanae):“Haecqueoptimaviaeftadmentisnaturam,ejufqueacorporediftinctionemagnofcendam”(Grifosnossos).5DESCARTES,R.PrincípiosdaFilosofia.Lisboa:Edições70,[19--],I,8.6PERLER,D.“RenéDescartes:oprojetodeumarefutaçãoradicaldosaber”.In:KREIMENDHAL,L.(Org.).FilósofosdoséculoXVII:umaintrodução.SãoLeopoldo:Unisinos,2003,p.106.
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funcionamentodocorpoàmaneiradesuaprópriamecânicaesemaajudadaalma7.É
possível visualizar o legado do qual se apresenta como herdeiro o corpo enquanto
extensão,peloqueselênaresextensaumacorporeidadesituadanaquiloquesedesigna
comotermo“coisa”.
Uma vez mais, os Princípios registram ummomento ímpar em que Descartes
operaareificaçãodocorpo–dequenãoseexcluio“corpodohomem”8–seguindoa
fórmuladaextensão:“[...]anaturezadamatériaoudocorpoemgeralnãoconsisteem
serumacoisadura,pesadaoucolorida,ouqueafectaossentidosdequalqueroutra
maneira,masqueéapenasumasubstânciaextensaemcomprimento,larguraealtura”9.
Sustentamosqueacorporeidademodernasurgequandoaspropriedadesfísicase/ou
materiais do corpo são assimiladas aos parâmetros quantitativos da extensão, da
mesmamaneiraque“osom,ocalor,aluz,aspropriedadesdosgases,ascomposições
químicas etc. explicam-se com esquemas e modelos mecanicistas, isto é, apenas
medianteomovimentodamatériaidentificadacomapuraquantidade”.10
NasMeditações, a via de emergência da nova corporeidade se promove num
excertocomoeste:
E, embora talvez [...] eu tenha um corpo ao qual estou muitoestreitamenteconjugado,todavia,jáque,deumlado,tenhoumaideiaclaraedistintademimmesmo,namedidaemquesouapenasumacoisapensanteeinextensa,eque,deoutro,tenhoumaideiadistintadocorpo,namedidaemqueéapenasumacoisaextensaequenãopensa,écertoqueesteeu,istoé,minhaalma,pelaqualsouoquesou,éinteiraeverdadeiramentedistintademeucorpoequeelapodeserouexistirsemele.11
Ocorpoédenominado“coisaextensa”paraserreadmitidocomomáquinasobo
ponto de vista de seu automatismo funcional, bem como na perspectiva de suas
medidas. Segundo a expressão de Selvaggi, a ciênciamoderna opera uma “redução
ontológicadetodososfenômenosnaturaisatermosmatemáticosemecânicos”12,do
7Cf.DESCARTES,R.Aspaixõesdaalma.In:RAMOS,V.(Dir.).Obraescolhida.SãoPaulo:Difel,1962/1649,art.7-16,29,47.8DESCARTES,R.PrincípiosdaFilosofia,II,2.9DESCARTES,R.PrincípiosdaFilosofia,II,4.10SELVAGGI,F.Filosofiadomundo:cosmologiafilosófica.SãoPaulo:Loyola,1988,p.288.11DESCARTES,R.Meditações,VI,17.12SELVAGGI,F.Filosofiadomundo,p.46.
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quenãoseexcetuaocorpo,comoinsisteKline:“AfilosofiamecanicistadeDescartesse
estendia inclusiveao funcionamentodocorpohumano.Elaacreditavaqueas leisda
mecânicaexplicariamavidadohomemedosanimais,eemseustrabalhosdefisiologia
utilizouocalor,ahidráulica,tubos,válvulaseasaçõesmecânicasdasalavancaspara
explicarasaçõesdocorpo”.13
A noção moderna de corpo preconiza um “corpo” inscrito no paradigma
matemático-mecanicista14: mecanicista, porque seu modo de funcionamento é
entendido explícita e analogamente como um relógio, máquina cujas engrenagens
operamqualautômato;matemático,porqueextensoeassimpassíveldemensuração.
Desses dois aspectos se logra uma composição bastante fidedigna da corporeidade
implicadanaescritadaresextensa:comotermo“res”apontandoparaomecânico,e
“extensa” indicando o matemático. Assim procedendo, recordamo-nos daquele
procedimentorecomendadoporDescartes:ode“dividircadaumadasdificuldadesque
euexaminasseemtantasparcelasquantaspossíveisequantasnecessáriasfossempara
melhorresolvê-las”.15
Tratemosprimeiramentedamecânicacorporaleomodelodorelógio.
O“corpo”cartesianoenquantocoisa
Naexpressão“resextensa”,peladesignação“res”(coisa)seconfiguraumcorpo
tido como uma máquina. Nas páginas de Descartes, uma representação crucial
sedimentaessaacepção:adoautômato.
[...] quão diversosautômatos, oumáquinasmóveis, a indústria doshomens pode produzir, sem empregar nisso senão pouquíssimaspeças,emcomparaçãoàgrandemultidãodeossos,músculos,nervos,artérias,veias,etodasasoutraspartesexistentesnocorpodecada
13KLINE,M.Elpensamientomatemático:delaAntigüedadanuestrosdías.Madrid:AlianzaEditorial,2012,p.431.Traduçãonossa.14Nãoalmejamosafirmarumaespecificidademodernaparaalémdaquiloqueapregoamosaosentidodecorporeidade.Massenosparecequeo“corpo-coisa”éumaparticularidadecartesianainstauradasegundoumparadigmamatemático,nãoquerdizerqueesseparadigmasejaumaexclusividadedaModernidade.GeorgeCanguilhemePaul-LaurentAssoun“denunciamqueomecanicismoalémdeserumaquestãodeépoca ‘...éumaatitudedohomemocidental’. [...]Aconsequênciadessetipodepensareviverarealidadedo‘homemocidental’éaquelaqueoreduzemseuprópriofazer-se[...]”(MURTA,Claudiaetal.“Módulo1:humanizaçãoedesumanização”.In:MURTA,Claudia(Org.).Dimensõesdahumanização:filosofia,psicanálise,medicina.Vitória:EDUFES,2005,p.44),impondo-seàvidaaforçaextremadatécnica.15DESCARTES,R.“Discursodométodo:parabemconduziraprópriarazãoeprocuraraverdadenasciências”.In:RAMOS,V.(Dir.).Obraescolhida.SãoPaulo:Difel,1962/1637,II.
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animal, consideraráessecorpocomoumamáquinaque, tendosidofeitapelasmãosdeDeus,é incomparavelmentemelhorordenadaecontém movimentos mais admiráveis do que qualquer das quepossamserinventadaspeloshomens.16
JordinoMarquestestaoesplendorqueenvolviaafabricaçãodeautômatos.Em
suamaneiraespecialderacionalizaranaturezapormeiodamatemática,omecanicismo
promoveorecursoàexperimentação,fornecendooembriãoparaumasimbólicados
animais-máquinas.Suasrepercussõessãofrontaisàengenharia,mascomDescartesa
mecânicaembalariaumarevoluçãotambémnamedicina,poisocorpopassariaaser
visto “como um conjunto de peças que funcionam a partir de sua disposição”17.
Comentando um texto de Mersenne (La verité des sciences), um dos principais
correspondentesdeDescartes,vemosminuciadoque
[...] algodenovoestáparaacontecernahistóriadopensamento.Écomoseoespanto,comoqualaautênticafilosofiaseinicia,passasseaserproduzidonãomaispelaquestãoabrangentedoSercomotal,mas, através de um processo de inversão e deslocamento dohorizonte, o espanto originário do filosofar fosse agora criado pelohomem através do seu artefato. [...] O homem começa a dominartécnicasqueanteslheeraminterditas.Eleduplicaoseumundoeasipróprionafabricaçãodosseusartefatosenaproliferaçãodeciênciasqueoentretêmeomaravilham.18
Éplausívelqueaacepçãodecorpoenquantoorganismobiológicocomparadoao
corpomecânicodeumautômato rendaaDescartes seuatributodemecanicista. “A
visão do corpo como uma máquina está no centro do projeto cartesiano de uma
fisiologiamecanicistaesboçadaemseuTraitédel’Homme,umdostextosmaislidose
discutidosdofilósofo,nosséculosXVIIeXVIII,peloseucarátercontroverso”.19
Amecânicaéumaestratégiadequeoautorseserveparaexplicitar,atítulode
ensaio, as funções biológicas num contexto gnosiológico de adequação à Física
nascente,pelaqualtodoouniversoviriaaserexplicado“pormeiodecausaspuramente
16DESCARTES,R.Discursodométodo,V.17MARQUES,J.Descartesesuaconcepçãodehomem.SãoPaulo:Loyola,1993,p.41.18MARQUES,J.Descartesesuaconcepçãodehomem,p.41.19ORTEGA,F.Ocorpoincerto:corporeidade,tecnologiasmédicaseculturacontemporânea.RiodeJaneiro:Garamond,2010,p.104.
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físicas, autônomas com relaçãoàmentee aopensamento”20. É precisamenteoque
podemosconferirnestaenoutraspassagensdoTratadodohomem:
Eu suponho que o corpo nada mais seja do que uma estátua, oumáquinadeterraqueDeus formadeliberadamente,para torná-laomaispossívelsemelhanteanós:demodoqueelelhedánãosóacoreaformadetodososnossosmembros,comotambéminseretodasaspeçasquesãonecessáriasparafazerqueelacaminhe,coma,respire,enfim, imite todas as nossas funções, que se imagina proceder damatériaesódependerdadisposiçãodosórgãos.21
Noestudodosseresvivos, todasas funçõescorporaissãoassimiladasa“ações
mecânicas,comoasdeumamáquina”22.RosseFrancksdizemqueaanalogiafavorita
doséculoXVIIestavaemvertodaanaturezacomoumrelógiogigante23.Apesardeter
se tornado a metáfora mais conhecida, no Tratado do homem são evocados da
engenharia autômatos hidráulicos (fontes e grutas dos jardins reais, e moinhos), e
mesmoosórgãosdeigrejas,comseusfoles,receptáculosetubos24.Masvalenotarque
o relógio não se restringia ao elemento mecânico de suas componentes, pois o
autômatoeraantes lidoporsuaspropriedadescinemáticas.Ocorpoéumacoisa-res
nãoapenasporsercomparávelàspeças,esimporalojaremsimesmo,nãoemuma
“alma”,acausadeseuprópriomovimento.
Vemososrelógios,asfontesartificiais,osmoinhoseoutrasmáquinassemelhantes,que,sendofeitassópeloshomens,nãodeixamdeteraforça de se mover por si mesmas de diversas maneiras; e eu nãopoderiaimaginartantasespéciesdemovimentosquesuponhosejamfeitospelasmãosdeDeus,nemlheatribuirtantoartifícioquenãosepossaimaginarqueestamáquinanãoospossuamaisainda.25
Aimagemdocorpo-autômatoabrangegravesdeduções.Umadelastalvezsejaa
desereinterpretarumasimplessensaçãodesedenahidropisia:àsemelhançadeum
20BRAGA,M.;GUERRA,A.;REIS,J.C.Brevehistóriadaciênciamoderna:dasmáquinasdomundoaouniverso-máquina(séc.XVaXVII).3.ed.RiodeJaneiro:Zahar,2010.v.2,p.64.21DESCARTES,R.“Tratadodohomem”.In:MARQUES,J.Descartesesuaconcepçãodehomem.SãoPaulo:Loyola,1993/1644,p.140.22BRAGA,M.;GUERRA,A.;REIS,J.C.Brevehistóriadaciênciamoderna,p.64.23Cf.ROSS,G.M.;FRANCKS,R.“Descartes,SpinozaeLeibniz”.In:BUNNIN,N.;TSUI-JAMES,E.P.(Orgs.).Compêndiodefilosofia.SãoPaulo:Loyola,2002,p.511.24Cf.DESCARTES,R.Tratadodohomem,pp.149-150,174-175.25DESCARTES,R.Tratadodohomem,p.140.
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relógio(derodasecontrapesos)quenãomarcabemashoras,ocorpo(deossos,nervos,
músculos, veias, sangue e pele) de um doente hidrópico anseia por água quando a
gargantaestáseca.26
Outrodesdobramentoestáemrecolocaro“corpo”numcamposemânticoalheio
aodavida-morte.DiscorrendosobreocorposemalmaemDescarteseVesálio,Brandão
aceitaquenaRenascençadeDonatello,Alberti,LeonardoeMichelangeloanovidade
estejaemobservarocorpoenãomaisemdissertarsobreele,oqueimplicouemsua
dessacralização.Enquanto“ocorpomedievalerahabitadoporumaalmadivinacoma
qual o artista, o cientista e o intelectual, fazendo-se análogos deDeus, acreditavam
fundir-seaoproduzirsuasobras”,já“aarteeaciênciarenascentistanosmostramcorpo,
tempo,espaçoenaturezadessacralizados,convertidosemcoisahumana,considerados
apartirdafinitudedenossoolhareemfunçãodospropósitosedoscontextosdenossa
existência”27,umanovidadequetambémmudaráaperspectivadocorponamedicina
deAndréVesálio,cujoprojetoerasimilaraocartesianismo.
Para Francisco Ortega, na realidade, a “cultura de dissecação”, que abarca o
período de dois séculos (do fim do XV ao fim do XVII), promoveu uma “ruptura
epistemológica”28aodeslocarocadáveremprimeirapessoa,talcomoemPlatão,para
o cadáver em terceira pessoa, assim tornado objeto de dissecação tanto nas
intervençõesdeDescartes29comonaproliferaçãodeteatrosanatômicosnoscentros
urbanos,ondesefaziadadissecaçãoum“grandeacontecimentopúblico”.30
Essa ruptura, pela qual se abre um novo campo epistemológico, constitui a
anatomia – segundo Ortega – como uma metáfora fundamental, uma espécie de
parâmetrodopensamento,emquetudo–areligião,amorte,aciência,aarte,apolítica,
otempo,oindivíduoetc.–eradealgummodosuscetíveldeser“anatomizado”31.Isso
teriamodelado“acompreensãodocorponabiomedicinaenopensamentomoderno”,
poisnaperspectivaobjetivadaterceirapessoa,ocadáver“éembrulhadonumaausência
26Cf.DESCARTES,R.Meditações,VI,31.27BRANDÃO,C.A.L.“OcorpodoRenascimento”.In:NOVAES,A.(Org.).Ohomem-máquina:aciênciamanipulaocorpo.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,2003,p.292.28ORTEGA,F.Ocorpoincerto,p.101,104.29Cf.ORTEGA,F.Ocorpoincerto,p.105-106.30ORTEGA,F.Ocorpoincerto,p.95.31SAWDAYapudORTEGA,F.Ocorpoincerto,p.101.
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insuperável”32,aparecendo“nasuapurafisicalidade[e]oferecendo-secomomodelodo
corpovivo”.33
Falardeumcadáver“emterceirapessoa”significatratá-locomo“corpoobjetivo,
mensurável,quantificávelefragmentado”34.Ocorpodoconhecimentoobjetivanteda
tradiçãoanatômicaseriaentãoumcorpodissociadodoeupensanteerecuadodeuma
experiência subjetiva como self35: “No olharmédico e nas práticas de dissecação a
mortetorna-seomodelodavida,ocadáverdocorpovivo”.36
Ocadáverteriaassimuma“primaziaepistemológica”nopensamentomédico,e
estaria “nabasedo enorme crescimentodas tecnologiasmédicas, especialmentede
visualização”37.Eleperfazcombastanteexatidãootermosoma,quenaGréciaclássica
jamaissereferiaaocorpovivo,massempreaocorpojádesfalecido38.Ortegaentende
queo corpo-máquina é o corpo-cadáver, atendendo até certo ponto a umafamado
trechodasMeditações:“Considerava-me,inicialmente,comoprovidoderosto,mãos,
braçosetodaessamáquinacompostadeossosecarne,talcomoelaapareceemum
cadáver,aqualeudesignavapelonomedecorpo”.39
Essecorpo-resénadamaisdoqueumcorpoinerte,regidoporumaindiferençaàs
noçõesdevidaoumorte.ÉtalcomonaspalavrasdeMurtaePessoa:“umamáquina
estáaquémdesermortalouimortal,postoqueamáquinanãosereconhece,nãose
reflete–apenasreagemecanicamente”40.OunoparecerdeBrandão:“Ocorpo,como
representação, é desligado do campo negativo da morte, e a compreensão de seu
funcionamentopassaa ser assimilada,progressivamente, àdeprocessosmecânicos,
físicosequímicostotalmenteobjetivos”41.Éjustamenterebatendooerrodeseconferir
àalmaacausadomovimentodocorpo42queDescartessolucionaemAspaixõesda
alma:
32 “Ocorpo-cadáverexibeummododedes-aparecimentoprofundoque,necessariamente, recuademinhaapreensão.Ondeocadáverestá,eunãoestou”(ORTEGA,F.Ocorpoincerto,p.106).33ORTEGA,F.Ocorpoincerto,p.106.34ORTEGA,F.Ocorpoincerto,p.104.35CfORTEGA,F.Ocorpoincerto,p.102,104.36ORTEGA,F.Ocorpoincerto,p.101.37ORTEGA,F.Ocorpoincerto,p.107.38Cf.ORTEGA,F.Ocorpoincerto,p.85.39DESCARTES,R.Meditações,II,6.40MURTA,C.;PESSOA,F.Humanização,vidaemorte.Vitória:UFES/NEAD,2009,p.6.41BRANDÃO,C.A.L.OcorpodoRenascimento,p.292.42Cf.DESCARTES,R.Aspaixõesdaalma,art.5.
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A fimdeevitarmos,portanto,esseerro, consideremosqueamortenuncasobrevémporculpadaalma,massomenteporquealgumadasprincipaispartesdocorposecorrompe;ejulguemosqueocorpodeumhomemvivodiferedodeummortocomoumrelógio,ououtroautômato(istoé,outramáquinaquesemovaporsimesma),quandoestámontadoetememsioprincípiocorporaldosmovimentosparaosquaisfoiinstituído,comtudooqueserequerparaasuaação,diferedo mesmo relógio, ou outra máquina, quando está quebrado e oprincípiodeseumovimentoparadeagir.43
Oconstructodocorpoautômatodemarcacombastanteexatidãooestatutodas
leiseoâmbitoepistemológicodaresextensa.Issoseexprimesobreofundamentode
umahierarquizaçãoemquesetornamaisimportanteterumcorpodoqueserumcorpo.
A redução da experiência do corpo que, segundo Ortega, a história das práticas
anatômicaslevouacabo,forjouuma“relaçãocomocorpocomo‘algoquesetem’e
nãocomo‘algoqueseé’”44.Negadatodacondiçãoontológica,ocorposemalmatorna-
sealgoquesetem,pois“deformaalguma,nopensamentocartesiano,ocorpopoderia,
independentementedaalma,participardacondiçãodeser”.45
O“corpo”cartesianoenquantoextensão
Nouniversocartesiano,destacaMarques,nãohánenhumadiferençaessencial
entreoscorposnaturaiseasmáquinasproduzidaspelosartesãos,poisDescartesaplica
àmatéria os princípiosmecânicos que observa atuarem nos autômatos46. Ele assim
“insereseusconhecimentosfisiológicosnoesquemamecanicistaeosobrigaaassumir
ocarátermecânicoqueanovarealidaderequer.Considerandoafisiologiacomouma
partedafísica,eletentatornarclaraedistintaumaciênciaqueportradiçãoeravitalista
eobscura”.47
No conceito de res extensa ainda encontramos o mérito de assinalar a
corporeidade à extensão. É-nos perfeitamente visível que com isso Descartes logra
43DESCARTES,R.Aspaixõesdaalma,art.6.44ORTEGA,F.Ocorpoincerto,p.104.45 MURTA, C. “Sintomas e perda de corpo”. In: Veritas. Porto Alegre: v. 59, n. 2, maio-ago. 2014, p. 305.http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/veritas/article/view/19630(últimoacessoem22/09/2015).46Cf.DIMARCO,M.apudMARQUES,J.Descartesesuaconcepçãodehomem,p.42.47MARQUES,J.Descartesesuaconcepçãodehomem,p.42.
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pontificarduasrevoluçõesparadigmáticasemcurso:adeVesálioemseuDehumani
corporis fabrica, eadeCopérnicoemDe revolutionibusorbiumcelestium, ambasde
1543.
OtrabalhodeAndréVesálio,segundoOrtega,“marcaonascimentodaanatomia
científicamoderna”48.Merecida consideraçãoé justificadanãopela constataçãodos
equívocosdeGaleno,pelaqualsedescredenciaaautoridadedesteeoutrosautoresda
Antiguidade, e sim por outra inversão de hierarquia: quando a evidência empírica,
embasadana“observaçãoexperimentaldocorpoanatomizado”49,trocadepostocom
aautoridadetextual.Overdadeirolivro-fontedeconhecimentosanatômicosnãoestá
maisnotextoescrito,esimnocadáversobreamesaondeserealizaadissecação.
Na obra de Vesálio, sucede-se um deslocamento da mesma magnitude da
“revoluçãocopernicana”.Essaexpressão,queRealeeAntiseriobservamserconhecida
jáemKant,comportaumasignificaçãodecunhomaisepistemológicoquetécnico,pois
a inovação radical nas concepções fundamentais do pensamento, engendrada pelo
heliocentrismo,édealcancemuitomaiordoquea reformaestritamente técnicada
astronomia. Escrevem comentando Thomas Kuhn (A revolução copernicana): “a
revolução copernicana foi também uma revolução no mundo das ideias, a
transformaçãode ideias inveteradasqueohomemtinhadouniverso,desuarelação
comeleedoseulugarnele”.50
Várioscomentadorestêmsedebruçadosobreessaconfiguraçãoepistemológica
típicadosséculosXVaXVII,segundoaqualocarátermatemáticodanovaciênciaedifica
tambémumanovavisãodarealidade.Dissoresultaqueosobjetosmateriaisdafísica
cartesiana não tenham forma, e sim extensão: são extensos, exatamente porque
constituídosporpropriedadesgeométricasecinemáticas.Comisso“afísicaqualitativa
edescritivadasidadesprecedentesésubstituídaporumafísicapuramentequantitativa
ematemática”.51
48ORTEGA,F.Ocorpoincerto,p.91.49ORTEGA,F.Ocorpoincerto,p.91.50KUHN,T.apudREALE,G.;ANTISERI,D.HistóriadaFilosofia:doHumanismoaDescartes.2.ed.SãoPaulo:Paulus,2005,v.3,p.167.51SELVAGGI,F.Filosofiadomundo,p.46.
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ÉsempremuitoilustrativooexemplodaceradeixadoporDescartesnaSegunda
Meditação,queseconjuga,aliás,comaconhecidapassagemonde,dajanela,relataver
(percepção visual) passando na rua chapéus e casacos, sobre os quais infere (julga)
seremhomensverdadeiros,masquepoderiammuitobemserem“homensfictíciosque
semovemapenaspormolas [automata]”52.A“tesedaprivacidade”,deacordocom
André Gombay, consiste dizer que, na prática, e beirando uma insinuação
esquizofrênica,
nãotenhoumacertezadiretaeimediatadequeháoutraspessoas–apenas sei disso graças a uma inferência ou a um “juízo”. Há umalacuna real entreminha convicção de que eu sou um ego eminhaconvicção de que você é. A meu respeito, sei imediatamente, namedidaemquesentoemmeugabineteouolhoparaumpedaçodecera.Aseurespeito,seiapenasgraçasaumfragmentodeevidênciaquevocê(felizmente?)provê:vocêproferepalavrasefrases.53
Nos dois casos, não é pelos olhos, e sim pelo poder de julgar que reside no
espírito54,queDescartesatestahavernaruahomensverdadeirosemvezdeautômatos,
enaescrivaninha,umaceraapesardasérieinumeráveldefigurasqueelapodeassumir.
Relativoaohomem,Gombayrecuperaumanotanãopublicadadeumacartade
Descartes a Newcastle, em 23 de novembro de 1646: “Nenhuma de nossas ações
externaspodemasseguraraosqueasexaminamquenossocorponãoétão-somente
umamáquinaquesemoveporsimesma,masqueabrigaumaalmacompensamentos,
excetoaspalavrasfaladasououtrossinaisqueserefiramassuntosparticulareseque
não estejam relacionadas às paixões”55. O discurso, a habilidade de falar, ou sua
ausência, difere o homem verdadeiro do autômato, da mesma forma que é pela
“inspeção do espírito”56 que se concebe, com maior evidência, aquilo de extenso,
flexívelemutávelpertencenteàcera57.Umhomemsemlinguagemécomoacerasem
52DESCARTES,R.Meditações,II,12-14.53GOMBAY,A.Descartes:introdução.PortoAlegre:Artmed,2007,p.74.54Cf.DESCARTES,R.Meditações,II,14.55DESCARTESapudGOMBAY,A.Descartes,p.74.56DESCARTES,R.Meditações,II,13.57“concebemososcorpospelafaculdadedeentenderemnósexistenteenãopelaimaginaçãonempelossentidos”(DESCARTES,R.Meditações,II,18).
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extensão;ditodeoutromodo:aextensãoéparaaceraoquea linguageméparao
homem.
A Modernidade alvorece com a emergência de novos valores gnosiológicos
contrários a especulações utilitariamente inócuas, às vezes taxativamente
obscurantistas,contraoquêseimpõeaMatemática,oumaisprecisamente,aunificação
da álgebra com a geometria. Em suma: “A geometrização do espaço implica em
neutralizar as determinações dadas pela tradição [...]. Com isto torna-se neutro,
homogêneo,mensurável,calculável,semqualidades”.58
A aplicação cartesiana de “extensão” é tão pródiga tocante ao corpo como o
artifíciodeNewtono foiparaaastronomia.SeomodelomatemáticoéporNewton
visualizadonasdimensõesastronômicasdoscorposcelestes,Descartesopercebeem
relaçãoaoâmbitoanatômicodocorpohumano.Emambospercorreoconsentimento
por “uma objetividade nítida por trás dos conceitos expressos por números e
medidas”59. Ou como nos alega Kline: “Descartes proclamou explicitamente que a
essênciadaciênciaeramasmatemáticas.[...]Omundoobjetivoéespaçosolidificado,
ougeometriaencarnada”.60
Aresextensareconstrói,portanto,ocorposegundooscaracteresmatemáticos.E
“osujeitomodernoposiciona-senodecursodoprocessocamuflando,deslocandoou
duvidando das racionalidades insubmissas ao modelo matemático [...]”61. As
possibilidades que emergemdaperspectiva deumnovoparadigma atendemauma
aspiração que emBacon se exprime com estas palavras: “de toda essa filosofia dos
gregosetodasasciênciasparticularesdeladerivadas,duranteoespaçodetantosanos,
nãoháumúnicoexperimentodequesepossadizerquetenhacontribuídoparaaliviar
e melhorar a condição humana [...] e que se possa atribuir às especulações e às
doutrinasdafilosofia”.62
Essa avaliaçãoensejaumconhecimento filosóficomaispragmáticoe comuma
finalidade prática, capaz de trazer à luz “inventos mais nobres e dignos do gênero
58MURTA,C.etal.Módulo1:humanizaçãoedesumanização,p.28.59BRAGA,M.;GUERRA,A.;REIS,J.C.Brevehistóriadaciênciamoderna,p.62.60KLINE,M.Elpensamientomatemático,p.431.Traduçãonossa.61MURTA,C.etal.Módulo1:humanizaçãoedesumanização,p.40.62BACON,F.NovumOrganumouverdadeirasindicaçõesacercadainterpretaçãodanatureza.In:CIVITA,V.(Ed.).Ospensadores.SãoPaulo:AbrilCultural,1973/1620,v.13,af.LXXIII.
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humano”63. Constatado o quanto o desenvolvimento técnico permaneceu inerte
duranteséculos,apela-seagoraporumnovométodo–oindutivo–quetraráresultados
efetivosparaamelhoriadaqualidadedevidaeodomíniosobreanatureza64. “Esse
sentimento fez com que [Descartes] defendesse a ideia de que as especulações
filosóficas não tinham utilidade prática, não traziam entendimento seguro sobre o
Universoe,portanto,nãodemonstravamterserventiaparaoshomens”.65
ComissoconcordaMarisaDonatelli,quevênoDiscursoumlugarondeDescartes,
fazendoecoaBacon,“promoveauniãoentreasartesmecânicaseafilosofia:adefesa
deumafilosofiaquetenhautilidadeparaohomem”66.Paraaautora,Descartesexibe
umadevotaatençãoàmecânica,nãotendosidoapenasocasionalquesuasprimeiras
explicações sobre máquinas estivessem em correspondências de 1637 (época do
Discurso), a Huygens, embora tenham sido publicadas apenas em 1668 porNicolas-
Joseph Poisson com o título Tratado de mecânica, contendo inclusive um valioso
comentáriodenominado“ObservaçõessobreasmecânicasdoSr.Descartes”.Portudo
isso,
OpensamentodeDescartescaracteriza-sepeladefesadaunidadedeconhecimentoqueindicaarelaçãoestreitaexistenteentreasciênciasapartirdeumafundamentaçãometafísica.Nessequadro,amecânicaocupaumlugaraoladodamedicinaedamoralcomoresultadosquepodemsercolhidosdessaconcepçãounificadora.67
Oparadigmamatemático-mecanicista,emvoganoséculoXVII,patrocinaassima
releituradocorponumnovoregistro.Comaexpressãoresextensa,Descartesendossa
esses parâmetros, dando repercussão ao aspecto mecânico e quantitativo com os
respectivostermosreseextensa.
Ocorpo-máquinaetecnologiaseletromecânicasdeintervençãomédica
63BACON,F.NovumOrganum,af.LXXXVIII.64Cf.BACON,F.NovumOrganum,af.XIX;af.XXVI.65BRAGA,M.;GUERRA,A.;REIS,J.C.Brevehistóriadaciênciamoderna,p.62.66DONATELLI,M.C.deO.F.“SobreoTratadodemecânicadeDescartes”.In:Scientiæstudia.SãoPaulo:v.6,n.4,2008,p.639.http://www.revistas.usp.br/ss/article/view/11152(últimoacessoem27/09/2015).67DONATELLI,M.C.deO.F.SobreoTratadodemecânicadeDescartes,p.639.
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É inegável que as referências à mecânica-matemática permanecem sendo
amplamenterequisitaspelaFisiologia.UmaobracomooTratadodefisiologiamédica,
deArthurGuytoneJohnHall,seriaimpensávelsemasdezenasdefórmulasalgébricas
eplanoscartesianosquemensuramofuncionamentodares.Naverdade,omecânicoe
omatemático sãoaímaisnitidamentepercebidosdoque,porexemplo,noAtlasde
anatomia humana, de Frank Netler68, onde arranjos de figuras, cores e nomes
estrambólicosatendemaumapeloartísticoquenãoenxergaríamosnarepresentação
damecânicadacontraçãomuscularesquelética69,naanálisegráficadotransportede
oxigêniopelosanguearterial70ounoseventosqueproduzemopotencialdeaçãona
membranadosnervos.71
Os inúmeros aparelhos de medição usados em exames médios obviamente
medemoqueémensurável,ocorpo,esãoporissoumtestemunhoincontestávelde
que o corpo é realmente uma “coisa”. Todavia é rastreando esses e outros
encadeamentos empíricos que a perspectiva de novos desdobramentos certifica o
“corpo-máquina” como uma formulação que sintetiza e estabelece um modus de
cooperação e, mais profundamente, de integração entre o corpo humano e as
tecnologias. Mediante a elaboração cartesiana do autômato-relógio, aparatos e
engrenagens, peças e geringonças estão num continuum com carne, pele, ossos e
sangue,tudocondensadonaexpressãoresextensa.
Emdeterminadopontodevista,ocorpocomomáquinarepresentaumaabertura
onderepousaovínculoindissociávelentreocorpoeascoisas.Ocorpo-máquinaanuncia
arecíprocadestinaçãodatotalidadedosentes:ocorpo,nocasoares,éparaascoisas;
consequentemente,ascoisassãoparaocorpo.Ofenômenodecorpoecoisacoarctados
seencontratãobemassentadoqueamanifestaçãodacoisa-corpo(res-corpus)éalgo
“natural”quandonautilizaçãodepróteseseórteses:estas,paraauxiliaremasfunções
deummembro;aquelas,quandosubstituírem-nastotalouparcialmente.Nãoénosso
objetivo destrinchar as especificações desses aparelhos, senão frisar: o conceito
68Cf.NETLER,F.H.Netler,atlasdeanatomiahumana.RiodeJaneiro:Elsevier,2008.69Cf.GUYTON,A.C.;HALL,J.E.Tratadodefisiologiamédica.9.ed.RiodeJaneiro:GuanabaraKoogan,1997,pp.75-76.70Cf.GUYTON,A.C.;HALL,J.E.Tratadodefisiologiamédica,p.466.71Cf.GUYTON,A.C.;HALL,J.E.Tratadodefisiologiamédica,p.59.
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cartesianoderesextensaestabeleceparaaModernidadeocidentalaprerrogativade
umainteração,semtabus,entreocorpoeamáquina.
Citamos desde bengalas, muletas e andadores, palmilhas, joelheiras e
munhequeiras, coletes e colares cervicais, óculos e aparelhos de contato, aparelhos
ortodônticose“geradordesomaplicadoaocrânio”72quandoasurdezédecondução,
pararecordarmossomentedealgunsdispositivosexternosdestinadosacorrigiralgum
aspectomecânicodossistemasneuromusculoesquelético.
Chamam-nosaindamaisaatençãoosdispositivosdepróteseseórtesesinternas,
por cujo implante exploram como corpo-máquina uma simbiose profunda. Coração
artificial,válvulacardíacamecânica,marcapassoestent,parafalardaCardiologia.Eem
TraumatologiaeOrtopedia:oinstrumentalparaestabilizaçãodecoluna,bemcomoos
diversosprocedimentosmecânicosde imobilização,quandoemindivíduosdegrupos
etáriosmaisvelhosas“fraturastendemaocorrernapresençadealgumaoutradoença
(p.ex.,osteoporoseeosteomalacia)”.73
Nenhum levantamento estatístico nos é indispensável para sugerirmos a
cotidianidadedarelaçãodohomemcomamáquina,oumaisespecificamente,docorpo
–ocorpo-coisa–comtantosdispositivoseletromecânicoscujousoéimprescindível(a
certosditames)paraqueocorpoalcanceoureadquiraumaestéticadesejada,mediante
asprótesesmamáriaseoculares,porexemplo.
Na resextensa, a carneeometal,obiológicoeomecânicopartilhamdeuma
mesma substancialidade. Queremos com isso dizer que, a despeito de qualquer
incompatibilidadeentreacoisa(materiaismédicosimplantados)eocorpo(nopontode
vista de sua variedade histológica), a res extensa forja um campo ad infinitum de
experimentação empírica. Carne emetal são então concebidos sobomodode uma
mesmasubstancialidade:“Aoperceberanaturezacomoumagrandemáquina[...],ele
[Descartes]aboliudeseupensamentoadivisãoexistenteentremecanismosnaturaise
artificiais”.74
72GUYTON,A.C.;HALL,J.E.Tratadodefisiologiamédica,p.609.73ROSENBERG,A.E.“Ossos,articulaçõesetumoresdetecidosmoles”.In:KUMAR,V.;ABBAS,A.K.;FAUSTO,N.(Eds.).Patologia–basespatológicasdasdoenças.RiodeJaneiro:Elsevier,2005,p.1348.74BRAGA,M.;GUERRA,A.;REIS,J.C.Brevehistóriadaciênciamoderna,p.65.
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Valeapropósitolembrarmo-nosdorecursoaendoprótesesmetálicasemvários
tipos de tratamento – como para aneurismas na aorta abdominal75 em estenoses
brônquicasnopós-operatório76–,vindoemauxílioàcarneemseuiminenteestadode
colapso.EmOdontologia,apropósitodeumimplantedentário,alémdoaspectonatural
dos dentes artificiais, uma liga (metálica) de titânio substitui a raiz (carnal) de um
dente77.Namesmaperspectivatambémsesituaopesodeouroque,apesardetrazer
complicações precoces ou futuras ao procedimento oftalmológico, resolve
provisoriamenteummaufuncionamentodaspálpebrasnolagoftalmoparalítico.78
Anecessidadeclínica,aliás,quandoacatarataprejudicaseriamenteavisão,exige
queocristalinosejaremovidocirurgicamenteesubstituído“porumapoderosa lente
convexanafrentedoolho”79,ouseja,uma“prótesedelenteintra-ocular”80.Chegando
aoseulimitedeeficáciaterapêutica,osóculoseaslentesdecontatonãosãomaisum
recurso alternativo aos “olhos portadores de astigmatismo irregular devido a
ceratocone”81, quadro para o qual se prescreve o Anel de Ferrara, uma prótese de
acrílicoimplantadamediantecisãonotecidocorneano.
As técnicas não apenas imitam o biológico: na verdade, reproduzem o órgão
nativo-anatômico em pleno substrato mecânico, uma possibilidade que o espírito
moderno vislumbrou e a fórmula res extensa moldou à viabilidade experimental, a
exemplo do aparato que processa a hemodiálise, onde uma máquina substitui
importantesfunçõesrenais82.Talmecanismoétão“artificial”–comoselêemGuyton
75SAADI,E.etal.“Tratamentoendovasculardosaneurismasdeaortaabdominal:experiênciainicialeresultadosacurtoemédioprazo”. In: Rev. Bras. Cir. Cardiovasc. São José do Rio Preto: v. 21, n. 2, jun. 2006, pp. 211-16.http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-76382006000200016&lng=en&nrm=iso (último acesso em12/03/2015).76SAMANO,M.N.etal.“Utilizaçãodeendoprótesemetálicanotratamentodeestenosebrônquicaapóstransplantepulmonar”.In:J. bras. pneumol. São Paulo: v. 31, n. 3, jun. 2005, pp. 269-72. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-37132005000300015&lng=pt&nrm=iso(últimoacessoem12/03/2015).77Cf.PIVETA,A.C.G.etal.“AnálisemetalográficadotitâniopurosubmetidoàsoldagemlaserNd:YAGeTIG”.In:Rev.odontol.UNESP. Araraquara: v. 42, n. 1, fev. 2013, pp. 1-6. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1807-25772013000100001&lng=pt&nrm=iso(últimoacessoem15/06/2015).78Cf.NUNES,T.P.etal.“Implantedepesodeouro:complicaçõesprecocesetardias”.In:Arq.Bras.Oftalmol.SãoPaulo:v.70,n.4,ago. 2007, pp. 599-602. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-27492007000400008&lng=en&nrm=iso(últimoacessoem25/05/2015).79GUYTON,A.C.;HALL,J.E.Tratadodefisiologiamédica,p.572.80FOLBERG,R.“Oolho”.In:KUMAR,V.;ABBAS,A.K.;FAUSTO,N.(Eds.).Patologia–basespatológicasdasdoenças.RiodeJaneiro:Elsevier,2005,p.1496.81OLIVEIRA,C.S.deetal.“AnálisedenovatécnicaparaoimplantedoaneldeFerraranoceratocone”.In:Arq.Bras.Oftalmol.SãoPaulo: v. 67, n. 3, jun. 2004, pp. 509-17. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-27492004000300024&lng=pt&nrm=iso(últimoacessoem15/06/2015).82Cf.GOLDMAN,L.;AUSIELLO,D.CecilMedicina.RiodeJaneiro:Elsevier,2009,p.1081.
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eHall83–quantooqueorim,decarne,realizademodo“vital”.Ademais,oempregode
nanomateriais para diagnóstico e tratamento em Nanomedicina ascende a vastas
possibilidades de aplicações de fármacos e exames por imagens e radioterapia, em
Oncologia84enaMedicinaemgeral.85
Asfronteirasabertaspelaresextensasãopermanentementetranspostasemvista
deumuniversodeexperimentações infinitasentreamatériacorporaleacoisa.Um
“marcapasso”(oualgumdispositivosemelhante),peloqualsealcançaaprofundidade
de uma interação elétrica entre corpo e aparelho, não é um nome que associamos
exclusivamente ao coração – como se vê numa radiografia frontal em Goldman e
Ausiello86 –, mas agora também ao abdômen – através da vBloc Therapy87 – e ao
cérebro88:ambosparaocombateàobesidade.
AjulgarporestaspalavrasdeMiguelNicolelis89,entendemosconfirmarqueares
extensa, do século XVI cartesiano, está na vanguardade cadadivisa transposta pela
biotecnologiadoséculoXXI:
Interfaces diretas em tempo real entre o cérebro e dispositivoseletrônicosemecânicospoderiamumdiaserusadaspararestaurarasfunções sensoriais e motoras perdidas mediante lesão ou doença.Interfaces cérebro-máquinas híbridos também têm o potencial deaumentar nossas capacidades perceptivas, motoras e cognitivas,
83GUYTON,A.C.;HALL,J.E.Tratadodefisiologiamédica,p.384-385.84 Cf. CANCINO, J.; MARANGONI, V. S.; ZUCOLOTTO, V. “Nanotecnologia em medicina: aspectos fundamentais e principaispreocupações”. In: Quím. Nova. São Paulo: v. 37, n. 3, jun. 2014, pp. 521-26.http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-40422014000300022&lng=en&nrm=iso (último acesso em16/06/2015).85Cf.HAWTHORNE,G.H.;BERNUCI,M.P.“Relaçãodananotecnologiacomaspráticasatuaisesuaspossíveisimplicaçõesfuturas”.In: Saúde e Pesquisa. Maringá: v. 8, 2015, pp. 79-91.http://periodicos.unicesumar.edu.br/index.php/saudpesq/article/view/3759/2514(últimoacessoem28/08/2015).86Cf.GOLDMAN,L.;AUSIELLO,D.CecilMedicina,p.382.87Cf.SHIKORA,S.;TOOULI,J.;HERRERA,M.F.etal.“Vagalblockingimprovesglycemiccontrolandelevatedbloodpressureinobesesubjectswithtype2diabetesmellitus”.In:Journalofobesity.v.2013,2013.http://www.hindawi.com/journals/jobe/2013/245683/(últimoacessoem04/05/2015).88Apósafasedeexperimentaçãoemmacacos(cf.LÁCAN,G.;SALLES,A.A.F.de;GORGULHO,A.A.etal.“ModulationoffoodintakefollowingdeepbrainstimulationoftheventromedialhypothalamusinthevervetmonkeyLaboratoryinvestigation”.In:JournalofNeurosurgery. v. 108, n. 2, fev. 2008, pp. 336-42. http://thejns.org/doi/abs/10.3171/JNS/2008/108/2/0336?journalCode=jns&.Último acesso em 03/05/2015), as pesquisas agora alcançam os seres humanos(http://www.istoe.com.br/reportagens/401340_IMPLANTE+CONTRA+A+OBESIDADE.Últimoacessoem03/05/2015).89Seucurrículoestáatreladoàspesquisasemneuroengenharia,comtrabalhossobreas“interfacescérebro-máquina” (BMIs)–Brain–machine interfaces (cf. NICOLELIS, M. A. L. et al. “A Brain-Machine Interface Instructed by Direct IntracorticalMicrostimulation”. In: Frontiers in Integrative Neuroscience. v. 3, n. 20, 1 set. 2009.http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2741294/.Últimoacessoem27/07/2015)–eoexoesqueletodoProjetoAndardeNovo (http://www.natalneuro.org.br/.Últimoacessoem17/04/2015):umestudoquedevolveamobilidadeaparaplégicospormeiodeuma“neuroprótese”,vulgo“exoesqueleto”.
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revolucionandoomodo comousamos computadores e interagimoscomambientesremotos.90
Emboraoneurocientistatenhaproclamado,aefeitodearesmessiânicos,que“o
cultodocorpoacabou,começaagoraodamente”,asexperiênciascomtecnologiade
interfacecérebro-máquina(ICM),emrelaçãoaocorpo,nãoanunciammaisdoquejá
estácontidonaresextensa,marcodocorpo-máquina,umcorpodoqualtambémfaz
parteocérebro.91
Segundo Le Brenton, há atualmente suposições que testam esses limites,
apostandoqueaneteouniversodocomputadortalvezlevemàsúltimasconsequências
oqueocorpo-máquinacartesianoprincipiou.Seexequívelounão,sãoessesosanseios
de um movimento de inspiração ultra gnóstica que, de tão entusiasta pelas novas
tecnologias,preanunciaofimdocorpo:quandoapós-humanidadefinalmenteselivrará
desse fardo perecível e anacrônico que é a carne, acedendo gloriosamente ao
ciberespaço enquanto matriz da consciência pura e da existência real. Para essas
comunidadesvirtuais–comoadosextropianos(queestãoforadaentropia)–eteóricos
comoG.J.Sussman,D.Ross,R.Jastrow,HarryHarrison,HansMoravec,TimothyLeary,
“aobsolescênciadocorpohumanoéumfatoconsumado”92,eohomem,finalmente
desprovidodecorpo,imergiráparaointeriordamáquina.Éclaroqueessasuposição
extrema, por sustentar a redução da mente (mens) a um substrato mecânico, é
inadmissívelàmetafísicacartesiana;poroutrolado,acompatibilidadeentreamatéria
biológicacomosmetaisdeumamotherboarddesdobraateseepistemológicajácontida
naresextensa.
ArecepçãodeSimondon
90 NICOLELIS, M. A. L. “Actions from thoughts”. In: Nature. n. 409, 18 jan. 2001, pp. 403-07.http://www.nature.com/nature/journal/v409/n6818/abs/409403a0.html(últimoacessoem27/07/2015).Traduçãonossa.91Cf.KIM,JoonHo.Oestigmadadeficiênciaeoparadigmadareconstruçãobiocibernéticadocorpo.2013.Tese(DoutoradoemAntropologia Social). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, pp. 426-434.http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8134/tde-10022014-111556/pt-br.php(últimoacessoem11/08/2015).92LEBRETON,D.“Adeusaocorpo”.In:NOVAES,A.(Org.).Ohomem-máquina:aciênciamanipulaocorpo.TraduçãodePauloNeves.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,2003,p.126.
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Pensandoocorpopelaviadeumintercâmbioessencial–diz-sesubstancial–com
os aparelhos mecânicos, Descartes estabelece uma prerrogativa para os artifícios
tecnológicosquesetornavamgradativamentetangíveisaoespíritomodernoocidental,
particularmentenapesquisaembiomedicina.Talestimativacolocaemmiraanoçãode
“objetostécnicos”,vinculadaporGilbertSimondon.Comelanossentimosapoiadosem
nossaproposiçãoporumaconsubstancialidadeentrearesextensaeasmencionadas
técnicasmédicasdeintervençãoesaúde.
De certo, trata-se de uma contundente recepção, porque no raio de suas
problemáticas está, por exemplo, o de redefinir “as relações entre o homem e a
máquina, entre a natureza eo artifício, numa sociologiada inovaçãoquenão vêna
técnicaapenasuminstrumentoaserviçode interesses ideológicos,mastambémum
importanteespaçodemediação”93entreohomemeanatureza.
OpensamentodeSimondon,principalmenteaqueleexpressonaprimeiradastrês
partesemDumoded’existencedesobjectstechniques,de1958,questionaodiscurso
tecnofóbico94quesupõeumalutainsuperávelentrehomememáquinanabuscapor
domíniodeumsobreooutro95.Issoreflete,narealidade,tantoumaignorânciaquanto
umnãomodestodesiquilíbrioculturaltocanteàsmáquinas.Emtalpanoramarepercute
aspalavrasdeSimondon:“oobjetotécnicodevesersalvo.Eledevesersalvodeseu
estadoatualqueémiseráveleinjusto.[...].Porconseguinte,faz-senecessáriomodificar
ascondiçõesnasquaiseleseencontra,nasquaiséproduzidoenasquaissobretudoé
utilizado,porqueeleéutilizadodeumaformadegradante”.96
Os objetos técnicos, em suas condições atuais, estão postos num estado de
alienaçãoporpartedacultura,dondeaurgênciadesedesarticularoprocessopeloqual
são condenados à rápida obsolescência97. Haveria, conforme o diagnóstico de
93CAMPOS,J.L.de;CHAGAS,F.“OsconceitosdeGilbertSimondoncomofundamentosparaodesign”. In:Bibliotecaon-linedeCiênciasdaComunicação.2008,p.1.http://www.bocc.ubi.pt/pag/campos-jorge-chagas-filipe-conceitos-de-gilbert-simondon.pdf(últimoacessoem14/06/2015).94Cf.SIMONDON,G.Elmododeexistenciadelosobjetostécnicos.BuenosAires:PrometeoLibros,2007/1958,pp.31-32.95Cf.COUTO,E.S.“GilbertSimondon:culturaeevoluçãodoobjetotécnico”.In:IIIENECULT–EncontrodeEstudosMultidisciplinaresem Cultura. Salvador: 23-25 maio 2007. http://www.cult.ufba.br/enecult2007/EdvaldoSouzaCouto.pdf (último acesso em06/06/2015).96SIMONDON,G.apudKECHKIAN,A.“Sauverl’objettechnique–entretienavecGilbertSimondon”.In:Esprit.Paris:n.76,abr.1983,pp.147-52.https://monoskop.org/images/6/6d/Simondon_Gilbert_Kechickian_Anita_1983_Sauver_l_objet_technique.pdf(últimoacessoem16/07/2015).Traduçãonossa.97Namesmaentrevista,Simondondáoexemplodoautomóvel,quenãoéfabricadoparadurar,masparasedegradarempoucosanos.Enquantohámovimentospelapreservaçãoambiental,pelorespeitoaosanimaisetc.,Simondonseinsurgepeladignidadedosobjetosquevêmsendoesmagadospelalógicaatualdatécnica.
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Simondon,umdesconhecimentogeneralizadoacercadanaturezadosobjetostécnicos,
em boa parte por causa da negligência do homem em fazer-se de mediador e
destinatário da tecnologia. “A cultura está desequilibrada porque reconhece certos
objetos, como o objeto estético, e recorda-lhe direito de cidadania no mundo das
significações,enquantorechaçaoutrosobjetos,eemparticularosobjetostécnicos,no
mundo sem estrutura do que não possui significações, mas somente um uso, uma
funçãoútil”.98
Seháummal-estarcontemporâneoemtermosdeiniciaçãoaosconhecimentos
técnicosoudeinclusãodigitalquantoanovosrecursostecnológicos,emrespostaaisso
Simondon articula uma abordagem não utilitarista, defendendo a especificidade e
autonomiadosobjetos técnicos,que têmvaloremsimesmos.Para realçar isso, ele
mostraahistóriadatécnicaapartirdaprópriatécnica,enãodecondiçõesextrínsecas
aela,afirmandoqueéatécnica,antesmesmodavontadeedopensamento,oíndice
maisvisíveldomodocomonosrelacionamoscomoambiente99:“oobjetotécnicoteria
sidoinventado,independentementedequalquerdeterminaçãoeconômica,históricae
social, viabilizando,napresençada realidadehumana,uma relação semdominação,
numaespéciedemeioassociadodeevoluçãocorrelativa”.100
Portantoaontogêneseouevoluçãogenéticadatécnicaestáentreastesescentrais
que definem um objeto técnico, constituído, segundo Simondon, num processo de
evoluçãotemporalporondeadquirecertaautonomiaeatémesmoumaformaprópria
de individualidade. Com essa ideia de individuação quer-se “reconciliar e integrar a
realidade técnica à cultura universal para harmonizar as máquinas e as técnicas
aplicadasaossereshumanos”.101
Háentãoumgravedesequilíbriopeloqualaculturanegaainserçãodosobjetos
técnicosnumcampodesignificaçõesalémdautilidade.Umaestatísticadesconcertante
arespeitodessedramaérelatadapelaONU,queprevê50milhõesdetoneladasdelixo
98SIMONDON,G.Elmododeexistenciadelosobjetostécnicos,p.32.Traduçãonossa.99“Apartirdoimpérioromano,atecnicidadeganhouforça,progressivamente,atéosdiasdehoje,passandoportrêsestágios:1º)odoelemento(dasferramentas,dosinstrumentos)queiriaatéoséculoXVI;2º)odoindivíduo(dasmáquinas)desenvolvidonosséculosXVIII eXIX;e3º)odoconjunto (das indústrias,das redes)ocorrido jáno séculoXX” (CAMPOS, J. L.de;CHAGAS,F.OsconceitosdeGilbertSimondoncomofundamentosparaodesign,p.3).100CAMPOS,J.L.de;CHAGAS,F.OsconceitosdeGilbertSimondoncomofundamentosparaodesign,p.3.101CAMPOS,J.L.de;CHAGAS,F.OsconceitosdeGilbertSimondoncomofundamentosparaodesign,p.3.
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eletrônicoem2017,amaiorporçãodecomputadoresesmartphones102.Emboraesse
debate sejadirigidoem termosdedesenvolvimentoecologicamente sustentável,ele
muito nos interessa para ilustrar a preocupação de Simondon em termos de
humanização,poisseriatrágicopensaraculturademodotãorestrito,semadmitiros
objetostécnicoscomoconstituintesda(enãoumaameaçaà)humanidade.“Paravoltar
adaràculturaocaráterverdadeiramentegeralqueperdera,éprecisopodervoltara
introduzirnelaaconsciênciadanaturezadasmáquinas,desuasrelaçõesmútuas,ede
suasrelaçõescomohomem,edosvaloresimplicadosnestasrelações”.103
AreivindicaçãodeSimondonporum“reino”–nãoumreinado–dasmáquinasfaz
eco às relações inauguradas pela res extensamoderno-cartesiana, precisamente por
aquiloqueeleprevêde relaçãoentrecorpoemáquina. “Apresençadohomemnas
máquinas é uma invenção perpetuada. O que reside nas máquinas é a realidade
humana, o gesto humano fixado e cristalizado em estruturas que funcionam”104. Se
pensarmos,comoofazSimondon,queos“serestécnicos”possuemtantodehumano
comooprópriohomem,entãooimplanteortopédico,aligadetitânico,omarcapasso,
ahemodiálise,oexoesqueletoetc.possuemtantodecorpocomooprópriocorpo.
Enquantoumsentidodecorporeidade,aresextensaabriuaoespíritomoderno
umacessoinauditonohorizontedeumintercâmbioentrecorpoeaparatosmecânicos,
afimdepercorrerumaviadehumanização.Oselodeumaafinidadeentrecarneeseres
técnicos é irredutivelmente um selo de humanização, tal como afirma, para
concluirmos, Galimberti: “A técnica não é neutra, porque cria um mundo com
determinadascaraterísticascomasquaisnãopodemosdeixardeconvivere,vivendo
comelas,contrairhábitosquenostransformamobrigatoriamente”.105
Consideraçõesfinais
102ONUprevêquemundoterá50milhõesdetoneladasdelixoeletrônicoem2017.http://nacoesunidas.org/onu-preve-que-mundo-tera-50-milhoes-de-toneladas-de-lixo-eletronico-em-2017/(últimoacessoem15/06/2015).103SIMONDON,G.Elmododeexistenciadelosobjetostécnicos,p.35.Traduçãonossa.104SIMONDON,G.Elmododeexistenciadelosobjetostécnicos,p.34.Traduçãonossa.105GALIMBERTI,U.PsicheeTechne:ohomemnaidadedatécnica.SãoPaulo:Paulus,2006,p.8.
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Recorremos ao conceito de res extensa a fim de trabalhar filosoficamente as
inúmerasfrentesdepesquisanaáreamédico-terapêutica.Assinalamosqueafórmula
cartesianacriaaprerrogativadeumainteração,semtabus,entreocorpoeamáquina.
Issosignificaquetodososexperimentoseinventoscientíficosquemencionamosestão,
num sentido epistemológico, sob o patrocínio de uma noção específica de corpo.O
“corpo-máquina”sintetizae inauguraummodusdecooperaçãoe integraçãoentreo
corpohumanoeastecnologias,promovendoumcontinuumondeacarneeometal,o
biológico-materialeacoisamecânicapartilhamdeumamesmasubstancialidade.
Parachegarmosaessasconclusões,primeiramenteassentamosquearesextensa
exprime uma corporeidade ligada ao paradigmamecânico-matemático. Em seguida,
mostramos como esses aspectos mecânico e matemático estão implicados,
respectivamente, nos termos coisa (res) e extensão (extensa), trazendo aos nossos
argumentosamplaevidênciatextualporbaseemcomentadorese,principalmente,na
própria obra deDescartes.O corpo-máquina é uma concepçãode corpo talhada no
conceitomodernodeextensão.Comaresextensaemerge,naModernidadeocidental,
uma nova concepção de corpo/corporeidade, estabelecendo a prerrogativa de uma
interaçãoentreocorpoeamáquinaeabrindoumhorizontedeexperimentaçõesad
infinitum.
Embora o tema enseje inevitavelmente considerações sobre a alma e a res
cogitans,esseenfoqueultrapassaolimitequenossainvestigaçãoseimpõeaorestringir-
seaoproblemadocorpoevisualizaranoçãocartesiananoíndicedesuagrandeza.Ares
extensa nos apresentaumcorpo inerte, objetivadoedessacralizado, indiferente aos
atributosdevidaemorte.Nãoobstante,odesenvolvimento técnico-científicoatual,
comtodasasofertasdequenosbeneficiamos,cuidoudeefetivaroqueemDescartes
aparececomoumaintuiçãofundamental,neutralizandoadistânciaentreaanatomiado
cadávereaengenhariadosmaisdiversostiposdeautômatos.
Descarteséoriginalporprojetaressapercepçãorelativaaomundodasmáquinas,
queemsuaépocafaziam-secadavezmaispresentesnocotidianodascidadesedas
atividades humanas. Os autômatos chamam-lhe a atenção, e ele então produz uma
filosofiaarespeitodeles.Vemosnissoumaestimativaemdimensionarasmáquinascom
o homem, linha em que também se sintoniza um autor contemporâneo, Gilbert
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Simondon.SeDescartespromoveauniãoentreasartesmecânicaseumafilosofiaque
tenha utilidade para o homem, Simondon ergue-se contra um desequilíbrio cultural
ondeohomemnãosecolocacomoummediadorentreasmáquinas,mascompromete
suaprópriasubsistênciaaofazerdelasuminstrumentodescartável.UrgeparaaFilosofia
daCiênciauma reflexão sobreessasquestões, aoqueprocuramosaquinosassociar
abordandoafundamentaçãodepráticasmédico-terapêuticasnaresextensacartesiana.
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DoutoraemFilosofia;ProfessoraAssociadadoDepartamentodeFilosofia
edoProgramadePós-graduaçãoemFilosofiadaUniversidadeFederaldoEspíritoSanto(PPGFil/UFES)E-mail:[email protected]
MestreemFilosofiapelaUniversidadeFederaldoEspíritoSanto(UFES)
E-mail:[email protected]