GABRIELA FURLAN CARCAIOLI
O PRONERA E A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS(EJA) NO ACAMPAMENTO ELIZABETH TEIXEIRA: AS
VOZES QUE ECOAM DA SALA DE AULA
CAMPINAS2015
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
Curso de especialização latu sensu: Educação doCampo e Agroecologia na Agricultura Familiar eCamponesa – Residência Agrária.
GABRIELA FURLAN CARCAIOLI
“O PRONERA E A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA) NOACAMPAMENTO ELIZABETH TEIXEIRA: AS VOZES QUE
ECOAM DA SALA DE AULA”
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado àFaculdade de Engenharia Agrícola da UniversidadeEstadual de Campinas como parte dos requisitosexigidos para obtenção do título de Especialista emEducação do Campo e Agroecologia na AgriculturaFamiliar e Camponesa
Orientadora: Dra. Marcia Regina de Oliveira Andrade ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE ÀVERSÃO FINAL DO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO DEFENDIDO PELA EDUCANDAGABRIELA FURLAN CARCAIOLI, ORIENTADO PELA Dra. MARCIA REGINA DE OLIVEIRA ANDRADE .
___
Assinatura da Orientadora
CAMPINAS2015
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GABRIELA FURLAN CARCAIOLI
“THE PRONERA AND YOUTH AND ADULT EDUCATION(EJA) IN THE CAMP ELIZABETH TEIXEIRA: THE
VOICES THAT ECHO THE CLASSROOM”
“O PRONERA E A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS(EJA) NO ACAMPAMENTO ELIZABETH TEIXEIRA: AS
VOZES QUE ECOAM DA SALA DE AULA”
CAMPINAS2015
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
Curso de especialização latu sensu: Educação do Campo e Agroecologia na Agricultura Familiar
e Camponesa – Residência Agrária.
GABRIELA FURLAN CARCAIOLI
“THE PRONERA AND YOUTH AND ADULT EDUCATION (EJA)IN THE CAMP ELIZABETH TEIXEIRA: THE VOICES THAT ECHO
THE CLASSROOM”
“O PRONERA E A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA) NOACAMPAMENTO ELIZABETH TEIXEIRA: AS VOZES QUE
ECOAM DA SALA DE AULA”
Final course assignment to the College of AgriculturalEngineering of the University of Campinas in partialfulfillment of the requirements for degree of Specialistin Rural Education and Agroecology in Family and Peasant Farming.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado àFaculdade de Engenharia Agrícola da UniversidadeEstadual de Campinas como parte dos requisitosexigidos para obtenção do título de Especialista emEducação do Campo e Agroecologia na AgriculturaFamiliar e Camponesa.
Adviser: Dra Marcia Regina de Oliveira Andrade THIS PRESS COPY CORRESPONDS TO THE FINALVERSION OF THE FINAL COURSE ASSIGNMENTDEFENDED BY THE STUDENT GABRIELA FURLAN CARCAIOLI,ADVISED BY DRA. MARCIA REGINA DE OLIVEIRA ANDRADE.
Assinatura da Orientadora
CAMPINAS2015
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RESUMO
O presente trabalho de conclusão de curso (TCC) para o curso Residência Agrária em
Educação do Campo e Agroecologia na Agricultura Familiar e Camponesa, vinculado ao Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA – tem como finalidade debater as políticas
públicas para a Educação de Jovens e Adultos – EJA – no campo brasileiro. De modo a construir
esse debate, apresentamos o contexto da EJA no acampamento Elizabeth Teixeira, organizado pelo
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. O acampamento, localizado no município
de Limeira, no interior do estado de São Paulo, conta com uma sala de EJA desde 2008, organizada
pela comunidade e apoiadores. Em 2014, o acampamento Elizabeth Teixeira foi contemplado com o
programa PRONERA, que levou inúmeros benefícios para a EJA e para a comunidade em geral.
Neste trabalho, procuraremos discutir e avaliar a partir das narrativas dos educandos, educandas e
educadoras da EJA, entendendo todos como sujeitos ativos desse processo, o reflexo de uma
política pública ou um programa, como o PRONERA, tanto para a EJA, ou seja, para o contexto da
educação, como para o cotidiano da comunidade.
Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos, Educação no Campo, políticas públicas.
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x
ABSTRACT
The final course assignment for the Agrarian Residency in Field Education and
Agroecology in Family and Peasant Agriculture linked to the National Education Program in
Agrarian Reform - PRONERA - aims to discuss public policies for Youth and Adults Education -
EJA - in the Brazilian countryside. In order to build this debate, we present the context of EJA in the
camp Elizabeth Teixeira, organized by the Rural Workers Landless Movement - MST. The camp,
located in the city of Limeira, in the São Paulo state, possess an EJA class since 2008, organized by
the community and its supporters. In 2014, the camp Elizabeth Teixeira was awarded with the
federal public program PRONERA, which brought numerous benefits to the EJA's group and to the
community in general. From the narratives of the EJA's students and educators, active subjects of
this process, we will try to discuss and evaluate PRONERA's results, both for EJA, i.e., the formal
education context, as for community everyday life.
Key Words: Youth and adult education, Field Education, public policies
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Sumário
Introdução....................................................................................................................1
Capítulo 1: O sentido da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil: a
Educação do Campo em foco.....................................................................................3
1.1.O que faz da EJA um direito constitucional?.......................................................3
1.2. O PRONERA e a mudança de cenário da EJA no campo brasileiro...................7
1.3.Educação Popular na Educação do Campo e EJA: potencialidades para o
trabalho coletivo.......................................................................................................12
1.4 A formação de educadores e educadoras para o campo.....................................15
Capítulo 2: A Pesquisa Participante como Metodologia de Trabalho..................21
2.1 Apresentando a Pesquisa Participante................................................................21
2.2 A pesquisa etnográfica.......................................................................................22
2.3 As narrativas.......................................................................................................25
2.4 Refletindo sobre “estar em campo”...................................................................29
2. 5 Um olhar sobre as entrevistas e a produção de narrativas................................30
2.6 Os sujeitos dessa história e seus nomes fictícios...............................................32
Capítulo 3: O acampamento Elizabeth Teixeira: o protagonismo da EJA nas
lutas cotidianas..........................................................................................................35
3.1 O sonho pela terra: um histórico de resistência.................................................35
3.2 Da lona à alvenaria: a EJA e a escola do acampamento....................................40
3.3. Os sujeitos da EJA e suas motivações...............................................................49
3.4 O ano de 2014: O PRONERA chegou!..............................................................51
3.5 A formação de educadores e educadoras............................................................58
3.6 Percepções sobre a sala multisseriada da EJA...................................................61
3.7 Currículo, livro didático e metodologias de aulas da EJA no acampamento....64
3.8 Percepções sobre educandos/educandas e educadoras da EJA..........................73
3.9 Contribuições coletivas para melhoria da EJA no acampamento Elizabeth
Teixeira.....................................................................................................................75
xiii
4. Considerações Finais.............................................................................................81
Referências Bibliográficas........................................................................................85
Anexos.........................................................................................................................91
xiv
Dedico este trabalho à comunidade do acampamento Elizabeth Teixeira.
xv
xvi
AGRADECIMENTOS
Agradeço ...
[…] a todas e todos que se dedicam a construir o Programa Nacional de Educação
na Reforma Agrária — PRONERA e fazem dele uma política ampla e democrática, dando-
nos a oportunidade de fazer parte dele.
[…] ao CNPQ, pela concessão da bolsa de estudos e pelo financiamento ao
programa.
[…] à FEAGRI/UNICAMP pela gestão e coordenação do curso de Residência
Agrária.
[…] às companheiras e companheiros do acampamento Elizabeth Teixeira e do
grupo da EJA pela disponibilidade em fazer parte desta pesquisa, pela amizade e pelos
aprendizados cotidianos.
[…] à Bruna e Melissa, pela amizade e confiança. Agradeço imensamente pela
dedicação e protagonismo na EJA. Sem o trabalho de vocês duas, a história que tentei
aqui contar, seria outra ou, provavelmente, nem existiria. Me orgulho demais do trabalho
de vocês e espero que possamos continuar construindo juntas esse espaço tão precioso
de aprendizado para todas e todos, que é a EJA. Seguimos juntas nessa luta!
[…] aos movimentos sociais, simplesmente por existirem! Agradeço pela força e
perseverança para unir o povo, lutar e construir, coletivamente, poder popular!
[…] a todas e todos que se dedicam a construir um mundo baseado nos direitos
humanos e na justiça social.
[…] à Marcia, pela orientação deste TCC. Agradeço imensamente pela leitura
atenta, pelas bibliografias sugeridas, pelo comprometimento com este trabalho e mais que
isso, pelo comprometimento com as lutas do campo. Obrigada pela orientação e pela
amizade.
[…] à Profa. Dra. Maria Clara Di Pierro, Profa. Dra. Carolina Catini e Dr. Wilon
Mazalla pelo aceite em fazer parte da banca deste TCC, à leitura atenta, às contribuições
a este trabalho e à minha formação.
[…] à toda equipe do Residência Agrária que se dedicou para que este curso
acontecesse.
[…] às amizades construídas durante esse curso. Agradeço por cada educanda e
educando que mesmo perdendo horas de sono, diversão, refeição e descanso se
dedicaram para debater e construir esse curso. Cada momento juntas e juntos foram
xvii
significativos para minha vida. Agradeço demais a todos vocês por isso que posso chamar
de companheirismo.
[…] à Lívia e Maíra pela amizade e acolhimento, tornando meus tempos-escola
muito mais divertidos.
[…] à equipe de funcionárias e funcionários do Hotel Santa Tereza em Valinhos
pela paciência e dedicação com todos nós em todos os tempos-escola.
[…] à Tessy pela amizade, pelas leituras dos meus textos, pelos materiais de apoio
fornecidos, por ter me apresentado ao Coletivo Universidade Popular e à EJA. Agrdeço
demais pela dedicação constante às lutas sociais e em especial, à luta pela EJA.
[…] às companheiras e companheiros do Coletivo Universidade Popular por tudo
que construímos juntas e juntos e por seguirmos caminhando até aqui.
[…] à minha família, ao Inácio, às amigas e aos amigos de todos os dias, de todas
as horas e com as e os quais sei que posso sempre contar. Sem todos e todas vocês não
sei se daria conta de continuar.
Obrigada!
xviii
Soy... soy lo que dejaronSoy toda la sobra de lo que se robaron
Un pueblo escondido en la cimaMi piel es de cuero, por eso aguanta cualquier clima
Soy una fábrica de humoMano de obra campesina para tu consumo
frente de frío en el medio del veranoEl amor en los tiempos del cólera, mi hermano!
Soy el sol que nace y el día que muereCon los mejores atardeceres
Soy el desarrollo en carne vivaUn discurso político sin saliva
Las caras más bonitas que he conocidoSoy la fotografía de un desaparecido
La sangre dentro de tus venasSoy un pedazo de tierra que vale la pena
Una canasta con frijoles, soy Maradona contra InglaterraAnotándote dos goles
Soy lo que sostiene mi banderaLa espina dorsal del planeta, es mi cordillera
Soy lo que me enseñó mi padreEl que no quiere a su patría, no quiere a su madre
Soy América Latina, un pueblo sin piernas, pero que camina.(Latinoamérica, Calle 13)
xix
xx
Lista de Imagens
Imagem 1: Imagem aérea do acampamento Elizabeth Teixeira em 2008 .............34
Imagem 2: O despejo do acampamento Elizabeth Teixeira, abril 2007..................35
Imagem 3: “Poço caipira” no lote de uma família e caminhão pipa entrando no
acampamento .........................................................................................................38
Imagem 4: Aulas da EJA no acampamento Elizabeth Teixeira, (2008) e
almoxarifado cedido para a escola (2009) ..............................................................40
Imagem 5: A escola e as aulas da EJA acontecendo na casa de uma das
educandas (2012)....................................................................................................41
Imagem 6: Cadernos de aulas dos educandos e educandas da EJA do
acampamento Elizabeth Teixeira.............................................................................42
Imagem 7: Páginas do Calendário 2012 do acampamento Elizabeth
Teixeira.....................................................................................................................43
Imagem 8: mistura de terra, água e cimento para confecção dos tijolos (2012) ...44
Imagem 9: mistura sendo colocada na prensa (2012) ...........................................44
Imagem 10: Tijolos prontos saindo da prensa, à esquerda e tijolos passando pelo
processo de cura à direita (2012) ...........................................................................44
Imagem 11: pilha de tijolos prontos (2012) ............................................................45
Imagem 12: Mutirão para construção da escola. Primeiras etapas da construção
(2012) ......................................................................................................................45
Imagem 13: Mutirão para a carpintaria da escola. (2013). Últimas etapas de
construção...............................................................................................................45
Imagem 14: Mutirão para construção da fossa de Evapotranspiração da
“Escolinha” (2014) .................................................................................................. 45
Imagem 15: A escola pronta, 2013 à esquerda e 2015 à direita.............................45
Imagem 16: O livro didático da EJA........................................................................65
Imagem 17: A capa do livro didático da EJA. .........................................................66
Imagem 18: A turma da EJA em viagem ao SESC Itaquera para visita à exposição
“Amazônia Mundi” – Projeto Educação em Ciências – 2014 .................................74
Imagem 19: A turma da EJA no teatro Municipal de Limeira, 2014....................... 74
Imagem 20: Educadoras da EJA relatando suas experiências em evento na
xxi
Unicamp – 2014 ......................................................................................................75
Imagem 21: A turma da EJA em visita pedagógica ao Museu Catavento em São
Paulo – Projeto Educação em Ciências, 2014 .......................................................75
Imagem 22: A EJA do acampamento Elizabeth Teixeira representada no Seminário de
Educação do Campo da Paraíba, 2013 .............................................................................75
Imagem 23: Visita à Elizabeth Teixeira em João Pessoa, Paraíba – 2013 .......................75
Imagem 24: Atividades pedagógicas da EJA, 2014................................................76
Imagem 25: O Círculo de Cultura da EJA. Educandos alfabetizados contribuindo
com os alfabetizandos, 2014 ..................................................................................76
Imagem 26: O Círculo de Cultura da EJA, 2015.....................................................76
Imagem 27: Educandas, educandos e educadoras da EJA, 2015.........................77
xxii
LISTA DE SIGLASAlfasol: Alfabetização Solidária
ANFOPE: Associação Nacional pela Formação de Profissionais da Educação
ANPED: Associação Nacional de Pós - Graduação e Pesquisa em Educação
BA: Brasil Alfabetizado
CNA: Confederação Nacional da Agricultura
CONAE: Conferência Nacional de Educação
CPN: Comissão Pedagógica Nacional
CRUB: Conselho dos Reitores das Universidades Brasileiras
DDE: Coordenação Geral de Educação do Campo e Cidadania
DDE-1: Divisão de Educação do Campo
EJA: Educação de Jovens e Adultos
FHC: Fernando Henrique Cardoso
MEB: Movimento de Educação de Base
MST: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
FONEC: Forum Nacional de Educação do Camponesa
Fundef: O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do
Magistério
INCRA: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INEP: Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
LDB: Lei de Diretrizes e Bases
LedoC: Licenciatura em Educação do Campo
MDA: Ministério do Desenvolvimento Agrário
MEC: Ministério da Educação
MEPF : Ministério Extraordinário da Política Fundiária
MOBRAL: Movimento Brasileiro de Alfabetização
ONGs: Organizações não governamentais
PNE: Plano Nacional de Educação
Pronacampo: Programa Nacional de Educação do Campo
Pronatec: Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e ao Emprego)
PRONERA: Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
UNESCO: Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura
UAB: Universidade Aberta do Brasil
TCC:Trabalho de Conclusão de Curso
xxiii
xxiv
Introdução
Meus maiores sonhos? Bom, eu tenho um sonho, que acho que é comum para todo
mundo aqui da comunidade, que é conseguir a terra e formalizar este lugar aqui como
um assentamento. Aí assim, sendo um assentamento, tendo uma estrutura melhor,
podemos ter uma escola do campo tanto para os adultos quanto para as crianças.
Então, acho que a educação é um sonho, uma boa educação no caso. (Educadora da
EJA do acampamento Elizabeth Teixeira)
Procurando contribuir com a Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil, em especial
com a EJA na Educação do Campo, propomos neste trabalho reflexões a partir de narrativas
produzidas pelos sujeitos que “praticam o cotidiano1” (CERTEAU, 2012) da sala de aula da EJA no
acampamento Elizabeth Teixeira, localizado no município de Limeira – SP, para que a partir dessa
reflexão local, possamos construir uma narrativa coletiva, que contribuirá para o entendimento e
para a luta da EJA no país.
O acampamento Elizabeth Teixeira, organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra, está localizado em um limite rural-urbano no município de Limeira e sua comunidade,
de cerca de 104 famílias acampadas aguardam há oito anos que o local se torne um assentamento.
Infelizmente, na comunidade não há uma escola do campo, a promessa por uma escola itinerante
também nunca foi cumprida e assim, cotidianamente, a comunidade sofre com a estigmatização
histórica e social de ser Sem Terra2, o que reflete em grande parte deles, mas de forma mais pontual
nas crianças e jovens da comunidade, que estudam em escolas urbanas. No acampamento há muitas
mulheres e homens não alfabetizados e muitos jovens que, regularmente, abandonam a escola
regular antes mesmo de finalizarem o Ensino Fundamental II.
Desde 2008, devido às demandas internas do acampamento, uma sala de EJA começou a
funcionar de maneira informal, organizada conjuntamente, entre os membros da comunidade e
apoiadores do Coletivo Universidade Popular3. Desde então, a sala de EJA passou a ter um grande
reconhecimento por toda a comunidade, sendo até hoje, um símbolo de resistência, luta e conquista
1 Utilizamos aqui a expressão “praticar o cotidiano”, que advém dos estudos de Michel de Certeau. Para Certeau, ocotidiano é praticado,ou seja, executado a partir das invenções dos sujeitos, que fazem parte dele. Para Certeau, ocotidiano é o local da invenção e essas invenções são executadas a partir das “artes de fazer”, ou seja, das maneiras defazer, de ser e estar no mundo, ou seja, no cotidiano. 2Em minha dissertação de mestrado, trabalhando a partir das narrativas da comunidade do acampamento, pude fazeruma discussão acerca dos processos históricos de estigmatização que sofreram e ainda sofrem na cidade de Limeira.(CARCAIOLI, 2014). 3O Coletivo Universidade Popular, surgiu em 2008, em meio a uma grande greve que ocorria na Universidade Estadualde Campinas. Diversas pessoas, que questionavam o modelo da universidade, se reuniram e decidiram formar o grupo,que passou a funcionar a partir da autogestão e suas atividades se guiaram pelos princípios de uma educação que elesbuscavam, a Educação Popular.
xxv
dentro do acampamento.
Há cerca de 9 meses, a EJA do acampamento foi contemplada com o Programa Nacional de
Educação na Reforma Agrária – PRONERA – trazendo inúmeros benefícios para a comunidade,
dentre eles, a certificação de educandos e educandas pelo tempo de estudo, a garantia de uma
educadora de dentro da comunidade para a sala, entre outros. Mesmo sendo o PRONERA uma
política pública voltada para os beneficiários e beneficiárias da reforma agrária, algumas questões
relativas à essa identidade estão sendo questionadas pelos sujeitos praticantes desse cotidiano
(CERTEAU, 2012) peculiar.
De forma a organizar este trabalho, o texto foi dividido em três capítulos, que dialogam
entre si, mas que debatem os assuntos que queremos destacar em cada momento. Nosso primeiro
capítulo traz uma revisão bibliográfica sobre a EJA de forma geral, seu lugar nas agendas políticas,
e os avanços conquistados na modalidade. No mesmo capítulo procuramos debater a Educação do
Campo e a EJA nesse contexto, assim como nosso entendimento sobre a EJA e a Educação Popular.
No segundo capítulo, apresentamos nossas escolhas metodológicas pela pesquisa
participante e a bricolagem que realizamos entre a pesquisa etnográfica e as narrativas, trabalhadas
a partir de uma perspectiva benjaminiana, produzidas a partir das entrevistas com os sujeitos que
constroem a EJA no acampamento Elizabeth Teixeira.
Para apresentar a pesquisa de campo, construímos o capítulo três, realizando as tessituras
possíveis entre os dois capítulos anteriores e principalmente, trazendo as vozes dos sujeitos da EJA
para compor a discussão de um contexto real e peculiar da EJA do campo.
Finalizando o texto, mas nunca a discussão geral, tecemos algumas considerações finais
sobre as questões colocadas em debate.
Para tanto, esperamos que este trabalho possa contribuir com o debate sobre a problemática
da EJA no campo tanto no âmbito do curso de Residência Agrária, quanto no contexto geral da
Educação do Campo e das políticas públicas para a Educação de Jovens e Adultos do campo. Para
isso, apresentamos o contexto da EJA no acampamento Elizabeth Teixeira e procuramos, a partir
das vozes dos sujeitos que a constroem cotidianamente, realizar uma avaliação qualitativa sobre
esses nove meses de PRONERA , tendo como maior objetivo, procurar contribuir para que se
coloque “a EJA em xeque” (HADDAD et alli, 2014) e possamos juntos continuar construindo e
lutando por essa modalidade de ensino. Desta forma, o principal objetivo deste trabalho consiste em analisar a EJA a partir dos
sujeitos que a constroem dentro do acampamento e de suas vinculações, que os levam a questionar
seus direitos e políticas públicas que os cercam.
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Capítulo 1: O sentido da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil: aEducação do Campo em foco
Foi por amar a nossa pátria brasileira
Por uma bandeira foi que a gente se dispôs
A educar no campo da reforma agrária
Formar sujeitos pra amanhã que vem depois.
Pelos caminhos da nova sociedade
A educação tem um papel fundamental
Por isso vamos aprendendo e ensinando
Plantar um sonho de justiça social.
Se achas que é besteira, só pensa asneiras,
não sabe amar,
Pois nossa proposta e no aprende socializar
Se achas que é perdido e não tem sentido
esse seu pensar,
Pois o grande sonho é todo país alfabetizar.
As educadoras, educadores o compromisso
Do sacrifício assumindo sempre sem vacilar
A realidade na produção do conhecimento
E o latifúndio da educação vamos ocupar.
Segue os movimentos que a escola tem em
dignidade
Novas dimensões da pessoa humana pra
conquistar
Quem não ama a vida pode nunca ensinar a
viver
E na educação quem não ama nunca pode
educar
Se achas que é besteira, só pensa asneiras,
não sabe amar,
Pois nossa proposta e no aprende socializar
Se achas que é perdido e não tem sentido
esse seu pensar,
Pois o grande sonho é todo país alfabetizar.
(Sonho e Compromisso, Cantares da
Educação do Campo, Zé Pinto)
1. 1. O que faz da EJA um direito constitucional?
A pergunta acima é o ponto inicial para as discussões que buscamos trazer neste trabalho,
pois ela nos leva a pensar sobre o tempo e o espaço da EJA dentro da colcha de retalhos que se faz
a Educação no Brasil.
Até a década de 1920, cerca de 60% da população brasileira era analfabeta – a grande parte
desse número eram trabalhadores do campo e da cidade e mulheres, em número bastante
significativo (ARAÚJO, 2012) – agravando-se essa condição com a política da época dominada
por uma elite que pouco se importava com a educação da classe trabalhadora.
Entre 1920 e 1930, Anísio Teixeira trazia ao Brasil um modelo Europeu de educação,
conhecido como Escola Nova e que respondia a uma urgente demanda por alternativas na
educação, uma vez que o mundo passava por diversas transformações urbano-industriaisxxvii
(RIBEIRO, 2013). A Escola Nova só ganhou força no Brasil a partir de 1932 com a elaboração do
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, que propunha uma educação adequada a esse novo
momento que o mundo passava, ele não se opunha e nem mesmo trazia críticas ao capitalismo
industrial e nas mudanças que esse capitalismo trazia para a sociedade e para a educação no país
(RIBEIRO, 2012).
A população do meio rural brasileiro continuava esquecida, pois em um momento de
industrialização, aqueles que viviam no campo continuavam sendo vistos como atrasados,
conservadores, alienados, ou seja, aqueles que deveriam se abrir ao progresso e aos movimentos
civilizatórios; infelizmente essas ideias continuam ainda vivas na memória coletiva da sociedade
contemporânea (CARCAIOLI, 2014).
Ainda em 1932, surge o movimento chamado “ruralismo pedagógico4”, que propunha-se
como contestador das novas políticas de educação para o meio rural, preocupando-se com uma
educação diferenciada para os filhos dos agricultores, de modo a mantê-los na terra e trabalhando
de acordo com as demandas do campo. (RIBEIRO, 2012). Porém, é importante destacarmos, a
partir de uma visão crítica, que esse ruralismo pedagógico para os camponeses e camponesas nada
mais era que uma ideologia do que um projeto pedagógico que visasse a partir de resultados
práticos, a superação de estruturas sociais da época (CARCAIOLI, 2014).
A partir da Constituição de 1934, começa a aparecer uma preocupação com o ensino de
adultos, concretizando-se com o Plano Nacional de Educação (PNE). Porém, é apenas a partir de
1947 que inicia-se a primeira Campanha Nacional de Alfabetização de Jovens e Adultos, por
iniciativa do Ministério da Educação e Saúde. Essa campanha se deu pela pressão por parte da
Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), após o fim da
Segunda Guerra Mundial em 1945, que recomendou aos países com alta taxa de analfabetismo que
mudassem rapidamente esse quadro.
No campo, o modelo de educação promovido pela Escola Nova ficou conhecido como
Educação Rural, com a proposta de retirar o “atraso” histórico no campo brasileiro. Mas é
importante destacar a preocupação do governo em erradicar o analfabetismo, preparando os
homens incultos para se tornarem “povos dirigidos” (RIBEIRO, 2013), porém com o devido
cuidado de não empoderá-los a ponto de emancipá-los, “tornando-se uma ameaça a seus
opressores” (CARCAIOLI, 2014, p.20).
Nesse período de alfabetização em massa, emerge a Educação Popular vinculada às ideias4 Em 1937, procurando manter o Homem no campo, cria-se o Ruralismo Pedagógico - “Instruir para poder sanear”.Aparecem as escolas rurais, os congressos nacionais de Educação Regional, planos de educação rural, missões decaráter assistencialista, mas sem profundidade na ação.Funda-se a Associação Brasileira de Educação Rural, é ademocratização do ensino no estado novo, é a educação popular como educação comunitária e é o envolvimento napolítica liberal. (ARAUJO, 2005)
xxviii
de Paulo Freire, que levava não só alfabetização às salas de aula, mas educação como um todo, de
forma crítica, tendo como objetivo transformar a realidade dos trabalhadores, e dar a eles o papel
de sujeitos de sua própria alfabetização. Dentro dessas propostas, surgiram fortes projetos, em
grande parte ligados à Igreja Católica e grupos organizados, como por exemplo: Movimento de
Cultura Popular (MCP), o Movimento de Educação de Base (MEB), o Centro Popular de Cultura
(CPC) e a Cruzada ABC.
Porém, tanto Paulo Freire quanto a Educação Popular e esses tantos projetos foram
“expurgados dos programas governamentais durante o regime militar” (DI PIERRO, 2014, p. 39) –
que foi de 1964 a 1985. Paulo Freire foi cassado e exilado e os grupos que insistiram em continuar
com sua pedagogia emancipadora passaram a sofrer drasticamente com a repressão. De todos os
projetos listados anteriormente, apenas o MEB sobreviveu ao Golpe Militar, em 1964, sendo
protegido pela Igreja Católica. Porém, para sobreviver em meio a um país com tanta força
repressiva, o MEB precisou alterar sua orientação teórico-metodológica (PAIVA, 2003). A
alfabetização de jovens e adultos passou a ser permitida apenas com caráter assistencialista e
conservador (ARAÚJO, 2012).
Em 1967, surge o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), de caráter cívico,
em um Seminário sobre Educação e Desenvolvimento (SUDENE). Aliando-se MOBRAL e MEB,
com financiamento empresarial e tendo como perspectiva uma educação voltada ao capital, esses
movimentos alinham-se às bases do regime da época, como nos apresenta Paiva (2003),
Em 1970 renova-se o MEB junto ao MOBRAL com apoio do MEC – IBGE-
UNESCO e Vale do Rio Doce, restringe o método Paulo Freire e distribuem um
material uniforme sem respeitar a diversidade do país. É feito um fortalecimento
subliminar do industrial – urbano incentivando a migração rural para a urbana no
apoio ao capitalismo e consumo. A mudança de abordagem é voltada para a
adequação da mão de obra educada para o mercado de trabalho industrial e
comercial. (ARAUJO, 2005, p. 177)
Entre o final da década de 1970 e início da década de1980, movimentos sociais e populares
emergem tanto na cidade quanto no campo em luta contra a ditadura. No campo, o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) surge com força em doze estados brasileiros, oficializando-
se em 1984 em Cascavel – PR, a partir do Primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores Sem
Terra. Nesse momento, os movimentos sociais do campo, com destaque ao MST,
xxix
[...] passam a contestar as políticas agrárias na luta contra os grandes latifúndios,
contra as políticas que beneficiavam o agronegócio, visando ocupar os espaços
públicos, exigir a reforma agrária e levá-la às pautas das agendas políticas, incluindo
aí também uma educação que dialogasse com as demandas sociais do campo.
(CARCAIOLI, 2014, p. 22).
Com mudanças drásticas no cenário das lutas no campo, não havia mais espaço para tentar
dialogar com uma Educação Rural “engendrada em uma política pública de marginalização e
descaso com as identidades culturais do campo, e imbricada em um interesse aquém de uma
educação de qualidade — um interesse latifundista e de expansão do agronegócio” (CARCAIOLI,
2014, p.20). Era preciso combater esse modelo, o momento pedia uma nova proposta, abarcada
dentro das pautas desses movimentos. É nesse contexto que emerge um movimento pela Educação
do Campo, que se fortalece junto às lutas de diversos outros movimentos, passando a questionar e
exigir uma educação digna e específica para seus povos.
A partir das pressões desses movimentos, o direito à educação escolar em qualquer idade
passa ser garantida pela Constituição de 1988, e a EJA passa a ser uma modalidade da educação
básica a partir da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) em 1996, como parte da justiça social a quem o
direito à permanência na educação escolar, seja ela na infância ou na juventude, foi negado ao
longo de suas vidas.
Porém, é importante darmos uma atenção especial à questão do financiamento destinado à
EJA quando ela passa a ser inclusa como modalidade de ensino. O Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) deixa de fora a
EJA, focando os investimentos públicos apenas na educação de crianças e adolescentes. O governo
federal, sob a liderança de Fernando Henrique Cardoso (FHC), nesse momento se abstém da
responsabilidade relativa à EJA e lança, em 1995, o programa Comunidade Solidária, que entre as
pautas traz a questão do combate ao analfabetismo de jovens e adultos, com o programa
Alfabetização Solidária (Alfasol). Caracterizado pelo assistencialismo e ineficiência devido à falta
de recursos para execução da modalidade, como na formação de profissionais para atuarem na
EJA, houve a transferência de responsabilidade para as organizações da sociedade civil como
universidades, empresas e organizações não governamentais (ONGs) (ARAÚJO, 2012).
Mas em 1998, após muita pressão dos movimentos sociais do campo, o governo FHC criou
o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) que trazia como um de seus
objetivos a educação de jovens e adultos em áreas de reforma agrária, a alfabetização de todos e o
direito de continuarem seus estudos em todos os níveis de ensino. Dessa forma, a EJA passa a ter
uma nova gestão e outra forma de fazer educação junto aos sujeitos do campo. xxx
A partir dos anos 2000, já com o governo Lula, o programa Alfasol criado no governo FHC
foi substituído pelo programa Brasil Alfabetizado (BA), que continuava sofrendo com a restrição de
recursos hábeis para execução da modalidade EJA tanto no campo quanto na cidade. Porém, a EJA
começa a ganhar lugar nas agendas da administração federal, mas ainda hoje, sofre com a falta de
políticas públicas efetivas. No campo, muitos relatos de experiência dos movimentos sociais
demonstram que a EJA é uma demanda concreta ocorrendo de forma efetiva, a partir da organização
de luta dentro da comunidade.
Mesmo com experiências inspiradoras, com a entrada da EJA nas pautas de discussão das
agendas públicas assim como os demais ganhos da modalidade, estudos recentes de Di Pierro
(2014) sobre o financiamento da EJA em cidades do estado de São Paulo – que caracteriza-se por
ser o estado mais populoso, melhor desenvolvido economicamente e que reúne o segundo maior
contingente de analfabetos do Brasil - demonstram que a situação ainda se configura como “[...]
uma violação aos direitos educativos construídos socialmente e consagrados na legislação, e um
desafio às políticas educacionais [...]” (DI PIERRO, 2014, p. 41). A autora demonstra em suas
recentes pesquisas que, mesmo em um novo contexto para a EJA, iniciado em 2006 com a entrada
de recursos do Fundo de Desenvolvimento e Manutenção da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação (Fundeb), ampliou os investimentos na modalidade, porém,
Embora a análise de realidade seja limitada pela escassez de informações
fidedignas sobre os custos e o gasto público com a alfabetização e o ensino
de jovens e adultos, os dados disponíveis nos levam a concluir que o padrão
de gasto atual é insuficiente para uma provisão de qualidade e que, nos
moldes vigentes, a política de fundos que rege a colaboração
intergovernamental é ineficiente para induzir os governos subnacionais a
ampliar e qualificar o atendimento, que minguou ao longo do quinquênio
analisado (DI PIERRO, 2014, p. 70).
1.2. O PRONERA e a mudança de cenário da EJA no campo brasileiro
Criado em 16 de abril de 1998, pela portaria do então Ministério Extraordinário da Política
Fundiária (MEPF), o PRONERA surgiu da necessidade de um programa de educação específico
para a população da Reforma Agrária, uma vez que em 1997, um estudo denominado Censo da
Reforma Agrária, encomendado pelo Ministério Extraordinário da Política da Política Fundiária ao
Conselho dos Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB), constatou que havia um índice de
xxxi
analfabetismo nas áreas de assentamentos do campo acima da média brasileira e um índice de
escolaridade extremamente baixo (SANTOS, 2012). A partir desse estudo, foi constatado que esses
índices eram decorrentes da “ausência do poder público estadual ou municipal na organização das
condições que assegurassem educação para esta parcela da população, que foi se estabelecendo
nesses novos territórios” (SANTOS, 2012, p. 630).
A partir desse contexto, surge o PRONERA, como uma política pública do governo
federal, inicialmente, sendo específica para a educação formal de jovens e adultos assentados da
Reforma Agrária e do crédito fundiário e também, para a formação de educadoras e educadores que
atendam essas populações. Os projetos do PRONERA foram se ampliando e hoje visam atender a
alfabetização de jovens e adultos nos anos iniciais e finais do ensino fundamental e médio na
modalidade EJA, ensino médio profissional, ensino superior e pós-graduação, neste último caso,
essa pós graduação é denominada Residência Agrária (SANTOS, 2012).
Em 2001, o PRONERA foi incorporado ao INCRA, onde está alocado, passando a ser
executado pelo MDA/INCRA. A gestão nacional é exercida pela Coordenação Geral de Educação
do Campo e Cidadania (DDE) e Divisão de Educação do Campo (DDE-1), com assessoria e
consultoria da Comissão Pedagógica Nacional (CPN) do PRONERA (Manual de Operações do
PRONERA, 2011). Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)
em 2004 havia 28,7% de analfabetos no campo brasileiro, segundo Santos (2012), centenas de
projetos foram desenvolvidos em parceria com instituições de ensino, alfabetizando, escolarizando
e capacitando cerca de 400 mil trabalhadores rurais assentados. Em 2010, a partir da Pesquisa de
Qualidade na Reforma Agrária (PQRA), realizada pelo INCRA, a taxa de analfabetismo nas áreas
de reforma agrária era de 15,8% e os índices de escolaridade continuavam ainda muito baixos, em
torno de 27% da população tinha concluído o ensino fundamental. Essa é uma grande demanda e
um desafio ao programa.
Porém, é importante ressaltar, que mesmo tendo muitos desafios a cumprir, o PRONERA
foi responsável por produzir um amplo debate acadêmico, fazendo com que as universidades
passassem a reconhecer que há uma nova perspectiva para a produção de conhecimento e de
pesquisa e ainda, ampliou o debate nas universidades, fazendo-as tentar reconhecer e legitimar os
camponeses como sujeitos coletivos de direitos, portadores de conhecimento e não apenas sujeitos
de pesquisa (SANTOS, 2012). É importante também destacar que o PRONERA foi responsável por
inserir os camponeses, não apenas nos debates políticos, mas também dentro das universidades,
levar uma educação de qualidade e nos moldes que esses sujeitos escolheram às áreas de reforma
agrária. Os movimentos sociais, além de protagonizarem o esforço pela criação do PRONERA
também ganharam força política e espaço para discutir políticas públicas específicas para a
xxxii
educação dos povos do campo.
Neste trabalho, procuraremos apresentar a experiência do acampamento Elizabeth Teixeira
na cidade de Limeira, SP, demonstrando e discutindo um cenário comum da EJA no Brasil,
principalmente no meio rural. O improviso, a criatividade e a vontade de estudar modificam o
cotidiano de uma comunidade, como veremos mais adiante.
Felizmente, com o PRONERA, a situação no campo brasileiro apresenta resultados
positivos, ainda que esbarre também nas questões pontuais que emperram a EJA no país. Os
números mostram, que ainda altos, os índices de analfabetismo no campo estão tendendo a
diminuir5, demonstrando que os esforços e persistência dos movimentos sociais em manterem as
salas de aulas abertas nos assentamentos e acampamentos estão surtindo resultados satisfatórios e
animadores para todos que fazem parte dessa luta cotidiana.
Mesmo com poucos recursos e lentidão dos órgãos governamentais, o PRONERA abriu
portas para a Educação do Campo e ajudou a consolidar as primeiras iniciativas de uma Educação
voltada para essa realidade, formando educadores e educadoras que compreendem as relações locais
por fazerem parte delas.
Assim, a Educação do Campo parece apresentar como proposta pedagógica a
diversidade do campo em todos os seus aspectos: sociais, culturais, políticos,
econômicos, de gênero, geração e etnia. Daí a importância de se ter professores que
conheçam a história da comunidade e vivenciem os valores culturais do
campesinato. (PEREIRA, 2011, p. 348)
Gostaríamos de destacar aqui o Programa Nacional de Educação do Campo
(Pronacampo6), lançado em março de 2012 pelo governo federal, nos termos do Decreto
presidencial n.7352, o mesmo da criação do PRONERA, e regulamentado pela Portaria n°. 86, de 1º
de fevereiro de 2013.
Em agosto de 2012, ocorreu o Fórum Nacional de Educação do Campo – FONEC, que
teve como foco principal de análise as políticas públicas da Educação do Campo na atualidade.
Nesse fórum, foi gerado um documento denominado pelos membros7 de Notas para análise do
momento atual da Educação do Campo8, com o objetivo principal de socializar as discussões ali
5 Segundo dados do IBGE, o número de analfabetos no campo ainda chega a 21%. Fonte: <http://www.ibge.gov.br/home/ > (último acesso em 21/06/2015).6 Para conhecer mais sobre o Pronacampo: <http://portal.mec.gov.br/index.php?
option=com_content&view=article&id=18720:pronacampo&catid=194:secad-educacao-continuada> (último acesso em 15/01/2015).
7A sistematização desse documento foi elaborada pelos membros do FONEC: Antonio Munarim, Eliene Novaes Rocha,Mônica Castagna Molina e Roseli Salete Caldart. 8O Fórum Nacional de Educação do Campo – FONEC, ocorrido em agosto de 2012, teve ao final do seu evento a
xxxiii
realizadas. A partir deste documento, os membros do FONEC deixam claramente explícito seu
desapontamento com o Pronacampo. Situam o programa como “muito mais próximo a uma política
de “educação rural” [...] do que das ações e dos sujeitos que historicamente constituíram a prática
social identificada como Educação do Campo” (p.1) e cobram também do Governo Federal, junto
aos seus órgãos responsáveis, uma discussão sobre as contradições presentes envolvendo a tríade
campo, educação e políticas públicas, no momento atual brasileiro, sobre o lugar que o agronegócio
ocupa hoje na economia brasileira e a situação de trabalho dele decorrente.
O documento também faz referência à ofensiva criação pela Confederação Nacional da
Agricultura9 (CNA) do Projeto Escola Viva que, segundo seus canais de comunicação, deve “criar
condições para que a família e a comunidade participem do dia a dia das unidades de ensino rurais.
A escola deverá ser o principal instrumento de desenvolvimento social e comunitário” (p.8). É desta
forma, que o agronegócio — a quem pertence a CNA — parece atuar, apropriando-se das
reivindicações das classes trabalhadoras do campo, esvaziando o debate social do modelo de
desenvolvimento do campo na atualidade brasileira, o que agrava as desigualdades sociais. Essas
investidas de órgãos como a CNA “afirmam que há um papel importante da educação para a
ampliação e manutenção do agronegócio” (p.8).
O documento aponta uma preocupação “no plano da política de educação para a população
do campo, enquanto ação do Estado e dos governos, depois de um curto período de avanços desde
os interesses sociais da classe trabalhadora do campo, a tendência atual é de retorno ao leito da
‘educação rural’ [...] e o avanço da ‘educação corporativa’.” (p.10).
Ainda, segundo o documento: “não é nosso objetivo analisar pormenorizadamente o
Programa Pronacampo, até mesmo pela insuficiência de informações divulgadas sobre ele, mas
entendemos que já é possível e necessário, refletir sobre algumas ações nele previstas, que podem
vir a ter impactos significativos nos rumos da Educação do Campo. Dentre elas destacamos a
Educação Profissional, a Formação de Educadores e a Construção de Escolas do Campo” (p. 17).
Sobre a Educação Profissional, o documento apresenta a ênfase que o Pronacampo dá ao
Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e ao Emprego) para o campo. Esse
programa procura inserir o trabalhador do campo no Ensino Técnico, possibilitando sua “inserção
publicação do documento Notas para análise do momento atual da Educação do Campo, importante para entender asituação atual da Educação do Campo. O documento está disponível em:<http://educampoparaense.org/site/media/Notas%20para%20an%C3%A1lise%20do%20momento%20atual%20da%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20do%20Campo.pdf> (último acesso em 22/04/2015). 9A CNA é uma entidade sindical patronal que representa cerca de dois milhões de produtores rurais comerciaisbrasileiros de pequeno, médio e grande portes e de variados ramos de atividade. Criada em 1951, a CNA consolidou-seao longo dos últimos anos como o principal fórum de discussões e decisões do agronegócio brasileiro. Para saber maissobre a CNA: <http://www.icna.org.br/> (último acesso em 16/01/2015).
xxxiv
produtiva” no mercado, preparando mão de obra para o trabalho desqualificado que o agronegócio
demanda, tendo a CNA atuando como protagonista dessa formação (p. 18-21).
Sobre a formação de educadores e educadoras, o Pronacampo estabelece como “meta de
formação de educadores do campo para os três primeiros anos de sua vigência: 45mil educadores,
sendo 15 em 2012, 15 mil em 2013 e 15 mil em 2014. Esse quantitativo foi distribuído entre três
categorias de formação de educadores do campo: a dos próprios cursos do Pronacampo, a dos
cursos desenvolvidos através da Plataforma Freire, e a terceira via — em nosso entendimento, a
mais problemática — pela Educação à Distância, via Universidade Aberta do Brasil – UAB” (p.21-
22). É importante destacar que o movimento da Educação do Campo, a ANFOPE (Associação
Nacional pela Formação de Profissionais da Educação), a ANPED (Associação Nacional de Pós -
Graduação e Pesquisa em Educação) e a CONAE (Conferência Nacional de Educação) apresentam–
se contrários e tecem duras críticas à formação inicial de educadores e educadoras à distância,
principalmente à dos cursos da Universidade Aberta do Brasil, que os ministra de forma massiva e
precarizada.
Sobre a “construção de escolas no campo”, é importante ressaltar que — de acordo com o
Censo Escolar do INEP —, em 2002, existiam 107.432 escolas em áreas rurais. Em 2011, esse
número caiu significativamente para 76.229 unidades; ou seja, houve o fechamento de 31.203
escolas em áreas rurais (VOMERO, 2014)10. A meta do Pronacampo é a construção de 3 mil
escolas, sendo disponibilizados às prefeituras projetos arquitetônicos. A meta de construção ainda é
modesta em relação ao número de escolas fechadas no meio rural, porém é importante ressaltar que
o Pronacampo conseguiu enviar à Câmara dos Deputados (PL 3534/2012) a inclusão de uma
alteração legal que dificulta o fechamento das escolas do campo. O projeto de alteração da Lei nº
9.394 de 20 de dezembro de 1996 foi aprovado em fevereiro de 2014 e está vigente no atual
momento. O projeto exige uma massiva atuação das organizações que atuam na Educação do
Campo.
Com base nesse documento elaborado pelos membros do FONEC e das demais discussões
acerca das demandas políticas da Educação do Campo, é importante refletir sobre o momento atual
que estamos vivendo e, dessa forma, termos unidade, firmeza e preparo para agir em favor de
justiça social e políticas públicas que atendam às necessidades reais dos trabalhadores e
trabalhadoras do campo.
A partir desses esforços coletivos, a meta continua sendo a alfabetização e escolarização
dos sujeitos do campo, porém tendo como horizonte aquilo que Paulo Freire já trazia com a
10VOMERO, Maria Fernanda. A voz do campo, Revista Educação, Edição 207, Julho 2014. Disponível em:<http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/207/a-voz-do-campo-318118-1.asp> (último acesso em 08/05/2015)
xxxv
Educação Popular há anos atrás: autonomia, emancipação, elevação cultural e qualificação de
consciência crítica para todos os homens e mulheres do campo.
1.3. Educação Popular na Educação do Campo e EJA: potencialidades para o trabalho
coletivo
Operando a partir da ótica das classes trabalhadoras e das exigências trazidas por suas
lutas, fazendo valer um conjunto de reivindicações por melhores condições de vida e de trabalho e,
ainda, de pressões para uma participação maior nas decisões políticas, a Educação Popular foi se
gestando entre os anos de 1960 a 1980. Tornando-se mundialmente conhecida, a educação popular
sempre teve como direcionamento central do processo educativo estar a serviço dos interesses e das
necessidades das classes populares, dos trabalhadores (BRANDÃO, 1984).
As raízes da Educação Popular são as experiências históricas de enfrentamento do capital
pelos trabalhadores na Europa, as experiências socialistas no Leste Europeu, o pensamento
pedagógico socialista, as lutas pela independência na América Latina, a teoria de Paulo
Freire, a teologia da libertação e as elaborações do novo sindicalismo e dos Centros de
Educação e Promoção Popular. (PALUDO, 2012, p.281)
No Brasil, anteriormente aos anos de 1990, é possível identificar três momentos da
constituição da Educação Popular. O primeiro iniciou-se em 1889, à época da Proclamação da
República, e estendeu-se até 1930. Esse modelo representou a passagem do modelo de país agrário-
exportador para um modelo urbano-industrial. Nesse período, as primeiras ideias de práticas
educacionais alternativas se deram com grupos socialistas, anarquistas e comunistas11, que
buscavam formas pedagógicas diferenciadas das pedagogias tradicionais e da Escola Nova
(PALUDO, 2012).
Após esse período, com a Revolução de 1930, o Brasil passou pela ditadura do Estado
Novo (1937-1945), vindo à tona os movimentos de educação popular com a concepção de
Educação Popular. Foi quando surgiram três novas orientações pedagógicas em disputas de poder: a
pedagogia da Escola Nova, a pedagogia tradicional e a Educação Popular, influenciada pelas teorias
freireanas – ficando conhecida como a cultura popular dos anos 1960 (FÁVERO, 1983).
No final da década de 1970, como já discutimos anteriormente, emergiram com maior
força, os movimentos sociais trazendo à tona as lutas populares, que sofreram drasticamente, como11Os libertários, no início do século XX, não lutavam pelo ensino público e gratuito. Inspirados em Ferrer, desenvolveram a chamada educação racionalista e fundaram a Universidade Popular e dezenas de escolas modernas, que eram autossustentadas (Ghiraldelli, 1987).
xxxvi
já mencionado, a época da ditadura militar. Por isso, até meados de 1990, a educação popular se
fortaleceu de forma pedagógica e educativa, principalmente em espaços não formais, como sendo a
educação do povo, da classe trabalhadora. Assim, “diversas concepções educativas estão presentes
nas suas práticas: concepção de educação popular, teorias não diretivas, pedagogia da Escola Nova,
pedagogia tradicional, pedagogia tecnicista” (SAVIANI, 2007).
Hoje, a proposta de educação popular que pretendemos apresentar como base para a
pedagogia da Educação do Campo, vem no sentido de se firmar como um marco epistemológico e
pedagógico engendrado no método prática-teoria-prática, ver-julgar-agir e ação-reflexão-ação
(FREIRE, 2012), estabelecendo vínculos entre educação e política, educação e classe social,
educação e conhecimento, educação e cultura, educação e ética e entre educação e projeto de
sociedade (PALUDO, 2012) — ou seja, atendendo a demanda dos movimentos populares de uma
escola onde se respeitam as diferenças culturais, a luta e organização das classes populares.
Em meio a lutas e resistências, alguns educadores e educadoras conseguem ainda retomar o
sentido da educação popular com projetos que visam à resistência de uma educação transformadora
e voltada aos sujeitos oprimidos por um sistema capitalista, sejam eles trabalhadores do campo ou
da cidade.
Esses sujeitos, que tanto a educação popular quanto a Educação do Campo procuram
contemplar, possuem suas histórias e saberes apagados e dominados no cotidiano comum da
sociedade. Quando inserem-se na EJA, vêem nela uma oportunidade de externar todo esse
conhecimento, quando incentivados e amparados pela turma, pelos educadores e educadoras e pelo
sistema de ensino utilizados.
A Educação Popular se compromete com os interesses desses sujeitos, tendo como uma de
suas preocupações básicas a criação de condições para que eles articulem suas experiências
históricas, transformando-as num todo homogêneo e elaborando uma nova concepção de mundo.
(FREIRE, 2011a).
Ora, se o que se busca não é mais o saber construído pela classe dominante, que saber seria
este, então? Do ponto de vista de uma Educação, que se propõe como autônoma e independente, a
construção desse novo conhecimento só poderia se dar a partir da ressignificação de um saber, que
se inscreve nas experiências cotidianas das classes trabalhadoras e surge, ainda que desarticulado,
destas mesmas classes.
A elaboração deste novo saber não se realiza naturalmente, exige uma troca recíproca de
experiências e conhecimentos entre educadores e grupos de trabalhadores. Supõe, como diria
Gramsci, um novo tipo de intelectual “[...] que não pode mais consistir na eloquência, motor
exterior e momentâneo dos afetos e paixões, mas num imiscuir-se ativamente na vida prática, como
xxxvii
construtor, organizador persuasor “permanente”, já que não apenas orador puro [...]”12 (BLASS et al,
1980, p.38)
A partir das estruturas sociais com as quais a educação popular — e aqui gostaríamos de
poder incluir desde já a Educação do Campo – precisa dialogar, com quais podemos compreender o
processo que leva os educandos e as educandas a perceberem a desigualdade social -, se faz
necessária uma perspectiva “de dentro” dos movimentos sociais, como propõem Brandão (1980 (a))
e Dias de Andrade (2010).
Assim, entendemos como um processo necessário, dentro de uma discussão centrada na
cultura e nos saberes de um sujeito e/ou de uma comunidade, que as práticas de contextualização
apareçam como um caminho possível dentro da Educação do Campo, da Educação Popular e das
teorias pedagógicas populares.
Por que contextualizar? Contextualizar aqui vem num sentido de estabelecer relações
orgânicas entre a escola e o contexto onde ela está inserida — neste caso, o campo — com
problemáticas diversificadas da realidade urbana (AZEVEDO e GOMES 1986; REIS, 2011) e
rompendo com a alienação do território, construindo conhecimentos a partir da relação local-global-
local. (FERNANDES e MOLINA, 2004). Na tentativa de estabelecer um diálogo entre educandos,
educandas, educadores e educadoras em prol de um projeto popular de educação, devemos nos ater,
naquelas áreas mais densamente povoadas, aos sentimentos e emoções dos sujeitos, suas histórias
de vida pessoais e familiares cheias de percalços e conquistas, e à busca de uma dignidade para
compreenderem de outra forma o “sofrimento13” que carregam durante anos. Contextualizar nada
mais é que colocar em prática um currículo que promova o diálogo entre o saberes científicos e
populares, que leve em conta as histórias de vida de cada sujeito, perscrutando com atenção suas
vivências e retirando — de histórias repletas de significados — conhecimentos tácitos e táticos
recorrentes que perpassam coletividades construídas e desconstruídas cotidianamente, dentro dos
movimentos sociais e/ou de suas comunidades. Uma análise que somente uma “visão de dentro”
dessas comunidades pode nos dar14.
[...] para recriar a cara e a maneira de se fazer a escola do campo, passa pela possibilidade
de conciliar os conhecimentos sociais e científicos acumulados pela humanidade, que
podem ser úteis para a vida, favorecendo a capacidade de se questionar a razão da própria
existência e das condições da realidade concreta da sociedade em que vivemos, com os
12 Gramsci, Antonio. Os intelectuais e a Organização da Cultura, 1982, p.8.13 Segundo Comerford (1999, p.19): “a luta é nitidamente associada à noção de sofrimento”. 14 Em minha dissertação de mestrado apresento a ideia de “currículo narrativo”, trazido dos estudos de Ivor Goodson,que acredita nas histórias de vida e nos saberes e fazeres cotidianos dos sujeitos, como potenciais para se lutar porcurrículos específicos para diferentes contextos. (CARCAIOLI, 2014)
xxxviii
conhecimentos acumulados pela própria gente local das comunidades, já que a escola com
os seus conhecimentos descontextualizados e distantes da realidade configura-se em mais
um alienígena frente aos estudantes do campo. Contextualizar parece ser uma das saídas
para esse grande fosso existente entre a atual escola do campo e a urbana. (REIS, 2011,
p.281).
A Educação Popular procura transformar uma “Educação fundamental para o povo (com
os valores políticos dos grupos externos retraduzidos na linguagem de ajuda ao povo) em uma
Educação do povo (os valores culturais dos grupos populares retraduzidos através da Educação
levada a eles)” (BRANDÃO, 1980 (a), p. 5), supondo que as camadas de populações mais
marginalizadas e mais pobres se apropriem de um novo saber-instrumento; um saber que pode ser
usado diretamente na realização dos objetivos sociais destas camadas (COSTA, 1977).
1.4 A formação de educadores e educadoras para o campo
Os movimentos sociais defendem políticas educacionais para o campo que não atendam
uma função genérica e nem um currículo único para a Educação do Campo; eles também são
contrários ao ruralismo pedagógico como o já ocorrido no Brasil, quando houve uma tentativa de
formar professores para as escolas rurais e formou professores de forma generalista, ou seja, os
professores eram capacitados para desenvolverem os “mesmos saberes e competências do ensino
fundamental, independente da diversidade do coletivo” (ARROYO, 2012, p.359). Assim, as
políticas de formação de professores do campo se constroem na conformação da Educação do
Campo (idem), priorizando os programas, projetos e cursos de Pedagogia da Terra, de formação de
professores do campo – como os cursos de Licenciatura em Educação do Campo15 -, de professores
indígenas e quilombolas (idem). A Educação do Campo se propõe a superar a Escola Rural e o
ruralismo pedagógico, assim como a formação de um professor rural e, dessa forma, “politizar a
educação do campo em outro projeto de campo” (idem, 2012, p.360).
A formação de educadores e educadoras, imbricada nas lutas dos movimentos
sociais, ocorrem em diversas Escolas do Campo e tem como peça central a riqueza das práticas que
se aprendem na tensão social do contexto em que educandos e educandas e educadores e
educadoras vivem — geralmente, dentro de áreas de reforma agrária, áreas indígenas ou
15O curso de Licenciatura em Educação do Campo teve sua base experimental desenvolvida pelo Iterra (InstitutoTécnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária) em parceria com a Universidade de Brasília no ano de 2007.Hoje, a Licenciatura em Educação do Campo já saiu de sua fase experimental e é contemplada por diversasuniversidades púbicas no Brasil. O público-alvo dos cursos é os camponeses que pretendem desenvolver seus trabalhoseducativos dentro de suas comunidades e/ou áreas da reforma agrária. (CALDART, 2010).
xxxix
quilombolas, em que ambos são sujeitos críticos e reflexivos da luta e transformadores da
realidade.
É necessário que o poder popular – nesta proposta – se exerça na própria prática educativa.
E os sinais de que isso está ocorrendo se dão na medida em que os grupos populares
assumam o controle (encaminhamento) do processo educativo. (GARCIA, 1979, p. 92)
Ao longo do processo de formação de /educadores, militantes de movimentos sociais,
passaram a questionar a falta de reconhecimento de seus valores políticos, culturais e educativos.
Sendo assim, demandaram do currículo de formação de /educadores que, seus saberes e, ações
coletivas e legitimação de seus conhecimentos, em diálogo com as teorias pedagógicas e didáticas
dos cursos oferecidos, fossem levados em conta (ARROYO, 2008, 2012).
[...] Os currículos de formação tem incorporado o direito ao conhecimento da história de
resistência e de ações coletivas de movimentos sociais pela sua afirmação. Se os
profissionais docentes – educadores entenderem essa tensa história, estarão capacitados a
trabalhar esse entendimento com as crianças e adolescentes, com os jovens e adultos que
trabalham nos campos, nas comunidades indígenas, negras e quilombolas, e até nas escolas
públicas populares em que chegam os diferentes, feitos e tratados em nossa história como
desiguais. A incorporação dessa riqueza de conhecimentos ocultados trará maior densidade
e radicalidade teórica aos currículos de formação. (ARROYO, 2012, p. 362)
No momento atual, a formação de educadores e educadoras do campo se dá, como já
mencionado, a partir de cursos de graduação em Pedagogia da Terra (pelo PRONERA) e na forma
de Licenciaturas em Educação do Campo implantadas nas universidades públicas desde 2007 e com
o apoio do Ministério da Educação (MEC). Essa proposta nasceu na II Conferência Nacional Por
uma Educação do Campo, em 2004 e começou a ser construída pelo MEC em 2005, por uma
comissão instituída pelo Grupo Permanente de Trabalho de Educação do Campo da Secad
(Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade), contando com o apoio do Iterra.
Em 2006, as universidades foram convidadas pelo MEC para realizarem projetos piloto do curso
(CALDART, 2010).
A partir das primeiras turmas dos projetos-piloto em 2007, o MEC criou um programa
específico de implantação de cursos de Licenciatura em Educação do Campo (o Pronacampo), com
abertura de editais para convocação de Instituições de Ensino Superior públicas para que
apresentassem projetos de criação dessa nova modalidade de Licenciatura dentro dos mesmos
parâmetros da proposição inicial. É válido lembrar que a proposta de curso deveria estar de acordoxl
com a Pedagogia da Alternância. Segundo Caldart (2010), o levantamento realizado e apresentado à
Comissão Nacional de Educação do Campo de 2010, apontava 21 cursos de Licenciatura em
Educação do Campo em universidades públicas brasileiras, e a previsão era de abertura de novos
cursos no mesmo ano e novo edital para 2011.
Caldart (2010) começa a apresentar uma reflexão sobre a questão da formação para a
docência por área de conhecimento — que compõe a proposta do curso — e suas implicações sobre
a forma de organização curricular das escolas do campo. Essas reflexões iniciais vão culminar para
reflexões mais pontuais expressas no documento gerado pelo Fórum Nacional de Educação do
Campo (FONEC), em 2012, acerca do momento atual da Educação do Campo, que diz respeito ao
Pronacampo.
Em 2004/2005, quando os cursos de Licenciatura em Educação do Campo (LEdoC) foram
pensados, a proposta era de uma “Licenciatura que se constitua desde a especificidade da Educação
do Campo (que inclui uma estreita relação entre educação e processos de desenvolvimento
comunitário) e que faça a formação dos educadores e educadoras que atuam/ou pretendem atuar nas
escolas do campo” (CALDART, 2010, p. 131). Assim, de acordo com essa ampla atuação do
educador e da educadora, essa licenciatura pretende “habilitar os professores para a docência
multidisciplinar em um currículo organizado por área de conhecimento” (idem).
A partir dessa proposta, o curso incluiu três conjuntos de aprendizados básicos de formação
para esses educadores e educadoras do campo. Segundo Caldart (2010), são eles:
1. Docência multidisciplinar em uma das áreas de conhecimento propostas pelo curso:
Linguagens, Artes e Literatura; Ciências Humanas e Sociais; Ciências da Natureza e Matemática;
Ciências Agrárias.
2. Gestão de processos educativos escolares, entendida como formação para a educação
dos sujeitos das diferentes etapas e modalidades da Educação Básica para a construção do projeto
político-pedagógico e para a organização do trabalho escolar e pedagógico das escolas do campo.
3. Atuação pedagógica nas comunidades rurais, o que significa uma preparação
específica para o trabalho pedagógico com as famílias e ou com os grupos sociais de origem dos
estudantes para liderança de equipes e para a implementação (técnica e organizativa) de projetos de
desenvolvimento comunitário sustentável.
Com esse projeto, Caldart (2010) traz algumas reflexões sobre a LEdoC, apresentando
duas principais convicções — fundamentais para o trabalho pedagógico dessa Licenciatura. A
primeira delas é a questão da centralidade do projeto político - pedagógico da LEdoC, que não está
e não deve estar na questão da formação de docentes por área do conhecimento; sendo esta apenas
uma ferramenta escolhida pelas circunstâncias históricas para o desenvolvimento “das dimensões
xli
do projeto de formação de educadores e educadoras que dê conta de pensar os caminhos da
transformação da escola desde o acúmulo de reflexões já existentes sobre isso no âmbito da
Educação do Campo e especialmente dos movimentos sociais camponeses” (CALDART, 2010,
p.129).
A segunda convicção que ela apresenta é a de que a formação de docentes por área deve
estar intimamente ligada a um projeto de transformação da forma escolar atual, ou seja, deve
ocorrer uma desfragmentação curricular que leve à construção de "um vínculo mais orgânico entre o
estudo que se faz dentro da escola e as questões da vida dos sujeitos concretos, e a reorganização do
trabalho docente que visa superar a cultura do trabalho individual e isolado dos professores”
(CALDART, 2010, p.129), fundamentando-se em uma abordagem histórico-dialética de
compreensão da realidade e do modo de produção do conhecimento. É importante reforçarmos aqui
a discussão que vínhamos trazendo: currículo narrativo e Educação Popular, ambos alicerçados
nessa abordagem histórico-dialética.
Os questionamentos que Caldart (2010) traz e que se fundamentam com as novas
polêmicas apresentadas no documento (FONEC, 2012) se dão a partir da constituição originária da
LEdoC, que foi vista como uma possibilidade de provocação do debate sobre a necessidade de
transformação da escola e dos modelos dominantes de formação de educadores e educadoras nas
Licenciaturas atuais. Porém, as metas de formação de educadores e educadoras que o Pronacampo
apresenta estão em desacordo com as metas de formação previstas pelos cursos de LEdoC no Brasil
que ocorrem de maneira presencial; sendo assim, o Pronacampo autoriza a Universidade Aberta do
Brasil (UAB) a abrir cursos de LEdoC através da Educação à Distância, formando professores e
professoras; e, nesse caso, não nos sentimos à vontade para usar a grafia educadores e educadoras
para os diplomados na forma massificada e precarizada realizada pela UAB. Essa crítica não quer
dizer que “recusamos o direito e o dever dos docentes em formação de acessar as novas tecnologias
de informação e comunicação e de saber incorporá-las em sua prática pedagógica, como ferramenta
de ensino, pesquisa e extensão, mas se trata de situar o papel complementar e não central dessas
tecnologias no processo formativo dos educadores” (FONEC, 2012).
Outra questão importante a ser levantada em relação à formação de educadores e
educadoras, que busca manter a organicidade das escolas do campo, é o fato dos educadores e
educadoras, gestores e gestoras e colaboradores em geral terem vínculo com a comunidade ou com
os movimentos sociais, pois estes se identificam na mesma luta e no contexto da realidade local.
Porém, esse é outro desafio que a Educação do Campo busca superar: o das políticas públicas de
contratações de professores do campo para trabalharem diretamente nas escolas do campo.
xlii
Conceber a cultura como agente das transformações indica a superação de uma cultura
profundamente paternalista e fatalista, em que um camponês se perdia na perda de si
mesmo, enquanto objeto quase puro do processo de produção, excluído do processo de
produção. Quando se reincorpora ao processo de produção, ele evidentemente alcança uma
posição social, histórica e cultural que não ocupava. A partir das transformações sociais que
ele vê se realizarem na sua comunidade, ele descobre que, tendo sido capaz de transformar
a terra, é também capaz de transformar a história, de transformar a cultura. Da posição
fatalista, ele renasce numa posição de inserção, de presença na história, não mais como
objeto, mas também como sujeito da história. (FREIRE, 2013, p. 248).
É dessa forma que pensamos ser de grande valia que a Educação Popular e a Educação do
Campo estejam imbricadas no mesmo processo, como parceiras para uma Educação voltada ao
trabalhador, ao camponês e sua família e, assim, possam atender ao universo cultural específico e
local de cada comunidade, operando como uma Educação Popular e do Campo. É importante
lembrar que a Educação do Popular se propondo a uma Educação do Campo, ou qualquer que seja o
seu ambiente de ação, não necessariamente procura romper com as disciplinas, mas sim trabalhá-las
em parceria umas com as outras, de forma interdisciplinar e contextualizada. Daí a importância de
educadores e educadoras multidisciplinares como propõe a LEdoC.
Assim, as diversas áreas do conhecimento buscam integrar os conhecimentos específicos,
dentro das disciplinas e sem bani-las, aos das demais disciplinas e aos conhecimentos cotidianos da
comunidade, como nos apresenta Freire (2011, a):
É nesse sentido que se pode afirmar tão errado separar prática de teoria, pensamento de
ação, linguagem de ideologia, quanto separar ensino de conteúdos de chamamento aos
educandos para que se vá fazendo sujeito do processo de aprendê-los. Numa perspectiva
progressista, o que devo fazer é experimentar a unidade dinâmica entre o ensino do que é e
de como aprender. É ensinando matemática que ensino também como aprender e como
ensinar, como exercer a curiosidade epistemológica indispensável à produção do
conhecimento. (FREIRE, 2011, p.122)
São nesses caminhos que seguimos refletindo e em busca de transformações para a
Educação do Campo e da escola do campo, compreendendo que, o “conhecimento se constrói a
partir da relação com o outro e com o objeto a ser conhecido, onde o aluno se reconhece no outro
num movimento de ida e volta, onde os conhecimentos das diferentes áreas formam uma totalidade
articulada entre si, que transformam a forma de pensar o mundo, para nele agir.” (BUSETTI et. alli,
1990,s/n).
xliii
Capítulo 2: A Pesquisa Participante como Metodologia de Trabalho
“Na canga do boi de carro
Tem gente amarrada lá,
Gente não é boi de carro
Pra carro de boi puxar.
Gente tem mente que gira
Mente que pode girar,
Gira a mente do carreiro
A canga pode quebrar.”16
2.1 Apresentando a Pesquisa Participante
A pesquisa participante configura-se como uma metodologia, não só de pesquisa, mas sim
de trabalho em geral, sendo usada com bastante sucesso nos trabalhos práticos, que enxergam na
apropriação coletiva do saber e na produção coletiva de conhecimentos uma grande possibilidade de
garantir o direito que os diversos grupos e movimentos sociais tem sobre a produção, o poder e a
cultura (GAJARDO, 1982).
Há distintas maneiras de utilizar e colocar em prática a pesquisa participante, mas todas
concordam que ela difere-se das demais metodologias de pesquisa, por ser um mecanismo de
aprendizagem coletiva. Por esse motivo, há anos a pesquisa participativa faz parte e se sustenta
junto a muitas ações sociais e educacionais.
Paulo Freire foi um dos precurssores dos trabalhos participativos com os camponeses e
camponesas em assentamentos rurais em fins da década de 1960, partindo do pressuposto específico
de que qualquer ação educativa deveria ser entendida como um ato de produção de conhecimento,
de acordo com a realidade dos educandos e educandas. Nesse caso, as ações educativas eram
necessárias para que ocorressem perspectivas de mudança social e empoderamento dos camponeses
para lutarem pelos seus direitos nas terras em que viviam.
Diversas outras experiências utilizando a ação ou pesquisa participativa podem ser relatadas
e em todas poderemos notar a “heterogeneidade presente nos trabalhos, o que reflete na
possibilidade de ações junto a setores populares dentro do limite social e politicamente restritos
16
Versos de Canção do carreiro, de Percival, compositor popular de viola e líder de trabalhadores rurais em Goiás. Verso retirado de BRANDÃO, C.R. A cultura do povo e a educação popular. In: BEZERRA, A.; BRANDÃO, C.R. (org). A questão política da Educação Popular. São Paulo: Editora Brasiliense, 4 ed., 1980. p. 126.
44
[...]” (GAJARDO, 1982, p. 47).
Dessa forma, a opção pela pesquisa participante como metodologia deste trabalho, vem da
liberdade que ela pode dar a pesquisa, uma vez que os grupos investigados podem e devem seguir
suas atividades comuns, cotidianas, pois é nesse cotidiano que a pesquisa deve se inserir. A fluidez
cotidiana é o que interessa à pesquisa. Por esse motivo, pretendemos trazer à pesquisa uma breve
etnografia do cotidiano da EJA no acampamento Elizabeth Teixeira. Procurando enriquecer a
pesquisa participante e a etnografia, procuraremos trazer as narrativas dos educandos, educandas e
educadoras da EJA do acampamento, de modo a avaliar de forma qualitativa o desempenho do
PRONERA e o impacto dessa política pública no cotidiano do acampamento e em suas vidas.
2.2 A pesquisa etnográfica
No diálogo com a antropologia, apropriamo-nos da etnografia como metodologia para
nossa pesquisa de campo e procuramos, a partir de uma bricolagem, realizar as tessituras entre a
pesquisa etnográfica e as narrativas dos educandos, educandas e educadoras da EJA do
acampamento Elizabeth Teixeira, de modo a compor, na forma de texto, a pesquisa realizada. Para
isso, fez-se necessário entendermos, do ponto de vista antropológico, a etnografia.
Com a publicação de Os Argonautas do Pacífico Ocidental, em 1922, Bronislaw
Malinowski procedeu a uma verdadeira revolução na literatura antropológica, apontando críticas à
antropologia clássica, trazendo novas formulações aos problemas teóricos. A fundamental crítica —
apontada por ele e por demais antropólogos funcionalistas17 dessa época — à antropologia clássica
refere-se à arbitrariedade das categorias utilizadas.
A comparação entre sociedades diversas é feita através de um desmembramento inicial da
realidade em itens culturais tomados como elementos autônomos; com os fragmentos assim
obtidos os autores procedem a um rearranjo arbitrário, agrupando-os de acordo com
categorias tomadas de sua própria cultura e fabricando com isso instituições, complexos
culturais e estágios evolutivos que não encontram correspondência em qualquer sociedade
real. (MALINOWSKI, 1978, p. X)
Essas preocupações estavam aparentes em demais obras de Malinowski e tinham
como maior princípio “reconhecer e preservar a especificidade e particularidade de cada cultura”
17Influenciados por Durkheim, que forneceu a formulação inicial dos conceitos de função e de integração funcional, essanova geração de antropólogos procurou construir um método próprio e chegar a uma nova teoria antropológica. (MALINOWSKI, 1978).
45
(MALINOWSKI, 1978, p. X). Para os funcionalistas, cabe aos pesquisadores descobrirem e não
manipularem, compondo, arbitrariamente, os elementos de uma cultura que não é deles.
De forma a buscar compreensão qualitativa dos dados de pesquisa e compreensão do
universo amplo das culturas, Malinowski contribuiu para uma “abordagem metodológica na qual a
observação participante tornou-se elemento central” (SILVA, 2006, p.13). As práticas de pesquisas
que anteriormente eram realizadas com visitas de curta duração dos pesquisadores às comunidades
pesquisadas, com aplicação de questionários aplicados com auxílio de tradutores foram alteradas
radicalmente, pois Malinowski passou a viver permanentemente na aldeia que estudava, ficando
afastado de outros homens brancos e aprendendo a língua nativa. Ele adotou a convivência diária e
procurou capacitar-se de forma a entender o que estava sendo dito, participando das conversas e dos
acontecimentos da vida da aldeia18. Dessa forma, uma nova relação foi imposta, e o antropólogo
passou a olhar a pesquisa desde dentro, tornando-se também um instrumento dela.
Nos anos 70, os antropólogos, desconfiados da capacidade explicativa dos modelos
clássicos das representações holísticas fechadas do “outro”, criaram a antropologia interpretativa,
desenvolvida principalmente por Clifford Geertez, que procurou ver a cultura como um texto
elaborado socialmente pelos homens. “A interpretação antropológica, configuraria, assim, uma
leitura de segunda ou terceira mão feita “por sobre os ombros do nativo” que faz a leitura de
primeira mão de sua cultura” (SILVA, 2006, p.14).
Em antropologia ou, de qualquer forma, em antropologia social, o que os praticantes fazem
é a etnografia. E é justamente ao compreender o que é a etnografia, ou mais exatamente, o
que é a prática da etnografia, é que se pode começar a entender o que representa a análise
antropológica como forma de conhecimento. Devemos frisar, no entanto, que essa não é
uma questão de métodos. Segundo a opinião dos livros-textos, praticar a etnografia é
estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever textos, levantar genealogias,
mapear campos, manter um diário, e assim por diante. Mas não são essas coisas, as técnicas
e os processos determinados, que definem o empreendimento. O que o define é o tipo de
esforço intelectual que ele representa: um risco elaborado para uma "descrição densa",
tomando emprestada uma noção de Gilbert Ryle. (GEERTZ, 1989, p.4)
No início dos anos 80, incomodados com “a visão da pesquisa antropológica como uma
atividade mais observadora e menos interpretativa do que ela realmente é” (GEERTZ, 1989, p.7),
alguns antropólogos passaram a questionar as dimensões da intersubjetividade e as relações de
poder estabelecidas entre pesquisador e pesquisado, a inserção do antropólogo no campo e as
consequências que seu discurso científico tem sobre suas práticas sociais, além de diversas outras
18 Os princípios fundamentais dessa prática e o desenvolvimento dessa experiência estão minuciosamente relatados naintrodução dos Argonautas do Pacífico Ocidental. (MALINOWSKI, 1976)
46
questões levantadas e pensadas por eles (SILVA, 2006). Dessa maneira, a atividade etnográfica de desvelar o sistema ordenado de significados e
símbolos por meio dos quais os indivíduos definem seus mundos e fazem seus julgamentos
começou a problematizar o lugar do antropólogo na interpretação do conhecimento local.
Uma série de novas tentativas de escritas foi inventada, tentando, a todo modo, inserir na
produção da etnografia o próprio nativo pesquisado, seja através de extensas falas ao longo do
texto, seja, até, dividindo a autoria final com eles. De qualquer forma, a definição interpretativista
da cultura como texto — que prometia alçar o conhecimento local ao mesmo estatuto do
conhecimento acadêmico — e todas as metodologias desenvolvidas para retirar das mãos do
etnógrafo o poder da análise não conseguiram desfazer uma relação de poder existente no próprio
momento da produção do conhecimento compartilhado.
No entanto, a posição externa do pesquisador no campo e a posição desigual entre ele e os
pesquisados também se constituem numa relação reveladora. A externalidade da figura do etnógrafo
produz situações em que significados e simbologias são compartilhados por aqueles que os
vivenciam, saem de seu acordo tácito e são explicitados. Desse modo, a relação desigual que
impossibilita a escrita etnográfica conjunta, antes de ser um problema incontornável, explicita
relações sociais do campo com o seu exterior, fazendo uso dessa situação em sua análise.
Sendo assim, a pesquisa etnográfica busca reconstruir o universo do campo pesquisado a
partir do trabalho de olhar, ouvir e escrever. O pesquisador deve descrever com rigor: detalhes,
descobertas, caminhos possíveis, decisões, intuições etc. Esses detalhes devem ser expressos em um
texto, com dimensões reduzidas de todo aquele universo experimentado pelo pesquisador — sendo
isso uma tarefa árdua, pois o pesquisador necessita levar para a complexidade da academia, na
forma de um texto acadêmico (OLIVEIRA, 2006), todo o processo por ele experimentado e vivido.
O texto etnográfico, como representação do campo e das relações que nele se dão, pode ser,
portanto, menos o resultado “final” de uma pesquisa, e mais um meio para a melhor
compreensão dos valores do outro, considerando o fato de que estes valores são
interpretados por alguém que também não se despe de seus próprios valores e
subjetividades, e fala para terceiros, desconhecidos, de modo generalizante, ainda que
“cuidadosamente”. Quem escreve, sobre o quê, e para quem, são os principais elementos de
uma etnografia que considera os aspectos visíveis e invisíveis do trabalho antropológico e
seu papel de crítica cultural. (SILVA, 2006, p. 183-184)
No Brasil, as pesquisas educacionais mostraram bastante interesse pela etnografia a
partir do final dos anos 1970, motivadas pelos estudos da sala de aula e da avaliação curricular
(ANDRÉ, 1997). Através de suas pesquisas, Marli André nos mostra o universo das pesquisas
47
educacionais anteriores ao final dos anos 70, com base nos instrumentos de observação que
objetivavam o registro e análise do comportamento de professores e alunos em situações de
interação. A partir da análise das obras de diversos autores, André (1997) afirma que a alternativa
para diversos problemas apontados nas pesquisas educacionais com base na observação seria a
abordagem antropológica.
Justificam tal proposição dizendo que as interações de sala de aula ocorrem sempre num
contexto permeado por uma multiplicidade de significados que, por sua vez, fazem parte de
um universo cultural que deve ser estudado pelo pesquisador. Para entender e descrever
esse universo, o pesquisador deve fazer uso da observação participante, que envolve
observação, anotações de campo, entrevistas, análises de documentos, fotografias,
gravações. Os dados são considerados sempre inacabados. O observador não pretende
comprovar teorias nem fazer generalizações estatísticas. O que busca, sim, é compreender e
descrever a situação, revelar seus múltiplos significados, deixando que o leitor decida se as
interpretações podem ou não ser generalizáveis, com base em sua sustentação teórica e em
sua plausibilidade. (ANDRÉ, 1997, p. s/n)
Apontando para as pesquisas educacionais hoje, com enfoque na etnografia, André (1997)
ressalta a importância dos pesquisadores se aterem às questões culturais, éticas e de valores dos
sujeitos ou das comunidades pesquisadas, buscando romper estruturas e relações de poder que
possam ainda estar impostas entre pesquisador e pesquisado.
Neste trabalho, utilizamos da pesquisa etnográfica participante, registrando o cotidiano da
EJA no acampamento Elizabeth Teixeira em cadernos de campo e fotografias que serão
apresentados no Capítulo 3 deste trabalho.
2.3 As narrativas
Inspirando-nos nas leituras das obras de Walter Benjamin, trazemos as narrativas dos
educandos, educandas e educadoras da EJA do acampamento Elizabeth Teixeira, no que concerne
ao cotidiano da sala de aula, a partir das memórias desses sujeitos. A importância das narrativas, é
que elas nos permitem conhecer as lutas cotidianas das comunidades envolvidas. Porém, quando
trabalhamos narrativas na perspectiva de Benjamin, alguns questionamentos são levantados: O que
são narrativas benjaminianas? O que são narrativas para Benjamin?
No texto Experiências e Pobreza, Benjamin (1987), relata a experiência de um pai que, em
seu leito de morte, compartilha com os filhos a experiência de obter riqueza a partir do trabalho nos
vinhedos da família e não das barras de ouro que, na lógica dos filhos, poderiam estar enterradas
48
naqueles vinhedos. Para Benjamin, a narrativa experienciável, assim como a arte de ouvir e,
principalmente, aqueles que possuem experiências para contar podem estar rareando na vida
moderna e capitalista que vivemos.
Em sua obra O Narrador, Benjamin (1983 [1936]) apropria-se de aspectos das tradições
narrativas gregas e judaicas (LAGES, 2007), delineando o perfil de uma figura que é protagonista
de uma arte considerada por ele em via de extinção: a arte de contar histórias.
[...] a arte de narrar caminha para o fim. Torna-se cada vez mais raro o encontro com
pessoas que sabem narrar alguma coisa direito. É cada vez mais frequente espalhar-se em
volta o embaraço quando se anuncia o desejo de ouvir uma história. É como se uma
faculdade, que nos parecia inalienável, a mais garantida entre as coisas seguras, nos fosse
retirada. Ou seja: a de trocar experiências. (BENJAMIN, 1983, p. 59)
Entretanto, é um engano pensarmos que Benjamin está lamentando e criticando o fim da
narrativa como um todo, pois o que ele lamenta é o fim das narrativas coletivas, aquelas que em
suas “brechas” permitem que outros sujeitos entrem e compartilhem suas experiências. Para ele, o
narrador é aquele que possui a capacidade de intercambiar as experiências, carregando coisas não
conscientes.
O típico narrador para Benjamin tem duas características básicas: sábio e justo, assim
como o narrador da tradição judaica (LAGES, 2007). Esse narrador de quem ele lamenta o
desaparecimento é um “misto de sábio e santo e de homem comum que sabe contar uma história
que serve para ajudar alguém, como um conselho” (idem, p.127). Esse narrador tradicional, para
Benjamin, precisa nutrir suas narrativas de “influxos psíquicos afins à melancolia” (ibidem), pois
ele precisa contar e recontar suas histórias.
Se o sono é o ponto mais alto da distensão física, o tédio é o ponto mais alto da distensão
psíquica. O tédio é o pássaro de sonho que choca os ovos da experiência. O menor sussurro
nas folhagens o assusta. Seus ninhos – as atividades intimamente associadas ao tédio – já se
extinguiram na cidade e estão em via de extinção no campo. Com isso, desaparece a
comunidade dos ouvintes. Contar histórias sempre foi a arte de contá-las de novo, e ela se
perde quando as histórias não são mais conservadas. Ela se perde porque ninguém mais fia
ou tece enquanto ouve a história. (BENJAMIN, 1983, p. 62)
O ato de narrar é também o ato de rememorar, de buscar na memória imagens do passado.
Para Benjamin, esse é um trabalho árduo, como o de um arqueólogo que — no esforço da
escavação — encontra, no presente, “o lugar exato em que guardar as coisas do passado”
(BENJAMIM, 2013, p. 101).
49
Assim, o trabalho da verdadeira recordação deve ser menos o de um relatório, e mais o da
indicação exata do lugar onde o investigador se apoderou dessas recordações. Por isso, a
verdadeira recordação é rigorosamente épica e rapsódica, deve dar ao mesmo tempo uma
imagem daquele que se recorda, do mesmo modo que um bom relatório arqueológico não
tem apenas de mencionar os estratos em que foram encontrados os achados, mas, sobretudo
os outros, aqueles pelos quais o trabalho teve de passar antes. (BENJAMIN, 2013, p. 101)
Neste trabalho, traremos narrativas baseadas nas memórias de educandas, educandos e
educadoras da EJA do acampamento Elizabeth Teixeira, acreditando na potencialidade das
experiências, que se articula com o universo cultural, histórico e simbólico dos sujeitos,
apresentados neste texto como narradores dessa história que é a EJA, mas que podem sempre estar
sujeitas ao olhar subjetivo do pesquisador, daquele que entrevista e que ouve as narrativas. Desta
forma, procuraremos contribuir com uma avaliação qualitativa dos meses iniciais de PRONERA no
acampamento, procurando identificar nas narrativas como essa política pública modificou o cenário
da EJA no acampamento, que por sete anos ocorreu de forma auto organizada dentro da
comunidade.
Para que pudéssemos colher as narrativas, foram aplicados um questionário direcionado
aos Educadores e outro aos Educandos, que se encontram anexos ao final deste trabalho. As
questões serviram de roteiro às entrevistas que transcorreram em clima descontraído e com grande
fluidez. Foi solicitado a permissão aos entrevistados para gravar e só então concebida a permissão,
foi ligado o gravador. Ao término da entrevista foi perguntado a eles se havia algo que foi dito, que
não deveria ser publicado; com a permissão de todos, pude voltar para casa e iniciar a transcrição da
entrevista na íntegra.
O processo de produção textual das narrativas, se dá como “a mão do oleiro na argila”
(PETRUCCI-ROSA, 2011), ou seja, a partir das narrativas de alguém, o pesquisador pode colocar a
sua mão e moldar a narrativa ao seu trabalho. As narrativas pertencem aos sujeitos que a
produziram, mas o protagonismo de encaixá-la no tema e no trabalho específico se dá pelo
pesquisador que as moldam. Esse moldar das narrativas é um trabalho minucioso e delicado, que se
dá em três momentos importantes da metodologia que seguimos para este trabalho, são eles:
a. Transcrição fiel da entrevista:
A transcrição não possui obrigatoriedade de ser realizada pelo pesquisador, mas é bastante
rico quando é possível, pois o aprendizado ao “se ouvir” e ouvir novamente os sujeitos das
narrativas é uma outra experiência importante.
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b. Retirar a oralidade do texto:
Nem todas as narrativas seguem essa ideia, retirar a oralidade, textualizando a entrevista
faz parte da metodologia que seguimos, das narrativas benjaminianas. O que compreende-se aqui é
que, o interessante para o trabalho é que os leitores prestem atenção nas memórias, nas histórias
contadas e não no linguajar que se conta e nem em como se conta. Porém é importante tomar alguns
cuidados, para que o depoente continue se reconhecendo em seu próprio depoimento.
c. Montar o trabalho com as narrativas:
Com a entrevista textualizada, o pesquisador pode montar o texto e as narrativas, para que
elas componham o todo e possam apresentar as vozes dos sujeitos que a protagonizaram. Para o
pesquisador, é muito importante saber lidar com questões éticas ao “montar” as narrativas, pois as
entrevistas não são suas e dependendo da forma como é utilizada, pode ser distorcida de como os
sujeitos a narraram e a compuseram em suas memórias. Por isso, esse trabalho deve ser minucioso e
respeitoso a quem lhe concedeu uma entrevista e confiou suas memórias. Deve-se evitar ao máximo
a montagem de narrativas a partir de fragmentos do todo.
2.4 Refletindo sobre “estar em campo”
Cultura Popular é o que eu vejo aos pedaços da vida feroz do boia fria, do operário ou do camponês;
o trabalho do pobre, o arranjo das sobras, os artifícios do vivere a canção sobre o trabalho e a vida.
“Cultura Popular” é também o meu conceito, a minha teoria, algumas vezes a minha ilusão, outras, o meu emprego.
Por isso ele faz a fala e a arte, e eu invento os seus nomes: “cultura”, “popular”.
A Cultura Popular é a tessitura do povo sobre o mundo no lugar de onde eu não sou, de que eu não faço parte.
Ela é o que se faz sem mim, fora do poder do meu trabalho letrado,
51
mas não no ardil do meu pensar “sobre”, que pensa a cultura da vida de que não é parte
para compreendê-la, ou para fazer parte do seu domínio?
Mesmo que eu more ao lado da favela ou dentro dela, há uma distância de muitos alqueires
entre o quintal dessa cultura e a minha mesa.É a distância que existe entre o fazer de dentro
com o trabalho, as mãos e a vida, e o trabalho sem vida de pensá-lo do lado de fora, quando o gesto de pensar o fazer do outro
não é mais do que o compromisso do pensador com ele mesmo ou com a pequena quadrilha dos seus iguais.
(BRANDÃO, 1980, p. 123)
Desde 2012, venho acompanhando a turma da EJA do acampamento Elizabeth Teixeira e
tive a oportunidade de também construir junto com a comunidade minha pesquisa de mestrado.
Assim, conhecendo a comunidade e seus sujeitos, procurei que esta pesquisa de campo
acompanhasse e respeitasse as particularidades apresentadas por cada uma das pessoas envolvidas.
Para mim, esta discussão é importante, pois hoje a turma da EJA conta com cerca de 12
pessoas entre educandas e educandos e mais 2 educadoras. Nesta pesquisa apresentamos as duas
educadoras e apenas 2 educandos, o que pode ser caracterizado, em certo momento, como de pouca
legitimidade para uma pesquisa. Porém o que quero abordar aqui é exatamente essa questão, as
particularidades e as fragilidades que as salas de EJA apresentam e como nossas intervenções como
pesquisadores podem interferir no cotidiano da turma.
Em um primeiro momento, nossa estratégia foi de conversar com as educadoras e discutir
com elas os questionários, para então serem aplicados de maneira individual com cada educando e
educanda. A partir de então, ficou combinado que minha participação se daria nas aulas da EJA,
chamando um educando por vez em um local separado da sala, para que não atrapalhasse o
andamento da aula e também para que os educandos tivessem mais liberdade para falar sobre a
EJA, sem os demais por perto.
Iniciei então, o processo de ir às aulas para realizar as entrevistas. Logo nas duas primeiras
semanas que marcamos de fazer as atividades, a chuva foi bastante intensa por toda a região e
devido às más condições das estradas de terra do acampamento, as aulas foram canceladas. Em um
desses dias, acreditamos que poderia ocorrer aula e me dirigi ao acampamento, me encontrando
com uma das educadoras em sua residência. Naquela noite, não conseguimos sair de sua casa para
írmos até a escola, pois a chuva iniciou-se novamente de forma bastante intensa. Nesse dia então,
ela me concedeu sua entrevista e ofereceu-me um jantar. Já estávamos há 2 semanas sem aulas.
Na próxima semana uma das educadoras estava com problemas particulares para resolver e
alguns educandos e educandas também não estavam no acampamento, o que culminou em uma
52
terceira semana sem aula. Na quarta semana combinada um feriado se aproximava, e os educandos
e educandas decidiram coletivamente que não queriam ter apenas um dia de aula e decidiram que as
aulas começariam na semana seguinte, em uma segunda-feira, com uma reunião coletiva sobre a
falta de aulas no mês que passou.
Por sugestão da educadora, me dirigi ao acampamento durante o feriado, pois segundo ela
não seria um bom momento “atrapalhar” o re-início das aulas para realizar as entrevistas. Segui para
o acampamento e realizei a entrevista com a segunda educadora e com os outros dois educandos. Os
demais ou não se encontravam em suas casas, ou estavam recebendo familiares e não poderiam
deixar os afazeres. A partir de então, os prazos para entrega deste texto já estavam apertados.
Assim, quatro entrevistas são apresentadas nesta pesquisa, com detalhes das narrativas que
acredito serem importantes para debatermos as políticas públicas da EJA do campo e neste
momento, acredito que suficientes para compor este trabalho. Se o trabalho tiver um bom resultado
para as análises que pretendemos, novas entrevistas podem ser realizadas nesta sala de EJA, assim
como em demais salas de outros áreas de reforma agrária.
O mais importante de todo esse processo é compreendermos que o tempo, os prazos e os
anseios do pesquisador e de uma pesquisa não correspondem ao mesmo tempo da comunidade
estudada, o tempo é outro. Por mais que a pesquisa possa contribuir para a comunidade, os anseios
são outros, a lógica é outra e ela deve respeitar o espaço-tempo e a individualidade de cada um. Por
esses aprendizados adquiridos durante a pesquisa de campo, deixei as ansiedades de lado, realizei o
campo que foi possível, não aquele que como pesquisadora me propunha e queria fazer, mas o
campo que a comunidade permitiu que eu fizesse nesse momento.
2. 5 Um olhar sobre as entrevistas e a produção de narrativas
Quando fizemos a opção de trabalhar com as narrativas dos sujeitos envolvidos na EJA do
acampamento Elizabeth Teixeira, nossa ideia foi a de trabalhar as narrativas benjaminianas, ou seja,
aquelas baseadas nas memórias de histórias de vida dos sujeitos, na memória que é acionada à
medida que o sujeito está narrando. Porém, algumas perguntas nos pareciam bastante importantes
de serem respondidas e desta forma, baseando-nos em pesquisas anteriores do PRONERA seguimos
a ideia de montar um questionário para auxílio, não abrindo mão da pesquisa qualitativa. Porém, à
medida que trabalhávamos no questionário, mais e mais questões surgiam e achávamos importantes
para compor a pesquisa, pois eram questões que nos intrigavam, ou nos intrigam ainda.
Ao final do processo, nosso questionário possuía vinte questões para as educadoras e vinte
e cinco questões para as educandas e educandos responderem, individualmente. As questões que
53
elaboramos deram conta realmente das respostas que buscávamos, sendo respondidas algumas
vezes com “sim” ou “não”, mas davam conta de uma pesquisa qualitativa. Porém, quero destacar
que nem toda pesquisa qualitativa produz narrativas, assim como nem toda narrativa é produzida
por memórias.
Destaco isso pois, durante a primeira entrevista percebi que as respostas que buscávamos
estavam sendo respondidas, mas não com a metodologia e a forma como tínhamos pretendido desde
o início da pesquisa; não havia memória nas respostas, dificilmente teríamos narrativas. Porém,
pude perceber que as pessoas tinham muitas histórias para contar, queriam contar e só cabia a mim
permitir esse movimento, pois eu, como pesquisadora ali, era quem tinha o “poder” do gravador. Os
entrevistados buscavam a minha permissão para continuar falando, para contar histórias sobre o
tema que eu buscava.
Foi a partir desse momento que me dei conta, que como pesquisadora, preciso deixar
minha sensibilidade de educadora prevalecer e a partir dessa sensibilidade eu esteja disposta a ouvir
e permitir que os “entrevistados” conduzam a entrevista e sejam autores de suas próprias narrativas.
Não poderia deixar minha sensibilidade em querer ouvir esses sujeitos ser aprisionada por um
questionário, era preciso utilizá-lo como uma ferramenta de organização e não deixar que ele
conduzisse a entrevista.
Pequenas modificações em “como” fazer a pergunta faz bastante diferença na resposta,
pois dá liberdade aos sujeitos acionarem suas memórias e construírem suas narrativas. Por exemplo,
no questionário dos educandos, logo na questão 1 onde perguntamos:
- Antes do curso já havia frequentado algum tipo de escola? Se sim, até que série
frequentou? Qual tipo? Por quanto tempo?
Para ouvir narrativas memoráveis, melhor seria se perguntássemos:
- Antes da EJA no acampamento, você já havia frequentado outra escola? Me conte um
pouco dessa experiência.
A partir do momento que pedimos para que o educando conte sua experiência, as demais
perguntas que vem em seguida acabam sendo respondidas, se não forem, melhor seria que
utilizássemos a ideia de “me conte essa experiência” (seja a experiência da leitura, da escrita, dos
cálculos). Quando eles contam suas experiências na escola, já é possível saber de qual escola falam
e por quanto tempo ficaram.
Outro importante exemplo foi a questão 23, onde construímos um quadro que pedia ao
educando que respondesse “sim” ou “não” quando cartões fossem mostrados. Logo que fiz a
pergunta: “Desde que você começou a participar da EJA, o que mudou na sua vida?”, não tive
tempo de mostrar os cartões pois tinham tantas coisas para contar que já começavam a narrar, então
54
percebi que os cartões não eram necessários e a partir de suas narrativas, a questão já estava
respondida.
Assim, os questionários continuaram a ser seguidos, porém algumas questões foram
alteradas na forma de se perguntar, permitindo que as memórias aparecessem e as narrativas
tomassem conta deste trabalho.
Quero destacar que as narrativas foram uma escolha metodológica e compreendemos que
há limitantes quando se trabalha com essa metodologia, ou seja, ela não é capaz de resolver todos os
problemas de pesquisa, mas apresenta suas potencialidades, mesmo deixando falhas no percurso.
2.6 Os sujeitos dessa história e seus nomes fictícios
Os sujeitos da história da EJA no acampamento Elizabeth Teixeira são muitos, mas como
já mencionado, trouxemos apenas 4 para compor este trabalho. Os nomes fictícios foram
escolhidos, propositalmente, afim de trazer à cena nomes importantes de personagens que
contribuíram pela educação no Brasil e no mundo e continuam a ser referência e inspiração para os
futuros educadores. A proposta de transformar os depoentes em personagens, vem da mesma ideia
de transformar seus depoimentos em narrativas, onde a pesquisadora se apropria da história de
alguém para trazer à cena da forma como quer que ela se encaixe na história contada. Ao refletir
sobre essas relações de poder, que estão impostas quando se faz uma pesquisa, acabei optando pelos
nomes fictícios, feliz ou infelizmente.
Nossas entrevistadas e entrevistado foram:
Leonela, educadora, 21 anos, bolsista do PRONERA, moradora do acampamento Elizabeth
Teixeira, concluiu o ensino médio em escola pública urbana na cidade de Limeira e sua primeira
experiência ministrando aulas foi na EJA do acampamento.
Iveline, educadora, 22 anos, possui trabalho fixo fora do acampamento, é moradora do
acampamento Elizabeth Teixeira, concluiu o ensino médio em escola pública urbana na cidade de
Várzea Paulista – SP e sua primeira experiência ministrando aulas foi também na EJA do
acampamento Elizabeth Teixeira.
Cora, educanda, 44 anos, estudou até a terceira série do ensino fundamental I, cursou
supletivos mas não obteve acesso aos diplomas. É educanda na EJA do acampamento Elizabeth
Teixeira desde a primeira formação em 2008.
Paulo, educando, 17 anos, estudou até a oitva série do ensino fundamental II em escola
pública urbana na cidade de Limeira. É educando da EJA há 9 meses, desde o início do PRONERA
no acampamento Elizabeth Teixeira. 55
Apresentamos abaixo, uma breve biografia dos quatro personagens que protagonizarão as
narrativas deste trabalho:
Leonela Inés Relys Díaz, criadora do método de alfabetização “Yo, sí puedo” (Sim,
eu posso), que ensinou a ler e a escrever mais de oito milhões de analfabetos em todo o mundo. Ela
se tornou coordenadora geral deste trabalho no Haiti e, mais tarde, na República Bolivariana da
Venezuela, ajudou também a implementar o programa em outros países como a Bolívia, Nicarágua,
Panamá, República Dominicana, Guiné-Bissau e Colômbia. O mesmo programa foi levado com o
apoio de especialistas para mais de 30 nações. Faleceu em 17 de janeiro de 201519.
Iveline Lucena da Costa, educadora paraibana, junto com suas colegas Dorinha,
Lígia e Heloísa, alfabetizavam adultos com o método Paulo Freire, em João Pessoa(PB), nos anos
1960, quando o Brasil apresentava um índice escandalosamente alto de analfabetos. Elas
trabalhavam na Campanha de Educação Popular (CEPLAR), dentro do Plano Nacional de
Alfabetização do governo Jango, eleito democraticamente através do voto. Embora todas as
atividades fossem absolutamente legais e oficiais, as quatro alfabetizadoras foram presas, demitidas,
processadas e humilhadas depois do golpe militar de 1° de abril de 1964. Faleceu na Holanda em
setembro de 2012. 20
Cora Coralina, poetisa brasileira, publicou seus primeiros poemas em 1903. Foi
doceira durante toda a sua vida. Apenas em 1980, após os elogios de Carlos Drummond de Andrade
à sua obra, Cora Coralina foi despertado o reconhecimento do público. Recebeu o título de Doutor
Honoris Causa da UFG e foi eleita com o "Prêmio Juca Pato" da União Brasileira dos Escritores,
como intelectual do ano de 1983. Faleceu em 198521.
Paulo Freire, graduado pela Faculdade de Direito de Recife (Pernambuco). Foi
professor de Língua Portuguesa do Colégio Oswaldo Cruz e diretor do setor de Educação e Cultura
do SESI (Serviço Social da Indústria) de 1947-1954 e superintendente do mesmo de 1954-1957. Ao
lado de outros educadores e pessoas interessadas na educação escolarizada, fundou o Instituto
Capibaribe. Ele foi quase tudo o que deve ser como educador, de professor de escola a criador de
ideias e “métodos”. Desenvolveu, durante 5 anos, trabalhos em programas de educação de adultos
no Instituto Chileno para a Reforma Agrária (ICIRA). Foi aí que escreveu a sua principal obra:
19
Fonte: <http://www.mst.org.br/2015/01/21/falece-a-pedagoga-cubana-criadora-do-programa-de-alfabetizacao-sim-eu-posso.html> (último acesso em 27/04/2015).
20 Fonte:<http://blogs.d24am.com/taquiprati/2012/09/16/quando-alfabetizar-era-crime/> (último acesso em 27/04/2015).
21 Fonte:<http://www.e-biografias.net/cora_coralina/> (último acesso em 27/04/2015).56
Pedagogia do oprimido. Faleceu em maio de 199722.
Capítulo 3: O acampamento Elizabeth Teixeira: o protagonismo da EJAnas lutas cotidianas
A Educação do Campo(Gilvan Santos)
A educação do campo do povo agricultorPrecisa de uma enxada, de um lápis, de um trator
Precisa educador pra trocar conhecimentoO maior ensinamento é a vida e seu valor
Na nossa escola, nós somos os sujeitosLutamos pela vida e pelo que é de direitoAs nossas marcas se espalham pelo chão
22 Fonte:<http://www.paulofreire.org/paulo-freire-patrono-da-educacao-brasileira> (último acesso em 27/04/2015).57
A nossa escola ela vem do coração
Se a humanidade produziu tanto saberO rádio, a ciência e a cartilha do ABCMas falta empreender a solidariedade
Soletrar essa verdade está faltando acontecer
(Cantares da Educação do Campo, MST, 2006)
3.1 O sonho pela terra: um histórico de resistência
Em abril de 2007, cerca de 195 famílias organizadas pelo Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), ocuparam um pedaço da área conhecida como Horto Florestal Tatu, na
cidade de Limeira, instalando lá o acampamento Elizabeth Teixeira. A área ocupada pertencia à
extinta Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA), que teve suas terras entregues à
União, após a Presidência da República declarar a “Lei 11.483/07 de Janeiro de 2007, que destinava
as áreas da massa falida à projetos de habitação social. Entre os imóveis listados pela União,
encontrava-se o Horto Florestal Tatu em Limeira (CARCAIOLI, 2014).
Porém, em 2005, antes da extinção da RFFSA, a prefeitura de Limeira havia firmado um
contrato de compra com a inventariança da RFFSA, declarando o interesse de compra da área total
do Horto. Porém, nenhuma quantia em dinheiro ainda havia sido paga pela prefeitura à RFFSA —
apenas papéis foram assinados, e o negócio nunca foi concluído. Enquanto o negócio não era
concretizado, a documentação firmada garantia a posse do imóvel à prefeitura de Limeira
(CARCAIOLI, 2014).
O interesse pela área total do Horto, por parte da prefeitura de Limeira, se dava em função do
novo plano diretor da cidade, que estava em processo de elaboração, sendo concluído em 2009, com a
área sendo destinada, principalmente, para a expansão industrial do município. Essa expansão é
estratégica do ponto de vista político e econômico da cidade, uma vez que a linha de trem passa aos
fundos e a rodovia Anhanguera à frente — o que facilitaria o escoamento de produtos advindos das
indústrias que viessem a se instalar na área do Horto. Dentro do projeto do plano diretor também
consta a ampliação do aterro sanitário de Limeira. Vale ressaltar que o termo “aterro sanitário” não
deveria ser empregado para o “lixão” que existe hoje na área, onde podem ser encontradas diversas
espécies de animais atraídas pelo forte odor, pelo escorrimento de chorume nas áreas vizinhas e pelo
uso de técnicas ilegais para diminuição do volume de lixo no local. Todas as noites, podemos observar,
do acampamento Elizabeth Teixeira a queima do lixo no “aterro” (CARCAIOLI, 2014).
58
Imagem 1: Imagem aérea do acampamento Elizabeth Teixeira em 2008 – arquivo cedido pelo Sindicato dos Metalúrgicos
de Limeira (grifos meus na imagem).
Legenda 1: Grifos
Com uma área de 602 hectares, correspondendo a cerca de 20% da área total do Horto
Florestal Tatu, o acampamento Elizabeth Teixeira passou a ser um ponto de conflito entre a
Prefeitura de Limeira e o MST. Em novembro de 2007, a prefeitura conseguiu uma liminar na
Justiça Estadual, concedendo ao município a posse da área do acampamento. Utilizando a força
armada da Polícia Militar do Estado de São Paulo, a prefeitura então comandou o despejo das
famílias ocupantes na área do Horto Florestal Tatu, restando a elas apenas traumas e memórias23 de
23As memórias desse violento despejo sofrido pela comunidade podem ser encontradas em minha dissertação demestrado intitulada “Conhecimentos ordinários, currículo e cultura: artes de fazer no acampamento Elizabeth Teixeira”(CARCAIOLI, 2014).
59
Grifo roxo: linha ferroviáriaGrifo vermelho: limites do acampamento com a monocultura de cana de açúcar Grifo azul: rodovia AnhangueraGrifo amarelo: duas unidades da Fundação Casa construídas no ano de 2013.
um dia de horror (CARCAIOLI, 2014).
Imagem 2: O despejo do acampamento Elizabeth Teixeira, abril 2007 (arquivo cedido pelo Sindicato dos Metalúrgicos
de Limeira)
Em dezembro do mesmo ano, com um número reduzido de famílias, o MST organizou uma
nova ocupação à área, passando a receber o apoio de entidades religiosas, militantes de ocupações
vizinhas e apoiadores da sociedade civil. A União ajuíza ação contra a prefeitura de Limeira por
instalação irregular de equipamentos públicos no imóvel, e o Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão cede ao INCRA a área do Horto Florestal Tatu, para realização de
assentamento da reforma agrária. Com essa decisão judicial, em 2008, o INCRA dividiu a área em
lotes de 1 hectare por família, mas por cerca de 5 anos não apareceu mais no acampamento. Porém,
a prefeitura de Limeira recorreu da decisão, e “ações judiciais seguem sem solução aparente”
(TAUFIC, 2013, p.104). Em campanha eleitoral, a gestão atual da Prefeitura de Limeira prometeu
assentar as famílias e garantir mais direitos.
Ainda hoje, 2015, a situação não foi resolvida e a ocupação não está regularizada como um
assentamento, pois a questão legal da terra não foi definida; também não pode ser considerada um
pré-assentamento, por não estar em processo de assentamento das famílias, ou seja, deveria estar
sendo assistida pelo INCRA e recebendo os mínimos benefícios dos programas da reforma agrária,
que são um direito desse povo. Logo, resta à ocupação, após sete anos de resistência, ainda o título
de acampamento (CARCAIOLI, 2014). Atualmente as famílias passaram a receber atendimento
básico de saúde, no próprio acampamento, mas a regularização e o investimento em estruturas
básicas é o maior sonho da comunidade,
Meu maior sonho é conseguir esta terra, construir uma casinha e ficar perto da
minha mãe. (Paulo)
60
Meu sonho é relacionado a educação também, por que eu também quero me
formar. Eu quero fazer minha faculdade de direito, poder me formar e se Deus
quiser poder prestar para ser uma juíza de muito sucesso. Quero conquistar
minhas coisas, ter um apartamento meu, ter meu carro, realizar os meus sonhos
também, como os educandos da EJA que estão realizando os sonhos deles também,
estão batalhando por isso e eu também, de alguma forma estou batalhando pelos
meus sonhos! Ganhar essa terra, realizar o sonho da minha mamãe, né? O meu
também por que eu adoro morar aqui. Mesmo com toda a falta de estrutura eu
adoro morar aqui. É muito tranquilo! (Iveline)
Meu sonho e de todo mundo seria que normalizasse aqui, ter nosso espaço, ter a
certeza que isso é nosso e assim poder fazer nossas casas, poder plantar, poder
dar mais estrutura para os filhos, por que do jeito que está, para nós que somos
mães, acabamos vendo nossos filhos indo embora para a cidade, como foi meu
caso e é o caso de muitas famílias aqui. Os jovens acabam indo embora por que
não tem estrutura, não tem nada aqui, tudo é longe. Meu maior sonho era que o
Incra viesse e regularizasse tudo, acertasse tudo. (Cora)
Meus maiores sonhos? Bom, eu tenho um sonho, que acho que é comum para todo
mundo aqui da comunidade, que é conseguir a terra e formalizar este lugar aqui
como um assentamento. Aí assim, sendo um assentamento, tendo uma estrutura
melhor, podemos ter uma escola do campo tanto para os adultos quanto para as
crianças. Então, acho que a educação é um sonho, uma boa educação no caso.
(Leonela)
A atual gestão da Prefeitura Municipal de Limeira, retirou o processo de interesse pela área,
como prometido em campanha política, porém o processo para assentar e regularizar a situação das
famílias continua parado. Em 2014, o INCRA recadastrou a comunidade, que hoje conta com cerca
de 104 famílias, mas nenhuma delas até hoje recebe qualquer benefício da Reforma Agrária e
continuam vivendo em condição precárias e de extrema pobreza. Mesmo vivendo sem estruturas,
como cita Iveline, conquistar a terra é um sonho comum, que move todas as famílias e as mobiliza a
viver e resistir em comunidade. Para Paulo, conquistar a terra é poder continuar na comunidade,
viver perto de sua mãe e não precisar se mudar para a cidade como acontece com muitos jovens da
comunidade, como contou Cora.
A educadora Leonela mostra bastante consciência quando atrela a conquista da terra ao sonho
de uma boa educação, que para ela viria a partir de uma escola do campo, tanto para os jovens
61
quanto para os adultos. Leonela cresceu dentro de ocupações e teve uma formação de militância
junto ao MST, estudou nas escolas urbanas de Limeira, assim como todas as crianças e jovens do
acampamento e por isso tem clareza do que é “uma boa educação”, da diferença substancial que faz
“ter uma escola do campo” e do que é querer ter “uma estrutura melhor” para sua comunidade.
Mesmo sem receber recursos advindos de políticas públicas para a agricultura familiar
como o PRONAF24, por exemplo, as famílias acampadas produzem grandes quantidades de
alimentos, sem uso de agrotóxicos.
Há oito anos, as famílias vivem em barracos de madeira compensada e lona, sem energia
elétrica, ficando a cargo de geradores e placas solares, não sendo acessível a todos. A distribuição de
água é feita por caminhão pipa cedido pela Prefeitura Municipal de Limeira, cerca de duas a três
vezes na semana. Devido às más condições das estradas no interior do acampamento, nem todos os
lotes são alcançados pelo caminhão pipa, ficando algumas famílias dependentes da generosidade
dos vizinhos em dividir sua cota semanal. Algumas famílias conseguiram fazer seus próprios “poços
caipiras”, como chamam, dividindo também essa água com as famílias que moram no seu entorno .
Imagem 3: “Poço caipira” no lote de uma família e caminhão pipa entrando no acampamento. (arquivos pessoais)
24 O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF é um programa do Governo Federalcriado em 1995, com o intuito de atender de forma diferenciada os mini e pequenos produtores rurais quedesenvolvem suas atividades mediante emprego direto de sua força de trabalho e de sua família. Fonte:<http://www.ceplac.gov.br/radar/Artigos/artigo26.htm>, acesso em 29/
62
3.2 Da lona à alvenaria: a EJA e a escola do acampamento
Em dezembro de 2007, durante a reocupação, os integrantes do Coletivo Universidade
Popular25 conheceram o acampamento e se dispuseram a contribuir com espaços educativos na
comunidade a partir das demandas identificadas junto às famílias lá existentes. . A demanda por
uma turma de EJA se deu, tanto por parte dos próprios acampados quanto da direção do Movimento
que acreditava na EJA como uma ação importante para fortalecer o trabalho de base, uma vez que
os acampados aprenderiam a ler e escrever.
Assim, iniciou-se a turma da EJA no acampamento Elizabeth Teixeira, debaixo de uma lona,
sentados no chão, com uma pequena lousa, utilizando materiais escolares de doações, em horários e
dias acordados com os envolvidos e contando com a determinação de cada um ali presente. Durante
as primeiras aulas já se sentia a necessidade de uma Ciranda Infantil26 para que as mães e pais
pudessem estar liberados para participarem das aulas e as crianças também pudessem trocar
experiências a partir de uma formação inserida em seus cotidianos. Nessa época, os apoiadores do
Coletivo Universidade Popular se deslocavam de Campinas para Limeira com recursos próprios ou
de doações, recursos vindos de eventos que organizavam e assim por diante. Os jovens da
comunidade também se organizaram no “grupo de jovens” e participavam contribuindo nessas
ações educativas e, ao mesmo tempo, formando-se como educadores, como foi o caso das duas
atuais educadoras, Iveline e Leonela,
Fora daqui, nunca dei aula em outro lugar! Participo da EJA desde 2009, já são 6
anos! E agora mais 9 meses de PRONERA! Eu fiquei sabendo da EJA através da
Ciranda, pois eu ía na Ciranda com a minha irmã e participava das atividades
com as crianças, jogava vôlei, fazia essas coisas... Eu também participava do
grupo de jovens e lá nós conhecemos a turma da Unicamp. Eles já davam aulas
para alguns adultos e então nós começamos a acompanhar. Foi nesse momento
que eu conheci a Rosa, na Ciranda e no grupo de jovens. Nós participávamos de
várias coisas, participávamos do jornal que tinha no acampamento e assim fui
conhecendo a galera da Unicamp também. Nos conhecemos e o pessoal foi
explicando como era a alfabetização e nós passamos a ficar junto nas aulas.
25Sobre o Coletivo Universidade Popular, a EJA e as ações construídas junto à comunidade do Acampamento ElizabethTeixeira, pode ser conhecido em: COLETIVO UNIVERSIDADE POPULAR. “Na autonomia do povo o poderpopular: experiências com educação popular no acampamento Elizabeth Teixeira”. <livro no prelo>26“A Ciranda Infantil é o espaço da criança. Criança que brinca, conversa, se organiza, desenha, pinta, cuida doirmãozinho mais novo, que ajuda os pais a plantar, a colher, a buscar água e um monte de outras coisas. Esse espaçopode ser qualquer lugar: embaixo do barracão, em uma lona estendida embaixo de uma árvore, em uma kombi, nobarraco de alguém” (COLETIVO UNIVERSIDADE POPULAR, p. 54). As cirandas infantis são espaços pedagógicosdas crianças e facilitadores dos espaços de aprendizado do adulto.
63
Sentávamos com alguns educandos e ajudávamos! Não éramos educadoras ainda,
a gente ficava lá olhando o grupo e ajudando. (Iveline)
Minha primeira experiência foi na EJA daqui do Elizabeth mesmo, já faz uns 5 ou
6 anos, desde que começou! Fiquei sabendo da EJA através da minha mãe, que é
uma educanda também. Ela então começou a contar que tinha vindo o pessoal da
Unicamp para dar aula e que ela iria participar. Então, eu resolvi ir também para
ver como era e comecei a participar. No começo eu fui acompanhando e
auxiliando, pois tinha bastante gente. Como na época eu estudava na cidade e
tinha 15 anos, resolvi ir apenas auxiliando. Eu ficava lá, junto com eles para
ajudar! (Leonela)
A educanda Cora, também conheceu a EJA desde o início das aulas, em 2008,
Eu sempre fui envolvida com coisas de educação, tenho 13 anos de acampamento,
sabe o que é isso? Então em todos os acampamentos que eu passei tinha
acompanhamento de EJA, tinha no Irmã Alberta e no Terra Sem Males, em
Ribeirão Preto. Quando eu fiz o curso de educadora de Ciranda na USP, nós
viajávamos para vários acampamentos e assentamentos e assim sempre estive por
dentro. Tinha EJA também no acampamento Trilhares, eles na verdade começaram
e então eu conheci e fui acompanhando. Sempre acompanhando! As vezes eu ía,
voltava e acompanhava mais um pouco! Foi assim que eu conheci o EJA. Aqui no
Elizabeth eu participo desde que começou, desde 2008 (Cora)
Imagem 4: Aulas da EJA no acampamento Elizabeth Teixeira, à esquerda os primeiros Círculos de Cultura acontecendo
na casa dos moradores (2008) e à direita, o almoxarifado cedido para a escola (2009) (arquivos: Coletivo Universidade
Popular)
64
Dentro das salas de EJA esse movimento de “ir e voltar” como mencionou Cora, é bastante
comum, o que torna a EJA um espaço de resistência, mas também de muita fragilidade. Diversos
são os fatores que fazem com que educandas e educandos vão e voltem, porém é significativo o
sentimento de pertencimento ao grupo. Mesmo Cora indo e voltando na EJA ela se reconhece como
educanda e como parte do grupo, desde 2008. Esses fatores podem ir desde questões de gênero
como por exemplo mães que não podem estudar pois precisam cuidar dos filhos e não podem contar
com a ajuda dos companheiros que alegam estar “cansados após um dia de serviço”, até questões
como falta de dinheiro para pegar um ônibus e chegar até a escola. O ir e voltar, que não saberíamos
dizer quanto tempo durou para Cora, não a faz deixar de se sentir pertencente à EJA desde o início,
em 2008, e disposta a lutar por essa educação nas áreas de reforma agrária por onde passou. A EJA
significa um espaço de conquista, independente de quantos educandos e educandas estiverem
frequentando cotidianamente a aula. Sua fragilidade se dá no nível da gestão quando a EJA se torna
institucionalizada, para os gestores esse “ir e voltar” pode ser mal interpretado como “falta de
interesse”, levando ao entendimento como evasão e razão de fechamento das salas. Para a
comunidade do acampamento Elizabeth Teixeira, o fechamento da sala da EJA sequer entra em
discussão, pois esse espaço modifica o cotidiano e aproxima a comunidade, como nos conta Cora,
É uma coisa até que nós estávamos conversando lá no grupo. A EJA não é só um
lugar que a gente vai para a escola, para aprender! A EJA é mais que isso! Eu
mesma quase não saio de casa para nada, fico aqui e vou trabalhar, então acabo
nunca vendo ninguém, acabo vendo só quem está aqui perto e olhe lá. Só que lá na
EJA não, lá é um lugar onde a gente se encontra e bate papo também. Não vamos
lá só para aprender e estudar, vamos lá para nos encontrar, para conversar, tomar
um café juntos, fazer um lanche. Olha, o lanche é importante, pois é um momento
para a gente sair da sala, conversar um pouco, contar as fofocas, o que aconteceu
no dia, é muito bom! É bom por que eu vejo o pessoal e encontro as pessoas. Por
isso que eu digo, se tivesse mais gente encontraríamos mais pessoas e seria mais
gostoso ainda. Eu mesma, se não fosse a EJA, chegaria em casa do trabalho, iria
descansar, depois lavar roupa, limpar a casa, mexer na roça e só, não veria nin-
guém! Então, quando eu fico sabendo das coisas que estão acontecendo é quando
eu vou para a escola. (Cora)
A sala de aula da EJA, para além do espaço de aprendizagem, é o espaço da sociabilidade , o
espaço de reposição de suas identidades sociais mediadas pela troca de experiências.; é o espaço
onde as pessoas fortalecem seu sentimento de pertencimento a comunidade, à luta de resistência.
65
Desde 2008, a turma da EJA nunca mais parou, em pouco tempo a comunidade decidiu
destinar o barraco que usavam como almoxarifado para montar uma escola (Imagem 4). Como o
barraco estava bastante precário, uma acampada que não era educanda da EJA, resolveu construir
um “puxadinho” em sua casa para abrigar a sala da EJA e lá montar a escola com mais comodidade.
Por lá a sala da EJA ficou por cerca de dois anos e, durante esse tempo, ela se tornou educanda da
EJA.
Imagem 5: A escola e as aulas da EJA acontecendo na casa de uma das educandas (2012). (Arquivo pessoal)
Todas as educadoras e educadores, incluindo os jovens do acampamento, faziam estudos
coletivos para aprender um pouco sobre o que e como era “ser educador e educadora”, como fazer,
que metodologia usar. Os estudos coletivos sempre foram balizados pela Educação Popular. Nessa
época, tiveram contato com o método cubano “Yo, sí puedo” (“Sim, eu posso”), bastante utilizado
ainda hoje nas salas de EJA do MST pelo país. O método é responsável por alfabetizar milhões de
pessoas por toda a América Latina. No acampamento Elizabeth Teixeira um fator limitante para a
utilização desse método foi a falta de energia elétrica para ligar um DVD e uma TV. Para utilizar
gerador, não havia recursos para o combustível e também não era garantido que funcionassem os
aparelhos. A escolha foi trabalhar a partir da Educação Popular, com a ideia dos Círculos de
Cultura27. O método Paulo Freire sempre esteve presente nas aulas. E a alfabetização foi assim
acontecendo, mantendo-se já por 7 anos.
27Círculo de Cultura é uma ideia que substitui a de turma de alunos ou a de sala de aula. Teve grande aplicabilidade eênfase, a partir de práticas de alfabetização de adultos, no exercício pedagógico de Paulo Freire iniciado na década de60. Círculo, porque todos inseridos nesse processo educativo formam a figura geométrica do círculo, acompanhados poruma equipe de trabalho que ajuda a discussão de um tema da cultura, da sociedade. Na figura do círculo, todos se olhame se veem. Nesse círculo, não há um professor, mas um animador das discussões que, como um companheiroalfabetizado, participa de uma atividade comum em que todos se ensinam e aprendem. O animador coordena um grupoque ele mesmo não dirige. Em todo momento, promove um trabalho, orienta uma equipe cuja maior qualidadepedagógica é o permanente incentivo a momentos de diálogo. (MARINHO, 2009).
66
Imagem 6: Cadernos de aulas dos educandos e educandas da EJA do acampamento Elizabeth Teixeira (arquivo pessoal)
Em 2010, o Coletivo Universidade Popular passou a concorrer a editais de extensão
comunitária, como o Programa de Extensão Universitária - PROEXT 28– via MEC e Projetos de
Extensão Comunitária - PEC – via Pró Reitoria de Pesquisa e Assuntos Comunitários - PREAC
(UNICAMP) 29, conseguindo dessa forma, financiamento para desenvolver as atividades no
acampamento Elizabeth Teixeira. Assim, os Círculos de Cultura junto à turma da EJA puderam
ocorrer com mais frequência, aumentando de um para três dias na semana; os materiais de aula
também foram garantidos assim como um lanche oferecido em todas as aulas. A disponibilidade de
apoio financeiro foi essencial para que a EJA se mantivesse no acampamento.
Em 2011, os educandos e educandas da EJA levaram para o Círculo de Cultura uma
demanda e um sonho: construir uma escola de alvenaria no acampamento. A partir dessa
demanda, todo o grupo se uniu para pensar em como viabilizar esse sonho. Um grande limitante
era sem dúvida o recurso financeiro para compra de materiais de construção, pois a mão de obra
viria ali de dentro da própria comunidade. Diversas ideias surgiram e a que mais agradou a todos foi
a produção de um calendário do acampamento Elizabeth Teixeira, que seria comercializado com a
finalidade de arrecadar dinheiro para a construção da escola.
O projeto do calendário se materializou, sendo composto de fotos do acampamento e
narrativas da comunidade e das educandas e educandos da EJA. Todo o processo de fotos,
entrevistas, edição e montagem do calendário foi realizado nos Círculos de Cultura da EJA. O
“Calendário 2012” foi vendido em toda a região de Limeira, levantando uma boa quantia em
28O Programa de Extensão Universitária (ProExt) tem o objetivo de apoiar as instituições públicas de ensino superior nodesenvolvimento de programas ou projetos de extensão que contribuam para a implementação de políticas públicas.Criado em 2003, o ProExt abrange a extensão universitária com ênfase na inclusão social. (Fonte:<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12241&Itemid=488> (acesso em29/04/2015)29PREAC: Pró Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários da UNICAMO, abre anualmente editais parafinanciamento de Projetos de Extensão Comunitária (PEC), que envolvam o ensino e a pesquisa desenvolvidas dentroda Unicamp. Para conhecer a PREAC e projetos PEC, acessar: <http://www.preac.unicamp.br/> (último acesso em29/04/2015).
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dinheiro. O grupo também decidiu que o recurso levantado cobriria o início das obras da escola,
mas também seria destinado à compra de óculos para os educandos e educandas da EJA, pois esse
era um fator significativo de evasão .
Imagem 7: Páginas do Calendário 2012 do acampamento Elizabeth Teixeira (arquivo pessoal)
Assim, em 2012, o grupo da EJA deu início ao sonho da construção da escola. O Coletivo
Universidade Popular nessa época se dividiu em frentes de trabalho, para organizar melhor suas
ações; as frentes eram EJA, Ciranda Infantil e Agroecologia. A construção da escola deveria incluir
todas as frentes e todas as pessoas da comunidade que participavam delas. Foi assim que na metade
desse ano, a construção da escola deixou de ser idealizada e passou a ser um trabalho de muitas
mãos. Como o recurso não era suficiente para a compra de todos os materiais de construção,
decidiu-se por fabricar os tijolos dentro do próprio acampamento. A Rede de Agroecologia da
Unicamp (RAU), contribuiu emprestando uma prensa para fabricar os tijolos, que foram
artesanalmente fabricados com cimento, terra e água, passando pela prensa e por um processo de
cura que levava alguns dias. Todo o processo foi realizado a partir de mutirões que envolvia
apoiadores e comunidade. Em alguns dias de mutirões os Círculos de Cultura da EJA se davam nos
próprios mutirões. Toda a construção da escola, que foi carinhosamente apelidada de “Escolinha”
pela comunidade, foi realizada a partir de mutirões envolvendo apoiadores e comunidade; alguns
trabalhos específicos como a carpintaria, foi realizada pelos moradores que dominam tal ofício e o
ensinavam aos companheiros. Todo o processo de fabricação dos tijolos e a construção da
“Escolinha” estão apresentadas nas imagens abaixo.
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Imagem 8: mistura de terra, água e cimento para confecção Imagem 9: mistura sendo colocada na prensa
dos tijolos (2012). (arquivo pessoal) (2012). (arquivo pessoal)
Imagem 10: Tijolos prontos saindo da prensa, à esquerda e tijolos passando pelo processo de cura à direita
(2012). (Arquivo pessoal).
Imagem 11: pilha de tijolos prontos (2012). Imagem 12: Mutirão para construção da escola.
(Arquivo pessoal) Primeiras etapas da construção (2012). (Arquivo pessoal)
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Imagem 13: Mutirão para a carpintaria da escola. (2013). Imagem 14: Mutirão para construção da fossa de
Últimas etapas de construção. (Arquivo pessoal) Evapotranspiração da “Escolinha” (2014). (Arquivo
Coletivo Universidade Popular)
Imagem 15: A escola pronta, 2013 à esquerda e 2015 à direita. (Arquivo pessoal)
A “Escolinha” ficou pronta em abril de 2013 e desde então os Círculos de Cultura passaram
a acontecer neste novo espaço. A escola ainda não possui um nome, dentro do Círculo de Cultura já
foi proposta essa atividade, pensando em envolver toda a comunidade. Porém, a maior parte da
comunidade do acampamento ainda prefere que o nome seja escolhido somente após terem a posse
da terra, pois a escola não representa apenas umas simples construção. Dentro do acampamento ela
é a única construção em alvenaria e representa um símbolo de resistência e de luta por essa terra..
O recurso arrecadado com a venda dos calendários foi suficiente para construir a escola e
comprar equipamentos necessários para equipá-la, como uma placa solar para garantir a energia
elétrica da escola. A escola tem seus problemas, no momento, a bateria responsável por armazenar a
energia elétrica produzida pela placa solar parece estar com defeitos e precisando de reparos.
Muitas doações foram recebidas e hoje a escola possui uma ótima biblioteca. As narrativas podem
nos contar um pouco o que acham educandos e educadoras sobre o espaço físico da escola,
Eu acho a “Escolinha” uma conquista, mas apesar disso precisa de muitas
melhoras, como na iluminação, que é muito ruim ainda, as luzes são muito fracas,
está “trash”! Tem sempre o problema da bateria, mas mesmo com bateria boa a
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luz é pouca, tem que melhorar! A gente estava com dificuldades com a lousa, mas
agora resolveu e nós estamos com uma lousa nova e boa. Melhorou bastante com
essa lousa por que o pessoal consegue enxergar melhor. Temos ainda problema
com a estrutura, mas enfim, é super legal, as carteiras estão boas. O problema é a
energia, quando chegar a energia elétrica será um sonho! (Iveline)
Acho que é muito importante, o espaço ali da escola é fundamental, pois a gente se
sente muito a vontade e assim podemos dizer: “Eu vou para a escola!”. Você sente
que está numa escola de verdade, por que tem a lousa, as cadeiras e os livros.
Acho isso muito importante! O espaço é fundamental para as pessoas se sentirem
bem. Mesmo que seja aqui no Sem Terra com todas as dificuldades que temos.
Agora mesmo estamos com a dificuldade da energia elétrica pois está dando
problema na bateria. Mas damos sempre um jeito, por que ter a escola é
fundamental! Acho que a “Escolinha” aqui tem uma estrutura boa para nós,
mesmo com todas as dificuldades, claro que sempre tem o que melhorar! (Cora)
É, antes não tinha, não é? Antes a escola não existia! Ela estar aqui é importante
pois tem muita gente aqui dentro que não teve oportunidade de ir para a escola.
Agora é bom, por que tem a “Escolinha”! É bom por que ela existe! (Paulo)
Eu acho o espaço físico da escola muito bom, por que o espaço foi construído pelo
pessoal daqui da comunidade! Eu acho a escola um espaço muito acolhedor! Ele
tem muitas coisas, não é precário como a gente tinha há alguns anos atrás. Tem
algumas acomodações e também tem os livros ali perto, o que ajuda muito! Eu
acho um espaço bem adequado para as aulas. (Leonela)
Mesmo com alguns pequenos problemas, as aulas acontecem, pois o grupo sempre “dá um
jeito”, porque consideram a escola fundamental e como disse Paulo “É bom por que ela existe!”.
Todos e todas envolvidas na EJA e nas atividades dentro do acampamento reconhecem que a escola
tem um significado muito importante “pois foi construída pelas pessoas daqui da comunidade”, se
tornando assim um símbolo muito forte de resistência do acampamento e de persistência de cada
sujeito que contribui para que a EJA continue existindo.
3.3. Os sujeitos da EJA e suas motivações
O perfil das educandas e educandos do acampamento Elizabeth Teixeira varia bastante: a
idade das pessoas varia de 17 a 73 anos em número proporcional de homens e mulheres. É possível
identificar diferentes motivações entre os educandos para frequentarem os Círculos de Cultura, o
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que veremos em muitas narrativas ao longo do texto, há educandos que procuraram a EJA para se
alfabetizarem; outros buscam na EJA um espaço de inserção em atividades dentro do acampamento,
como foi o caso de Paulo, por exemplo. Paulo e Cora participam da EJA, já sabem ler e escrever,
mas acreditam que sempre há o que aprender nas aulas, como podemos acompanhar,
Eu leio muito bem e escrevo muito bem também. Isso é algo que o pessoal da EJA
sempre falou, que é muito difícil eu ter erros de português! Claro que de vez em
quando tem coisa que a gente enrosca, mas é muito raro, geralmente leio e escrevo
muito bem. Na época que eu ía para a escola era aquela coisa, se você errasse
vinha a professora e “paf” dava com a régua na sua orelha, ou você aprendia, ou
aprendia, ou vai para o cantinho ajoelhar no milho! Tive que aprender na marra!
Como eu disse, aprendi o básico de tudo. Só que assim, na época que eu estudei,
na verdade acho que a gente nem aprendia, decorávamos para poder fazer a prova
na hora. Tem coisas que eu tenho dificuldades sim, no Português nem tanto, mas
na Matemática tem umas continhas que eu andei batendo a cabeça. Mas é coisa
assim que eu não lembro mais e estou relembrando e tem outras coisas que
mudaram muito. (Cora)
Antes de entrar na EJA eu lia mais ou menos, um pouquinho só. Tenho um pouco
de dificuldades na pontuação, mas já está melhorando bastante. Escrever eu sei
bem, não tenho dificuldades. Matemática é mais fácil ainda, por que eu gosto
muito de Matemática. (Paulo)
Cora e Paulo mostram querer “saber mais”, mesmo que seja para relembrar, como diz Cora.
É importante observamos quando Cora compara a escola de antigamente que ela frequentava e a
escola da EJA, que ela frequenta hoje. Sua conclusão é a de que antigamente ela apenas decorava
para fazer provas e na verdade não aprendia. Participar da EJA dá a ela essa oportunidade de agora
sim, aprender. Ambos, educanda e educando, nos apresentam suas opiniões sobre a necessidade da
escrita, da leitura e da matemática na vida cotidiana,
Ler é importante para muita coisa, não é? Como pegar ônibus, assinar um papel,
um documento. É bom, não é? Escrever também é bom! Assinar uns papéis,
documentos e ir ao banco sozinho. Se você comprar um carro, precisa escrever seu
nome lá, não é? É bom para ir ao mercado também. Quando você vai no mercado
fazer compras, tem que saber fazer contas nessa situação! (Paulo)
Para mim, leitura é importante para tudo, pois até mesmo o trabalho na roça
necessita de um pouco de leitura! Eu vejo ali na escola o pessoal que tem
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dificuldade como a Maria e outros ali que frequentam. Quando vai fazer uma
horta, você precisa ler o pacotinho, saber o que você está semeando, tem que ter o
mínimo de leitura. É complicado não saber, acho que leitura é essencial! A escrita
para mim é importante demais, pelo menos para o pessoal saber escrever o nome,
não é? Por que de repente vai assinar alguma coisa, um documento ou mesmo
uma nota que vem aqui. Tem por exemplo a entrega da doação simultânea, tem
que ter a escrita, pois você tem que escrever seu nome, tem que ter a escrita, por
que aqui dentro mesmo já usa muito. Assim como a escrita, a leitura, acho que a
Matemática está em todos os lugares! Por exemplo, você vai fazer uma receita,
precisa saber qual a quantidade vai de cada coisa, quanto que vai de ovo, quanto
que vai de óleo, isso tudo envolve a Matemática, não é? Então acho que ela é
muito importante. (Cora)
Mesmo sabendo já ler e escrever, o educando e a educanda vão, a partir de suas narrativas,
nos dando “pistas” das demandas da comunidade. É a partir dessas “pistas” que Paulo Freire (1980)
vai ensinando os educadores e educadoras, a quem ele chama de animadores e animadoras, a
fazerem junto aos educandos e educandas a “leitura” da realidade. Ele propõe que essa “leitura”
ocorra associada a projetos de ação, mas que são possíveis a partir do momento que os educadores e
educadoras conhecerem quem são e o que pretendem ali dentro da EJA, cada um dos educandos e
educandas presentes.
3.4 O ano de 2014: O PRONERA chegou!
Em março de 2014 foi anunciada pelo MST a abertura de aproximadamente 25 salas de EJA
pelo PRONERA no estado de São Paulo por meio de um convênio firmado entre INCRA e MEB e
uma das salas aprovadas foi a EJA do acampamento Elizabeth Teixeira. A parceria propõe ciclos de
alfabetização e pós alfabetização, como seguem as informações contidas no site do MEB,
Os convênios foram celebrados no dia 31 de Dezembro de 2013, terminando a sua primeira
meta em março de 2014. Em abril iniciou a segunda meta com uma estimativa de
acompanhamento de 300 educadores e 6.000 educandos, distribuídos em seis estados, AL,
CE, MA, PI, RN e SP. […] O Primeiro ano teve como objetivo a alfabetização de jovens,
adultos e idosos acampados e assentados dos seis estados beneficiados pelo Projeto. Para
este segundo ano o objetivo a ser alcançado será o de escolarizar os educandos
alfabetizados na primeira meta. (Fonte: <http://www.meb.org.br/index.php/noticias> acesso
em 29/04/2015)
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Uma possível correção provavelmente caiba na notícia emitida pelo MEB: o convênio
parece ter sido celebrado em dezembro de 2013, sendo que a primeira meta provavelmente
terminou em março de 2015 e não março de 2014, como publicado. A segunda meta provavelmente
deve se iniciar a partir de abril de 2015.
Desde 2008, a comunidade do acampamento e todos os apoiadores aguardavam ansiosos a
chegada do PRONERA, que poderia contribuir com a manutenção do Círculo de Cultura e
principalmente, garantir a certificação pelos estudos dos educandos e educandas da EJA dentro do
acampamento, pois até o momento nenhum educando obteve alguma certificação. Esta questão é
muito importante, pois educandos e educandas frequentam a EJA para “aprenderem”, se
encontrarem com os companheiros e companheiras, como citado já por Cora, mas também por que
querem um reconhecimento de seus estudos, querem ter a oportunidade de continuarem seus
estudos, ou seja, querem realizar seus sonhos e devem ter esse direito garantido. Essa é uma das
motivações que levam elas e eles a se dedicarem nessa terceira jornada diária que costuma ser a
EJA. Vejamos algumas narrativas,
Olha, na verdade eu quero mesmo é meu diploma! Eu ando pensando em fazer
uma faculdade daqui a um tempo, minha chefe no trabalho até me motivou. Eu
falo: “Quero ser Nutricionista!”. Eu vou estudar! Na verdade, cada vez que você
aprende um pouquinho já te ajuda mais. Não sei se essa profissão ajudaria tanto
aqui dentro, mas eu poderia pensar em como trabalhar isso. (Cora)
Pretendo fazer um curso de robótica, gosto de matemática e de informática!
(Paulo)
Desde a chegada do PRONERA no acampamento Elizabeth Teixeira muita coisa parece ter
mudado na EJA, como nos contam os próprios educandos e educadoras,
Desde que o PRONERA chegou acho que mudou bastante coisa, tanto ao meu ver
quanto ao ver dos educandos, pois como eles mesmos dizem: “parece que agora
estamos numa escola de verdade!”. Tem mais reconhecimento, eles veem que tem a
lista de chamada, tem os relatórios, tem os livros, o material escolar, a mochila[...]
Mudou, ficou uma coisa mais formalizada. (Leonela)
Mudou bastante coisa desde que chegou o PRONERA. Eu acho que o pessoal
estava muito desanimado, mas agora acho que se animaram mais! Eles passaram
a frequentar mais as aulas. Acho que é por estarem vendo as coisas acontecerem.
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Hoje em dia as pessoas estão com muito interesse em participar. O único problema
é que muitas pessoas não tem com quem deixar os filhos de noite. A questão do
espaço é muito importante, não parece mas é, por que a gente tem um espaço
nosso para aprender. Lá no meu trabalho o pessoal nem acredita, muitas vezes,
que aqui dentro tem uma escola e que a gente estuda de verdade! É importante até
para o pessoal de fora ver e saber que aqui dentro tem uma escola, que tem
professores, que a gente estuda, que tem tudo! (Cora)
Olha, eu acho que as pessoas ficaram mais animadas por causa do diploma e isso
é bom! Então, ter a certeza que vai ter a oportunidade de se formar e ter um
diploma é sensacional. Acho que foi isso que mudou. O que melhorou foi ter esse
material, por mais que não seja bom é um incentivo, as pessoas veem que está
acontecendo mesmo! Vem material de verdade para a gente, fazemos chamada,
não que faça todo dia, mas a Leonela coloca lá os nomes de quem frequenta as
aulas e de quem está presente na aula, então as pessoas acabam tendo uma certa
responsabilidade, sabem que tem que ir às aulas, que não podem ter faltas, isso
mudou bastante. (Iveline)
Antes eu não conhecia a EJA, mas agora que conheço acho muito bom! Todo o
apoio e o material que tem são importantes, por que senão não daria para ter
aula. (Paulo)
Nessas mudanças, como a própria educadora diz, “Mudou, ficou uma coisa mais
formalizada”, as aulas passaram a ter livro didático, chamada e a garantia de um diploma. Isso tudo
parece fazer com que todos se sintam “em uma escola de verdade”, sintam que “estudam de
verdade”. A ideia apresentada por eles e elas de uma “escola de verdade” remete ao ideal da escola
convencional, que é o modelo de escola que todos eles têm como referência. A ideia de que escolar
tem que ter sala e quatro paredes, tem que ter material didático, livro, tem que ter diploma faz parte
de uma ideia coletiva e institucionalizada de escola. Ao mesmo tempo, todos e todas reconhecem
esse espaço como uma escola diferente, em que são estimulados a serem críticos e terem opiniões
próprias, reforçando a ideia de que “não há educação e por isso alfabetização de adultos neutra.
Toda educação tem, em si, uma intenção política” (FREIRE, 1980, p.138). Acreditamos que essa
compreensão, que todos e todas tem da educação que estão recebendo, só é possível por que os
Círculos de Cultura continuam se mantendo e neles, a ideia de que todos e todas “tem direito a
terem direitos” (CALDEIRA, 1984), trazida pelos movimentos sociais desde a formação de base, se
reforçam e se materializam, a partir do momento em que há políticas públicas e essas chegam até as
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classes sociais a que se destinam.
Esse caráter de “escola de verdade”, trazido a partir da entrada do PRONERA não parece ter
desfeito os Círculos de Cultura, pois vemos eles acontecendo não na teoria30, mas na prática,
principalmente pelas educadoras terem se formado nos grupos de jovens e estudado junto ao
Coletivo Universidade Popular, a Educação Popular, o método Paulo Freire e por muito tempo
terem participado da EJA, como elas dizem “para ajudar”. A prática dos Círculos de Cultura está
posta, eles e elas parecem já ter assumido “uma atitude crítica” (FREIRE, 1980) diante dessas aulas,
diante do PRONERA em geral. Acreditamos que as narrativas abaixo podem deixar essa reflexão
mais clara quando questionamos o educando e a educanda sobre as metodologias de aulas, as aulas
que gostam e que não gostam,
As aulas aqui são muito diferentes da escola normal da cidade, por que aqui a
gente convive, conversa com o pessoal, a gente tem uma comunicação melhor e
isso é bom, a gente trabalha em grupo, é melhor ainda! Na escola normal, eu pelo
menos, não tinha essas dinâmicas, por isso eu gosto daqui! Quase todas as aulas
estão sendo boas, o que eu não gosto muito é de rever todas as letras, as sílabas,
tudo de novo, mas também é bom por que assim está ajudando e ensinando as ou-
tras pessoas. (Paulo)
Como eu falei, as vezes fica um pouco complicado por que a gente que tem um
pouquinho mais de conhecimento consegue assimilar mais facilmente as coisas
quando a professora está explicando. Tem outras pessoas que tem mais
dificuldade, tem que explicar mais, tem gente que não entende direito. As vezes a
gente termina o trabalho, a lição e fica esperando o resto do pessoal. Mas aí, nós
que acabamos antes vamos lá para ajudar as pessoas. Eu mesma já fui ajudar
várias vezes. Por que é isso, um está ali para ajudar o outro, não é? Mas eu acho
importante as pessoas darem essa ajuda. O pessoal as vezes fica receoso, fica com
vergonha por que eu sei ler e ele não sabe. Mas não tem nada a ver, um está ali
para ajudar o outro. Agora, nós conseguimos que um ajude o outro sem nenhuma
vergonha, é a convivência que faz isso! Gosto de todas as aulas, eu vou para a
escola para aprender, então acho que independente da aula eu sempre vou
aprender alguma coisa. Para mim, todos os tipos de aulas são bons, pois sempre
tem uma coisinha ou outra que você quer saber mais. Matemática mesmo tem
muitas coisas que eu não lembro mais, que eu esqueci. Português também, as
30Quando nos referimos que os Círculo de Cultura não acontecem na teoria, estamos querendo dizer que a parceria
realizada entre INCRA e MEB, o livro didático utilizado, que veremos narrativas mais a frente sobre ele, a formação
dos educadores e educadoras, acabam por não incentivar as práticas de Educação Popular, como os Círculos de Cultura.76
vezes dá um branco e eu não lembro mais nem como escreve a palavra. Então eu
gosto de todo tipo de aula. (Cora)
O Círculo de Cultura em sua essência, parece ocorrer cotidianamente, sendo essa prática
responsável por tornar “as aulas muito diferentes da escola normal da cidade”. Assim, “Os Círculos
de Cultura são precisamente isto: centros em que o Povo discute os seus problemas, mas também
em que se organizam e planificam ações concretas, de interesse coletivo” (FREIRE, 1980, p.141).
Essa diferença de práticas é também o que encoraja e motiva as educadoras a assumirem esse papel
no acampamento Elizabeth Teixeira, sendo responsável pelas mudanças em suas vidas, como
podemos notar em suas narrativas.
O que mudou na minha vida com a EJA? Ah, muita coisa, não é? Eu passei a
interagir com as pessoas, porque eu não era assim de fazer amizades fácil!
Naquela época eu não era muito de conversar e hoje em dia é diferente, a gente
brinca, temos liberdade uns com os outros, coisa que eu não tinha antes, é muito
legal! Na EJA, essa convivência também é muito legal, por que a gente aprende
muita coisa com eles, com os mais velhos, que tem muita experiência! As vezes a
gente acha que ensina e na verdade somos nós que estamos aprendendo, não é?
Bastante conhecimento, acho que isso é o que estou levando até hoje! (Iveline)
Ah, muita coisa mudou na minha vida! Basicamente tudo, não é? Pois eu era
muito tímida, muito inibida. Essa relação de contato com os companheiros do
acampamento, isso mudou muito, pois tive mais aproximação com eles. E também
a experiência que a gente ganha. (Leonela)
Desde que comecei a EJA muita coisa mudou na minha vida. Tinha umas coisas
que eu já tinha esquecido e aí fui relembrando e aprendi mais, a pontuações foram
importantes! Outra coisa que mudou foi que eu aprendi a respeitar, por que antes
eu não respeitava ninguém. Então é bom, por que eu estou respeitando e é bom por
que lá na EJA um tem que ensinar o outro e a gente precisa respeitar as pessoas
para trabalhar junto com elas! Mas antes eu não conhecia muita gente,
principalmente os mais velhos, eu não falava muito com eles, agora já falo mais e
a gente se ajuda. (Paulo)
Os Círculos de Cultura da EJA, além de proporcionarem o aprendizado de ler, escrever,
acertar as pontuações, como diz Paulo, tem esse caráter, de aproximar a comunidade, são espaços
que proporcionam aos jovens e aos mais velhos se encontrarem e se conhecerem, respeitando um
ao outro, trocando experiências e passando a trabalharem coletivamente. Em um primeiro
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momento, esses trabalhos juntos podem se dar apenas dentro da EJA, mas a medida que a
convivência vai se tornando cotidiana, esses laços tendem a se fortalecerem e o trabalho coletivo
ultrapassa os muros da escola, uma das características da Educação do Campo.
A motivação das duas educadoras em serem educadoras no acampamento também são
expressas nas narrativas a seguir,
Assim, corrigindo, o que mais me motiva a ser educadora do acampamento
Elizabeth Teixeira? Essa seria a pergunta! Por que, vendo meus companheiros de
luta, eu penso no que eu posso contribuir para passar um pouco do conhecimento
que eu tenho para eles e eles para mim, pelo menos isso! O que me motiva é ser
educadora do Elizabeth Teixeira! Eu poderia ser educadora em outro lugar, mas
essa seria uma outra experiência, por que aqui como já estou na convivência com
todo mundo eu já tenho uma facilidade de lidar. Porém, quando você chega num
lugar onde você não conhece ninguém, a história daquele lugar, das pessoas, é um
pouquinho complicado, é uma outra experiência. (Leonela)
Ver eles conquistarem o sonho deles, por exemplo saber ler! Eu já estou vendo
isso, a Maria é um caso que antes não sabia nada e hoje já junta as letrinhas e
escreve. Ela mesma estava falando, que agora vai ao banco sozinha! Antigamente
ela passava a maior vergonha de ir lá e ficar pedindo ajuda. Hoje em dia ela vai
lá, tira extrato sozinha, faz tudo sozinha. Então, isso é o que me motiva a
continuar indo na EJA, é por eles! Por eles estarem cada vez mais orgulhosos em
falar “eu já sei isso, eu já sei aquilo…” coisa que antes não faziam. (Iveline)
No caso da educadora Iveline, ela nos conta o que a motiva a trabalhar em uma fábrica,
distante do acampamento, e após o turno de trabalho se dedicar à EJA,
É difícil, eu poderia estar em casa dormindo e descansando! Mas como eu falei,
ver a força de vontade deles e as dificuldades, pois tem gente com muita
dificuldade, me motiva a querer estar na EJA. Além disso eu sei que a Leonela
sozinha não conseguiria auxiliar a todos e eu tenho um pouco de experiência
nisso. Então, por que eu ficaria em casa se eu posso ir pra lá e ajudar as pessoas a
realizarem o sonho delas? Se eu não fosse não seria eu! E penso de outra forma!
(Iveline)
As cartas de Paulo Freire (1980) aos educadores e educadoras de São Tomé e Príncipe
continuam a nos motivar e contribuem muito em nossa discussão, uma vez que dialoga exatamente
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com as reflexões trazidas pelas educadoras,
O papel, portanto, do animador ou da animadora cultural no Círculo de Cultura, numa
sociedade em que “o silêncio já não é possível”, em suas relações com os alfabetizandos,
não é o de quem transfere o conhecimento, mas o de quem, através do diálogo, procura
conhecer com os alfabetizandos. Ao ensinar algo aos alfabetizandos, o animador ou a
animadora cultural aprende deles algo também. Na educação revolucionária, que irá
substituindo, a pouco e pouco, a educação colonial, em todos os seus níveis, não é possível
separar o ato de ensinar do de aprender; o ato de educar e de ser educado. Por isso é que
nos temos referido sempre ao animador cultural como um educador-educando, em diálogo
com o alfabetizando, como um educando-educador. […] Isso significa que os animadores e
as animadoras culturais, como militantes, não terminam o seu trabalho quando deixam a
reunião do Círculo de Cultura. Pelo contrário, o seu trabalho se dá na comunidade mesma
de que a sua atividade no Círculo de Cultura é um momento apenas. É importante que
animadoras e animadores convivam com o Povo e não somente com os alfabetizandos nos
Círculos de Cultura. É preciso que vão “lendo”, também, a realidade do Povo para que
possam, nos Círculos de Cultura, discuti-la com os alfabetizandos. (FREIRE,1980, p.140)
O que podemos notar é que a percepção dos educandos e educadoras sobre a EJA mudou,
provavelmente pelo direito à certificação, pelas educadoras serem da própria comunidade, entre
outras questões, como diz Cora, “o pessoal estava muito desanimado, mas agora acho que se
animaram mais! Eles passaram a frequentar mais as aulas”. Parece que há uma consciência de que
a responsabilidade sobre a permanência de uma política pública para a EJA dentro do acampamento
é de todos os envolvidos, assim como diz Iveline, “eles acabam tendo uma certa responsabilidade,
sabem que tem que ir às aulas, que não podem ter faltas [...]”. Fica claro que a institucionalização
da EJA por meio do PRONERA permite maior credibilidade por parte de todos os envolvidos,
mesmo que a maior parte deles e delas não tenha clareza sobre o que é de fato o PRONERA, como
vemos,
Já ouvi falar, mas conhecer assim, especificamente não! Tinha ouvido falar da
existência dele, mas como uma coisa longe. Quando falaram que vinha essa
oportunidade para cá eu fiquei muito feliz, mesmo não tendo participado das
formações como a Leonela participou. (Iveline)
Eu ouvia falar, ouvia sobre a luta que o movimento vinha fazendo para a gente
conquistar isso, mas mais através da luta mesmo. Eu sabia que existia o
PRONERA e que ele era algo relacionado com a Educação, mas mais como uma
ferramenta que iria dar uma estrutura melhor para a gente. Mas é isso, um
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entendimento bem simples mesmo. (Leonela)
Não, eu nunca tinha ouvido falar de PRONERA. Só ouvi falar quando comecei a ir
na Escolinha, mas até hoje não sei o que é o PRONERA direito. (Paulo)
Mais ou menos, eu ficava mais ligada com o setor infantil então é diferente da
EJA. Até hoje eu acho que não conheço direito, é uma boa, uma boa pergunta
mesmo! Acho que vou falar para a Leonela dar uma aula sobre isso, por que eu
não sei direito o que é. Se você me perguntar o que é o PRONERA eu não saberia
explicar direito. Acho que precisaria esclarecer direito para a gente, talvez até
para ela! (Cora)
3.5 A formação de educadores e educadoras
O PRONERA que era tão esperado, chegou no acampamento Elizabeth Teixeira e os ganhos
para toda a comunidade parecem ser um ponto indiscutível. Porém, a formação que as educadoras e
educadores vem recebendo, que fica por conta do MEB principalmente, ainda contém muitas
lacunas a serem preenchidas, visto que os beneficiários do PRONERA tem pouco ou até nenhum
esclarecimento sobre a política pública. Investir de forma assídua na formação de educadores e
educadoras deve ser uma importante prioridade dos programas educacionais e acreditamos que essa
pauta deve fazer parte de todas as agendas dos programas de Educação. As narrativas das
educadoras do acampamento Elizabeth Teixeira, deixa claro as falhas e as dificuldades que elas tem
a partir dessa formação inicial que as preparou para entrarem nas salas de aulas como
alfabetizadoras,
Eu acho que, primeiro a formação dos educadores tem que melhorar! Falando por
mim, achei um pouco precária, tanto pela primeira formação que eu fui quanto
pela formação continuada que tem. Quando tem a formação ficam pegando mais
nos pontos de papelada, de burocracias mesmo, não fazem uma formação em
pedagogia, por exemplo! Tanto que, na primeira formação ficaram um dia inteiro
falando do MEB. Acho que poderiam ter aproveitado aquele período para auxiliar
mais os educadores. Tinha ali muita gente que nunca tinha dado aula, que nunca
tinha tido essa relação com os educandos e que aí chegou na sala e ficou um
pouco assustado. A formação não foi uma preparação para que a gente entrasse
confiante dentro da sala de aula, foi mais para apresentar material, para falar das
documentações que teríamos que mandar, da parte burocrática mesmo, mas faltou
80
a parte pedagógica. Não vou falar que não teve, mas foi assim, bem baseada no
livro. Foi uma breve formação de planejamento da aula, de construção do
planejamento e não nas questões dos temas, isso faltou muito. Acho que deveriam
ter feito uma preparação melhor, de mais tempo mesmo. Acho que faltou muita
coisa. Por exemplo, a formação para um educador do campo não teve, teve
formação talvez para um professor, mas não do campo! Acho que faltou muita
coisa, falaram da paciência que temos que ter, falaram até de como se vestir, do
modo de falar, para não falar baixinho, mas isso é coisa que com o tempo você vai
pegando. Acho que faltou, deveria ter tido um espaço maior de tempo até para
podermos digerir tudo. Nós ficamos quatro dias em formação e teve apresentação
do MEB e do PRONERA, mas da Educação do Campo mesmo não teve!
Mostraram o livro, os outros materiais e atividades em grupo para pensar os
planejamentos, mas bem básico mesmo. Eu acho que tem que investir mais na
formação mesmo, não é? Por que se um educador não está com uma boa
formação, o que ele vai passar para o educando? E até mesmo para algumas
pessoas, até para mim mesma, um conhecimento maior do que é o PRONERA, do
que é uma escola no campo. (Leonela)
Eu não participei, mas pelo que a Leonela me falou e venho acompanhando, a
formação não teve nada a ver com nada, foi péssima, elas não aprenderam nada!
Eles fazem palestras e tal e tal, mas não ensinam mesmo o que o pessoal quer
saber para entrar numa sala de aula. Ensinar mesmo, mostrar o que tem no livro e
como usar, não teve isso. Ela disse “Iveline, eu estou igual a você, só vi as
palestras lá que não acrescentaram em nada, mas estou igual a você.” Nunca
ensinaram o que é ser mesmo um professor, a gente está aprendendo na marra!
Por que assim, a gente sabe o que é ser professor apenas pela nossa experiência
em ser aluno, professor na escola regular vai dando as atividades, independente
da sala de aula. A gente já fez diferente, fomos adaptando a aula e montando elas
sempre conversando com os alunos, com a necessidade deles. Na escola não, era
assim “abre o livro em tal página”, aí tinha aquele livrinho do governo que não
servia para nada e a professora falava, “vai gente, abre na página tal, leiam e
façam tudo, copia a página tal”, não tinha explicação, nada! No começo, 1° a 4°
série, nós aprendíamos, depois que vai para a 5° até a 8° é livro! Colegial então, é
só livro, cópia do livro! Foi isso que eu entendi, que eles jogavam o livro na nossa
mão para a gente se virar, não deram instrução sobre como usar o tema gerador,
qual forma fazer as aulas! Não teve isso! Elas me falaram que eles explicaram um
pouco, que teve umas atividades e não teve nada em si que ela falasse que
81
aprendeu de verdade. Nesse tempo que estamos dando aula, não mandaram nada
para ajudar, nada! Nenhum livro ou uma formação que ajudasse de verdade,
nada! Sempre cobram que ela mande um monte de coisas, xerox de tudo, cobram
sempre, mas nunca ajudam, nenhuma instrução. Eles sempre elogiam que nossa
sala está indo bem, mas estamos indo bem pelo nosso próprio esforço, por que se
fosse depender deles a gente estaria perdidas! Por exemplo, a educadora do
Milton Santos, ela está seguindo o livro, está super atrasada por que está seguindo
à risca o livro. Se a gente fizesse como ela e seguisse o livro à risca iria estar no
tema que ela está e a gente está uns 4 ou 5 temas na frente dela. Eu sei que é
difícil, por que lá tem muita gente com dificuldade, ela está sozinha, mas mesmo
assim, ela seguiu de uma forma diferente por que ninguém explicou para ela como
fazer. Para você ver como não teve uma explicação no curso, senão todos estariam
seguindo da mesma forma. Ela está seguindo do jeito dela e a gente do nosso. Pelo
que eu entendi o nosso está dando mais certo, os nossos alunos estão tendo um
conhecimento maior. (Iveline)
O MEB, na década de 1960, foi o grupo com maior expressão significativa que concretizou
projetos de Educação junto às classes populares. As ideias que orientavam os trabalhos do MEB
eram permeadas, pela participação popular. a importância do MEB dentro dos movimentos de
Educação Popular na história da educação no Brasil é muito importante e deve ser reconhecido,
principalmente pela vasta experiência do movimento,
A riqueza de criatividade que se deu num curto espaço de tempo deve-se não só à política
adotada pela cúpula da instituição; deve-se também à diversidade de situações que o MEB
enfrentava em termos educativos, dada a vasta extensão territorial de sua atuação (Norte,
Nordeste e Centro – Oeste); e acrescentaríamos, ao grau de estruturação, articulação e
coesão institucional que permitiam grande circulação e aproveitamento das experiências e
reflexos de cada nível e de cada lugar. (BEZERRA, 1980, p. 35)
Porém, Bezerra (1980), na década de 1980 após analisar e debater as experiências do MEB
tira algumas lições importantes, que acreditamos que possam ainda hoje, ser valiosas para
pensarmos as questões e problemas levantados pelas educadoras da EJA, na atual conjuntura.
Primeiro, Bezerra aponta que, mesmo que esses movimentos educativos, como o MEB, procuravam
dar a impressão aos animadores culturais que eles protagonizavam a condução dos movimentos
populares, isso na verdade era “mera ilusão de ótica” (BEZERRA, 1980, p. 36). Ela ainda discute
que, as chamadas camadas médias, usavam do apoio das camadas populares e do respaldo que
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tinham de governos populistas para concretizarem suas propostas, usando o poder que tinham e o
“saber que dispunham” (p.36) fazendo isso através dessas instituições onde estavam os movimentos
educativos. Reconhecendo os avanços da educação popular no Brasil, na época analisada, e
levando em conta a ambiguidade de interesse dos setores médios da sociedade, abriu-se espaço para
repensar a educação das camadas populares (idem, p. 37).
Desta forma, reconhecemos a importância histórica do MEB na educação das camadas
populares no país, mas também é importante, assim como são as educadoras Leonela e Iveline,
sermos críticos a que educação, para quem e de que forma essa educação tem de fato um caráter
além de popular, um caráter de Educação do Campo. É importante estarmos atentos para exigirmos
o direito à informação, à formação e à atenção de qualidade e direcionada ao público que se propõe
e ao projeto político pedagógico que assumiu, ou seja, acreditamos que as políticas públicas devam
avançar em direção à formação em Educação do Campo.As educadoras parecem ter clareza sobre
esses direitos e sobre o que significa poder popular. Se, no período analisado por Bezerra, esse
poder popular foi negado às classes a quem se destinava, esperamos que o mesmo não se repita
tantas décadas depois.
Propomos essa reflexão, pois acreditamos que a Educação do Campo, como prática social
ainda em construção, reflete uma “consciência de mudança” (CALDART, 2012), a partir do
momento que todos os envolvidos nesse processo, tenham acesso a compreender o que o próprio
nome expressa, ou seja, compreender de fato o que expressa uma educação ser “Educação do
Campo”. Uma formação de educadoras e educadores que permita acesso a todas essa nova proposta,
seja capaz de dialogar com as demandas apresentadas por esses sujeitos e ainda, reconheça a
educadora e o educador como sujeito fundamental para transformação das escolas no campo, pode
se mostrar alinhada aos valores e princípios dessa educação e das lutas do campo.
3.6 Percepções sobre a sala multisseriada da EJA
Segundo dados do Inep, relativos ao Censo Escolar de 2002, no Brasil cerca de metade das
escolas que se encontram no campo ainda possuem apenas uma sala de aula e dessas, 64% são
multisseriadas (HAGE, 2006). De acordo com o mesmo censo, a maior parte dos educadores que
estão nessas salas de aula não possuem formação adequada e apenas 9% possuem ensino superior
(idem). A falta de formação adequada, de informação e de atenção à formação continuada dos
educadores e educadoras, seguidos geralmente de uma sobrecarga de trabalho, como já
apresentaram Leonela e Iveline, se agravam ainda mais quando as educadoras são colocadas dentro
de uma sala multisseriada, como pode ser observado a partir da narrativa de Leonela,
83
Tenho dificuldade em sala, com os educandos, que é a questão de cada um estar
em um nível diferente e a gente tem que lidar com essa diferença na mesma aula e
com o mesmo tema. Então, isso é uma dificuldade que a gente tem, pois uns são
mais rápidos, outros demoram mais para entender e isso é uma dificuldade. (Leonela)
No caso da escola do acampamento Elizabeth Teixeira, Leonela tem a ajuda diária de Iveli-
ne, que tem a consciência de que Leonela não daria conta sozinha de tanto trabalho. O planejamento
de aula para uma sala multisseriada, por mais que os educandos aqui entrevistados já tenham sinali-
zado uma preocupação e respeito ao tempo de aprendizado dos demais alfabetizandos, as educado-
ras acabam tendo dificuldade em realizar o planejamento de aulas, que é até hoje acompanhado no
acampamento Elizabeth Teixeira pelo Coletivo Universidade Popular. A educadora Iveline, por tra-
balhar fora do acampamento e ter poucos horários disponíveis, acaba sendo prejudicada quanto ao
planejamento, pois ela infelizmente não consegue participar. Durante o planejamento, também são
pensados momentos de formação para a educadora. O grupo está ainda se organizando para conse-
guir que Iveline participe semanalmente dos planejamentos. De forma a garantir que ela acompanhe
e se integre às aulas, ela nos conta qual a dinâmica que estabelece com Leonela,
Então, temos essa dificuldade, por que geralmente eu chego e a Leonela já apron-
tou a aula. Então ela me explica o que pensou e fazemos juntas. No início a gente
estava se encontrando, mas aí começaram umas dificuldades, por que de sábado
ela tem compromisso, no domingo ela faz a feira, então é sempre meio difícil. A
gente conversa por mensagem de celular ou por e-mail, mas não é sempre que
montamos a aula juntas. As vezes eu vou com uma ideia e falo para ela, aí combi-
namos melhor e fazemos na próxima aula. As vezes a gente conversa na própria
aula sobre isso. Realmente estamos um pouco desorganizadas nessa parte também,
mas nem sempre dá toda semana, o que seria o certo! O sábado é o único dia que
eu tenho para ir na cidade e pagar contas, por exemplo. Mas a gente é assim, eu
sempre gosto do que ela prepara e dou opinião, a gente se dá muito bem! Muitas
vezes a gente conversa por whatssap e fica montando a aula, na hora do meu al-
moço no trabalho. A gente sempre conversa sobre as aulas, eu por exemplo fico
responsável pelas aulas de matemática, por que eu adoro e ela deixa para mim. Aí
vou lá, faço muitas contas e eles até falam “nossa professora, está inspirada
heim?”, mas não são tantas, a gente vai fazendo juntos, é bem legal! Eles falam
isso, mas também eu passo e em cinco minutos eles terminam. A formação com o
pessoal do coletivo é boa, por que é importante opiniões e ajuda de quem está de
84
fora, trazem novas ideias, é sempre bom pra gente! (Iveline)
A sobrecarga de trabalho das educadoras fica evidente na narrativa de Iveline, ela trabalha
em uma fábrica a semana toda e poderia participar da formação e do planejamento das aulas aos sá-
bados, o que ela indica que é muito importante, porém o sábado é o único dia que ela consegue cui -
dar das coisas pessoais, que só podem ser feitas na cidade, que é distante do acampamento. Leonela
também é uma educadora sobrecarregada para além das atividades da escola, ela cuida de sua roça,
de sua casa, faz feira, participa da cooperativa de mulheres entre outras atividades e deixa expressa
sua dificuldade em como trabalhar em uma sala em que “cada um está em um nível diferente”,
como ela mesma cita. Assim, concordamos com as conclusões de Hage (2006), que ele traz de sua pesquisa reali-
zada com populações camponesas da região Norte do Brasil,
As escolas multisseriadas são espaços marcados predominantemente pela heterogeneidade,
ao reunir grupos com diferenças de série, de sexo, de idade, de interesses, de domínio de
conhecimentos, de níveis de aproveitamento, etc. Essa heterogeneidade inerente ao
processo educativo da multissérie, articulada a particularidades identitárias relacionadas a
fatores geográficos, ambientais, produtivos, culturais, etc., são elementos imprescindíveis
na composição das políticas e práticas educativas a serem elaboradas para a Região Norte e
para o País. Essa prerrogativa referencia nossa intencionalidade de pensar a educação do
lugar dos sujeitos do campo, o que significa que, se temos por pretensão elaborar políticas e
práticas educativas includentes para as escolas do campo, é fundamental reconhecer e
legitimar as diferenças existentes entre os sujeitos, entre os ecossistemas e entre os
processos culturais, produtivos e ambientais cultivados pelos seres humanos nos diversos
espaços sociais em que se inserem. Não obstante, não podemos desconsiderar a visão dos
sujeitos envolvidos com a multissérie, que consideram toda essa heterogeneidade
mencionada como um fator que dificulta o trabalho pedagógico, fundamentalmente porque
se tem generalizado na sociedade que as "classes homogêneas" são o parâmetro de melhor
aproveitamento escolar e, consequentemente, de educação de qualidade. Contudo, os
fundamentos teóricos que orientaram a realização da pesquisa apontaram justamente o
contrário, indicando ser a heterogeneidade um elemento potencializador da aprendizagem e
que poderia ser mais bem aproveitado na experiência educativa que se efetiva na
multissérie, carecendo, no entanto, de muitos estudos e investigações sobre a organização
do trabalho pedagógico, sobre o planejamento e a construção do currículo e de
metodologias adequadas às peculiaridades de vida e de trabalho das populações do campo,
o que de forma nenhuma significa a perpetuação da experiência precarizada de educação
que se efetiva nas escolas multisseriadas tal qual identificamos nesse estudo. (HAGE, 2006,
p. 311)
85
Gostaríamos de destacar que, o fato da sala da EJA no acampamento Elizabeth Teixeira ser
uma sala multisseriada não é avaliado como negativo pelos educandos e educandas, ao contrário,
eles e elas se preocupam com o aprendizado dos companheiros e companheiras, tanto que parecem
não medirem esforços para contribuírem com esse processo, o que já foi visto em narrativas
anteriores.
Porém, a questão que se coloca aqui está imbricada na formação das educadoras, que não
foram devidamente preparadas para lidarem com essa particularidade da sala de aula, o que resulta
em sobrecarga de trabalho e questionamentos das suas práticas. O acompanhamento pedagógico e a
formação continuada, quando não realizada pelos órgãos responsáveis acabam por ficar a cargo de
apoiadores, como ocorre na EJA do acampamento Elizabeth Teixeira, mas que muitas vezes
também não dão conta de lidar com tantas demandas.
3.7 Currículo, livro didático e metodologias de aulas da EJA no acampamento
O currículo é o elemento chave para uma educação justa e de qualidade. A proposta de uma
Educação do Campo em superação à Educação Rural, é que os sujeitos do campo sejam
valorizados, compreendidos em sua pluralidade e heterogeneidade e que essa educação saiba lidar
com os diferentes saberes, valores e especificidades culturais. Um currículo que se apresente
engessado em uma verticalidade política e ideológica não deve servir para nenhuma escola, muito
menos para as escolas do campo. Pensar em um currículo permeável e moldável às especificidades
de cada grupo que o implementa é essencial para as escolas do campo. O projeto aprovado nessa
primeira fase pelo Incra em parceria com o MEB tem por finalidade práticas curriculares que
abordem a alfabetização de Jovens e Adultos e isso parece que não está sendo ignorado, porém,
como lidar com a especificidade de uma sala como a do acampamento Elizabeth Teixeira, e
provavelmente de muitas outras dessas 25 implementadas no estado de São Paulo?
Podemos ouvir o que os sujeitos envolvidos tem a dizer sobre essas questões,
Nessa primeira etapa eu acho que o currículo não é adequado, tanto que a gente
pode ver, principalmente, no material didático. Dá para ver que o MEB não
trabalha só com o campo, trabalha com a cidade também e usa um material só. Eu
não sei se ainda está em pé, mas tinha a proposta de trabalhar com um material só
para o campo. Eu não sei como vai ficar isso! A gente poderia ajudar a construir o
nosso próprio material didático. O material que temos hoje é nítido que ele é um
material mais voltado para a cidade do que para o campo. Por que, por mais que
o MEB abranja áreas com pessoas carentes, dá para ver que o material tem mais
86
cara de cidade mesmo. Até as figuras, os educandos percebem e comentam
bastante delas, muitos já falam “ah, essa foto poderia ser na verdade assim, assim
e assim...”, diferente do que é. Por exemplo, no tema “trabalho”, tem a foto de um
jardineiro com um jardim super lindo, cheio de orquídeas e coisas assim, aí eles
até falam “ah, poderia ter uma foto de uma roça bem bonita de mandioca, de um
trabalhador com uma enxada...”. É legal por que eles já dão sugestões do que
ficaria melhor. (Leonela)
Por exemplo, são 1 ano e 8 meses esse primeiro ciclo, é muito tempo, muito tempo
para nós! De 1° a 4° série é uma fase mais fácil, então poderia ser um ensino um
pouco mais forte, que durasse 1 ano, que eles já tivessem a oportunidade de já
prestar a prova, para eles verem se tem chance ou não. Por que prestando uma
prova, eles vão ver o que tem mais dificuldade e aí eles podem voltar e estudar
mais o que eles estão precisando. Eu acho um período muito longo, acho que
deveria ser menos tempo para dar a oportunidade de prestarem uma prova, pois
eles nunca prestaram uma prova na vida. Aí de 5° a 8° aí sim, é mais difícil e aí eu
acho que poderia ser um período maior mesmo. Daí poderia ser 1 ano e 8 meses,
por que são mais coisas, é raiz quadrada em matemática, matéria de Geografia,
História, Química, Física, que é outra coisa, é bem mais difícil. A gente que
estudou na escola regular sabe, eu adoro Química mas odeio Física! (Iveline)
Bom, em grande parte foi muito bom vir o PRONERA, por que muitas pessoas
ficaram com a esperança de ter um diploma mesmo, por que a maioria quer o
diploma e se esforçam para isso, mas tem coisas que são um pouco fora de
contexto. Alguns assuntos são adequados para a dificuldade que eles apresentam,
outros assuntos não, muito difíceis ou não tem nada a ver! De matemática, por
exemplo, não tem quase nada no livro, a gente que passa coisas por fora mesmo.
Tem mais Português, agora Ciência, Geografia, não tem quase nada e a gente que
acaba colocando por fora também. Tem algumas atividades de matemática, muitas
de Português, isso a gente está usando bastante e como cada um tem um livro, é
bom por que assim cada um lê um pouco para ir melhorando a leitura. Igual nas
provinhas que tivemos agora a pouco tempo, vieram prontas para a gente aplicar.
Não tinha nada a ver com o meio rural, tinha lá umas coisas tipo, “Maria foi não
sei aonde pra comprar botão etc …” Tinham muitas pegadinhas, que eram legais,
acho pegadinha super legais, por que você lê e você não entende de cara, aí eu lia
e achava que estava certo, aí lia de novo e pensava que a resposta era outra. Isso
acho legal, teve pergunta na provinha, com uma frase e uma palavra difícil, aí
87
mandava o educando ler e aí ele lia e com dificuldade em algumas palavras, ele
engasgava. Então tinha a avaliação para o educador responder sobre a frase que
e o educando leu, era assim: a) leu e gaguejou b) travou muito e não conseguiu
terminar a palavras, sabe umas coisas assim para a gente avaliar. Mas eles foram
bem, a maioria foi bem, as vezes engasgavam, mas terminavam. Nenhum parou na
metade, mas tinha umas coisas que não tinham nada a ver, sabe? Os textos do
livro e da prova, dava para ver que são mais adequados para a realidade da
cidade do que do campo. (Iveline)
É, depende da dificuldade do pessoal, não é? Por que dependendo da dificuldade
de cada um é bom, por que um ajuda o outro. A gente tem espaço para ver o que
cada um sabe ou precisa, é bom um ajudar o outro, é legal. O livro tem bastante
coisa, mas as professoras trazem muita coisa relacionada com o dia a dia aqui das
pessoas que no livro não tem tanto. Acho que os assuntos são bons e ajudam as
pessoas que não precisam aprender a ler e escrever. (Paulo)
Bom, no caso do pessoal que tem mais dificuldades, o pessoal que está mais nas
primeiras fases de começar a conhecer as letrinhas, eu acho que o livro puxa um
pouco mais, mas aí como as educadoras estão sempre ali, mostrando, ensinando
isso é bom. A Leonela leva sempre Xerox de materiais para ajudar eles. Eu mesma
já falei para ela levar umas coisas de pré escola, letras com desenhos para ajudar
a pessoa a relacionar, identificar mais as letras, acho que ajuda bastante! (Cora)
Sobre o livro didático, as narrativas acima já apresentaram algumas pistas em relação às
opiniões dos sujeitos sobre ele. A seguir trazemos algumas narrativas que complementam essa
críticas e também apresentam outras visões,
Acho que o material é bom sim, nós recebemos lápis, canetas, cadernos e o livro.
Acho que é o básico, o livro não é difícil de entender, tem uma leitura bem simples,
tem muita coisa que a gente se identifica como moradores aqui do assentamento.
Acho que é um material bom, de fácil leitura, de fácil compreensão! (Cora)
O livro é bom, tem bastante coisa interessante que eu não sabia. Tem partes que
ele é legal e fala de coisas boas, mas tem outras que não, fala de umas coisas que
não tem muito a ver com a gente aqui. Eu gosto de Ciências e queria ter aulas
aqui! (Paulo)
Bom, tem algumas coisas que dá para aproveitar, mas tem outras que são muito
88
fora da realidade, aí essas entram naquela lógica das aulas que eu não daria, por
que são muito fora da nossa realidade, tanto que até tem coisas no livro que eu
pulei por que senão ficaria umas coisas, alguns temas, muito desconexos!
(Leonela)
Olha, o material dourado eu achei muito legal, a gente usou bastante! Bastante
coisa, dos materiais como lápis, caneta, caderno, a mochila foi ótimo, o problema
é o livro! O livro não tem nada a ver com o EJA no campo, o EJA no
acampamento, nada a ver! Por exemplo teve uma página que era sobre as
mulheres e o trabalho, qual a foto que tinha na página representando as mulheres
trabalhadoras? Uma frentista! Nada a ver, tinha que ter uma mulher com uma
enxada, ou uma mulher na feira, essas coisas que tem mais a ver com o campo!
Agora, uma mulher frentista? Pode até ter em algum assentamento, mas é bem
mais difícil do que uma mulher que trabalha na roça, muito desconexo da
realidade deles. Tem coisas do livro que dá para usar, algumas atividades são
muito boas, mas tem muita coisa repetida que a gente até pula, tem pergunta que
parece que é diferente, mas tem o mesmo sentido e também é bastante
desnecessário, é muito frustrante! Não vou falar que o livro inteiro é ruim! Não é
totalmente, tem algumas coisas bem legais também, como o alfabeto, que no início
usamos bastante. O material dourado também usamos bastante com o livro!
Usamos também uns origamis, a gente se divertiu! A gente usa o livro, fazemos
quase todas as atividades, mas não seguimos a risca o livro. Fazemos todos os
temas, sentamos e pensamos como podemos adaptar a ideia do tema para a nossa
realidade. Na aula a gente tem que refazer o livro! (Iveline)
Imagem 16: O livro didático da EJA.
Tema 5: “Educação”. Abaixo da imagem
de uma menina triste à janela de sua casa,
há os seguintes dizeres: “Esta meninas é a
Zélia. Zélia é filha da Ana e do José. Ela
não sabe ler nem escrever. Zélia não vai
para a escola. O povo todo deve estudar.”
(Arquivo cedido pela educadora Leonela)
89
Imagem 17: A capa do livro didático da EJA. Título: Saber,
Viver e Lutar. ALFABETIZAÇÃO Educação de Jovens e
Adultos. Organizador: Movimento de Educação de Base –
MEB. Editora Moderna.
Para Cora e Paulo, o livro didático é um bom material, de fácil compreensão e fácil leitura,
muito provavelmente por ambos já saberem ler e escrever com bastante facilidade. Paulo acha bom,
mas percebe que não há muita relação com sua vida. Já as educadoras reconhecem que o livro “tem
coisas que dá para aproveitar”, mas que é um material elaborado para a realidade do meio urbano,
com temas geradores e principalmente imagens que não dialogam com a Educação do Campo a que
se propõe. Não queremos cair em uma discussão aqui, onde o discurso do “melhor com ele, pior
sem ele” prevaleça. Temos a plena noção do quanto todos nós esperamos o PRONERA chegar no
acampamento Elizabeth Teixeira e da felicidade que não cabe em todos nós, envolvidos nesse
programa. Porém, é importante analisarmos de que forma as políticas públicas chegam,
principalmente, em áreas vulneráveis e sem assistência nenhuma. Ter o livro didático é um direito
conquistado pelas lutas dos movimentos sociais do campo junto à luta pelo PRONERA, porém esse
direito deve ser cumprido em sua íntegra e se não, será sempre analisado criticamente e cobrado
daqueles que assumiram a função de fazê-lo.
Para as educadoras, está muito claro qual deveria ser o papel delas e como elas poderiam e
gostariam de contribuir com a montagem de um material didático para sua comunidade e para os
sujeitos do campo, senão será sempre “frustrante”, como conta Iveline. Cotidianamente, elas
parecem, de uma forma bastante certeauniana, “inventar o cotidiano” (CERTEAU, 2011) da sala de
aula, “refazendo o livro” e adaptando os temas para a realidade deles e delas. Todo esse esforço
desprendido cotidianamente para adaptar o livro ao campo poderia ser utilizado por elas em outras
atividades, sendo esse mais um motivo de sobrecarga no trabalho das educadoras.
Desde o início da EJA no acampamento, as dinâmicas de aulas e os horários sempre foram
90
discutidos com todo o grupo envolvido, o que mostra a autonomia do grupo em relação a currículos
ou normas pré-estabelecidas; a dinâmica da sala de aula é ditada pelo próprio grupo e discutida
coletivamente durante as aulas. Assim, as aulas já ocorreram uma vez por semana na parte da
manhã, já ocorreram na parte da tarde ou até aos finais de semana. Cerca de três anos para cá, a
turma se firmou às segundas, terças e quintas, no horário das 19h às 21:30, com 15 minutos para o
lanche em horário a combinar. Às quartas feiras já tentou-se que também houvessem aulas, porém, a
maior parte dos cultos religiosos lá dentro são às quartas feiras, o que impediria mais da metade dos
educandos e educandas de participarem das aulas. As sextas feiras a maior parte da turma reserva
para arrumar seus produtos para as feiras, que costumam ocorrer aos sábados e domingos. Poucas
vezes no ano, acontecem mudanças de horários, por exemplos aulas mais curtas ou iniciando um
pouco mais tarde, devido à épocas de colheita ou trabalho externo, “bicos”, que educandos e
educadoras geralmente conseguem na cidade. Geralmente, esses trabalhos envolvem a maior parte
deles e delas e a questão é sempre coletiva, mas as aulas dificilmente não ocorrem. A seguir as
narrativas de Cora e Paulo podem nos contar o que acham dos horários de aulas,
Olha, eu particularmente acho adequado o horário e não acho ao mesmo tempo,
por que o pessoal aqui levanta muito cedo para trabalhar na roça. Então, chega a
noite o pessoal está cansado para ir estudar. Tem também o caso do pessoal que
mora longe, no nosso caso aqui meu genro vai buscar e levar, mas mesmo assim
acabam chegando tarde em casa. Mas, eu em particular gostaria que fosse mais
cedo, pois também trabalho fora e sai do trabalho às 3 horas da manhã. Eu estava
até tendo problemas de saúde e a médica me recomendou dormir às 7h da noite
para poder ter mais tempo de sono. Se talvez fosse mais cedo seria melhor, mas aí
tem que pensar nos outros, tem as mães que tem filhos, tem que esperar chegar da
escola, fazer janta, deixar pronto, é uma coisa meio complicada, mas a gente vai
dando um jeito. Até agora eu não vi outra maneira de fazer isso, mesmo por que
não é todo dia, são três vezes na semana, então acaba dando para se virar. Eu
acho que se fosse todos os dias de aulas, as dificuldades aumentariam e menos
gente participaria. Claro que seria bom, mas acho que complicaria mais! (Cora)
É bom, mas eu acho que deveria ter aula todos os dias! Qualquer horário para
mim está bom, mas aí tem que ver com o resto do pessoal. Para alguns é difícil
participar por que trabalha desde cedo, o dia todo e aí a noite vai para a aula,
fica cansativo, mas aí tem que ver como faria. (Paulo)
É importante observamos que tanto Cora quanto Paulo teriam vontade de ter aulas todos os91
dias, para Paulo qualquer horário seria bom, para Cora nem todos, pois ela trabalha durante a
madrugada. Mas é importante já destacarmos a noção de coletivo que ambos mostram ter. Por mais
que algumas mudanças fossem boas para os dois, eles tem dúvida se seria bom para todos, pois
“tem quem trabalhe o dia todo”, “tem as mães que tem filhos”, por isso “teria que ver com o resto
do pessoal” e como diz Cora, “até agora eu não vi outra maneira de fazer isso”. Pode ser que haja
mudanças no trajeto da turma, pode ser que a EJA ganhe mais um dia na semana deles, mas também
pode ser que perca, isso não dá para prever e nem para julgar. O que o coletivo decidir junto, é o
que sempre deve prevalecer e esse é o princípio dos Círculos de Cultura.
As metodologias utilizadas em aulas, como já apontamos anteriormente, advém em grande
parte, dos estudos coletivos sobre o método Paulo Freire, que continua balizando os momentos de
planejamentos das aulas. Mesmo que o livro não seja seguido à risca, muitas aulas são baseadas
nele, mas reinventadas durante o planejamento e muitas vezes reinventadas novamente quando
chegam à sala de aula, esse fazer, refazer, inventar e reinventar, não deixando de lado a questão
política e crítica da educação, acreditamos que seja possível apenas quando os envolvidos estão
inseridos em um contexto de Educação Popular, é o que nos mostram as narrativas a seguir,
As aulas aqui são muito diferentes da escola normal da cidade, por que aqui a
gente convive, conversa com o pessoal, a gente tem uma comunicação melhor e
isso é bom, a gente trabalha em grupo, é melhor! Por que na escola normal, eu
pelo menos, não tinha essas dinâmicas aí, por isso eu gosto daqui. Quase todas as
aulas estão sendo boas, eu não gosto muito, pra mim, de rever todas as letras, as
sílabas, tudo de novo, mas também é bom por que assim está ajudando e
ensinando as outras pessoas. (Paulo)
Acho até agora não faltou conteúdos que quiséssemos ter discutido e não tivemos
espaço, acho que não! Nós até já fizemos aulas que estavam no livro, que foram
propostas deles, coisas que eles queriam saber mas que não estavam no livro, aí
eu pesquisei na internet e em outros livros e fiz. Por que nós não somos obrigadas
a seguir sempre o livro, então dá para montar algo diferente. (Leonela)
A gente sempre está vendo com eles, as necessidades deles e o que eles precisam. A
gente sempre procura perguntar o que eles estão achando e o que eles ainda
querem aprender, então um tem uma dificuldade, aí o outro ouve e fala que
também não sabe aquilo, aí vão falando o que tem interesse, dificuldades, e nós
procuramos preparar uma próxima aula que foque naquilo que eles trouxeram.
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Um pouco do que eles estão precisando! (Iveline)
Os educandos sem dúvida preferem mais Matemática, mas também é interessante
quando a gente pega um tema, principalmente relacionado com o acampamento,
com a rotina deles, eles começam a participar mais, a dar opiniões e a partir daí a
gente começa a ver o senso crítico deles, não é? Então acho que isso é bem
importante, pois não adianta nada a gente ir lá, montar uma aula cheia de coisas
e eles ficarem quietos e não saberem nem opinar. Então, na hora que eles estão
falando, que estão se mostrando interessados é muito bom! Na hora das perguntas,
essa é a melhor parte, eles começam a fazer perguntas e ficam querendo saber
algumas coisas relacionadas ao tema, mas que eu não mencionei, isso é muito
legal! (Leonela)
No dia que a gente chega na escola e está todo mundo desanimado fica chata a
aula. Você chega lá e o pessoal já está bem cansado, mas que a gente entende que
é pelo cansaço do dia de trabalho! As vezes por algum outro motivo também, eles
estão desanimados e a gente tenta puxar, as vezes eles pegam as coisas e as vezes
não, aí a coisa não flui. Como temos o livro, que é um material que está imposto
para nós, não necessariamente a gente precise seguir, mas muitas coisas a gente
tem que dar, então mesmo coisas que não tem, por exemplo fui dar uma aula de
porcentagem por que achei que seria muito interessante por que eles lidam com
isso todos os dias. A princípio, na minha cabeça e seguindo o livro, eles tinham
entendido, mas aí vi que poucos entenderam e a maioria pediu para deixarmos
para outra vez, para discutir mais para frente. Acho que temas que estão no dia a
dia, mas que não são muito simples na teoria para eles relacionarem fica difícil e
exige mais preparo e outros elementos para eles dominarem antes de entrar
naquilo. Por exemplo, porcentagem está no cotidiano deles mas eles não lidam
com essas contas a todo o momento, então fica difícil para visualizarem ali no
papel, na conta. Eu dei até um exemplo, onde as vezes você passa na frente de uma
loja e vê uma promoção como “fogão com tantos por cento de desconto, você
imagina quanto em dinheiro isso é?”, ou senão, você vai comprar algo no boleto e
tem um acréscimo de tantos por cento, você tem noção de quanto em dinheiro isso
é? Ninguém tinha isso. Quando eu levo a matéria “porcentagem” para eles, não
faz muito sentido o que seja porcentagem, mas quando eu dou esses exemplos aí
sim eles conseguem visualizar. (Leonela)
A aula mais interessante que eu acho, na minha opinião, é aquela que eles
93
precisam, que eles tem mais dificuldade. E ainda, aquelas aulas que são mais
relacionadas a nossa vida, nossa vida diária, aos conhecimentos e acontecimentos
daqui. A coisas que tem a ver com a nossa realidade. Por exemplo vai fazer um
problema: “Maria foi à feira para vender mandioca...”, que é uma coisa que ela
sempre faz, aí se torna interessante para ela e para eles, por que eles se veem na
aula. É importante que a gente aplique uma coisa que eles querem aprender ao
cotidiano deles. Por exemplo, nas aulas de matemática, a gente procura utilizar
como exemplos frutas, legumes e outras coisas que eles estão acostumados a
contar, aí é muito empolgante para nós e pra eles. Para você ter ideia, eles já
estão dominando a divisão e nós estamos tentando começar a ensinar a divisão
com vírgula. É difícil, mas eles vão conseguir! Eles falam que eu sou muito
empolgada, por que eu passo a lousa cheia de contas, aí eles falam “nossa, a
professora está empolgada hoje!” Eu passo a, b, c, d de todos os tipos de contas,
acho uma delícia! (Iveline)
Aula que eu não gosto é quando tem que seguir o livro! Aula do livro é muito
chata, muito chata! E por mais que tenha coisas interessantes, seguir ele é muito
sem graça. Os temas são totalmente fora, as vezes fala da Maria que mora na
roça, mas não tem nada a ver, a imagem usada muitas vezes não tem nada a ver
com o texto. Então isso é o que me deixa chateada, por que podiam colocar coisas
mais ligadas ao campo mesmo! Nós não participamos da montagem desse livro,
agora no próximo quem sabe a gente possa contribuir, né? Seria super legal a
gente poder dar a nossa opinião sobre o que colocar no livro. Por que esse livro é
muito escola formal, o que não é pra ser a EJA. A EJA é uma educação que
procura seguir as necessidades que eles tem, que os educandos tem, que não vai
seguir um roteiro como o da escola. (Iveline)
A partir das narrativas, fica clara a pertinência de se ter uma Educação do e no campo, por
isso Paulo compara a escola que frequentava na cidade com a EJA do acampamento e, por mai que
não goste de rever as letras, não se importa em fazê-lo pois está atendendo as demandas dos
companheiros e companheiras da EJA. Mais uma vez reiteramos que, a Educação do Campo tem
como princípio ser uma educação voltada para as lutas dos movimentos sociais, para a realidade do
campo, para o cotidiano de cada comunidade em que a escola se encontra, que reconheça as
memórias do campo e de cada camponês que faz parte desse contexto, como traz Caldart,
No plano da práxis pedagógica, a Educação do Campo projeta futuro quando recupera o
vínculo essencial entre formação humana e produção material da existência, quando
94
concebe a intencionalidade educativa na direção de novos padrões de relações sociais, pelos
vínculos com novas formas de produção, com o trabalho associado livre, com outros
valores e compromissos políticos, com lutas sociais que enfrentam as contradições
envolvidas nesses processos. (CALDART, 2012, p. 263)
O livro didático, como já discutido, é uma ferramenta que deve também estar em acordo
com o projeto político pedagógico a que se vincula, por isso as aulas que “tem que seguir o livro”,
como cita Iveline, acabam se tornando “chatas”. A impressão que temos é que, há dois projetos
políticos pedagógicos que parecem não se conversarem e não se formarem com as mesmas bases.
Porém, os educandos e educadoras percebem isso e fazem uma crítica coerente
3.8 Percepções sobre educandos/educandas e educadoras da EJA
Nesta seção, procuramos trazer algumas opiniões de todos os sujeitos entrevistados sobre o
as educadoras, os educandos e educandas e de todo o grupo em geral, apresentando as dificuldades
e o progresso que o trabalho coletivo vem tendo. Algumas reflexões sobre ser professor, a
dificuldade da profissão, a formação adequada e a responsabilidade de ser educador também estão
presentes, como vemos,
As educadoras são ótimas, tem muita paciência, são boas para dar aula, mesmo!
Por que para ser professor tem que gostar, não só dar aula para ter um salário.
Para ser professor acho que tem que gostar mesmo do que faz, tem que ter
paciência, tem que amar aquilo! As vezes tem professor que até é bom, mas ele
não consegue nem trabalhar com a condição que é dada para ele. Alguns tem
muitos alunos, aí não tem como dar conta mesmo, não consegue dar conta da
exigência que cada aluno tem individualmente, aí fica difícil mesmo trabalhar. Tem
alunos que entendem melhor, outros não entendem, outros tem mais dificuldade,
outros mais facilidade, é difícil. Mas as professoras aqui estão dando conta do
recado sim. (Cora)
É muito bom, eu sou suspeita a falar. Não é por que a educadora é minha filha, a
outra educadora eu conheço desde pequenininha, mas as duas são ótimas, tem
muita paciência, são tranquilas, são delicadas com os educandos. (Cora)
Elas ajudam as pessoas todas, tem vez que elas dão opinião, dão broncas se o
pessoal está fazendo gracinha. Eu não sei muito, mas acho que elas vão bem como
professoras sim, elas tem muita paciência e ensinam todo mundo. Se fosse eu, acho
não teria toda essa paciência, não! (Paulo)
95
Sobre a turma, tem uns que vão bem sim, outros que não! Tem uns que não gostam
do outro, mas ali dentro fica tudo bem, todo mundo se respeita e conversa, isso é
bom! (Paulo)
Houve até bastante progresso! Pelo fato deles estarem bastante empolgados, deles
quererem isso! Mas acho que poderia ter tido até mais progresso no começo, mas
em função dos óculos que demoraram para chegar, acabou indo mais devagar e
atrapalhando bastante, mas agora todo mundo já tem óculos! Outro problema que
vem atrapalhando é a estrutura, a questão da luz que está fraca, mas acredito que
se a gente pegar firme, vai para frente! Já está indo, não é? Mas dá pra ir mais!
(Leonela)
Eu acho que os educandos progrediram muito, muito mesmo! Eu estou muito
contente com o desenvolvimento deles. O esforço que eles estão fazendo em
aprender, o quanto eles estão dedicados à aula, fazem muitas perguntas, como:
“Ah não entendi isso, como é aquilo…” Antes eles ficavam amuados, hoje eles
pedem para repetir, sem vergonha de perguntar. Agora eles se sentem livres com a
gente, tem uma liberdade de perguntar, por isso acho que progrediram muito!
Tanto em português quanto em matemática. (Iveline)
Comparando os dois momentos da EJA, desde 2008 e depois que veio o
PRONERA eu acho que mudou muita coisa, por exemplo, com vocês “estudantes”
eles tem um certo pé atrás, de falar, de se abrir, de se expressar! Com a gente já
não tem esse problema! Por nós sermos daqui, ser do povão e não sei, apesar dos
“estudantes” serem também muito abertos, vocês eram de fora, vocês eram “os
estudantes”, eles achavam e falavam “Nossa, eles tem faculdade e eu aqui vou
falar tudo errado, nossa que vergonha!” e com a gente já não tem esse problema!
Eles estão sempre perguntando, não tem problema nenhum em falar, eles tem uma
maior liberdade. (Iveline)
As narrativas explicitam um sentimento coletivo de progresso da turma, provavelmente
tendo como base os vínculos às relações de identidade estabelecidos entre os educandos e as
educadoras, e por elas “serem de dentro da comunidade, do povão”, como cita Iveline. Essa é uma
questão muito importante para ficarmos atentos - a importância dos educadores e educadoras
pertencerem à comunidade modifica substancialmente o progresso da turma. Entretanto, é
96
importante ressaltar que essa questão não se constitui ser um impedimento para que EJA aconteça,
pois não foi por muitos anos, de 2008 a 2013 a EJA aconteceu sem essas educadoras a frente. Mas,
temos de reconhecer o quanto todos e todas estão, como elas mesmas dizem “empolgados”, isso não
há dúvida. Conseguir abrir a sala e mantê-la funcionando já é um grande esforço e uma grande luta,
se as educadoras e educadores fizerem parte da comunidade, muitas questões já estão encaminhadas
e podem se resolver com muito mais facilidade. Nesse caso, temos a condição ideal, desse ponto em
questão, para a sala funcionar.
3.9 Contribuições coletivas para melhoria da EJA no acampamento Elizabeth Teixeira
Procurando finalizar esse texto de forma a contribuir com a discussão e com as reflexões que
vimos propondo e com tantas mais que provavelmente deixamos para trás, procuramos apresentar
algumas considerações finais que os próprios sujeitos da EJA do acampamento Elizabeth Teixeira
nos apresentaram em suas narrativas e que gostaríamos de dividir a partir deste texto,
Ah, melhorar é sempre bom, mas acho que está muito bom com está! Eu gostaria
de ajudar mais, ajudar a limpar a escola, ajudar a deixar a escola em ordem para
a gente estudar. Se cada um ajudar um pouco, a gente deixa a escola sempre
bonita! (Paulo)
Ah, eu acho que ainda tem muita coisa pra melhorar! Na EJA daqui acho que
temos que ter mais estrutura, mais acesso a tudo! Nossa, seria tão bom se a gente
tivesse internet, poder navegar com eles, mostrar para eles o mundo, não é? Por
que a gente sempre quer mostrar um pouco e não dá. Imagina só, acessar livros,
que é muito legal! Apesar de termos uma biblioteca muito boa, isso não há
dúvidas! Mas é diferente, poderíamos falar mais das atualidades, de coisas que
estão acontecendo no dia a dia, coisas que são importantes e legais de mostrar e
que a maioria não tem informação. Muitos não tem acesso a um jornal. Eu por
exemplo, já acordo escutando as notícias, assisto os jornais, fico por dentro do que
está acontecendo, mas muitos ficam aqui dentro e não tem muita informação e
acabam não sabendo de nada. Alguns tem televisão, mas muitos não tem! Essa
tecnologia em si é o que falta. Esses dias a gente queria passar um filme muito
legal que a Leonela falou que contava uma história, como se fosse a nossa aqui,
chama “Narradores de Javé”, é muito legal! Mas não deu certo, por que aí a
bateria já começou a ficar ruim e não aguenta passar. A bateria do notebook não
aguenta, não dá. Filmes, documentários, são coisas ótimas para usar, mas a gente
97
fica limitado aqui. Eu lembro quando eu estava na escola que a professora passou
um filme sobre o nazismo, eu queria lembrar o nome, mas não lembro. Eu queria
poder mostrar essas coisas pra eles, o que eu já vi, mas não posso por conta da
energia elétrica. E eles não estão tão bem assim para lerem um livro inteiro, um
livro grande ainda, eles lêem livros pequenos, poesias. Por sinal, esses dias
fizemos uma atividade com eles onde eles escolhiam um livro pequeno e levavam
para casa, liam e depois quando voltarem vão ter que fazer um texto sobre o livro
para contar aos outros sobre aquele livro que leram. A gente pediu isso para eles e
eles também escolheram quanto tempo vão ficar com o livro para conseguir ler e
fazer, ainda vão trazer para a gente. Eu gosto muito de livros, quando estou
empolgada leio em 3 dias um livro. Mas eu não vejo a hora que eles estejam no
ponto de ler bem e a gente possa trocar livros na sala, vai ser bem legal! (Iveline)
O que eu falaria que precisa melhorar é que tem que investir mais na formação!
Por que se um educador não está com uma boa formação, o que ele vai passar
para o educando? E até mesmo para algumas pessoas, até para mim mesma, um
conhecimento maior do que é o PRONERA, do que é uma escola no campo, sinto
que preciso disso! (Leonela)
Imagem 18: A turma da EJA em viagem ao SESC Imagem 19: A turma da EJA no teatro Municipal de Itaquera
para visita à exposição “Amazônia Mundi” - Projeto Limeira, 2014. (Arquivo cedido pela educadora Iveline)
Educação em Ciências - 2014. (Arquivo pessoal)
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Imagem 20: Educadoras da EJA relatando Imagem 21: A turma da EJA em visita pedagógica ao Museu Catavento
suas experiências em evento na Unicamp em São Paulo – Projeto Educação em Ciências , 2014 (arquivo pessoal)
– 2014 (arquivo pessoal)
Imagem 22: A EJA do acampamento Elizabeth Teixeira Imagem 23: Visita à Elizabeth Teixeira em João Pessoa,
representada no Seminário de Educação do Campo Paraíba – 2013. (Arquivo pessoal)
da Paraíba – 2013. (Arquivo pessoal)
99
Imagem 24: Atividades pedagógicas da EJA, 2014 . (Arquivo cedido pela educadora Leonela)
Imagem 25: O Círculo de Cultura da EJA. Educandos Imagem 26: O Círculo de Cultura da EJA, 2015.alfabetizados contribuindo com os alfabetizandos, 2014. (Arquivo cedido pela educadora Leonela)(Arquivo cedido pela educadora Leonela)
100
Sendo Paulo Freire, a fonte de nossos estudos e nossa inspiração em continuar construindo e
lutando coletivamente pela EJA em nosso país, terminamos citando mais um trecho de suas cartas,
De fato, não há ignorância absoluta como não há sabedoria absoluta. Ninguém ignora tudo:
ninguém sabe tudo. O conhecimento é um processo que implica a ação transformadora e
recriadora dos seres humanos sobre a realidade. É preciso insistir neste ponto, quer dizer, na
aquisição do conhecimento como um processo constante. É necessário sublinhar a prática
enquanto fonte de conhecimento e a possibilidade que temos de conhecer, amanhã, mais do
que conhecemos hoje. (FREIRE, 1980, p. 189)
Imagem 27: Educandas, educandos e educadoras da EJA, 2015. (Arquivo pessoal)
A Luta Continua.
A Vitória é Nossa.
(Paulo Freire)
101
102
4. Considerações Finais
“Não há método, portanto, nem há sistemas pedagógicos rígidos,
por que é cada passo da prática políticas
quem dita as regras possíveis de nossa didática.
A serviço do povo, no meio da luta,
a educação popular não é o caminho nem a caminhada
mas, ao longo do caminho, é como os sinais da caminhada:
mapas, informes, setas, estrelas, recursos de orientação,
os sinais que apontam a direção de rumos já encontrados
e apenas ajudam quem caminha a não errar a caminhada.”
(BRANDÃO, 1980(b), p. 129)
Procurando finalizar este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) para o Curso de
Residência Agrária em Educação do Campo e Agroecologia na Agricultura Familiar e Camponesa,
com apoio do PRONERA, nossa tentativa foi apresentar o contexto da sala de aula da
EJA/PRONERA no acampamento Elizabeth Teixeira, trazendo as narrativas dos sujeitos que
praticam o cotidiano (CERTEAU, 2012) dessa sala de aula, de forma a contribuir com as reflexões,
questionamentos e lutas pela EJA em todo o país.
Gostaríamos de destacar a luta dos movimentos sociais do campo por uma política pública
de educação para os beneficiários da reforma agrária, que se materializou no PRONERA e
apresenta uma importância política e social indiscutível e um “instrumento de democratização da
educação no campo” (ANDRADE e DI PIERRO, 2004, p. 131).
É importante destacarmos alguns pontos que apareceram nas narrativas apresentadas e que
merecem ser reiterados, são eles:
Conhecer a história de vida dos sujeitos que constituem a EJA e da comunidade em que a
sala se encontra é fundamental para entender as peculiaridades de cada sujeito e de cada lugar e isso
deve ser algo de interesse tanto de educadores e educadoras envolvidos diretamente com a sala,
quanto de coordenadores e instrutores parceiros do programa, para que as relações não se construam
de forma verticalizada e nem descontextualizadas da realidade do local. Em áreas de reforma
agrária, deve ser muito raro uma comunidade que não tenha um histórico de luta dentro da terra que
se encontra. Essa luta faz parte da memória coletiva dos sujeitos e não deve nunca ser ignorada
dentro das salas de aula.
A questão do espaço físico “Escolinha”, se mostrou como um símbolo de orgulho e
103
resistência da comunidade do acampamento Elizabeth Teixeira. Acreditamos que a “Escolinha” seja
importante “porque ela existe”, como disse o educando Paulo, e não represente uma “formalização”
das práticas e experiências pedagógicas do acampamento. Nos parece bastante claro que, por mais
que a escola exista fisicamente, as práticas ali dentro se dão como se não houvessem muros que
limitem a vida, as práticas e os saberes cotidianos da comunidade.
A importância dos Círculos de Cultura desde o início do acampamento parece refletir até
hoje na história da EJA lá dentro. Os Círculos de Cultura que aconteciam desde o ano de 2008 e
juntava além da turma da EJA o grupo de jovens foi primordial para que as educadoras se
preparassem para encarar o desafio de assumirem a EJA sozinhas a partir da chegada do
PRONERA. Além desse espaço formativo, os Círculos de Cultura são responsáveis pelo sucesso
que está sendo o programa no acampamento, com um aumento significativo no número de
educandas e educandos, com a “empolgação” como disse Leonela, dos educandos para com a EJA,
pelo comprometimento de todos com a sala e principalmente por tudo aquilo que cada um e cada
uma está levando de positivo de dentro desse espaço para sua formação pessoal e comunitária.
Além disso, apenas dentro dos Círculos de Cultura, onde não há estruturas formais a serem
deslocadas e o currículo possa se dar de forma narrativa é que as vozes dos sujeitos podem ser
ouvidas. Dentro dessa conformação, pode-se discutir uma maior flexibilização de horário para as
atividades acontecerem, as demandas pessoais e coletivas podem permear as discussões em sala e
trazer uma nova forma de “fazer a aula”.
A chegada do PRONERA no acampamento não só trouxe a esperança de um diploma para
os educandos e educandas como também legitimou os Círculos de Cultura na comunidade, como
cita Cora em sua fala “parece que agora estamos indo para uma escola de verdade”. O diploma,
como vimos, é bastante esperado por todos e todas e pode levá-los a uma formação antes nunca
sonhada. Reiteramos a importância e o direito à certificação de todo e qualquer estudante,
independentemente de onde realize seus estudos.
O que nos traz bastante preocupação é a formação das educadoras e educadores do
programa. É claro que não devemos tirar conclusões precipitadas, uma vez que devemos ir além
desse TCC, procurando realizar essa avaliação junto a um maior número de educadores e
educadoras no estado e no país para termos um quadro mais fiel dessa realidade. Do que nos conta
nessas entrevistas as educadoras do acampamento Elizabeth Teixeira é que, a formação precisa ser
melhorada. Ambas não se sentem ainda preparadas para estarem dentro da sala de aula, mas se
esforçam para isso, se preocupam com os demais educadores e educadoras que assumiram o mesmo
papel e criticam, conscientemente, a formação que tiveram até o momento. Acreditamos, por
acompanharmos a sala do acampamento Elizabeth Teixeira há quatro anos que, a parceria realizada
104
entre Incra, MEB e MST se mostrou positiva sim, porém é necessário que, principalmente os
movimentos sociais, reivindiquem os direitos dos camponeses à uma educação que dialogue com
suas práticas aos parceiros do programa, nesse caso, essa parceria fica a cargo do MEB. Como já
apontou em 2004, Andrade e Di Pierro, em um quadro mais amplo do PRONERA no Brasil,
O modelo de parceria tripartite não convoca necessariamente os poderes públicos estadual e
local, que têm baixo grau de envolvimento e intervêm pontualmente na cessão de
instalações, mas não se comprometem com a articulação orgânica do Programa com os
sistemas de ensino (criação de escolas, rede física, contratação dos professores,
continuidade de estudos dos egressos, etc.).
Em diversos casos o PRONERA não é assumido institucionalmente por cada um dos
parceiros, ficando dependente do voluntarismo de determinadas pessoas/agentes das
universidades, Incra e lideranças do movimento. (ANDRADE e DI PIERRO, 2004, p. 136)
Outra parceria que ainda não aconteceu e acreditamos ser fundamental para a continuidade
do programa no acampamento, é a parceria com a Prefeitura de Limeira, uma vez que esta poderia
contribuir com merenda ou um lanche para a turma da EJA, o que hoje fica a cargo de doações
dentro da comunidade e de parceiros, como por exemplo o Coletivo Universidade Popular. A
Prefeitura também poderia abastecer a escola com água e agilizar a energia elétrica no local, entre
outras contribuições.
Sobre a sala multisseriada da EJA no acampamento, o que mais nos preocupa e torna difícil
o dia a dia para as educadoras não é a sala ser multisseriada, pois até mesmo os educandos encaram
essa questão como um desafio e uma forma de melhor convivência entre todos, mas a questão se dá
pela deficiência na formação dos educadores e educadoras em saberem lidar com essa questão e
ainda pela sobrecarga de trabalho que eles e elas acabam carregando. As questões de
heterogeneidade precisam ser debatidas e orientadas nas formações da EJA.
O livro didático também é outro elemento que merece destaque, uma vez que permeou as
narrativas, de forma bastante crítica pelas educadoras. Quanto a esse material, acreditamos que uma
melhor atenção deve ser dada, uma vez que ele parece não dialogar com o universo do camponês e
muito menos com as lutas dos movimentos sociais do campo. Como já apontamos, as educadoras
parecem bastante sobrecarregadas com uma sala multisseriada, com as burocracias exigidas pelo
programa entre outras questões, por isso ter que “refazer o livro”, como cita Iveline, não deveria
fazer parte do cotidiano dessas educadoras. É preciso que esse instrumento seja revisto e reavaliado.
Quanto às metodologias de aulas, parece que tanto educandos quanto educadoras estão
satisfeitos, mesmo apontando as dificuldades, principalmente com o livro didático. Porém, mesmo
105
que não tenha feito parte das formações que tiveram, os Círculos de Cultura parecem acontecer na
sala de EJA do acampamento Elizabeth Teixeira e as práticas de Educação Popular parecem balizar
as metodologias de aulas dessa turma, em específico. Porém, é importante que essa experiência seja
trocada com outras e outros educadores, principalmente nos espaços de formação, para que a
Educação Popular continue a ser construída de forma coletiva.
Gostaríamos de salientar a importância de lutarmos por políticas públicas de qualidade
para a EJA em todo país, seja ela no campo ou na cidade. Estamos em um momento crítico para a
EJA e para a educação pública em todo o país, fechamentos constantes de salas de aulas não podem
ser encaradas com naturalidade uma vez que contamos com um nível alto de analfabetismo no país
e com um número crescente de evasão de jovens das escolas regulares. No acampamento Elizabeth
Teixeira, cada um está disposto a dar sua contribuição, seja ela em nível local ou em contexto
universal para a melhoria da “Escolinha” e da EJA.
Além disso, a experiência da EJA no acampamento, pode contribuir, de maneira geral, para
as políticas de educação direcionadas aos sujeitos da reforma agrária. Acreditamos ainda, que estes
estudos possam respaldar a relevância de uma política pública de educação direcionada ao público
da reforma agrária, como o PRONERA, uma vez que ainda há um elevado índice de analfabetismo.
E que, “ler, escrever e fazer contas” é uma ferramenta imprescindível que estas populações podem
ter para poderem participar e tomar as rédeas de seus projetos produtivos, acessando as demais
políticas públicas para a Agricultura Familiar. Além disso, ser uma pessoa letrada é sinônimo de
liberdade, autonomia e de consciência política. Lutar por esses direitos, é lutar por justiça social, de
modo a devolver a essas populações o seu direito de serem sujeitos de suas próprias histórias.
106
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Blog Taqui pra ti:
<http://blogs.d24am.com/taquiprati/2012/09/16/quando-alfabetizar-era-crime/> (último acesso em
27/04/2015).
Biografias:
<http://www.e-biografias.net/cora_coralina/> (último acesso em 27/04/2015).
Instituto Paulo Freire:
<http://www.paulofreire.org/paulo-freire-patrono-da-educacao-brasileira> (último acesso em
27/04/2015).
Pronacampo:
<http://portal.mec.gov.br/index.phpoption=com_content&view=article&id=18720:pronacampo&cat
id=194:secad-educacao-continuada> (último acesso em 15/01/2015).
FONEC:
111
<http://educampoparaense.org/site/media/Notas%20para%20an%C3%A1lise%20do%20momento
%20atual%20da%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20do%20Campo.pdf> (último acesso em
22/01/2015).
CNA:
<http://www.icna.org.br/> (último acesso em 16/01/2015).
Portal da Câmara dos Deputados:
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacaoidProposicao=538679> (último
acesso em 16/01/2015).
Revista Educação:
<http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/207/a-voz-do-campo-318118-1.asp>(último acesso em
08/05/2015).
112
Anexos1. Questionários utilizados para entrevista com educadoras e educadores:
Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
Faculdade de Engenharia Agrícola - FEAGRI
Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária -
PRONERACURSO DE ESPECIALIZAÇÃO LATO SENSU “Educação do Campo e Agroecologia na Agricultura familiar e
Camponesa – Residência Agrária – PRONERAAcampamento Elizabeth Teixeira, Limeira, SP.
Avaliação Qualitativa da turma de Educação de Jovens e Adultos – EJA no Acampamento
Elizabeth Teixeira em Limeira
Questionário Educadores:
I. Nome d@ educador@: ______________________________________
II. Idade: ________anos
III. Qual seu grau de instrução?
_____________________________________________________________________
1. Antes de participar da EJA já havia ministrado aulas?)
________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
2.Há quanto tempo participa da EJA no acampamento?
_______________________________________________________________________________
3.Como ficou sabendo da EJA no acampamento?
_______________________________________________________________________________
4.Desde que começou a participar da EJA, o que mudou na sua vida?
________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
5.O que mais a (o) motiva a ministrar as aulas?
________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
7. Quais tipos de aulas você considera mais interessantes? (Avaliação sobre as metodologias
aplicadas nas aulas)
________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
8. Quais tipos de aulas você não gosta?
________________________________________________________________________________
113
______________________________________________________________________________
9. Qual a sua opinião sobre o espaço físico da escola?
________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
10. Qual a sua opinião sobre o material didático disponibilizado, principalmente o livro didático?
________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
11. Qual a sua opinião sobre o currículo proposto para a EJA/PRONERA? É adequado para a
realidade do campo?
________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
12. Qual a sua opinião sobre a turma de educandos em geral? Estão progredindo? Qual sua
avaliação?
________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
13. Você já conhecia o PRONERA?
_______________________________________________________________________________
14. Desde de que o PRONERA chegou no acampamento, o que você acha que mudou na EJA?
________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
15. Há algum assunto que você julgue necessário e que não se encaixou ainda nas aulas por algum
motivo como livro didático, interesse dos educandos e educandas etc?
________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
16. O que você acha que ainda pode melhorar na EJA?
________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
17. Quais são seus maiores sonhos hoje? (Será que a EJA faz parte desses sonhos?)
________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
18. Qual a sua opinião sobre o processo de formação de educadores e educadoras para iniciarem a
docência nas salas de EJA no campo?
________________________________________________________________________________
114
______________________________________________________________________________
19. Para você, quais as maiores dificuldades encontradas com o PRONERA?
________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
20. Você tem mais considerações (opiniões, elogios, reclamações etc) a fazer sobre o PRONERA ou
sobre a EJA no geral?
________________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________
Agradecemos muito a sua colaboração para o crescimento coletivo da EJA dentro da comunidade e
junto aos demais grupos que fazem parte desse grande programa que é o PRONERA. Obrigada!
Limeira, _______ de ________ de 2015.
Assinatura d@ educand@: _______________________________________
Assinatura da pesquisador@/ entrevistador@ : ________________________
2. Questionário utilizado para entrevista com educandas e educandos:
Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
Faculdade de Engenharia Agrícola - FEAGRI
Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária -
PRONERACURSO DE ESPECIALIZAÇÃO LATO SENSU “Educação do Campo e Agroecologia na Agricultura familiar
e Camponesa – Residência Agrária – PRONERAAcampamento Elizabeth Teixeira, Limeira, SP.
Avaliação Qualitativa da turma de Educação de Jovens e Adultos – EJA no Acampamento
Elizabeth Teixeira em Limeira
Caracterização do entrevistado (educando):
Nome d@ educand@: ______________________________________ (para fins de controle dos
questionários, os nomes não serão publicados em meios de circulação)
Idade: ________anos Sexo ____________Cor da Pele ________
Educando ( ) ou Educadora ( )
Antes desse curso, você já tinha estudado?
Questionário Educando
115
1. Antes desse curso já havia frequentado algum tipo de escola? Se sim, até que série da escola
frequentou? Qual tipo? Por quanto tempo?_______________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________
2. Antes do curso você: a) conseguia ler b) lia com dificuldades c) lia sem dificuldades d) não lia3. Antes do curso você: a) conseguia escrever b) escrevia com dificuldades c) escrevia sem
dificuldades d) não escrevia4. Antes do curso você: a) conseguia fazer contas de matemática b) fazia contas com dificuldades
c) fazia contas sem dificuldades d) não fazia5. Como ficou sabendo do curso (EJA) no acampamento?_______________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________6. Há quanto tempo participa da EJA no acampamento?_______________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________7. Em que situações você sente mais necessidade da leitura? (receita médica, embalagens de
produtos agrícolas, cartas, documentos, bíblia, etc...) pode sugerir._______________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________8. Em que situações você sente mais necessidade da escrita (assinatura do nome em documentos,
reuniões, compras, ...)_______________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________
9. Em que situações você sente mais necessidade de calcular? (controle horas/trator, divisão de
contas coletivas, cálculo de áreas....)_______________________________________________________________________________
___________________________________________________________10. Qual a sua opinião sobre o espaço físico da escola? (Mesas e cadeiras; iluminação; ventilação;
quadro...)_______________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________11. Como você avalia o currículo (conteúdos, temas); os assuntos tratados são relacionados ao seu
dia a dia? A linguagem é adequada para jovens e adultos do campo?_______________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________12. Qual a sua opinião sobre o material didático pedagógico? (é adequado para jovens e adultos
do campo?)_______________________________________________________________________________
116
_____________________________________________________________________________13. Como você avalia a metodologia de aulas (aulas, dinâmicas)? Quais tipos de aulas você
considera mais interessantes? (avaliação sobre as metodologias aplicadas nas aulas)Quais tipos de aulas
você não gosta?_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_________________________________________________14. Qual a sua opinião sobre a didática das educadoras?O educador tem conhecimento? Tem
jeito de ensinar?_______________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________15. Qual sua opinião sobre o educador/a e sua relação com os educandos?_______________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________16. Os períodos de aula e horários são adequados para os alunos trabalhadores do campo? São
ajustados ao período de safras agrícolas?_______________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________17. O que mais a (o) motiva a frequentar as aulas?_______________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________18. Qual a sua opinião sobre a turma em geral?_______________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________19. Você já conhecia o PRONERA?_______________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________20. Desde que o PRONERA chegou no acampamento, o que você acha que mudou na EJA? (em
termos do educador, material didático, conteúdos ....)_______________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________21. Há algum assunto que você tenha bastante interesse de conhecer e que ainda não foi abordado
em sala de aula? Quais?_______________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________22. O que você acha que ainda pode melhorar na EJA?_______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________23. Desde que começou a participar da EJA, o que mudou na sua vida? FAZER um cartão comas frases e apresentar ao educando / e fazer a leitura junto: Responder se concorda ou discorda decada uma das frases, levando em conta os resultados que o curso está tendo para você no que se
117
refere ao domínio da leitura, escrita e conhecimentos matemáticos:
FRASES SIM NÃO Em parte Não sei Aumentei a minha autonomia e segurança pessoal Passei a assumir tarefas que antes não fazia
(controle de máquinas, planejamento da produção, orçamento doméstico, ...)
Tenho mais acesso a informações técnicas e econômicas necessárias para o meu trabalho
Tenho mais condições de acompanhar as tarefas escolares dos meus filhos
Tenho mais condições de participar de discussões políticas
Passei a participar mais da vida social e cultural noacampamento
Melhorei a minha relação com o meio ambiente e a natureza
24. Após esse curso, você pretende continuar os estudos? O que gostaria de fazer? Quais são seus
maiores sonhos hoje? (Será que a EJA faz parte desses sonhos?)_______________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________25
. Você gostaria de fazer mais alguma sugestão para a melhoria do EJA/PRONERA?_______________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________
Agradecemos muito a sua colaboração para o crescimento coletivo da EJA dentro da comunidade
e junto aos demais grupos que fazem parte desse grande programa que é o PRONERA. Obrigada!
Limeira, _______ de ________ de 2015
Assinatura d@ educand@: _______________________________________
Assinatura da pesquisador@/ entrevistador@: ________________________
118