O DEBATE DA HEGEMONIA EM GRAMSCI: despretensiosas considerações sobre
classes e intelectuais
Ana Lívia Adriano1
RESUMO: Este artigo apresenta como fio condutor o
debate da hegemonia ancorado numa perspectiva
gramsciana, sob duas premissas indissociáveis: a
primeira, é que a tratamos como um fenômeno do mundo
moderno – da sociedade burguesa – e um momento
privilegiado da política. A segunda, é que a discussão da
hegemonia – das particularidades e componentes
estruturais – exige previamente a discussão das classes
sociais e, conseqüentemente, das particularidades da
formação social e econômica que as produzem. Os
intelectuais, a relação estrutura/superestrutura e a
filosofia da práxis constituir-se-ão recursos categoriais
para o debate da hegemonia, da direção intelectual e
moral dos projetos coletivos, das classes sociais.
Palavras-chave: Hegemonia; luta de classe;filosofia da
práxis; Gramsci
ABSTRACT: This article presents as a guiding thread the
debate of hegemony anchored in a Gramscian perspective, under two indissociable premises: the first is that we treat it as a phenomenon of the modern world - of bourgeois society - and a privileged moment of politics. The second is that the discussion of hegemony - of particularities and structural components - requires previously the discussion of social classes and, consequently, of the particularities of the social and economic formation that produce them. Intellectuals, the structure / superstructure relationship and the philosophy of praxis will constitute categorical resources for the debate of hegemony, the intellectual and moral direction of collective projects, and social classes.
Keywords: Hegemony; class struggle; philosophy of praxis; Gramsci
1 Estudante de Pós. Universidade Federal Fluminense. [email protected]
1 INTRODUÇÃO
“A história das sociedades até hoje existentes é a história da luta de classes”
(MARX:2007,40). Ao nos deparamos com esta afirmação no Manifesto Comunista
extraímos, de imediato, duas reflexões: a primeira, é de que a história da humanidade
é de sangue e opressão e, portanto, todo objeto que privilegie a analise da vida social
deve considerar as lutas e resistência que os homens vem construindo ao longo de
sua existência. E, a segunda, é que tal afirmação exige uma monstruosa capacidade
de interpretar o real à medida que articula e desvela as múltiplas determinações que
produzem a sociedade – e são por ela produzidas – e as particularidades
organizativas das classes sociais, da existência material e social dos homens.
Provocados por esta reflexão, este artigo configura-se, assim, como um
exercício de entender uma das variações que compõem a epopéia da história, dos
cantos ecoados pelos homens no seu processo de produção e reprodução da vida
social, das construções de homens e mulheres de carne e osso – como afirma Marx
na Ideologia Alemã – que na vida concreta constrói seus acordes para a sinfonia
coletiva. Entendemos que o essencial, a variação privilegiada dessa sinfonia serão os
acordes da hegemonia e, através dela, os sons de opressão e resistência que marcam
a história. Aqui o compositor e a música se confundem, se determinam e são
determinados.
Nessa perspectiva, é importante assinalar que a nossa discussão da
hegemonia está ancorada em duas premissas: a primeira, é que a tratamos como um
fenômeno do mundo moderno – da sociedade burguesa – e um momento privilegiado
da política. Isto é, embora os processos que forjam a formação de um momento
hegemônico sejam produzidos na estrutura – da organização econômica e das
relações sociais de produção de cada tempo e sociedade –, a sua exposição e
concretude dão-se de forma privilegiada no terreno da superestrutura, da base jurídica
e política que organiza as relações sociais. A segunda, é que a discussão da
hegemonia – das particularidades e componentes estruturais – exige previamente a
discussão das classes sociais fundamentais- burguesia e o proletariado – e,
conseqüentemente, das particularidades da formação social e econômica2 que as
produzem e que tem como expressão de sua antítese a propriedade privada, afinal "
proletariado e riqueza constituem opostos. E nessa condição formam um todo. Ambos
são formas do mundo da propriedade privada” (MARX & ENGELS: 2009,47).
2. CLASSES SOCIAIS: sujeitos construtores de hegemonia
É no trânsito da produção material e reprodução da vida social que as classes
sociais se formam. Ao compreender como são os homens, o que eles fazem ou
fizerem deles, o que e como produzem, Marx sinaliza o trabalho como elemento
formador do homem e, conseqüentemente da consciência, que se modifica à medida
que atende as necessidades, produz outras tantas e, assim, altera as forças
produtivas de uma dada formação social. A divisão social e técnica do trabalho – “a
distribuição desigual, tanto quantitativa quanto qualitativamente, do trabalho e de seus
produtos” – estabelece fissuras entre o trabalho manual e intelectual e torna a ação do
homem estranha3 a ele, “um poder o homem que subjuga o homem em vez de por
2 Por formação social e econômica compreendemos o modo de produção e reprodução da vida
social. Afirma Marx (1978:121), que “em todas as formas de sociedade se encontra uma produção determinada, superior a todas as demais, e cuja situação aponta sua posição e influencia sobre as outras. É uma luz universal de que se embebem todas as cores, e que as modifica em sua particularidade. É um ter especial, que determina o peso especifica de todas as coisas emprestando relevo a seu modo de ser.” Lênin irá utilizar este conceito para compreender a história da Rússia, o seu Estado e organização econômica, a medida que compreende a formação econômico-social como a unidade entre as forças produtivas e as relações de produção com as concepções políticas, jurídicas, religiosas, artísticas e filosóficas e as instituições da sociedade que correspondem a essas relações. 3 “O poder social, isto é, a força de produção multiplicada que nasce da cooperação dos diversos indivíduos condicionada pela divisão do trabalho, aparece a esses indivíduos, porque a própria cooperação não é voluntária, mas natural, não como seu próprio poder unificado, mas sim como uma potencia estranha, situada fora deles, sobre a qual não sabe nem de onde veio nem para onde vai, uma potencia, portanto, que não podem mais controlar e que, pelo contrário, percorre agora uma seqüência particulares de fases e etapas do desenvolvimento, independente do querer e do agir dos homens e que até mesmo dirige esse querer e esse agir” (MARX: 2007, 38)
este ser dominado” (Idem:37), tornando, assim, a existência alienada, em que o
homem se aliena da natureza, de si mesmo, da sua condição genérica e dos outros
homens.
Assim, o debate das classes não pode ser descolado da objetividade que as
definem e, uma vez que a hegemonia localiza-se, inteiramente, no embate das classes
sociais, é interessante apontarmos brevemente o papel da consciência de classe na
construção da hegemonia, à medida que é pela consciência que se desenha a ação
política dos sujeitos e das classes. Se os homens são o que e como produzem,
interessa-nos então compreender como se forma as dimensões em si e para si na
produção da consciência de classe.
As transformações no processo produtivo a medida que redefine os
antagonismo da sociedade burguesa instauram, assim, mudanças na formas de ser
das classes4, de sua consciência em si e para si. A dialética do processo de formação
da consciência de classe responde, segundo Meszaros (1993), a aspectos de
contingencia e necessidade, em que a contingência de sua existência pode definir as
potencialidade de sua extinção. Isto é, ao mesmo tempo em que a classe trabalhadora
apresenta-se como elemento indispensável para a reprodução da ordem
sociometabólica do capital, pelo mesmo processo de legitimação pode-se se construir
a necessidade histórica para a negação das bases societárias que a produz. Assim,
enquanto a consciência de classe contingente percebe simplismente alguns aspectos
isolados das contradições, a estreiteza da compreensão de sua existência denota à
necessária tarefa de compreender as suas interrelações (p.118), a necessidade de
sua autoextinção.
A conquista da consciência de classe para si dependerá, portanto, e não
somente de uma ação política radical que transcenda a luta de uma classe contra
outra classe ( classe em si) e que coloque-se no horizonte da alternativa socialista e
da extinção da velha forma de sociedade. Assim, “o conceito do proletariado também
como uma classe para si implica uma universalidade autoconstituinte, isto é, uma
4 Segundo Meszaros, para que possamos apreender a consciência de classe em Marx é
necessário considerarmos o conceito de causalidade social, a idéia de qualquer “toda conquista humana introduz um elemento novo no conjunto complexo de interações que caracteriza a sociedade em qualquer tempo determinado” (p. 78).
oposição consciente não somente à particularidade burguesa, mas a qualquer
particularidade, inclusive aquela que acompanha necessariamente todas as formas do
‘poder político propriamente dito’ mesmo se estiver nas mãos do proletariado”
(MESZAROS:1993,120).
Mais do que nunca a transição para o socialismo apresenta-se como tarefa
urgente e necessária diante da complexidade histórica e estrutural da organização do
capital contemporâneo, cujas particularidades serão assinaladas posteriormente neste
trabalho. Agora cabe sinalizar dois aspectos que norteiam até então a nossa
discussão, quais sejam: 1) a compreensão de que as classes sociais, enquanto
“reguladores sócio-estruturais do processo produtivo” (1993:111) constituem-se como
arena de construção de hegemonia, a medida em que são produtos e produtores do
antagonismo estrutural da sociedade burguesa e, por isso, construtores de projeto de
dominação e/ou resistência; 2) a analise de que a tarefa de autoextinção da classes
trabalhadoras exige a construção de um projeto hegemônico universal, com objetivos
estratégicos globais que interpretem e enfrentem os limites histórico e sociais do seu
tempo e as possibilidades da ação revolucionária dessa classe, em cada época. Nesta
perspectiva, a hegemonia realiza-se como luta, mas também como domínio.
3. O papel dos intelectuais na construção da hegemonia
A luta das classes pelo poder assinala a capacidade que estas tem de se
configurarem como sujeitos coletivos e no interior de sua organização produzirem um
conjunto de estratégias e táticas que assegurem a reprodução do seu poder – no caso
da burguesia, ou a ruptura com todas as formas de exploração e de privilégios
existentes – tarefa do proletariado. Esse conjunto de táticas e estratégias constitui-se
de respostas mais imediata à sua sobrevivência e, prioritariamente, a suas elaborações
macroscópicas. Assim, pela sua natureza coletiva as classes constroem projetos
societários, projetos estes “que apresentam uma imagem de sociedade a ser
construída, que reclamam determinados valores para justificá-la e que privilegiam
certos meios (materiais e culturais) para concretizá-la” (NETTO: 1999,2).
É no intercambio entre o fazer-se de uma classe e suas as aspirações
coletivas que se desenham os projetos societários, que nada mais são que projetos
hegemônicos, a cristalização do embate político das classes sociais. Os elementos
que formam os projetos hegemônicos surgem da própria atividade sensível dos
homens e se remetem as questões recorrentes da vida cotidiana – o poder, a
economia, a política, a cultura – tratadas nos jornais, na literatura, nos trabalhos
acadêmicos, sob os mais diferentes ângulos e perspectiva teóricas e políticas.
Entendida a partir dos referenciais da filosofia da práxis - termo que utiliza
para designar o método e o legado marxiano –, para Gramsci a hegemonia não está
reduzida a um aspecto da vida social5- político, econômico ou jurídico –, mas compõe
a sua totalidade. Isto é, é constitutiva da formação social, à medida que pressupõe a
construção de uma vontade coletiva e requer três elementos ou condições histórico-
culturais para sua formulação: o bloco histórico, os intelectuais e uma direção
intelectual e moral.
A análise desses três elementos exige a compreensão da política como
elemento irredutível da obra gramsciana. Dialogando com Croce, Gentile, Bukharin,
com os intelectuais da 2ª Internacional, Marx, Lenin e Maquiavel, Gramsci um
percurso para a apreensão da hegemonia como uma questão político-prática, cuja
causalidade localiza-se na produção material dos indivíduos, adquirindo
particularidade na política, no fazer-se consciente das classes e dos projetos que as
conformam, sejam estes de afirmação ou ruptura com os antagonismos peculiares a
sociedade burguesa. A hegemonia pressupõe, assim, a conjunção de forças sociais
capazes de projetar e construir “uma situação histórica global” – isto é, o bloco
histórico, com a mediação privilegiada dos intelectuais, enquanto grupos que
desempenham funções organizativas e educativas e estão organicamente vinculados
as classes em disputa.
Afirmando a superestrutura como espaço de realização da hegemonia e de
suas relações, sem desprezar os componentes estruturais que a produz, Gramsci
5 Conforme GRUPPI (1978,p.3), em Gramsci, o conceito de hegemonia é apresentado em toda
a sua plenitude,“isto é, como algo que opera não apenas sobre a estrutura econômica e sobre a organização política da sociedade, mas também sobre o modo de pensar, sobre as orientações ideológicas e inclusive sobre o modo de conhecer.”
compreende o Estado como “sociedade política + sociedade civil, a hegemonia
couraçada de coerção” (2011:244), isto é, ‘os aparelhos coercitivos do Estado’ e ‘os
aparelhos privados de hegemonia6’. De acordo com COUTINHO (1996), essas duas
esferas possuem capacidade de para conservar ou transformar uma determinada
formação social e econômica, imprimindo a hegemonia relações de dominação e
coerção ou de direção e consenso. Na sociedade civil também se coloca a direção
ideológica7 e cultural necessária para romper com a dimensão econômico-corporativa
– restrita a alienação, a exploração e a reificação das relações sociais – e a
construção de um projeto hegemônico alternativo, com valores anticapitalistas,
potencializando, assim, a dimensão ético-política – em que os homens adquirem
consciência critica, se percebem como sujeitos históricos e projetam formas de ruptura
e de negação a sociabilidade burguesa, em que as classes trabalhadoras constroem a
capacidade de se colocarem para si, como construtora de um outro bloco histórico.
Para além do desenvolvimento político-prático dos instrumentos de direção e
do consenso, a hegemonia solicita um grande progresso filosófico, já que implica e
supõe “uma unidade intelectual e uma ética adequada a uma concepção do real”
(GRAMSCI: 2001,104). As forças sociais – as classes – ao adquirem organicidade
política e autoconsciência crítica demandam para a construção de projetos e relações
hegemônicas – a presença dos intelectuais8, enquanto representantes especializados,
organicamente vinculados as classes sociais fundamentais e elaboradores dos seus
culturais e ideológicos. Assim, a capacidade de organização política e social de uma
classe também se define pela presença dos intelectuais, desse grupo autônomo que
exerce a mediação entre a produção material e a consciência política, ideológica e
cultural de cada época e formação social e econômica.
6 Conforme COUTINHO (1996:54), a sociedade política e a sociedade civil se distinguem entre
si muito mais por sua materialidade social do que por sua funcionalidade. Assim, enquanto os primeiros implicam “um constrangimento do qual o governado não pode escapar, (..) os segundos são organismos sociais privados, o que significa que a adesão aos mesmos é voluntaria e não coercitiva”. 7 A ideologia é entendida como um componente da superestrutura, “o significado mais alto de
uma concepção de mundo, que se manifesta implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as manifestações da vida individuais e coletivas” (GRAMSCI: 2004,99). 8 Segundo Brocoli (1977, p.113), “Toda obra gramsciana está percorrida por este tema, como
uma insistência que revela o tormento crítico necessário pela necessidade deste aprofundamento”.
A natureza mediadora dos intelectuais atrela-se a capacidade que estes têm
de refletir sobre a base social que os produzem e, ao decodificar as nuances da vida
social, direcionar-se política e eticamente para os interesses de uma classe.Partindo
de uma concepção materialista do homem e da história, Gramsci se afasta dos
elitismos e diletantismo da academia, a medida que recusa a abissalidade do trabalho
intelectual e do trabalho manual instaurado pela sociedade burguesa. Assim,
considera a intelectualidade como uma capacidade humana – todos os homens são
intelectuais –, a expressão do desenvolvimento cultural e político da consciência e das
relações que os constroem e que lhes legam uma unitária concepção de mundo. Mas,
com a divisão social do trabalho, a função de intelectual9 é exercida por uma casta
privilegiada de profissionais que assumem a organização da forma de pensar e agir
daqueles que parecem não exercer a função de intelectual10, os simples, na acepção
gramsciana.
Ao desmitificar o papel do intelectual, Gramsci também desce a filosofia de seu
patamar acadêmico e profissional, ao compreender que todos os homens são
filósofos11, todos os homens pensam e tem potencial criativo. Logo, a construção de
uma hegemonia anticapitalista passa pelo desafio de considerar os homens como
sujeitos históricos, com capacidade para criticar a concepção do mundo, “torna-la
unitária e coerente e eleva-la até o ponto atingido pelo pensamento mundial mais
9 Formam-se assim, historicamente, categorias especializadas para o exercício da função
intelectual; formam-se em conexão com todos os grupos sociais, mas, sobretudo em conexão com os grupos sociais mais importantes, e sofrem elaborações mais amplas e complexas em ligação com o grupo social dominante (GRAMSCI: 2010, p.18-19). 10
“Quando se distingue entre intelectuais e não intelectuais, faz-se referencia, na realidade, somente à imediata função social da categoria profissional dos intelectuais, isto é, leva-se em conta a direção sobre a qual incide o peso maior da atividade profissional especifica, se na elaboração intelectual ou se no esforço muscular-nervoso. Isto significa que, se se pode falar de intelectuais, é impossível falar de não intelectuais, porque não existem não–intelectuais” (GRAMSCI: 2010, p.52). 11
É preciso destruir o preconceito, muito difundido, de que a filosofia é algo muito difícil pelo fato de ser a atividade intelectual própria de uma determinada categoria de cientistas especializados ou de filósofos profissionais e sistemáticos. É preciso, portanto, demonstrar preliminarmente que todos os homens são filósofos, definindo os limites e as características desta “filosofia espontânea”, peculiar a ‘todo mundo”, isto é, da filosofia que está contida: 1) na própria linguagem, que é um conjunto de noçoes e de conceitos determinados e não, simplesmente, de palavras gramaticalmente vazias de conteúdo; 2) no senso comum e no bom senso; 3) na religião popular e, consequentemente, em todo o sistema de crenças, superstições, opiniões, modos de ver e de agir que se manifestam naquilo que geralmente se conhece por “folclore”(GRAMSCI:2004, p.93).
evoluído” (GRAMSCI:2004,94). O elemento unificador dos intelectuais reside no
trabalho, no significado da atividade que estes desenvolvem no mundo da produção.
Analisando a função dos intelectuais, Gramsci os classifica em duas categorias – o
orgânico e o tradicional, cuja apreensão das diferença entre ambos se faz de forma
complexa.
4. CONCLUSÕES
As classes quando revolucionam as forças materiais e sociais produção,
sempre encontram categorias intelectuais preexistente proveniente da formação sócio-
econômica anterior, cuja existência apresenta-se como “uma ininterrupta continuidade
histórica”, que os faz se colocarem “como autônomo e independente do grupo social
dominante” (GRAMSCI: 2010,17). Estes se configuram como intelectuais tradicionais e
tem como principal expoente os eclesiásticos12 e os intelectuais do tipo rural13. No que
tange aos intelectuais orgânicos, estes se apresentam intrinsecamente vinculados às
classes sociais fundamentais, tornando-se seu especialista e organizador. O seu
caráter orgânico se define pelo significado de suas funções na superestrutura, na
sociedade civil e na sociedade política, na sua capacidade de sistematizar os
elementos políticos e culturais para a hegemonia de uma determinada classe social. A
condição de especialista e dirigente que é atribuída aos intelectuais orgânicos, exige
destes capacidade para criar e/ou reproduzir – no caso dos intelectuais organicamente
vinculados a burguesia – os elementos para a formação de uma vontade coletiva e de
uma nova concepção de mundo, de um novo enraizamento cultural e ideológico.
12
“A mais típica destas categorias intelectuais é a dos eclesiástico, que monopolizaram durante muito tempo (numa inteira fase histórica, que é parcialmente caracterizada, aliás, por este monopólio) alguns serviços importantes: a ideologia religiosa, isto é, a filosofia e a ciência da época, com a escola, a instrução, a beneficência, a assistência, etc” (GRAMSCI:2010,16) . Um estudo interessante a ser realizado seria acerca da configuração e significado dos intelectuais contemporâneos, em seus movimentos tradicionais e orgânicos, diante da complexa e heterogênea divisão social do trabalho, da burocratização e tecnificação da universidade, do pensamento da pós modernidade e da aparente fragmentação das lutas sociais. 13
Gramsci diferencia o intelectual urbano do rural. Enquanto os primeiros nasceram junto a industria e “são ligados as suas vicissitudes”; os intelectuais do tipo rural são, em grande parte, tradicionais, ligados “à massa social do campo e pequeno-burguesa” (GRAMSCI: 2010,23). Estes ainda exercem uma forte influência nas camadas operárias, na medida em que se apresentam como modelo de ascensão social e cumprem um papel político-social ao mediar a relação entre massa e o espaço político local. Os intelectuais urbanos, como técnicos de fábricas, não exercem influência política na massa, ao contrário, sofrem influência destas pelos seus intelectuais orgânicos.
Conforme o comunista italiano, a luta pela conquista e assimilação dos
intelectuais tradicionais constitui-se uma característica marcante na construção da
hegemonia, à medida que estes desenvolvem funções organizativas e conectivas e
constituem-se como prepostos do grupo dominante para o exercício das funções
subalternas14 da hegemonia social e do governo político (GRAMSCI, 2010, 21). No
entanto, é necessário que também existam intelectuais organicamente vinculados a
projetos contra-hegemônicos, aos organismos de resistência das classes
trabalhadoras. Assim, o exercício da função dos intelectuais que se encontram na
esteira da luta pelo socialismo versa-se sobre duas grandes responsabilidades: a
primeira, diz respeito a afirmação do legado marxiano e da filosofia da práxis por meio
de uma rigorisidade analítica e uma crítica radical aos fundamentos da sociedade
burguesa; e, a segunda, é de se configurar como intelectual sem pedantismo, que
dialoga com os mais simples, os homens que participam da mesma classe e que não
encontram possibilidades de construir uma autoconsciência, uma reflexão critica
diante da vida alienada e coisificada. Para que possamos cumprir essas exigências
devemos ser como Riobaldo, personagem de Guimarães Rosa, em Grande Sertão
Veredas: intenso, ousado, sensível, rigoroso, crítico e com capacidade de analise,
sistematização e construção da história. Isto é, devemos ter a coragem e a
sensibilidade dos sertanejos para embrenhar-se, sem se perder, neste sertão
produzido pela hegemonia do capital.
14
Isto é:” 1) do consenso espontâneo dado pelas grandes massas da população à orientação impressa pelo grupo fundamental dominante à vida social (...) e 2) do aparelho de coerção estatal que assegura “legalmente” dos grupos que não consentem, nem ativa nem passivamente, mas que é constituído para toda sociedade na previsão dos momentos de crise no comando e na direção, nos quais desaparece o consenso espontâneo” (GRAMSCI: 2010, 21).
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