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7/27/2019 O TRADUTOR INFIEL - A VOZ DA REENUNCIAO
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE ARTES E COMUNICAO
DEPARTAMENTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LETRAS
O TRADUTOR INFIEL: A VOZ DA REENUNCIAO
Heber de Oliveira Costa e Silva
Recife
2011
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Heber de Oliveira Costa e Silva
O TRADUTOR INFIEL: A VOZ DA REENUNCIAO
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
graduao em Letras da Universidade Federal
de Pernambuco como requisito parcial para a
obteno do ttulo de Mestre em Lingustica.
Orientadora: Profa. Dra. Dris de A. C. da Cunha
Recife
2011
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Catalogao na fonteBibliotecria Glucia Cndida da Silva, CRB4-1662
C837t Costa e Silva, Heber de Oliveira.O tradutor infiel : a voz da reenunciao / Heber de Oliveira Costa e
Silva. Recife: O autor, 2011.120p. : il. ; 30 cm.
Orientador: Dris de A. C. da Cunha.Dissertao (Mestrado) Universidade Federal de Pernambuco,
CAC. Letras, 2011.Inclui bibliografia.
1. Lingustica - traduo. I. Cunha, Dris de A. C. da (Orientador). II.Titulo.
410 CDD (22.ed.) UFPE (CAC2011-21)
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Aos meus pais, Irineu e Iraneide, que trabalharama vida inteira para que eu tivesse a oportunidadede buscar o nico tesouro que nunca se esgota
nem pode ser roubado: o conhecimento.
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AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, a Deus, por ser um norte para quem se v perdido, e aos
meus pais, Irineu e Iraneide, pelo suporte material e emocional.
minha namorada, Andra Veruska, pelo carinho, pela ajuda com a pesquisa epor acreditar em mim. Tambm ao meu amigo Adriano Alves, pela inestimvel
colaborao neste estudo. minha amiga Sarah Cato, pela reviso e pela troca de
ideias. Ao amigo Gabriel Fontes, pelas conversas e pela reviso de material. Ao meu
amigo Eurico Junior, pelo apoio e por ser um exemplo de dedicao e esforo. Ao meu
amigo Waldemir Gondim e aos meus irmos, Abnere Sophia, pelo estmulo e pela
companhia. A Paulo Gustavo e Inge Neumann, por me ajudarem a aprimorar o uso da
lngua. Aos meus amigos Malthus de Queiroz, Catarina Bezerra, Juliana Rivas,Raquel Diehl, Rosana Meira e Katarina Farias, por estarem sempre presentes
(mesmo quando eu no estava!) e terem buscado o conhecimento comigo. Aos amigos
e colegas de ps-graduao, em especial Adriana Moreira, Tayana Dias, Liliane
Cintra, Nadiana Lima, Rafaela Queiroz, Juliana Andrade e Flvia Botelho, pela
agradvel companhia e pelas produtivas discusses. A Michele Valois, pela amizade e
por ter me dado a honra (e o desafio) de entrar em seu lugar na Iniciao Cientfica.
Um agradecimento especial minha orientadora, Profa. Dra. Dris Cunha, por
ter me apresentado uma teoria em que acredito e ter me ajudado nesta caminhada
terica, por me aconselhar quando precisei e por ser um exemplo no apenas como
pesquisadora, mas de conduta tica. Profa. Dra. Kazue Saito, pela co-orientao,
simpatia e pelos inestimveis conhecimentos que me passou. Profa. Dra. Kristiina
Talvaikoski-Shilov, da Universidade de Helsinki, que gentilmente me enviou sua tese,
de onde surgiu a semente deste trabalho. Profa. Dra. Ute Heidmann, da
Universidade de Lausanne, que me presenteou um livro com seus valiosos artigos.
Tambm no posso deixar de agradecer profundamente aos Profs. Drs. Brian Mossop(York University Toronto), David Lloyd (University of Southern California), Ian Mason
(Heriot-Watt University Edinburgh) e Theo Hermans (University College London), que
me deram ateno sem me conhecerem, generosamente enviando seus textos pela
internet ou pelos correios.
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A traduo, apesar da posio secundria que lhe atribuda, deriva sua fora do fato deque ainda a nossa nica resposta e a nossa nica forma de escapar da Babel.
Theo Hermans, O Outro da Traduo, palestra, University College London, 1996.Traduo de Heber Costa.
Em um extremo, o mundo se apresenta para ns como uma coleo de heterogeneidades;no outro, como uma superposio de textos, cada um ligeiramente distinto do anterior:tradues de tradues de tradues. Cada texto nico e, simultaneamente, a traduode outro texto. Nenhum texto inteiramente original, porque a prpria linguagem em suaessncia j uma traduo: primeiro, do mundo no verbal e, depois, porque cada signo e
cada frase a traduo de outro signo e de outra frase. Mas esse raciocnio pode se invertersem perder sua validade: todos os textos so originais porque cada traduo distinta.Cada traduo , at certo ponto, uma inveno e assim constitui um texto nico.
Octavio Paz, Traduo, Literatura e Literalidade (2006), p. 5-6.Traduo de Doralice Alves de Queiroz.
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RESUMO
Este estudo tem por objetivo principal analisar marcas discursivas da presena do
tradutor, partindo da hiptese de que existe uma voz que reenuncia o texto traduzido.
Para atingir esse propsito, comparamos textos selecionados das revistas National
Geographic Magazine e The Economist com suas tradues publicadas na National
Geographic Brasil e na Carta Capital, respectivamente, identificando as ocorrncias
relevantes e classificando-as segundo as categorias previstas por Cunha (1992) e
Hermans (1996). O enquadre terico em que situamos essa anlise o dialogismo, tal
como proposto por Voloshinov e Bakhtin;estudos sobre traduo contemporneos de
Mossop (1983, 1987, 1998), Folkart (1991) e Hermans (1996, 2004); e sobre o discurso
reportado, em especial Cunha (1992). Examinamos algumas teorias de traduo
tradicionais e contemporneas, bem como a concepo de lngua e linguagem a elas
subjacente, e construtos terico-sociais associados traduo, como a fidelidade e a
invisibilidade, confrontando-os com uma viso dialgica da linguagem. Os resultados
mostram que as marcas da voz do tradutor esto de fato presentes no texto traduzido,
comprovando que, tal como o discurso reportado, o processo tradutrio reenunciao,uma retomada-modificao do texto-fonte por parte de um sujeito que ocupa uma
posio social, histrica e geogrfica nica, e no uma reproduo neutra ou um
transporte inerte de significados entre duas lnguas.
Palavras-chave: traduo; reenunciao; discurso reportado.
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ABSTRACT
The main purpose of this research is to analyze discursive traces of the translators
presence, assuming that there is a voice that re-utters the translated text. In order to
reach this goal, we compared selected texts from National Geographic Magazine and
The Economist to their respective translations published in the magazines National
Geographic Brasiland Carta Capital to identify relevant phenomena and classify them
according to the categories used by Cunha (1992) and Hermans (1996). The framework
of such analysis is the dialogism theory, proposed by Voloshinov and Bakhtin;
contemporary translation studies by Mossop (1983, 1987, 1998), Folkart (1991) e
Hermans (1996, 2004); and reported speech studies, especially by Cunha (1992). We
examine other traditional and contemporary translation theories, as well as the language
conception underlying them; we also inquire into some of the social and theoretical
constructs associated with translation, such as fidelity and invisibility, confronting them
with the dialogic notion of language. Results show that the traces of the translators
voice are actually present in the target text, proving that the translation process is aretake-modify process (reutterance), similar to reported speech, performed by a subject
that occupies a specific historic, geographic and social place, not some neutral
reproduction or an inert transportation of meaning from one language to another.
Keywords: translation; reutterance; reported speech.
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SUMRIO
Introduo .................................................................................................................... 10
1 A Natureza da Traduo .......................................................................................... 15
1.1 Uma histria do conceito atual de traduo ............................................................ 15
1.1.1 Concepes tradicionais: imitao, substituio, transporte, recodificao .... 18
1.1.2 Perspectivas contemporneas: leitura, cultura, discurso, reenunciao ......... 25
1.2 A noo de fidelidade ............................................................................................. 35
1.3 A questo da invisibilidade ...................................................................................... 44
1.4 Autorrepresentaes dos tradutores ....................................................................... 48
2 Dialogismo e Traduo ............................................................................................ 51
2.1 Concepes de lngua e linguagem ........................................................................ 51
2.2 Viso dialgica da linguagem .................................................................................. 56
2.3 Traduo como reenunciao ................................................................................. 60
3 Procedimentos Terico-metodolgicos ................................................................. 72
3.1 O mtodo................................................................................................................. 723.2 O corpus.................................................................................................................. 74
4 Anlise do Corpus.................................................................................................... 78
Concluso .................................................................................................................... 113
Referncias Bibliogrficas ......................................................................................... 116
Apndice A Lista das publicaes que compem o corpus................................ 120
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INTRODUO
No dia 22 de outubro de 2008, o jornal Folha de Pernambuco publicou uma
matria sobre traduo de obras literrias cujas primeiras linhas trazem uma pergunta:
Ser que estamos lendo exatamente aquilo que o autor escreveu no original?. Essaquesto poderia se desdobrarem outras indagaes, como, por exemplo: Quanto de
um texto traduzido de seu autor e quanto de seu tradutor? ou Quais aspectos do
texto traduzido eram originalmente do autor e quais decorrem da participao discursiva
do tradutor?. O fato de no nos fazermos tais perguntas no processo de leitura , para
alguns, sinal de uma boa traduo, de um trabalho to fiel ao original1 que deixa o
tradutor invisvel e nos deixa to confortveis em nossa lngua que no suscita
motivos para questionarmos o texto uma ideia recorrente e j expressa por autores
como Eugene Nida2. Essas ideias cristalizadas nos fizeram refletir sobre qual seria a
natureza da traduo e perguntar: o tradutor pode ser considerado fiel, neutro ou
invisvel? provvel que variaes dessa pergunta, em vrias lnguas e pocas,
tenham sido postas no apenas de estudiosos, mas principalmente de tradutores, que
se veem cotidianamente, em sua atividade, confrontados com dilemas e dificuldades
que vo da tica gramtica.
Em estudos anteriores, investigamos se existe uma presena discursiva do
tradutor no texto traduzido e como ela se manifesta. Em artigo de 2004, publicamos osresultados de uma pesquisa em que comparvamos uma edio francesa de Madame
Bovary, de Gustav Flaubert, com duas traduzidas para o portugus brasileiro. Com
base na teoria dialgica do discurso, verificamos indcios de que no h uma s voz no
texto traduzido, mas uma presena marcada dos tradutores no texto. Em particular,
registramos a transformao de formas de transmisso do discurso (discurso direto
para o discurso indireto, por exemplo) e a mudana dos verbos introdutrios (dit le
professeurpara ordenou o professor) como marcas claras das escolhas enunciativas do
tradutor. Em outras palavras, constatamos o conflito de enunciaes e a plurivocalidade
na traduo do discurso reportado (COSTA E SILVA, 2004).
1 Da tica do dialogismo, qual subscrevemos, no faz sentido falar em original, pois todo enunciado, diz Bakhtin(2000, p. 291), apenas mais um elo nico, complexo e histrico na cadeia que forma a comunicao humana. Dizainda (2010, p. 272) que o prprio locutor/autor, num certo grau, est sempre respondendo a outros enunciadosanteriores, porque ele no o primeiro falante, o primeiro a ter violado o eterno silncio do universo . Ver Captulo 2.2 The best translation does not sound like a translation [A melhor traduo no soa como uma traduo](NIDA & TABER, 1982, p. 12).
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Em outra pesquisa (COSTA E SILVA, 2009), analisamos tradues (ingls
portugus) de um mesmo texto-fonte3 produzidas por treze indivduos tambm pela
perspectiva dialgica. Os resultados mostraram indcios de que o tradutor tende a expor
mais sua presena discursiva quando lida com expresses para as quais no identifica
formas estveis na lngua-alvo segundo Cereja (2005, p. 202), aquelas cujo sentidofoi assumido historicamente em virtude de seu uso reiterado. Como enunciador, o
tradutor toma decises a todo momento, e suas decises lexicais, sintticas, etc. podem
revelar seus posicionamentos axiolgicos relativos lngua e ao objeto do discurso.
Alm disso, identificamos fenmenos mais sutis, que confirmam o processo de tomada
de deciso do tradutor at em escolhas aparentemente simples. Por exemplo, na
traduo para U.S. Congress, encontramos: congresso americano (5 vezes); congresso
dos Estados Unidos (4 vezes); congresso norte-americano (3 vezes); e congresso
americano (estadunidense) (1 vez). Esse dado desvela a posio ideolgica dos
tradutores quando fazem uma opo. Enquanto americano caiu em uso corrente e j
dicionarizado, estadunidense usado geralmente por puristas quanto etimologia das
palavras ou por quem quer se posicionar politicamente contra o uso do termo
americano como adjetivo ptrio referente aos Estados Unidos.
Esses estudos e as leituras que fizemos serviram de base para esta nova
incurso pelo estudo da traduo, concebida como fato social e como manifestao
lingustica. Antes de tudo, diante dos ttulos por vezes enigmticos dos gnerosacadmicos, talvez seja preciso explicar, ainda que de forma sucinta, o ttulo deste
nosso estudo. O tradutorinfiel: a voz da reenunciao revela um confronto de vises
referentes ao tradutor e traduo. A primeira foi pensada h muitos sculos, quando
se disse pela primeira vez a expresso tradutori, traditori, um estigma inelutvel quando
se tem a viso de que o objetivo da traduo fidelidade ao texto-fonte viso esta
que questionamos aqui e j indicada pelo uso de aspas no ttulo. A segunda remete
posio que o tradutor ocupa no espao enunciativo da traduo ao mesmo tempo,
novo senhorio e inquilino num discurso ocupado por vrias vozes. Como autor dessa
nova enunciao, o tradutor entra em contato e conflito com todas as vozes, como diz
Folkart (1991), que envolvem o objeto de seu discurso.
3 Pelos motivos explicados na nota 1, doravante usaremos uma terminologia bastante difundida em estudos de
traduo: texto-fonte ou texto de partida (TF) para o texto que sofreu o processo tradutrio; texto-alvo ou texto dechegada (TA) para o produto da traduo. O mesmo vale para correlatos como: lngua-fonte, cultura-fonte, etc.;lngua-alvo, cultura-alvo, etc. Assim, o uso de expresses derivadas de original, se ocorrer, sempre expletivo.
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Para a elaborao desta pesquisa, partimos da hiptese de que existe a voz do
tradutor no texto traduzido. Portanto, nosso objetivo analisar indcios que revelem
essa voz, ou seja, essa presena discursiva do sujeito no texto que ele traduziu.
Isso comprovaria, simultaneamente, que a traduo um novo enunciado concreto,
no mera reproduo de outro texto.O primeiro passo foi tentar compreender a natureza da traduo e como ela
vista hoje. Assim, no primeiro captulo, comentamos a trajetria histrica do conceito
atual de traduzir de onde ele veio, como foi formado e mostramos que um
construto scio-histrico. Em seguida, discutimos os estudos da traduo mais
relevantes analisando as respectivas teorias, dividindo-os em duas grandes
perspectivas: a tradicional e a contestadora. A primeira perspectiva, fundada sobre uma
tentativa de dar um carter cientfico traduo, enraizou-se profundamente nesta
esfera de atividade e at hoje direciona a prtica dos tradutores, principalmente devido
sua caracterstica normativa. Os autores e as concepes includos na segunda
perspectiva, caracterizados pelo abandono das tentativas de tornar cientfica a traduo
e por seu enfoque mais descritivo, difundiram-se principalmente no meio acadmico,
mas tiveram influncia limitada sobre a prtica profissional dos tradutores. Sendo assim,
na natureza da traduo tal como a conhecemos hoje, esto incorporadas noes
advindas das concepes tradicionais. Entendemos que as mais intrinsecamente
associadas traduo sejam a fidelidade e a invisibilidade. Por isso, dedicamos duassees do Captulo 1 para discuti-las de forma mais aprofundada. Na ltima parte,
mostramos como a concepo tradicional e esses conceitos esto refletidos na
representao social da traduo e do tradutor at hoje e as consequncias disso.
Na primeira seo do Captulo 2, discutimos a concepo de lngua subjacente
perspectiva tradicional, que est na origem dos problemas da viso cientificista. A
seguir, explicamos a teoria dialgica do Crculo de Bakhtin, viso de linguagem
fundamental no apenas para entender a natureza da traduo, como tambm para a
prpria anlise do corpus. Na terceira seo, lanamos um novo olhar para pensar e
analisar a traduo na perspectiva do dialogismo e de estudos tradutrios
contemporneos coerentes com a viso dialgica. Com base nesse referencial terico,
chegamos a uma definio de traduo e selecionamos um aparato de anlise
adequado para o estudo do corpus.
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No terceiro captulo, descrevemos o mtodo de anlise comparativa do seu
ponto de vista epistemolgico e explicamos o processo de seleo do corpus, que inclui
textos escolhidos de quatro publicaes: de uma lado, a National Geographic Magazine
e sua contraparte National Geographic Brasil(revistas informativas mensais de difuso
cientfica); de outro, The Economiste Carta Capital(revistas informativas semanais deassuntos variados, especialmente economia, poltica e cultura). O quarto captulo o
exame do corpus propriamente dito, partindo da contextualizao de cada texto e das
categorias de anlise selecionadas. Os textos que compem o corpus ampliado desta
pesquisa esto referidos no Anexo A.
Por fim, discutimos resultados e concluses da pesquisa. Em primeiro lugar,
constatamos que nossa hiptese de fato se confirma: existe uma voz do tradutor.
Sendo uma reenunciao, a traduo, como toda interpretao ou compreenso
responsiva, uma contrapalavra, uma tomada de posio sobre o tema a que se dirige,
ou seja, verificamos que a traduo apresenta as mesmas caractersticas que todo
enunciado: orienta-se tanto para o j-dito (que no se restringe apenas ao texto-fonte,
mas aos discursos prvios sobre os temas tratados nas matrias) quanto para o seu
leitor (que no algum passivo, mas um sujeito projetado com quem o tradutor
dialoga, antecipando suas questes e seus comentrios, construindo seu texto tambm
em forma de dilogo em cima dessas rplicas). Portanto, a traduo apresenta marcas
e/ou indcios da presena do tradutor.Nosso objetivo pode dar a entender que procuramos algo fora do padro, um
descuido do tradutor, como um equvoco ou um erro. Toda atividade humana est
sujeita ao equvoco, o que no nos interessa aqui enquanto evento isolado. A despeito
de no estarmos procurando por erros de traduo, preciso observar, segundo
Andr Lefevere (2007, p. 156), se o que est sendo chamado de erro um incidente
repetido e regular, porque um erro isolado apenas isso, mas uma srie recorrente de
erros aponta mais para um padro, que a expresso de uma estratgia. A prpria
existncia do erro deve ser considerada com cautela, visto que buscarpor oposio o
acerto pode acabar se tornando uma cruzada por significados pr-fixados e imutveis
a traduo perfeita. Alm disso, diz Lawrence Venuti (1997, p. 18):
At a noo de erro lingustico est sujeita variao, j que tradues equivocadaspodem ser no apenas inteligveis, mas tambm significantes para a cultura/lngua-alvo. A
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viabilidade de uma traduo estabelecida pelo seu relacionamento com as condiesculturais e sociais sob as quais produzida e lida.4
Por baixo dessa dicotomia erro/acerto, est a noo da lngua como meio
transparente, que discutiremos vrias vezes neste estudo e subentende a existncia de
uma nica interpretao correta. Segundo Solange Mittmann (2003, p. 59),
Se h transparncia na lngua, deve haver tambm transparncia entre lnguas. Se h umaunivocidade lgica na lngua, a traduo deve ser pensada como uma nica possibilidade deacerto, no havendo espao para equvocos de traduo, e a culpa pelos equvocos recaisobre a incompetncia do tradutor.
Como fica patente nesta introduo, no pretendemos estabelecer novos
dogmas ou determinar como a traduo deveria ou no ser. Seguimos Voloshinov
(2004, p. 142), para quem algumas vezes extremamente importante expor um
fenmeno bem conhecido e aparentemente bem estudado a uma luz nova,
reformulando-o como problema, e o posicionamento de Meschonnic (apud
HEIDMANN, 2010, p. 71): traduzir no pode deixar de implicar uma teoria do discurso.
J que o discurso , antes de mais nada, uma maneira de apreender a linguagem
(MAINGUENEAU, 2009, p. 172), estudar a traduo tambm , em primeiro lugar,
estudar a apreenso da linguagem. No nosso caso, um estudo luz da teoria dialgica.
So raros os autores que partem da perspectiva dialgica para compreender o
processo tradutrio. Quando o fazem, acabam ficando no mbito da teoria: no fazem
de fato uma anlise dialgica em textos traduzidos. Percebendo essa lacuna, Hermans
(2004, p. 142) diz que, sem dvida, o emprego das noes de dialogismo e
heteroglossia de Bakhtin poderia aprofundar as questes da natureza discursiva da
traduo5. A viso dialgica se ope noo de lngua transparente, base concepo
tradutria cujo ideal a inalcanvel cpia exata em outra lngua, de infidelidade,
impossibilidade e invisibilidade. Por isso, estamos certos de que, trabalhando a
traduo como reenunciao, esta pesquisa pode trazer novas possibilidades aos
campos da anlise dialgica do discurso e dos estudos da traduo.
4 No usaremos aspas em citaes completas traduzidas por ns, pois isso reforaria a iluso de que o autor quemfala diretamente. Entre aspas esto apenas as citaes diretas de obras j escritas ou traduzidas em portugus. Otexto-fonte vem na nota de rodap em itlico. Neste caso, a fonte diz: Even the notion of linguistic error is subject tovariation, since mistranslations, especially in literary texts, can be not merely but significant in the target-languageculture. The viability of a translation is established by its relationship to the cultural and social conditions under whichit is produced and read. Como diz Mittmann (1999, p. 222), para sermos coerentes com a teoria, talvez devssemosacrescentar na viso de seu tradutor nas citaes. No faremos isso, pois basta termos a conscincia de que otexto-fonte est sendo reenunciado, e no citado ipsis litteris (impossvel), por seu tradutor em lngua portuguesa.5No doubt an approach employing Bakhtins notions of dialogism and heteroglossia could take these issues further.
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1 A NATUREZA DA TRADUO
1.1 Uma histria do conceito atual de traduo
A proposta desta primeira parte mostrar que a traduo no algo absoluto,
mas um construto histrico e relativo, e a melhor forma de fazer isso ver a trajetria
desse conceito. Assim, apresentaremos algumas formas de entender a expresso
traduzir no decorrer da histria. Mesmo essa proposta aparentemente simples
apresenta dificuldades desde o comeo, como nos diz Umberto Eco (2007, p. 9):
O que traduzir? A primeira e consoladora resposta gostaria de ser: dizer a mesma coisaem outra lngua. S que, em primeiro lugar, temos muitos problemas para estabelecer o quesignifica dizer a mesmacoisa e no sabemos bem o que isso significa por causa daquelasoperaes que chamamos de parfrase, definio, explicao, reformulao, para no falardas supostas substituies sinonmicas. Em segundo lugar, porque, diante de um texto a ser
traduzido, no sabemos tambm o que a coisa. E, enfim, em certos casos duvidoso atmesmo o que quer dizerdizer.
Embora j fossem adotados desde antes de Cristo, os termos que remetem
ideia de traduzir tm trajetrias controversas. Burke & Hsia explicam que, no perodo
moderno, havia uma variedade de termos empregados em diferentes lnguas [] Os
termos translate, traduire, traducir, transferre (verbo latino irregular com um particpio
passado translatus), bersetzen e assim por diante estavam entrando em uso (BURKE
& HSIA, 2009, p. 33). Com esses termos, coexistiam outras palavras, o que indica a
viso que se tinha da traduo poca, conforme dizem os autores na mesma pgina:
Em alemo, por exemplo, havia verdeutschen, alemanizar, gedolmetschen, interpretar,versetzen e mgesetzen, bem como circunlquios tais como ins Teutsche gebracht [trazidoao alemo]. Em latim, havia versio, volta, convertere, converter, e interpretare []. Emingls, havia done into English [tornado ingls], reduced into English[reduzido ao ingls] []ou simplesmente englished [anglicizado]. Em italiano, havia volgarizzare, converter novernculo (il volgare); em espanhol, vulgarizarou romanzar, converter em lngua romnica.
Comparado com a relativa hegemonia de traduzir nos dias de hoje em
portugus, h o uso esparso de verter e do especfico interpretar (para designar
traduo oral) , o uso de vrias expresses concomitantemente demonstra que sua
definio nem sempre esteve prxima de um consenso como aparenta estar hoje; pelo
contrrio, o conceito de traduo vem sendo lentamente cunhado, vindo a ganhar fora
depois da consolidao dos vernculos, j no sculo XVIII. E, mesmo quando a palavra
traduo era adotada, no havia garantias de que se falava da mesma coisa, j que a
atividade era entendida de diversas formas, conforme nos conta Burke:
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A divisa entre traduo e imitao era traada menos nitidamente do que viria a ser nosculo XIX [] O ponto crucial que o que se descrevia na poca como tradues muitasvezes diferia dos originais em importantes sentidos, fosse por abreviar os textos, fosse porampli-los. [] Textos longos podiam ser abreviados na traduo, reduzidos at a metadede sua extenso original. Outras omisses eram uma forma de expurgo. [] Passagenspodiam ser omitidas sem aviso aos leitores por razes religiosas, morais ou polticas.[] A liberdade das tradues renascentistas inclua a liberdade de acrescentar material, ou,como os retricos diziam, de ampliar (BURKE & HSIA, 2009, p. 38-39).
Diante da oscilao do termo e da atividade, vemos que certas ncoras, hoje to
firmes na atividade tradutria, flutuaram muito em outros tempos como, por exemplo,
a noo de tica profissional do tradutor. Atualmente, a Federao Internacional dos
Tradutores (FIT), na Carta do Tradutor, Seo I, Obrigaes Gerais do Tradutor, arts. 4
e 5, diz que toda traduo dever ser fiel e verter exatamente a ideia e forma do original
e que essa fidelidade constitui uma obrigao tanto moral quanto legal do tradutor, mas
no deve ser confundida com traduo literal e no exclui a adaptao para fazer com
que a forma, a atmosfera e o sentido mais profundo sejam sentidos noutra lngua e
noutro pas6. Curiosamente, as verses em francs e ingls no site da FIT talvez no
sejam, pelos critrios dela, fiis entre si7.
Esse no era o cdigo de tica da Idade Moderna, quando as chamadas
servides do tradutor eram a outros senhores: religio, moral, s presses sociais,
etc. Falando sobre as edies de A Morte de Danton, de Georg Bchner, no incio do
sculo XIX, Lefevere (2007, p. 244) mostra, por exemplo, como reescritores8 acabam
muitas vezes modificando uma obra por conta de aspectos polticos, religiosos oumorais. Nesse caso, ele explica que houve mudanas para amenizar ou retirar aluses
sexuais e crticas religio, assim como foram apagadas referncias que pudessem ser
consideradas ofensivas ao gosto das classes mdia e alta, pblico-alvo da edio. Na
poca, longe do politicamente correto e das noes de autoria de hoje, era mais vivel
editar o original do que public-lo na ntegra. O mesmo vale para o tradutor. Segundo
Freitas (2008, p. 96), no Renascimento, o tradutor gozava de um estatuto de autor,
uma vez que ele produzia um texto que primava pelo seu efeito na cultura de chegada
e, por conseguinte, poderia interferir mais na escritura do texto produzido.
6The Translators Charter, Section I, art. 4. Every translation shall be faithful and render exactly the idea and form ofthe original this fidelity constituting both a moral and legal obligation for the translator. / 5. A faithful translation,however, should not be confused with a literal translation, the fidelity of a translation not excluding an adaptation tomake the form, the atmosphere and deeper meaning of the work felt in another language and country.7Na verso francesa, a moral and legal obligation torna-se un devoir moral et une obligation de nature juridique.8 A reescritura uma categoria hiperonmica criada por Lefereve em que ele inclui atividades como traduo, reviso,edio, antologizao, compilao e produo crtica(ver Lefevere, 2007 [1992], captulo 1).
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Tanto no caso das tradues do perodo moderno quanto no exemplo dado por
Lefevere, o autor no era o foco principal das preocupaes dos reescritores
(tradutores, editores, revisores, etc.); hoje, pelo contrrio, o poder do autor (assegurado
pelas leis autorais e pela liberdade de expresso) to grande que, dependendo da
obra, uma edio com cortes ou modificaes profundas pode se tornar invivel. Essanova servido ao autor fruto de construes que foram sendo socialmente
negociadas com o passar do tempo, resultando na posio hegemnica do autor
quando se trata de traduo. Nesse contnuo processo de construo da palavra e da
atividade traduo, vo sendo atrelados e excludos valores e discursos. A razo para
isso, de acordo com Hermans (2004, p. 141), que a traduo um fato social:
Ns podemos olhar para a traduo como um fenmeno social reconhecido, tanto umacategoria intelectual quanto uma prtica cultural. O significado do termo codificado emdicionrios, fixado pelas atividades informais e profissionais chamadas de traduo,constantemente afirmado por associaes de tradutores e por discursos educacionais,acadmicos, jornalsticos e outros discursos pblicos e privados. [] Tambm plausvelassumir que ns trazemos expectativas tanto cognitivas quanto normativas traduo.
Ambos os conjuntos de expectativas esto sendo continuamente negociados, confirmados,ajustados e modificados pelos tradutores praticantes e por todos que falam sobre traduo.9
Sem nos deter mais na terminologia, passaremos a discutir as duas grandes
concepes que propuseram vises e mtodos traduo. Como dito anteriormente,
nos restringiremos s tendncias mais expressivas do perodo de investigao terica e
hermenutica, iniciado a partir do final do sculo XVIII com Alexander Fraser Tytler
(1747-1819) e seu Essay on the Principles of Translation (1791), o segundo naperiodizao das obras sobre teoria, prtica e histria da traduo estabelecida por
George Steiner (1975, p. 237). Nesse perodo, segundo Steiner, os questionamentos
sobre a natureza da traduo comearam a ser respondidos dentro de abordagens
lingusticas e cognitivas, chamadas de concepes tradicionais, essencialistas ou
lingustico-cientificistas, que geralmente tm uma viso normativa de como deve ser a
traduo. Aps a segunda metade do sculo XX, apareceram teorias menos
associadas viso lingustica, reunidas sob o rtulo perspectivas contemporneas.
Primeiro, apresentaremos as tradicionais, que ainda exercem grande influncia hoje.
9 We can look upon translation as a recognized social phenomenon, both an intellectual category and a culturalpractice. The meaning of the term is codified in dictionaries, fixed by informal as well as professional activities calledtranslation, constantly affirmed by translators associations and by educational, scholarly, journalistic and other publicand private discourses. [] it is reasonable also to assume that we bring both cognitive and normative expectations totranslation. Both sets of expectations are continually being negotiated, confirmed, adjusted and modified by practisingtranslators and by all who speak about translation.
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1.1.1 Concepes tradicionais: imitao, substituio, transporte, recodificao
Embora j existisse antes, foi com Tytler que ganhou fora a verso mais moderna
da concepo de traduo como transparente, neutra, fiel chamada por Arrojo (2000)e Mittmann (2003) de tradicionale de lingustico-cientificista por Bohunovsky (2001). Em
seu texto seminal de 1791, Tytler se preocupou essencialmente em estabelecer regras
para uma boa traduo, que ele (2006, p. 190) resume em trs pontos principais10:
(1) A traduo deve prover uma reproduo, em sua totalidade, das ideias da obra original.
(2) O estilo e o modo de escrita da traduo devem ter a mesma natureza do original.
(3) A traduo deve ter toda a fluncia do original.
Embora Tytler admitisse que nem sempre era possvel encontrar correspondncia
entre as lnguas, pois cada uma tinha seu gnio e carter , acreditava que era possvel
solucionar esses problemas se o tradutor incorporasse o autor. Sobre a terceira regra
acima, ele simultaneamente pergunta e responde (2006, p. 193): Como poder, ento,
o tradutor alcanar essa difcil unio de fluncia com fidelidade? Para usar uma
expresso ousada, ele deve adotar a prpria alma de seu autor, que deve falar por
meio de seus prprios rgos11. Para Tytler (2006, p. 191), sempre uma falha do
tradutor acrescentar ao sentimento do autor original o que no est estritamente de
acordo com seu modo caracterstico de pensar ou se expressar12. A traduo seriaento uma imitao, uma cpia que busca correspondncias para se tornar o mais igual
possvel: a traduo perfeita quando o tradutor acha na sua prpria lngua uma
expresso idiomtica correspondente quela do original13 (TYTLER, 2006, p. 193).
Diante disso, Bohunovsky (2001, p.52) acertadamente conclui:
Partindo de tais princpios de traduo, fica evidente que o objetivo principal do tradutordeveria ser ficar o mais fiel ao original em sua totalidade e ficar invisvel no textotraduzido, pois o objetivo fundamental de qualquer traduo seria a reproduo dooriginal em outro cdigo.
101. That the Translation should give a complete transcript of the ideas of the original work. 2. That the style andmanner of writing should be of the same character with that of the original. 3. That the Translation should have all theease of original composition.11How then shall a translator accomplish this difficult union of ease with fidelity? To use a bold expression, he mustadopt the very soul of his author, which must speak through his own organs.12It is always a fault when the translator adds to the sentiment of the original author what does not strictly accord withhis characteristic mode of thinking, or expressing himself.13The translation is perfect, when the translator finds in his own language an idiomatic phrase corresponding to thatof the original.
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Embora nunca tenha deixado de estar presente, essa concepo ganhou
novamente destaque aps a Segunda Guerra Mundial, consolidada no que Bohunovsky
(2001, p. 52) chama de linha lingustico-cientificista, que atingiu as cincias humanas e
marcou profundamente os estudos da traduo. Segundo Venuti, isso foi percebido
pelo ingls J. M. Cohen j em 1962, o qual observou que os tradutores do sculo XX,influenciados pelo ensino da cincia e pela importncia agregada preciso, em geral
se concentram nos significados prosaicos e na interpretao, negligenciando a imitao
da forma e do estilo (apud VENUTI, 1997, p. 6). De fato, esse foi o tom do trabalho de
autores como o escocs John Catford (1917-2009), o americano Eugene Nida (1914-)
e, no Brasil, o hngaro Paulo Rnai (1907-1992) e o alemo Erwin Theodor (1926-).
Vale a pena discorrer sobre a viso desses autores, que tiveram um papel importante
na forma como a traduo mais comumente vista nos dias de hoje.
Para Catford, a traduo consistia na substituio do material textual de uma
lngua pelo material textual equivalente em outra lngua (1980, p. 22). Talvez
percebendo certa fragilidade, ele prprio alerta que tal definio no vaga, mas
intencionalmente ampla. Depois, ele subdivide a traduo em duas (1980, p. 24):
(1) total(substituio de gramtica e lxico da LF por gramtica e lxico equivalentes da LA,com substituio de fonologia/grafologia da LF por fonologia/grafologia da LA)
(2) restrita (substituio do material textual da LF por material textual equivalente na LA,apenas em um nvel). [LF = lngua-fonte / LA = lngua-alvo]
Catford (1980, p. 23) afirma que o problema central da prtica tradutria seriaencontrar equivalentes na lngua-alvo; e a tarefa da teoria, definir a natureza e as
condies da equivalncia. Para ele (1980, p. 29), haveria duas formas de equivalncia:
(a) equivalncia textual: qualquer forma da LA que se observe ser o equivalente dedeterminada forma da LF.
(b) correspondncia formal: qualquer categoria da LA que ocupa na economia da LA omesmo lugarque determinada categoria da LF ocupa na LF.
Para Bassnett (1994, p. 6), embora tenha contribudo do ponto de vista
lingustico, a teoria de Catford restrita, pois implica uma concepo estreita designificado. Mary Snell-Hornby (2001, p. 19) diz que se trata de uma definio circular e
afirma que a abordagem de Catford, baseada na gramtica sistmica de Halliday, hoje
considerada datada e de interesse meramente histrico. Por outro lado, Nida, cuja
viso semelhante de Catford, ainda hoje tem influncia, embora mais como tradutor
bblico do que linguista terico (SNELL-HORNBY, 2001, p. 15).
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Segundo Edwin Gentzler (2009, p. 75), Nida considerado o primeiro a
estabelecer a chamada cincia da traduo, muito difundida nas dcadas de 1970 e
1980 e ainda hoje presente. Com base na sua experincia de traduzir a Bblia, Nida
cunhou a ideia de que traduzir reproduzir, na lngua do receptor, o equivalente natural
mais prximo da mensagem da LF; em primeiro lugar, em termos de significado; emsegundo, em termos de estilo (NIDA & TABER, 1982, p. 12)14. Nida criou a alegoria da
sentena como um trem cuja carga o significado: para ele, algumas palavras tinham
uma carga maior de sentidos e outras precisam se juntar para compor apenas um,
porm o importante que toda essa carga chegue ao seu destino, isto , que os
componentes significativos do texto-fonte cheguem lngua-alvo, de tal forma que
possam ser usados pelos receptores (ARROJO, 2000, p. 12).
Snell-Hornby (2001, p. 16) aponta que as definies de Catford e Nida so
construdas em redor do termo equivalncia (ou de um derivado), o qual, entretanto,
no especificado, ou seja, definido de forma clara. Segundo ela (2001, p. 26), as
categorizaes dicotomizadas de Saussure se refletiram diretamente sobre as
dicotomias de Nida (equivalncia formal vs. dinmica) e de Catford (correspondncia
formal vs. equivalncia textual). Para Snell-Hornby (2001, p. 18), o uso do termo
equivalncia e derivados se complicou ainda mais por conta da orientao lgica dada
por Noam Chomsky e que influenciou os estudos de traduo indiretamente nos anos
1960. De fato, de acordo com Gentzler (2009, p. 72), a base de Nida est na gramticatransformacional gerativa, que, com sua legitimidade no campo da lingustica, trouxe
credibilidade e influncia cincia da traduo de Nida, o que confirmado por Snell-
Hornby (2001, p. 14). Contudo, um dos problemas que, para validar sua teoria da
traduo, Nida simplifica o modelo de Chomsky, adotando somente as partes que
tratam das estruturas profundas e superficiais, gerando uma teoria hbrida. Gentzler
(2009, p. 74-75) explica os pontos de contato entre as ideias de Nida e de Chomsky:
Embora as duas teorias evolussem por diferentes razes, ambas pressupem a existnciade uma entidade profunda, coerente e unificada por trs de qualquer manifestao dalngua: o ncleo, o cerne, a estrutura profunda, a essncia, o esprito so todostermos usados por Nida, muitos dos quais derivados de Chomsky. [] a teoria da traduode Nida sondava estruturas profundas prprias de todas as lnguas, encontrando meios detransformar essas entidades em lnguas diferentes.
14Translating consists in reproducing in the receptor language the closest natural equivalent of the source-languagemessage, first in terms of meaning and secondly in terms of style. Na mesma pgina, ele refora: Translating mustaim primarily at reproducing the message[Traduzir deve ter como objetivo primordial reproduzir a mensagem].
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Apesar de Chomsky ter advertido contra a adoo de sua teoria para aplicaes
na traduo quando diz explicitamente que a existncia de universais formais
profundamente enraizados no implica que deva haver um procedimento para traduo
entre lnguas15 (1975, p. 30) , Nida ignorou essa advertncia e elaborou um
procedimento de traduo baseado em uma noo muito simplificada da teoria deChomsky (GENTZLER, 2009, p. 78). A meta desse estudioso americano era encontrar,
nas estruturas profundas, a prova de que uma traduo pode transpor, em essncia, a
mesma mensagem de uma lngua para outra. Snell-Hornby (2001, p. 41) explica que,
nessa viso, a traduo seria uma recodificao da estrutura superficial,
representao da estrutura profunda, no-lingustica e universal. Ao extremo, esse
princpio tornaria tudo traduzvel. Ao que parece, chegar a esses universais da traduo
era, portanto, um dos objetivos da cincia tradutria tal como proposta por Nida.
Segundo Gentzler (2009, p. 83), Nida acreditava que a mensagem do texto original no
s pode ser determinada, mas tambm traduzida, para que sua recepo seja a mesma
que foi percebida pelos receptores originais (o chamado efeito de equivalncia), mas
essa mensagem retirada da histria, compreendida como unificada, essncia de si,
convertida num conceito atemporal.
Contudo, a influncia gerativista sobre ele para por a: quanto ao ato de traduzir,
Nida o entende mesmo como um processo de transporte, um tipo de mecanismo capaz
de transportar uma mensagem de uma lngua para a outra (MITTMANN, 2003, p. 18) .Com isso, ele pretendia propor um novo conceito de traduo, opondo um foco antigo
(forma da mensagem) a um foco novo (resposta do receptor) (NIDA & TABER, 1982,
p. 1)16. Entretanto, do ponto de vista da concepo de linguagem, os princpios que
Nida apresenta17 retomam as ideias de Tytler, que enxerga a lngua como um sistema
homogneo e autnomo, com gnio prprio, e idealiza a linguagem, excluindo o
sujeito da produo de sentido e desconsiderando fatores cruciais, como o contexto
mais imediato, a situao social mais ampla e a cultura de chegada.
15 The existence of deep-seated formal universals [] does not, for example, imply that there must be somereasonable procedure for translating between languages.16Na verdade, nesse ponto, Nida se alinha com a longa tradio de tradutores da Bblia que defenderama traduo sentido-por-sentido, iniciada com So Jernimo, que abordaremos ainda neste captulo.17(i) cada lngua tem seu prprio gnio; (ii)para se comunicar eficazmente, deve-se respeitar o gnio de
cada lngua; (iii)para preservar o contedo da mensagem, a forma deve ser mudada.
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De acordo com Snell-Hornby (2001, p. 16), nas concepes de Catford e Nida,
bem como de Otto Kade18, o texto era visto como uma sequncia linear de unidades e a
traduo meramente como um processo de transcodificao, que envolvia substituir
uma sequncia de unidades equivalentes19. Para ela (2001, p. 16), esse argumento
est embasado numa falcia: a pressuposio de que h um grau de simetria entre aslnguas que possibilita a equivalncia20. Segundo a autora (2001, p. 18), a discusso
em torno da expresso equivalncia comeou por conta de Roman Jakobson, que, no
seu clebre On Linguistic Aspects of Translation (1959), fala em equivalence in
difference. De fato, os estudos de Jakobson o texto citado em especial tiveram
profunda influncia nas teorias de traduo aqui apresentadas, como veremos no
prximo captulo. No entanto, a equivalncia no ser objeto de maiores discusses
neste trabalho, pois, segundo Snell-Hornby (2001, p. 22), com quem concordamos,
esse um conceito que no serve para a teoria da traduo, visto que, alm de
impreciso e mal-definido, traz uma iluso de simetria entre as lnguas, como foi dito
acima, que mal consegue existir para alm de vagas aproximaes e que distorce os
problemas bsicos da traduo. Mossop (1983, p. 255) descarta o conceito tambm do
ponto de vista prtico, j que direciona o tradutor para textos j existentes em vez de
focar no contexto fornecido pelo prprio texto que est sendo traduzido.
Voltando aos autores das concepes tradicionais, Mittmann considera tambm
Paulo Rnai, famoso tradutor hngaro-brasileiro, e Erwin Theodor, germanista radicadono Brasil, como estudiosos dessa linha. De fato, a viso de Rnai diverge pouco da que
Nida apresenta e claramente influenciada por este ltimo. Rnai (1987, p. 15) diz que
h certas ideias que s podem nascer na conscincia de pessoas que falam
determinada lngua, ou mesmo que nascem unicamente por certa pessoa falar
determinada lngua, o que remete novamente ao gnio da lngua. Esse tipo de
afirmao carrega uma concepo de significado cristalizado no corpo material da
lngua. No entanto, apesar de partilhar dessa e de outras noes de Nida, como a da
18 Otto Kade, Gert Jger e Albrecht Neubert, a chamada Escola de Leipzig, fundaram um ramo dos estudos datraduo que se pretendia rigorosamente cientfico e adotava totalmente os conceitos da Lingustica Aplicada abersetzungswissenschaft. No dedicamos mais espao Escola de Leipzig porque, embora tambm tenha sido dalinha lingustico-cientificista e adotasse conceitos como o da equivalncia, teve influncia restrita e acabou seenveredando cada vez mais, especialmente no caso de Kade, para a traduo auxiliada por computador (CAT).19 [] the text was then seen as a linear sequence of units, and translation was merely a transcoding processinvolving the substitution of a sequence of equivalence units.20 A autora ilustra bem essa falcia comparando historicamente os prprios termos equivalence e quivalenzparamostrar que essas palavras, aparentemente simtricas, se prestam a usos bem diferentes em suas culturas.
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equivalncia, Rnai revela tambm uma preocupao com a forma, fruto de seu vis
literrio e da viso estrutural da lngua.
Pode-se alegar que Rnai tambm deu um passo adiante por tentar incluir o
contexto como fator de importncia na traduo. Ele comenta que traduzidas as
palavras, ou mesmo as frases, de determinado idioma para outro, elas ficamarrancadas ao contexto mltiplo da lngua-fonte e recolocadas no contexto
completamente diverso da lngua-alvo (RNAI, 1987, p. 13). Sua definio de
contexto, porm, no est bem consolidada: num momento, equivale a cotexto: por
contexto, entende-se a frase ou o trecho em que a palavra se encontra de momen to
(p. 13); noutro, algo mais intangvel: cada palavra se apresenta, de cada vez, num
contexto diferente, que a embebe de sua atmosfera e lhe altera o sentido, s vezes
quase imperceptivelmente (p. 19). Mas o foco de Rnai ainda estava na mensagem.
Mittmann sintetiza as ideias de Rnai quando diz que ele pensa a traduo como uma
reformulao interlingual de uma mensagem, isto , o resgate do pensamento original
da palavra usada pelo autor: para ela, Rnai parte do mesmo princpio de Nida e
Theodor: codificao-decodificao-recodificao (MITTMANN, 2003, p. 21-22).
O pensamento de Rnai realmente no est muito distante do que pensava
Theodor, mas este ltimo se concentra ainda mais na interpretao correta
(THEODOR, 1976, p. 13) do texto-fonte. Da o estudioso alemo afirmar que traduzir
no significa exclusivamente substituir palavras de um idioma por palavras do outro,mas transferir o contedo de um texto com os meios prprios de outra lngua , cujo
primeiro passo tem de ser a decodificao apropriada das informaes contidas no
original e sua converso em cdigo equivalente na lngua para a qual traduz (1976,
p. 21). Segundo Mittmann (2003, p. 21), para Theodor a lngua um instrumento do
qual o tradutor se utiliza em seu trabalho para transmitir tudo o que decodificou do texto
original. Tambm voltado para o trabalho literrio, Theodor procura distinguir traduo,
verso e recriao: definindo a primeira como trabalho consciente e exato de
transposio de um idioma para outro, entretanto desprovido de cunho artstico
(baseado na correspondncia natural ou relativa das palavras); a segunda como
trabalho de transposio, exato e artstico; e a terceira como trabalho de passagem
de um texto para outro idioma, artstico, mas pouco exato (THEODOR, 1976, p. 88).
Apesar disso, Theodor no define o que vem a ser exato, dizendo apenas que a
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referncia , evidentemente, a obra original e que necessrio o conhecimento da
totalidade do texto, entendida como a mensagem, para uma traduo fiel (p. 86).
Fica patente que, segundo a linha lingustico-cientificista resumida at este
ponto, o tradutor apenas transporta a mensagem para outro cdigo, numa reproduo
do original, sem interferncias subjetivas, sob pena de incorrer no erro (que impede atraduo perfeita) ou de no estar fazendo algo que possa ser classificado como
traduo. Em teoria, o procedimento correto resultaria num produto fiel ao texto-fonte
a traduo e num tradutor invisvel no texto resultante de seu trabalho (texto de
chegada), isto , apagando quaisquer traos de sua presena discursiva21.
Entretanto, essa viso apresenta graves problemas. Segundo Arrojo (2000,
p. 12), se pensamos o processo de traduo como transporte de significados entre
lngua A e lngua B, acreditamos ser o texto original um objeto estvel, transportvel, de
contornos absolutamente claros. Isso corrobora o que diz Mittmann (2003, p. 3):
[] a concepo tradicional se baseia na possibilidade de descobrir/decodificar opensamento do autor e recodific-lo em outra lngua. [] todos [os autores citados] tomamcomo ponto de partida para o estudo da traduo o texto e a lngua. [] Como se o texto e alngua fossem bas capazes de guardar o sentido, a mensagem, o contedo ou ainformao. E como se o sentido fosse universal, possvel de ser transferido de uma lnguapara outra, de um texto para outro.
A viso de lngua na base das concepes essencialistas resultou em construtos
tericos que no abarcam a complexidade da lngua e, portanto, da traduo, como o
caso da noo de equivalncia, que, embora tenha sido expandida e desdobrada por
vrios autores, acabou se provando nebulosa e ineficaz. Hermans (2004, p. 19) critica
tambm a associao entre equivalncia e preciso (outro conceito obscuro):
A traduo no pode atingir preciso total porque no h como determinar em queconsistiria a preciso total. Assim, no tem sentido continuar pensando em traduo emtermos de exigncias de equivalncia em todos os aspectos ao mesmo tempo.22
De acordo com Snell-Hornby (2001, p. 28), a teoria da traduo cientfica e sob
orientao lingustica permaneceu, ento, atomstica, fragmentria e desconectada da
linguagem na sua realizao concreta, e isso paralisou o desenvolvimento datradutologia de base lingustica (2001, p. 1). Alm das categorizaes estanques
(dicotomias e tipologias) (2001, p. 29), a autora retoma Beaugrande para elencar os
21 A exigncia da fidelidade ao original e da invisibilidade discursiva do tradutor j foi ironizada pelo escritor hngaroDesz Kosztolnyi no conto O Tradutor Cleptomanaco (ver Referncias Bibliogrficas), em que o protagonista umtradutor que furta objetos de valor dos textos originais, isto , no os repassa ao texto traduzido.22 Translation cannot produce total accuracy because there is no way of determining what total accuracy wouldconsist of. It is therefore pointless to continue to think of translation in terms of demands for e quivalence in allrespects at once.
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problemas dessas teorias: os conceitos e procedimentos lingustico-cientificistas eram
totalmente inapropriados para a traduo, como, por exemplo, sua nfase na
classificao formal de constantes em prejuzo das variveis; a restrio do estudo ao
nvel da palavra e da orao; e, sobretudo, a excluso do estudo do significado
(SNELL-HORNBY, 2001, p. 67). Com isso, segundo a mesma autora (2001, p. 67),ganhou cada vez mais espao a opinio de que a gramtica transformacional e a
lingustica estrutural no foram positivas para o desenvolvimento de uma teoria geral da
traduo. Com o declnio das concepes tradicionais no meio acadmico entre os
anos 1970 e 1980, comearam a surgir teorias descoladas do cientificismo.
1.1.2 Perspectivas contemporneas: leitura, cultura, discurso, reenunciao
Em 1981, Peter Newmark declara que v conceitos como unidade de traduo e
equivalncia como patos mortos, por serem tericos demais ou arbitrrios demais
(apud SNELL-HORNBY, 2001, p. 21). Essa era, com maior ou menor grau de
radicalismo, a postura dos estudos na poca: renegar a influncia lingustica.
Os estudos de traduo passaram, ento, a seguir em diferentes caminhos: os
estudos culturais surgiram com fora, as teorias da recepo tambm marcaram alguns
autores, enquanto a perspectiva discursiva teve um crescimento discreto. Em todo
caso, esses novos caminhos permitem traar uma linha entre os tericos tradicionais Tytler, Catford, Nida, Kade, Theodor e Rnai e os autores que representam uma
perspectiva contestadora, como diz Mittmann. Esse termo apenas genrico para
designar uma postura contrria ao cientificismo, mas na realidade h diferentes vises
contestadoras. No caso da traduo, nem sempre possvel falar de escolas ou
correntes, por isso abordaremos os autores isoladamente. Entre os contestadores,
inclumos Francis Aubert, Rosemary Arrojo, Theo Hermans, Lawrence Venuti, Brian
Mossop, Barbara Folkart e Solange Mittmann, cujas ideias passamos a explicar.
Sabe-se, no entanto, que as mudanas no ocorrem do dia para a noite. Talvez
por isso mesmo seja interessante comear por Aubert, pois ele representa uma
transio entre a concepo logocntrica e a discursiva. Noruegus radicado no Brasil,
Aubert mantm pontos de contato com a tradio em alguns aspectos como, por
exemplo, o foco na mensagem e na equivalncia, talvez reflexo da chegada tardia de
algumas teorias lingusticas no Brasil , mas tambm acrescenta novas facetas
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problemtica da traduo. Seu estudo sobre a fidelidade, por exemplo, foi uma grande
contribuio. Apesar de estudar a mensagem, Aubert afirma que no se trata, nem
seria o caso, de uma mesma mensagem: so duas as mensagens (1993, p. 32): uma
mensagem que fruto da inteno do autor (pretendida) e outra que se realiza na
recepo (efetiva) de cada ato comunicativo (p. 73). A efetiva a realizao de umadas potenciais leituras da pretendida (uma para cada ato de recepo) (p. 74). No caso
da traduo, seriam dois atos comunicativos: o ato 1 e o ato 2, chamado ato tradutrio.
Este toma como ponto de partida uma mensagem efetiva, isto , [] tal como
decodificada pelo receptor-tradutor, e a transforma em nova mensagem pretendida (no
idntica mensagem efetiva), que, por sua vez, ser apreendida como uma nova
efetiva (p. 74). Assim, original e traduo so duas roupagens lingusticas, mas
visando fins comunicativos similares, que se aproximam o suficiente (sem se
confundirem) para que uma seja percebida como sendo a traduo a equivalncia
da outra (p. 32). Sua viso de linguagem e de traduo ainda objetifica o processo
comunicativo. Segundo Mittmann (2003, p. 58), Aubert no chega a romper com a
noo de mensagem da concepo informacional, isto , de transmisso de informao
entre os interlocutores. Porm, Aubert discorda da tradio num ponto essencial: para
ele, no h um sentido nico, transportvel, mas mensagens que mantm entre si uma
relao de interseco, no de identidade (1993, p. 74). Alm disso, baseado em
Pcheux, Aubert enxerga condies de produo e de recepo bem mais abrangentesdo que as previstas pelo esquema comunicativo tradicional. Segundo ele (1993, p. 24),
Em qualquer situao em que ocorre uma interao intersubjetiva inclusive, mas noapenas, com o suporte do cdigo lingustico , estabelece-se, entre os participantes(interlocutores), uma rede de relaes imagticas (hipteses) que, em sntese, pode serdescrita como segue: (a) o Emissorcomparece relao com: (i) uma determinada imagemde si mesmo, (ii) [] do mundo (viso de mundo), (iii) [] da situao especfica dainterao, (iv) [] do(s) seu(s) interlocutor(es), (v) [] da auto-imagem de seu(s)interlocutor(es), (vi) [] da imagem que tal(is) interlocutor(es) se faz(em) do Emissor, (vii)[] da imagem que tal(is) interlocutor(es) se faz(em) do mundo e (viii) [] da imagem quetal(is) interlocutor(es) se faz(em) da situao especfica da interao; (b) os Receptores tm,
cada um por si, (ix) uma determinada imagem de si mesmo, (x) [] do mundo (viso demundo), (xi) []da situao especfica da interao, (xii) [] do Emissor [], (xiii) [] daauto-imagem do emissor [], (xiv) [] da imagem que tal(is) interlocutor(es) se faz(em)dele, Receptor, (xv) [] da imagem que tal(is) interlocutor(es) se faz(em) do mundo e (xvi)[] da imagem que tal(is) interlocutor(es) se faz(em) da situao especfica de interao.
Vemos que sua ideia de emissor/receptor mais profunda que a do
estruturalismo e do funcionalismo, chegando a mencionar uma relao dialgica entre
eles (p. 25), mas sem explicar em que sentido e como se daria essa relao. Por outro
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lado, sua definio de traduo como uma segunda relao comunicativa, que se
substitui primeira ou que, de alguma forma, a complementa (p. 10) primeira vista
parece um processo de codificao-decodificao duplicado. Para Aubert, o ato
tradutrio estaria sujeito substituio ou variao de um ou mais componentes do
complexo comunicativo, mas tais componentes so basicamente os participantespropriamente ditos, o cdigo e/ou o referente, mensagem e/ou canal (p. 11). E sua
ideia da equivalncia entre textos ainda tem influncias da concepo cientificista.
At esse ponto, pode-se dizer que Aubert guarda semelhanas demais com os
lingustico-cientificistas, o que levanta dvidas sobre coloc-lo entre contestadores. No
entanto, sua viso do processo tradutrio relaes dinmicas entre mltiplas
imagens leva-o a refletir sobre o papel da viso de mundo na produo de sentido e
questionar os axiomas da fidelidade e do apagamento (invisibilidade), proporcionando
sua verdadeira ruptura com a tradio. por conta dessa reflexo que vemos o
embrio de uma perspectiva mais discursiva nas concluses de Aubert (1993, p. 80):
[] o tradutor, longe de ser um mdium passivo para manifestao do Autor e do texto departida, ter de tomar decises nos mais diversos nveis: comunicativo, lingustico, tcnico., portanto e inevitavelmente, agente, elemento ativo,produtorde texto, de discurso.
Enquanto Aubert mostra uma forte tendncia ao funcionalismo jakobsoniano,
Arrojo claramente tem influncia de Roland Barthes. Porm, se precisamos fazer algum
esforo para separar Aubert das concepes tradicionais, o mesmo no se d com
Arrojo, que as critica ferozmente por se apoiarem numa viso de lngua como depsito
de significados. Com o intuito de ilustrar como, levada ao extremo, essa ideia torna a
traduo algo invivel, Arrojo toma o conto de Jorge Luis Borges Pierre Menard,
autor del Quijote. O conto uma espcie de fortuna crtica do fictcio estudioso Menard,
cuja enorme obra visvel, embora extensa, menos importante do que seu trabalho
invisvel. Trata-se de uma reproduo do Quixote, uma reescrita to pura que se
assemelha a uma leitura, uma forma invisvel de traduzir. Diz Borges (2007, p. 38):
Ele no queria compor outro Quixote o que seria fcil , mas o Quixote. Intil acrescentarque nunca levou em conta uma transcrio mecnica do original; no se propunha a copi-lo. Sua admirvel ambio era produzir pginas que coincidissem palavra por palavra elinha por linha com as de Miguel de Cervantes.
No conto, Menard acredita que necessrio se tornar o prprio autor, incluindo
recuperar a f catlica, guerrear contra os mouros ou contra os turcos, esquecer a
histria da Europa entre os anos de 1602 e de 1918, ser Miguel de Cervantes
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(BORGES, 2007, p. 39). Na verdade, a ironia do conto que a traduo de Menard
rigorosamente o mesmo texto que o de Cervantes uma repetio na ntegra das
palavras, sintaxe, tudo. o mesmo texto. Ele busca recuperar o significado original de
Cervantes, mas consegue apenas reproduzir suas palavras. Ento, diz Arrojo:
Paradoxalmente, ao repetir a totalidade do texto de Cervantes, Menard ilustra aimpossibilidade de repetio total, exatamente porque as palavras do texto de Cervantesno conseguem delimitar ou petrificar seu significado original, independentemente de umcontexto ou de uma interpretao. [] Assim, ainda que um tradutor conseguisse chegar auma repetio total de um determinado texto, sua traduo no recuperaria nunca atotalidade do original; revelaria, inevitavelmente, uma le itura, uma interpretao desse textoque, por sua vez, ser, sempre, apenas lido e interpretado, e nunca totalmente decifrado oucontrolado (2000, p. 21-22).
Esmiuando a obra, a autora explica que Borges construiu o filsofo Menard com
uma viso da linguagem que anula o prprio propsito de traduzir23. Afinal, se a
identidade de sentidos tal qual o quadro de enunciao primordial fosse possvel, em
ltima instncia a busca por ela conduziria, necessariamente, reiterao incua
(AUBERT, 1993, p. 32). Segundo Arrojo (2000, p. 19), o projeto de Menard reflete uma
teoria da traduo semelhante s de Catford e Nida, j que parte de uma teoria da
linguagem que autoriza a possibilidade de determinar e delimitar o significado de uma
palavra, ou mesmo de um texto, fora do contexto em que lida ou ouvida, o que
tambm se aplica aos outros autores da linha lingustico-cientificista apresentados aqui.
Para a autora, Menard uma representao, ainda que exagerada, do tradutor
projetado por Tytler: algum que deve repetir um texto de outra lngua, de outro autor e
de outro momento sem anular a si mesmo e ao seu contexto. E h outro problema:
Ainda que um tradutor conseguisse chegar a uma repetio total de um determinado texto,sua traduo no recuperaria nunca a totalidade do original; revelaria, inevitavelmente,uma leitura, uma interpretao desse texto que, por sua vez, ser sempre apenas lido einterpretado, e nunca totalmente decifrado ou controlado (ARROJO, 2000, p. 22).
A concluso a que chega a autora, em contraste com as teorias essencialistas,
que a traduo seria terica e praticamente impossvel se esperssemos dela uma
23 J houve muitas discusses sobre a impossibilidade da traduo (ver SHUTTLEWORTH & COWIE, 2003, p. 179-180; BASSNETT, 1994, p. 32-37). No discutiremos esse assunto, mas segundo Ilari (2007), em alguns casos, acrena da impossibilidade decorre de uma viso radical do princpio estruturalista da arbitrariedade do signo(ausncia de qualquer conexo necessria entre a forma de uma palavra e seu significado, de acordo com Trask,2008, p. 36), segundo o qual cada lngua organiza seus signos atravs de uma complexa rede de relaes que noser reencontrada em nenhuma outra lngua (ILARI, 2007, p. 65), que a ideia bsica por trs do gnio da lngua.Ilari (2007, p. 66) acredita que alguns estruturalistas radicalizaram tal princpio, chegando por raciocnio lgico aoparadoxo da impossibilidade de traduzir: [S]e cada lngua recorta a seu modo a experincia, como explicar que aspessoas traduzem de uma lngua para outra? Essa prtica, que todos conhecemos e que real, no fica excluda emprincpio?. Segundo Trask (2008, p. 36), a presena dessa arbitrariedade macia que torna impossvel o tradutoruniversal sonhado pelos filmes de fico cientfica. Entretanto, o problema central desse raciocnio (a traduo impossvel) que ele se fundamenta na viso de que a traduo uma transposio de signos isolados.
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transferncia de significados estveis (ARROJO, 2000, p. 42) entre duas lnguas,
porque o prprio significado de uma palavra, ou de um texto, na lngua de partida,
somente poder ser determinado provisoriamente, atravs de uma leitura (2000, p. 23) .
fcil ver que o foco na recepo a base terica de Arrojo. A partir disso, ela
desenvolve seus dois conceitos principais. Primeiro, o do texto como palimpsesto, quealude prtica antiga de se raspar a tinta dos pergaminhos para utiliz-los novamente,
uma metfora para sua ideia de que o texto nunca pode ser original: ele se apaga,
numa cultura e numa poca, para dar lugar a outra escritura (ou interpretao, ou
leitura, ou traduo) do mesmo texto (p. 23). Segundo, a traduo como leitura;
assim, ela deixa de ser uma atividade que protege os significados originais de um
autor e assume sua condio de produtora de significados; mesmo porque proteg-los
seria impossvel (p. 24). Isso porque, no entendimento da autora, lersignifica aprender
a produzir significados, a partir de determinado texto, que sejam aceitveis para a
comunidade cultural da qual participa o leitor (2000, p. 76). Um ltimo ponto de
interesse que Arrojo afirma que o texto, literrio ou no, s pode ser abordado atravs
de uma leitura ou interpretao e que nenhum leitor ou tradutor pode evitar que seu
contato com os textos (e com a prpria realidade) seja mediado por suas
circunstncias, suas concepes, seu contexto histrico-social (2000, p. 38). Falando
sobre a obra de Arrojo, Mittmann (2003, p. 29) faz um comentrio pertinente: por
essa vinculao inevitvel histria, portanto, que se forma a responsabilidade autoraldo tradutor, que se manifesta nas tomadas de posio, tanto na escolha do texto a ser
traduzido como a cada escolha entre opes durante a traduo. Assumir essa tomada
de posio, que inevitvel (conforme veremos na teoria dialgica), a chave para
uma traduo menos hipcrita e menos ingnua, sem a crena do acerto assptico
(ARROJO apud MITTMANN, 2003, p. 29).
Um caminho diverso desse foi o dos estudos culturais. O holands Theo
Hermans um dos autores que, nos anos 1980, elaboraram uma concepo de
traduo dentro da perspectiva cultural entre os pioneiros, esto James Holmes
(Estados Unidos), Gideon Toury, Itamar Even-Zohar (Israel); Andr Lefevere, Jos
Lambert (Blgica); e Susan Bassnett (Inglaterra). Segundo Hermans (2004, p. 13), cada
um trouxe sua especialidade e seus interesses: Even-Zohar com a hiptese do
polissistema, Toury com a nfase no empirismo, Lambert com a pesquisa em histria
da traduo, Lefevere com a filosofia da cincia e Holmes com uma viso sinttica
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abarcando teoria e prtica tradutrias. Influenciados pelos formalistas russos e,
posteriormente, pelo Crculo de Praga (Shklovskij, Tynianov, Jakobson, etc.), esses
estudiosos eram partidrios da ideia de que a literatura um dinmico sistema de
sistemas (polissistema) em que escolas/tendncias conservadoras e inovadoras se
interseccionam e competem, alternando-se em posies centrais e perifricas(TAIVALKOSKI-SHILOV, 2003, p. 1-2; SNELL-HORNBY, 2001, p. 23); eles tambm
acreditavam que, do ponto de vista da literatura, toda traduo implica um grau de
manipulao do texto-fonte para um dado propsito24 (HERMANS, 2004, p. 9), da a
alcunha de Escola da Manipulao. O polissistema foi uma teoria muito difundida nos
estudos culturais tambm. A hiptese da manipulao foi levada adiante principalmente
por Lefevere.
Com uma abordagem emprica, no-utilitria, descritiva e orientada para o texto-
alvo, os partidrios dos estudos descritivos se opunham prescrio de normas e
diretrizes para a prtica ou avaliao da traduo (HERMANS, 2004, p. 7). Sendo
assim, seu ponto de partida exatamente oposto ao representado pela escola
orientada pela lingustica: no equivalncia pretendida, mas manipulao assumida
(SNELL-HORNBY, 2001, p. 22)25. Segundo Hermans (2004, p. 15), alguns dos
conceitos-guia e insights do paradigma descritivo, como tambm conhecido,
acabaram por se difundir nos estudos da traduo em geral. Apesar disso, na dcada
de 1990, o prprio Hermans reconhece que, com a morte de Holmes e Lefevere e comalguns dos trabalhos de Even-Zohar e Toury tendo perdido o foco, o paradigma perdeu
fora, embora tenha continuado atravs da pulverizao de seus conceitos dentro das
novas abordagens. Com isso, as anomalias e contradies do paradigma foram
expostas, o que motivou Hermans a fazer uma crtica interna e repensar o modelo
(2004, p. 15).
justamente por conta dessa autocrtica que nosso interesse so os rumos que
Hermans tomou, e no os outros estudiosos do grupo. Hermans (1996a, p. 1) voltou-se
para o outro na traduo, isto , as ambivalncias e paradoxos, a hibridez e
pluralidade da traduo, sua alteridade e estranheza, em contraste com a percepo da
traduo como rplica ou reproduo, algo que refere, de forma simples e no
24All translation implies a degree of manipulation of the source text for a certain purpose. Originalmente em TheManipulation of Literature, de 1985, editado por Hermans, obra que difundiu o novo paradigma.25 Hence their starting-point is the exact opposite of that represented by the linguistically oriented school []: notintended equivalence, but admitted manipulation.
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problemtica, a um original. Para ele (1996a, p. 3), os textos traduzidos (como outros
textos, s que mais) so sempre, inerentemente, plurais, instveis, descentralizados,
hbridos; a voz do outro, a voz do tradutor, est sempre l26. Tendo em vista que essa
parte da obra de Hermans integra o aparato terico que adotamos, explicaremos sua
viso mais detalhadamente no prximo captulo.Tambm influenciado pela Escola da Manipulao e pelos estudos culturais em
geral, encontramos Lawrence Venuti. Considerado um dos expoentes da gerao de
estudiosos que apareceu dos anos 1970 em diante, a hiptese de Venuti de que a
traduo uma prtica cultural que est profundamente implicada na manuteno ou
na ruptura das relaes de dominao e de hierarquia entre lnguas e entre culturas;
para ele, a traduo fluente tem sido escandalosamente utilizada para consolidar essas
relaes de dominao entre culturas no processo de colocar aquilo que traduzido a
servio da cultura-alvo (VENUTI, 2002, p. 15).
Tendo em vista que suas consideraes muitas vezes se voltam para as
consequncias do uso da traduo na relao entre culturas, o que nos interessa so
principalmente suas discusses sobre a autoria e a invisibilidade no exerccio da
traduo. Discutindo os limites e conceitos de autoria e, consequentemente, as noes
de direitos autorais (do ponto de vista mercadolgico, legal e conceitual), Venuti conclui
que os direitos autorais contemporneos desprezam as relaes que a traduo
mantm com o texto estrangeiro (para ele, mimtica e interpretativa, regida por cnonese mtodos culturais e histricos) e com os materiais culturais domsticos (mimtica e
comunicativa, atravs do direcionamento desses materiais a um pblico especfico).
Essas relaes implicariam uma autoria coletiva, fruto de um grupo social com valores
caractersticos, em oposio a definies individualistas de autoria baseadas no labor
(lockeana) ou na personalidade (romntica). Sobre isso, ele conclui:
Portanto, um texto literrio27 nunca pode simplesmente expressar o significado pretendidopelo autor num estilo pessoal. O texto, ao contrrio, coloca em funcionamento foras
coletivas nas quais o autor pode, de fato, ter um investimento psicolgico, mas que, por suaprpria natureza, despersonalizam e desestabilizam o significado (VENUTI, 2002, p. 25).
26 My point is that translated texts like other texts, only more so are always, inherently, plural, unstable, de-centred, hybrid. The othervoice, the translators voice, is always there.27 Como dissemos na introduo, a maioria dos estudiosos da traduo desenvolveu suas teorias com base noestudo do texto literrio. Snell-Hornby (2001, p. 25) faz uma crtica nesse aspecto: [] all theorists, whether linguistsor literary scholars, formulate theories for their own area of translation; little attempt is made to bridge the gapbetween literary and other translation. [todos os tericos, quer linguistas ou estudiosos da literatura, formulamteorias para sua prpria rea de traduo; h poucas tentativas de criar uma ponte entre a traduo literria e asoutras]. Nossa meta aqui ser mostrar que algumas das concluses seminais sobre textos literrios que esto nabase da teoria desses autores se aplicam tambm ao texto no literrio.
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Segundo Venuti (2002, p. 99), o cerne da questo estaria no fato de o conceito
ocidental de autoria ser fundamentalmente romntico, em que o trabalho do autor
visto como uma autorrepresentao original e transparente, no mediada por
determinantes transindividuais (lingusticas, culturais e sociais). Sendo assim,
prossegue (2002, p. 101), a traduo no vista como um texto independente,interpondo diferenas lingusticas e literrias especficas da cultura-alvo, acrescentadas
ao texto estrangeiro para torn-lo inteligvel nessa cultura e as quais o autor estrangeiro
no previu nem escolheu. Por isso, ele conclui (2002, p. 14) que nenhum tradutor tem
controle do alcance de sua traduo nem pode prever as consequncias, os usos que
dela se fizerem, os interesses a que venha servir e os valores que venha a transmitir.
Embora critique essa concepo individualista de autoria, Venuti , ao mesmo
tempo, um tanto obscuro e extremista ao afirmar que a autoria coletiva: para ele, seria
uma colaborao com um grupo social especfico, na qual o autor leva em
considerao os valores culturais caractersticos daquele grupo (2002, p. 116). Essa
viso diametralmente oposta ao gnio criativo romntico, quase esvaziada de
subjetividade, precisaria ser mais bem fundamentada para servir como argumento para
a alegao de que a traduo deveria ter o mesmo status lingustico da obra que
traduz. Uma ginstica retrica dessas propores talvez no seja necessria quando a
traduo vista pela tica do dialogismo, isto , como um enunciado um enunciado
que retoma outros , um elo na corrente verbal humana. No seria o caso de ver atraduo como autoria, mas ver a autoria na traduo. Segundo Mittmann (2003, p. 30),
na traduo, a autoria se manifesta pela interveno ativa do tradutor na
transformao do texto original em texto traduzido atravs de escolhas. Na nossa
viso, essas escolhas so orientadas pelas relaes dialgicas do tradutor com oj-dito
(no apenas o texto de partida, mas todos os discursos que o sujeito que traduz
conhece sobre os elementos presentes nesse texto-fonte) e com a resposta ativa da
sua audincia (no apenas seus leitores projetados, mas tudo que eles podem vir a
questionar, julgar, objetar) (ver Captulo 2).
Na tica de Venuti (1997, p. 18), a traduo a substituio forosa da diferena
lingustica e cultural do texto estrangeiro por um texto que seja inteligvel ao leitor da
lngua-alvo28; ou, em outras palavras, um processo pelo qual a cadeia de significantes
28Translation is the forcible replacement of the linguistic and cultural difference of the foreign text with a text that willbe intelligible to the target-language reader.
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que constitui o texto da lngua-fonte substituda por uma cadeia de significantes na
lngua-alvo, que o tradutor produz por fora de uma interpretao29 (1997, p. 17). Com
essas definies, a responsabilidade do que vai ser enunciado recai sobre o tradutor.
Por isso, Venuti defende que preciso uma interferncia direta da parte do tradutor
para que a traduo no seja um instrumento de domnio, mas um espao denegociao das diferenas lingusticas e culturais, isto , das diversas vozes
envolvidas. Nessa concepo, o tradutor algum que introduz sua viso de mundo no
texto traduzido, assumindo uma postura de autor de seu discurso.
A despeito da larga aceitao das ideias de Venuti, Anthony Pym no o isenta de
crticas: sua inclinao panfletria e academicista, sua reviso histrica por demais
seletiva e seu chamado por uma interveno ativa dos tradutores baseado em
tendncias excessivamente engajadas em polticas minoritrias se provaram
prejudiciais sua obra e foram contundentemente criticados (PYM, 1995). Sendo
assim, os mritos de Venuti so as questes que levanta sobre o papel e a posio do
tradutor como sujeito que vivencia situaes no mundo real e o questionamento da
invisibilidade. Vale notar que sua concepo de linguagem difere daquela do
cientificismo e est prxima da viso dialgica30. Isso fica claro na sua definio de
significado (VENUTI, 1997, p. 17-18):
Por ser um efeito de relaes e diferenas entre significantes ao longo de uma correntepotencialmente infinita (polissmica, intertextual, sujeita a infinitas conexes), o significado sempre diferencial e deferido, nunca presente como uma unidade. [] uma relaocontingente e plural, no uma essncia unificada imutvel, e portanto no pode ser julgadade acordo com conceitos de base matemtica como equivalncia semntica oucorrespondncia ponto a ponto31.
Nas dcadas de 1980 e 1990, respectivamente, dois canadenses abriram uma
nova frente para o estudo da traduo: Brian Mossop e Barbara Folkart, em que nos
29Translation is a process by which the chain of signifiers that constitutes the source-language text is replaced by achain of signifiers in the target language which the translator provides on the strength of an interpretation.30 Venuti no faz referncia a obras do Crculo de Bakhtin, mas apresenta uma proximidade com o dialogismo naparte lingustica. Achamos um provvel elo em Jacques Derrida, a quem Venuti remete no trecho acima. De acordocom Gentzler (2009, p. 186), no fim da dcada de 1960, Derrida fez parte do grupo francs Tel Quel(nome derivadodo jornal que publicavam), o qual integravam tambm Julia Kristeva e Tzvetan Todorov. A primeira, conhecidaestudiosa de Bakhtin, j afirmou que a influncia bakhtiniana a impulsionou para alm do estruturalismo (KRISTEVA,1985). Todorov, que mais tarde publicaria Mikhal Bakhtine: le principe dialogique, foi um dos responsveis peladifuso dos escritos do Crculo na Frana. Desse modo, embora alguns aleguem que Derrida desconhecia Bakhtin, provvel que algumas das ideias tenham chegado at ele por pelos autores citados.31 Because meaning is an effect of relations and differences among signifiers along a potentially endless chain(polysemous, intertextual, subject to infinite linkages), it is always differential and deferred, never present as anoriginal unity. [] Meaning is a plural and contingent relation, not an unchanging unified essence, and therefore atranslation cannot be judged according to mathematics-based concepts of semantic equivalence or one-to-onecorrespondence.
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basearemos neste trabalho. Mossop se dedicou primeiro a compreender o sujeito da
traduo e depois partiu dos estudos de Voloshinov para definir traduo como discurso
reportado. Folkart tomou de Mossop essa definio e buscou traos da presena do
tradutor (sujeito que ocupa um lugar espao-temporal). No Captulo 2, explicaremos de
forma mais detalhada as teorias desses autores que esto na base do nosso estudo.A ltima autora cujo trabalho cabe comentar no mbito deste estudo Solange
Mittmann, j no sculo XXI. A abordagem de Mittmann se revela inovadora por
combinar de modo bem-sucedido a Anlise do Discurso Francesa e a traduo.
Apoiada em Michel Pcheux, a autora introduz a noo de sujeito ideolgico
indivduo que se reconhece como sujeito, exercendo os rituais do reconhecimento
ideolgico, mas desconhece o mecanismo desse reconhecimento (MITTMANN, 2003,
p. 37). Com base em Eni Orlandi, ela incorpora o conceito da discursividade, segundo o
qual a ideologia constitutiva do discurso e intervm na sua textualidade (2003, p.
38). No entanto, o que importa nossa pesquisa so suas consideraes tericas para
o estudo tradutrio32. Em primeiro lugar, Mittmann (2003, p. 56) reafirma que o tradutor
no resgata uma mensagem do texto original e a recodifica no texto da traduo, como
quer a concepo logocntrica. Pelo contrrio (MITTMANN, 2003, p. 57):
Durante a leitura do texto original, o tradutor no decodifica informaes, mas produzsentidos. A partir da, o tradutor produz um novo discurso, sobre a base das sistematicidadeslingusticas da lngua da traduo. Este discurso se materializar num novo texto, que o
texto da traduo. O leitor da traduo, por sua vez, ao ler o texto no estar efetuando umadecodificao, ou um resgate de uma mensagem ali posta pelo autor com as palavras dotradutor, mas estar tambm produzindo sentidos.
Mittmann (2003, p. 56) critica duramente essa viso tradicional para ela,
baseada na imagem do texto como um ba capaz de carregar o pensamento do autor.
A autora (2003, p. 57) diz que a viso do texto como imbricado com o discurso nos leva
a considerar o texto da traduo no como algo isolado, fechado em si mesmo, mas
relacionado s condies de produo, o que inclui o texto original, os textos de
dicionrios, outros textos a que o tradutor recorre durante o processo tradutrio, que
so materializaes de discursos. A noo de mensagem tambm discutida: para
Mittmann, precisa ser contestada porque pressupe uma codificao e uma
transmisso de informao.
32 Mittman (2003) faz um interessante estudo do processo tradutrio com um corpus formado pelas notas do tradutorem Cem Anos de Solido, de Garca Marquez.
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Alm dos autores e campos de pesquisa que apresentamos, Bohunovsky (2001,
p. 53) aponta ainda como tendncias contemporneas a Desconstruo, o Ps-
colonialismo, a Psicanlise, o Ps-estruturalismo e os Estudos de Gnero. Dentre as
diversas formas contemporneas de enxergar a traduo que discutimos rapidamente,
as ideias de Mossop, Folkart e Hermans so a abordagem que consideramos maisfrutfera por sua associao com uma teoria dialgica da linguagem (ver Captulo 2).
Para fechar esta parte, importante dizer que as perspectivas contemporneas
que apresentamos at aqui tm pouco alcance fora da academia e pouca influncia
sobre a prtica da traduo no cotidiano. Apesar das crticas contemporneas, a
concepo tradicional qual seja, a da traduo como decodificao-transposio do
sentido tal e qual criado originalmente pelo autor como requisito para uma traduo
fiel, aquela em que o tradutor se retira para os bastidores, cedendo-lhe o palco
ainda amplamente dominante na sociedade e at mesmo entre os tradutores33. por
isso que direcionaremos nossas crticas a essa viso essencialista tradicional, e no
aos autores contemporneos includos na perspectiva contestadora.
Tendo exposto os principais autores com suas respectivas teorias de traduo,
passaremos agora a discutir, ainda que no exaustivamente, aspectos fundamentais
fidelidade e invisibilidade para a traduo tal como vista hoje.
1.2 A noo de fidelidade
Temos reforado at aqui que o conceito de traduo um construto scio-
histrico, fundado nos discursos sobre ela. Segundo Folkart (1991, p. 366),
Assim como o discurso social, do qual no por outro lado seno uma manifestaoparticular, o discurso da traduo uma constelao de ideias, atitudes, clichs,
julgamentos de valor que circulam por conta da traduo, tomadas de posio cientficas oulugares-comuns adotados sem exame crtico e repassados de praticantes a tericos e[novamente] a praticantes. Dentro do discurso da traduo, se criou todo um nexo delugares-comuns em torno da fidelidade, noo pr-cientfica com vieses ideolgico,
axiolgico, at poltic