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8/8/2019 Os Caminhos Antigos no Territrio Fluminense
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Os cminhos anigos no terririo fluminenseAdriano Novaes*
* Formado em Cincias Sociais, membro do Instituto PRESERVALE e do Colgio Brasileiro de Genealogia. Consultor em
Histria Regional - Vale do Paraba.1 Projeto de Inventrio de Bens Culturais Imveis, Desenvolvimento Territorial dos Caminhos Singulares do Estado do Rio de
Janeiro - Caminhos do Ouro, SEBRAE, UNESCO, INEPAC. 2003/2004.
Muitos foram os caminhos de desbravamento e circulao utilizados no Brasilda Colnia ao Imprio. Estradas e picadas, percorridas a p, em lombo de burro
ou em diligncias, levavam produtos ao interior e traziam as riquezas da terra
que tomavam o rumo de Portugal. Fundamentais na histria e na construo da
identidade da futura nao, os caminhos despertam hoje interesse e curiosidade.
So associados imagem dos tropeiros e bandeirantes, corajosos homens que, ao
vencerem a natureza e os primeiros ocupantes, forjavam o Brasil contemporneo.
Residem no imaginrio como testemunhos de um pas que estava por se construir,
em que, partindo de um suposto e forado marco zero, eliminando-se o elementoindgena, tudo poderia fazer, ou, mais importante, tudo poderia ser.
Flvia Brito, in Caminhos Singulares 1
apreseno
O interesse em descrever, ou melhor, em transcrever os percursos das antigas estradas de
penetrao no interior do territrio fluminense justifica-se pela importncia ue estas tiveram
como vetores do povoamento e desenvolvimento da regio do Vale do Paraba no Estado do
Rio de Janeiro.
Parte significativa da histria de nossa colonizao foi escrita ao longo e atravs desses
caminhos, e uando sobre eles nos debruamos trazemos tona acontecimentos ue abrangem
desde a expulso dos ndios nativos de suas terras, ao transporte do ouro e o abastecimento
das Minas Gerais, chegando ao estabelecimento da cultura do caf, ao surgimento e
enriuecimento das famlias dos bares do caf, e s modificaes socioeconmicas e
culturais por ue passou esta regio, e o pas como um todo, nesse perodo de tempo ue objeto de nosso estudo.
Surgem, ento, com frencia, algumas perguntas: por uais caminhos trilharam esses
desbravadores? Em ue locais se estabeleceram? Por onde passaram tantos viajantes
estrangeiros, naturalistas, artistas e escritores? De onde vinha e para onde ia esse enorme
contingente de aventureiros, dispostos a tudo, cheios de esperanas e vidos por riuezas e
glrias?
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Muitos vestgios desses tempos passados encontram-se registrados em relatos, desenhos e
auarelas ue retratam as paisagens por onde passaram os viajantes, impulsionados pelos mais
diferentes motivos. So elas: as primitivas roas para a proviso de mantimentos; as estalagens
ue se tm notcias, os armazns ue abasteciam as tropas de mulas dos carregadores de ouro;
os postos de registro ue controlavam o trfego das riuezas minerais extradas do interior do
pas; os engenhos de acar com seus destiladores e moendas; as primeiras fazendas ue
se ocupavam das plantaes de milho, mandioca, arroz e feijo e da criao de sunos para a
produo de toucinho salgado, to apreciado pelos tropeiros; os portos fluviais de cidades ue
desapareceram; os povoados e ncleos urbanos ue estacionaram no tempo.
Porto de Estrela. RUGENDAS.FBN.
Na vizinhana do Rio, a primeira aldeia de alguma importncia a do Porto
da Estrela (...). As mercadorias destinadas s provncias do interior, como
Minas Gerais, Minas Novas, Goiaz etc., so primeiramente conduzidas, da
mesma forma que os viajantes, em pequenas embarcaes, do Rio ao Porto
da Estrela. A so elas confiadas a tropas de mulas que, por seu lado, trazem,
de volta, carga para os navios do Rio de Janeiro.
RUGENDAS, Joo Maurcio. Viagem pitoresca atravs do Brasil. 3 edio, So Paulo. Livraria Martino. 1956. FUNDAO
BIBLIOTECA NACIONAL, FBN, Seo de Iconografia.
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Fazenda Mandioca. RUGENDAS.FBN.
A estrada que vai de Porto da Estrela a Minaspassa diante de belas plantaes, atrs das quaisse percebem, ao longe, as pontas angulosas daSerra dos rgos.3
Rio Paraba. RUGENDAS.FBN.
Do lado do Rio de Janeiro, a provncia de Minas Gerais limitada pelo Rio Paraba, s margens do qual existem
inmeros registros onde se pagam direitos de entradasobre as mercadorias, os negros.4
Rio Paraibuna. RUGENDAS.FBN.
Rio Paraibuna, afluente do Paraba junto divisacom Minas Gerais, onde o autor assinala uma pontee uma edificao, provavelmente uma das casas deregistro de mercadorias e escravos.5
3 RUGENDAS, Joo Maurcio. Viagem pitoresca atravs do Brasil. 3 edio, So Paulo. Livraria Martino. 1956. FUNDAO BIBLIOTECA
NACIONAL, FBN, Seo de Iconografia.4 Ib. 35 Ib. 3
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Mais tarde, muitas dessas primeiras fazendas, de ue temos notcia, tornaram-se grandes produtoras
de caf, a exemplo do Pau Grande, em Avelar (Paty do Alferes), de propriedade do Baro de Capivari
e, depois, de seu filho, Visconde de Ub, ambos chamados Joauim Ribeiro de Avelar. Tem-se ainda
a Fazenda Ub, de propriedade do Baro de Ub, Joo Rodrigues Pereira de Almeida, em Vassouras,
e a Fazenda Boa Unio, em Paraba do Sul, pertencente a Jos Antonio de Carvalho, conhecido comoMajor Carvalhinho, futuro Visconde do Rio Novo.
Fazenda Boa Unio.
Trs Rios, RJARqUIVO CENTRAL
DO IPHAN.
Fazenda Rio Novo.
Paraba do Sul, RJ.ARqUIVO CENTRAL
DO IPHAN.
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Esses vestgios tambm podem ser percebidos num olhar atento s paisagens remanescentes das
matas nativas ue circundam e acompanham os leitos desses caminhos; nos calamentos de pedra ue
insistem em permanecer revestindo trechos dessas estradas; na singeleza ou monumentalidade das
runas e edificaes ue sobreviveram ao tempo e ue, por vezes, se adeuaram aos tempos modernos,
ganhando novos usos e funes, como o so as edificaes daArquitetura do Caf.
Fazenda
Dois Amigos.
Rio Claro, RJ.ARqUIVO CENTRAL
DO IPHAN.
Fazenda da Ponte.
Itatiaia, RJ.Foto: HESSARqUIVO CENTRAL
DO IPHAN.
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Assim, a histria do Vale do Paraba Fluminense foi sendo construda, aos poucos, a partir do alcance e
penetrao desses caminhos de terra primitivos, aliados riueza de sua rede fluvial, alimentada pela
generosidade do Rio Paraba do Sul, e a riueza das florestas circundantes, com seus solos frteis (mas
no eternos), ue se somaram a tantos outros fatores econmicos, polticos e sociais, contribuindo para
transformar a regio, num passado no to remoto, meados do sculo XIX, num dos maiores plos
produtores de caf do pas.
Tamanha grandeza ainda se faz presente na imponncia das aruiteturas das casas-sede e demais
edificaes ue compunham tais unidades produtivas, ue se constituem, per si, em verdadeiros
documentos vivos de nossa histria.
Fazenda do Governo.
Paraba do Sul.RJ. V. FROND. FBN. 6
Fazenda do Governo.
Paraba do Sul.RJ. V. FROND. FBN. 7
6 RIBEYROLES, Charles. Brasil Pitoresco.Litografias de V. Frond. Paris. 1861. FUNDAO BIBLIOTECA NACIONAL.FBN.7 Ib. 6
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as primeirs esrds
Os primeiros caminhos no Vale do Paraba surgiram, ainda no sculo XVII, uando a Coroa Portuguesa,
com o objetivo de encontrar ouro e pedras preciosas no interior da Colnia, comeou a buscar pontos
distantes do litoral, atravs das velhas picadas abertas pelos ndios. Encontrado o metal precioso nas Minas
Gerais, deu-se incio corrida para conuist-lo e, em consencia, a construo de uma verdadeirarede de estradas, consolidada ao longo dos sculos seguintes. Com o declnio do Ciclo do Ouro a partir
de 1750, os velhos caminhos de terra, sinuosos e estreitos, foram sendo calados e ampliados para a
passagem das tropas ue transportavam o ouro verde, o caf, a maior riueza do sculo XIX.
O cminho Velho
Em meados do sculo XVI, a regio de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba recebeu especial ateno da
metrpole, tendo em vista a colonizao da rea e a garantia de sua posse para a Coroa Portuguesa.Essas regies desempenhavam papel estratgico entre o caminho do mar e a penetrao para o interior.
A principal atividade econmica da poca era o cultivo da cana-de-acar.
Foi com o surgimento das notcias sobre o ouro, em 1695, ue os primeiros aventureiros subiram a
trilha dos guaianazes com destino ao serto. No final do sculo XVII, foi criado o caminho para as Minas
Gerais, a ue se tinha acesso pela serra do quebra Cangalha, pelo caminho da Freguesia do Faco (atual
Cunha), atingindo-se o rio Paraba do Sul. Nesse ponto, dava-se o encontro com a rota dos bandeirantes
paulistas, na altura de Guaratinguet, e na Garganta do Emba. Vencida a serra, o caminho seguia at
Baependi, Carrancas, So Joo Del Rey e So Jos Del Rei (hoje, Tiradentes), at alcanar os arraiais
de Antnio Dias e de Vila Rica (atual Ouro Preto).
Parte desse caminho ainda existe, como, por exemplo, o trecho ue liga Paraty a Cunha e Guaratinguet,
a atual RJ-165 / SP-171.
O historiador MAGALHES apresenta o roteiro do Caminho Velho na pgina 177 de Cultura e opulncia
do Brasil, ed. de 1837, de Andr Joo Antonil, anagrama do padre jesuta Joo Antonio Andreoni, ue o
publicou em 1711:
Em menos de trinta dias, marchando de sol a sol, podem chegar os que partem da cidade do Rio de Janeiro s Minas
Gerais; porm raras vezes sucede poderem seguir esta marcha, por ser o caminho mais spero que o dos paulistas. E por
relao de quem andou por ele em companhia do Governador Artur de S o seguinte: Partindo, aos 23 de agosto, da
cidade do Rio de Janeiro foram a Parati, de Parati a Taubat, de Taubat a Pindamonhangaba, de Pindamonhangaba
a Guaratinguet, s rocas de Garcia Rodrigues, destas roas ao ribeiro. E do ribeiro com oito dias mais de sol a sol
chegaram ao rio das Velhas aos 29 de novembro; havendo parado no caminho oito dias em Parati, dezoito dias em
Taubat, dois em Guaratinguet, dois nas roas de Garcia Rodrigues, e 26 no ribeiro. Que por todas so cinqenta e
seis dias. E tirado estes dos noventa e nove, que se contam desde 23 de agosto at 29 de novembro, vieram a gastar neste
caminho no mais que quarenta e trs dias.
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Identificao dos Caminhos: Adriano Novaes
Desenho: Luciana Neiva
cr Geogri d Provni do Rio de Jneiro, 1858.Detalhe. ARqUIVO NACIONAL. AN. 8
8 Procedncia/Autoria: Presidente da Provncia - Antonio Nicolao Tolentino. 1858. ARqUIVO NACIONAL / Cartografia. Detalhe. Folha 4 - O mapa
representa a parte sul da provncia do Rio de Janeiro, prxima aos limites com Minas Gerais e So Paulo.
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Vista da Cidade de
Paraba do Sul, RJ.
V FROND.Acervo Paulo Lamego.9
O Caminho Novo, assim denominado para diferenciar-se da antiga rota, iniciava-se na cidade do Rio
de Janeiro, onde por terra caminhava-se at o Porto de Iraj e deste por via fluvial, chegando a Iguau
e depois ao Porto do Pilar. Deste Porto, a estrada seguia pela Baixada Fluminense at subir a Serra
do Tingu, infiltrando-se por estas serranias at chegar s roas do capito Marcos da Costa Fonseca
Castelo Branco (atual Marcos da Costa). Atravs da garganta do Rio Santana passava-se por Palmares e
em seguida chegava-se nas Roas do Alferes (atual Paty do Alferes). A partir desta localidade, a estrada
atravessava a fazenda Pau Grande (hoje Avelar), Cavaru e a cidade de Paraba do Sul, onde Garcia
Rodrigues havia se fixado com fazenda e registro. Depois de atravessar o Rio Paraba do Sul, seguia
em direo a Paraibuna (Monte Serrat), atingindo a Rocinha da Negra (atual Simo Pereira), Matias
Barbosa, Fazenda Juiz de Fora (hoje cidade de Juiz de Fora), Chapu dUvas (hoje Antnio Moreira), na
Mantiueira, Borda do Campo (atual Barbacena), Registro Velho e Encruzilhada do Campo. Nesse ponto
a estrada se bifurcava em dois caminhos: o ue levava a Vila Rica, atual Ouro Preto, e o ue ia para So
Joo dEl Rey.
cminho Novo
Em 1698, a Coroa Portuguesa tomou a deciso de abrir um novo caminho ue interligasse o Rio de
Janeiro s Minas Gerais. Foram dois os motivos dessa mudana de rota do ouro: a longa extenso
do Caminho Velho e a localizao dos portos de Angra dos Reis e Paraty, alvos fceis para piratas e
corsrios. Esse percurso ficou conhecido como Caminho Novo. Nauele mesmo ano, o desbravador
Garcia Rodrigues Paes, filho do famoso bandeirante Ferno Dias Paes, o caador de esmeraldas, foi
encarregado da empreitada. Os trabalhos de abertura do novo traado tiveram incio na Fazenda Garcia,
localizada nas margens do Rio Paraba do Sul, onde hoje se encontra a cidade de mesmo nome. J em
1699, esta ligao entre o Rio de Janeiro e as Minas Gerais era praticvel, embora somente tenha sido
concluda por volta de 1704.
9 RIBEYROLES, Charles. Brasil Pitoresco. Litografia de V. de Frond.Paris. 1861. ACERVO PAULO LAMEGO.
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Este ltimo ficou conhecido como Caminho do Ouro, uma vez ue por a circulavam os carregamentos
de ouro destinados Coroa. O Caminho Novo diminuiu a viagem entre o Rio de Janeiro e Vila Rica de 95
para 25 dias. Com a vinda da famlia real portuguesa para o Brasil, essa estrada ganhou o codinome de
Estrada Real ou Estrada Geral.
Ours vrines do cminho Novo
Durante todo o sculo XVIII, inmeras vias alternativas ao Caminho Novo foram sendo abertas, todas,
inicialmente, com a finalidade de encurtar distncias.
Em 1723, Aires Saldanha, ento governador da Capitania do Rio de Janeiro, incumbiu Garcia
Rodrigues de criar um caminho ue evitasse a Serra do Couto (prximo a Miguel Pereira), mas este
no aceitou a incumbncia, alegando cansao e doena. O mesmo encargo foi ento proposto a
Bernardo Soares de Proena, rico fazendeiro ue morava em Suru e conhecia toda a regio. Em
troca, foi-lhe oferecida uma sesmaria desde o Alto da Serra at o Itamarati. Bernardo recebeu a
sesmaria em 11 de setembro de 1721 e teve sua confirmao atravs de Carta Rgia de 30 de julho
de 1723. Esse atalho ficou conhecido como Caminho de Inhomirim, Caminho de Estrela ou Variante
doProena, mas seu nome oficial eraAtalho do Caminho Novo.
O caminho alternativo de Bernardo Soares de Proena perfazia o seguinte trajeto: do Cais dos
Mineiros, hoje praa XV de Novembro, na baa de Guanabara, subia-se o rio Inhomirim at o Portode Estrela, passava-se pela fazenda da Mandioca, ue pertenceu a Langsdorff, e por fazendas do
Crrego Seco (atual Petrpolis), Padre Correa, Secretrio e Vila de Sebolas, encontrando-se, ao
final, com o Caminho Novo em Santo Antnio da Encruzilhada.
Hoje, o antigo Caminho do Proena ainda existe, prximo atual RJ-107, conhecida como Velha
Estrada de Petrpolis ou Estrada Automvel Club. Grande parte foi aproveitada em 1850, com a
construo da Estrada Normal de Estrela. O abandono desta estrada estaria na inaugurao do ramal
ue ligava Guia de Pacobaba a Raiz da Serra, a Estrada de Ferro Baro de Mau, deslocando o eixo
de embarue martimo do Porto de Estrela para Pacobaba. Mais tarde, parte dessa estrada seria
aproveitada pela Estrada Unio e Indstria, atual RJ-107, entre Petrpolis e Posse.
Alm dessa variante do Caminho Novo, duas outras vias se originariam no Rio de Janeiro, ainda no
sculo XVIII. Uma delas o Caminho para So Paulo, ou Estrada Real de Santa Cruz, ligando o Rio
de Janeiro a So Paulo de Piratininga. Essa via foi aberta em 1725, com o objetivo de transportar
o ouro vindo das Minas de Cuiab, no Mato Grosso, para os portos do Rio de Janeiro. O caminho
passava por Santa Cruz, Itagua e So Joo Marcos; a seguir, prosseguia, entrando na Provncia de
So Paulo por Bananal e, posteriormente, Areias, e conectando-se com o antigo caminho velho emCachoeira Paulista.
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A outra estrada, denominada Rodeio, Caminho de Terra Firme ou ainda Caminho Novo
do Tingu, foi aberta por volta de 1750. Iniciava-se no Rio de Janeiro, prosseguindo em
direo ao Engenho de Pedro Dias onde o Guarda-Mor Pedro Dias Paes construiu a
capela dedicada a N. S. de Belm e Menino Deus, atual Japeri e subia a serra do Tingu,
fazendo ligao com o Caminho deGarcia Rodrigues, na Fazenda Pau Grande. margem
desse caminho viria a ser construda uma capela ue daria origem freguesia de Sacra
Famlia do Caminho Novo do Tingu.
Estrada Normal da Estrela. Marc Ferrez. INSTITUTO MOREIRA SALLES.10
10 FERREZ, Marc. O Brasil de Marc Ferrez; 2 edio. So Paulo. INSTITUTO MOREIRA SALLES.IMS, 2005.
Desses caminhos aparecem derivaes no sculo XIX, como auele ue, saindo de Belm
(hoje Japeri), na direo de Terra Firme ou Rodeio, rumava para a capela de Thomazes,
entre os rios Pira e Paraba do Sul, em seguida, para Barra Mansa e Campo Alegre da
Paraba Nova, atual Resende. Essa estrada aparece citada com a denominao de Estrada
Real das Boiadas.
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cminhos do
No incio do sculo XIX, com o esgotamento das minas de ouro nas Gerais, os caminhos abertos
para o carregamento desse metal permitiram ue uma nova riueza, o caf, povoasse as terras
praticamente virgens do Vale do Paraba do Sul. Com o apoio da Coroa, novas estradas logosurgiram, enuanto as antigas iam sendo melhoradas ou ampliadas com o objetivo de facilitar o
escoamento da importante carga, inicialmente transportada em lombo de mula.
As primeiras a serem construdas, no sculo XIX, ligando os portos do litoral ao Vale do Paraba
do Sul, derivam de variantes e ramais dos antigos Caminhos: Velho e Novo.
No Caminho Velho, o primitivo porto de Paraty foi substitudo pelos portos de Jurumirim, Arir,
Itanema, Frade, Mambucaba, Bracu e Stio Forte, todos na baa de Angra dos Reis. Esses
portos ue recebiam uase toda a produo do Sul e Sudoeste fluminenses, do chamadoNorte Paulista, da zona meridional de Minas e ainda de Gois. At 1864, a antiga povoao de
Santos Reis Magos, atual cidade de Angra dos Reis, foi, depois do Rio de Janeiro, o porto mais
movimentado do Sul do Brasil. Havia ainda os portos de Itagua e Mangaratiba.
Atravs desses portos tambm se fazia o desembarue de africanos no litoral sul do Rio de
Janeiro. Dois anos depois da promulgao da Lei de 1850, ue proibiu o trfico de escravos, um
importante acontecimento, conhecido na poca como Caso de Bracuhy, envolveu os nomes
de ricos fazendeiros com a atividade recm-proibida, como os de Manoel de Aguiar Vallim,
o maior produtor de caf na regio de Bananal, e do Comendador Joauim Jos de Souza
Breves, o chamado Rei do Caf. Todos foram indiciados, mas... inocentados.11
nesses portos ue se iniciam as novas estradas, como a de Mambucaba, ue margeava o
rio do mesmo nome, seguindo at a Serra Geral e a do Frade, onde se bifurcava para Silveiras
e para So Jos do Barreiro e Resende; a estrada de So Joo Marcos, ue ligava o porto
de Mangaratiba cidade do mesmo nome e subia em direo de Rio Claro at atingir Barra
Mansa, onde se dividia para Resende e quatis; e a do Caramujo, ue ligava os portos de
Angra dos Reis e Jurumirim a Rio Claro. So por essas estradas ue, at a construo dostrilhos da Estrada de Ferro D. Pedro II, se escoa toda a produo de caf de Resende, Barra
Mansa, So Joo Marcos, Bananal e So Jos do Barreiro, regio pioneira na produo dessa
lavoura no Vale.
Dos portos da Baixada, ue serviam ao antigo Caminho Novo e variante, tambm surgem novas
estradas: Comrcio, Polcia, Werneck e Presidente Pedreira. O Porto da Estrela, retratado por
Rugendas, era um dos mais importantes da regio.
11 MATTOS, Hebe Maria e SCHNOOR, Eduardo. Resgate: Uma janela para o Oitocentos. Rio de Janeiro: Editora Topbooks, 1995.
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Esrd do comrio
Construda entre 1813 e 1817 pela Real Junta de Comrcio,
Agricultura, Fbrica e Navegao do Estado do Brasil e Domnios
Ultramarinos, da o nome Comrcio. A estrada partia do Portode Iguau, no rio de mesmo nome, prximo ao Caminho Novo,
mas, em lugar de subir rumo a Paty do Alferes, tomava a direo
mais para o sul, galgando a Serra do Mar, em trecho ue foi
chamado Serra da Estrada Nova entre as Serras do Tingu e
de Sant Ana e passando Vera Cruz, Massambar, at atingir
as margens do Rio Paraba do Sul. Da dividia-se: um brao
rumava rio abaixo, entrava pela Fazenda de Ub, at encontrar o
Caminho Novo e o da Estrela; o outro cruzava o rio, cuja travessia
era feita por meio de balsa. Nesse ponto foi instalado um registro
de mercadoria, ue deu origem localidade de Comrcio. Desse
local, a estrada seguia para o Portodos ndios (nas margens do
Rio Preto), mas antes, nas proximidades de Taboas, cruzava
a estrada aberta por Rodrigues da Cruz, em 1801, ue segue
para a Aldeia de N. Senhora da Glria de Valena, atual cidade
de Valena, at atingir a Vila de Nosso Senhor dos Passos do
Presdio de Rio Preto, na divisa da provncia de Minas Gerais.
Segundo o Relatrio da Presidncia da Provncia do Rio de
Janeiro de 1835, p. 28, esta estrada ainda no tinha atingido a
Provncia de Minas, como objetivava.
Ao longo do sculo XIX, surgiram vrias derivaes dessa
estrada, a maioria delas construdas dentro dos municpios de
Valena e Vassouras. Observe-se ue grande parte dessa
estrada ainda existe e permanece em uso. importante ressaltar
ue sua construo beneficiou, sobretudo, as principais fazendasdo Baro de Ub, constitudas, poca, de um complexo de 14
sesmarias, capitaneadas pelas propriedades de Ub e Cazal. O
Baro de Ub, um dos mais importantes membros da Junta de
Comrcio, foi sem dvida nenhuma um grande articulador da
construo da estrada.
O naturalista August SAINT-HILLAIRE, ue descreve
maravilhosamente o Brasil nos relatos de suas viagens por
muitos desses caminhos, percorreu, em 1822, a Estrada do
Comrcio, ue ele tambm denominava de Estrada Nova.
Planta Hydro-topogrfica da Estrada do
Commrcio. 1:60.000. Prodecncia/Autoria:ConradJacob de Niemeyer. 1844.FUNDAO BIBLIOTECA NACIONAL. FBN.
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Esrd d Poli
O seu traado tinha como objetivo ligar a capital do Reino do Brasil, o Rio de Janeiro, ao sul da
provncia de Minas Gerais, passando pelo Vale do Paraba. Foi aberta a partir de 1817, pelo
Intendente de Polcia do Rio de Janeiro, Paulo Fernandes Vianna, uma das mais proeminentesfiguras da Corte de D. Joo VI. Possuindo mais de 20 lguas de extenso, comeava no Rio
Pavuna e seguia por uma vrzea de cinco lguas at iniciar a subida da Serra do Mar, no lugar
denominado Joo Paulo, da para cima, seguia pelos morros atravessando as Serras de Santa
Ana, Botaes, passava em Simo Antnio, prximo Sacra Famlia do Tingu, Serra do Mata
Ces, aonde se chegava fazenda de Jos Rodrigues Alves, onde mais tarde foi fundada a
cidade de Vassouras. Da prosseguia at as margens do Rio Paraba, onde foi construda uma
ponte de madeira. s margens desse rio encontra-se a grandiosa Fazenda Santa Mnica, dos
Marueses de Baependy, cuja propriedade muito se beneficiou com a construo da estrada. De
Santa Mnica a estrada tomava a direo da Aldeia de Valena e, da, passava pelas terras de
Vianna, para pouco mais adiante atingir a Vila do Presdio de Rio Preto.
Vista da Cidade de Vassouras. V. FROND. ACERVO PAULO LAMEGO.
12 Ib. 9
De grande importncia para as fazendas de Vassouras e Valena, conforme citado na obra de
Stanley Stein13 sobre a regio, assim referiu-se Joauim Jos Teixeira Leite, o futuro Barode Vassouras, Estrada da Polcia: nica fonte de vida e prosperidadee, ainda, se vocs
desviarem essas estradas da cidade, a cidade ter ue se mudar tambm. Dessa estrada ainda
existem trechos do traado original, a maioria no municpio de Vassouras.
Em 1829, o pastor Robert Walsh percorre a Estrada da Polcia e, em seu livro Notice of Brazil,
refere-se Vila de Valena, enuanto Sir Charles Banbury, em 1835, viajando, com toda certeza
pela mesma estrada, j encontrou a Vila de Vassouras construda.
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Esrd Presidene Pedreir
Idealizada em 1840, s se tornou praticvel por volta de 1850. Antes denominada Estrada
da Bocaina dos Mendes, seu traado foi estudado pela primeira vez por engenheiros da
provncia do Rio de Janeiro sob as ordens do Presidente da Provncia, Jos ClementePereira, proprietrio da extensa Fazenda das Cruzes, nas proximidades de Ypiranga,
municpio de Vassouras, cuja estrada cortou a mencionada fazenda. A estrada iniciava-
se em Pavuna, passava por Belm (hoje, Japeri), Macacos (hoje, Paracambi) e subia a
serra margeando o rio dos Macacos, at atingir Rodeio (hoje, Paulo de Frontin). Desse
ponto a estrada tomava a direo de Santa Cruz dos Mendes (hoje, Mendes) e da
seguia at as margens do Rio Paraba do Sul, em Ypiranga. Atravessando o rio, a
estrada tomava a direo de Ipiabas, passando pelas terras do Baro do Rio Bonito,
at atingir Santo Antnio do Rio Bonito (hoje, Conservatria). Em 1853, o presidente da
provncia autorizou o fazendeiro Manoel da Silva Pereira Jnior a estender a estrada at
a Santa Isabel do Rio Preto, na divisa com a Provncia da Minas Gerais, fazendo ligao
com a Estrada de Bom Jardim na provncia de Minas Gerais.
A respeito das vantagens da estrada para Vassouras, assim oficiou o Presidente da
Cmara de Vassouras ao Presidente da Provncia, em 16 de setembro de 1853:
... no era apenas especialmente vantajosa, mas ainda absolutamente
necessria para a cidade de Vassouras e a maior parte do municpio, queat a esta no tinha uma nica estrada de carroa para viajar Corte e
para transportar certas cargas volumosas. (STEIN, 1985, p. 137)
O nome Presidente Pedreira foi uma homenagem ao ento Presidente da Provncia
do Rio de Janeiro Lus Pedreira do Couto Ferraz, o Visconde de Bom Retiro, por ter
sido responsvel pelo trmino da obra. Com a chegada dos trilhos da Estrada de Ferro
D. Pedro IIem Barra do Pira, a Presidente Pedreira foi praticamente abandonada no
trecho Vassouras / Barra do Pira.
As estradas supracitadas comunicavam-se atravs de outras to importantes uanto,
como as Estradas de Werneck(ue cortava a do Comrcio, prximo a Paty do Alferes) e
do Presidente ou Picu, uma derivao da Estrada de So Paulo, ue, saindo de Itagua,
subia a serra na direo de Pira, passando depois por Barra Mansa, Resende, at
encontrar a Serra do Picu na Provncia de Minas. Essa estrada (do Picu) foi construda
entre 1843 e 1846. Havia tambm a Estrada Resende-Arir, construda na dcada de
1830e a dos Fazendeiros, ue ligava Dores, no municpio de Pira, ao Porto da Pavuna,
construda em 1840.
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Esrd Unio e Indsri
Descontando-se os caminhos percorridos com carroas pelos tropeiros e ue ligavam cidades e vilas
brasileiras desde o sculo XVI, foi apenas com a inaugurao da Estrada Unio Indstria, em 1861,
idealizada e executada pelo genial empreendedor Mariano Procpio Ferreira Lage, ue a histria das
estradas pavimentadas comeou a ser escrita.
A princpio a idia parecia absurda, pois o projeto, alm de inovador, era caro. Mas, sonhado por muitos
fazendeiros do Vale, ue viviam atormentados pela demora do transporte do caf at a Corte, tudo se
fez para concretiz-lo. A moderna tcnica construtiva da estrada acabava, em parte, com os enormes
atoleiros causados pelas caravanas de mulas ue levavam o caf do Vale aos portos da Baixada.
Estrada da Unio e Indstria trecho de Paraibuna.lbum da Estrada Unio e Indstria.13
A maior obra de engenharia na Amrica Latina da poca comeou a tornar-se realidade em 7 de agosto
de 1852, uando Mariano Procpio obteve, graas ao decreto n0 1.301 do Governo Imperial, a autorizao
para a referida construo. As obras foram iniciadas em 12 de abril de 1856, com a presena e o incentivo
de D. Pedro II e sua comitiva. Os trabalhos exigiam, no entanto, uma grande determinao de engenheiros
e operrios, uma vez ue implicavam construes de pontes e os trajetos eram entrecortados pelas
escarpas granticas da serra do Tauaral. Mariano Procpio encarregou o engenheiro alemo Koeler para
assumir a responsabilidade do trecho ue ia da cidade de Trs Rios at Juiz de Fora ( poca, Paraibuna);
e o brasileiro Antnio Maria Bulhes, do percurso entre as cidades de Petrpolis e Trs Rios.
13 Vasuez, Pedro Karp.lbum da Estrada Unio e Indstria. 2 edio. Rio de Janeiro : quadratim G, 1998.
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Tropa de Mulas na Estrada
Unio e Indstria.
lbum da Estrada Unio e Indstria.14
Ao longo da estrada foram construdas slidas pontes de pedra e ferro, ue passaram a constituirverdadeiras relquias de engenharia, e de arte, j ue algumas resistiram bravamente ao tempo, como a
das Garas, em Trs Rios.
Nas margens da estrada, alm de se construrem muretas de pedra, plantaram-se mulungus vermelhos,
rvores da famlia das leguminosas ue, dada a trama bem-feita de suas razes, conferem grande
resistncia aos terrenos dos acostamentos. Em poca de florada, essas rvores proporcionavam um
aspecto agradvel estrada, ue ficava toda salpicada de flores vermelhas. Nas 12 estaes de mudas
edificadas, nenhuma aruitetura foi repetida.
A tcnica de construo
da estrada era das mais
modernas do mundo, incluindo
o uso do macadame, recurso
ue Mariano aprendera nos
Estados Unidos. O macadame
uma tcnica ue surgiu na
Esccia, uando John Mac
Adam inventou um sistema
de construo de estradas
e ruas ue consiste em abrir
nelas uma cavidade abaulada,
igualmente alta em toda a sua
largura (caixa de estrada), a serpreenchida com uma camada
de pedra britada; esta, por sua
vez, recoberta por outra de
saibro e calcada com o rolo ou
cilindro, formando um corpo
slido e compacto.
14 Ib. 13
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Dividida em duas etapas, a estrada, ue foi concluda em 23 de julho de 1861, estendia-se por 144 km no
eixo principal, ou seja, Petrpolis/Juiz de Fora, perfazendo 96 km no Estado do Rio de Janeiro e 48 km no
Estado de Minas Gerais. Contava ainda com trs ramais, a saber: o primeiro partia de Paraibuna, seguia
pela margem direita do rio Preto at Porto das Flores (hoje, Manoel Duarte), passando por Trs Ilhas e
Santa Rosa; o segundo comeava na estao da Posse e ia at Aparecida, passando por Rio Preto (hoje,
So Jos do Vale do Rio Preto); o terceiro ramal ia da Estao Luis Gomes a Sapucaia passando porBemposta. Os dois ltimos no foram concludos.
Ponte das Garas, Trs Rios.
lbum da Estrada
Unio e Indstria.15
Sem dvida nenhuma o ramal de Paraibuna foi o mais importante dos trs, como afirmado pelo prprio
Mariano Procpio, em carta escrita ao Vice-Presidente da Provncia do Rio de Janeiro, datada de 1865:
Finalmente est bem demonstrada a utilidade que o ramal da estao do Paraibuna a Porto
das Flores presta lavoura, dizendo-se que o Exmo. Baro do Rio Preto, possuidor de extensas
propriedades de Porto das Flores para cima, e mais avizinhado de Valena que da estao de
Paraibuna, e todavia o melhor fregus desta, abraou calorosamente a idia de se levar avante
o melhoramento projetado, concorrendo com 10:000$000, de acordo com BASTOS.
A magnitude e importncia ue essa estrada trouxe podem ser ainda avaliadas pela descrio ue dela
feita, em palavras e fotografias, no primeiro guia de viagens do Brasil, Doze horas em diligncia Guia
do viajante de Petrpolis a Juiz de Fora, escrito pelo fotgrafo do imperador, o francs Revert Henriue
Klumb, editado em 1872.
15 Ib. 13
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Estao de Paraibna.
lbum da Estrada Unioe Indstria.16
Estao de Trs Rios.
lbum da EstradaUnio e Indstria.17
16 Ib. 1317 Ib. 13
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O dveno ds errovis
No decorrer do sculo XIX, o crescimento econmico do pas, em grande parte devido exportao do
caf produzido principalmente no Vale do Paraba, contribuiu para ue foras polticas, representadas
por fazendeiros da regio, convencessem o governo da necessidade de implantao de uma rede
ferroviria na Provncia do Rio de Janeiro.
Em resposta presso da Inglaterra, ue tambm cobrava ao governo brasileiro o fim ao trfico
transatlntico de africanos, foi editada em 1850 a Lei Eusbio de queiroz. O capital mercantil, ue antes
privilegiava esse comrcio milionrio, a partir desse momento foi direcionado para outras atividades,
destacando-se o surgimento de bancos comerciais, ue permitiram o financiamento e auisio de
mauinaria para beneficiamento de caf e a construo de ferrovias para o escoamento da produo.
Irineu Evangelista de Souza, futuro Visconde de Mau, ue se tornou um personagem importante de
nossa histria, foi um dos ue solicitou o privilgio de construir uma via frrea, ue viria a ser a primeira
da Amrica Latina. Inaugurou-se, assim, em 30 de abril de 1854, a Cia. Estrada de Ferro Mau, com
14,5km de extenso, apenas 20 meses aps o incio das obras. Essa estrada ligava a localidade de
Pacobaba, margem da Baa de Guanabara, hoje Mau, raiz da serra do Mar, no caminho para
Petrpolis. O primeiro trem da E. F. Mau foi tracionado pela locomotiva Baronesa, construda na
Inglaterra por William Fairbarin & Sons em 1852.
Em 29 de maro de 1858, inaugurava-se o trecho da primeira seo da Estrada de Ferro D. Pedro II,com 48 km de extenso, indo da Estao da Corte, na praa da Aclamao (atual praa da Repblica),
a queimados, municpio de Nova Iguau, na Baixada Fluminense. Essa primeira seo foi concluda
sete meses depois, com a inaugurao da estao de Belm, hoje Japeri. A partir da, para se atingir o
Vale do Rio Paraba do Sul, um grande obstculo deveria ser vencido, a Serra do Mar. Da, a estrada
deveria bifurcar-se nos sentidos de Minas Gerais e So Paulo. O ponto da bifurcao da estrada foi
motivo de acaloradas discusses, envolvendo, dois grupos distintos de fazendeiros, ambos influentes
e prestigiados pelo Imperador.
Por um lado, fazendeiros de Vassouras, representados pela famlia Teixeira Leite, ue desejavam
localiz-lo na primeira estao da serra Rodeio, atual cidade de Paulo de Frontin passando por
Vassouras, a caminho de Minas Gerais, e cortando o municpio de Vassouras ao meio, para depois
alcanar as margens do rio Paraba do Sul. O outro grupo, constitudo por fazendeiros valencianos
representados principalmente pela famlia Faro, desejava ue a ferrovia se dirigisse at as margens
do Paraba do Sul, na altura de Barra do Pira, onde possuam terras. Diante da polmica instaurada,
D. Pedro II mandou realizar um estudo ue definisse o trajeto mais vivel e, com base nas indicaes
tcnicas, resolveu ue a bifurcao seria em Barra do Pira.
1Publicao do Centro de Preservao da Histria Ferroviria do Rio de Janeiro, Engenho de Dentro. Rede Ferroviria Federal S. A, 1983.p. 31 e 36.2Ibidem.3Ibidem.
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Estao de Vassouras8
8 Ib. 4
Dentre todas as estaes ue foram inauguradas na Estrada de Ferro D. Pedro II, a ue mais
repercusso causou foi a Estao do Desengano, atual Juparan, assim descrita nas festividades de
sua inaugurao ue contou com a presena da famlia imperial:
um grande e lindo edifcio que tem nas extremidades dous bellos pavilhes e no centro
uma elegante torre, em que est colocado um excellente relgio. Contem, nos pavilhes
e nas salas das extremidades, accommodaes para os empregados da estao,
escriptorios, recepo de passageiros, etc., e no centro um armazm da conveniente
capacidade para um ponto que deve ser de considervel trafego...
esta, sem contestao, de todas as estaes da estrada de ferro D. Pedro II a que
merece ser visitada e apreciada com a belleza do edifcio. (Almanak Laemmert, 1865)
Acervo Fundao Biblioteca Nacional.
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Em funo de toda a riueza econmica, a malha ferroviria vai se expandindo a partir de novos
entroncamentos com a Estrada de Ferro D. Pedro II. Em 1875, a regio do Mdio Paraba j contava
com 15 estaes das 48 existentes nessa ferrovia: a Estrada de Ferro Unio Valenciana, Estrada de
Ferro Rio das Flores, Estrada de Ferro Santa Isabel do Rio Preto, Ferro Carril Pirahyense, Estrada de
Ferro Bananalense, Estrada de Ferro Resende a Areias, estas duas ltimas indo at a Provncia de So
Paulo, na divisa com a do Rio de Janeiro (Bananal e Areias).
Acervo Fundao
Biblioteca Nacional
Acervo Fundao
Biblioteca Nacional
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Havia tambm duas companhias de carris por trao animal, a Ferro Carril Vassourense,
inaugurada em 5 de maro de 1875, sendo aproveitada em 1883 por locomotivas a vapor, ligava
a cidade de Vassouras Estrada de Ferro D. Pedro II, distante 7km , e a Ferro Carril Paraibuna,
ue, embora no fosse ligada D. Pedro II, foi de grande importncia para o escoamento do
caf do Vale do Rio Preto e aduiriu os direitos de explorao do antigo ramal Paraibuna-Porto
das Flores, da Estrada Unio Indstria.
as errovis ps-perodo imperil
Aps a proclamao da Repblica em 1889, a Estrada de Ferro D. Pedro II teve seu nome
mudado para Estrada de Ferro Central do Brasil. Ao longo de sua expanso, no sentido das
terras paulistas e mineiras, a empresa foi anexando vrias linhas frreas de propriedade do
Estado e de particulares, como tambm a construo de novas.
Nesta poca foi iniciada a construo da chamada Linha Auxiliar, executada pela Estrada de Ferro
Melhoramentos a partir de 1892, e em 1898 foi entregue o trecho entre Mangueira, na Capital (onde
essa linha e a do Centro se separam) e Entre Rios (Trs Rios). O traado da serra foi projetado porPaulo de Frontin, um dos incorporadores da estrada. Em 1903, a Estrada de Ferro Melhoramentos foi
agregada Estrada de Ferro Central do Brasil e passou a se chamar Linha Auxiliar.
Acervo Marcus Monteiro.
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Outras ferrovias foram incorporadas a ela, como a linha de carris de Vassouras, construindo um ramal
entre a Estao de Baro de Vassouras, na Linha Centro da Central do Brasil, at a localidade de
Governador Portela em Miguel Pereira, na linha tronco da Auxiliar. Este trecho, ue ficou conhecido
como Ramal de Vassouras, foi inaugurado em 1914.
A Unio Valenciana e a Rio das Flores, depois de aduiridas, em 1910, pela Unio, foram conectadas,
atravs da localidade de Taboas, fazendo ligao com a linha Centro, da Central do Brasil na altura de
Afonso Arinos. O trecho Comrcio a Taboas foi desativado anos depois e o ramal Valena a Rio Preto
foi prolongado at Santa Rita de Jacutinga, em Minas Gerais, conectando-se com a Estrada de Ferro
Oeste de Minas em 1918.
Em setembro de 1889, a Estrada de Ferro Santa Isabel do Rio Preto foi aduirida pela Companhia
Estrada de Ferro Santana, antiga Pirahyense. Meses depois, as duas foram compradas pela Companhia
Viao Frrea Sapucahy. Em 1893, foi feita a ligao da antiga Santa Isabel com a antiga Santana,estabelecendo-se assim a conexo entre Pira e Bom Jardim de Minas, via Santa Rita de Jacutinga, na
Estrada de Ferro Oeste de Minas. Tempos depois a Sapuca foi aduirida pela Rede Mineira de Viao,
constituindo, nos anos de 1950, a ferrovia mais extensa do Brasil.
A Estrada de Ferro Resende - Areias foi vendida, em 1879, Companhia Estrada de Ferro Resende-
Bocaina, e continuaria em funcionamento at 1928, uando foi completamente extinta. A Estrada de Ferro
Ramal Bananalense foi vendida no final do sculo XIX a particulares, ue mudaram sua denominao
para Estrada de Ferro Bananal. Em 1918, a Unio aduire esta ferrovia para vend-la novamente
Estrada de Ferro Oeste de Minas. Em 1931, volta para a Estrada de Ferro Central do Brasil .
A Estrada de Ferro Central do Brasil continuou na esfera federal at 1941, uando passou a ser uma
autaruia, situao em ue permaneceria at 1957, uando foi incorporada Rede Ferroviria Federal.
Logo a seguir a Rede tomou a iniciativa de desativar gradualmente vrios dos ramais ferrovirios aui
mencionados, alegando inviabilidade econmica.
Fontes
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DAVID, Eduardo Gonalves. 127 anos de Ferrovia. Juiz de Fora: Esdeva.
DEISTER, Sebastio. Serra do Tingu 300 Anos de Conquistas, do Sculo XVII ao Sculo XX. 1 edio, Volume I. DedalusInformtica Ltda. 2003. p.45.
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Imagens fotogrficas(crditos):
ARqUIVO CENTRAL DO IPHAN.
ARqUIVO NACIONAL - AN
FUNDAO BIBLIOTECA NACIONAL - FBN.
FUNDAO DA IMAGEM E DO SOM - MIS
INSTITUTO MOREIRA SALLES - IMS.
COLEES PARTICULARES.