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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Memória
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O Sindicalismo Amordaçado
om o golpe militar, quase todos os sindicatos,
especialmente os ligados a uma central sindical,
sofreram intervenções. As eleições foram, inicialmente,
proibidas e foram nomeados interventores ligados à ditadura.
Os sindicatos tiveram suas sedes fechadas depois do golpe,
sendo abertas depois de um tempo, administradas por
interventores nomeados pelo governo militar. Os arquivos e
acervo de documentos, fotografias, jornais, bibliotecas de
muitas instituições trabalhistas foram destruídos, numa
tentativa de amputar a memória da instituição.
C
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Grande número de dirigentes sindicais foi preso e
processado. Em depoimento dado em 1999, um antigo
membro do Partido Comunista Brasileiro e ex-diretor do
Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção
Civil, Sinfrônio de Souza Nunes, afirmou sobre essa
experiência que ficou “preso um mês, mas não fui
condenado. A minha impressão é que eles avaliaram e viram
que elo meu nível não valia a pena prender um analfabeto”,
afirmou.
Repressão: a sociedade civil sob as botas dos militares
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Os motivos da prisão e do processo eram torpes, visando
neutralizar as lideranças sindicais. “Fui condenado a quatorze
meses de prisão. No meu processo estava: luta por 13º
salário, líder da greve contra a carestia, líder da greve pela
reforma de base. A minha condenação foi por ser líder das
reivindicações da categoria”, disse outro líder sindical, José
Xavier dos Santos em depoimento ao Centro de Memória
Sindical da Força Sindical. Os problemas dos sindicalistas não
se limitaram à prisão. Após serem libertados, muitos foram
processados.
“Fui condenado a quatorze meses de prisão. No meu processo estava: luta por 13º salário, líder da greve contra a carestia, líder da greve pela reforma de base. A minha condenação foi por ser líder das reivindicações da minha categoria”
José Xavier dos Santos
No dia do golpe, o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias
de panificação e Confeitaria de São Paulo estavam
mobilizados. Nessa época, devido à alta inflação, o Sindicato
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dos Padeiros de São Paulo promovia duas campanhas
salariais, uma em maio e a outra em novembro. Por conta da
mobilização para a campanha de maio, no dia do golpe os
trabalhadores estavam reunidos em assembleia, na Rua
Martins Fontes, quando chegou a notícia da queda de João
Goulart – o que colocava os sindicatos automaticamente na
ilegalidade. Ao tomar conhecimento do golpe, a diretoria do
Sindicato dos Padeiros se dispersou sem perda de tempo, e os
principais articuladores da organização tiveram de
permanecer na clandestinidade durante um longo período.
Manifestação de trabalhadores no início da ditadura
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No processo de fuga e evasão para a clandestinidade, o
presidente do Sindicato dos Padeiros, Reginaldo Nascimento,
precisou ficar uma semana escondido no forro da casa do
sindicalista José Batista dos Santos, diretor suplente do
Sindicato dos Padeiros de São Paulo. “Papai o encontrou e o
levou para casa”, recorda Izilda Álvares, filha de Santos.
“Depois de passar uma semana no forro, ele foi para um local
que providenciaram para ele. Não sei onde, não me
contaram, pois não podiam contar”, relatou Izilda.
Com o golpe, Reginaldo – juntamente com o restante da
diretoria – foi cassado e precisou, como outros membros do
Sindicato, ficar foragido.
“No dia do golpe, o presidente do Sindicato dos
Padeiros, Reginaldo Dias do Nascimento, saiu
da sede, no edifício Martinelli, antes que viesse
a polícia fechar, indo para um lado da cidade,
enquanto um dos diretores, o Antônio Mota, foi
para o outro. Os dois ficaram, mesmo morando
na mesma cidade, vinte anos sem se ver –
praticamente o tempo que durou o regime
militar”.
Manuelito dos Santos
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O período entre 1964 e 1968 foi de estagnação política.
Acabaram-se as reuniões, acabaram-se as greves, acabaram-
se as deliberações. Apenas em 1966, trabalhadores de duas
padarias paulistanas pararam por melhores salários. Foram
severamente reprimidos.
Descontentamento, manifestações e repressão: cenas da ditadura militar
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Embora as assembleias continuassem
acontecendo, toda a articulação política
havia sido subtraída desses encontros.
Assim, as assembleias terminaram por
assumir um caráter estritamente
informativo. Além disso, essas reuniões
eram monitoradas pela Secretaria do
Trabalho. Para tanto, “arapongas” eram
infiltrados entre os trabalhadores.
Os arapongas, porém, não passavam desapercebidos. “Nós
sabíamos quem eram os espiões, porque o padeiro, ao menos
antigamente, se conhecia pelas mãos – as unhas sujas de
massa – e pelo cheiro de pão e farinha”, diz o padeiro
sindicalista Manuelito Santos.
Com os sindicatos amordaçados, o governo determinava os
aumentos salariais, respeitando a data do dissídio. No caso
dos padeiros paulistanos, a tabela elaborada pela organização
sindical – uma das primeiras conquistas da organização – foi
abolida: um sinal do engessamento do movimento
trabalhista, uma vez que apenas a classe patronal tinha voz,
protegida pelo regime. Assim, os aumentos salariais eram
invariavelmente insatisfatórios.
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No entanto, “a longa noite do sindicalismo brasileiro”, como o
período é por vezes chamado, acabou conduzindo os
trabalhadores a um esforço que culminou com a classe
trabalhista assumindo a liderança da sociedade civil no
retorno à ordem democrática. Apesar das dificuldades e da
repressão, no final desse período, os trabalhadores puderam
constatar e provar à sociedade aquilo do que sempre foram
conscientes: seu poder político. A retomada dessa percepção
devolveu à classe trabalhadora sua confiança e dignidade.
Com efeito, o movimento operário do final dos anos 70 e
início dos anos 80 foi muito combativo e atuante.
Mas ainda no início da ditadura, em 1966, os trabalhadores já
haviam retomado o movimento sindical, mas sem resultado.
Em março de 1966, os sindicalistas aliaram-
se aos estudantes, a setores do clero e da
sociedade civil e fundaram a Frente Ampla.
Com o franco objetivo de lutar pelo
restabelecimento da democracia no Brasil, a
frente começou a influenciar o Congresso
em suas votações. No ano seguinte, os
sindicalistas criam o Movimento
Intersindical Antiarrocho (MIA).
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A mobilização dos trabalhadores levou à organização da
Greve de Osasco, iniciada em 16 de julho de 1968 com a
ocupação da Cobrasma, sob o comando de José Ibrahim,
presidente do Sindicato dos Metalúrgicos. A greve teve
importância histórica uma vez que, com ela, os trabalhadores
articulavam um movimento independente, promovendo
assembleias, nas greves, passeatas e ocupações de fábrica,
pela primeira vez desde que o regime militar havia colocado
os sindicatos sob intervenção.
Trabalhadores presos na greve de Osasco, 1968
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No dia seguinte, 17 de julho de 1968, o Ministério do
Trabalho declarou a ilegalidade da greve e determinou a
intervenção no Sindicato dos Metalúrgicos. Quatro dias
depois, os operários retornam ao trabalho. Em outubro
daquele ano houve outra greve, em Contagem, Minas Gerais.
Como a de Osasco, a de Contagem também foi mobilizada
contra o arrocho salarial e foi igualmente reprimida. O
movimento operário só iria promover novas greves dez anos
depois.
A desarticulação, repressão e controle do movimento foram
acompanhados de uma nova política de arrocho de salários e
da lei antigreve nº 4.330. A partir de então, a ditadura passou
a lançar mão da tortura, assassinatos e censura.
A mobilização do movimento sindical e
da sociedade civil em prol da volta da
ordem democrática levou a uma reação
dentro dos quartéis. A disputa pelo poder
dentro das Forças Armadas acabou
pendendo para o lado dos mais radicais,
a chamada “linha dura”
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Ao longo dos governos Castelo Branco e Costa e Silva, a
linha-dura não chegou a dominar a orientação do governo
militar – agindo nos subterrâneos e aflorando vez ou outra.
Contudo, com o terceiro general-presidente, Emílio
Garrastazu Médici, ela chegou à superfície do regime,
assombrando ainda mais os brasileiros.
Depois que os militares abrandaram, no governo Ernesto
Geisel, o sindicalismo brasileiro ajudou a precipitar o fim do
regime militar. O processo teve ingredientes como a
reconquista da cidadania dos trabalhadores e havia uma
simpatia de todas as classes. Depois das manifestações
trabalhistas desse período, muita coisa começou a mudar no
país.
Lula liderando os metalúrgicos no final dos anos 1970
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O movimento operário se ergueu novamente na sexta-feira
12 de maio de 1978, na fábrica da Scania, em São Bernardo
do Campo, quando os metalúrgicos entraram em greve – a
primeira no país em dez anos. Revoltados com mais um
holerite sem reajuste, os operários colocaram em prática a
palavra de ordem “braços cruzados, máquinas paradas”. Os
trabalhadores reagiam assim à política trabalhista do governo
militar, que estipulava os aumentos mantendo baixos os
salários dos trabalhadores e garantindo lucro considerável
para as empresas. Os militares agiam dessa maneira para
garantir o lucro dos empresários – especialmente os grupos
multinacionais, de quem esperavam receber transferência
tecnológica. Cientes dos lucros da Scania e sem aumento de
salário, os líderes sindicais propuseram a greve. Às 7h00 da
manhã, quando começou o turno do dia 12, o pessoal da
ferramentaria, o coração da fábrica, manteve as máquinas
desligadas.
A repercussão política foi enorme. A greve da
Scania representava a retomada do
sindicalismo no Brasil, em plena vigência do
Ato Institucional nº 5, o infame mecanismo
legal que cassou direitos e liberdades, inclusive
o de manifestação dos trabalhadores
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Os operários da Scania permaneceram parados durante dois
dias, mas foi o bastante para abalar as estruturas
estabelecidas entre o Estado e os industriais.
Diretas Já: a sociedade se une pelo fim da ditadura
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Em suas manifestações, os líderes sindicais propuseram o que
veio a ser chamado de “novo sindicalismo” - uma ruptura
com as práticas estabelecidas no passado, principalmente no
período entre 1945-1964.
O novo sindicalismo agregava uma série
de forças distintas entre si, mas que
tinham em comum, entre outras coisas, o
posicionamento contrário àqueles outros
setores os quais classificavam como
reformistas ou pelegos e que
prejudicavam o desenvolvimento da luta
dos trabalhadores pelas suas
reivindicações
Outra característica do movimento é que ele era sustentado
por uma classe trabalhadora jovem, livre das influências dos
antigos operários.
Muitos dos elementos do “novo sindicalismo” partiram do
que alguns estudiosos chamaram de “interpretação política”.
O movimento operário e sindical tinha consciência do seu
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papel de peso na oposição ao regime. O impacto da ação dos
trabalhadores atingiu a arena política geral de forma a abalar
o regime. Com reivindicações precisas e concretas, o “novo
sindicalismo” apresentou certas posições políticas não
toleradas pela ditadura.
O discurso do “novo sindicalismo” com relação a patrões,
Estado e legislação se caracterizava pela radicalização que
buscavam combater a intransigência dos empresários e as
agruras e os sofrimentos no “chão da fábrica”. Com relação à
ditadura, o movimento mostrava a rejeição ao Estado
autoritário que pouco, ou nada, fez pelos trabalhadores.
Os proponentes do “novo sindicalismo” também lutavam por
liberdade e autonomia sindical, desatrelando o sindicato do
Estado.
Sindicato dos Padeiros
de São Paulo
Direito reservados: Sindicato dos Padeiros de São Paulo, 2012
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