O TECNÓGENO NO BRASIL: ESTADO DA ARTE
Marcel Bordin Galvão Dias
Programa de Pós-Graduação em Geografia, Faculdade de Ciências e Tecnologia,
UNESP, Campus de Presidente Prudente (SP). E-mail: [email protected]
INTRODUÇÃO
Ao longo do tempo, diferentes civilizações desenvolveram-se a partir da
transformação dos recursos naturais, produzindo os bens necessários à sua existência, ao
mesmo tempo em que imprimiam modificações às condições naturais originais. A
evolução das forças produtivas e a complexificação das sociedades responderam pelo
avanço no uso e apropriação dos recursos naturais.
Desde o princípio de sua existência, as diferentes sociedades estabeleceram com
o meio natural uma relação de interdependência, na qual os elementos naturais foram
responsáveis por direcionar os fluxos migratórios das primeiras populações, ainda
nômades, e também a escolha dos locais para os primeiros assentamentos humanos,
durante o processo de sedentarização.
Ainda na Antiguidade, observa-se o surgimento dos primeiros núcleos de
povoamento que, posteriormente, dariam origem às primeiras vilas e cidades. Com os
aglomerados urbanos, a relação sociedade-natureza é requalificada, de modo que se
intensifica a apropriação e transformação dos elementos naturais em consonância com o
processo de urbanização. Porém, mantém-se ainda a interdependência das sociedades
em relação ao meio natural, bem como a vulnerabilidade destas às dinâmicas da
natureza, como aquelas relacionadas às variações climáticas, por exemplo.
A magnitude e os efeitos das intervenções humanas no meio natural dependem,
primeiramente, da natureza da intervenção e das características ambientais do local no
qual se desenvolvem. Secundariamente, estas possuem um forte componente escalar, de
forma que não se restringem apenas ao nível local, podendo acarretar mudanças em
diversos componentes do meio físico, além do local da intervenção. Do ponto de vista
geológico-geomorfológico, tais mudanças compreendem os materiais, os processos e as
formas ocorrentes.
Os depósitos e feições tecnogênicos constituem importantes testemunhos das
alterações impressas pelas sociedades ao meio natural. Sua identificação, do ponto de
vista dos materiais constituintes e dos locais de ocorrência, é indicativa da forma de
apropriação do meio físico, uma vez que a ocorrência, composição e estrutura dos
materiais tecnogênicos está relacionada à ação humana desenvolvida naquele ambiente,
podendo conter materiais autóctones, remobilizados e artefatos manufaturados diversos.
No Brasil, vários pesquisadores têm se debruçado sobre a temática dos depósitos
tecnogênicos, desenvolvendo estudos no intuito de compreender a gênese destes
materiais e formas, a exemplo das planícies e terraços tecnogênicos, e sua relação com
as intervenções humanas desenvolvidas durante o uso e ocupação do solo, o que se
denomina abordagem tecnogênica. Tal abordagem pressupõe a caracterização
ambiental e o resgate do histórico de uso e ocupação da área, objetivando reconstituir as
condições anteriores à ocupação humana e as influências desta sobre as dinâmicas da
natureza, contribuindo para novos arranjos na fisionomia e fisiologia da paisagem.
OBJETIVOS
O presente trabalho tem por objetivo central resgatar as principais contribuições
teóricas realizadas no âmbito da abordagem tecnogênica no Brasil.
Enquanto objetivos específicos:
a) Realizar o levantamento dos principais estudos desenvolvidos sobre a temática
tecnogênica;
b) Identificar as diferentes perspectivas teóricas presentes nos trabalhos
desenvolvidos por pesquisadores brasileiros, em especial, no âmbito das
Geociências;
c) Resgatar as diferentes terminologias utilizadas para a designação da ação
humana no ambiente e seus desdobramentos.
METODOLOGIA
As atividades desenvolvidas para a execução deste trabalho compreenderam o
levantamento bibliográfico e a revisão de literatura acerca da temática tecnogênica, no
intuito de resgatar a base teórico-conceitual existente e os trabalhos já desenvolvidos
sobre a referida temática. Buscou-se a revisão de textos elaborados por pesquisadores
no âmbito das Geociências, em especial da Geografia e da Geologia, considerando a
evidente preocupação destes estudiosos em analisar as formações tecnogênicas no
contexto das transformações dos ambientes (urbanos e rurais) pelas atividades
antropogênicas, integrando os aspectos físicos (estrutura, composição) destas formações
com a dinâmica ambiental do local de ocorrência.
RESULTADOS PRELIMINARES
O período compreendido entre o Neolítico e o primeiro grande surto industrial
ocorrido no século XVIII caracteriza-se pela modificação dos ambientes em decorrência
da atividade agrícola, afetando, principalmente, a água, os solos e a vegetação. Com a
Revolução Industrial, a intervenção humana intensificou-se sobre esses condicionantes e
passou também a impor modificações aos sistemas atmosféricos e aos ambientes
hidrológicos e biológicos. A atividade industrial, o desenvolvimento das técnicas e a
urbanização, ampliaram a demanda por recursos destinados ao abastecimento da
população e da indústria nascente e em franca expansão e, ao mesmo, os recursos
(técnicos e instrumentais) disponíveis para sua obtenção.
Com a Revolução Técnico-Científica iniciada no século XX, as mudanças
provocadas pela sociedade no ambiente, especialmente após a industrialização, atingem
a escala global, assim como as marcas da ação humana sobre a paisagem. Conforme
Rohde (2005), as modificações contemporâneas da paisagem, denominadas de
efetuações paisagísticas, incluem as feições geomorfológicas antrópicas, a aceleração da
erosão dos solos e episódios de poluição.
Tais efetuações, claramente demarcadas na escala do tempo geológico,
extrapolam os limites do local e possibilitam a identificação da ação humana em escala
planetária. No entanto, nos atentaremos para as marcas da ação humana a nível local,
considerando a chamada efetivação litológica: a criação de depósitos geológicos
efetuados a partir da intervenção humana, denominados de “depósitos tecnogênicos”.
Estes depósitos são motivadores da proposta de criação de um novo período geológico,
o Quinário ou Tecnógeno. Este novo período corresponde à época atual, nitidamente
marcada pelo avanço técnico-instrumental.
As transformações ocasionadas pelo ser humano na crosta terrestre ocorrem de
diferentes formas, dentre as quais se inclui a formação dos depósitos tecnogênicos.
Rohde (2005) trabalha com as várias efetuações humanas, exemplificando o caráter
particular do humano na modificação dos aspectos e processos naturais.
Desta forma, o autor apresenta as seguintes efetuações:
• Efetuação paisagística: feições geomorfológicas antrópicas, aceleração da
erosão do solo e episódios de poluição;
• Efetuação litológica:
“A efetuação litológica é a atividade humana mais conspicuamente
“geológica”: a criação de depósitos geológicos artificiais e a destruição ou
modificação (quanti ou qualitativa) de formações geológicas “naturais”
preexistentes”. Os depósitos geológicos efetuados por intervenção humana
são, em geral, chamados “tecnogênicos” (...) expressão que veio da Geologia
russa (Chemekov, 1982).
Além deste transporte e sedimentação (ou “agradação”) antrópicos, em que
podem ser incluídas as áreas agrícolas, camadas culturais e a deposição de
resíduos sólidos, existe toda a gama de atividades minerarias e de construção
civil que, da mesma forma, originam depósitos tecnogênicos (ROHDE, 2005,
p. 148).
• Efetuação geodinâmica: inclui duas situações, ou seja, a tentativa humana de
reduzir e eliminar processos geodinâmicos e o desencadeamento (proposital ou não) de
fenômenos relacionados. Aqui são incluídas a efetuação sísmica (terremotos
provocados pelo enchimento de reservatórios de água, injeção de água e outros fluidos a
grandes profundidades na crosta, explosões de artefatos nucleares nas profundidades do
subsolo e mesmo, o controle de terremotos), a efetuação vulcânica (atenuação dos
efeitos resultantes dos vulcões), a efetuação hídrica (efetuação humana no ciclo
hidrológico através da urbanização e industrialização), a efetuação massiva
(movimentos de massa causados ou potencializados pela ação humana), e a efetuação
erosional (erosão acelerada).
• Efetuação fossilífera: relacionada produção de fósseis artificiais, ou seja,
produção daquilo que em uma futura visão retrospectiva, possua características de
vestígios ou restos de organismos que existiram previamente.
As ações humanas são, portanto, capazes de interferir em fenômenos e processos
que, em períodos anteriores ao Quinário, ocorreriam de modo mais lento e gradual no
transcorrer do tempo geológico (tempo longo).
Desta forma, o processo de alteração das dinâmicas da natureza por parte da
sociedade vem sofrendo contínua aceleração, iniciada a partir da primeira grande
revolução agrícola, momento em que o ser humano sedentariza-se, fixando-se a terra e
cultivando-a para seu sustento. Para tanto, inicia-se um processo de alteração das
condições naturais, a começar pela conversão de florestas em pastagens e áreas de
cultivo, no intuito de facilitar a instalação dos grupos humanos e possibilitar a extração
dos recursos necessários à sua sobrevivência.
O desenvolvimento social e a evolução progressiva da ciência e da técnica foram
acompanhados pela crescente demanda por recursos naturais, gerando inúmeros
desequilíbrios ambientais. Esses desequilíbrios são produto da ampliação da capacidade
interventiva e transformadora da sociedade sobre a natureza, alterando suas dinâmicas e
processos no intuito de aperfeiçoar as condições necessárias à sua existência. De modo
geral, a ação humana e suas consequências sobre os ambientes podem ser
compreendidas e observadas a partir de diferentes níveis de abordagem, considerando-
se às formas, processos, formações e depósitos superficiais existentes no ambiente:
1- A modificação do relevo e as alterações fisiográficas da paisagem, (por
exemplo, retificações de canais fluviais, terraplanagem, surgimento de áreas
erodidas, áreas mineradas, etc.). Ter-Stepanian (1988), por exemplo, refere-se
a tais efeitos como “novos tipos de relevo tecnogênico”. Já Fanning &
Fanning (1989) chamam de “superfícies decapadas” (scalped land surfaces) a
algumas paisagens resultantes da ação do homem como agente geomórfico.
Rohde (1996), por sua vez, cita a expressão “morfotipos artificiais” para
referir-se a unidades paisagísticas geológico-geomorfológicas derivadas da
ação humana [...]
2- A alteração da fisiologia das paisagens, materializada pela criação,
indução, intensificação ou modificação do comportamento de processos da
dinâmica geológica externa (tais como o incremento da erosão e da carga
sedimentar correlativa, os escorregamentos em geral, a infiltração, as
drenagens pluvial e fluvial, as taxas de sedimentação, os fluxos subterrâneos,
etc.), que podem atingir portes comparáveis aos resultantes de variações
climáticas ou dos efeitos dos movimentos tectônicos [...]
3- A criação de depósitos correlativos comparáveis aos quaternários
(depósitos tecnogênicos), os quais vão se constituir em “marcos
estratigráficos”, este caráter é indiretamente ressaltado por Fanning &
Fanning (1989), ao afirmarem que “do ponto de vista de gênese dos solos, a
destruição e formação de solos pelo homem, pela grande manipulação física
dos materiais terrosos, são ‘eventos catastróficos’ que criam novos pontos de
partida para a formação dos solos” [...] (PELOGGIA, 1998, p. 19-21)
A compreensão dos efeitos das alterações promovidas pela ação humana nas
paisagens constitui-se tema relevante nos estudos dos processos geológicos e
geomorfológicos do Quaternário. Destaca-se o conceito de geotecnogênese, associado à
proposição, adotada por diversos autores (CHEMEKOV, 1982; TER-STEPANIAN,
1988) em assinalar o período de tempo geológico denominado “Tecnógeno”, ou
“Quinário”, momento a partir do qual as mudanças promovidas pela ação humana se
fazem sentir em termos geológicos. A denominação “Tecnógeno” deriva, portanto, do
caráter técnico das intervenções humanas sobre as paisagens.
A magnitude das alterações antrópicas, em termos geológicos, justifica a
proposição de que o Homem constitui-se como agente ativo nos processos superficiais.
Conforme Peloggia e Oliveira (2005), os efeitos da ação humana podem alcançar
magnitude superior àqueles resultantes da dinâmica natural. Considerando-se a
expressão do agente geológico na superfície terrestre, que abrange vastas extensões de
terras em diferentes domínios climáticos, incutindo transformações no ambiente por
meio da agricultura, do extrativismo ou da expansão urbana, têm-se condição suficiente
para que os processos geológicos estejam sujeitos aos condicionantes tecnogênicos,
justificando a adoção de uma nova abordagem a respeito da dinâmica dos processos
superficiais.
No mesmo sentido, Wilkinson (2005) aponta que a magnitude da ação humana,
na atualidade, ultrapassa as taxas naturais, especialmente no tocante à movimentação de
rochas e sedimentos. Assim, o autor valoriza a importância das sociedades como
agentes da erosão mundial, comparando as taxas pré-históricas de erosão natural com o
transporte de sedimentos e rochas por meio de construções e atividades agrícolas, de
modo a evidenciar que a movimentação de materiais superficiais pela ação humana
assume magnitude superior ao montante dos processos naturais operantes na superfície
terrestre.
Outro ponto fundamental é que a ação humana não ocorre de igual maneira em
toda a superfície terrestre, pois depende de fatores diversos. A esse respeito, Nir (1983)
coloca a existência de quatro fatores fundamentais:
1. A destruição por uma única atividade humana e seu impacto global sobre a
superfície da Terra (Collier, 1972), multiplicando-a, por parte da população
mundial, ou seja, o fator demográfico.
2. O intervalo de tempo o qual essas atividades ocorreram (ocupação
intensiva do solo em algumas áreas tem continuado sem pausa de 6.000 a
15.000 anos) (ibid., 1972), ou seja, o fator histórico.
3. O aumento da capacidade do homem para modificar a paisagem pelas
novas tecnologias e pelo investimento de capital, ou seja, o fator econômico.
4. A crescente demanda e a necessidade de um melhor padrão de vida, que
envolve ainda a intervenção em processos naturais, ou seja, o fator
socioeconômico (NIR, 1983, p.8, tradução nossa).
Apesar da capacidade de modificação da superfície terrestre pelo ser humano ter
se acentuado no período da Revolução Industrial, o início das transformações, mesmo
que de modo menos intenso, pode ser atribuído à Revolução Neolítica, há
aproximadamente 10.000 anos “[...] quando o Homem conquista as primeiras técnicas
de produção de alimentos, deixando sua fase de coletor, na qual não se destacava do
conjunto de atividades biológicas nas suas relações com a natureza” (OLIVEIRA, 1990,
p. 412).
Antes desse período os grupos humanos, então nômades, reagiam reflexivamente
aos impulsos determinados pelo ambiente. Entretanto, o desenvolvimento da agricultura
trouxe consigo a acumulação de excedente, a apropriação do relevo e a consequente
exteriorização da natureza, fazendo emergir o binômio natureza-sociedade. O início da
revolução agrícola no período Neolítico representa, também, o início de um novo
período na escala do tempo geológico: o Quinário1.
Este período constitui um marco no tempo geológico caracterizado pela
apropriação da natureza pelas sociedades através do trabalho e da técnica enquanto
instrumentos de produção, acumulação e por consequência de produção de uma nova
natureza (tecnificada). Nesta perspectiva, o produto do Quinário seria o antropostoma,
termo criado para designar o ambiente gerado pelos seres humanos. Etimologicamente,
a palavra é resultado da soma do radical “antropo” e palavra grega “stoma”, utilizada
no sentido literal de “tapete”, devido à associação dos artefatos humanos e construções
desenvolvidas como uma camada, um tapete, sobre a superfície terrestre (PASSERINI,
1984 apud ROHDE, 2005).
Todavia, o termo antropostoma destina-se à caracterização do conjunto de
processos e formas que se intensificam e resultam da interação sociedade-natureza,
promovendo a constituição de uma nova face da superfície da Terra, enquanto o termo
tecnogênico indica as formações sedimentares novas, resultantes de fases mais atuais da
1 Conforme Rohde (2005), os geólogos russos denominam este acontecimento como o nome de
“Quinário” ou “Tecnógeno”; outros o chamam de “Antropostoma” ou “Antropógeno”. Na Geoquímica, a
denominação mais utilizada é “Antroposfera”.
tecnificação da sociedade (ROHDE, 2005). Neste sentido, Suertegaray (1998) aponta a
existência de diferentes formações tecnogênicas, trazendo, individualmente, explicações
localizadas e específicas de processos tecnogênicos, que se tornam globais, mas que
atuam diferentemente no tempo e se expressam diferentemente no espaço.
O termo “Quinário” foi introduzido no universo científico para caracterizar a
passagem do homem de um estado primitivo a um estado avançado, na escala da
evolução biológica. No primeiro caso, a ação humana em nada se diferenciava daquela
dos outros animais, pois se resumia, basicamente, à atividade coletora e a caça,
destinadas a satisfazer as necessidades essenciais. No outro extremo, a ação humana,
por meio do trabalho e da técnica, inicia o processo de acumulação primitiva,
interferindo diretamente no equilíbrio dinâmico do planeta, na busca pelo domínio dos
outros elementos do meio natural (CUNHA, 2000). Assim, o Quaternário marca o
momento de surgimento do homem, ao passo que o Quinário constitui o período de
sobreposição ativa deste sobre a natureza.
Outro ponto importante nesta consideração é que a transição do Quaternário para
o Quinário é gradual em todo o planeta, de acordo com a intensidade da ação humana
transformadora da natureza e o aparato técnico disponível para sua concretização.
Assim, todo evento tecnogênico (origem) seria antropogênico (período), o
inverso não sendo necessariamente verdadeiro. Por outro lado, o termo
tecnogênico (originado pela técnica) destaca a importância em se considerar
que os eventos resultantes da ação humana refletem uma “ação técnica” e,
neste aspecto, sua adoção tem larga vantagem sobre a do antropogênico, pois
a técnica, conjunto de processos por meio dos quais os homens atuam na
produção econômica e qualquer outra que envolve objetos materiais, surge
com o homem. (OLIVEIRA, 1990, p. 412).
Assim, o Quinário-Tecnógeno é marcadamente o período da geo-história no qual
a ação humana difere-se qualitativamente da atividade biológica, desencadeando
processos tecnogênicos de intensidade, por vezes, superior à dos processos naturais.
Em sentido análogo, Crutzen e Stoermer (2000), considerando os impactos das
atividades humanas sobre a Terra, propõe a utilização do termo “Antropoceno” para
designar a época geológica atual, enfatizando o papel central da humanidade na
geologia. Segundo os autores, o Antropoceno tem início no final do século XVIII,
momento em que os efeitos das atividades humanas tornam-se mais evidentes na escala
global, a exemplo do aumento nas concentrações atmosféricas de “gases de efeito
estufa”, em particular, CO2 e CH4.
No tocante ao tempo geológico, vale ressaltar que o Quinário e o Tecnógeno
constituem termos relativos a um período e uma época, respectivamente. Conforme a
proposta estabelecida por Ter-Stepanian (1988), o Quinário seria um período e o
Tecnógeno sua época correspondente. Peloggia (1998) menciona que a denominação
“Quinário” implica em estatuto de sistema, representando, portanto, um período dotado
de posição estratigráfica superior ao Quaternário e ao Terciário. Aponta ainda que o
termo “Quinário” (ou “Tecnógeno”) difere do termo “Antropógeno” utilizado na
literatura soviética. Isto porque enquanto este destaca tão-somente os eventos levados a
efeito no intervalo entre o aparecimento e a evolução do homem, o termo Quinário
expressa o evento ruptural caracterizador da situação em que o Homem, por meio do
trabalho, passa a apropriar-se da natureza que, assim, torna-se externalizada,
humanizada (CUNHA, 2000).
Rohde (2005) propõe a divisão (teórica) do Tecnógeno em duas idades ou
momentos distintos, genericamente denominados “Tecnógeno I e II”. A inclusão dessa
nova época na escala do tempo geológico considera o Quaternário representativo da
evolução natural da Terra, ao passo que Quinário representa o período em que o ser
humano passa a desempenhar importante papel enquanto agente morfogenético.
O “Tecnógeno I” é aquele em que os seres humanos descobrem o
desequilíbrio introduzido, a deriva antrópica e antropogênica dos sistemas
terrestres e se conscientizam do fato e das suas implicações, em que se migra
de uma Biosfera I (evoluída, natural etc.) para uma Biosfera II (criada,
modificada etc.).
O “Tecnógeno II” é o período seguinte, em que os humanos tentam diminuir
seus impactos ou, até, reduzi-los a zero, obtendo um novo equilíbrio
dinâmico (sinergia) entre a Tecnosfera e a Biosfera [...] (ROHDE, 2005, p.
135)
A Tabela 1 representa a inserção do Quinário na sequência de períodos
geológicos, bem como as características inerentes às suas idades.
Tabela 1: O período Quinário na sequência do tempo geológico
Fonte: Adaptado de CUNHA (2000)
Segundo Peloggia e Oliveira (2005), a ação geomorfológica da sociedade,
denominada morfotecnogênese, pode acarretar a geração de formas (ou feições) de
primeiro tipo e de segundo tipo. As de primeiro tipo são aquelas originadas de processos
tecnogênicos degradacionais, nos quais ocorre a mobilização de material. Entre as
formas de primeiro tipo, o autor exemplifica os terrenos rampeados por terraplanagem e
as vertentes ravinadas. No entanto, ressalta-se que tal ação pode ocorrer de forma direta
ou indireta.
A ação indireta ocorre através de alterações nas características hidrológicas de
um local, na estrutura superficial da paisagem, nos vetores e limiares de atuação dos
processos. Já a ação direta ocorre por meios mecânicos que geram geometrias próprias
ou que possuem alguma relação com as superfícies anteriores (PELOGGIA, 1999).
As formas de segundo tipo, no entanto, estão relacionadas a processos
tecnogênicos agradacionais, resultantes da acumulação de material geológico. Neste
caso, também podem ser resultantes de ações diretas de deposição, que ocorrem por
meios mecânicos, ou indiretos, correlativos à degradação. Entre os exemplos, têm-se os
aterros e morrotes artificiais e as planícies aterradas. Podem configurar, portanto,
“rampas” e “terraços” originados por materiais carreados das encostas, cedidos por
processos erosivos intensificados e que colmatam a base das vertentes e assoreiam os
canais com material colúvio-aluvionar.
Ressalta-se que, em relação aos relevos tecnogênicos, é possível identificá-los
taxonomicamente, conforme a proposta de Ross (1992), como pertencentes ao 6º táxon
(formas resultantes de processos atuais) e ao 5º táxon (tipos de vertente). Eventualmente
são também identificadas formas pertencentes ao 4º táxon (tipos de formas de relevo),
sendo, contudo, diferenciadas das formas naturais por não possuir vínculo genético no
encadeamento aos táxons superiores. Esta relação entre a formação do relevo
tecnogênico e a classificação taxonômica é possível devido a certo grau de dependência
que essas novas formas esculpidas pela ação humana têm em relação às formas originais
(PELOGGIA e OLIVEIRA, 2005).
As alterações na fisiologia da paisagem expressas na criação de depósitos
tecnogênicos possuem estreito vínculo com os modos de uso e ocupação do solo. Em se
tratando de áreas de fragilidade, cujos atributos físicos denotam suscetibilidade natural
ao desencadeamento de processos acelerados, as modificações antrópicas podem induzir
respostas em termos degradacionais, expressos na maioria das vezes em feições
erosivas, e em termos agradacionais no assoreamento de cursos d’água, ambos
processos naturais acelerados pela intervenção humana, com efeitos ao ambiente e à
sociedade.
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