-
5/18/2018 O Pensamento de Michel Foucault Na Teoria Das Organiza es
http:///reader/full/o-pensamento-de-michel-foucault-na-teoria-das-organizacoR.Adm., So Paulo, v.39, n.2, p.117-128, abr./maio/jun. 2004 117
O pensamento de Michel Foucault na teoria
das organizaes
Fernando C. Prestes Motta (In Memoriam)Rafael Alcadipani
As obras de Michel Foucault exercem influncia em vrias reas
das cincias humanas. Esse fato se repete em teoria das organiza-
es, domnio em que as idias foucaultianas esto sendo empre-
gadas fundamentalmente para trazer novas luzes para as discus-
ses sobre poder nas organizaes. A despeito da influncia sig-
nificativa na rea, no h discusses sobre como as obras de
Michel Foucault esto sendo utilizadas. Neste artigo, tem-se por
objetivo sistematizar os estudos que utilizaram as idias de Michel
Foucault em teoria das organizaes, problematiz-los e indicar
alguns caminhos para o desenvolvimento desse tipo de anlise.
De uma forma geral, percebe-se que a produo acadmica em
teoria das organizaes baseada nas obras de Michel Foucault
trata majoritariamente das disciplinas e deixa de lado outros as-
pectos da analtica do poder. Ademais, h uma adoo simplificadada analtica do poder e uma juno acriteriosa de conceitos e
noes oriundas de diferentes matrizes epistemolgicas, alm da
inadequao da designao ps-modernopara classificar as obras
de Michel Foucault e suas utilizaes em teoria das organizaes.
Como desenvolvimentos factveis, indicam-se as possveis anli-
ses em teoria das organizaes pelo uso das noes de biopoltica
e governamentalidade.
Palavras-chave:poder, anlise das organizaes, Michel Foucault.
1. INTRODUO
Michel Foucault destaca-se como um dos principais pensadores contempo-rneos. Suas obras tm servido de base para reflexes e problematizaes emvasta gama de reas que vo desde as artes e a dana at a literatura e o direito(PORTOCARRERO e BRANCO, 2000). Atualmente, esse fato se repete no cam-po da teoria das organizaes. sdiken e Pasadeos (1995), em uma anlisebibliomtrica, constataram que Michel Foucault era o stimo autor mais citadono peridico Organization Studies,logo atrs de Max Weber. H coletneasque versam especificamente sobre a influncia do pensamento de Michel
Os autores agradecem ao Conselho Nacional de
Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq) pelofinanciamento da pesquisa que resultou neste artigo e
RAUSP pelas sugestes de melhoria do texto. Artigo
dedicado a Cristina e Carolina
Recebido em 09/maio/2003
Aprovado em 14/abril/2004
Fernando C. Prestes Motta, falecido em 2003, eraProfessor Titular do Departamento de Administrao
Geral e Recursos Humanos da Escola de
Administrao de Empresas de So Paulo da
Fundao Getulio Vargas (CEP 01313-902 So
Paulo/SP, Brasil) e Conselheiro Editorial da Revista
de Administrao da Universidade de So Paulo.
Rafael Alcadipani, Mestre em Administrao de
Empresas pela Escola de Administrao de Empresas
de So Paulo da Fundao Getulio Vargas,
Doutorando em Anlise das Organizaes na
Manchester School of Management UMIST,
Inglaterra, bolsista da CAPES e Professor doDepartamento de Administrao Geral e Recursos
Humanos da Escola de Administrao de Empresas
de So Paulo da Fundao Getulio Vargas
(CEP 01313-902 So Paulo/SP, Brasil).
E-mail: [email protected]
Endereo:
Flat 2 Princess House
144 Princess Street
M17EP Manchester
United Kingdon
RESUM
O
-
5/18/2018 O Pensamento de Michel Foucault Na Teoria Das Organiza es
http:///reader/full/o-pensamento-de-michel-foucault-na-teoria-das-organizaco118 R.Adm., So Paulo, v.39, n.2, p.117-128, abr./maio/jun. 2004
Fernando C. Prestes Motta e Rafael Alcadipani
Foucault em anlise organizacional (McKINLAY e STARKEY,
1998) e nmeros especiais de peridicos com o mesmo tema
(THEMED..., 2002).
Assim, o pensamento foucaultiano exerce influncia signi-
ficativa na teoria das organizaes em sua vertente crtica
(KNIGHTS, 2002). A literatura tem demostrado que as obras de
Michel Foucault so extremamente teis para discutir a ques-to do poder nas organizaes (BURRELL, 1988; McKINLAY e
STARKEY, 1998; KNIGHTS, 2002). Contudo, no se encontra
sistematizao alguma sobre como tais obras esto sendo utili-
zadas pelos tericos organizacionais.
Diante disso, o objetivo neste artigo sistematizar os estu-
dos que utilizaram as idias de Michel Foucault em teoria das
organizaes, problematiz-los e indicar alguns caminhos para
o desenvolvimento desse tipo de anlise. Para tanto, no tpico
a seguir sero indicadas as origens da utilizao de noes
foucaultianas em teoria das organizaes. No tpico 3, discor-
rer-se- sobre a analtica do poder foucaultiana. No quarto t-
pico, ser apresentado um levantamento sobre os artigos que
utilizaram as obras de Michel Foucault em teoria das organiza-
es. Aps isso, sero problematizados os usos das noes
foucaultianas nessa rea de estudo. Por fim, apresentar-se-o
as concluses e indicar-se-o algumas possibilidades de de-
senvolvimento da aplicao de noes foucaultianas, a partir
de sua analtica do poder.
2. AS ORIGENS DO PENSAMENTO FOUCAULTIANONO CAMPO DE TEORIA DAS ORGANIZAES
At meados da dcada de 1980, as idias de Michel Foucault
no encontravam muitos entusiastas no campo. Burrell (1996)
relata que, no incio dessa dcada, ele e um grupo de pesquisa-
dores da Universidade de Lancaster tomaram contato com a
obra de um certo filsofo francs chamado Michel Foucault
por meio da leitura do livro Vigiar e Punir. Aps conhecer a
obra do pensador, Burrell (1996, p. 454) afirmou: Minha reao
pessoal ao ler aquele texto foi um importante deslocamento de
Gestalt, no qual os padres de mundo passaram a ser vistos
por lentes novas e aperfeioadas. Ele conta que descobriu
uma nova perspectiva que, a seu ver, poderia ser extremamente
til para a compreenso das organizaes ao trazer novas luzes
para o processo de organizar e para o tema do poder em teoria
das organizaes.
Entusiasmados que estavam com as descobertas sobre onovo autor, Burrell e outros pesquisadores escreveram um tex-
to sobre as possveis contribuies do pensamento de Michel
Foucault para a teoria das organizaes e o submeteram a apre-
ciao, em 1984, para que fosse publicado na Administrative
Science Quarterly. Aps um longo perodo de reviso, os ava-
liadores rejeitaram o artigo questionando a relevncia de um
filsofo francs desconhecido e perguntaram o que uma
audincia americana poderia apreender com esse tipo de pen-
samento (BURRELL, 1996, p.454). No entanto, as idias de
Michel Foucault so hoje amplamente utilizadas pelos tericos
organizacionais. At mesmo o peridico que rejeitou a relevn-
cia da perspectiva do pensador para a teoria das organizaes
publica artigos foucaultianos (BARKER, 1993; SEWELL, 1998)
Como essa alterao aconteceu?
Na busca pelas origens da utilizao das idias de Michel
Foucault, e analisando o desenvolvimento das diferentes pers-pectivas nessa rea de estudo, possvel constatar que tal intro-
duo foi vivel graas quebrado domnio absoluto da pers-pectiva funcionalista sobre o campo, o que possibilitou o de-senvolvimento de vertentes tericas crticas.
At o final da dcada de 1960, a teoria das organizaevivia uma fase de desenvolvimento controlado por um acordotcito a respeito de mtodos, metodologias, perspectivas deanlise e base epistemolgica (BURRELL, 1996). Durante esseperodo, havia predomnio absoluto e incontestvel da teoriaorganizacional funcionalista (BURRELL e MORGAN, 1979)Todavia, essa poca de cincia normalfoi abalada pela publi-cao de algumas obras (WEICK, 1969; SILVERMAN, 1971BRAVERMAN, 1974; BURRELL e MORGAN, 1979) que trouxeram olhares diferentes do funcionalismo para a anlise doobjeto organizao e tiveram o poder de abrir acaixa de Pandorana teoria das organizaes, gerando pluralidade de alternativas viso dominante, as quais se ampliaram ao longo do tempo(CLEGG, HARDY e NORD, 1996).
Na dcada de 1980, autores como Baudrillard, Lyotard eDerrida, tidos como ps-modernos, passaram a ser cada vezmais utilizados nas cincias humanas (BAUMAN, 1988a e1988b; FEATHERSTONE, 1988), gerando grande debate entreos defensores da perspectiva modernista e da ps-modernistaque persistiu at recentemente (SOKAL e BRICMOT, 1999)
Os debates que ocorriam nas cincias sociais passaram, nofinal dos anos 1980, a afetar a forma de produzir conhecimentoem teoria das organizaes (COOPER e BURRELL, 1988CALS e SMIRCICH, 1999), pois, com o rompimento do domnio absoluto da perspectiva funcionalista, a rea estava abertapara as vises alternativas dominante.
Foi no contexto da efervescncia do debate entre modernistas e ps-modernistas nas cincias sociais que Gibson Burrell (1988) publicou artigo que tratava das novas possibilidades que uma abordagem foucaultiana oferecia para a teoria daorganizaes. A partir desse debate, as obras de Michel Fou-cault comearam a ser utilizadas de forma mais marcante na
teoria das organizaes, pois as idias do autor foram consideradas como ps-modernas pelos pesquisadores organizacio-nais (BURRELL, 1988 e 1996; CALS e SMIRCICH, 1999KNIGHTS, 2002).
Outro fato que contribuiu para difundir o uso das obras deFoucault para o estudo das organizaes foi o emprego de suaepistemologiapara renovar o debate naLabour Process Theory(LPT). A LPT fora marcada por grande nfase em explicaemarxistas para a anlise do processo de trabalho e do controledas organizaes sobre seus funcionrios. O seu foco eram as
-
5/18/2018 O Pensamento de Michel Foucault Na Teoria Das Organiza es
http:///reader/full/o-pensamento-de-michel-foucault-na-teoria-das-organizacoR.Adm., So Paulo, v.39, n.2, p.117-128, abr./maio/jun. 2004 119
O PENSAMENTO DE MICHEL FOUCAULT NA TEORIA DAS ORGANIZA
relaes objetivas de trabalho e de classe social. Alm do pr-
prio Karl Marx, a obra de Braverman (1974) serviu durante muito
tempo como base terica fundamental para os tericos da LPT.
Todavia, partindo dos escritos de Michel Foucault, Knights
e Willmott (1989) analisaram o processo de subjugao no am-
biente de trabalho e atacaram as abordagens marxistas por en-
fatizarem somente a explorao econmica e deixarem de lado omodo como as relaes de poder constituem os sujeitos e suas
subjetividades. O artigo em questo realizou uma ruptura na
tradicional LPT e criou uma nova corrente: a chamada Man-
chester School of Foucauldian Labour Process Theory (WRAY-
BLISS, 2002). Essa nova perspectiva gerou uma srie de arti-
gos durante toda a dcada de 1990 e, tambm, debates entre
esses estudiosos, principalmente devido aos ataques mtuos
entre os tericos de base marxista e foucaultiana (PARKER,
1999; WRAY-BLISS, 2002).
Atualmente, a Critical Management Studies (CMS)
(ALVESSON e WILLMOTT, 1996 e 1997; FOURNIER e GREY,
2000; THEMED..., 2002), corrente terica que procura subme-
ter a administrao e as organizaes ao crivo crtico, tem
sido de fundamental importncia para a propagao de pers-
pectivas crticas em estudos organizacionais, pois esse movi-
mento acaba por cumprir uma funo poltica de legitimar es-
sas perspectivas no campo da teoria das organizaes. A
CMS, que inclui teorias modernistas de base marxista, teorias
ps-estruturalistas e teorias feministas, est desempenhan-
do papel fundamental na legitimao e na defesa da aborda-
gem foucaultiana para os estudos organizacionais, pois uma
abordagem crtica muito utilizada nos dias de hoje (FOURNIER
e GREY, 2000).
Dessa forma, o desenvolvimento da anlise organizacional
ps-modernae os desdobramentos das discusses naLabour
Process Theoryfizeram com que as idias e o pensamento do
filsofo francs desconhecido passassem a ser aceitos e lar-
gamente utilizados por tericos organizacionais. O movimento
da CMS desempenhou papel importante na continuidade da
utilizao das idias foucaultianas em anlise organizacional.
Contudo, como Michel Foucault tratou da questo do poder
em suas obras? A resposta a essa indagao o tema do prxi-
mo tpico.
3. A ANALTICA DO PODER NO PENSAMENTO DE
MICHEL FOUCAULT
Aqui ser apresentada uma viso geral sobre as obras de
Michel Foucault que versam sobre a questo do poder. Esta
exposio feita neste ponto porque servir de subsdio para a
compreenso das demais partes deste artigo. No entanto, da-
das a complexidade e a abrangncia das obras foucaultianas,
trata-se de uma discusso superficial, em que se tenta situar as
principais caractersticas do seu pensamento* sobre a questo
do poder. Antes, porm, discorrer-se- a respeito das diferen-
tes etapasdo pensamento de Michel Foucault.
3.1. Etapas da obra foucaultiana
As obras de Foucault distribuem-se ao longo de trs eta-pas: Arqueologia, Genealogia e tica. No h entre elas rompimentos bruscos, mas deslocamentos de nfases metodolgicas(FONSECA, 2001).Na Arqueologia, as obras do pensador tra
tam das prticas discursivas de certos domnios do saber. Omtodo arqueolgico no leva em conta a verdade ou a falsidade dos enunciados propostos em cada um dos domnios queanalisa, ou seja, no interessou a Foucault esclarecer ou discutir a veracidade ou a falsidade dos ensinamentos da medicinada psiquiatria ou das cincias humanas, mas tratar do que fodito por essas cinciascomo discursos-objeto, buscando es-clarecer quais so as regras que regem os discursos cientficos(RABINOW e DREYFUS, 1995; FONSECA, 2001).
Aps as discusses em Arqueologia, o pensador realizou oprimeiro deslocamento de nfase metodolgica das suas obrasPartindo da Genealogia de Nietzsche, e apoiado por ela, passou a investigar e a tematizar as relaes entre verdade, teoriavalores e instituies, bem como as prticas sociais nas quaistais relaes emergiam. A nova abordagem fez com que eleprestasse ateno e passasse a tematizar as questes relacionadas ao poder (RABINOW e DREYFUS, 1995). Nessaetapatambm apresentou e discutiu a biopoltica. Discusso essaque se finalizou com a discusso sobre a governamentalidadeA partir dela, Foucault realizou o segundo deslocamento de nfase metodolgica (ORTEGA, 1999; FONSECA, 2001) em suaobras, que resultou na terceira delas, conhecida como ticaNesse perodo, passou a tratar das diferentes formas de constituio do sujeito por meio de procedimentos de uma ticaapoiada na reflexo sobre si, sem que nesse processo houves
se a presena prescritiva de cdigos, interditos e mecanismodisciplinares (FONSECA, 1995). A analtica do poder desenvolvida pelo pensador, que est localizada na etapa genealgicadas suas obras, ser detalhada a seguir.
3.2. A analtica do poder
Pode-se dizer que Foucault possui uma teoria do poder? Noo termo teoriano o mais adequado para compreender o quefoi desenvolvido pelo pensador em suas discusses sobre oassunto. Michel Foucault (1995) considera que a questo dopoder no apenas terica, mas faz parte de nossa experincia e
mais compreensvel quando analisada dentro de racionalidadesespecficas. Para o pensador, no existe algo unitrio chamadopoder, mas unicamente formas dspares, heterogneas, em constante transformao. O poder no um objeto natural, uma coisa; uma prtica social (MACHADO, 1979, p. X).
* Para uma reviso aprofundada das obras de Michel Foucault, veja: Rabinow
e Dreyfus (1995), Ortega (1999) e Fonseca (2001).
-
5/18/2018 O Pensamento de Michel Foucault Na Teoria Das Organiza es
http:///reader/full/o-pensamento-de-michel-foucault-na-teoria-das-organizaco120 R.Adm., So Paulo, v.39, n.2, p.117-128, abr./maio/jun. 2004
Fernando C. Prestes Motta e Rafael Alcadipani
Assim, para caracterizar o trabalho desenvolvido pelo pen-
sador sobre o assunto, o mais correto falar em uma analtica
do poder, pois o que est em jogo determinar quais so, em
seus mecanismos, em seus efeitos, em suas relaes, esses
diferentes dispositivos de poder que se exercem em nveis
diferentes da sociedade, em campos e com extenses to varia-
das (FOUCAULT, 1999a). Na sua analtica do poder, MichelFoucault analisa trs mecanismos de poder: os suplcios, as
disciplinas e a biopoltica. Na realidade, as anlises das disci-
plinas e da biopoltica surgem em oposio ao mecanismo dos
suplcios.
O regime dos suplciosocorreu durante as monarquias pr-
capitalistas, quando a punio dos que atentavam contra a or-
dem social ocorria por meio de rituais sanguinrios de tortura,
humilhao e massacre pblico. Esses rituais expressam que o
erro, o crime e a punio se intercomunicavam e se ligavam sob
a forma de uma atrocidade pblica cometida contra os contra-
ventores. A idia era fazer do criminoso um exemplo para que as
pessoas evitassem transgredir as regras. Tais rituais represen-
tavam a mecnica do poder de punir das monarquias para as
quais a desobedincia era um ato de hostilidade. Assim, na
falta de uma vigilncia ininterrupta, procuravam a renovao
de seu efeito no brilho e na fora de suas manifestaes singu-
lares reiterando e ostentando ritualmente a sua realidade de
superpoder (FOUCAULT, 1987).
Todavia, no final do sculo XVIII e incio do sculo XIX, o
ritual das punies comeou a extinguir-se por dois motivos. O
primeiro deles era que a nova ordem capitalista que se instaura-
va no precisava somente punir os crimes, mas tambm evitar
ao mximo que eles fossem cometidos, ao mesmo tempo que
necessitava de uma populao com vigor e presa ao aparato de
produo. O outro motivo foi o crescimento da conscincia
dentro das sociedades de que os espetculos dos suplcios
eram desumanos e imorais (FOUCAULT, 1987 e 1999b).
Dessa forma, a questo, presente nos suplcios, de fazer
com que o Estado se vingasse dos criminosos, passou, com o
capitalismo, a ser de evitar que os crimes fossem cometidos e
de majorar a capacidade de as pessoas e de a populao produ-
zirem mais, pois essa seria uma forma mais eficiente e econmi-
ca de controlar a sociedade e maximizar sua fora. Procurava-se
agir sobre a vida, por meio de um biopoder, com o intuito de
geri-la e major-la, exercendo sobre ela controles precisos e
regulaes de conjunto: Pode-se dizer que o velho direito de
causar a morte ou deixar viver foi substitudo por um poder decausar a vida ou devolver morte (FOUCAULT, 1988, p.130).
Assim, o regime dos suplcios foi sendo paulatinamente subs-
titudo por um regime de biopoder, que apresenta dois meca-
nismos fundamentais: as disciplinas e a biopoltica. Vale frisar
que Michel Foucault no considera que essas alteraes ocor-
reram de forma orquestrada e guiada por mentes malignas e
dominadoras, mas que elas aconteceram por si ss. Ele tambm
no parte do pressuposto de que as relaes econmicas de-
terminam as relaes sociais.
Para o autor, enquanto o mecanismo de poder disciplinar
funciona sobre os indivduos no interior de um espao fecha-
do, atravessado por procedimentos de vigilncia, a biopoltica
age sobre um conjunto de processos populacionais, exercendo
sobre eles efeitos de conjunto e regulao (FOUCAULT, 1999b)
Em outras palavras, as disciplinas atuam sobre o corpo indivi-
dual, e a biopoltica sobre o corpocoletivo, a populao (FOU-CAULT, 1999b).
Mais especificamente, asdisciplinasdizem respeito ao ades-
tramento dos indivduos, tornando-os dceis e submissos. Elas
impem um modelo, uma norma previamente estabelecida, pa-
dronizando os indivduos e seus comportamentos. Assim, elas
normalizam os indivduos a partir de um normal definido a priori
Para tanto, elas funcionam dentro de um espao fechado, anali-
sam, decompem os indivduos, os lugares e o tempo, classifi-
cam os termos decompostos, estabelecem seqncias, ordena-
es, entre eles, fixam procedimentos de adestramento e de con-
trole e, a partir da, estabelecem uma separao entre o normal e
o anormal, o padronizado e o no-padronizado, o disciplinado e
o no-disciplinado, agindo sempre sobre o no-disciplinado para
torn-lo normalizado (FONSECA, 1995). Para concretizar-se, a
vigilncia deve ser exaustiva, ilimitada, permanente e indiscreta
Porm, no deve ser visvel como no regime dos suplcios, mas
extremamente subliminar. O modelo arquitetural ideal em que as
disciplinas operam da maneira mais eficiente possvel o do j
amplamente difundido Panptico* (FOUCAULT, 1987). Dessa
forma, o campo das disciplinas diz respeito srie corpo orga-
nismo disciplina instituies(FONSECA, 2001).
A biopoltica, por sua vez, no age sobre cada indivduo
especificamente, mas sobre o conjunto das pessoas. O campo
da biopoltica determinado pela srie mecanismos de segu-
rana populao governo(FONSECA, 2001). Ela age sobreum conjunto de processos populacionais, como a proporo
dos nascimentos e dos bitos, as taxas de reproduo, de nata-
lidade, a fecundidade de uma populao, a velhice etc. (FOU-
CAULT, 1999b). Assim, a biopoltica uma forma de poder que
intervm, sobretudo, para aumentar a vida, controlando seus
acidentes, suas eventualidades, suas deficincias globais.
A biopoltica tambm realiza uma normalizao que se d
por meio de mecanismos de regulao, ou mecanismos de se-
gurana, que atuam sobre os processos da vida de um dado
conjunto populacional. O que ela procura fazer agir sobre um
grupo de pessoas, no para impor uma norma predeterminada
como no caso das disciplinas, mas para combater certas nor-
* O panptico uma priso em forma de crculo em que no centro h uma torre
onde esto os vigias. A luz entra nessa estrutura arquitetnica pelo lado de
fora, iluminando cada cela em que esto os prisioneiros. Dessa forma, os
vigias sempre podem ver os prisioneiros que no so capazes de saber
quando esto sendo vigiados. Essa estrutura foi analisada e discutida por
Benthan.
-
5/18/2018 O Pensamento de Michel Foucault Na Teoria Das Organiza es
http:///reader/full/o-pensamento-de-michel-foucault-na-teoria-das-organizacoR.Adm., So Paulo, v.39, n.2, p.117-128, abr./maio/jun. 2004 121
O PENSAMENTO DE MICHEL FOUCAULT NA TEORIA DAS ORGANIZA
malidades vistas como mais desviantes em relao ao que se
poderia definir como uma curva normal geral. Os mecanismosde segurana procuram conduzir as curvas desfavorveis deuma dada varivel populacional a estados mais favorveis.
Assim, nesses mecanismos, o comportamento consideradonormal extrado da populao analisada. Dessa forma, primei-
ro so estudadas as diferentes curvas de normalidade e somentedepois se fixa a norma. Essa norma sempre especfica para umgrupo determinado (uma dada populao) em relao a umasituao determinada (por exemplo, uma doena) (FONSECA,2001). Os mecanismos de segurana possuem caractersticasespecficas: lidam com uma srie de eventos possveis e pro-vveis, avaliam por meio de clculo de custos comparativos eno prescrevem uma demarcao binria entre permitido e proi-bido, normal e anormal, mas agem por meio da especificaode uma mdia tima com uma variao tolervel (GORDON,1991). Para majorar os elementos positivos e minimizar os nega-tivos, tanto atuais quanto futuros, os mecanismos de seguran-a trabalham com previsibilidades, riscos e probabilidades deocorrncias.
Nos mecanismos de segurana est em jogo a gesto desries abertas de elementos que se deslocam de forma indefini-da (bens, pessoas, doenas), a partir de probabilidades e es-tatsticas (FONSECA, 2001). Os procedimentos da biopolticano implicam uma excluso ou uma disciplina, mas so caracte-rizados por uma forma de atuao de governo, no sentido daconduo de condutastendo por foco central atuar sobre osprocessos inerentes vida. nesse ponto que Michel Foucaultentra no ltimo tema de sua analtica do poder: a governa-mentalidade ou artes de governar(FONSECA, 2001).
A governamentalidade concerne natureza da prtica de
governar e ao como
se governa. Ela caracteriza-se por uma
prtica de soberania poltica que busca governar as pessoas
em conjunto, ao mesmo tempo que se preocupa com cada indi-
vduo, ou seja, uma gesto que procura ser, concomitantemente,
totalizante e individualizante e que atua dentro de uma lgica
governamental especfica. Em seus cursos no Collge de
Franceentre 1979 e 1981, Michel Foucault realizou a anlise de
alguns tipos de governamentalidade: a Pastoral Crist, a Razo
de Estado, o Liberalismo, o Neoliberalismo Alemo e o Neo-
liberalismo Americano (GORDON, 1991). As diferentes gover-
namentalidades possuem em comum o fato de, ao mesmo tem-
po, induzirem uma gesto dentro de uma lgica especfica para
cada poca e fornecerem a possibilidade da salvaopara osindivduos, por meio da apresentao de uma verdade que quer
ser aceita, que quer se impor. As artes de governaraplicam-se
vida cotidiana das pessoas, caracterizando-as e marcando
suas identidades (FOUCAULT, 1995).
Com a sua discusso sobre os mecanismos de segurana e
as artes de governar, Michel Foucault ampliou as suas anli-
ses das disciplinas e agregou sua analtica do poder outros
domnios (os processos da vida em uma dada populao), ou-
tras prticas (prticas de gesto das condutas dos homens) e
outras instncias (o Estado e seus aparelhos administrativos)
em relao s que foram realizadas na anlise das disciplinas
(FONSECA, 2001).
A relao entre poder/saber perpassa toda a analtica do
poder foucaultiana. A idia geral a de que todo ponto em que
se exerce poder , ao mesmo tempo, um lugar de formao de
saberes. O hospital pode mostrar isso, j que no apenas umamquina de cura, mas tambm um instrumento de produo
acmulo e transmisso de saber sobre os seres humanos e a
sua sade. Da mesma forma, a escola est na origem da peda-
gogia e o hospcio na da psiquiatria (MACHADO, 1979). A
biopoltica tambm se exerce gerando saberes sobre uma dada
populao. Alm disso, quando os saberes so criados, o que
est sendo criado, concomitantemente, um tipo especfico de
regime de verdade. Assim, a verdade no existe fora das rela-
es de poder. Eles servem tambm para sustentar as relaes
de poder (FOUCAULT, 1979).
Outro aspecto que perpassa a analtica do poder a idia
de que o sujeito se constitui, historicamente, a partir das rela-
es de poder. Por exemplo, os mecanismos das disciplinas
produzem cada indivduo, elaboram sua histria e a arquivam
distribuem os indivduos no espao de forma particularizada,
elaboram suas atividades, controlam e relacionam seu tempo e
os combinam com outros indivduos. Nas disciplinas, todo
indivduo singularizado, tem o statusde possuidor de uma
identidade que traz a marca da utilidade e da docilidade (FON-
SECA, 1995). Assim, as escolas produzem os estudantes; as
fbricas, os trabalhadores; as prises, os delinqentes; os
manicmios, os loucos. Ao tentar impor uma verdade aos indi-
vduos, as artes de governartambm criam sujeitos presos a
relaes de poder.
As discusses sobre a questo da resistncia so tratadas
por Foucault em dois momentos de sua analtica do poder. Pri-
meiro, quando tratava das disciplinas, tinha como pressuposto
a idia de que a resistncia o outro termo das relaes de poder
ou seja, onde havia poder, havia resistncia (FOUCAULT, 1987)
Nas suas discusses sobre a biopoltica, com a ampliao de
suas anlises sobre o tema poder, quando passou a analisar o
seu exerccio como conduo de condutas, Michel Foucault dis-
cutiu a possibilidade de as pessoas exercerem uma atitude cr-
ticaque significa a recusa de ser governado (FONSECA, 2001)
Por fim, vale destacar que Foucault (1999b) argumenta que
a possibilidade de haver uma articulao entre as disciplinas e
a biopoltica ocorre na norma, pois ela pode ser aplicada tantoa um corpo que se quer disciplinar quanto a uma populao
que se quer regular. A sociedade de normalizao, adverte, no
somente uma sociedade em que imperam as instituies e o
modelo disciplinar. Ela uma sociedade em que se cruzam a
norma da disciplina e a norma da regulamentao. Dizer que o
poder tomou posse da vida, no sculo XIX at os dias de hoje
dizer que ele conseguiu cobrir toda a superfcie que engloba
tanto a mecnica do corpo quanto a mecnica da populao
(FOUCAULT, 1999b).
-
5/18/2018 O Pensamento de Michel Foucault Na Teoria Das Organiza es
http:///reader/full/o-pensamento-de-michel-foucault-na-teoria-das-organizaco122 R.Adm., So Paulo, v.39, n.2, p.117-128, abr./maio/jun. 2004
Fernando C. Prestes Motta e Rafael Alcadipani
4. INVENTARIANDO O USO DAS IDIAS DE MICHELFOUCAULT EM TEORIA DAS ORGANIZAES
Neste tpico, sero apresentados dados da pesquisa reali-
zada em peridicos, a fim de levantar as caractersticas dos
artigos que utilizaram a perspectiva foucaultiana para a cons-
truo do seu argumento, como base analtica na rea de teoriadas organizaes.
4.1. Procedimento de coleta de dados
A busca foi realizada nos seguintes principais peridicos
em teoria das organizaes:Administrative Science Quarterly,
Academy of Management Review, Academy of Management
Journal, Organization Studies, Organization, Human Rela-
tions, Organizational Sciencee The Journal of Management
Studies, entre os anos de 1975 e o primeiro semestre de 2002.
Procuraram-se, na bibliografia de todos os artigos, aqueles
que mencionavam obras de Michel Foucault. No total, foram
selecionados 183 artigos que referenciaram ao menos uma
obra do autor. Vale destacar que o primeiro artigo que se utiliza
das obras de Michel Foucault foi encontrado somente no ano
de 1986.
Em seguida, analisou-se o contedo de cada um deles e
selecionaram-se para a anlise final somente os artigos que
utilizavam as noes desenvolvidas pelo filsofo como base
analtica para a construo dos seus argumentos ou para a
interpretao de dados empricos. Assim, artigos que somente
referenciavam Foucault sem utilizar suas idias para a constru-
o do argumento foram desprezados.
Aps essa segunda seleo, restou um total de 47 artigos,
os quais foram catalogados de acordo com os seguintes da-
dos: autor, ano, peridico, tema, objetivo do artigo, uso de
Foucault (quais noes foucaultianas foram empregadas), uti-
lizao de noes e conceitos desenvolvidos por outros au-
tores alm de Foucault e metodologia declarada. Na anlise a
ser realizada aqui, sero consideradas somente as informa-
es relativas a tema, noes foucaultianas empregadas nos
artigos e autores utilizados alm de Michel Foucault. A fre-
qncia dos artigos por ano na amostra selecionada apre-
sentada no quadro 1.
Conforme consta no quadro 1, a maioria dos artigos da amos-
tra est concentrada entre os anos de 1992 e 2001, com exceo
de 1994, quando h somente um artigo publicado. Em outraspalavras, percebe-se que a partir do incio da dcada de 1990
houve aumento do uso das idias de Foucault como fundamen-
to de artigos. Isso ocorreu provavelmente devido ao incremen-
to, na teoria das organizaes, da utilizao de noes desen-
volvidas por autores considerados como ps-modernos e ao
aprofundamento do embate entre marxistas e foucaultianos na
Labour Process Theory. Em termos de metodologia declarada,
os artigos da amostra esto assim divididos: 24 so ensaios
tericos, 15 so estudos de caso e 8 so anlises de discurso.
Quadro 2
Freqncia de Temas
Temticas Freqncia
Crtica s teorias em anlise das organizaes 12
Poder e construo de verdade 9
Denncia de mecanismos de controle 9
Relaes de poder em contexto organizacional 5
Construo de subjetividade e poder 4
Crtica utilizao de Foucault 4
Gnero 2
Renovao da anlise das organizaes
a partir de Foucault2
Total 47
A seguir so apresentadas as
principais caractersticas dos ar-
tigos analisados, na seguinte or-
dem: tema, noes foucaultianas
empregadas e autores utilizados
alm de Michel Foucault.
4.2. Temas dos artigos
Como se pode observar no
quadro 2, os artigos analisados
contemplam diferentes temas
que vo de mecanismos de con-
trole nas organizaes at rela-
es de gnero. Os tericos organi-
zacionais empregam noes fou-
caultianas para submeter as or-
ganizaes e a sua teoria ao crivo
crtico, denunciar mecanismos
de controle em operao nas or-
ganizaes, discutir relaes de
poder no contexto organizacio-
nal, bem como argumentar como
a perspectiva foucaultiana pode-
ria fundamentar novos tipos de
anlise das organizaes e de
suas teorias. A maioria dos temas analisados diz respeito a ques-
tes relativas a poder e controle nas organizaes.
Quadro 1
Freqncia de
Artigos por Ano
Ano Freqncia
1986 1
1987 0
1988 1
1989 3
1990 0
1991 1
1992 5
1993 4
1994 1
1995 3
1996 3
1997 4
1998 6
1999 8
2000 4
2001 1
2002 2
Total 47
4.3. Noes foucaultianas empregadas nos artigos
O quadro 3 mostra a freqncia de noes desenvolvidas
por Michel Foucault utilizadas para construir a argumentao
dos artigos presentes na base de dados. Vale frisar que as no-
-
5/18/2018 O Pensamento de Michel Foucault Na Teoria Das Organiza es
http:///reader/full/o-pensamento-de-michel-foucault-na-teoria-das-organizacoR.Adm., So Paulo, v.39, n.2, p.117-128, abr./maio/jun. 2004 123
O PENSAMENTO DE MICHEL FOUCAULT NA TEORIA DAS ORGANIZA
es aqui apresenta-
das esto muitas ve-
zes inter-relacionadas
nas obras do pensa-
dor, como se viu an-
teriormente. Todavia,
nesta anlise dos tex-tos selecionados, per-
cebe-se que os auto-
res em teoria das or-
ganizaes as utilizam
de forma dissociada,
como se fossem ins-
trumentos que aten-
dem a necessidades
especficas de argu-
mentao.
Em 20 artigos, os autores extraram do pensamento de
Foucault a noo de poder disciplinar para a realizao de suas
anlises. Em oito artigos, eles apropriaram-se da noo de po-
der/saber e a complementaram com a questo da relao entre
poder e verdade, com os demais pontos da analtica do poder
foucaultiana, com a noo da constituio da subjetividade do
sujeito pelas relaes de poder, com a relao entre poder, dis-
curso e resistncia, com a noo de poder como relao e com
poder e verdade. Em outros oito artigos os autores emprega-
ram a noo de que o poder no algo possudo, mas que
existe somente como relao. Quatro autores fizeram uma revi-
so geral das obras de Michel Foucault: dois para apresentar
novos caminhos para o estudo das organizaes; um para
mostrar as incoerncias entre os artigos que empregaram as
noes de Foucault e as suas obras em si; e outro para realizar
uma leitura realista-positivista de Foucault. A arqueologia foi
utilizada em dois artigos. A idia de que a subjetividade cons-
tituda por meio das relaes de poder foi utilizada por dois
autores. Quanto ao mtodo genealgico, a governamentalidade,
a liberdade e a resistncia foram idias discutidas cada uma em
um artigo. Pelo exposto, percebe-se que as obras de Michel
Foucault esto sendo empregadas pelos tericos organizacio-
nais para discutir a questo do poder em contexto organi-
zacional, especialmente o mecanismo do poder disciplinar em
ao nas organizaes. So recorrentes tambm as discusses
sobre poder/saber e sobre poder como relao. Os demais as-
pectos das obras do pensador aparecem de forma pontual nosartigos analisados.
4.4. Autores utilizados alm de Michel Foucault
Nesta anlise, nota-se que, em nmero significativo de arti-
gos, os autores utilizaram noes foucaultianas em conjunto
com as de outros autores. No quadro 4 consta a freqncia dos
autores que aparecem associados a Foucault na construo do
argumento dos textos analisados.
Os autores de 16
artigos utilizaram so-
mente as noes desen-
volvidas por Michel
Foucault como funda-
mento para a constru-
o do argumento deseus artigos. No entan-
to, a maioria utilizou
como base conceitual,
alm de idias desen-
volvidas por Foucault
e pelo segundo autor
mencionado no qua-
dro 4, idias e noes
oriundas de outros au-
tores que contribuem
para a construo da argumentao desenvolvida. Assim
Habermas e Foucault aparecem como base analtica para a cons-
truo do argumento de seis artigos: noes desenvolvidas
somente pelos dois autores esto presentes em trs artigos,
nos demais os dois pensadores aparecem juntamente com
Orwell, com idias derivadas da fenomenologia transcendental
e com Dilthey. Em outros seis artigos foram utilizadas as idias
de Marx e Foucault como fundamento. As idias de Derrida
aparecem trs vezes, em Actor-Network Theory, Lyotard e
Saussure. Giddens e Foucault tambm aparecem em trs casos
Em dois dos artigos analisados foram utilizadas as noes de-
senvolvidas por Freud e Foucault. Em outros dois foram em-
pregadas as idias de Max Weber e Foucault. Conceitos teri-
cos da psicossociologia, teorias de estratgia,Actor-Network
Theory relacionada com a Escola de Frankfurt (Adorno e
Marcuse) , Bahaskar, Dawey, teorias feministas, teorias sobre
gnero, Goffman e Larsh aparecem com as noes foucaultianas
somente em um artigo cada.
Pelo apresentado, pode-se notar que, embora haja nmero
substancial de artigos que empregam majoritariamente noes
foucaultianas, parcela significativa realiza junes de noes e
conceitos oriundos de diversos pensadores. Vale frisar que nos
artigos analisados no so feitas discusses ou anlises sobre
a compatibilidade dessas utilizaes.
5. PROBLEMATIZANDO A PRODUO EM TEORIA
DAS ORGANIZAES FUNDAMENTADA NASIDIAS DE MICHEL FOUCAULT
Neste tpico, sero problematizadas as caractersticas da
produo acadmica em teoria das organizaes que possui
como fundamento as idias de Michel Foucault.
Em primeiro lugar, como j se disse, a disseminao das
idias do pensador em teoria das organizaes ocorreu medi-
ante a abertura do campo para a perspectiva ps-moderna, pois
a maioria dos tericos organizacionais classifica o tipo de tra-
Quadro 4
Autores Utilizados alm
de Foucault
Autores Freqncia
Somente Foucault 16Habermas 6
Marx 6
Derrida 3
Giddens 3
Freud 2
Weber 2
Outros 9
Total 47
Quadro 3
Noes Foucaultianas
Fundamentais Utilizadas
Noes Foucaultianas Freqncia
Poder disciplinar 20Poder/saber 8
Poder como relao 8
Viso geral 4
Arqueologia 2
Construo dasubjetividade
2
Outros 3
Total 47
-
5/18/2018 O Pensamento de Michel Foucault Na Teoria Das Organiza es
http:///reader/full/o-pensamento-de-michel-foucault-na-teoria-das-organizaco124 R.Adm., So Paulo, v.39, n.2, p.117-128, abr./maio/jun. 2004
Fernando C. Prestes Motta e Rafael Alcadipani
balho fundamentado nas suas idias como trabalhos ps-mo-dernos (BURRELL, 1988; CALS e SMIRCICH, 1999; COOPERe BURRELL, 1988). Contudo, seria coerente com os trabalhosde Michel Foucault classific-los como tal?
Rabinow (1999), um dos mais respeitados estudiosos dofilsofo, avalia que suas obras se opem ao que chama de anti-
pensadores: os ps-iluministas e os ps-modernos. Quandose classifica as obras de Michel Foucault como ps-moder-nas, acaba-se circunscrevendo seu pensamento a um campolimitado e disciplinado do saber. Com isso, alm de criar-seum saber disciplinado sobre o que ele fez, gera-se um discur-so de verdade sobre sua obra que induz a uma maneiracorre-ta e verdadeirade compreend-la e, assim, analisar suas con-
tribuies.
nos artigos, na maioria das vezes as demais noes surgem a
partir da anlise das disciplinas em operao no contexto de
organizaes especficas.
Recordando a analtica do poder, percebe-se que o prprio
Foucault reconheceu a importncia das disciplinas nas dinmi-
cas de instituies. Todavia, com os desdobramentos de suas
anlises, o pensador ampliou a analtica do poder com as dis-cusses a respeito da biopoltica. Foucault (1988) discutiu cla-
ramente a relevncia da biopoltica e de sua articulao com os
mecanismos disciplinares para a compreenso das relaes de
poder na sociedade coetnea.
Dessa maneira, focar a anlise do poder, a partir dos traba-
lhos de Michel Foucault, somente na questo das disciplinas e
dos seus mecanismos, negligenciar parte importante das suas
idias. Por isso, ao analisarem pontualmente a questo do po-
der disciplinar nas organizaes, os tericos organizacionais
tocam em um ponto crucial, mas deixam de lado outros aspec-
tos vistos pelo prprio Foucault como fundamentais para a
compreenso da dinmica das relaes de poder na sociedade
atual, bem como nas organizaes nela inseridas.
Corroborando esse fato, a noo de poder disciplinar con-
segue dar conta sem limitaesde analisar as relaes de po-
der presentes no paradigmataylorista/fordista de produo
(McKINLAY e STARKEY, 1998). No entanto, quando os teri-
cos organizacionais se voltam para a anlise de ferramentas de
gesto atuais como empowerment(HARDY e LEIBA-O
SULLIVAN, 1998), culturas corporativas (WILLMOTT, 1993),
equipes de trabalho (BARKER, 1993) etc. , notam que o poder
disciplinar no aparece de forma pura, embora seja uma noo
importante para compreender parte das dinmicas das relaes
de poder. Assim, h nuanas e variaes sobre a operao do
poder nas organizaes que a noo de disciplina no conse-
gue explicar, pois caractersticas de relaes de poder no-dis-
ciplinares esto cada vez mais presentes nas organizaes
(MUNRO, 2000).
Surge, ento, um quadro em que os tericos organizacionais
fundamentados nos escritos de Michel Foucault no esto
conseguindo dar conta da realidade observada com as noes
que empregam, apesar de a analtica do poder possuir instru-
mentosadequados para esse fim. Alm disso, no foram en-
contrados entre os artigos analisados aqueles que discutissem
a questo do poder fora da dinmica interna das organizaes
ou seja, como as diferentes organizaes exercem poder sobre
as pessoas fora de suas fronteiras, e a lgica externa que influ-encia a adoo dos mesmos mecanismos de controle por dife-
rentes organizaes. No s a governamentalidade poderia ser
muito til nesse sentido, mas tambm a possibilidade de anali-
sar as articulaes entre mecanismos de disciplinarizao e de
regulao em contextos organizacionais especficos, discus-
so que no apareceu na amostra pesquisada.
Em muitos artigos, os autores deixam transparecer a idia
de que h um comandante da lgica das disciplinas e que as
relaes de poder nas empresas so coordenadas por gestores
O que parece mais temerrio em classific-lo como tal o
fato de o pensador ter dedicado boa parte de suas obras
denncia desses mecanismos classificatrios, discutindo como
eles constituem disciplinas com interpretaes verdadeirasso-
bre uma dada realidade e como a verdade contingente a uma
dada poca e a um dado perodo. Burrell (1996) reconhece a
limitao de classificar como ps-modernas as obras de um
autor com idias complexas e posicionamentos tericos im-
precisos. Portanto, a despeito de o incio da utilizao das
noes desenvolvidas por Foucault na anlise das organiza-
es ter ocorrido por meio da introduo de pensadores tidos
como ps-modernos nesse campo de estudo, classific-lo como
tal simplificar seu legado e ir contra aspectos importantes de
suas obras.
Ademais, h um problema especfico com a categoria de
classificao ps-moderno. Ela pode ser vista, somente para
citar alguns exemplos, como um movimento artstico (HAS-
SARD, 1993), como novas perspectivas de estudo (PARKER,1992), como caractersticas de um novo tipo de sociedade
(BAUMAN, 1988a e 1988b) e como um novo tipo de organiza-
o (CLEGG, 1990), sem que haja coerncia entre essas diferen-
tes vertentes. Trata-se, na verdade, de uma categoria bastante
ampla e carente de unidade.
Um segundo aspecto a se destacar que, conforme o apre-
sentado, a maior parte dos textos realizados em anlise das
organizaes com base nas obras de Michel Foucault apro-
priou-se da noo de poder disciplinar. Quando empregadas
Conceitos e noes tericas surgem dentro do
contexto da obra de autores e formam conjuntos
complexos de teorias. Quando extrados sem a
devida relativizao, a chance de cometerem-se
absurdos tericos muito grande.
-
5/18/2018 O Pensamento de Michel Foucault Na Teoria Das Organiza es
http:///reader/full/o-pensamento-de-michel-foucault-na-teoria-das-organizacoR.Adm., So Paulo, v.39, n.2, p.117-128, abr./maio/jun. 2004 125
O PENSAMENTO DE MICHEL FOUCAULT NA TEORIA DAS ORGANIZA
exploradores que as impem sobre os demais empregados, como
se eles estivessem livres dos seus efeitos e vivessem margem
das relaes de poder. Tais consideraes so absurdas para a
analtica do poder, que considera as relaes de poder como
estratgias sem comandantes de suas racionalidades e como
estruturantes da sociedade em seus menores espaos (MA-
CHADO, 1979).Uma terceira considerao que, como se viu anteriormen-
te, dos 47 artigos analisados, somente 16 empregaram as idias
de Foucault para a construo do seu argumento. Os demais
utilizaram as idias de Foucault e de outros autores. Habermas,
Marx, Derrida, Giddens, Freud e Weber so os mais recorrentes
nos artigos do inventrio. Mostrou-se que, quando analisados
de forma detalhada, os artigos no ficaram presos somente a
conceitos foucaultianos e de mais um autor. Alm deles, vasta
gama de diferentes abordagens e autores complementaram a
base argumentativa dos artigos da amostra, como teorias femi-
nistas, teorias de estratgia, psicanlise, teorias de gnero e
at mesmo marxismo. Em outras palavras, as idias de Foucault
foram complementadas pelas de outros tericos e por outras
perspectivas.
Outra caracterstica dos artigos da amostra o fato de as
noes foucaultianas utilizadas terem sido abstradas do seu
contexto. Alm disso, na argumentao que elaboraram, os auto-
res dos artigos analisados exploraram, ao seu bel-prazer, idias
de autores provenientes de outras reas das cincias huma-
nas, realizando, na verdade, uma colcha de retalhosde concei-
tos, sem preocupao com contextualizaes ou com a compa-
tibilidade das idias empregadas. Dessa forma, utilizaram con-
ceitos derivados de diferentes matrizes tericas como se usas-
sem uma caixa de ferramentas.
Pode-se perceber isso, por exemplo, no caso da juno en-
tre as idias da psicanlise e de Foucault. Casey (1999) extrai da
psicanlise a questo da influncia dos processos primrios na
atividade humana e de Foucault a questo da construo da
individualidade disciplinar. Utiliza-se desses conceitos para
interpretar dados empricos extrados de entrevistas e pesqui-
sa etnogrfica que realizou com o intuito de verificar os proces-
sos de disciplina e integrao em culturas organizacionais. Outro
exemplo Leflaive (1996), que construiu um artigo apontando
as organizaes como estruturas de dominao; para tanto,
utilizou-se de conceitos foucaultianos, marxistas, habermasianos
e de Luhmann para a construo de seu argumento.
Vale frisar, no entanto, que a relao do pensamento fou-caultiano com o pensamento psicanaltico no de com-
plementaridade direta. H pontos de choque e discordncia
(CHAVES, 1988). No caso das idias do marxismo, o mesmo
fato se repete. Foucault tem srias objees concepo mar-
xista de poder e ideologia. Com Habermas no diferente.
Foucault teve, inclusive, embates com esse pensador (RABI-
NOW, 1999).
Portanto, verifica-se nos artigos analisados a utilizao de
idias complexas como se fossem complementares, ou seja, a
reduo sociolgica (RAMOS, 1996) est presente de forma
marcante na teoria organizacional fundamentada nas idias de
Michel Foucault. Isso no deveria ser feito sem uma anlise
rigorosa da possibilidade da juno de conceitos e da admis-
so das simplificaes que esse tipo de uso pode causar. Con-
ceitos e noes tericas surgem dentro do contexto da obra de
autores e formam conjuntos complexos deteorias
. Quandoextrados sem a devida relativizao, a chance de cometerem-se
absurdos tericos muito grande.
Nas anlises fundamentadas nas idias de Foucault os au-
tores empregaram principalmente a questo das disciplinas
deixando de lado outros aspectos relevantes da analtica do
poder. Com isso, acabaram por fazer o que criticam, pois realiza-
ram uma utilizao corretae disciplinada das obras foucaul-
tianas. Quais seriam os motivos disso?
Em primeiro lugar, a obra Vigiar e Punir(1987) a mais
famosa do pensador e apresenta a possibilidade de desenvol-
ver paralelos interessantes com as organizaes de uma forma
geral. Com isso, as pessoas tendem a l-la de forma isolada,
deixando de lado a compreenso da complexidade da analtica
do poder foucaultiana. Os autores organizaram seus artigos
usando noes foucaultianas fora do contexto da obra do au-
tor como se elas fossem instrumentos isolados, ou seja, parce-
la significativa das anlises com base em Foucault foi realizada
com o uso de noes individuais sem que elas estivessem den-
tro do contexto metodolgico da Genealogia. Esse fato se repe-
tiu com as idias de outros autores utilizadas para complemen-
tar as leituras foucaultianas. Isso evidencia que os autores que
empregaram noes foucaultianas em suas anlises esto mar-
cados por uma viso simplista de conceitos complexos sem as
devidas problematizaes,ao mesmo tempo que tm grande
gosto pela instrumentalizao simplificada de conceitos.
Em segundo lugar, a maioria das discusses de Foucault
sobre a biopoltica no est disponvel ao pblico, j que faz
parte dos cursos ministrados pelo pensador no Collge de
Francee ainda indita. Dessa forma, as anlises desses te-
mas dependem dos trabalhos de autores como Gordon (1991) e
Fonseca (2001), que tiveram contato com os cursos e do indi-
caes de como Foucault desenvolveu os temas de interesse
em teoria das organizaes. Portanto, o uso exaustivo das dis-
ciplinas pelos tericos organizacionais pode ser explicado pela
instrumentalizao simplificada de conceitos e pela relativa
ausncia de fontes sobre a biopoltica.
6. CONCLUSO E POSSVEIS DESENVOLVIMENTOS
Neste artigo, levantaram-se as principais caractersticas da
produo acadmica em teoria das organizaes fundamenta-
da no pensamento de Michel Foucault e problematizou-se a
utilizao das obras foucaultianas pelos tericos da rea. Nas
anlises, pde-se perceber que a produo acadmica em teo-
ria das organizaes baseada nas obras de Michel Foucault
trata majoritariamente das disciplinas e deixa de lado outros
-
5/18/2018 O Pensamento de Michel Foucault Na Teoria Das Organiza es
http:///reader/full/o-pensamento-de-michel-foucault-na-teoria-das-organizaco126 R.Adm., So Paulo, v.39, n.2, p.117-128, abr./maio/jun. 2004
Fernando C. Prestes Motta e Rafael Alcadipani
aspectos da analtica do poder. Viu-se, tambm, que h a ado-
o simplificada da analtica do poder e uma juno acriteriosa
de conceitos e noes oriundos de diferentes matrizes epis-
temolgicas. Discutiu-se, ainda, a inadequao da designao
ps-modernopara classificar as obras de Michel Foucault e
suas utilizaes em teoria das organizaes.
Tendo como pano de fundo a analtica do poder, indicar-se-o, agora, algumas possibilidades de desenvolvimento para as
anlises organizacionais foucaultianas. Um ponto que parece
fundamental na diferenciao e na complementaridade entre as
disciplinas e a biopoltica, mas que no foi explorado nos arti-
gos analisados, a questo da norma biopoltica e da articula-
o entre esses mecanismos de poder na norma.
Diante disso, os tericos organizacionais poderiam utilizar
a noo da norma biopoltica para analisar a realidade das or-
ganizaes, e procurar observar como diferentes empresas
possuem diferentes normalidades, que so especficas, e quais
so os mecanismos (tcnicas de gesto, inovaes gerenciais,
estratgias de ao, programas organizacionais etc.) utilizados
pelas organizaes no para disciplinar, mas para criar curvas
mais favorveis, buscando a regulao de seus funcionrios.
Assim, poder-se-ia tentar perceber como os mecanismos de
regulao esto presentes em diferentes contextos organiza-
cionais, como atualmente as empresas procuram regular os flu-
xos internos em suas organizaes, dando maiores possibilida-
des de participao para seus empregados, fugindo de um con-
trole disciplinar e buscando um controle de regulao. Nesse
aspecto, poder-se-ia analisar como tcnicas gerenciais servem
para a apreenso de diferentes curvas de normalidade dentro
de empresas especficas para, depois, agir sobre as curvas des-
favorveis. Alm disso, poder-se-ia investigar a articulao
entre a norma disciplinar e a norma biopoltica, ou seja, como
diferentes mecanismos de poder, exercidos de forma diferente,
se articulam em contextos organizacionais especficos.
Outro ponto passvel de ser desenvolvido o das poss-
veis contribuies da noo de governamentalidade para a
anlise organizacional. Mostrou-se na primeira parte que a uti-
lizao dessa noo foi muito pouco desenvolvida pelos teri-
cos organizacionais. A governamentalidade poderia ser de gran-
de valia para a discusso das dinmicas de governo de organi-
zaes e dos instrumentos e mecanismos utilizados para fazer a
conduo de todos e de cada indivduo ao mesmo tempo, para
conseguir o melhor resultado econmico dessa gesto, procu-
rando ver como se d e que mecanismos geram as integraesentre as disciplinas e a biopoltica dentro das empresas e de-
mais organizaes. A governamentalidade seria pertinente para
analisar os mecanismos de poder que assujeitamos indiv-
duos por discursos de verdade especficos e que vendem, de
forma clara ou velada, a possibilidade de salvao.
De forma complementar, a governamentalidade seria perti-
nente para analisar as interaes de diferentes empresas e or-
ganizaes que se articulam entre si e utilizam mtodos simila-
res, mas que levam em conta suas peculiaridades, ao se inte-
grarem a lgicas comuns. No caso das multinacionais, seria de
particular interesse analisar, de forma pormenorizada, os mode-
los e mtodos de gesto impostos s suas subsidirias pelas
centrais, dentro da gesto utilizada para a multicomo um todo
e as peculiaridades e as variaes que assumem em diferentes
contextos.
Dentro desse espectro de anlise, poderia ser investigadoo tipo de regulao que uma lgica mais geral, tanto nacional
quanto internacional, impe s diferentes organizaes por meio
de mecanismos nacionais (agncias de regulao, legislaes
especficas, rgos de ministrios) e de mecanismos internacio-
nais (Organizao Mundial do Comrcio e Organizao Inter-
nacional do Trabalho, alm de Organizaes No-Governamen-
tais como Greenpeace e Corporate Predators). A noo de
governamentalidade poderia ser particularmente interessante
paraanalisar como esses mecanismosafetam diretamente o
tipo de gesto desenvolvido nas organizaes e o tipo de ins-
trumentos e tcnicas de gesto implementados para geri-las
Liberaes de crdito e aceitao de produtos dependem, mui-
tas vezes, do cumprimento de regras, como no utilizar mo-de-
obra infantil, no degradar o meio ambiente e adotar tcnicas
de gesto especficas (como sistemas de auditoria, SAPs ou
ISO-9000). Assim, tais integraes poderiam ser analisadas e
pormenorizadas, discutindo como elas afetam a forma do go-
verno e da conduo de condutas dentro das empresas.
A analtica do poder poderia, por fim, ser empregada na
teoria das organizaes para aprofundar as discusses sobre a
dinmica entre poder e resistncia. Os autores dos artigos da
amostra analisada discutem a resistncia nas organizaes pela
tica do choque das relaes de poder, ou seja, considerando-
a como indissocivel dessas relaes, pois so seu outro ter-
mo. A idia fundamental a de que onde h poder, h resistn-
cia. A noo de atitude crticaamplia esse espectro, pois com
ela se pode resistir s formas de um governo (compreendido
como conjunto de mecanismos de conduo de condutas), j
que existe a possibilidade de recusar ser governado.
Assim, se asartes de governarprocuram assujeitaros in-
divduos por meio de mecanismos de poder que buscam para si
uma verdade no interior da realidade de uma prtica social, a
atitude crtica o movimento pelo qual o sujeito se d o direito
de interrogar a verdade sobre os efeitos do poder do governo
e interrogar o poder sobre seus discursos de verdade (FONSE-
CA, 2001, p.272). Poder-se-iam investigar as atitudes crticas
tomadas pelos indivduos em diferentes contextos organiza-cionais, seus significados, suas formas de atuao e suas con-
seqncias. Seria interessante analisar os motivadores dessas
atitudes nos contextos especficos e as suas formas de expres-
so, alm de observar as diferenas dessas atitudes no nvel
individual e no nvel coletivo.
Pelo que se acabou de expor, indicou-se que possve
ampliar o uso de noes foucaultianas em teoria das organi-
zaes, trazendo novas luzes para o tema do poder e evitando
simplificaes analticas.u
-
5/18/2018 O Pensamento de Michel Foucault Na Teoria Das Organiza es
http:///reader/full/o-pensamento-de-michel-foucault-na-teoria-das-organizacoR.Adm., So Paulo, v.39, n.2, p.117-128, abr./maio/jun. 2004 127
O PENSAMENTO DE MICHEL FOUCAULT NA TEORIA DAS ORGANIZA
ALVESSON, M.; WILLMOTT, H. Making sense ofmanagement. London: Sage, 1996.
__________. Critical management studies. London:Sage, 1997.
BARKER, J. Tighting the iron cage: concentive control in the
self management team. Administrative Science Quarterly,Cornell, v.38, n.3, p.373-398, 1993.
BAUMAN, Z. Is there a postmodern sociology? Theory,Culture and Society, London, v.5, n.2, p.245-289, 1988a.
__________. Viewpoint: sociology and postmodernity.Sociological Review, Keele, v.36, n.6, p.73-96, 1988b.
BRAVERMAN, H. Labor and monopoly capital. New York:Monthly Review Press, 1974.
BURRELL, G. Modernism, post-modernism and organization
analysis 2: the contribution of Michel Foucault. OrganizationStudies, London, v.9, n.2, p.367-396, 1988.
__________. Normal science, paradigms, metaphors,discourses and genealogy of analysis. In: CLEGG, S.;HARDY, C.; NORD, W. Handbook of organization analysis.London: Sage, 1996.
BURRELL, G.; MORGAN, G. Sociological paradigms andorganization analysis. London: Routledge, 1979.
CALS, M.; SMIRCICH, L. Past posmodernity? Reflectionsand tentative directions. Academy of Management Review,
Atlanta, v.24, n.4, p.253-275, 1999.CASEY, C. Come, join our family: discipline and integration incorporate organizational culture. Human Relations, Tavistock,v.52, n.2, p.527-553, 1999.
CHAVES, E. Foucault e a psicanlise. Rio de Janeiro:Forense Universitria, 1988.
CLEGG, S. Modern organizations.London: Sage, 1990.
CLEGG, S.; HARDY, C.; NORD, W. Handbook of organizationanalysis. London: Sage, 1996.
COOPER, D.; BURRELL, G. Modernism, postmodernism andorganizational analysis.Organizational Studies, London, v.9,n.1, p.126-159, 1988.
FEATHERSTONE, M. In pursuit of the postmoden: anintroduction.Theory, Culture and Society, London, v.5, n.2,p.345-380, 1988.
FONSECA, M. Michel Foucault e a constituio do sujeito.So Paulo: Educ, 1995.
FONSECA, M. Foucault e o direito. 2001. Tese (Douturado) Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo, SoPaulo, So Paulo, Brasil.
FOUCAULT, M. Verdade e poder. In: MACHADO, R.Microfsica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
__________. Vigiar e punir. Petrpolis: Vozes, 1987.
__________. Histria da sexualidade: a vontade de saber.Rio de Janeiro: Graal, 1988.
___________. O sujeito e o poder. In: RABINOW, P.;DREYFUS, H. Michel Foucault: uma trajetria filosfica paraalm do estruturalismo e a hermenutica. Rio de Janeiro:Forense Universitria, 1995.
__________. A verdade e as formas jurdicas. 2ed. Rio deJaneiro: Nau Editora, 1999a.
__________. Em defesa da sociedade.So Paulo: MartinsFontes, 1999b.
FOURNIER, V.; GREY, C. At the critical moment: conditionsand prospects for critical management studies. HumanRelations, Tavistock, v.53, n.1, p.183-227, 2000.
GORDON, C. Governamentality. In: BURCHELL, G.;GORDON, C.; MILLER, P. The Foucault effect: studies ingovernamentality. Chicago: The University of Chicago Press,1991.
HARDY, C.; LEIBA-OSULLIVAN, S. The power behindemporwerment: implications for research and practice. HumanRelations, Tavistock, v.51, n.4, p.378-403, 1998.
HASSARD, J. Sociology and organization analysis: positivism,paradigms and post-modernism. Cambridge: University ofCambridge, 1993.
KNIGHTS, D. Writting organitional analysis into Foucault.Organization, London, v.9, n.4, p.112-147, 2002.
KNIGHTS, D.; WILLMOTT, H. Power and subjectivity at work:from degradation to subjugation in social relations. Sociology,v.23, n.4, p.156-188, 1989.
LEFLAIVE, X. Organizations as structures of domination.Organization Studies, London, v.17, n.1, p. 456- 491,1996.
MACHADO, R. Por uma arqueologia do poder. In:MACHADO, R. Microfsica do poder. Rio de Janeiro:Graal, 1979.
McKINLAY, A.; STARKEY, K. Foucault, management andorganization theory. London: Sage, 1998.
REFERNCIAS
BIBL
IOGRFICAS
-
5/18/2018 O Pensamento de Michel Foucault Na Teoria Das Organiza es
http:///reader/full/o-pensamento-de-michel-foucault-na-teoria-das-organizaco128 R.Adm., So Paulo, v.39, n.2, p.117-128, abr./maio/jun. 2004
Fernando C. Prestes Motta e Rafael Alcadipani
MUNRO, I. Non-disciplinary power and the network society.Organization, London, v.7, n.4, p.315-357, 2000.
ORTEGA, F. Amizade e esttica da existncia em Foucault.Rio de Janeiro: Graal, 1999.
PARKER, M. Critique in the name of what? Postmodernism and
critical approaches to organization. Organization Studies,London, v.16, n.4, p.412-460, 1992.
__________. Capitalism, subjectivity and ethics: debatinglabour process analysis. Organization Studies, London,v.20, n.1, p.219-241, 1999.
PORTOCARRERO, V.; BRANCO, C. Retratos de Foucault.Rio de Janeiro: Nau Editora, 2000.
RABINOW, P. Antropologia da razo. Rio de Janeiro: RelumeDumar, 1999.
RABINOW, P.; DREYFUS, H. Michel Foucault: uma trajetriafilosfica para alm do estruturalismo e a hermenutica. Rio deJaneiro: Forense Universitria, 1995.
RAMOS, G. A reduo sociolgica. Rio de Janeiro: Editora daUFRJ, 1996.
SEWELL, G. The discipline of teams: the control of team-basedindustrial work through eletronic and peer surveillance.
Administrative Science Quarterly, Cornell, v.43, n.2, p.416-455, 1998.
SILVERMAN, D. The theory of organization.London:Heinemann Educational Books, 1971.
SOKAL, A.; BRICMOT, J. Fashionable nonsense:
postmodern intellectuals abuse of science.New York:Picador, 1999.
THEMED section on Foucault, management and history.Organization, London, v.9, n.4, p.316-345, 2002.
SDIKEN, B.; PASADEOS, Y. Organizational analysisin North America and Europe: a comparation ofco-citation networks. Organization, London, v.16, n.3,p.411-467, 1995.
WEICK, K. The social psycology of organizing reading.Cambridge: Addison-Weslay, 1969.
WILLMOTT, H. Strengh is ignorance, slavery is freedom:managing culture in modern organizations. Journal ofManagement Studies, Leeds, v.30, n.4, p.412-461, 1993.
WRAY-BLISS, E. Abstract ethics, embodied ethics:the strange marriage of Foucault and positivism in labourprocess theory. Organization, London, v.9, n.1,p.289-314, 2002.
Michel Foucault, power and organizational theory
Michel Foucaults works has been used widespread in different areas of social studies. The same is true to Organizational
Theory (OT), specially to analyze power related issues. Despite his ideas has been used by many authors in OT, few
critical analysis has been carried out about its usage. The aim of this paper is to analyze critically the uses of Foucaults
ideas in OT. To do so, we present the main aspects of that usage and analyze taking into account Michel Foucaults
own work.
Uniterms:Michel Foucault, power, organizational analysis.
Michel Foucault, poder y la teora de las organizaciones
Se han utilizado los trabajos de Michel Foucault en diferentes reas de las ciencias humanas. Lo mismo est ocurriendo
en el campo de la teora de las organizaciones, en especial, para analizar relaciones de poder en contexto organizacional.
Y, a pesar de la influencia significativa en el rea, no hay discusiones sobre cmo se estn utilizando las obras del autor
El objetivo de este artculo es el de sistematizar los estudios el los que se han utilizado las ideas del pensador en teora
de las organizaciones, y el de indicar algunos caminos para ese tipo de anlisis.
Palabras clave:Michel Foucault, poder, teora de las organizaciones.
RESUMEN
ABSTRACT
REFERNCIAS
BIBL
IOGRFICAS