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O SUPORTE DA COMUNICAÇÃO NO BRINCAR DA CRIANÇA
Nilde J. Parada Franch1 “O homem só joga quando é
homem no pleno sentido da palavra, e só é completamente homem quando joga”. Schiller 2
Introdução Desde os primeiros momentos da vida do ser humano já se pode observar o
nascimento de uma situação carregada de sentimentos e emoções entre ele e
sua mãe (ou cuidador).
O observador atento poderá ver uma seqüência de “jogos” entre mãe e bebê
caracterizados por interesse e atenção especialmente dirigidos de um para o
outro. Esses jogos se expressam inicialmente pelo olhar, por sons, balbucios e
posteriormente por gestos e verbalizações incipientes.
Do ponto de vista do observador, ‘sujeito’ e ‘objeto’ dessa ‘dupla’ podem ser
percebidos de modo intercambiável: alternam-se aos olhos do observador.
Do ponto de vista psicanalítico, as respostas dadas a questões como: de que
modo se dá a constituição do sujeito psíquico, quando o objeto começa a existir
para o bebê com o estatuto de objeto, isto é, quando e como se instaura a
consciência de um objeto separado, e conseqüentemente do ser separado, têm
variado ao longo da história dos conceitos psicanalíticos.
1 Membro Efetivo, Analista Didata e Secretária do Setor de Análise de Crianças e Adolescentes da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo no período de 1997-2000. 2 Citado por Cassirer, E. Ensaio sobre o Homem. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p.270.
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Entretanto, o desamparo do ser humano ao nascer, focalizado inicialmente por
S.Freud e Otto Rank, parece ser um conceito que se mantém inquestionável.
Dos recursos e capacidades do bebê
O ser humano vem ao mundo num estado psíquico de desamparo, de
dependência e de indiferenciação. Não sobrevive física e psiquicamente sem
os cuidados materiais e emocionais da mãe. É dotado de um equipamento
biológico e pulsional, de competências, e de uma curiosidade inata. A memória
‘biológica’, função das estruturas biológicas, vai criando marcas num momento
em que não há ainda condições de representabilidade psíquica. Estudiosos do
desenvolvimento psíquico do bebê e psicanalistas que têm investigado os
estados mentais primitivos nos alertam para os recursos e as capacidades
incipientes presentes a partir do nascimento. Freud (1911b) já mencionava a
possibilidade de uma forma muito primitiva de vida psíquica ao se referir à
experiência de realização alucinatória do desejo. Bion (1963) sugere o
funcionamento de um aparelho protomental em que físico e psíquico estariam
indiferenciados. Essa construção teórica nos permitiria a aproximação de
experiências emocionais em estado bruto, ainda não processadas. Stern
(1985), entre outros, tem investigado e descrito as competências psíquicas do
bebê ao nascer.
Uma das primeiras capacidades seria a de expressar fortemente suas
necessidades biológicas, seus desejos, sentimentos e suas emoções. Estamos
destacando aqui sua capacidade expressiva. Citando Melsohn (1991): “O
sentimento visa um objeto, mas ele o visa à sua maneira, que é afetiva. Ter
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ódio do objeto é constituí-lo segundo uma dimensão particular; o sentimento
confere ao objeto um sentido e uma atmosfera sui generis”....“o sentimento é
uma concepção; de sua estrutura participam elementos expressivos primordiais
e básicos que perfundem os planos representativos. Aqueles mesmos
‘sentidos’ expressivos que, por primeiro, se constituíram como conteúdos de
vivência dos estadios iniciais de organização e abertura da consciência para a
alteridade, estão também integrados nas formas mais complexas da vida do
sentimento......Ancoradas nos planos mais profundos da vida psíquica, servindo
para recepção e comunicação de estados emocionais primordiais da existência,
as percepções e as reações expressivas da mãe constituem o instrumento
afetivo para elaboração e transformação das vivências do bebê.”
Como o bebê não tem ainda um aparelho psíquico suficientemente
desenvolvido para processar as impressões sensoriais de suas experiências
emocionais de modo a poder formar representações simbólicas que poderão
ser usadas para sonhar, pensar, brincar, essas emoções tenderão a ser
evacuadas na forma de identificações projetivas, somatizações, agitação,
hiperatividade, etc. A percepção é vivida como pura qualidade afetiva: terror,
ameaça, tranqüilidade, etc.; o que se vê é presença viva, caracterizada pelo
valor expressivo, ou seja, nada tem valor representativo. No entanto, a
descarga imediata não satisfaz por muito tempo. A inibição da descarga
motora, que pode levar ao processo de pensar, se desenvolve a partir das
representações mentais (Freud,S.,1911). São as experiências emocionais que
fazem pressão em direção à figurabilidade3 buscando representação mental.
3 “Darstellbarkeit” é amiúde traduzido por “figurabilidade” ou “representabilidade”; designa a capacidade de exprimir em imagens, ao passo que “Vorstellung” , termo de uso coloquial, tem sido
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Hanns (1996) enfatiza que no texto freudiano a representação (Vorstellung) é o
suporte que representa a pulsão na esfera consciente. Elas se interligam numa
extensa malha de idéias e imagens inter-relacionadas permitindo o trabalho
psíquico do sonhar, do brincar e do pensar.
À medida que a capacidade de representação mental das experiências
emocionais vai se desenvolvendo, outros tipos de manejo da angústia e do
desespero vão se tornando possíveis. Outros recursos que não descarga, a
evacuação, a expulsão, a somatização, a agitação, poderão ir se
desenvolvendo.
Hochmann, J. (1992) propõe um meio de lidar com o desprazer decorrente do
lapso entre desejo e realização, que ele chama de erotização da excitação,
uma teorização baseada nos trabalhos de Bion. Vistos a partir dessa
perspectiva, os cuidados maternos tais como embalar o bebê, falar-lhe com voz
apaziguadora, iriam reduzindo progressivamente as sensações de tensão e de
excitação ligadas ao desejo, e a ativação do polo motor.
Paulatinamente, o bebê iria se tornando capaz de procurar se acalmar com
seus próprios recursos, inicialmente imitando o comportamento materno,
embalando-se, reproduzindo as idas e vindas do rosto materno por meio de
movimentos, reproduzindo a musicalidade da fala materna pela lalação, etc.
Num segundo momento, o bebê teria internalizado suficientemente esses
procedimentos, de modo a não ter mais que apoiá-los em elementos
sensoriais. Terá nascido, então, o ‘auto-erotismo mental’, que representa a
capacidade de obter prazer por meio desse órgão particular que é o
usado para designar ‘idéia’ ou ‘concepção’, no sentido de idéia visualizada, da significação que o conteúdo da representação veicula, de pensamentos mais imagéticos.(Hans, L.,1996)
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psiquismo. Para Hochmann, o ‘aparelho para pensar os pensamentos’ (Bion)
pode ser considerado como uma zona erógena apoiada no corpo e
progressivamente desligada dele, em que a pulsão pode encontrar sua fonte e
seu objeto.
Graças à obtenção do prazer pela inibição ativa das descargas pulsionais,
imagens pictográficas extremamente condensadas passam a ser formadas
para dar significado a experiências de prazer e de desprazer. O pictograma
auto-erótico pode ser simbolizado pela imagem face- contra-o seio, figurando
um bebê satisfeito, em repouso, descansando de encontro ao seio da mãe que
o olha, sorrindo para ele. Esse prazer narcisista de consolação e pacificação
formaria um eixo metafórico de transposição da satisfação em outro registro
que não o da descarga pulsional, registro em que
a tensão moderada mantém um funcionamento mental que também é fonte de
prazer e que está na origem do prazer de pensar, de falar, de sonhar, de
brincar.
Para Hochmann, o auto-erotismo mental do bebê explicaria a transformação da
experiência dolorosa do luto ligado à metaforização de um objeto perdido,
ausente, em uma experiência prazerosa de figurar, simbolizar, sonhar, pensar.
“É como se a nostalgia da coisa ausente e ‘perdida’ em sua realidade, uma vez
que re-presentada, viesse adoçar o sofrimento do luto e como se esse
adoçamento tivesse um charme particular”.
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Como se percebe dessa exposição, dificilmente se pode falar do bebê, com
seus recursos e capacidades, sem incluir as condições psíquicas do objeto
externo.
O papel do objeto
A importância do papel do objeto materno tem sido amplamente considerada,
desde Freud. M.Klein apresentou valiosas contribuições sobre a importância da
relação com o primeiro objeto externo para a organização da vida psíquica do
sujeito. Winnicott, com seu conceito de ‘mãe suficientemente boa’ e Bion, com
o conceito de rêverie materna, enriqueceram e ampliaram grandemente nossas
possibilidades de pensar essa questão do objeto.
A ‘mãe suficientemente boa’ é capaz de dar respostas às necessidades do
bebê de modo a manter a ilusão de fusão, condição necessária para que a
consciência da alteridade, da separabilidade, vá se dando paulatinamente, à
medida que as condições do bebê para suportar dor, angústia, terror, vão se
ampliando e fortalecendo, isto é, que suas incompetências vão sendo
diminuídas ou até mesmo ultrapassadas. A consciência de ser separado
demanda recursos psíquicos para lidar com terríveis angústias de
aniquilamento, e também com os sentimentos de perda: perda da ilusão da
fusão, perda da onipotência, perda do sentimento de posse; um trabalho de
luto se iniciará, com os recursos que forem possíveis ao bebê, com a ajuda que
for possível por parte da mãe.
Por melhor que seja a mãe, ela não pode dar conta de certas incompetências
do bebê e de certas tarefas que ele próprio terá que aprender. Ela poderá
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ajudá-lo a suportar a angústia e a dor, mas não poderá impedi-lo de sentir.
Uma dessas tarefas diz respeito à relação do bebê com seu trato digestivo. Diz
F.Guignard (1995):”Indissoluvelmente ligado à sobrevivência física do sujeito,
é muito natural que o aparelho digestivo lhe sirva de modelo de funcionamento
para a sobrevivência de seu aparelho psíquico. Designado por Freud como o
primeiro objeto de investimento externo ao próprio corpo, o seio vai dar, em sua
união vital com o orifício oral, sua impulsão em direção às relações do sujeito
com o mundo externo por meio dos mecanismos de base que são a projeção e
a introjeção, seguindo a linha dos dois princípios do funcionamento mental:
prazer-desprazer e realidade”.
Para Guignard, a melhor das mães pode proporcionar satisfação direta, sob
forma de aleitamento, para acalmar as necessidades, ou mesmo os desejos do
bebê ligados à oralidade, mas só poderá intervir indiretamente nas questões
ligadas ao sofrimento que se origina no interior do aparelho digestivo; ele terá
que lidar com vivências de adaptação de seu trato digestivo: cólicas,
regurgitações, sensação de vazio, de plenitude, dor, enfim, experiências no
plano corporal e seus equivalentes emocionais. Essas experiências, vividas
como frustrações às expectativas de prazer contínuo e de um estado de
homeostase constante, também vão contribuir para que a consciência de um
objeto, distinto do sujeito no plano psíquico, vá se estabelecendo.
Segundo Bion, o ser humano já nasce com a preconcepção de um objeto que
satisfaça suas necessidades. “Suas idéias sobre a preconcepção
correspondem a esquemas emocionais destituídos de conteúdo representativo.
Esses esquemas se transformam em concepção, em realização, quando se
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preenchem de conteúdo por ocasião das experiências com o mundo” (Melsohn,
I. 1996, p.177). Assim é que, quando a mãe com capacidade de rêverie acolhe
as identificações projetivas do bebê, o pavor, a angústia de aniquilamento
vivenciados por ele, a comunicação de suas necessidades físicas e
emocionais, e pode metabolizá-las, devolvendo-as de forma mitigada, ela
estará se apresentando como modelo de uma mente pensante que poderá ser
introjetado pela criança. Identificando-se com a mãe continente, o bebê poderá
recriá-la imaginativamente na ausência dela; assim surgem os primórdios do
aparelho de pensar.
Como desenvolvi em trabalho anterior (Franch,1996), auto-continência e
rêverie são, a meu ver, estados sexualizados de mente. Deixar-se penetrar por
angústias e identificações projetivas supõe a disposição, atitude ativa para
deixar-se penetrar, e o investimento afetivo que acompanha essa
disponibilidade. Ademais, num segundo momento, pós-penetração das
identificações projetivas, há um trabalho ativo de processamento das angústias
e de desintoxicação. Eu tenderia a ver o trabalho de rêverie como uma
conjunção amorosa; conjunção porque fruto de dois elementos, ativo-passivo, e
amorosa porque fruto do investimento mútuo de ambos, mãe e bebê, que os
tornará atraentes e atrativos um para o outro. Concluo que a rêverie é uma
operação erotizada, uma vez que a criança é objeto do desejo da mãe e esta é
o objeto do desejo da criança. Gostaria de levantar aqui a questão dialética que
é introduzida com o aparecimento do terceiro, até então na penumbra da
paixão recíproca. Quando a mãe sai do estado de ‘preocupação materna
primária’ (Winnicott), ela abre espaço em sua mente para o pai e, permitindo a
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entrada dele no triângulo, será a agente do corte, da interdição. Primeiro
estimula, e depois proíbe, criando a contradição inerente à situação edipiana,
drama que condensa as paixões humanas.
Quando o objeto-mãe, por questões de sua estrutura emocional, não se deixa
penetrar, apresentar-se-á como um objeto duro, não amoroso, e será então
vivenciado intrusiva e precocemente como o ‘’outro’, provocando mais dor e
angústia. Como nos lembra Izelinda Barros (Barros, I., 1988), distúrbios graves
na relação mãe-bebê trazem uma quebra irreparável no fluxo comunicativo da
dupla, com danos importantes no desenvolvimento do bebê. A perda mais
grave está ligada ao crescente desinteresse dele por seus parceiros humanos
e que acarreta, conseqüentemente, grandes dificuldades na aquisição da
linguagem verbal.
Patologias graves são habitualmente relacionadas a distúrbios precocíssimos
da relação mãe-bebê, tais como: anorexia, autismo, psicoses, e também
patologias aditivas.
À medida que a criança se desenvolve em situação de rêverie materna, de
auto-continência de suas emoções e do processamento de suas experiências
emocionais pela função alfa, seu brincar evidenciará níveis cada vez mais altos
de simbolização.
Os primeiros “jogos” da criança, como nos referimos anteriormente, são não-
discursivos, têm função expressiva, uma vez que se constituem, por meio das
identificações projetivas, em um modo de comunicação. São precursores de
modalidades mais complexas de comunicação de emoções e pensamentos
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que aparecerão mais tarde em formas simbólicas de comunicação que
culminarão na linguagem verbal.
Brincar passa a ser um importante instrumento, “expressão da vida dos
impulsos subjetivos e expressão do significado e valor ético e afetivo dos
objetos” (Melsohn, I., 1996).
O brinquedo e o brincar na análise de crianças
É interessante observar como, nas duas primeiras décadas do século XX, o
brinquedo e o brincar da criança passaram a ser objeto de reflexão de
pensadores de vários segmentos do conhecimento humano.
Sigmund Freud, em 1909, escreve o artigo `Análise de uma fobia em um
menino de cinco anos, em que descreve o modo como compreendia
psicanaliticamente as brincadeiras do pequeno Hans relatadas pelo pai. Freud
buscava o significado do conteúdo manifesto das brincadeiras, ou seja, o
conteúdo latente, inconsciente, na tentativa de reverter os sintomas fóbicos de
Hans. Suas `interpretações´ eram transmitidas ao garoto pelo pai, uma vez que
nessa época Freud acreditava que somente um dos pais poderia analisar a
criança. Diz Freud: ”Só porque a autoridade de um pai e a de um médico se
uniam numa mesma pessoa, e porque nela se combinavam o carinho afetivo e
o interesse científico, é que se pôde, neste único exemplo, aplicar o método
numa utilização para a qual ele não se teria prestado, fossem as coisas
diferentes”. Experiência posterior mostrou a Freud que essa limitação era
desnecessária, e em 1918 aparecem observações suas sobre o valor técnico
da análise de crianças.
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Em 1919, Sigmund Pfeifer, psicanalista de Budapeste, publica um longo artigo
intitulado `Manifestações das pulsões eróticas infantís nas brincadeiras -
Apreciações psicanalíticas das mais importantes teorias do brincar´
(Pfeifer,S.,1919). Baseando-se no artigo de Freud acima citado, em
observações de crianças e das brincadeiras mais comuns e freqüentes, Pfeifer
relaciona os processos de elaboração psíquica utilizados no brincar, com os
processos utilizados no trabalho do sonho. Ele nunca chegou a analisar
crianças; manteve-se na postura de observar, refletir e teorizar.
Em 1920, Hermine von Hug-Hellmuth apresenta no Congresso de Psicanálise
de Haia um trabalho sobre psicanálise de crianças intitulado `Sobre a técnica
de análise de crianças´. Hermine sugere um tratamento educativo e curativo de
base analítica, pois acreditava ser muito perigoso investigar profundamente a
mente infantil. Temia despertar tendências e impulsos reprimidos que a criança
não tivesse recursos para elaborar, inclusive porque naquele momento a
concepção vigente era a freudiana, de que o superego era o herdeiro do
complexo de Édipo, e então se constituiria por volta dos seis anos de vida.
Em conseqüência, sua técnica previa um influxo fortemente educativo e
recomendava o uso de brinquedos e das brincadeiras para despertar o
interesse pelo tratamento, para `quebrar o gelo´ inicial e estabelecer um
contato amigável com o pequeno paciente.
Anna Freud publica, em 1927, seu livro `O tratamento psicanalítico de
crianças´; bastante influenciada pelas idéias de Hermine sobre a possibilidade
de analisar crianças e sobre a técnica, utiliza o brincar praticamente com os
mesmos objetivos de sua inspiradora. Entendia o brincar como atividade
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expressiva, não representativa, e portanto não simbólica, uma vez que o
simbolizado se ligava ao reprimido, segundo concepção da época.
Em 1928, o filósofo alemão Walter Benjamin escreve dois artigos: `História
cultural do brinquedo´ e `Brinquedo e brincadeira´ (Benjamin,W., 1994). No
primeiro deles, faz referência a uma obra de Karl Gröber dedicada à história do
brinquedo: sua evolução e modificações ao longo do tempo. Benjamin, nesse
artigo relaciona a história do brinquedo a aspectos econômicos, políticos,
religiosos e filosóficos da História da humanidade. Reafirma sua convicção de
que é o conteúdo ideacional da brincadeira que determina a escolha do
brinquedo na atividade lúdica da criança, e não o contrário, como se acreditava
no período chamado por ele de `naturalismo obtuso´, em que “não havia a
perspectiva de revelar o rosto da criança que brinca”.
Vê-se, nesse artigo, a articulação entre a idéia do brincar enquanto atividade
expressiva, e a do brinquedo enquanto instrumento do brincar.
No segundo artigo, ao abordar a questão da `teoria da brincadeira´, Benjamin
faz referência à importante obra de Karl Gross `Jogos humanos´, publicada em
1899, e à doutrina gestáltica dos gestos lúdicos descritos por Willy Haas em
1928, em que a brincadeira é percebida como bastante representativa das
experiências emocionais básicas do ser humano.
Melanie Klein, psicanalista vienense, publica importantes artigos sobre análise
de crianças nos anos 20 e 30. Sua genialidade, liberdade de pensamento e de
ação, associadas a experiências clínicas com crianças muito pequenas,
possibilitou sua fundamentação e demonstração da eficácia da técnica do
brincar da criança em análise, em substituição e como correlato das
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associações livres do adulto em análise. Defendeu a idéia de que o brincar da
criança em análise é mais do que uma forma de expressão, é também
alocução e destinação, uma vez que se destina ao analista; supõe, também,
diferentes níveis de simbolização, de acordo com a idade da criança, com seu
nível de funcionamento mental e com a quantidade e qualidade das angústias
suscitadas. Partindo da experiência de analisar crianças muito pequenas,
sugere que a situação edipiana se instala muito anteriormente à época indicada
por Freud, desvincula a formação do superego da elaboração edípica e
defende ardorosamente a idéia da possibilidade de se trabalhar analiticamente
as angústias da criança, ainda que muito pequena.
Sob o vértice psicanalítico, o brincar se organiza sintaticamente tal qual uma
frase: além de seu valor e significado, tem um sujeito e um predicado
ordenados. Os elementos que constituem a sintaxe do brincar são: ações,
gestos, atitudes posturais e verbalizações. Tempo e espaço lhe são
conectados: o tempo-espaço ilusório que constitui o cenário pode estar
explícito ou não, apenas sugerido, e não se refere ao tempo cronológico e ao
espaço real (Liberman, D. et alii,1981).
Além da sintaxe, há também uma semântica própria do brincar. Ela parte da
discriminação significante-significado e em seguida é capaz de atribuir
diferentes significados a diversos significantes, delimitando um universo
específico: o universo lúdico, em que o significado pode se distanciar cada vez
mais do referente espaço-tempo real e ligar-se a novos e diversos significantes.
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Essa possibilidade permite à criança fazer frente a situações de angústia sem
se desorganizar: brincando.
Uma terceira área em que o brincar pode ser examinado é a da relação
existente entre o emissor e o receptor. É de fundamental importância que a
presença do Outro (analista) seja aqui considerada, uma vez que somente a
presença deste Outro pensante, a presença mental do analista, permite a
transformação das experiências emocionais.
No trabalho analítico com a criança, defrontamo-nos com diferentes tarefas, no
que diz respeito à simbolização. Por vezes estamos trabalhando com algo que
o paciente traz já simbolizado para que juntos, analista e paciente, possam
chegar à atribuição do significado emocional e ao sistema de atribuição de
significados. Mas, “quanto menor e/ou mais seriamente prejudicada do ponto
de vista cognitivo-emocional for a criança, mais incipientes serão os processos
de simbolização, menos elaborada estará a questão da separação e da
consciência de ser separado e conseqüentemente a materialização no brincar
será utilizada de maneira muito mais concreta” (Franch, 1995).
Nesses casos, a criança traz um material bruto (identificações projetivas) que
precisa ser sonhado (função de rêverie) pelo analista para que algum
significado lhe possa ser atribuído, e assim caberá a ele, como à mãe do
recém-nascido, emprestar sua mente e sua função alfa para que o processo de
pensar possa ser internalizado pelo paciente.
A criança em análise pode encenar com os brinquedos e/ou com a pessoa do
analista, pode desenhar, verbalizar, visando à representação e comunicação
de fantasias inconscientes com a finalidade de elaborar as angústias delas
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decorrentes, ou então descarregá-las evacuatoriamente. Isso vai depender dos
instrumentos de simbolização que a criança possui. Além da elaboração de
angústias, Caper, R. (1996) enfatiza outra função do brincar, que é a de testar
a realidade externa, ou mente do objeto, por meio de aspectos da realidade
interna. Ao projetar aspectos seus para dentro do analista, ela vai observando
como ele reage, que poder ela tem sobre a mente dele e sua possibilidade de
invadí-la, dominá-la e controlá-la onipotentemente. Por meio dessas
experiências, a criança vai construindo um modelo de funcionamento do par,
que poderá ser o de dominador-dominado, o de parceria criativa prazerosa, etc.
Para Caper, esses modelos expressariam a situação do casal parental na
mente da criança, ou seja, o modelo de relação sexual predominante, assim
como a relação da criança com cada elemento da dupla.
Vinheta clínica - Predominância de Identificações Projetivas
Pedro tem dois anos e meio de idade. É levado pelos pais até a porta da sala
de análise de crianças. Entra imediatamente, desligando-se deles.
Aproxima-se da caixa de madeira onde há alguns brinquedos que eu separara
para ele. Retira-os da caixa jogando-os aleatoriamente para o alto, espalhando-
os por toda a sala. Aparentemente não há intencionalidade nesses gestos.
Anda pela sala, tropeça nos brinquedos. Vê a porta do armário sob a pia,
procura abrí-la e, sem noção de distância, bate forte com a cabeça na pia.
Ignora o fato, continua andando pela sala, aparentemente me ignorando.
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Percebo-me muito ansiosa, vivendo uma situação como que de perigo. Penso
sobre o que está acontecendo, se eu estaria vivenciando as angústias de
Pedro, que me mostra que não tem um continente interno, um lugar em que
elas pudessem caber e ser processadas.
Aproximo dele o banquinho em que eu estava sentada, colocando-me vis-à-vis
com ele. Digo-lhe que parece que ele me mostra não ter uma “casinha”
(continente) para as coisas dele, então fica tudo esparramado. Ele me olha por
algum tempo e depois tira da caixa uma miniatura Lego que representava uma
bomba de gasolina e fica virando a manivela em movimentos repetitivos e
automáticos.
Vivencio um sobressalto interior ao associar sua nova atividade com a de
crianças com defesas autísticas. Pedro sai da sala em direção à sala onde
estavam os pais que tentam falar com ele, mas ele prossegue e vai abrindo
todas as portas de minha estante de livros, tentando esvaziá-la. Reconduzo-o à
sala de análise.
Esse foi o início de meu primeiro contato com Pedro. Na segunda visita peço à
mãe que entre junto com ele na sala de crianças, visando a observar a relação
entre eles.
Pedro pega um boneco de pano e tenta colocá-lo dentro da blusa da mãe
(grávida de sete meses). Converso com ele sobre querer ter um lugar lá dentro
da mamãe, como o que o bebê tem.
Pedro pega o boneco e tenta colocá-lo em um orifício existente na parede
(espelho do fio telefônico); vou conversando com ele no sentido de me fazer
presente como um “objeto” que busca dar algum significado a suas ações.
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Em dado momento, pega alguns brinquedos da caixa, enfia-os um a um em um
orifício no alto do espaldar da cadeira situando-os entre o espaldar e a
almofada que recobre a cadeira. Digo a Pedro que agora o peixe, o boneco,
etc. já têm uma casinha; ele sorri e faz o mesmo com outros brinquedos.
Depois de algumas experiências desse tipo, empurra os brinquedos para o
chão. Eu digo: “Caíííu...!” Assim começamos uma brincadeira de cair e recolher
(acolher), até que coloco minhas pernas (eu estava agachada) como
continuação da lateral da cadeira e ele empurra os brinquedos para o meu
colo; quase que em seguida sobe na cadeira e faz o mesmo trajeto dos
brinquedos colocando-se em meu colo.
Penso que à medida que eu ia “interpretando” ou dando significado a suas
comunicações expressivas, um modelo de continente passa a ser esboçado.
Procurei ilustrar, de maneira sintética, utilizando fragmentos desse
atendimento, o brincar expressivo, ainda não simbólico, mas que poderá evoluir
para formas mais representativas à medida que Pedro possa criar um espaço
interno para digerir suas angústias e emoções, e internalizar um objeto
(analista) capaz de transformar os elementos beta maciçamente evacuados
pela estereotipia de movimentos e pela hiperatividade, em elementos alfa que
possam ser utilizados para representações como fantasias, sonhos e
brincadeiras. Entendo a hipercinesia de Pedro como uma defesa contra
angústias de precipitação (Houzel, D.,1993); não pode parar, pois cairia no
profundo abismo do desespero.
O desenhar na sessão - Vinheta clínica
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Guilherme é um garoto de 13 anos, com desenvolvimento bastante
desarmônico. Estava em análise há mais ou menos um ano quando propôs
fazermos um jogo de guerra. Tomou uma folha de papel e foi explicando o
jogo, enquanto desenhava. De um lado estava o exército que ele comandava
com “x” homens, “y” tanques, “z” aviões, etc.; do outro lado, o “meu” exército,
com os mesmos recursos.
Ele começa o jogo bombardeando o meu exército. Pouco a pouco vai
acabando com tudo e todos. Na minha vez de “jogar” opto por não revidar à
destruição no mesmo nível. Por meio das “dicas” que me dava, avaliei que ele
precisava que eu vivesse o papel de perdedor acuado, submetido. Aceito esse
papel. Em certo momento, meu personagem já não tem mais soldados para
ajudá-lo, nem armamentos, nem munição. Tem que lutar pela sobrevivência
por meio de enganações, seduções, mentiras, tentando passar pelo que não é,
renegando sua identidade. De dentro do papel, falo a Guilherme sobre a
“minha” confusão: não sei mais quem sou, nem o que penso.
Guilherme me diz: “Sabe que é assim que me sinto?”
Nesse ponto podemos conversar sobre seus sentimentos e o significado da
situação ali representada.
O desenho e a encenação são recursos utilizados por crianças e adolescentes
nas sessões analíticas.
A folha de papel parece ser um espaço transicional menos perigoso do que a
encenação viva, uma vez que fantasias perigosas, violentas, ficam contidas no
desenho. Se o analista pode vivenciar pelo paciente aspectos que este sente
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como intoleráveis e verbalizá-los, talvez possa se tornar um continente mais
promissor do que a folha de papel.
O papel pode ser visto como aquele espaço em que objetos internos vão
habitando e se relacionando entre si. Isto pressupõe certo nível de
desenvolvimento simbólico.
O desenhar, como todo meio de brincar, pode ter função evacuatória ou
elaborativa, sendo então o equivalente de uma linguagem inserida em uma
relação marcada pelos efeitos da transferência-contratransferência, em um
discurso associativo com variados níveis de expressão.
Júlia, de 5 anos, pede que eu desenhe uma casa para ela. Olha meu desenho
e parece angustiar-se com os espaços em branco. Passa a preenchê-los todos,
pintando todo o interior da casa. A angústia ligada ao espaço que vai se
constituindo no processo de conscientização de ser separada parece tão
insuportável, que ela precisa anulá-lo imediatamente. Esse espaço está
associado a falha, falta, vazio. Tempos depois, ela mesma desenha uma casa.
Suporta os espaços em branco durante a realização do desenho mas, ao
terminá-lo, novamente é tomada de angústia e precisa preenchê-los. Penso
que o desenho tinha a função de ir permitindo que Júlia me “falasse” desse tipo
de angústias muito primitivas, inomináveis, para que eu as compreendesse e
nomeasse, uma vez que estavam sendo revividas, com possibilidade de serem
re-presentadas na situação de transferência.
O mise-en scène - Vinheta clínica
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Partindo do princípio de que ao brincar a criança pode estar fazendo uma mise-
en-scène de seus conflitos, atualizando-os no campo analítico, o analista deve
estar atento à função do brincar e aos papéis a ele atribuídos como
representante de figuras do mundo interno da criança
No segundo mês de análise, Júlia inicia a dramatização de uma estória em
que os personagens eram cavalos. Ela e eu os representávamos, a seu pedido.
Ela era o cavalo-pai, e eu, o cavalinho. O filhote estava sempre sendo alijado
do convívio com o pai, colocado em um cercado fora da casa, sem brinquedos,
sem amigos, sendo sempre muito repreendido, acusado e castigado. De início
ele não podia reclamar, nem chorar pois o pai ficava irado. Depois de algum
tempo, passei a fazer solilóquios em que, dentro do papel de filhote mal
tratado, falava da não permissão para comunicar sentimentos de tristeza,
medo, raiva.
De início a paciente retrucava: “Não, ele não pensava isso!”
Aos poucos, foi permitindo alguma expressão de sentimentos; inicialmente o
choro, que ela até passou a pedir que eu representasse, depois as
reclamações e reivindicações.
Vários temas estavam se apresentando em nosso cenário para serem
trabalhados: sua fragilidade cindida e rechaçada, suas dificuldades em relação
à alteridade e questões ainda pouco elaboradas sobre a situação edípica.
Neste ponto, eu gostaria de fazer algumas considerações que têm
conseqüências diretas na clínica. Inicialmente, quando a criança nos convida a
representar um determinado papel em sua encenação, nem sempre temos
claro, e eu até diria que muitas vezes nem sequer temos idéia, da função
desse convite e desse papel. Podemos aceitá-lo, colocando-nos à disposição
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das identificações projetivas da criança para, vivendo o papel designado, tentar
apreender sua função e o conteúdo comunicado.
Sobre as funções do convite e do papel, devo dizer que em caso de crianças
perversas, com marcados traços psicopáticos, se o analista não for
demasiadamente masoquista, rapidamente poderá perceber as intenções da
criança, o possível uso sádico a que essas encenações podem se prestar, e
manejar a situação adequadamente do ponto de vista psicanalítico.
Outra função do convite à dramatização pode ser a de manter a ilusão da
fusão, em que o analista se tornaria uma extensão do paciente, algo que ele
alija, traz de volta, torna a mandar embora e faz retornar.
A avaliação da situação particular de cada criança merece especial atenção do
analista, pois o manejo técnico será diferente conforme as hipóteses com que
estiver trabalhando. Quando temos hipóteses alternativas nosso olhar pode se
tornar mais atento e discriminativo. Assim, se avaliarmos corretamente a
existência de um déficit de continência primária, não precisamos ficar muito
afoitos em dar interpretações ligadas à destrutividade, ao ódio à
alteridade e podemos esperar mais tranqüilamente o tempo necessário para
que uma base segura seja criada, para que um continente interno se constitua.
Aceitar o papel seria o primeiro passo na busca da apreensão do que está
sendo expelido para, em seguida, através da própria dramatização, de dentro
do papel, e com a ajuda de sua contratransferência, o analista ir devolvendo
para a criança os sentimentos e os aspectos cindidos e projetados. A
interpretação fora do contexto da encenação ainda não poderia ser ouvida pela
criança. O passo seguinte seria poder prescindir dos personagens e poder falar
direta e claramente dos sentimentos da criança e do que se passa na relação
criança-analista, do modelo evocado no aqui-agora da sessão.
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Esse exercício de modulação pode requerer bastante tempo, paciência e
atenção redobrada do analista, no sentido de utilizar as brechas fornecidas
pelo paciente, sem tentar fazê-lo reintrojetar violenta e intrusivamente as partes
cindidas, mas sim à medida em que for sendo criado espaço e potência para
isso.
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