O ESTILO DE IMPROVISAÇÃO DE HÉLIO DELMIRO NA MÚSICA BRASILEIRA
Oliver Pellet Santos, Faculdade de Artes do Paraná, Curitiba-PR
RESUMO Esta pesquisa foi realizada a partir da transcrição e análise do improviso executado
pelo guitarrista Hélio Delmiro na música “mulher rendeira”, cuja composição é de Zé
do Norte. Buscou-se identificar e analisar características relevantes da prática de
improvisação traçando um paralelo com o estilo do jazz. A pesquisa ganha
importância no sentido de colocar a disposição da classe geral dos músicos as
técnicas de improvisação apreendidas no processo de transcrição e análise além de
tentar suprir uma lacuna existente na música brasileira no que concerne à escassez
de material no assunto, buscando uma merecida valorização do artista brasileiro. O
procedimento metodológico utilizado foi a transcrição do improviso do músico
seguida de uma análise das técnicas por ele utilizadas, observando com o devido
embasamento teórico os seguintes elementos: relação escala acorde, sobreposição
de arpejos, utilização de motivos e do cromatismo.
Palavras-chave: Improvisação. Jazz. Música brasileira.
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INTRODUÇÃO Hélio Delmiro é indubitavelmente um dos mais importantes guitarristas e
violonistas do Brasil e faz parte de uma geração que desenvolveu e criou uma
linguagem específica do violão e da guitarra no que concerne aos estilos brasileiros.
Além de ter tocado com grandes artistas de projeção nacional e internacional como
Victor Assis Brasil, Milton Nascimento, Clara Nunes, Elis Regina, Sarah Vaughan,
Elizete Cardoso, Michel Legrand, Charlie Haden, Carla Bley, entre outros, Hélio
Delmiro foi uma referência para toda uma geração de violonistas e guitarristas,
mostrando novas possibilidades ao instrumento e incluindo a improvisação de estilo
jazz dentro de um contexto musical brasileiro.
PROBLEMATIZAÇÃO A música brasileira em suas vertentes instrumentais, carece de material que
possibilite uma analise técnica das opções estéticas dos caminhos musicais que
vêm tomando e uma conseqüente disponibilização desses elementos para a classe
dos músicos em geral. Se um músico deseja estudar e aprender com a contribuição
musical de qualquer grande nome do jazz norte americano ele terá a sua disposição
um sem número de material de pesquisas já realizadas no assunto. No universo
guitarrístico, é muito vasto o material escrito sobre grandes nomes do instrumento
nos Estados Unidos como Wes Montgomery, Charlie Christian, Pat Metheny, John
Scofield, etc. Possivelmente grande parte da discografia desses artistas também já
se encontra transcrita e disponível para o músico aprendiz, ávido por absorver tais
conhecimentos.
Mas quando se trata de músicos brasileiros, tal material fica tão reduzido que
muitas vezes tais músicos são marginalizados, no sentido de serem jogados a
margem, devido à tamanha dificuldade em acessar tais linguagens. Interessante
notar que muitas vezes, o material que temos a respeito de músicos brasileiros foi
feito ou disponibilizado por fontes estrangeiras, tanto norte americanas como
européias.
JUSTIFICATIVA
Uma pesquisa como essa, ganha importância e relevância no sentido de
buscar suprir esse vazio da nossa música, possibilitando que os rumos e sotaques
que ela tem tomado ao longo de todos esses anos não desapareçam, nem fique
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limitada para um seleto grupo de felizardos que de alguma maneira conseguiram
absorver tais conhecimentos.
OBJETIVOS DA INVESTIGAÇÃO O objetivo principal desse trabalho é transcrever e analisar a improvisação
realizada por Hélio Delmiro na música “mulher rendeira” de Zé do norte com o intuito
de dissecar e disponibilizar as técnicas por ele utilizadas para a classe geral dos
guitarristas, compreendendo melhor como se deu o processo de reflexo da música
norte americana nos estilos brasileiros.
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS A idéia de improvisação vem na maioria das vezes atrelada à idéia de criação
espontânea, podendo ser inserida nos mais variados contexto ou estilos musicais.
Como essa pesquisa parte da hipótese de um possível reflexo do jazz norte
americano (mais especificamente no âmbito da guitarra) na música brasileira de
Hélio Delmiro, os parâmetros a serem analisados estarão, logicamente, inseridos no
paradigma da improvisação jazzística. Com a intenção de confirmar, ou não a
hipótese sugerida no início, os elementos utilizados nas improvisações do músico
serão analisados no que diz respeito ao uso de escalas, arpejos, harmonizações e
reharmonizações, motivos rítmicos e melódicos e assim por diante.
Dentro do universo jazzístico, a improvisação pode seguir vários conceitos
que vão mudando de acordo com o tempo e espaço, porém o conceito básico
consiste em compor uma nova melodia “in real time”, ou seja, durante a execução
á uma harmonia já pré-estabelecida. A diferença, portanto de um compositor para
um improvisador é simplesmente que o compositor pode a qualquer momento
corrigir suas melodias e tem um tempo “ilimitado” para entregar sua versão final. Já
o improvisador vai compondo na hora suas melodias e deve estar preparado para
“contar uma história” interessante e agradar os ouvintes sem fazer uso da borracha.
No ocidente, a improvisação muitas vezes é relacionada ao jazz justamente
por esta ser matéria prima principal deste estilo e também porque no decorrer do
tempo foi se criando uma linguagem bem sistematizada e difundida no mundo. Tanto
que podemos ver essa linguagem de improvisação utilizada no jazz estendida para
os mais variados estilos musicais. No caso dessa pesquisa o foco estará nesse tipo
de improvisação aplicada aos estilos brasileiros mais especificamente no baião.
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No livro “The art of Jazz improvisation” de Bob Taylor (2000), com a
intenção de conceituar a improvisação, o autor enumera três definições básicas do
assunto:
Definição 1: Improvisação jazzística é composição e execução simultâneas.
Definição 2: Improvisação jazzística é a escolha de notas que “se encaixam”
nos acordes.
Definição 3: Improvisação jazzística é uma comunicação a partir da música.
No mesmo livro, Bob Taylor (2000) também enumera sete elementos básicos
que funcionam como base para o que ele chama de cinco níveis de improvisação.
Os sete elementos numerados são: melodia, ritmo, expressão, desenvolvimento,
progressões de acordes, performance e análise. O autor também comenta a
respeito dos pré-requisitos do improvisador, são eles: boa leitura musical, domínio
dos arpejos e escalas, bom trabalho do som e da técnica do instrumento,
reconhecimento de intervalos (treinamento auditivo) e desejo de estar sempre
aprendendo mais sobre improvisação. Os chamados níveis de improvisador do
modo como ele descreve são os seguintes:
Nível 1 - Iniciante: início do aprendizado das tonalidades, acordes, escalas e
idéias básicas da improvisação.
Nível 2 - Aprendiz: aprendizado das ferramentas básicas da improvisação
como desenhos melódicos e ritmo swing (interpretação do ritmo onde duas colcheias
passam a soar como semínima e colcheia quialteradas, fórmula muito utilizada no
estilo jazzístico).
Nível 3 - Intermediário: Aprofundamento das habilidades de
desenvolvimento, padrões e variações rítmicas.
Nível 4 - Elevado: Uso das habilidades musicais com confiança para criar
solos de qualidade elevada.
Nível 5 - Avançado: Domínio das formas mais avançadas de improvisação
como liberdade rítmica e tocar “outside” (fora da harmonia).
Jamey Aebersold, músico e educador conhecido no meio em questão,
enumera em seu livro “How to play jazz and improvise” (1967) as seguintes
ferramentas para desenvolver a habilidade da improvisação: escalas, acordes
(arpejos), som, articulação, intuição, desejo de criar, ritmo e sentimento ou emoção.
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Portanto, a liberdade que vem geralmente associada ao nome da
improvisação na realidade bate de frente com uma série de convenções que são
fatores determinantes para o sucesso do solo que estará sendo construído. Entre
esses fatores determinantes podemos citar: relação escala X acorde, sobreposição
de arpejos,uso de motivos rítmicos e melódicos, e uso de cromatismo.
A respeito da relação escala-acorde, podemos encontrar no material de
Jamey Aebersold a afirmação de que o jazz e a música ocidental em geral utilizam
cinco categorias básicas de acordes: maior,menor (dórico),dominante,meio
diminutos e diminutos. A partir desses tipos básicos de acordes, o autor em seu livro
“How to improvise” (1967) lista uma série de escalas que se designam para cada
um desses acordes básicos formando um vocabulário de escalas. Segue abaixo a
relação já citada:
Acordes maiores: escala maior (não enfatizando o quarto grau), escala
pentatônica maior, escala lídia, escala bebop maior,escala maior harmônica, escala
lídia aumentada, escala aumentada, escala lídia com #9, escala diminuta e escala
blues.
Acordes dominantes: escala mixolídia, escala pentatônica maior,escala
bebop, escala espanhola, escala mixolídia #11 ou lídio dominante, escala hindu,
escala de tons inteiros, escala diminuta, escala de blues
Acordes menores: escala menor dórica, escala pentatônica menor, escala
bebop, escala menor melódica (ascendente ou jazz menor melódica) escala bebop
menor, escala blues, escala menor harmônica, escala diminuta, escala frigia, escala
menor natural (eólia)
Acordes meio diminutos: escala lócria, escala lócria 9 e escala bebop
Acordes diminutos: escala diminuta
A respeito da sobreposição de arpejos, vemos que a idéia básica é obter
notas de tensão de um determinado acorde realizando a superposição de uma outra
tríade ou tétrade. Uma prática muito comum é a utilização de sobreposição por tons
vizinhos, confira a seguir o efeito gerado:
Acorde : CM7
Sobrepondo GM7 (vizinho direto) obtemos: 5j, M7, 9 e #11
Sobrepondo Am7 (vizinho direto) obtemos: 13,T, 3 e 5j
Sobrepondo Em7 (vizinho indireto) obtemos : 3,5j,M7 e 9
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Em seu livro “Acordes, arpejos e escalas”, Nelson Faria (1999) apresenta
uma tabela com diversos arpejos sobrepostos e seus respectivos resultados que são
muito utilizados na improvisação. A seguir vemos alguns exemplos da tabela
apresentada por Nelson Faria:
Acorde tipo M7 (exemplo CM7)
Arpejo sobreposto Resultado
Bm
Bm7
CM7(9,#11)
CM7/6 (9,#11)
D CM7/6(9,#11)
F#m7(b5) CM7/6 (#11) Quadro1: Sobreposições para acorde do tipo M7.
Fonte: Nelson Faria (1999)
Acorde tipo m7 (exemplo Cm7)
Arpejo sobreposto Resultado
Gm7 Cm7(9,11)
BbM7 Cm7(9,11,13)
Am7(b5) Cm7(13)
Dm Cm7(9,11,13)
F Cm7(11,13) Quadro2: Sobreposições para acorde do tipo m7.
Fonte: Nelson Faria (1999)
Acorde tipo 7 (exemplo C7)
Arpejo sobreposto Resultado
Cm7 C7(#9)
C(#5) C7(#5)
Db dim7 C7(b9)
Gm(M7) C7(9,#11)
EM7(#5) C7(#5,#9)
Bbm7(b5) C7(b9,b13) Quadro 3: Sobreposições para acorde do tipo 7.
Fonte: Nelson Faria (1999)
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O uso de uma determinada sobreposição é questão de gosto pessoal e varia
de acordo com o músico. Visto que as possibilidades são bastante extensas.
A respeito dos motivos vemos que eles são muito utilizados pelos
improvisadores como pelos compositores onde, a partir de uma idéia básica (rítmica
ou melódica), desenvolve-se um trecho musical que pode tomar os diferentes
caminhos. Segundo Bob Taylor, a improvisação motívica é responsável pela
construção e desenvolvimento conciso de um solo tornando-o ao mesmo tempo
lógico e emotivo. A idéia de repetição, que está muito ligada ao conceito de motivo,
é citada por Jamey Aebersold como algo muito importante no desenvolvimento de
um solo, pois segundo ele, ela ajuda a prender a atenção do ouvinte e a direcioná-lo
ao próximo trecho musical, como sinais de trânsito. Os motivos podem ser rítmicos,
quando se mantém o mesmo ritmo e variam-se as notas; ou melódico, quando as
notas são mantidas e o ritmo variado.
Finalmente, o uso do cromatismo é essencial na caracterização da
improvisação jazzística visto que é amplamente utilizado e muito bem estudado por
todos os improvisadores em geral. É muito comum o improvisador de jazz tocar
notas que não estão necessariamente dentro da escala de determinado acorde e
mesmo assim não soar como se estivasse tocando “fora” da tonalidade. A idéia
básica do cromatismo consiste em tocar notas que não estão na escala como
aproximações das notas “alvo” que são necessariamente notas do acorde ou suas
extensões. Há todo um sistema de cromatismo muito bem formulado pelos jazzistas
onde encontramos diversas maneiras de aproximar uma nota “alvo” inclusive de
como ataca-la priorizando os tempos fracos para as notas que estão “fora” e assim
por diante. A seguir vemos alguns exemplos de aproximações cromáticas recolhidas
de materiais de Jamey Aebersold(1967) e Don Mock(2003).
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PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS UTILIZADOS PARA A REALIZAÇÃO DA PESQUISA.
O procedimento adotado para a pesquisa foi à transcrição e análise do solo
de Hélio Delmiro em “Mulher rendeira” do disco “Chama”. A escolha desse solo tem
a ver com a proposta desse trabalho de analisar o comportamento de Hélio Delmiro
como improvisador dentro dos gêneros brasileiros. Visto que em seu repertório
notamos a presença de vários gêneros incluindo ate standards americanos, foi
escolhido, a partir de opção pessoal, um baião. Buscou-se um embasamento teórico
seguindo a escola norte americana do jazz no que concerne aos seguintes
elementos encontrados na improvisação em questão: relação escala acorde,
sobreposição de arpejos, improvisação motívica e uso de cromatismo. Apesar de
não fazer parte do objetivo principal do trabalho, é relevante observar a questão do
arranjo da música onde nota-se um caso de reharmonização muito interessante.
Procedimento muito utilizado na música instrumental a reharmonização da música
possibilitou ao instrumentista uma gama maior de sonoridades a serem
desenvolvidas durante o improviso que não seriam possíveis se fosse mantida a
harmonia original. Abaixo vemos uma comparação entre a harmonia original e a
reharmonização de Hélio Delmiro:
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Além do uso de substituições, dominantes secundários e acordes de
empréstimo modal, vemos ainda uma melodia com os valores dobrados e a adição
uma seção da mesma melodia tocada um tom e meio acima harmonizada de outra
forma.
IMPROVISAÇÃO
RELAÇÃO ESCALA X ACORDE A respeito do uso de escalas, podemos notar que Hélio procura sempre criar
suas frases utilizando as notas da harmonia e suas respectivas tensões. No solo de
“mulher rendeira” notamos que ao improvisar sobre acordes maiores, ele busca com
muita consciência evitar o quarto grau da escala, que no caso é uma nota evitada
por caracterizar e antecipar a próxima função na cadência perfeita. Durante toda a
seção de improviso, onde aparecem treze vezes acordes maiores, notou-se que
onze vezes Hélio evitou o quarto grau, uma vez ele tocou-o porém como nota de
passagem e apenas uma vez o utilizou como nota alvo. Notou-se também uma vez o
uso do modo lídio substituindo o modo jônico onde vemos como resultado a tensão
#11. Essa prática consciente de omitir a nota evitada do acorde também ficou
evidente no que concerne aos acordes menores. Nas catorze vezes em que os
acordes menores soavam na harmonia, onze Hélio optou por omitir a b13 (nota
evitada) passando por ela apenas uma vez. Nos demais casos ele utilizou a escala
dórica e uma vez apenas a escala dórica com M7, originária do campo menor
melódico. A seguir vemos alguns exemplos dessa prática de omitir as notas evitadas
dos acordes tanto maiores quanto menores.
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Figura 4: Relação escala x acorde utilizada por Hélio Delmiro na música “Mulher Rendeira”.
A respeito dos acordes dominantes, podemos perceber no improviso em
questão principalmente a utilização da escala mixolídia usando e abusando das
aproximações cromáticas. Algumas vezes notamos também o uso da escala
mixolídia com #11, a escala alterada, a escala mixolídia b9, b13 e a escala
dominante diminuta, respeitando quase sempre a relação acorde X escala como já
foi vista anteriormente no vocabulário tradicional de escalas.
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SOBREPOSIÇÃO DE ARPEJOS A respeito do uso de sobreposição de arpejos, notou-se em ambos improvisos
o uso freqüente do arpejo do próprio acorde da harmonia. O quadro abaixo
demonstra tais ocorrências:
Acorde Arpejo utilizado
CM7 CM7
C
BM7 BM7
Am7 Am Quadro 4: Arpejos utilizados por Hélio Delmiro na música “Mulher Rendeira”.
Também foi observado o uso de sobreposições dos mais variados tipos.
Segue tabela com tais sobreposições e o efeito gerado no acorde.
Acorde Arpejo utilizado Efeito gerado
CM7 GM7 5j, M7, 9, #11
Ab7 Gb b7, 9, 11*
Ab7sus4 GbM7 b7, 9, 11, 13
BM7 F# 5j, M7, 9
Bbm7 Db b3, 5j, b7
Am7 Em 5j, b7, 9
G7sus4 CM7 11, 13, T, 3 (17)**
Bb7 Bm(b5) b9, 3, 5j
G7 Am 9, 11*, 13
Ab7 Am b9, 3, #5 Quadro 5:Sobreposições de arpejos utilizados por Hélio Delmiro na música “Mulher Rendeira”.
* notas evitadas
** Nos acordes tipo sus4, a terça (quando localizada na região aguda) pode
ser considerada como tensão. O guitarrista e professor Ted Greene utiliza a
nomenclatura 17 para esta tensão.
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A seguir vemos alguns exemplos dos usos de arpejos e sobreposições de
arpejos já demonstrados.
Figura 5: Exemplos de uso de arpejos de Hélio Delmiro na música “Mulher Rendeira”.na
música “Mulher Rendeira”.
Improvisação motívica Percebemos que o improviso de Hélio Delmiro é permeado de motivos
rítmicos e melódicos que prendem realmente a atenção do ouvinte tornando o solo
mais coeso e mais interessante. É de alta relevância mencionar esses motivos e
disseca-los para obter uma melhor compreensão de seus funcionamentos.
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Podemos observar um motivo interessante no compasso 33 (ver anexo) onde
Hélio toca três notas (F#, G e Bb) em semicolcheias. Essa técnica gera um efeito
interessante, onde obedecendo ao padrão da colcheia pontuada, a acentuação nos
três grupos de semicolcheias aparece cada hora diferente.
Figura 6: Exemplo de motivo utilizado na música “Mulher Rendeira”.
No compasso 49 (ver anexo) notamos a inserção de um motivo que vai se
desenvolver nos próximos compassos sempre com grupos de três notas.
Primeiramente uma aproximação da décima terceira do acorde (CM7), depois
novamente a mesma aproximação seguida da aproximação da fundamental, da
décima terceira e finalmente na sétima menor do acorde seguinte, o Bbm7.
Apresentando grande riqueza rítmica, Hélio desenvolve esses grupos de notas
primeiramente utilizando a sincopa e depois seguindo o padrão colcheia duas
semicolcheias sempre com colcheia pontuada de pausa.
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Figura 7: Outro exemplo de motivo utilizado na música “Mulher Rendeira”.
Mais adiante, no compasso 81 (ver anexo), mais um motivo interessante
agora melódico. Utilizando apenas duas notas principais: D# e E, e também o uso
de três notas de apoio: A, G e Ab; Hélio desenvolve nove compassos onde a
variação fica por conta do ritmo. Trazendo grande eloqüência em seu discurso.
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Figura 8: Exemplo de motivo melódico utilizado na música “Mulher Rendeira”.
Um pouco mais adiante, no compasso 97 do anexo vemos o mesmo caso de
um motivo melódico, agora utilizando as notas E, A e C, formando um arpejo de Am.
A partir desse simples arpejo Hélio consegue criar o ponto ápice de seu improviso
levando-o ao seu final variando apenas o ritmo se fazendo valer em demasia da
sincopa.
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Figura 9: Outro exemplo de motivo melódico utilizado na música “Mulher Rendeira”.
Cromatismo
Talvez o aspecto que mais chama a atenção nos improvisos de Hélio Delmiro
seja o uso consciente e organizado das aproximações cromáticas. Presente a quase
todo momento, o cromatismo utilizado pelo músico muito se assemelha com o
utilizado no jazz o que traz uma necessidade vital em se fazer uma análise
detalhada de sua estrutura. No solo de “mulher rendeira”, podemos observar a
presença do cromatismo organizado obedecendo as recomendações dos jazzistas
de aproximar notas do acorde ou extensões e procurando faze-lo respeitando a
métrica do compasso. Foram identificados cinco tipos de aproximações cromáticas
nos solos de Hélio, sendo uns mais recorrentes e outros mais esporádicos. Segue
lista dos tipos citados:
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Figura 10: Tipos de cromatismos utilizados por Hélio Delmiro.
Diversas vezes observamos o tipo1 acompanhado do tipo 2 formando um
padrão fraseológico interessante:
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No próximo trecho, vemos uma seqüência de cromatismos utilizando os
padrões 1,2,3 e 4:
Figura 12: Exemplos do uso de cromatismos na música “Mulher Rendeira”.
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CONTRIBUIÇÕES QUE A PESQUISA PRETENDE OFERECER À ÁREA DE ESTUDO.
A partir da transcrição e análise do improviso de Hélio Delmiro, pode-se tirar
a conclusão de que eles podem ser classificados como improvisações do tipo
jazzístico, seguindo os padrões de uso de escalas, arpejos e cromatismos adotados
no jazz norte americano. Porém vemos esses elementos aplicados num cenário
brasileiro, utilizando músicas brasileiras e de acompanhamentos de estilos
originários do Brasil. Apesar de não deixar de mostrar ocasionalmente a linguagem
brasileira ao usar bastante a figura rítmica da sincopa e repetição de notas,
podemos observar com grande freqüência nos improvisos de Hélio Delmiro uma
forte influência do sotaque do jazz . Uma pesquisa como essa se faz oportuna no
sentido de buscar preencher uma lacuna existente no meio musical brasileiro, onde
quase não aparecem trabalhos que dão ao artista nacional o seu devido valor. Mais
ainda, esta pesquisa busca, de forma emblemática, fazer a música popular avançar
de sua antiga tradição oral para o meio acadêmico onde ela tem a oportunidade de
mostrar o seu devido valor e ainda servir de legado para as gerações futuras.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AEBERSOLD, Jamey. How to play Jazz and improvise. New Albany: Alfred, 1967.
BAKER, David. How to play Bebop. Eua: Alfred, 1988.
MOCK, Don. Target tones. Miami, Warner Bros, 2003.
FARIA, Nelson. Acordes, arpejos e escalas para violão e guitarra. Rio de Janeiro:
Lumiar, 1999.
FREITAS, Sérgio. Teoria da Harmonia na Música Popular. Florianópolis: UDESC,
2002.
GUEST, Ian. Arranjo. Rio de Janeiro: Lumiar, 1996.
KERNFELD, Barry. The new dictionary of Jazz. New York: Mamillar Publichers Ltda,
2002.
TAYLOR, Bob. The art of Jazz improvisation. EUA: Tayol –James, 2000.
Material Gravado: Compassos, 2004.
Chama, 1984.